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CA Sumário

UNOCHAPECÓ
tMMJHlNK O M I V U I T A I U M Rtfili» Dl U U P K T

Reitor
Odilon Luiz Poli Prefácio 13
Vice-Reitora de E n s i n o , Pesquisa e E x t e n s ã o
Maurício Roberto da Silva
Maria Aparecida Lucca Caovilla
Vice-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento
Cláudio Alcides Jacoski
Vice-Reitor de A d m i n i s t r a ç ã o Introdução 29
Antônio Zanin
Diretora de Pesquisa e P ó s - G r a d u a ç ã o Stricto Sensu
Valéria Marcondes
Capítulo 1. A necessidade histórica do w-^Ari
Este livro ou parte dele n ã o podem ser reproduzidos por qualquer conhecimento científico: a importância da v-' v
meio sem autorização escrita do Editor.
lógica e do método geométrico ,
001.42 Sanchez Gamboa, Silvio
S211p Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos: a dialética
entre perguntas e respostas / Silvio Sánchez Gamboa Capítulo 2. A construção das perguntas 87
- Chapecó : Argos, 2013.
159 p.; 23 cm - (Didáticos ; 6)

Inclui bibliografia
Capítulo 3. A elaboração das respostas 113
ISBN 978-85-7897-116-8

1. Projetos de pesquisa. 2. Pesquisa - Metodologia. Capítulo 4. A apresentação dos projetos de 129


1. Título, n. Série
pesquisa: a forma de exposição
C D D 001.42

Catalogação elaborada por Caroline Miotto C R B 14/1178


Biblioteca Central da Línochapecó
Conclusões 151

Referências ^.^^ ?
Editora do unootiopocd

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Coordenador
Dirceu Luiz Hermes

Conselho Editorial
Rosana Maria Badalotti (presidente), Carla Rosana Paz Arruda Teo (vice-presidente),
André Onghero, Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues, Dirceu Luiz Hermes,
Maria Aparecida Lucca Caovilla, Murilo Cesar Costelli,
Tânia Mara Zancanaro Pieczkowski, Valéria Marcondes
Capítulo 2
A construção das perguntas

As perguntas s ã o as locomotivas do conhecimento,


daí a sua importância nos projetos de pesquisa. É possí-
vel afirmar que o essencial de u m projeto de pesquisa é a
problematização da necessidade e a sua transformação em
questões e perguntas.
Gostaríamos de trazer uma passagem da literatura in-
fantil para ilustrar a importância que o ato de perguntar tem
para a filosofia e para a pesquisa cientifica. Trata-se de imia
passagem do livro Ei, Tem alguém aí?, de Gaarder (1997).
"Mas por que você está se inclinando desse jeito?"
"Lá de onde eu venho", explicou ele, "nós sem-
pre fazemos uma reverência quando alguém faz
uma pergunta fascinante. E quanto mais profun-
da for a pergunta, mais profundamente a gente se
inclina."
"Uma resposta nunca merece uma reverência.
Mesmo que for inteligente e correta, nem assim
você deve se curvar para ela."
"Quando você se inclina, você dá passagem",
continuou Mika. " E a gente nunca deve dar pas-
sagem para uma resposta."
"Por que não?"
"A resposta é sempre um trecho do caminho
que está atrás de você. Só uma pergunta pode
apontar o caminho para a frente."

Fonte: Gaarder (1997, p. 27-28).


Trata-se de u m personagem vindo de outro mundo O autor ainda dá u m valor histórico às respostas en-
que pousa no j a r d i m de uma casa e estabelece um diálogo contradas como trechos do caminho já percorridos e que
com uma criança que, curiosa com o estranho visitante, servem de referências para novos passos e percursos que
percebe que, além das perguntas e das respostas, utiliza a se colocam na linha do tempo futuro. " A resposta é sem-
expressão corporal. pre um trecho do caminho que está atrás de v o c ê . " N a
O referido personagem, denominado M i k a , se incli- perspectiva de avançar, de ir além das respostas encontra-
na cada vez que escuta uma pergunta. Dependendo da das, de novo a pergunta tem a força de levar o caminho
qualidade da pergunta o personagem faz uma inclinação adiante. " S ó uma pergunta pode apontar o caminho para
mais ou menos profunda. Indagado sobre os gestos, ele frente." A capacidade heurística da pergunta destaca-se
responde: " L á de onde eu venho, nós sempre fazemos uma como a parte dinâmica que potencializa a construção his-
reverência a alguém que faz uma pergunta interessante e tórica dos conhecimentos.
quanto mais profunda for a pergunta, mais profundamen- Essa estorinha tem duas palavras-chave: "pergunta" e
te a gente se i n c l i n a . " Certamente, o autor quer destacar o "resposta", situadas uma junto com a outra, uma contra
significado das perguntas qualificadas; das perguntas para outra, em uma relação dialética de mútua implicância, de
as quais não se tem uma resposta imediata e simples, cujo afirmação e de negação e de projeção no tempo; o passado
valor está em exigirem o ato de pensar e de construir uma representado nas respostas, o presente na dúvida e a pos-
nova resposta. tura critica perante o passado e o futuro na abertura que
O autor, na mesma passagem, confronta os méritos a força das perguntas projeta.
das perguntas e das respostas. Segundo ele: "Uma resposta O destaque da dúvida e da pergunta se relaciona com a
nunca merece uma reverência mesmo que fosse inteligen- reflexão sobre os fundamentos lógico-filosóficos já enuncia-
te e correta, nem assim, deve se curvar para ela." E ainda dos no capitulo anterior. A história da filosofia traz exem-
justifica a diferença: "Quando você se inclina dá passagem plos de autores que destacam a importância da pergunta.
e nós nunca devemos dar passagem a uma resposta." A Por exemplo, para Sócrates, as perguntas são a chave do
exigência radical e critica com relação às respostas leva o conhecimento. Os historiadores relatam que ele costuma-
diálogo ao campo da filosofia e da pesquisa cientifica, que va não responder as indagações de seus discípulos, optava
exige, para propiciar o avanço da busca do conhecimento, por comentar e qualificar as perguntas a ele dirigidas, e as
o exercido da dúvida com relação às respostas já conheci- devolvia aos interlocutores na forma de novas perguntas.
das ou encontradas. Em outras palavras, o autor convida
Conforme Chaui, é com Sócrates que a filosofia desen-
para o ceticismo salutar e necessário que acompanha a
volve u m m é t o d o de investigação:
evolução da filosofia e da ciência. N ã o acreditar, não incli-
nar a cabeça, " n ã o dar passagem a uma reposta" significa
O método socrático, exercitado sob a forma do diálo-
enfrentar com a dúvida as indagações e afirmações já pos-
go, consta de duas partes. Na primeira, chamada de
tas ou encontradas no universo dos saberes conhecidos. protréptico, isto é, exortação, Sócrates convida o in-

