Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Num curso desse tipo, que se quer aberto para interessados oriundo de disciplinas
académicas diferentes, talvez importa clarificar sobre a perspectiva, o olhar sociológico sobre
a sociedade em geral, os relacionamentos e comportamentos sociais, e sobre a urbanização e
a vida urbana em particular. Urbanização em par com a burocratização figura entre as
características as mais marcantes nas teorias de mudança social e da sociedade moderna cujas
consequências sociais incluem o surgimento da sociologia como disciplina autónoma que,
desde do seu início, reconheceu a importância central da urbanização e de burocratização
sobre a vida social e o seu estudo. Estudos sociológicos, que se caracterizam de uma vaste
gama de paradigmas teóricos que resultaram e resultam em explicações diferentes sobre o
seu significado cultural e social. Neste último aspecto, a sociologia absorbeu também, como
revelam os estudos urbanos de George Simmel ou de Louis Wirth, a herança da filosofia que
deu um olhar cético sobre as consequências desse desenvolvimento sobre a vida e o
desenvolvimento social, tudo ao contrário da teoria económica que abordou a urbanização e
a burocratização tanto como resultados, quanto como veículos de desenvolvimento social e
como vetores chaves do desenvolvimento económico. 1 A visão cética de Simmel, Wirth e
outros sobre as consequências culturais e socioculturais da urbanização da vida social
encontrou o seu polo oposto na sociologia urbana Marxista que aborda a urbanização, tal
1
Raramente, nos manuais economistas se encontra o termo capitalismo. Nos influentes manuais de micro e
macroeconomia de Pindyck & Rubinfeld e de Mankiew não há menção desse conceito enquanto o termo capital
ser presente em todas as combinações e variações que da impressão que a ciência económica que defende o
capitalismo e os seus virtudes, se mostrar alérgica contra a palavra capitalismo, bem diferente do economista
francês Thomas Piketty que, na sua obra sobre o capitalismo no seculo 21 promoveu a reintrodução desse termo
nas analises económicas. Robert Pindyck & Arthur Rubinstein (2001) Microeconomics, Prentice Hall. Gregory
Mankiew (2003) Macroeconomics, Worth Publishers, NY. Thomas Piketty (2014) Capital in the Twenty-First
Century, The Belknap Press, Harvard, Cambridge, Massachusetts. Thomas Piketty (2020) Capital and Ideology, The
Belknap Press, Harvard, Cambridge, Massachusetts.
1
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
2
Henri Lefebvre (2003) The urban revolution, citado in: Maria Ceci Misoczky & Clarice Misoczky de Oliveira (2018)
A cidade e o urbano como espaços do capital e das lutas sociais: notas sobre a duradoura contribuição de Henri
Lefebvre, Revista de administração púbica, vol. 52/nr.6/Nov. - Dez. 2018, p. 1022.
3
John Logan, Harvey Molotch (1987) Urban Fortunes: the political economy of space, University of California Press,
Berkeley, LA 1990. Vide também a discussão critica dessa tese sobre a coligação de crescimento in Mike Savage,
Alan Warde & Kevin Warde (1993) Urban sociology, capitalism, and modernity, Palgrave, MacMillan, 2003
2
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
explicar dessa realidade visível, seja a nível da vida urbana, seja a nível da vida social ‘tout
court’.
1.1. A particularidade da perspectiva sociologia: Portanto, é legítimo de questionar
sobre a diferença entre um olhar sociológico e outras olhares sobre a sociedade e o
capitalismo, sobre a urbanização e vida urbana, tal como pode se encontrar na perspectiva de
utilitarista que prima, como vimos, na teoria económica da cidade. Se compara também com
a perspectiva civilizadora do historiador, ou ainda com a perspectiva de engenharia social do
planificador e gestor urbano. A caracterização dessa especificidade do olhar sociológico e as
respostas que gerações de sociólogos têm apresentado pode se resumir à seguinte forma.
