Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
-O autor inicia contextualizando o ambiente físico: uma viela que liga a praça à rua São
Francisco, ninguém sabia o nome da rua em si, nem mesmo ele encontrou o nome em
mapas, no local acumulam-se cascas de frutas, bitucas de cigarro e copos descartáveis que
os moradores e passantes atiram, o que tornam as esquinas cheias de lixo viscoso e mau
odor.
-Logo na entrada havia uma pichação que dizia “isso não é verdade”, o autor se questiona
sobre ser um possível protesto ou apenas um refrão de um samba da época, a verdade é
que, segundo ele, servia de aviso a quem passasse que entraria em uma outra dimensão:
“um lugar onde as aparências enganam e o real e imaginário se misturam.
-A rua São Francisco a parte alta e a baixa de Salvador e situa-se nos limites do Pelourinho
(antigo centro, a nova burguesia passou a construir imensos casarões nas periferias, as
antigas construções então passaram a ser divididas em minúsculos cubículos para que
abrigassem o maior número de pessoas [cortiços]) (passou a ser conhecido como local de
marginais, na déc de 70, 60% das mulheres do local viviam de prostituição)
-A maioria das casas possuem 3 pavimento, sendo assim xixi do cachorro de cima pingava
na casa de baixo, e a casa abaixo quando usavam repelente de insetos lotava a de cima de
baratas
-Na época esses quartos custavam de 35 a 55 reais por semana, sendo que o salário
mínimo era de 112. Em alguns casos as travestis pagavam mais caro pq os proprietários
sabiam que elas ganhavam mais
-O pesquisador foi acolhido por Keila, uma travesti robusta de 30 anos, ela havia trabalhado
com o GGB (Grupo Gay da Bahia, um dos principais grupos em representatividade no país,
principalmente naquela época) no período ela distribuia preservativos para as travestis por
repasses do GGB
Travestis e Aids
-Não haviam dados sobre as travestis pq eram postas como “homem” ou “homossexuais”,
se perguntar a eles elas chutam um número, e entre sí só tratavam a doença por
eufemismo, como a menino ou a tia, e diziam nunca saber se poderia ter sido aids msm
-Elas não tinham acesso ao serviço de saúde assim como muitos brasileiros,
diagnosticavam as doenças por conta própria e se tratavam com remédios de indicação de
amigos, assim a aids era mais opinião do que diagnóstico clínico (entre elas então a
epidemia de aids não era levada tão a sério) faziam um paralelo com silicone, sabiam que
causava riscos, mas diziam que nunca poderiam saber se alguma travesti morreu mesmo
por conta do silicone
-Algumas recebiam resultados positivos de testes, mas acreditavam que não eram
confiáveis, e que podia se receber um resultado positivo hj e um negativo amanhã e tmb
uma crença firme de que se pode infectar com quantidades variáveis e se contrair apenas
“um pouco do vírus” não teria problema
-As travestis usavam a Aids como xingamento para seus desafetados, mas sempre
negavam que qlq conhecido tenha morrido da doença alegando qlq coisa, como
tuberculoses e etc
-Praticamente todas utilizam camisinha com seus clientes e muitas dizem não realizar sexo
oral sem camisinha, entretanto podem acontecer acidentes, mas para além disso alguns
clientes pagam mais pelo sexo sem, outras permitem o coito interrompido ou não usam com
os “vícios” (parceiros jovens e atraentes dos quais elas não cobram)
-Entretanto os maiores vetores de hiv pras travestis são seus namorados, apenas keila
disse usar com o namorado, o preservativo passou a ser relacionado apenas com o
trabalho
Travestis e Violência
-Se é difícil saber se morreram de aids é bem fácil saber que morreram por violência
-Cotidiano violento das travestis que chamam muita atenção, sempre recebendo quando
saem durante o dia comentários e agressões físicas
-Á noite os perigos são maiores, para procurar clientes precisam se expor nas esquinas,
alvo fácil de policiais, motoristas, passantes, etc, geralmente verbal, mas vira e mexe jovens
espancam travestis, algumas vezes chegam a disparar armas de fogo, geralmente as
pessoas não são identificadas ou detidas e quando são recebem penas leves
-Um policial foi sentenciado considerado culpado pela morte de de até 6 travestis com tiros
no rosto e os genitais extirpados, sua pena foi reduzida de 12 para 6 anos pq a “a atividade
da vítima era de alto risco e não poderia ter o fato surpresa”
-Também faziam corredor polonês que pode mudar o silicone de lugar dentro do corpo das
travestis e as deixarem completamente deformadas, o que dá mais prazer aos policiais
-A defesa consistia em abrir um corte no braço e borrifar sangue nos policiais, a maioria
carregavam consigo uma gilete, a maioria das travestis com mais de 30 anos possuíam
cicatrizes nos braços, algumas profundas