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas


terlocutor a filosofar, a buscar a verdade; na segunda, guntas^. O exercício dialético da volta à pergunta (o ponto
chamada elénkhos, isto é, indagação, Sócrates, fazendo
de partida), indagando à mesma pergunta, permite cla-
perguntas comentando as respostas e voltando a per-
guntar, caminha com o interlocutor para encontrar a rificar, aprimorar, qualificar e amadurecer as indagações
definição da coisa procurada. (Chauí, 2002, p. 190)h e as questões, até ganharem o patamar de uma pergunta
concreta, clara e distinta.
De acordo com o método socrático, o processo que
O diálogo socrático, dessa forma, oferece bases histó-
leva ao conhecimento s ó pode ser realizado pelo diálogo:
ricas para a moderna compreensão do conhecimento sin-
tetizada por Bachelard, na sua afirmação já comentada na
É por meio do diálogo que o aprendiz chegaria a des-
cobrir na sua alma o conhecimento. Nesse diálogo, introdução: "Para o espírito científico qualquer conheci-
Sócrates fazia o papel de animador e do filósofo que mento é uma resposta a uma pergunta. Se não tem pergunta
coloca as perguntas e provoca o aprendiz, levando-o a não pode ter conhecimento científico. Nada se dá, tudo se
penetrar em si mesmo e descobrir as verdades (as res-
constrói." (Bachelard, 1989, p. 189). Tal entendimento nos
postas). (Andery, 2007, p. 64).
remete à relação pedagógica socrática do diálogo, que con-
siste na relação básica entre perguntar e responder e ao mé-
O método socrático também é conhecido como mé-
todo maiêutico de revelar o sujeito que indaga, assim como
todo maiêutico (ajudar a dar a luz). A maiêutica, que sig-
a situação, o conflito ou a dúvida que gerou a pergunta, ten-
nifica encontrar as respostas no mesmo contexto e pelo
tando, dessa maneira, explicitar as motivações e as expecta-
mesmo sujeito que formula as indagações, era precedida
tivas que o interlocutor tem com relação ao problema posto
da ironia ou da refutação em que o aprendiz descobria os
em questão. Dessa forma, o interlocutor poderá descobrir a
erros do que pretendia aprender, descobria sua ignorância
sua própria resposta, a mais pertinente para seu problema.
e se preparava para buscar o verdadeiro conhecimento.
Neste caso, o mais importante é saber perguntar revelando
Todo esse processo de diálogos, instigantes, de ironias e
o processo de construção e qualificação das questões.
refutações é uma forma de superar as respostas imediatas,
apressadas e de fácil acesso, oferecidas pelos saberes já Podemos adiantar algumas conclusões com relação aos
elaborados ou encontrados no universo da vida cotidiana projetos de pesquisa, apontando dentre as maiores dificul-
(míticos e opinativos). Perante esses saberes desenvolve-se dades a elaboração das perguntas que motivam o processo
a suspeita e a dúvida para posteriormente procurar a res- da investigação. É difícil porque o primeiro passo consiste
posta nas condições concretas em que se getaram as per- em se apropriar do "potencial demolidor da d ú v i d a " e as-
sumir uma postura crítica perante as respostas encontra-

2 Nesses primórdios anunciam-se alguns princípios àa episteme posteriormente


1 "Diferentemence dos sofistas, Sócrates n ã o se apresenta como professor. Per- desenvolvidos; tais como a explicitação das condições e motivações do sujeito
gunta, não responde. Indaga, n ã o ensina. N ã o faz preleções, mas introduz o e a busca das explicações e das respostas nos próprios objetos e não fora deles
diálogo como forma da busca da verdade. Essa foi a razão de n ã o haver escrito e de seus contextos, assim como a necessidade da relação direta entre sujeito
coisa alguma. Dizia que a escrita é muda e que sua surdez cristaliza ideias como e objeto, em um mesmo cenário espaço-temporal (dimensões ontológicas do
verdades acabadas e indiscutíveis." (Chauí, 2002, p. 188). conhecimento).

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas


das, mas, infelizmente, a formação recebida nos sistemas a formação integral do aluno. Os autores contrapõem a
escolares n ã o favorece o desenvolvimento desse potencial; essa perspectiva castradora uma "pedagogia da pergunta",
pelo contrário, os processos pedagógicos implantados por com base na realidade que envolve a relação educativa.
esses sistemas t o r n a m o ato de perguntar um exercício coi-
bido ou proibido. Nos sistemas escolares e em outras si- Há perguntas que são mediadoras, perguntas sobre
perguntas, às quais se devem responder. O importante
tuações da vida cotidiana em que nos defrontamos com o
que esta pergunta sobre a pergunta, ou estas perguntas
conhecimento, em sua maioria, recebemos respostas pron- sobre as perguntas, e sobre as respostas, esta cadeia de
tas e acabadas. Poucas vezes o aluno tem a oportunidade perguntas e respostas, enfim, esteja vinculada à realida-
de perguntar, e nessas poucas vezes é recriminado por ser de, ou seja, que não se rompa a cadeia. Porque estamos
acostumados ao fato de que essa cadeia de perguntas e
inoportuno ou reprimido por se opor à lógica do modelo respostas, que no fundo é senão o conhecimento rom-
de aprendizagem, à lógica do domínio da resposta. Esses pe-se, interrompe-se, não alcança a realidade. (Freire;
modelos n ã o permitem desenvolver o potencial da dúvida Faundez, 1985, p. 49).
e as capacidades da curiosidade e da suspeita, ainda menos
possibilitam o aprendizado da elaboração das perguntas. Enquanto a educação de respostas tende a ser gene-
Esse mesmo aluno, quando está na fase da educação supe- ralizadora, repetidora, inibidora e "domesticadora", a
rior ou da pós-graduação e tem a oportunidade, ou é obri- educação de perguntas se apresenta como uma proposta
gado, por ocasião dos projetos de pesquisa, é surpreendido nova, criativa " [ . . . ] e apta a estimular a capacidade huma-
pela dificuldade em formular perguntas. Como elaborar na de assombrar-se, de responder ao seu assombro e resol-
uma questão pertinente? Como construir u m raciocínio ver seus verdadeiros problemas essenciais, existenciais."
que leve a uma pergunta cientifica? (Freire; Faundez, 1985, p. 52). Em outro trecho, os auto-
res complementam:
Com relação a essa dificuldade de aprender a pergun-
tar. Freire e Faundez (1985) denunciam uma prática peda-
[...] um dos pontos de partida para a formação de um
gógica que desprecia e inibe o ato de perguntar. educador ou de uma educadora, numa perspectiva li-
bertadora, democrática, seria essa coisa aparentemen-
O educador de modo geral já traz a resposta sem se lhe te tão simples: o quê é perguntar? (Freire; Faundez,
terem perguntado nada. [...] O autoritarismo que cor- 1985, p. 46).
ta as nossas experiências educativas inibe, quando não
reprime, a capacidade de perguntar. A natureza desafia-
dora da pergunta tende a ser considerada, na atmosfera Nesse sentido, o problema que se coloca ao professor
autoritária, como provocação à autoridade. E, mesmo é de caráter prático, de criar com os alunos o hábito e a
quando isso não ocorra explicitamente, a experiência virtude "de perguntar e de espantar-se". A primeira coisa
termina por sugerir que perguntar nem sempre é cómo-
que aquele que ensina deveria aprender é "saber pergun-
do. (Freire; Faundez, 1985, p. 46).
tar e saber perguntar-se". N a sua prática pedagógica, o
professor deveria valorizar em toda sua dimensão o que
O silêncio à pergunta significa afogar no aluno a ca-
constitui as linguagens de perguntas antes de serem l i n -
pacidade de indagar, com consequências desastrosas para

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas


guagens de respostas. Freire e Faundez explicitam a defesa si mesma, nem se origina espontaneamente, ela se situa em
das pedagogias da pergunta e seu confronto com as peda- u m contexto de possibilidades e em uma relação entre a ne-
gogias da resposta (cf. Sánchez Gamboa, 2009). cessidade problematizada e um sujeito sensível e critico que
se depara com essa necessidade e tem a capacidade de pro-
blematizá-la. Retomemos os princípios já expostos acima.
2.1 A C O N S T R U Ç Ã O DAS P E R G U N T A S :
As perguntas ganham qualidade quando confrontadas
PRESSUPOSTOS com a possibilidade da sua resposta. Nesse sentido, a com-
preensão da relação dialética entre perguntas e respostas é
Depois de destacar o ato de perguntar como sendo fundamental para entender seu lugar e sua importância na
fundamental para o exercício da filosofia e para o desen- pesquisa cientifica. Pergunta e resposta são dois elemen-
volvimento histórico da ciência, apesar do predomínio das tos opostos que se negam mutuamente. Quando temos a
pedagogias das respostas que inibem o desenvolvimento pergunta é porque não existe resposta e quando temos a
do potencial da dúvida, da critica e da capacidade de per- resposta é porque a pergunta foi superada e já não faz sen-
guntar, apresentamos a seguir alguns pressupostos a se- tido. A pergunta nega as respostas já dadas. Se o pesquisa-
rem considerados na elaboração dos projetos na fase da dor obtém a resposta e a aceita como sendo a mais válida
construção das perguntas. O esquema p r ó x i m o visualiza e pertinente para o problema estudado, e, ainda, desiste de
a retomada desses fundamentos. novas buscas, então, está negando a possibilidade de novas
perguntas. Mas se a resposta não é satisfatória, então, pre-
O mundo concreto da necessidade cisa ser negada, permitindo a geração de novas perguntas.
(objeto)
A dialética entre elementos que se contrapõem e se
A capacidade transformadora do homem negam entre si geram uma tensão. O conceito-chave na
(sujeito) dialética é essa tensão entre os contrários.
O processo: conhecer para transformar O jogo entre as perguntas e as respostas, no campo
(práxis: relação ação-reflexão-ação; da filosofia e da pesquisa cientifica, expressa uma tensão
relação prática-teoria-prática) permanente que n ã o se esgota com a obtenção de uma res-
A forma sistematizada do conhecimento (com método) posta, nem se estanca na presença de uma pergunta perti-
sobre o mundo concreto: nente e necessária.
Pesquisa científica Essa tensão é motivada pelo poder da dúvida. As per-
guntas surgem perante a dúvida. A dúvida é a grande ges-
Fonte: elaboração do autor.
tora do conhecimento. Duvidamos perante os problemas,
as crises, as dificuldades, os mistérios. A dúvida ganha for-
Retomemos algumas reflexões já expostas na introdu- ça quando se origina no mundo da necessidade. É a neces-
ção e no capitulo anterior. A pergunta não tem sentido em sidade concreta especifica de uma dada condição humana