4
“O mundo da vida representa a realidade pré-científica que está englobando esta do cientista e que, por esta
razão, está detrás da ação cientifica positivista. Esse conceito do mundo da vida se tornou um conceito chave na
sociologia, tanto a nível da teoria social, quanto para a nível da de teoria de conhecimento. ”Em uma definição
geral, podemos entender mundo da vida como a experiência e o conjunto coerente de vivências pré-científicas,
como "[...] o mundo permanentemente dado como efetivo na nossa vida concreta" (HUSSERL) em contraste com o
mundo propriamente científico, no qual a realidade é analisada a partir dos elementos próprios da ciência corrente,
com seus correspondentes pressupostos e orientações de método, sejam tais pressuposições explícitas ou não.”
Juliana Missaggia (2018) A noção husserliana de mundo da vida (Lebenswelt): em defesa de sua unidade e
coerência, Trans/Form/Ação, Marília, v. 41, n. 1, p. 191-208, Jan./Mar., 2018.
5
Peter Berger & Thomas Luckmann (1966) The social construction of reality, Anchor Books, NY.
6
William Flannagan (1990) Urban sociology, images and structure, Allyn & Bacon, Boston 1999, p. XI
3
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
A diferença entre teoria social e da sociedade7 é que a primeira visa mais de estabelecer
os elementos universais do social8, enquanto a teoria de sociedade se concentra em destacar
as características especificas de uma dada sociedade que figura como objecto empírico
concreto pela teoria social. A sociedade moderna, por exemplo, e entre outros atributos
pode ser caracterizada como sociedade urbana9, uma caracterização que coloca a sociologia
urbana no centro de uma teoria de sociedade contemporânea. Para um sociólogo, a cidade, a
aglomeração urbana representa um novo contexto social de sociedade urbana e urbanizada –
Lewis Mumford tinha falado da cidade como novo tipo de teatro apontando para o carácter
teatral da cidade que data da cidade antiga e continua caracterizando a cidade moderna com
as suas construções enormes e os seus estátuas e monumentos10 - que, tal como os contextos
históricos sociais anteriores ou esses contemporâneos da sociedade rural, está a representar o
resultado tangível de um processo de mudança social, mas que, no mesmo tempo está a
orientar e a influenciar a direcção do processo de desenvolvimento social, económico e
cultural através da sua influencia sobre as ideias e praticas, sobre comportamentos e
interacções e sobre a organização das relações sociais e da sua interpretação como algo de
normal ou de desviante.
7
Segundo Habermas, uma teoria sociológica da sociedade se caracteriza pelos seguintes objectivos: determinar a
condição social da sociedade, a sua estrutura organizacional; identificar suas possibilidades e potencialidades de
desenvolvimento incluindo essas ainda não discutidas e/ou realizadas. Bem como, no fim, identificar quais são os
seus padrões de relacionamento, de atitudes e comportamentos características. Jürgen Habermas; Theorie de
Gesellschaft oder Sozialtechnologie, in Jürgen Habermas & Niklas Luhmann (1971) Theorie der Gesellschaft oder
Sozialtechnologie, Suhrkamp, Frankfurt/Main 1974
8
Talcott Parsons (1951) The social system, Routledge, London, 1991. Talcott Parsons (1964) Evolutionary
Universals in Society. American Sociological Review, vol.29/ nr.3.
