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Introdução
Pareceu-me pertinente indagar como o ofício do etnógrafo no seu fazer antropológico - visto como
Básica. Assim, neste trabalho, trago algumas reflexões sobre a minha experiência como professor contratado
docência. Nesse sentido, concebo que minha atuação como pesquisador está conjugada a minha atuação
como professor e vice-versa em qualquer sala de aula, passando da creche à universidade. Considero que o
ofício do professor ou de qualquer profissional, ainda mais sendo servidor público na área da educação, deve
ser pautado em uma práxis - ação e reflexão – (FREIRE, 2011) (auto)crítica sobre seu papel social.
Ao adotar essa postura analítica, penso que meu ofício como pesquisador-professor deve contribuir
tanto para a reflexão sobre meu trabalho como professor dentro e fora da sala de aula quanto sobre o
funcionamento da instituição educacional. Dessa maneira, como antropólogo, tenho a tendência de participar
efetivamente da instituição que integro e, concomitante, refletir sobre o papel institucional da mesma -
imagino que seja uma marca do ofício ao atuar em um ambiente institucional. Esse tipo de envolvimento
ocorreu quando participei do projeto “Uma proposta de Habitat Saudável em comunidade vizinha ao Campus
Fiocruz da Mata Atlântica: Geração de metodologias e intervenção social para a melhoria do ambiente
construído”, cujo referencial conceitual encontrava-se pautado nos Determinantes Sociais da Saúde (DSS) de
janeiro de 2009 a dezembro de 2010. Nessa espécie de experimentação in vivo (LAPLANTINE, 2004), senti e
O objeto de pesquisa não era somente aqueles elaborados e presentes nos projetos da instituição, mas, acima
de tudo, o meu grande objeto era desenvolver uma reflexão sobre a atuação da Fiocruz na localidade. Em outras
palavras, o meu intuito era desvelar por quais caminhos as relações sociais se processam no encontro entre o
saber formal institucional e o saber oral local, uma vez que a instituição adota uma linha de participação
social no desenvolvimento dos seus projetos. (PIMENTA, 2015, p. 20).
Em outras palavras, como antropólogo, tenho a inclinação de transformar, pelo menos mentalmente,
uma atividade de trabalho institucional aos moldes de um trabalho de campo. Assim, a escola torna-se meu
Canal do Rio Caçambê, 392, no bairro Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro – RJ, para ministrar a
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disciplina Sociologia nas turmas 1002, 2003 e 2004, respectivamente no 1º tempo, 2º tempo e 4º tempo das
sextas-feiras. Apesar de ter escolhido o colégio pela sua localização, não o conhecia antes desse primeiro
encontro. Ele fica a mais ou menos 10 quilômetros da minha residência, localizada na Estrada do Rio Grande
no bairro Taquara, motivo pelo qual optei por exercer a função de professor regente de turma em regime de
contrato temporário de 16 horas em suas salas de aula. As minhas opções foram oferecidas, anteriormente,
em reunião com os representantes da regional Metropolitana VI – Rua Jorge Rudge, nº 61, no bairro de Vila
Isabel - da Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC). Primeiro, a regional ligou-me convocando para
comparecer ao endereço acima em data marcada. Chegando lá, apresentaram-me uma lista de escolas com
as turmas disponíveis para que eu as escolhesse, completando no máximo 12 tempos em sala de aula,
conforme contrato de prestação de serviços por tempo determinado. Assim, a relação processou-se de forma
Agora, saindo da regional e voltando à escola, a rua naquele entardecer não se apresentava tão
escura como nos minutos posteriores, marcada por uma iluminação precária e pela escuridão do rio que
margeia a passagem. O muro alto descorado, que não permite comunicação visual entre os de fora e de
dentro da escola, e as grades robustas azuis, em seguida, foram os primeiros artefatos que se apresentaram
aos meus olhos. Ao pisar no chão da instituição, fui recebido pela direção da escola, na figura do diretor, com
certo entusiasmo, uma vez que muitas turmas tinham falta de professor. Nesse primeiro encontro,
conversamos no interior de sua sala sobre o funcionamento da escola e regras estabelecidas pela SEEDUC.
estava em obra. Assim, amontoavam-se secretaria, sala da direção, sala dos professores e uma cozinha
improvisada sem pia, em um pequeno espaço mal iluminado, uma característica que se percebia em grande
parte da escola. Às 18h o colégio era um vazio estarrecedor. A ausência de corpos, ruídos, movimentos era
notável.