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas


historicamente situada que desencadeia as dúvidas e as certezas. Nesse jogo de ir e vir, as perguntas s ã o qualifica-
indagações, que justificam e qualificam as perguntas con- das com novas indagações e progressivos esclarecimentos
cretas, merecedoras do investimento histórico dos homens até conseguir o patamar de qualidade plausível. Uma per-
para obter respostas e soluções para essas necessidades. gunta confusa ou mal-elaborada só gera novas dúvidas. O
É a necessidade que cria as condições para a constru- patamar da qualidade resulta quando a pergunta ganha
ção dialética entre a pergunta e a resposta. Essa necessidade claridade, especificidade e concreticidade.
tem a possibilidade de ser compreendida quando proble- Somente a pergunta clara, distinta e concreta tem pos-
matizada. A pergunta se origina na necessidade problema- sibilidade de resposta.
tizada e a resposta s ó acontece pela exigência da pergunta.
N o caso dos projetos de pesquisa, estes ganham sua
A resposta só existe se b á pergunta e a pergunta existe se
qualificação quando conseguem apresentar perguntas cla-
bá a problematização da necessidade. A necessidade pro-
ras, distintas e concretas, do contrário não têm chances de
blematizada é a condição que possibilita tanto a pergunta
serem realizados. N a maioria das vezes, essa fase de elabo-
quanto a resposta. De acordo com a expressão de M a r x
ração de projeto exige um tempo longo de discussões e de-
(1983, p. 25), citada anteriormente,
bates no seio dos grupos de pesquisa, horas de orientação
[...] a humanidade só levanta os problemas que é capaz individual, prazos que, por exemplo, no mestrado podem
de resolver [...], o próprio problema só surgiu quando durar até u m ano e no doutorado dois anos, cujo objetivo
as condições materiais para o resolver já existiam ou principal consiste em elaborar as questões e as perguntas
estavam, pelo menos, em vias de parecer.
que serão abordadas nas pesquisas. Em síntese, o projeto
deve conter uma pergunta clara, distinta e concreta. É exi-
N o mesmo sentido, podemos afirmar que nenhum
gência lógica de todo processo de produção do conhecimen-
pesquisador coloca problemas que n ã o tenham condições
to começar com uma pergunta qualificada. Em razão disso,
de serem respondidos e que as condições que motivaram
o projeto deverá explicitar a construção dessa pergunta.
as perguntas s ã o as mesmas que possibilitarão as respos-
tas. De igual forma é possível reafirmar que as repostas As perguntas poder-se-ão originar perante o mistério,
estarão no mesmo cenário em que surgiram as perguntas a curiosidade, a i n d a g a ç ã o , a suspeita e a dúvida com rela-
e que todas as perguntas ganham qualidade quando ofere- ção a u m fenómeno ou a u m objeto. As perguntas poderão
cem condições de serem respondidas. surgir, t a m b é m , perante saberes, informações, dados ou
respostas que já s ã o conhecidos, mas que podem ser falsos
A plausibilidade para chegar ao patamar de qualidade
ou admitem a suspeita da sua veracidade, ou apresentam
da formulação de uma pergunta concreta, clara e distinta,
indicadores de serem limitados ou terem falhas na sua ela-
segundo o ideário cartesiano, se consegue por meio de u m
b o r a ç ã o , ou n ã o serem pertinentes para determinadas si-
processo de esclarecimento que pode percorrer o mistério,
tuações ou condições.
a dúvida, a suspeita, as indagações e as questões em ní-
veis progressivos de qualificação. Para chegar lá, t a m b é m Em todos esses casos, está presente a dúvida como ele-
se transita por intuições, suposições, hipóteses, saberes e mento básico da racionalidade humana. A dúvida qualifica

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção cias perguntas


o mistério, o espanto, a curiosidade, a suspeita e qualquer
outra forma de atitude do homem perante o mundo desco- A C O N S T R U Ç Ã O D A PERGUNTA
nhecido. Entretanto, a dúvida como expressão qualificada Problematizar
da relação com o desconhecido para ter possibilidade de
se transformar em u m processo de conhecimento deve ser SUJEITO
OBJETO
concreta, determinada e especifica. Alguém duvida sobre INDAGADOR
PROBLEMA
alguma coisa e em situações especificas e determinadas. CONCRETO
CONCRETO
N ã o é possível existir uma dúvida sem um sujeito concre- Duvida, suspeita,
Situado (espaço)
to que duvida e algum objeto especifico sobre o qual essa interroga, questiona,
Datado (tempo)
dúvida recai. pergunta sobre
Ativo (movimento)
fenómenos concretos
A concreticidade da dúvida acontece em uma situação
determinada e em u m momento especifico. Essa dimensão
de materialidade da dúvida deve afirmar-se em uma neces- Contexto empírico do problema
sidade especifica que motiva todo o processo da relação (situação-problema)
do homem com o desconhecido. Nesse sentido, podemos Contexto teórico do problema
afirmar que a origem do conhecimento está na necessida- (saberes acumulados, antecedentes registrados)
de concrera do homem perante o desconhecido.
Indicadores do problema
(sintomas, manifestações)
Múltiplas e diversas indagações
2.2 D A NECESSIDADE A O P R O B L E M A
(Múltiplos olhares)