9
Flannagan (1999) ibid., p. 3
10
Munford citado in Flanngan (1999) ibid., p. 9
11
Conduziu o Alfred Sohn-Rethel de estipular, contra a teoria de conhecimento de Kant que enquanto os conceitos
tem a sua origem histórica, tem a sua natureza social. Enfatizou, neste âmbito, a necessidade que estudos sociais
deviam incluir uma reflexão epistemológica sobre os conceitos e metodológica sobre a abordagem. Alfred Sohn-
Rethel (1978) Intellectual and manual labour: a critique of epistemology, Macmillan Press, London, p. 7
4
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
o seu estatuto de verdade imediata e se tornar objecto da reflexão. Essa problematização das
convicções e práticas costumeiras é associada e faz parte do processo de mudança social; um
processo que Max Weber, numa formulação bem feliz, descreveu como articulação entre
ideias e interesses que, a partir de um certo momento, e provocado pela descoberta de novas
técnicas ou tecnologias, de novos produtos podem se dissociar e resultar criar conflitos entre
grupos sociais. Marx descreveu este processo de construção de significados em direita
articulação com a produção das condições sociais da vida. Resumiu este facto no famoso
prefácio da crítica da economia política do capitalismo da seguinte forma: “Na produção social
da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade;
essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas
materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura económica da sociedade, a base real
sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social,
política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social
que determina sua consciência. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da
sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua
expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De
formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se, então,
uma época de revolução social.” 12 Chegado a este estádio, as construções do senso comum do
mundo da vida se substituem, pelo menos em parte, pelas ideologias politicas associadas aos
grupos de interesse e que tem por função de legitimar a dominação ou a vindicação de
dominação de uma dado grupo. Tornando em ideologia dominante tenta de impor a sua
visão o mundo, o seu mundo de significados como o único possível. Faz que não todo o
consenso é produzido de forma livre e democrático. Neste contexto, Michael Burawoy falou
de um consenso fabricado.13 Ou seja, indivíduos não somente entram em competição sobre
o controlo e o fecho de acesso aos recursos materiais e simbólicos e sobre posições,
estatutos sociais e dos privilégios que estão a oferecer, mas também sobre o poder de
interpretação de situações e de significados. Por este efeito lutam para poder impor as suas
ideias políticas e económicas, morais e culturais. Assim, para legitimar estes interesses e para
cementar a revindicação de autoridade, actores sociais se esforcem de impor a sua visão das
coisas e torna-la a visão dominante e culturalmente aceitada. Assim Weber concebeu o seu
12
Karl Marx (1859) Prefácio a crítica da economia política. Editora Expressão Popular, São Paulo 2009, p.47
13
Michael Burawoy (1979) Manufacturing Consent: Changes in the Labor Process Under Monopoly Capitalism,
University of Chicago Press, 1982
5
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
6
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
19
Edmund Husserl (1913) A crise das Ciências Europeias e a fenomenológica transcendental: Uma Introdução à
Filosofia Fenomenológica, Forense Universitária, RdJ 2012. No entanto, a crítica de Husserl ao cientismo e a crise
da ciência que iria representar focaliza sobre a sua incapacidade, segundo ele, de oferecer respostas sobre as
questões essenciais da existência.
20
Charles Wright Mills (1959) The sociological imagination, Oxford University Press, 1961
21
Gaston Bachelard (1938) A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanalise do conhecimento,
Contraponto, RdJ, 1996
22
Jürgen Habermas (1972) Knowledge and Human Interest, Beacon Press, Boston. Jürgen Habermas (1967) On the
logic of social sciences, MIT Press, Cambridge, Massachusetts 1988. Jürgen Habermas (1968) Técnica e Ciência
como ideologia, Edições 70, Lisboa
23
Habermas in David Frisby: Introduction, in as the Theodor W. Adorno, Hans Albert, Ralf Dahrendorf, Jürgen
Habermas, Harald Pilot & Karl Popper (1977) The positivist dispute im German sociology, Heineman, London, p. xiv.
Vide também a discussão no início do capítulo anterior. p. xiv. Recoloca questões levantadas por Theodor W.
Adorno & Max Horkheimer no seu famoso ensaio sobre a ‘Dialéctica de Esclarecimento’ de 1949 escrito ainda sob
impressão dos horrores do Nazismo e da 2ª guerra mundial.
7
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
24
Talcott Parsons (1937) The structure of social action: A study in social theory with special reference to a group of
European writers, The Free Press, 1949. Talcott Parsons (1964) Social structure and personality, The Free Press,
London, 1970.
8
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
25
Michel Crozier & Erhard Friedberg (1977) L’Acteur et le système, Editions du Seuil, Paris.
26
Por exemplo: Erving Goffman (1993) A apresentação do eu na vida de todos os dias, Antropos, Relógio d’Agua,
Lisboa
27
Herbert Blumer (1966) Symbolic Interactionism: Perspective and method, University of California Press,
Berkeley.
28
Anthony Giddens (1984) The Constitution of society: Outline of the Theory of Structuration, Polity Press,
Cambridge, UK.
29
O último no sentido do poder simbólico de Pierre Bourdieu definido como “poder de construir a realidade que
tende a estabelecer uma ordem gnosiológica, o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social”.