-O noticiário tratava como propagadoras do caos e se preocupava muito mais com crimes
cometidos por elas e relatavam de maneira sensacionalista
Travestis em Salvador
-Mesmo jovens travestis trabalham já em diferentes cidades e mesmo distantes entre si, no
Carnaval todo o nordeste vai pra Salvador
-Ao contrário do que muitos pensam a maioria procura evitar muita exposição durante o
carnaval por medo de sofrerem violência, na verdade os relatos gerais a respeito do
carnaval são de senso comum
-O autor relata por exemplo um episódio no qual um grupo de travesti no carnaval passou
do lado de um grupo de homens travestidos e recebeu as mesmas ofensas corriqueiras
-A juventude também pode ser pensada pelo ponto de vista da expectativa de vida, o auge
de uma travesti que ultrapassa os 40 é conseguir ter juntado dinheiro pra comprar uma casa
espaçosa na qual ela aluga quartos para travestis mais jovens
-No dia a dia as travestis convivem com as pessoas e crianças da região, comumente em
grupos papeando durante a tarde sempre com um espelhinho de maquiagem
-Fazem sempre companhia umas as outras, pedem opinião, tomam ônibus juntas para
chegarem até o ponto e etc, apesar da aparência o laço entre elas é bem frágil
-”Tudo é falsidade” era comum seduzir namorados umas das outras e furtar objetos e
dinheiro
-Keila relata um caso de uma travesti que teve hepatite e tava com “um babado no edi”, mal
conseguia defecar e não conseguia clientes, keila à instruiu a busca tratamento, nesse
período dormia no chão da casa das outras e comendo com elas no compromisso de
retribuir, no fim “roubou a bicha com quem morava e sumiu da cidade”
-Ao ser recém chegada tmb pode não ser aceita e ter de trabalhar em ruas não muito
seguras ou até abandonar a cidade, em MG foi comum por exemplo desfiguram o rosto das
travestis desafetas com ácido sulfúrico
-Talvez a desconfiança resulte do ambiente violento no qual elas vivem e são obrigadas a
trair os mais próximos se quiserem sobreviver ou mesmo internalizando preconceitos e
estigmas e reproduzindo contra outras
-Talvez uma última explicação esteja no “projeto travesti”, uma cultura jovem e
individualizada que não se dedica à criação de laços mas sim com a aparência e na qual
todas essas qualidades são conquistas práticas mediantes à um esforço desde tenra idade
-O autor relata um caso de aplicação de silicone, a travesti que está sendo “bombada” tem 4
agulhas cravadas nas nádegas há mais de 2h30, os furos deixados pelas agulhas são
preenchidos com super bonder e algodão
-Esse litro não era o primeiro, ela não chegou ali de “corpo virgem”, já tinha 2l e meio
-As concepções que as levam até esse momento tem início na infância marcada por jogos
eróticos e atração pelo sexo masculino, após a primeira relação anal passam a se vestir
cada vez mais como mulher e iniciam as modificações corporais feminilizadoras. A medida
que isso vai se tornando aparente são expulsas de casa
-O autor então passa a relatar histórias da infância das travestis, quase sempre tiveram sua
primeira relação sexual na infância ainda antes da adolescência com um homem mais
velho, quase sempre um adulto, raramente um jovem, e são sempre passivos
-O autor descreve um caso de uma criança aos 7 anos pedindo para ver o “caralho” de um
velho da vizinhança
-Na Europa e América a ideia de atração por homens como desencadeadora da mudança
de sexo é negada (sexualidade/gênero), entretanto entre as travestis no Brasil o sexo é o
centro da cena
-Quando o autor perguntava às travestis que contassem suas histórias de infância nenhuma
negou que o homoerotismo foi o aspecto mais importante no processo de descoberta,
quando perguntadas quando se perceberam diferentes dos garotos era sempre a atração o
fato principal
-Carlinhos que estava “bombando” a travesti no início do capítulo conta sua história, sempre
teve uma tendências as “artes femininas”, brincar de casinha, e sentia atração pelos
meninos
-Outras travestis relatam o mesmo, sempre uma tendência as coisas femininas vêm ligadas
à atração por homens
-As “brincadeiras” com os outros meninos logo evoluem para o ato sexual propriamente dito
-Keila conta então sua história, sempre que passava aos 11 por certa rua um homem de 26
atleta à cumprimentava, um dia a chamou para sua casa pra ver uns gibis e se trocou na
frente dela como ocasião para ficar nu, ela viu um homem (e não menino) nu pela primeira
vez e se assustou com o “tamanho”, quando a mãe chamou o moço ela (keila) fugiu
-Uma outra vez a chamou novamente, e pôs na boca dela, tirou o short dela, passou “um
creme lá” e “tentou “botar”, foi uma estocada e ela gritou, a mãe do moço ouviu e ela fugiu
de volta pra casa e se enfiou no banheiro onde percebeu que sangrava, ficou em choque
por um tempo achando que algo a havia cortado pq sangrava muito.