A materialidade da necessidade vivenciada por homens Questões norteadoras


concretos ganha dimensões racionais, quando esta se trans- Pergunta-sintese
forma em problema concreto, localizado e datado (no tem-
po e no espaço específicos). S ã o elementos necessários da
concreticidade do problema: sua localização em um lugar Fonte: elaboração do autor.
e em um tempo específicos (situação-problema), a identi-
ficação de indicadores, manifestações e sintomas que ex- Problematizar o mundo da necessidade exige uma a ç ã o
pressam sua dinâmica, suas ações, suas repercussões e seus direta do sujeito indagador. O mundo da necessidade que
resultados, assim como a recuperação de dados prelimina- dá origem ao processo do conhecimento se apresenta co-
res ou antecedentes sobre o referido problema (levantamen- mo realidade concreta objetiva, independentemente de ser
tos e revisão de literatura). pensado, representado ou ponderado. Somente quando os
sujeitos indagam, pensam e sentem essas necessidades é
O esquema a seguir ilustra essa passagem da necessi-
que elas se transformam em problemas, a partir do lugar
dade ao problema.
Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas
desses sujeitos, de seus interesses, suas ponderações e pers- Embora o conceito de problema se afirme em torno da
pectivas. O mundo da necessidade, em si mesmo, como necessidade tomada nas suas dimensões objetivas e sub-
realidade, existente, n ã o é problema. Torna-se problema jetivas, os usos correntes do termo desvirtuam seu verda-
para alguns sujeitos, para outros poderá não ser problema. deiro sentido (falsos problemas). Segundo o mesmo autor,
Nesse sentido, problematizar se refere ao ato de o sujeito o termo problema é tido como sinónimo de q u e s t ã o , mis-
se indagar sobre as necessidades desde lugares, referências tério, dificuldade, obstáculo e dúvida. Essas conotações
e interesses e pontos de vista. Essa dimensão subjetiva do estão associadas ao problema como formas de sua mani-
problema é fundamental para entender sua própria essên- festação, ou aparência, ocultando a sua essência, a neces-
cia. Saviani (1986, p . 22) reafirma essa compreensão: sidade.
Explica-se essa relação entre aparência e essência
A verdadeira compreensão do conceito problema su-
põe, como já foi dito, a necessidade [...]. Diríamos, quando o problema é concebido como fenómeno que "ao
pois, que o conceito de problema implica tanto a cons- mesmo tempo em que revela (manifesta) a essência, a es-
cientização de uma situação de necessidade (aspecto conde". De acordo com Kosik (1995, p. 9-20), os concei-
subjetivo) como uma situação conscientizadora de ne-
cessidade [...]. Trata-se de uma necessidade que se im- tos de pseudoconcreticidade (aparência) e concreticidade
põe objetivamente e é assumida subjetivamente. (essência) ajudam a entender as relações entre elementos
externos, aparentes, percebidos pelos sentidos, tais como
O quadro a seguir destaca essa compreensão de problema: os sintomas de uma doença, por exemplo, a febre, a dor de
c a b e ç a , a p r e s s ã o arterial e t c , que s ã o manifestações, mas
PROBLEMA não é a doença, embora estejam diretamente relacionadas
a ela. Tratar apenas os sintomas ou as manifestações é
Sua origem está no mundo da necessidade.
tratar falsamente a doença; significa abordar falsamente
A essência do problema é a necessidade. o concreto (pseudoconcriticidade). De igual forma, tra-
tar as manifestações do problema significa abordá-lo apa-
D I M E N S Õ E S DO PROBLEMA rente e superficialmente (pseudoproblema). O problema
Objetiva: situação concreta da necessidade oculta sua essência atrás das suas manifestações. A es-
sência do problema, como já f o i afirmado anteriormente,
(espaço, tempo e movimento).
é a necessidade. O que impregna a problematicidade é a
Subjetiva: consciência crítica sobre a necessidade. necessidade.
Problema: quando a necessidade se impõe objetivamente
e é assumida subjetivamente.
Assim, uma questão, em si, não caracteriza o proble-
Exige: atitude crítica geradora de questões e perguntas. ma, nem mesmo aquela cuja resposta é conhecida, mas
uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita
Fonte: elaboração do autor.
conhecer, eis aí um problema. Algo que eu não sei não
é um problema; mas quando eu ignoro alguma coisa

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas


que eu preciso saber eis-me, então, diante um proble-
ma. Da mesma forma, um obstáculo que é necessário O PSEUDOPROBLEMA
transpor, uma dificuldade que precisa ser superado,
uma dúvida que não pode ser dissipada são situações Refere-se ao olhar ingénuo sobre as aparências
que se nos configuram como verdadeiramente proble- (pseudoconcreticidade), aos sintomas, à visão superficial
máticas. (Kosik, 1995, p. 21). da realidade, a questões j á resolvidas (falsos problemas).

O quadro a seguir explicita essa relação entre essência O pseudoproblema identifica-se com o "não saber" ou
e aparência, problema e pseudoproblema. com o desconhecimento da resposta j á elaborada.

O pseudoproblema gera perguntas simples a serem


respondidas com os "saberes" ou respostas j á conhecidas.
Problema:
fenómeno complexo Fonte: elaboração do autor.

O esquema anterior apresenta algumas das caraterísti-


cas dos falsos problemas, quando o pesquisador se limita
a tratar os sintomas e as aparências, por exemplo, tratar
Revela, aparece (aparência) Oculta, pressupõe (essência) apenas a febre o u a dor de cabeça sem u m diagnóstico
A concreticidade mais aprofundado. O falso problema se identifica t a m b é m
A pseudoconcreticidade
quando transformado em uma pergunta clara, distinta e
Apresenta um falso problema Revela um problema
concreta; no processo de procurar a resposta, o pesquisa-
(pseudoproblema) complexo
dor descobre que já existe a resposta para esse problema,
só que ele a desconhecia. E n t ã o , seu problema estava no
desconhecimento da resposta. Uma vez que o pesquisador
Fonte: elaboração do autor.
tem acesso, ou sabe a resposta, seu problema deixa de ser
problema. O problema era u m falso problema, pois ape-
Como desdobramento dessa compreensão, o pesqui-
nas se desconhecia a reposta já elaborada, à qual o pesqui-
sador que sustenta seu projeto de pesquisa em uma ne-
sador n ã o tinha acesso. Segundo a expressão de Saviani
cessidade que é racionalizada como problema; entretanto,
(1986, p. 19): "Trata-se do problema como n ã o saber."
dever-se-á indagar se esse problema é falso (pseudopro-
Pode-se concluir que, neste caso, os saberes já elaborados
blema).
falseiam os problemas de pesquisa.
Vejamos a seguir alguns dos critérios para identificar os
O falso problema se identifica, também, com pergun-
falsos problemas e as possíveis maneiras para superá-los.
tas simples e superficiais, que exigem como resposta uma
informação, u m dado, u m protocolo, u m "saber" fazer.

102 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas 103
Por exemplo, perguntar u m endereço, uma localização, O p r ó x i m o esquema explicita a importância dos "sa-
uma definição, a origem de u m termo, o sentido de uma beres" no papel de falsear os problemas e na elaboração
expressãoL das perguntas e das respostas simples.
N a forma mais complexa, as informações, os dados,
as descobertas cientificas e os saberes elaborados também OS SABERES C O M O RESPOSTAS SIMPLES
podem ser tomados como respostas já existentes que fal-
Os saberes apresentam respostas " j á dadas",
seiam os problemas de pesquisa. Esse é o sentido que tem
" p r o n t a s " , elaboradas em outros contextos
a revisão bibliográfica, a busca de antecedentes de pes-
(geográficos e históricos, em espaços e tempos
quisa, os estados da arte, os balanços dos conhecimentos
diferentes), fixadas e/ou sistematizadas em sistemas
já produzidos sobre os problemas abordados pelas pes-
de i n f o r m a ç ã o (bibliotecas, redes, c a t á l o g o s ,
quisas. Essas revisões s ã o fundamentais para conferir se o
protocolos, manuais).
corpo de questões e as perguntas que orientam a investi-
gação já foram respondidos. N o caso das descobertas des- Os saberes míticos (mitus), comuns [doxa], científicos
sas respostas, o projeto perde relevância cientifica, já que (episteme) e filosóficos (sofia) oferecem respostas
falseiam os problemas abordados e o pesquisador terá o prontas, dadas e sistematizadas, embora "duvidosas"
risco de repetir pesquisas já concluídas. Entretanto, essas para os problemas concretos.
descobertas p o d e r ã o ser problematizadas quando se inda-
Os saberes acumulados poderão falsear os
gam especificidades, tais como contextos, lugares, tempos,
problemas de pesquisa, mas também p o d e r ã o ser
conjunturas diferentes em que os problemas se originam.
problematizados para gerar a partir deles novas
Neste caso, trata-se de problemas semelhantes, mas loca-
perguntas e novas pesquisas.
lizados em épocas, situações e sociedades diferentes. E as
descobertas, além de falsearem os problemas, servirão de
c o m p a r a ç ã o e possibilitarão uma discussão de resultados Fonte: elaboração do autor.
mais completa, além de produzir a inferência desses re-
sultados para a reafirmação de teorias e consolidação de Finalmente, a passagem da necessidade para o pro-
determinadas interpretações. Os saberes também p o d e r ã o blema de pesquisa supõe retomar sua essencialidade (con-
ser problematizados, e a partir das respostas já conhecidas cretividade) e suas diferenças com relação às aparências
gerarem novas perguntas e novas pesquisas. (psudoconcreticidade). O quadro a seguir destaca essa sín-
tese.
O p r ó x i m o movimento consiste na transformação da
3 E m alguns projetos de pesquisa, os problemas expostos na forma de perguntas problematização em questões e perguntas complexas. A ex-
chegam a ser tão simples que a solução está na consulta de um dicionário téc-
nico, um verbete em uma enciclopédia, uma obra especializada ou uma página plicitação dessas perguntas é a função mais importante de
na internet. Trata-se de falsos problemas, aliás, porque as repostas j á existem, um projeto de pesquisa. Vejamos a seguir essas sequências:
já foram elaboradas. O acesso a elas dirime o problema.