Com esta pequena descrição, desejo chamar a atenção do professor-pesquisador para o seu olhar
dentro da escola. O olhar aqui percebido como “faculdade do entendimento” sociocultural ou “ato cognitivo”,
maneira pela qual construímos nosso saber (OLIVEIRA, 2000). Vamos aflorar um pouco mais nossa
compreensão sobre o olhar. Primeiro, como sugere Laplantine (2004), deve-se operar a distinção entre ver e
olhar. Para o autor, ver é receber imagens. Está na ordem do imediatamente visto sem ponderações, no
plano do intuitivo. “Olhar consiste numa reiteração daquilo que se encontra diante de nós e a visibilidade,
enquanto forma primeira de conhecimento, afeta-nos ao mesmo tempo em que sentimos afetados por aquilo
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que (a) percebemos”. (LAPLANTINE, 2004, p. 20). O olhar como ato de percepção e conhecimento é
mediado, diferenciado, reavaliado, instrumentalizado pelo escopo da nossa área de formação e pelos
artefatos de pesquisa, como caneta, gravador, câmeras e, ainda, posteriormente, recriado com a escrita.
professor-pesquisador na escola, assim como o olhar do etnógrafo em campo, precisa ser inquieto,
questionador, buscando o desvendamento das relações sociais nos entre muros institucionais. É o exercício
contínuo de olhar bem e olhar tudo, distinguindo e discernindo o que se encontra mobilizado, mas sem perder
a leveza e abertura para os imprevistos e para o inesperado. Afinal, encontrar o desconhecido e revelá-lo é
O ofício do etnógrafo, marcado pela etnografia – escrita do ver – engloba outros atos cognitivos que
pesquisador. É bom que se diga que eles não estão desassociados no encontro de pesquisa. Eles operam
juntos, podendo um ou outro ser mais direcionado em um momento específico. Assim, destaco agora o ouvir
como elemento fundamental no ato de conhecer o outro. Para que se tenha êxito em uma pesquisa social,
deve-se ouvir o que as pessoas têm a dizer sobre aquilo que elas fazem. Conforme Becker, descobrir “o que
as pessoas pensam estar fazendo, como interpretam os objetos, eventos e pessoas em suas vidas e
Com essas referências metodológicas, volto à escola com os ouvidos bem abertos. Depois do primeiro
encontro com o diretor, tive uma reunião com a coordenadora pedagógica e outros professores novos que
estavam chegando naquele período, quando ela completou as informações organizacionais sobre a escola.
Nessa conversa, ela tratou dos horários, calendário, avaliações, conselho de classe, confraternização entre
outros assuntos. O que mais impactou meus ouvidos como professor de Sociologia foi ouvir o horário de
funcionamento da escola na prática. Oficialmente, o colégio funciona das 18h às 22h50. Dessa forma, o
horário se divide da seguinte maneira: 1º tempo, de 18h às 18h45; 2º tempo, de 18h45 às 19h30; Recreio, de
19h30 às 19h50, 3º tempo, de 19h50 às 20h35; 4º tempo, de 20h35 às 21h20; 5º tempo, de 21h20 às 22h05;
6º tempo, de 22h05 às 22h50. Entretanto, como a coordenadora alegou e tive a oportunidade de presenciar
desde o primeiro dia na escola, a maior parte dos discentes só chega entre 18h30 e 19h. Da mesma maneira,
o término, que no mundo ideal se encerra às 22h50, no cotidiano finda-se às 22h, no máximo. Dessa
maneira, o tempo de aula que tinha 45 minutos passou a ter 30 minutos na melhor das hipóteses. A angústia
que se apresentava ao ouvir essas informações era tamanha, que não parava de pensar nas seguintes
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questões: Como trabalhar com um tempo de 30 min em cada turma? O que é possível fazer com esse
tempo? Qual é a relação dos discentes e a disciplina Sociologia em um tempo de 30 minutos semanalmente?