Bourdieu recorre a Durkheim e o seu conceito de “conformismo logico, quer dizer uma concepção homogénea do
tempo e do espaço.” Pierre Bourdieu (1989) O poder simbólico, Difel, Alvès, Portugal, p. 9. O poder simbólico
encontra o seu fundamento nessas construções de senso comum ‘naturalizadas’ que estruturam o mundo de vida
descrito Edmund Husserl. Por um lado resiste a “imigração das ideias” novas descrita por Marx e por Weber novas.
Perceções e ideias novas que refletem mudanças materiais na organização dos mundos de vida e o surgimento de
novos grupos e categorias de interesses como Weber salientou na sua sociologia de ideias e de interesses
elaborada no ensaio dobre a etica económica nas religiões mundiais. Max Weber (1988) Gesammelte Aufsätze zur
9
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
situacionais, e sobre as escolhas racionais dos agentes, tomadas sobre o background desta
estrutura estratificada como objectivo não somente de explicar interacções e
comportamentos sociais mas também ate que ponto essas interpretações e escolhas que
portam que implementam as configurações estruturais e institucionais constituem fontes de
mudança social. Escolheu o conceito de dualidade em substituição do conceito de dialéctica
que também requer um pensamento em simultâneo, mais usado na sociologia Marxistas para
explicar as articulações mútuas entre estruturas, ideias e escolhas e significados permitindo
formular explicações racionais aos comportamentos sociais, as suas razões e raciocínios e
reconstruir motivos e motivações.
A citação de Marx acima apresentada e tirada do Prefácio à “Contribuição à Crítica da
Economia Política” fornece um exemplo da concepção Marxista dessa ‘dualidade estrutural’ de
Giddens. Parte da observação que as regras que organizam estrutura social e fazem sentido
dessas e da distribuição e o acesso aos recursos sociais que resulta dessa organização acabam
não somente negando a liberdade de escolhas racionais sociais, mas a cobertura ideológica
desse facto nega a possibilidade para encontrar escolhas e soluções alternativas visando
restabelecer essa liberdade de escolha.
Representa uma problemática que ressurgiu na sociologia urbana de Henri Lefebvre
nomeadamente no seu ensaio sobre “O direito a cidade.’ David Harvey resumiu as teses de
Lefebvre de seguinte forma: “o direito à cidade, como slogan e como ideal político, (…) levanta a
questão de quem comanda a relação entre a urbanização e a produção do lucro. A democratização desse
direito, e a construção de um amplo movimento social para fazer valer a sua vontade são imperativas para
que os despossuídos possam retomar o controle que por tanto tempo lhes foi negado e instituir novas formas de
urbanização. Lefèbvre estava certo ao insistir em que a revolução tem de ser urbana, no sentido mais amplo
do termo; do contrário, não será nada.”30 Esse parágrafo ilustra, outra vês, essa articulação íntima
entre a sociologia geral e a teoria de cidade e a sociologia urbana.
Teorias Marxistas e teorias críticas da sociedade têm em comum de recorrer ao método
de crítica das ideologias, a herança a mais consequencial da filosofia de esclarecimento, para
tirar os véus de percepções e teorias criadas para justificar estas relações de dominação, os
seus meios e as suas causas que tem por fim de capacitar os agentes sociais de ver a realidade
sem estes veios ideológicos criados para esconder as relações de dominação.
Religionssoziologie, Mohr, Tübingen, p, 252. Por outro, o poder simbólico tem um significado politico e entrevem
nas lutas politicas e “pela produção do senso comum” usando-o para impor a sua “visão legitima do mundo social.”
É neste sentido que concluiu que o poder está a constituir um capital. Ibid., p. 146.
30
David Harvey (2013) O direito à cidade, tribuna livre da luta de classes, Edição 82, Julho 2013,
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-direito-a-cidade/
10
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
31
Boudon (1984) ibid.
11
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
história como a teleologia da dominação de classe e que já não representam fontes que
‘forças de resistência’ á mudança social.