104 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas


PROBLEMATIZAR PERGUNTAS C O M P L E X A S

Diferenciar o problema complexo do falso problema O verdadeiro problema n ã o se identifica com o


(pseudoproblema). " n ã o saber", ele se apresenta como obstáculo,
dificuldade, conflito, dúvida, crise para o qual
Problematizar o problema superando as aparências
não se tem resposta pronta.
(pseudoconcreticidade) e captando as necessidades
que se i m p õ e m objetiva e subjetivamente. As respostas para os problemas concretos
(verdadeiros problemas) não estão nos saberes.
O olhar critico sobre a realidade, em que a suspeita,
a dúvida, a curiosidade, a indagação, a questão e a As possíveis respostas contidas nos saberes
pergunta se t o r n a m pontos de partida do sistematizados (bibliotecas, tradições, arquivos
conhecimento da realidade. informatizados, internet etc.) devem ser
problematizadas, submetidas à suspeita e à dúvida.
A partir da problematização, gerar perguntas
complexas. As perguntas complexas se originam nos problemas
concretos, nas dificuldades, nos conflitos e nas crises
e exigem respostas novas a serem elaboradas por
Fonte: elaboração do autor.
intermédio da pesquisa cientifica e filosófica.

As perguntas complexas resultam da problematização Fonte: elaboração do autor.


das necessidades e se afirmam depois de serem falseadas
pelos saberes encontrados nas revisões bibliográficas e na As considerações anteriores sobre o problema e a pro-
procura dos antecedentes de pesquisa. As perguntas com- blematização que conduzem às perguntas essenciais da
plexas se originam nos problemas concretos para os quais investigação sinalizam aos procedimentos a serem consi-
não existem respostas no universo dos saberes constitui- derados nesta primeira fase da e l a b o r a ç ã o dos projetos de
dos. D a i sua importância para o avanço do conhecimento pesquisa.
e o desenvolvimento da ciência nas suas diferentes espe-
cialidades.
2.3 D A P R O B L E M A T I Z A Ç Ã O A C O N S T R U Ç Ã O D A
PERGUNTA COMPLEXA

Como já explicitamos acima, toda pesquisa tem senti-


do quando surge para responder às necessidades históricas
concretas de evolução e desenvolvimento da humanidade.

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas 107


As necessidades ganham possibilidade de superação quan- Com relação à recuperação de informações de con-
do racionalizadas na forma de problemas e de perguntas. texto, uma vez definida a problemática a ser investigada,
A pesquisa se justifica quando surge, quando há suspeita, é preciso elaborar levantamentos para identificar os indi-
dúvida, conflito, crise, indagação como necessidade para cadores ou "sintomas" do problema. Informações sobre
a sobrevivência e a melhoria das condições da vida. Para índices, estatísticas, ações, repercussões, resultados, regis-
que a pesquisa se torne um processo concreto, é preciso tros dessa problemática nos contextos concretos nos quais
localizar o campo problemático, considerando as dimen- se situa (contexto empírico).
sões de e s p a ç o , tempo e movimento. Essa primeira fase Essa recuperação de informações sobre o contexto
é denominada " s i t u a ç ã o - p r o b l e m a " , ou simplesmente ex- empírico deve ser acompanhada de uma revisão biblio-
plicitação do problema. gráfica sobre o problema em questão, ou sobre pesquisas
Com base nesse patamar, operacionalizam-se proce- que tenham abordado a mesma problemática, visando à
dimentos, visando transformar o problema em perguntas. recuperação de registros e antecedentes necessários para a
Esses procedimentos s ã o de dois tipos: relativos à recu- definição de conceitos-chave, universos temáticos, teorias
peração de informações de contexto e relativos à quali- e categorias utilizadas no tratamento dos problemas abor-
ficação da pergunta. Os dois procedimentos se articulam dados nessa pesquisa específica, assim como para selecio-
entre si, como visualizados no quadro a seguir. nar procedimentos e estratégias, e posteriormente para a
discussão e interpretação dos novos resultados (contexto
Contexto empírico do problema teórico)"*.
Situação-problema
(situação-problema) Espaço: descrição do lugar, Uma vez explicitados os procedimentos de composi-
Indicadores do problema, instituição, contexto social no qual ção do contexto empírico e teórico, cabe agora operacio-
sintomas, manifestações. se situa a necessidade e o problema a nalizar os procedimentos da construção e qualificação da
Primeiros levantamentos, ser estudado. pergunta.
registros, índices, casos Tempo: período ou duração do Recomenda-se iniciar o procedimento elaborando um
significativos, exemplos. problema, atual ou enraizado no levantamento de indagações possíveis, na forma de frases
passado. interrogativas, desde diferentes pontos de vista até lugares
Movimento: formas de manifestação, diferentes dos sujeitos que se deparam com a necessidade
expressão e ocultamente do objeto de estudo e com a problematização dessa necessi-
problema, aparências e revelações. dade. Por exemplo, a problemática da violência na escola
Contexto teórico do problema Antecedentes: revisão de literatura. poderá ser indagada sobre o ponto de vista das políticas
Saberes acumulados, do Estado, da administração, dos professores, dos alunos,
Estudos anteriores sobre a mesma
antecedentes registrados. problemática.
4 A revisão bibliográfica e o mapeamento de termos que ajudarão na escolha e fun-
Fonte: elaboração do autor. damentação das palavras que irão compor os títulos, os resumos e as palavras-
-chave.

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas 109


dos pais ou da vizinhança. Essas indagações diversas tam- Problema Indagações Quadro de Pergunta
bém podem expressar, além de diferentes pontos de vista questões:
dos sujeitos, diversas dimensões do problema (económica,
Situação-problema Múltiplas questão 1
social, política, cultural, educacional, psicológica, peda-
indagações questão 2
gógica, administrativa e t c ) . pergunta-síntese
questão 3 ou questão
Listar essas diversas indagações é uma estratégia que questão 4 prática
ajuda a criar uma visão ampla da problemática e facilita questão
a elaboração e reelaboração de um quadro de questões 5....6...7...
mais completo. C o m base nesse listado de múltiplas inda-
gações, poderão ser selecionadas as mais pertinentes, as Fonte: elaboração do autor.
mais bem-elaboradas, com maior clareza e concretude e
formar um quadro de questões qualificadas que traduza
O delineamento desse trajeto, entre a necessidade e a
a problemática abordada pela pesquisa e que oriente as
pergunta-síntese, deverá ser considerado na primeira fase
buscas e o processo de elaboração das respostas.
do projeto.
A seleção das questões qualificadas dever-se-á pautar
Uma vez elaborada a pergunta-síntese ou questão bá-
pela busca da unidade que irá focar e centralizar esforços,
sica que deverá conduzir a pesquisa, o projeto deve prever
daí a pertinência de uma pergunta-síntese que articule o
os processos da elaboração da resposta, objeto do próxi-
quadro de questões. Esse nível de articulação e de quali-
mo capítulo.
ficação permitirá u m maior domínio racional do proble-
ma quando este é traduzido na forma de uma pergunta
concreta, construída na forma de síntese pela articulação
lógica de diversas questões e indagações, e elaborada no
processo de problematização da necessidade.
U m erro muito comum nos projetos de pesquisa con-
siste em juntar muitas questões desconexas ou referidas de
forma desarticulada às várias dimensões do problema. Pa-
ra solucionar essa dificuldade, recomenda-se que as ques-
tões sejam articuladas em torno de uma pergunta-síntese
ou de uma questão básica. O quadro a seguir ilustra essa
sequência.