Foram essas perguntas que martelaram meu corpo nessas primeiras experiências no Colégio Estadual
Finlândia.
Nesse encontro com a direção, ouvir dos próprios agentes públicos sobre o funcionamento da escola
foi algo revelador para o entendimento tanto sobre a dimensão micro do colégio quanto a dimensão macro da
educação. Fiz alguns questionamentos sobre a impossibilidade de realizar um bom trabalho com um tempo
tão exíguo. Ela respondeu-me que os discentes não chegavam de forma alguma às 18h, mesmo depois de
muitas conversas. E não era possível finalizar as aulas às 22h50, dadas as circunstâncias de violência na
cidade. Esse horário seria muito tarde para que o corpo escolar voltasse às suas casas.
Fiquei com esse tema na cabeça, principalmente, por causa do impacto da violência externa, afetando
diretamente o funcionamento do colégio. Assim, resolvi ouvir os discentes sobre o entorno da escola. Elaborei
um pequeno questionário com três questões: 1) O que você gosta no lugar onde você mora?; 2) O que você
não gosta?; 3) O que você faria para mudar aquilo que você não gosta? Solicitei ainda que os estudantes
escrevessem seu endereço, apontando a localidade onde residiam. Das 3 (três) turmas com média de 35
discentes, responderam 20 estudantes da 1002, 21 estudantes da 2003 e 16 da 2004. Naquele momento, não
tinha o número de evasão de cada turma em mãos. Considerando as 3 (três) turmas, a categoria
“tranquilidade”, agregando os vocábulos natureza, pessoas, amizade entorno dela, foi a que mais teve
incidência com mais de 15 citações pelos alunos e alunas, referentes à primeira pergunta. Sobre a segunda
questão, a categoria relações de vizinhanças (bar, barulho, bagunça) teve mais de 10 incidências, falta de
infraestrutura (transporte, comércio, falta de água e esgoto, praças, quadras, falta de iluminação, lixo)
apareceu mais de 20 vezes nos questionários, a milícia como problema, mais de 10. Como resposta à
terceira questão, os discentes gostariam de ter mais infraestrutura, mais segurança com mais policiais na rua
e o fim da milícia. Sobre essa questão da milícia, alguns estudantes responderam da seguinte maneira:
“Acabaria com as drogas assaltos tirava crianças do mundo e colocaria na escola. Milícias seriam presos faria
uma reforma. Baile com horas corretas para acabar e proibia a entrada de crianças entre outros”. (ALUNA,
1002). “Se eu pudesse eu acabaria com o poder miliciano e todos as irregularidades da comunidade”.
(ALUNA, 2003). “Eu faria uma coisa que eu não gosto tira todos milicianos da comunidade prende todos para
Com essas respostas dadas pelos estudantes, trago a importância de ouvi-los atentamente e
cuidadosamente sobre suas experiências sociais no bairro onde moram. Para que avancemos no
conhecimento sobre a escola, é necessário buscar um diálogo mais próximo com os discentes, para que
responsáveis pela construção pedagógica da escola. Assim, podemos aprofundar o nosso entendimento
sobre o sentido dado pelos estudantes, por exemplo, sobre a violência cotidiana que eles vivenciam na
região, procurando-se problematizar a relação da escola e do seu entorno. Mas para realização de tal tarefa
com profundidade, o método indicado seria fazer uma entrevista, ou seja, um ouvir especial. Em outras
permitiria obter aquilo que os antropólogos chamam de ‘modelo nativo’, matéria-prima para o entendimento
antropológico”. (OLIVEIRA, 2000, p. 22). Não se pensa aqui apenas num momento de entrevista, mas de
encontros entre pesquisador-professor e discentes ao longo do tempo, para que seja possível aprofundar as
questões pertinentes à escola. Todavia, a entrevista como método de pesquisa apresenta uma grande
dificuldade relacional entre pesquisador e pesquisados, mundos distintos que se encontram para ser revelado
por um dos lados. Segundo Bourdieu (2003), a relação de pesquisa se distingue da maioria das trocas da
existência comum, já que seu fim é o conhecimento, entretanto, trata-se de uma relação social que exerce
interações sociais que ocorrem sob a pressão de estruturas sociais, aqui o nosso intuito se difere das
abordagens tradicionais, já que estas ignoram as estruturas sobre as interações, por exemplo, entre médicos
Só a reflexividade, que é sinônimo de método, mas uma reflexividade reflexa, baseada num ‘trabalho’,
num ‘olho’ sociológico, permite perceber e controlar no campo, na própria condução da entrevista, os
efeitos da estrutura social na qual ela se realiza, ou seja, começar a interrogação já dominando os efeitos
inevitáveis das perguntas. (BOURDIEU, 2003, p.694).