Esta ideia transpirou já na fórmula famosa de Hegel colocada na filosofia de direito
que estipula que enquanto o galo como foi no caso do ‘galo francês’ na revolução francesa
que sempre canta na madrugada anunciado o início de uma nova época, o seu
conhecimento, a sua interpretação iria encontrar a sua expressão simbólica na imagem do
voo da coruja, da ‘coruja de Minerva (que) alça seu voo somente com o início do crepúsculo”. Através
disso, Hegel quis dizer que a história ria revelar o seu sentido, o seu propósito teleológico,
somente a partir do momento quando o seu resultado se tornar visível, uma ideia que
define o processo de conhecimento sociológico como sendo a reconstrução retrospectiva
do processo histórico e do seu ‘propósito’ teleológico imanente. Salienta que a
interpretação de processos de desenvolvimento, a interpretação evolucionista e historicista
de processos de mudança social sempre foi e é fruto de uma interpretação ex-poste,
partindo do resultado que corre o risco e a tentativa de querer imputar um propósito um
lógica interna que têm orientado o processo de desenvolvimento/mudança social e que
torna-a vulnerável de interesses políticos ou económicos hegemónicos de classes
dominantes.
12
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
13
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
33
Por isso caracterizou a confiança como mais um ‘médium simbólico de comunicação’ tal como o dinheiro ou o
poder, onde se acredita no sistema e nas instituições e não nas pessoas. Algo que seria uma das características
14
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
culturais das sociedades complexas, individualistas modernas. Niklas Luhmann (1973) Vertrauen: ein Mechanismus
zur Reduktion sozialer Komplexitaet, Enke, Stuttgart
34
David Frisby (1986) Fragments of Modernity: Theories of Modernity in the Work of Simmel, Kracauer and
Benjamin, Routledge, London. Charles Baudelaire (1857) Les fleurs du mal. https://www.poesie-
francaise.fr/charles-baudelaire-les-fleurs-du-mal/
35
George Herbert Mead (1934) Thought as internalized conversation, in Randall Collins (ed. 1994) Four sociological
traditions, Oxford University Press,
15
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
36
Paul Willis (1977) Learning to labour, Saxon House, Farnborough, UK. Nadine Dolby, Greg Dimitriadis & Paul
Willis (2004) Learning to Labor in New Times, Routledge, Samuel Bowles & Herbert Gintis (1976) Schooling in
Capitalist America: Educational Reform and the Contradictions of Economic Life, Haymarket Books, Chicago, 2011.
Raymond Boudon (1973) L’inégalité des chances, Armand Colin, Paris, 1979. Pierre Bourdieu (1979) La distinction:
critique social du jugement, Les Éditions du Minuit, Paris. James Coleman (1988), Social capital in the creation of
human capital, AJS, vol. 9; supplement Organizations and Institutions, www.jstor.org.
16
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
como actor social disposto e capaz de gerir entre as exigências opostas e resultando na
diversificação de papéis sociais, entre condutas morais e papéis funcionais, entre a gestão de
relações íntimas de família requerendo uma atitude altruísta, e entre a gestão de relações
profissionais requerendo manter a distancia onde primam relações despersonalizadas e
funcionais seja em termos de competições, seja em termos de relações de subordinação e de
superordenação (Simmel) em contextos burocráticos.
17
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
5.3. A cultura e a figura teórica da personalidade urbana. Já foi mencionado que Simmel
concentrou sobre os aspectos psicossociólogos da vida urbana. Para ele esta iria se reduzir a
uma dissociação entre cultura subjectiva e objectiva onde a vida e determinada pelas ‘leis’ da
economia monetária e que iriam contribuir a atomização da vida social. A monetarização das
relações sociais, como concedeu Durkheim, iriem fortalecer as relações de competição o que
iria aumentar o risco de minar as garantias sociais de ‘confiança’ mútua, uma garantia que
encontro o seu fundamento no facto da embebição das instituições e transacções
económicas nas instituições sociais gerais (Karl Polanyi). Por esta razão, se tornariam
possíveis fontes de anomia social, e não somente em períodos de crise económico com altas
taxas de desemprego, subemprego e de condições de trabalho precário. Para ele, resultariam
do desencaixamento (disemebeddment) das instituições económicas do quadro institucional
geral onde prima a instituição do contrato que figura como equivalente funcional as relações
de confiança nas transacções económicas modernas, transacções motivados pelas leis da
competição capitalista.37 Durkheim argumentou que para a instituição do contrato seria um
equivalente insuficiente para criação e manutenção dos laços sociais em razão em razão da
sua orientação estritamente legal que não podia esconder a fraqueza do seu fundamento
ético-moral que iria caracterizar as relações e laços sociais no capitalismo.