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 2. A construção das perguntas 111


Capítulo 3
A elaboração das respostas

Nos capítulos anteriores, já foram anunciadas algu-


mas possibilidades das respostas. N o capítulo 1, na expo-
sição dos pressupostos da relação dialética entre perguntas
e respostas, se anuncia que a possibilidade da resposta de-
pende de uma pergunta clara, distinta e concreta sobre
um fenómeno ou objeto que está na presença do sujeito
indagador no mesmo espaço, tempo e em um movimen-
to de relação (aproximação) entre esses dois elementos.
De igual forma, anuncia-se que a qualidade da pergunta
não depende dela, e sim da plausibilidade e das condições
das respostas, sua fase contrária. Essa dialética também se
mantém na fase da previsão da resposta. E preciso, como
foi exposto no capítulo anterior, que a pergunta chegue a
sua fase mais desenvolvida, ao patamar de qualidade que
expresse de forma clara, distinta e concreta o processo de
transformar a necessidade em problema e traduza o pro-
cesso de problematização e de síntese que envolve a elabo-
ração de múltiplas indagações e a seleção das questões que
orientam a pesquisa. Somente nesse patamar de qualifica-
ção que o processo de construção das respostas é plausí-
vel. Entretanto, n ã o se trata de procedimentos mecânicos, AS RESPOSTAS
um depois do outro. Por força da mesma dialética, para
constituir esse patamar de qualidade, f o i preciso retomar Saberes Conhecimentos
elementos da fase contrária, neste caso, as respostas já ela- (respostas já elaboradas) (novas respostas) .
boradas sobre essas questões, encontradas na revisão de • Respostas novas a serem
• Respostas prontas "já
literatura e nos antecedentes da pesquisa, para constatar, produzidas.
dadas".
nos saberes acumulados, a possibilidade de falsear ou de
• Para pseudoproblemas. • Para problemas concretos.
confirmar o problema.
• Para perguntas simples. • Para perguntas complexas.
N o capítulo 1 apresenta-se, t a m b é m , o pressuposto
• Saberes sem explicitação do • Elaboração sistemática
que se refere ao lugar n o qual se p o d e r ã o encontrar as res-
método: de respostas concretas,
postas: "as respostas se encontram no mesmo lugar e con-
- Razão mítica (mitus). atendendo pressupostos
texto onde se originam as perguntas". A episteme antiga,
- Senso comum (doxa). e princípios do método
como a ciência moderna, se caracteriza pela busca con- geométrico.
• Saberes sistematizados com
creta de respostas nos próprios objetos e n ã o fora deles
explicitação do método: • Conhecimento como
ou das suas condições concretas. Essas condições, expres-
resultado da relação
sas nas categorias de e s p a ç o , tempo e movimento, supõem • Ciência (episteme).
concreta (no espaço, tempo e
um cenário no qual se estabelece a relação concreta entre • Filosofia (sofia). movimento) de:
o sujeito indagador e o objeto indagado, e as mediações Os saberes a serem "problema- Sujeitos (res cogitans) concretos.
possíveis entre eles, explicitadas nos procedimentos a se- tizados" e processados através
rem realizados para que a p r o d u ç ã o das respostas seja ga- Objetos (res extensa) concretos.
da "dúvida metódica" sobre
rantida. sua pertinência para responder Respostas novas a serem
aos problemas concretos. validadas publicamente.
T a m b é m no capítulo 1 e na parte final do capítulo 2 se
afirma a plausibilidade e a possibilidade de que toda per- Fonte: elaboração do autor.
gunta que consegue o patamar de qualidade de ser clara,
concreta e distinta merece sua resposta. Isto é, "existem O mesmo entendimento da relação dialética entre per-
respostas para todas as perguntas". Os lugares mais co- guntas e respostas, tidas como poios opostos da mesma
muns em que se encontram todas as respostas possíveis dinâmica do conhecimento, também serve para diferen-
estão no mundo dos saberes, sejam eles oriundos do sen- ciar os dois momentos das respostas, como já elaboradas
so comum o u opinativo, sejam eles da r a z ã o mítica o u (saberes) o u a serem produzidas pela pesquisa, como res-
dos saberes sistematizados pela ciência e pela filosofia. En- postas novas (conhecimento).
trementes, os projetos de pesquisa visam produzir novos
conhecimentos ou novas repostas. O quadro a seguir visu- Os saberes e os conhecimentos se situam de forma
oposta e contraditória, no mesmo processo. Enquanto
aliza essas possibilidades.
o conhecimento se refere à parte dinâmica e ao pro-

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 3. A elaboração das respostas 115


cesso de qualificar perguntas e produzir as respostas mento novo ganha outra dinâmica. A revisão de literatura
novas, os saberes se referem ao produto, à resposta e a recuperação dos antecedentes da investigação visua-
elaborada, fechada, empacotada, sistematizada para
lizam resultados que, dada a proximidade com a proble-
ser distribuída, divulgada e consumida. Nesse sentido,
conhecimento e saberes, embora contrários na funcio- mática central do projeto, se tornam necessárias para o
nalidade, estão juntos na dinâmica dialética entre per- desenvolvimento do projeto. Todas as respostas ofereci-
guntas e respostas sobre um determinado fenómeno, das pelos saberes devem ser ponderadas, à medida que
ou objeto. (Sánchez Gamboa, 2009, p. 13).
elas podem revelar a problemática que gerou as pergun-
tas que pretendem responder. Nessa recuperação, p o d e r ã o
A produção de conhecimento implica um processo di-
ser desvendados, além dos resultados, também os procedi-
nâmico de geração de conteúdos que, uma vez elaborados,
mentos e estratégias de pesquisa, ou simplesmente, a par-
são acumulados pela humanidade e amplamente transmi-
tir dos resultados obtidos, gerar novos projetos quando
tidos e disseminados na forma de saberes. Os saberes se
s ã o problematizadas as respostas encontradas e são trans-
' apresentam como respostas, separadas das suas perguntas
formadas em hipóteses para serem comprovadas com as
originárias, ou como produtos separados dos processos de
novas pesquisas. Nesse sentido, o conhecimento novo se
produção. Nesse sentido, os saberes são respostas ou pro-
constitui a partir do conhecimento elaborado. A suspeita,
dutos que não revelam sua relação imediata com as pergun-
a dúvida e a problematização s ã o as estratégias que levam
tas e os processos originários da sua elaboração. Os saberes
a relativizar os resultados, considerando os limites dos
são divulgados como informações por meio dos sistemas
contextos de origem, e a mostrar as possibilidades da ge-
informatizados, livros, materiais didáticos e conteúdos cur-
r a ç ã o de novos processos de p r o d u ç ã o de conhecimentos.
riculares. N a conjuntura atual da chamada sociedade da
informação, apresenta-se uma multiplicidade de dados, de Considerando os pressupostos anteriores e a neces-
registros e de informações que invadem o cotidiano, dan- sidade da operacionalização dos procedimentos a serem
do a sensação de que " j á existem respostas para todas as considerados na elaboração dos projetos, cabe, a seguir,
perguntas", cabendo a nós apenas acessar as redes de i n - apresentar os elementos básicos dessa empreitada.
formação para consumir as respostas. Essa facilidade pro- Em primeiro lugar, é fundamental assegurar a mate-
duz a sensação de hegemonia do mundo das respostas e de rialidade das condições da relação básica entre o sujeito
inutilidade da procura de improváveis novas respostas, ou concreto que pergunta e um objeto que responde. Essa
a perda de tempo na recuperação dos problemas e das per- relação se situa em u m cenário também concreto, deter-
guntas que deram origem a tanta informação disponível*. minado pelas categorias de espaço, tempo e movimento,
N o processo da elaboração dos projetos de pesquisa, como já foi explicitado acima. As definições técnicas e as
a relação entre os saberes e a necessidade de u m conheci- diferenças entre os termos "conhecer" e "saber" confir-
mam essa necessidade, no caso do conhecimento, da pre-
1 A figura exposta no final deste capítulo ilustra melhor essa hegemonia das res-
sença direta e imediata do sujeito e o objeto em um mesmo
postas, quando a interlocução entre os pesquisadores (orientador e orientando) cenário. O quadro a seguir ilustra essas diferenças.
anuncia: "temos todas as respostas, mas qual é mesmo a pergunta?"