Aqui, busca-se a passagem de uma relação pesquisador e informante, considerada vertical, para uma
Ao trocarem ideias e informações entre si, etnólogo e nativo, ambos igualmente guindados a
interlocutores, abrem-se a um dialogo em tudo e por tudo superior, metodologicamente falando, a antiga
relação pesquisador/informante. O ouvir ganha em qualidade e altera uma relação, qual estrada de mão
única, em uma outra de mão dupla, portanto, uma verdadeira interação. (OLIVEIRA, 2000, p. 24).
Nessa interação de ouvir os estudantes e revelar as relações entre a escola e a cidade, conforme
Dayrell (1999), podemos analisar a escola como espaço sociocultural. Falar da escola nesses termos,
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significa focar no papel dos sujeitos na trama social que a constitui, enquanto instituição. Dessa maneira,
deve-se compreender os jovens que chegam à escola como sujeitos socioculturais. “Trata-se de compreendê-
lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo, escalas de
valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamento e hábitos que lhe são
próprios”. (DAYRELL, 1999, p. 5). Para o autor, os estudantes levam à escola suas experiências vivenciadas
em múltiplos espaços, uma cultura própria, que vê, sente e atribui significado ao mundo. Nesse sentido,
precisamos olhá-los, ouvi-los, pesquisá-los para que possamos ser assertivos no cumprimento de uma
proposta educacional efetiva. Entretanto, para se realizar tal tarefa, como bem apontou Bourdieu (2003),
temos que levar em consideração que o próprio lugar do professor-pesquisador na escola está sobre os
efeitos da estrutura social na qual ela se pratica. Assim, não podemos ignorar a posição do professor na
estrutura escolar e naturalizar o que é familiar, pois o familiar não se faz conhecido pela simples presença ou
proximidade. É necessário relativizar o conceito de distância, já que as categorias sociais costumam estar
hierarquizadas, envolvidas em noções de poder e dominação. (VELHO, 2002). Estas dimensões estruturais
da escola precisam ser consideradas nessa análise social. Outro ponto importante é ter claro que a nossa
maneira de olhar a realidade não escapa do esquema conceitual da nossa disciplina formadora. (OLIVEIRA,
2000). O importante é deixar claro para todos que acompanham nossas investigações, quais são os diálogos
Escrever/Descrever a escola
O produto final da nossa investigação como pesquisador/professor é o texto. Estou aqui, neste
trabalho, sugerindo que a antropologia, no seu fazer etnográfico pode auxiliar os professores no seu ofício na
sala de aula, ao buscar-se uma postura analítica e reflexiva a partir do seu fazer no dia a dia da escola. Como
descrevi anteriormente, o início do trabalho é marcado pelo o olhar e o ouvir o outro na experiência da escola
etc. No ato de escrever, devemos sair desse ambiente, depois de uma imersão sensorial, quando buscou-se
olhar e ouvir com atenção para todas aquelas coisas que compõem o cenário escolar já naturalizadas com o
convívio diário. Nesse momento anterior à descrição daquilo que se experienciou, tentou-se abrir o campo
perceptivo ao máximo no encontro com o outro, aflorando todos os sentidos. Buscou-se ouvir de corpo inteiro,
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sentindo os ruídos, os silêncios, os gritos, os suspiros, as músicas, as poesias que reverberam desse templo