Esta interpretação de Durkheim foi validada por Weber para quem a generalização da
instituição de contrato representa uma etapa crucial no processo de racionalização das
instituições e das atitudes. Muda o fundamento da confiança porque, como notou Luhmann,
permite de despersonalizar o risco de confiar noutro uma vez que o risco é transportado da
responsabilidade individual para uma responsabilidade sistémica e, para estruturas
burocráticas e, antes de tudo, para o sistema de direito que figura agora como instância de
controlo e de legitimação. Reduz a complexidade e a contingência social.38 O que importa é
que para o já mencionado Luhmann, o tópico de confiança (trust) é um que está surgindo em
situações de risco e fora daquilo que deve ser considerado como ‘habitual’. É uma das
características da sociedade moderna qualificada como ‘sociedade de risco’ (Beck) onde
enfrentar situações de risco faz parte da experiencia quotidiana e onde indivíduos têm de ter
37
Esta tese sobre o desencaixamento das actividades e do raciocínio económica das estruturas, instituições e
relações sociais que condicionou e propeliu o desenvolvimento da economia e sociedade capitalista vem de Karl
Polanyi (1972) A grande transformação: as origens da nossa época, Editora Campus, São Paulo, 2000
38
Niklas Luhmann (1973) Vertrauen: ein Mechanismus zur Reduktion sozialer Komplexitaet, Enke, Stuttgart. Uma
discussão mais recente sobre a problemática da confiança se encontra in Anthony Giddens (1991) As
Consequências da modernidade, Editora UNESP, São Paulo que oferece também uma reinterpretação da ‘filosofia
de dinheiro’ de Simmel
18
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
fé para ariscar-se de confiar noutro. Precisa-se ter confiança para ter confiança (Simmel). A
burocratização, as suas regras e rotinas, apesar que enquadrando-se na lógica de dominação,
tem o propósito de inspirar esta confiança sem qual as relações contratuais não podiam
funcionar. Este aspecto está ressurgindo no institucionalismo económico atribuindo a
burocracia vantagens em termos de custos de transação tendo em conta que oferece um
melhor controlo sobre o cumprimento das obrigações contratuais (Oliver Williamson).
Todavia, nesta teoria se a capacidade controlar aumenta a confiança ela enquadra-se
totalmente na lógica hierárquica descrita em termos das relações entre ‘o principal e o agente’.
Reduz a complexidade ao longo das linhas do direito sobre a propriedade (property rights); ou
seja, na lógica da dominação do capital sobre o trabalho. Urbanização e burocratização não
somente se condicionaram mutualmente e representam dois aspectos marcantes da vida
moderna e como esta experimentada. Não é por acaso que encontraram um eco literário nas
novelas de Honoré de Balzac, de Charles Dickens, de Heinrich Mann, de Upton Sinclair ou
de Franz Kafka, entre outros. A sociologia salientou a ambiguidade da experiencia moderna
que encontrou a sua apoteose na vida urbana oscilando entre os conceitos de ordem e de
desordem, entre o risco e as rutinas.
19
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
20
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
21
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
39
Max Weber: A ética profissional do protestantismo ascético, in: Max Weber (1904) A ética protestante e o
espírito do capitalismo, Editorial Presença, Lisboa 2005, p. 252
22
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
40
Robert E. Park, Ernest Burgess & Roderick McKenzie (1925) The City: Suggestions for Investigation of Human
Behavior in the Urban Environment, University of Chicago Press, Chicago 1984
41
Mark Granovetter (1973) The strength of weak ties, American Journal of Sociology, Vol. 78/ Issue 6/May 1973
23
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
24
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
42
Fritz Heider (1964) The Psychology of Interpersonal Relations, John Wiley & Sons, New York,
25
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
43
Manuel Castells (1972) The Urban Question: A Marxist Approach, MIT Press 1979, Peter Saunders (1981) Social
theory and the urban question, Routledge, London 2003
44
Alain Touraine (2006) Na fronteira dos movimentos sociais, Sociedade e Estado, Brasília, vol. 21/nr.1/jan./abr.