-No entanto depois Keila retorna pra ele, mas diz pra ter cuidado, então se passam 2 meses
até que ele finalmente a consegue penetrar
-O autor destaca que apesar das experiências dolorosas e assustadoras os meninos não
tardam em buscar novas experiências, outro ponto é que os papéis sexuais entre os
parceiros nunca são negociados, esses são presumidos e predeterminados, além disso os
homens nada se preocupam com a satisfação sexual delas, e muito menos elas em seus
relatos mencionam sua própria satisfação, o primeiro orgasmo de Keila por exemplo veio
muito depois, e sempre se masturbando
-Em todos os relatos com amantes o orgasmo nunca é mencionado, o orgasmo é então
linha divisória entre clientes e namorados
-Quando perguntada sobre a experiência Keila não diz ter se sentido traumatizada, mas só
preocupada com o que as pessoas pensariam, isso com razão devido ao estigma e
violência que poderia sofrer
Saindo de casa
-em geral após a primeira experiência cria-se um vínculo com o homem com a qual
perderam a virgindade e inicia-se uma vida sexual com outros sempre no papel de quem é
penetrado, com o tempo adotam um nome feminino e modificam a forma de se vestir e
aparência, nessa fase a maioria é expulsa ou abandonam suas casas
-A maioria com extrema violência e são deixadas em torno dos 13 sem nada
Hormônios
-Fora de casa inicia uma nova fase, elas podem se feminilizar por meio da depilação e as
práticas corporais como o hormônio, e tmb percebem que podem se prostituir pra ganhar
dinheiro
-Mas muito também é definido pelo lugar pra onde vão, se em cidades pequenas costumam
arranjar empregos de domésticas, trabalhar como homens durante o dia e se travestir
durante a noite e frequentar uma praça de bichas, de acordo com o autor por menor que
seja a cidade essa praça sempre existe
-Desta pequena cidade os contatos com as amigas por fim a leva até a prostituição
-Elas costumam incentivar as mais novas sabendo que quando mais cedo iniciarem os
hormônios melhor o resultado
-Os parceiros tmb as encorajam nesse sentido, muitas recebem de clientes médicos e
farmacêuticos
-Os hormônios estabelecem uma divisão entre as travestis e transformistas, drags, que são
vistas em geral com desdém pelas travestis
-As travestis tomam até 5 comprimidos por dia, e uma injeção (que deveria ser ministrada a
cada 30 dias) uma vez por dia
-Apesar da venda “sob prescrição” os comprimidos são de fácil acesso e podem ser
comprados em qualquer farmacia
-Por outro lado são cheios de efeitos colaterais, em geral náuseas, vômitos, enxaquecas e
problemas estomacais crônicos durante o “tratamento”
-Outro problema é que eles podem dificultar as ereções e atrapalhar o trabalho das
travestis, com isso depois de um tempo elas param com o hormônio e iniciam o silicone
Silicone
-O silicone é visto como produto milagroso, todas elas sabem quanto as outras têm de
silicone quem e onde foi feita a aplicação
-As conversas acontecem normalmente entre elas sobre retoques e aplicações (pancadas
podem danificar, e com o tempo se mover no corpo, por isso os retoques)
-A maioria tem de 2 à 5 litros no total aos 20 anos, e geralmente apenas nas coxas e
nádegas, de acordo com o padrão brasileiro
-Outros casos é que o hormônio por si só já ajuda a desenvolver um peito pequeno, além do
medo da causa de câncer ou de se atingir o coração, além disso ocorre o medo do peito de
pombo, o silicone pode se mover sob a pele e se juntar em uma só massa
-É importante notar que a aplicação de silicone nunca é impulsiva, essas conversas com as
mais velhas são sempre preparatórias, às vezes essa decisão leva meses ou anos, além da
necessidade de se economizar para adquirir o silicone, nesse sentidos as aplicações
ocorrem geralmente a partir dos 17 anos
Silicone no Brasil
-O caminho normal para se tornar uma bombadeira é observar outra aplicar o silicone
-Como autodidatas seus métodos variam bruscamente, muitas tem fama de roubar parte do
silicone ou serem brutas, as travestis ao decidirem aplicar devem se basear no relato de
outras sobre quais são as bombadeiras confiáveis
A dinâmica do corpo
-tão logo a atração resulta no ato sexual esses meninos se envolvem em certas práticas
corporais, por que?
-Quando questionadas elas disseram que queriam ter um corpo de mulher, porém diferente
da hipótese do autor de que elas se sentissem como mulher as travestis sempre negavam
que uma travesti pudesse ser mulher e a que pensasse isso só poderia ser louca
-Segundo elas é impossível alterar o sexo inato, a transexualidade é tratada por elas com
certo desprezo, sempre mencionada em termos de procedimentos cirúrgicos como “tirar o
sexo”, as travestis nunca chamam as transexuais de mulher, geralmente se usava o termo
“buceta”
-Pra elas não existe sentido na operação, e a perda do pênis e do fato de poderem gozar é
indesejada
-Se elas não querem então ser mulher, pq as práticas corporais femininas?
-Elas então fortalecem a ligação do corpo com o bom rendimento financeiro destacando que
travestis pouco femininas ganham pouco
-Relato de Madgala que só possuía silicone nas bochechas e queixo, e nunca havia tomado
hormônio, queria “virar travesti de vdd” (silicone) pq não estava conseguindo ganhar
dinheiro
-Por verem as mulheres assim acreditam que as travestis podem ser melhores