do saber, que é a escola. Como bem apontou Oliveira (2000, p. 25), “se o olhar e o ouvir podem ser
considerados como os atos cognitivos mais preliminares no trabalho de campo [...], seguramente, no ato de
escrever, portanto na configuração final do produto desse trabalho, que a questão do conhecimento torna-se
Depois dessa imersão experimentando a escola como trabalho campo, envolvendo todos os sentidos,
na qual destaquei o olhar e o ouvir, chegamos ao ato de escrever essas experiências marcadas no corpo, que
foram trabalhadas exaustivamente na relação com o estudante e funcionários da escola. Até alcançar o
O momento do escrever, marcado por uma interpretação de e no gabinete, faz com que aqueles dados
sofram uma nova "refração", uma vez que todo o processo de escrever, ou de inscrever as observações
no discurso da disciplina, esta contaminado pelo contexto do being here - a saber, pelas conversas de
corredor ou de restaurante, pelos debates realizados em congressos, pela atividade docente, pela
pesquisa de biblioteca ou library fieldwork, como, jocosamente, se costuma chama-la, entre muitas outras
atividades, enfim pelo ambiente acadêmico. (OLIVEIRA, 2000, p. 27).
Para o autor, o ato de escrever não escapa nem da experiência de campo nem da experiência do
profissional na sua instituição. Assim, o texto que se produz não é uma tradução da “cultura nativa” na
“cultura antropológica”, e sim uma interpretação organizada pelos conceitos básicos constitutivos da
antropologia.
É o escrever “estando aqui”, portanto fora da situação de campo, que cumpre sua mais alta função
cognitiva. Por quê? Devido ao fato de iniciarmos propriamente no gabinete o processo de textualização
dos fenômenos socioculturais observados “estando lá”. Já as condições de textualização, isto é, de trazer
os fatos observados - vistas e ouvidos - para o plano do discurso, não deixam de ser muito particulares e
exercem, por sua vez, um papel definitivo tanto no processo de comunicação inter pares - isto é, no seio
da comunidade profissional -, como no de conhecimento propriamente dito. (OLIVEIRA, 2000, p. 25).
Na etnografia, a produção de conhecimento passa por esta relação do “estando aqui” escrevendo,
reverberando as experiências olhadas, ouvidas, sentidas no “estando lá”. Se me permite, volto agora à escola
Finlândia, neste momento da escrita para problematizar este ato cognitivo. Como são produzidas as linhas
que se seguem neste trabalho? Volto a descrever e a pensar sobre aquelas primeiras experiências no
colégio. O drama que se apresentava naqueles primeiros momentos me fez refletir sobre o currículo mínimo
exigido pela SEEDUC, uma vez que tinha que dialogar com a prática cotidiana da escola, o saber local dos
discentes e os temas, habilidades e competências, orientados pelo currículo. Assim, conseguiria lograr com
Desde 2012, a Seeduc vem oferecendo mais uma ferramenta importante para auxiliar no seu
planejamento escolar. O Currículo Mínimo serve como referência a todas as nossas escolas,
apresentando as competências e habilidades básicas que devem estar contidas nos planos de curso e
nas aulas. Sua finalidade é orientar, de forma clara e objetiva, os itens que não podem faltar no processo
de ensino-aprendizagem, em cada disciplina, ano de escolaridade e bimestre. (RIO DE JANEIRO, 2012).
