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Eu queria voltar a escrever, mas não queria ficar preso a pequenos versos de poemas, eu

queria escrever um romance. Um emocionante, cheio de drama e sentimentos bons. Só


leve e expansivo, igual acordar tarde numa manhã de sábado do lado de alguém que você
gosta, e ficar ali deitado fingindo que o mundo agora não existe pra além de vocês dois. Eu
queria me sentir assim, queria tanto que escrevo pra tentar manter esse sentimento o mais
perto possível. Eu queria parar de fugir de sabe se lá o que e me encontrar logo, encontrar
alguém. Sentir alguma coisa pra variar. A vida tem sido vazio.

Eu não sei quando exatamente eu me perdi, eu estava feliz, eu estava vivendo, eu estava
aproveitando muito tudo ao meu redor. E de repente tudo parou de fazer sentido, eu percebi
que eu não sabia quem eu era, me sobrou quase nada. Além de saber que eu era um
garoto assustado que fingia ser forte, eu só queria um amor. Eu queria logo uma vida pra
chamar de minha, uma casa, uma família, eu queria algo meu.

Sair de casa e ir pra faculdade em outra cidade não foi o suficiente, eu não passei a ter
muita coisa nova. Na verdade agora falta. Eu tenho no máximo um endereço, e já uso ele
pra tudo, eu sei que é engraçado mas em uma semana eu já sabia meu CEP. Eu tenho uma
rede de wi-fi só nossa, e uma conta que chega no meu nome. Mas eu não tô vivendo, eu só
tô reagindo a graduação. O nosso apartamento com meus amigos não é uma casa,
infelizmente.

Eu não sei onde eu me perdi, eu vivi essa história na minha cabeça várias vezes, eu
envelheci, eu encontrei alguém, eu tinha uma boa vida profissional e eu era feliz. Foi muito
mais fácil nas minhas fantasias. Na vida real eu ainda me sinto uma criança, eu nunca
encontrei ninguém que eu amasse e pudesse passar mais de 3 meses junto, e a graduação
só testa meus limites. Muitas vezes eu não tomo café da manhã porque me falta dinheiro.
Nas minhas fantasias a gente tomava café da manhã na cama.

Tá bom, talvez eu esteja muito influenciado por todo filme americano que é empurrado
guela abaixo sem lubrificação. Por outro lado não era nada extravagante, poderia ser uma
vida simples, igual o que qualquer um dos meus irmão estão vivendo. Mas eu ainda sinto
que tem algo de especial pra mim, nós sempre fomos muito diferentes, eu tenho uma
oportunidade incrível de estar aqui. Mas talvez eu só quisesse aquela casinha confortável,
videogame, Netflix, decoração, churrasco e mais um filho nascendo.

Eu queria encontrar algum sentido na vida. Tenho um conjunto de crenças mas são vagos
demais pra me dar motivos. Eu ainda acho que estamos aqui muito por acaso. E foda-se
toda essa ciência que é produzida aqui em volta, muito bonita ela, mas quase sempre é só
a comunidade científica produzindo coisas e mais coisas e fora daqui tudo continua o
mesmo. As pessoas pobres e sem um amparo, sem comida, os filhos sem pais e as mães
sem filhos, mortos por balas perdidas que de perdidas não têm nada porque sabem muito
bem quem acertar. A vida continua sem sentido, injusta e imutável.

O sentimento final é de impotência. Mas porque eu decidi que eu preciso muito fazer
alguma coisa eu não sei. Talvez porque eu cresci vendo o quanto poderia ser feito, vendo
pequenas coisas que mudaram a minha vida mas não mudou a das pessoas a minha volta.
Eu queria ser essas pequenas diferenças, essas bem pequenas que trouxeram exatamente
eu até aqui, e quase por acaso não desviou milimetricamente pra carteira do lado. Esse
pequeno ponto precisa mudar. Porque onde cabe 1 cabem 10, e talvez de 10 vamos pra
100 e talvez um dia as coisas mudem. Mas no fim, no fim eu não sei se eu acredito que um
dia isso vai acontecer. Na verdade todo mundo sempre está em sofrimento. A gente sempre
sofre, vem com o pacote.

Enfim, eu comecei de romance pra sofrimento, talvez eu também não acredite que dá pra
acordar todo sábado e achar que o mundo não existe. Talvez eu não acredite que vou
encontrar e amar alguém tão fácil. Talvez na verdade pode até acontecer, mas nós vamos
continuar feridos. Feridos não sei do que, talvez de "seres humanos". A verdade é que eu
não sei o que é ser completo, e talvez a vida passe e a gente continue meio vazio. Talvez
algumas feridas nunca se fechem, e a gente vai ter que aprender a conviver com elas. Eu
estou cansado, não queria ter que lutar mais essa, mas talvez a luta seja eterna, então o
que eu posso fazer se não continuar? Só é difícil ter que lutar pra continuar vivo e pra me
formar ao mesmo tempo. Eu estou cansado, e vazio... Vamos ter que lutar com paus e
pedras. E nem sabemos se vai valer a pena. Eu queria que alguém me dissesse que sim.
Mesmo que eu não fosse acreditar.

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