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 3. A elaboração das respostas 117


Distinção entre "conhecer" u m objeto ELABORAÇÃO DA RESPOSTA
e "saber" algo em torno do objeto PROCEDIMENTOS E PRESSUPOSTOS

Bases metodológicas e teóricas


Segundo Russell (1955, p. 4 1 apud Abbagnano, 1970,
p. 832): " A distinção entre experiência direta [acquain- • Bases m e t o d o l ó g i c a s : mediações da relação entre o
tance) e conhecimento acerca de {knowledge about) é a sujeito e o objeto entre a pergunta e a resposta.
distinção entre as coisas que nos estão imediatamente
Previsão de:
presentes e as que nós alcançamos somente por meio
a) fontes;
de frases denotativas."
b) instrumentos de coleta de informações e dados;
O conhecimento, segundo Abbagnano (1970, p. 160), c) técnicas de tratamentos de dados e informações;
refere-se a procedimentos para a verificação de u m ob- d) o r g a n i z a ç ã o e sistematização de resultados;
jeto qualquer, verificação que torna possível a descri- e) hipóteses (respostas parciais provisórias que orien-
ção, o cálculo ou a previsão controlável de um objeto. tam a coleta e a organização de resultados).
A q u i , entende-se por objeto qualquer entidade, fato,
• Bases teóricas: delineamento do horizonte da análi-
coisa, realidade ou propriedade que possa ser submeti-
do a tal procedimento. se e da interpretação.

Isso supõe uma relação imediata ou próxima entre o su- Enunciado de:
jeito conhecedor e o objeto a ser conhecido. O conheci- a) marcos da localização do processo da pesquisa
mento exige a relação imediata do objeto e o sujeito na em uma área de conhecimento ou campo científico;
mesma dimensão espaço-temporal, para permitir a ve- b) critérios e categorias de análise;
rificação; já os saberes comunicam através de frases de- c) referências para discutir resultados;
notativas informações sobre o objeto sem precisar dessa d) horizonte da interpretação da resposta.
presença verificadora.
Fonte: elaboração do autor.
Fonte: elaboração do autor.

O projeto deverá prever a forma de obtenção das


A materialidade dessa presença direta e imediata em
respostas para o problema concreto a ser pesquisado ou
um cenário concreto é a garantia da plausibilidade do
diagnosticado. Essa forma de prever ou projetar a manei-
conhecimento e da possibilidade de prever, na fase do
ra da construção das respostas se conhece como "bases
projeto, os procedimentos a serem desenvolvidos. Esses
teórico-metodológicas do projeto" e contém tópicos rela-
procedimentos devem articular o instrumental técnico-
tivos à instrumentalização do processo e à organização e
-metodológico a ser utilizado e os referenciais teóricos que
interpretação de resultados.
darão suporte à compreensão do objeto. O quadro a se-
guir visualiza esse cenário de possibilidades.
Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 3. A elaboração das respostas 119
Tais tópicos, na sua sequência lógica, consistem em:
Previsão da resposta ou metodologia do projeto

a) a definição de fontes em que poderemos obter infor-


Previsão de:
mações para a e l a b o r a ç ã o das respostas pertinentes
ao quadro de q u e s t õ e s e à pergunta-síntese; a) fontes: bibliográficas, documentares, testemunhais
(vivas), observação direta, observação participante,
b) a seleção de instrumentos, materiais, técnicas para
experimentais, modelos (iconográficos, ciberespa-
coletar, organizar e sistematizar as informações ne-
ciais, metafóricos).
cessárias à c o n s t r u ç ã o das respostas;
b) instrumentos de coleta de informações e dados:
c) a explicitação de hipóteses (respostas esperadas) ou
fichas, questionários, entrevistas, diários de cam-
dos possíveis resultados da pesquisa que p o d e r ã o
orientar as diversas estratégias da organização das po, gravador, vídeo, tabelas de registro, materiais
respostas; e instrumentos, equipamentos, protocolos, quadro
de medidas e parâmetros, modelos informatizados,
d) a definição de u m quadro de referências teóricas que
modelos metafóricos, paradigmas.
fornecem as categorias para analisar as respostas e i n -
terpretar os resultados. Esse quadro ajuda a localizar c) técnicas de tratamentos de dados e informações:
o projeto em u m campo epistemológico específico ou quantitativas (estatísticas, computacionais) e quali-
no contexto de uma área do conhecimento; tativas (análise de conteúdo, interpretação e cons-
trução do discurso).
e) a previsão de c o n d i ç ã o para a realização do projeto
(indicadores da viabilidade técnica). d) organização e sistematização de resultados. Esque-
mas, tabelas, índices, fórmulas, teoremas, proposi-
Vejamos a seguir algumas especificações dessa fase e ções, silogismos, argumentações.
um quadro ilustrativo que resume esses tópicos relativos à e) hipóteses (respostas parciais provisórias que orien-
previsão da construção das respostas. tam a coleta e a organização de resultados).

Fonte: elaboração do autor.

A metodologia do projeto se refere basicamente à


previsão das fontes em que o pesquisador poderá obter
informações para elaborar a respostaL A definição, em

2 As fontes p o d e r ã o ser definidas pelo esgotamento de alternativas, se pergun-


tando sobre a insuficiência das respostas que o próprio pesquisador possui (to-
mando a própria experiência como fonte), ou das respostas encontradas nos

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 3. A elaboração das respostas 121


primeiro lugar, desse procedimento deve obedecer a cri- observação participante, experimentais, modelares (ico-
térios de proximidade e viabilidade técnica com relação nográficos, ciberespaciais, metafóricos).
ao objeto de estudo. Dentre as alternativas, a observação
Uma vez definida a fonte mais p r ó x i m a do objeto e
direta poderá ser a prioritária, entretanto, não ser tecni-
mais viável tecnicamente, então, cabe prever os instrumen-
camente viável quando o objeto está distante no tempo e
tos e as técnicas para coletar e organizar as informações.
no e s p a ç o , como é o caso de um acontecimento histórico.
Neste caso, outras fontes, como as documentais, seriam É bastante comum encontrar nos projetos de pesqui-
as mais apropriadas. A alternativa poderá ser a fonte tes- sa encaminhados às agências de fomento, nos itens rela-
temunhal, ou a fonte viva de sujeitos que presenciaram o tivos à metodologia, apenas o anúncio dos instrumentos
acontecimento, ou, em forma distante, fontes bibliográ- de coleta de dados a serem utilizados, tais como: ques-
ficas, relatos jornalísticos etc. De igual forma, para abor- tionários, entrevistas, roteiros de observação; sem definir
dar um problema de c o n t a m i n a ç ã o ambiental e identificar previamente o tipo de fonte. Entende-se que a escolha da
vírus ou micro-organismos vinculados à degradação do fonte é anterior à indicação das técnicas ou instrumen-
meio ambiente, a o b s e r v a ç ã o direta, a fonte testemunhal tos de coleta e sistematização de dados. Em outros casos,
e o documento histórico t a m b é m se tornam fontes menos anuncia-se e caracteriza-se a pesquisa pelo tipo de técnica
apropriadas com relação a uma fonte experimental que de tratamentos dos dados, utilizando expressões como "a
registra a evolução desses micro-organismos. Os enge- metodologia a ser utilizada é a quantitativa" ou "esta pes-
nheiros e os arquitetos que buscam solucionar problemas quisa é de caráter quantitativo". Nesses casos genéricos,
de resistência de materiais ou de distribuição de espaços, s ã o ignorados os elementos básicos da metodologia, como
certamente, irão privilegiar fontes modelares (projeções) é a prévia definição de fontes e de instrumentos de coleta
ou iconográficas (maquetes), que p o d e r ã o responder suas de informações, que justificam a escolha e a pertinência
indagações e desconsiderar os depoimentos de pessoas, os de técnicas estatísticas ou de análise de conteúdo para a
registros bibliográficos e a o b s e r v a ç ã o direta. posterior organização e análise dos dados e informações.

Outras fontes que anunciamos, embora não desen- Dependendo das fontes, algumas técnicas e instru-
volvamos nesta publicação já que seu objetivo é abor- mentos s ã o mais apropriados, tais como fichamentos,
dar apenas os fundamentos lógicos, s ã o : bibliográficas, questionários, entrevistas, diários de campo, gravador,
documentares, vivas ou testemunhais, observação direta, vídeo, tabelas de registro, materiais e instrumentos equi-
pamentos, protocolos, quadro de medidas e parâmetros,
sistemas de informação (insuficiência dos resultados encontrados nas buscas modelos informatizados. N a sequência lógica, serão pre-
informatizadas ou bibliográficas). Aliás, se as respostas que o pesquisador pos- vistas as técnicas de tratamentos de dados e informações:
sui e que a literatura oferece s ã o satisfatórias, n ã o tem sentido procurar novas
fontes. Quando isso n ã o acontece, deve-se perguntar: "quais as formas como o quantitativas (estatísticas, computacionais), qualitativas
objeto revela seus segredos.'" " C o m o obter informações e dados confiáveis so-
(análise de conteúdo, interpretação e análise do discurso),
bre esse objeto para elaborar as respostas às questões que orientam as buscas?"
"Que fontes oferecem dados e informações sobre os objetos a serem privilegia- assim como as técnicas de organização e sistematização de
das na pesquisa?"