Nesse contexto escolar, ficamos entre o sistema organizacional institucional ideal e o mundo real da
escola. Para ser mais específico, darei o exemplo da minha relação com a turma 1002, o caso ainda mais
grave diante das duas turmas do segundo ano, já que a nossa aula era no primeiro tempo, ou seja, de 18h30
às 19h. Convido você a entrar na sala de aula da turma 1002. Uma sala pálida de tamanho regular com
carteiras e cadeiras desgastadas pelo tempo, com iluminação precária, algumas lâmpadas piscando
intermitentemente e um ventilador barulhento localizado no fundo da sala. Nosso primeiro encontro aconteceu
no início de setembro em meados do terceiro bimestre. Nesse período escolar, segundo as orientações do
currículo mínimo para o terceiro bimestre, o tema a ser trabalhado é Cultura e identidade. Foi com essa
Com o currículo mínimo em mãos, o que fazer em um tempo que dura mais ou menos 20 minutos,
quando os estudantes vão chegando aos poucos, onde a estrutura da escola é precária e a desvalorização
dos profissionais da educação é visível? Busquei seguir as orientações do currículo mínimo e o livro
Sociologia Hoje (2013), adotado pela escola, dialogando com a direção, professores e discentes,
empenhando-me para que os estudantes construíssem conjuntamente nossas aulas. De maneira geral,
conseguimos apenas ler o livro conjuntamente, discutindo os principais conceitos abordados, buscando trazer
o contexto da região a partir de alguns exemplos. Enfim, tentei fazer o que era possível nesse contexto
escolar. A dificuldade maior nessa conjuntura é procurar enfrentar as ausências estruturais da escola, da falta
de iluminação à participação na gestão, e, ainda, observar que os dias vão passando e nada, ou quase nada,
muda. A energia corporal (física e mental) vai se esvaindo no embate com essa estrutura precária, ou melhor,
precarizada. É necessário muito esforço para manter uma postura (auto)crítica, que pelo menos não faça
Este pequeno relato sobre a minha relação com a turma 1002 serve para apresentar ao leitor uma
interpretação analítica da realidade que no dia a dia da escola aparece de forma fragmentada. Em outras
palavras, quero mostrar como a escrita nos permite elaborar, construir, criar em diálogo com as experiências
vividas no trabalho de campo, como o olhar, o ouvir, etc., fazendo com que aquela realidade caótica se torne
mais inteligível.
Conforme o autor nos apresenta, escrever é pensar sobre a realidade empírica pesquisada. É nesse
momento que conseguimos dar forma e articular as partes que olhamos, ouvimos, sentimos, anotamos, etc,
pois mesmo que nos esforcemos para dar conta da totalidade social, o que conseguimos são trechos dessa
realidade. Em outras palavras, conforme Laplantine (2004), a etnografia se faz no processo de mostrar aos
outros aquilo que olhamos e ouvimos. Ela se concretiza com palavras, com nomes. Nesse ofício, a atividade
de percepção é quase inseparável de uma atividade de nomeação. Sem a escrita, o visível permaneceria
ato cognitivo que se organiza o ouvível e o visível em texto. Ao se produzir uma obra escrita, torna-se
possível comunicar os resultados da experiência no trabalho de campo de forma sistemática, permitindo que
outros pesquisadores conheçam uma realidade a partir da dimensão microscópica. Nesse sentindo, é
importante que o professor-pesquisador transforme sua escola em um campo de pesquisa e escreva sobre
sua experiência profissional, analisando a escola e educação por intermédio do seu ofício e lutando contra o
Prospectiva
Neste trabalho, recorri, principalmente, aos trabalhos de Laplantine (2004) e Oliveira (2000), na
tentativa de demonstrar o quanto a antropologia, na dimensão do seu fazer etnográfico, pode auxiliar no ofício
do professor-pesquisador tanto na produção de conhecimento sobre a escola quanto na sua pedagogia com
os discentes. Compreendo que etnografia pode colaborar justamente nessa pedagogia de aprender com o
outro, que o olhar, o ouvir, o estar presente de corpo inteiro engendra outra possibilidade de se pensar e
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produzir conhecimento. “Não existe etnografia sem confiança mútua e sem intercâmbio [...]”. (LAPANTINE,
2004, p. 23). Assim, nessa relação entre pesquisador e interlocutor, “a antropologia também é a ciência dos
observadores susceptíveis de se observar a eles mesmos, procurando que uma situação de interação
(sempre inédita) se torne o mais consciente possível”. (ibid., p. 26). São nessas interações que o olhar e o
ouvir nos permite relacionar com o outro, buscando-se conhecer esse outro em sua realidade empírica. Esse
é o caráter fundamental da etnografia no campo epistêmico, isto é, sua produção se processa em uma rede
intersubjetiva de saberes entre pares e não pares. Assim, por um lado, sobre esta questão do texto
[...], deve-se pensar as condições de sua produção a partir das etapas iniciais da obtenção dos dados - o
olhar e o ouvir -, o que não quer dizer que ele deva emaranhar-se na subjetividade do autor/pesquisador.
