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O conceito moderno de constituição

O conceito moderno de Constituição foi produto de uma construção histórica muito longa.
Estudiosos de todo mundo ainda discutem a formação e desenvolvimento desse conceito tão
abstrato que surgiu durante o século XVIII, durante as Revoluções Francesa e Americana; o
qual foi alterado completamente do seu anterior significado jurídico e político e, com certeza,
vai muito além de uma simples folha de papel escrita.

Como apresenta Bernardo Ferreira, em “O essencial e o acidental: Bodin (e Hobbes) e a


invenção do conceito moderno de constituição”, o pensamento antigo de constituição é muito
diferente do pensamento moderno. A política era classificada segundo um olhar tanto
quantitativo (quantidade de pessoas no comando) quanto qualitativo (governo deturpado ou
não) e não havia distinção entre Estado e governo. Isso influenciava porque as leis
fundamentais eram feitas e impostas pelos comandantes e, consequentemente, vistas
segundo a opinião do governo em atuação e, por isso, não possuíam uma força normativa
realmente forte e legitimada.

Ao final do século XVIII várias mudanças surgiram. As pessoas queriam impor limites à
autoridade pública e conseguiram isso criando o que conhecemos hoje como Constituição. Seu
conceito passou a ter um caráter abstrato, significando a lei fundamental, algo supremo
(anterior a qualquer governo) e inviolável, que indica os fundamentos jurídicos pelo qual a
ordem pública passará a se apoiar. Estado e governo agora são separados, e a qualidade deste,
deturpado ou não, não interfere mais na Constituição, que se auto define, ou em como o
Estado é visto. A Constituição passou a ser limitada pela sua situação histórica, pautando seus
condicionamentos com a regulação jurídica, guiada pelos critérios do poder e da razão.

Segundo Ferdinand Lassalle, em “A essência da constituição”, a Constituição escrita tem o


papel de colocar em termos puramente técnicos o que relata a constituição real, que consiste
na organização e nos costumes da população que representa e, quando isso não acontece, ela
está fadada ao fracasso. Esse é um fato até certo ponto verdadeiro, de acordo com Konrad
Hesse, em “La fuerza nortativa de la constituición”, que apresenta a Constituição jurídica com
força normativa suficiente para não se basear somente na adaptação das circunstancias. Ela é
capaz de se converter em forças realmente atuantes. Segundo Hesse, a hierarquia de normas
respeitada, a revisão da Constituição realizada o mínimo possível e sua interpretação feita de
forma correta e coerente, são de fundamental importância para a consolidação inviolável da
força normativa.

A Constituição não é questão de política, mas da soma de fatores reais de poder que
regem uma nação. A Constituição não é independente das circunstâncias históricas concretas
de seu tempo, mas não é simplesmente dependente delas. A constituição jurídica pode dar
forma e modificar a realidade, pode mover-se para agir na força que reside a natureza das
coisas. Pode, ela mesma, converter-se na força operante que atua na realidade social e
política, condicionando-a. Como diz Lassalle, mesmo se todos os exemplares escritos da
Constituição desaparecessem, ela não deixaria de possuir força normativa dentro da
sociedade.

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