2006
26
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
27
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
como argumentam os autores que, no entanto, devia explorar muito mais as contribuições de
Walter Benjamin que tentou decifrar o significado cultural de inovações arquitecturais, na
altura os famosas ‘passagens’ Parisianos que nos encontramos hoje sob forma de aeroportos,
caminho-de-ferro ou ‘shopping malls’, de que estas de Simmel.45
45
Walter Benjamin: Paris – Capital of the Nineteenth Century, citado in Peter Beck (1986) Grundzüge der
Erfahrungstheorie Walter Benjamins, Tese de MA de Sociologia, Universidade de Heidelberg
46
Thomas schelling (1978) Micromotives and Macrobehvior, W.W. Norton, NY
28
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
Sassen cuja obra torna em volta da descrição das articulações entre metrópoles distantes
formando redes de poder económico e cultural, culminando criando uma rede estratificada
entre as cidades e Metrópolis do mundo. Encontramos aqui uma tradução da tese de Weber
sobre a existência de diferentes tipos de cidades – cidades comerciais, industriais ou ainda
cidades sede do nível do Estado-Nação para o nível global e transnacional.
O referencial de globalização que alargou este sobre o capitalismo encontrou a sua
definição política no “Consenso de Washington”, o manifesto do referencial neoliberal do mais
antigo ajustamento estrutural que está a fornecer o quadro referencial para definição de
políticas com relevância urbana. 47 Se opõe a teorias criticas do ajustamento estrutural e têm
criados modelos explicativos críticos desse referencial capitalista. Neste âmbito, importa
mencionar teorias como a ‘teoria de troca desigual’ (por exemplo Samir Amin e outros), ou a
‘teoria de desenvolvimento dependente’ (por exemplo Gunder Frank e outros) cuja crítica
estende também aos efeitos da globalização. Para Saskia Sassen a globalização muda também
o papel das cidades consideradas como constituindo um nexos globalizado entre as grandes
cidades metrópoles centros de tomada de decisão política, económica e financeira na escala
global, e que resulta de transformar a divisão funcional de cidades, já escrita por Weber, num
nível global de sistema mundo (Wallerstein) Assim o referencial de globalização encontra-se
também na grande maioria de estudos e publicações sobre processos de urbanização e de
urbanismo nos países de ‘terceiro mundo’. O âmbito de tópicos abordados dentro deste
quadro geral de globalização seja na sua interpretação Marxista ou não Marxista, vai de
questões de desequilíbrios regionais e de migrações rural urbanos ate questões sobre a vida
urbano em termos de segregação social e de gentrificação, de habitação, de transporte
urbano, de economia urbano, emprego e de segmentação de mercados, até questões sobre as
desigualdades sociais e da pobreza urbano e como impactam sobre a organização social e da
participação política bem como sobre politicas urbanos e modelos de gestão. Estas questões
serão abordadas e discutidas com base de textos seleccionados e de preferência disponíveis
em Português.
47
Instituições económicas internacionais tal com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional figuram
dentro dos protagonistas desses princípios neoliberais continuando a política de condicionalidade entre a
implementação de programas de ajustamento estrutural (SAP) e o apoio financeira.
29
Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento
Modulo: sociologia urbana: teorias e debates
Peter R. Beck, Maputo 05/10/2021
peter.beck@uem.ac.mz
48
Georges Balandier (1971) Sens et puissance : les dynamiques sociales, Quadrige, PUF, Paris 1986
49
Samuel Eisenstadt (1973): Traditional Patrimonialism and Modern Neopatrimonialism, Sage Publications,
London. Hinnerk Bruhns (2012) Conceito de Patrimonialismo e Suas Interpretações Contemporâneas, Revista
Estudos Políticos, nr. 4, 2012
50
Georges Balandier: Structures sociales traditionelles et changements economiques, in Balandier (1986) ibid., pp.
217ff
51
Derick W. Brinkerhoff & Arthur A. Goldsmith (2002) Clientelism, Patrimonialism and Democratic Governance: An
Overview and Framework for Assessment and Programming
30