Antes, o que está em jogo e a “intersubjetividade” - esta de caráter epistêmico -, graças a qual se
articulam, em um mesmo horizonte teórico, os membros de sua comunidade profissional. E é o
reconhecimento dessa intersubjetividade que torna o antropólogo moderno um cientista social menos
ingênuo. Tenho para mim que talvez seja essa uma das mais fortes contribuições do paradigma
hermenêutico para a disciplina.
Por outro lado, a etnografia possibilita uma experiência corporal com os não pares da antropologia,
a etnografia é uma experimentação in vivo, isto é, é antes de tudo uma experiência física de imersão total,
consistindo numa verdadeira aculturação ao invés, onde, longe de tentar compreender uma sociedade
unicamente nas suas manifestações “exteriores” (Durkheim), eu devo interiorizá-la através das
significações que os próprios indivíduos atribuem a seus próprios comportamentos. (LAPLANTINE, 2004,
p. 23).
indivíduos por dentro de sua cultura, introjetando-a no seu corpo. A “observação participante”, conforme nos
atenta Oliveira (2000), se efetiva nesse encontro do outro, quando o pesquisador assume uma postura
perfeitamente aceitável pela sociedade observada, de maneira que a interação flua sem grandes
sobressaltos. Não à toa que DaMatta (1978) enfatiza o caráter subjetivo do trabalho antropológico, iluminando
os aspectos interpretativos necessários para que a essência das questões possa se revelar em seus
cotidianos presentes na escola entre professores, discentes e funcionários, para que possamos produzir um
conhecimento que compreenda a diferença e a diversidade cultural presente no ambiente escolar, e, para
isso, parece-me que a prática etnográfica pode contribuir e muito para realização de tal tarefa.
Por fim, assim como Oliveira (2014) e Dauster (2007), considero que a Antropologia pode colaborar na
área da Educação tanto na prática docente, questionando professores e professoras sobre o etnocentrismo
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escamoteado no seu cotidiano e no seu fazer pedagógico, quanto na prática etnográfica, trazendo novos
olhares sobre o campo educacional, e assim, contribuindo para uma formação docente mais ampla, na qual o
Referências bibliográficas
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PIMENTA, Vítor Gonçalves. Corpo-arquivo: reflexões da memória encarnada em uma experiência etnográfica
em Jacarepaguá. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense. Departamento de Antropologia,
2015.
RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Educação. Currículo mínimo 2012 – Sociologia. 2012. Disponível
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VELHO, Gilberto. Individualismo e Cultura. Notas para uma Antropologia da Sociedade Contemporânea. 6ª
ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2002.
Resumo
Neste artigo busco trazer a Antropologia para dentro da Educação Básica, percebendo o ofício do etnógrafo
como revelador de “atos cognitivos” – olhar, ouvir e (d)escrever, que podem colaborar, na práxis cotidiana
do(a) professor(a) na sala de aula, tanto na produção de conhecimento sobre a escola quanto na sua
pedagogia com os discentes. Ao considerar que o ofício docente deve ser pautado em uma ação reflexiva e
(auto)crítica em relação ao outro, pensando principalmente na relação simbiótica entre a pesquisa e a
docência, compreendo que a etnografia pode colaborar na pedagogia de aprender com o outro. Ao olhá-lo
cuidadosamente, ao ouvi-lo atentamente, estando presente de corpo inteiro, pode-se vislumbrar outra
possibilidade de se pensar e produzir conhecimento. Assim, o trabalho destaca a valorização dos encontros
intersubjetivos cotidianos presentes na escola entre professores, discentes e funcionários, na tentativa de
elaboração de um saber que compreenda a diferença e a diversidade cultural existente no ambiente escolar.