Projeto-s de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 3. A elaboração das respostas 123


resultados, tais como esquemas, tabelas, índices, fórmu- f) ao paradigma epistemológico, e às visões de ciência e
las, teoremas, p r o p o s i ç õ e s , silogismos, argumentações. de mundo que constituem o horizonte interpretativo
Dentre as bases metodológicas, também s ã o consideradas dos resultados, quando o nível de aprofundamento e
as hipóteses (respostas parciais provisórias) que servem de qualificação da pesquisa assim exigir.
estratégia que, no caso de grande volume de dados ou de
respostas polémicas, p o d e r ã o orientar a coleta e a organi- A base teórica da pesquisa que resulta na escolha dos
zação de resultados. elementos acima elencados, nos limites de um projeto de
Junto com a metodologia, o projeto deve indicar as pesquisa (em média vinte páginas), não permite uma ex-
bases teóricas que se referem às categorias de análise e aos posição ampla de categorias, concepções e autores. Neste
referenciais a serem utilizados para a interpretação e dis- caso, é sugerido anunciar de forma sucinta os conceitos-
cussão dos resultados. Esse corpo de conceitos-chave ou -chave que envolvem a problematização, a escolha dos tí-
de categorias que referenciam a compreensão da lingua- tulos, os campos disciplinares e indicar as obras e autores
gem utilizada para denominar e delimitar fatores empíri- que irão dar suporte nas várias facetas da compreensão do
cos diz respeito: objeto ou fenómeno que está sendo estudado, utilizando,
além das referências diretas, um anexo com a bibliografia
a) à definição do campo disciplinar ou interdisciplinar e as referências das publicações e autores que serão con-
que dá suporte e lastro para a compreensão do proble- sultados e apropriados no percurso da pesquisa.
ma*; Finalmente, neste capítulo sobre as respostas, vale a
b) à definição de palavras-chave (definição de termos bási- pena destacar a relativa hegemonia do mundo das respos-
cos, inclusive os utilizados no título do projeto); tas. A p r ó x i m a figura ilustra bem essa situação*.

c) às categorias de análise (conceitos que identificam o fe-


nómeno, o objeto, o evento, o fato e as partes que o
constituem, constructos e/ou definição de variáveis);
d) à articulação de categorias (quadro de categorias, sis-
temas de referências, campo conceptual);
e) à apropriação e/ou à elaboração de teorias e referên-
cias para discutir resultados;

3 No caso brasileiro, alguns editais e orientações das agências de fomento sugerem


a utilização da classificação das áreas de conhecimento, otganizados pela Fun-
dação C o o r d e n a ç ã o de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. 4 Charge sobre a relação entre as perguntas e as respostas, de autoria de Claudius,
Disponível em: <http://vvww.capes.gov.br/avaliacao/tabela-de-areas-de-conheci- publicada na revista Pesquisa, do Fundo de Apoio à Pesquisa do Estado de S ã o
mento>. Acesso em: 7 mar. 2013. Paulo (Fapesp).

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 3. A elaboração das respostas 125


Certamente, uma das maiores dificuldades que os pes-
quisadores encontram na hora de elaborar seus projetos
está na elaboração das indagações, as questões e as per-
guntas. Os sistemas de comunicação invadem de tal forma
o cotidiano, oferecendo e impondo informações, dados,
notícias, respostas para perguntas, que não conseguimos
fazê-las.
Os sistemas escolares privilegiam as pedagogias da
resposta, oferecendo conteúdos a serem assimilados sem
dar espaço para a dúvida e a indagação.
Mesmo nos laboratórios e grupos de pesquisa, os i n -
vestigadores se deparam com u m universo de informações
que a ilustração acima registra: o paradoxo da abundân-
cia das respostas e a escassez de perguntas, em que deveria
acontecer o contrário. Pesquisar é sinónimo de perguntar.
O mundo das respostas, representado em apostilas, livros,
periódicos, revistas, terminais de computadores, redes de
informação, afoga literalmente os pesquisadores que ten-
tam sobreviver procurando uma pergunta. Pergunta que é
a essência de seus projetos de investigação.

Essa é uma possível situação do pesquisador que dia-


loga com seus pares em u m t o m de desconforto: "Temos
todas as respostas... Qual é a pergunta?"

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 3. A elaboração das respostas


Considerando esses exemplos e algumas sugestões
OBJETIVOS
contidas nos manuais de pesquisa, oferecemos, a maneira
Geral (relativos ao diagnóstico de um problema, fenómeno,
de síntese, o seguinte esquema.
ou objeto, aos resultados da pesquisa) e específicos (rela-
tivos aos procedimentos, às metas e às fases da pesquisa).
CAPA Utilizar verbos ativos: caracterizar, descrever, analisar, com-
preender, diagnosticar, medir, dimensionar, tipificar, classi-
(autor, título, local e data). ficar, comparar, explicitar, revelar, sistematizar, interpretar,
relacionar. Evitar objetivos de intervenção pedagógica, ad-
FOLHA DE ROSTO ministrativa, extensiva (contribuir, propiciar, facilitar, pos-
sibilitar, favorecer etc).
(autor, título, instituição, área, orientação, local e data).
SUMÁRIO E ÍNDICES
METODOLOGIA
(siglas, tabelas, figuras, quadros, anexos).
Fontes, instrumentos, materiais, técnicas de sistematização
e organização de dados, informações e resultados, estraté-
RESUMOS (vinte linhas)
gias, procedimentos e hipóteses de trabalho.
Apresentando a problematização (situação-problema), as
questões principais, a previsão da metodologia (fontes, ins-
REFERENCIAL TEÓRICO
trumentos e técnicas de coleta e tratamento de informa-
Recorte disciplinar, termos, conceitos e categorias, teorias,
ções), resultados esperados. , perspectiva epistemológica.

INTRODUÇÃO RESULTADOS ESPERADOS


Justificativa do estudo, relevância social, científica e acadé- Hipóteses, teses a serem defendidas, contribuições possíveis.
mica da pesquisa, objetivo geral, apresentação das partes
do projeto. VIABILIDADE TÉCNICA DO PROJETO
Acesso às fontes, recursos humanos, financiamentos, justifi-
PROBLEMA cativa do apoio financeiro.
Situação-problema (espaço, tempo, movimento), antece-
dentes (revisão bibliográfica), indicadores (estudos pre- REFERÊNCIAS, BIBLIOGRAFIAS E LISTA DE FONTES
liminares), questões norteadoras, questão principal ou
pergunta-síntese. ANEXOS
Cronograma, modelos de instrumentos, roteiros, lista de
(Continua) materiais, delineamentos experimentais, levantamentos pré-
vios, orçamentos.
(Conclusão)
Fonte: elaboração do autor.

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 4. A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição 141
Capítulo 4
A apresentação dos projetos
de pesquisa: a forma
da exposição

Depois de organizar os conteúdos relativos à necessi-


dade histórica do conhecimento científico (capítulo 1) e
de apontar o mundo da necessidade como a base concreta
que deveria dar origem aos projetos, sua racionalização
na forma de problema e sua correspondente tradução na
forma de indagações, questões e perguntas (capítulo 2),
e, ainda, depois de ter previsto as condições e maneiras
de elaborar as respostas e organizar a interpretação, os
resultados (capítulo 3), veremos, a seguir, as formas da
apresentação desses conteúdos. Essa fase final também
obedece a critérios de fundamentação lógica.

Retomamos as conceptualizações acerca do método


entendido como uma concatenação de atos. Como já v i -
mos nos capítulos anteriores, o método em si mesmo n ã o
tem independência, já que condiz a uma relação entre u m
lugar ou ponto de partida e um segundo lugar, ou ponto
de chegada. E no caso do conhecimento, diz respeito à
relação entre o sujeito que pergunta e o objeto que res-
ponde*. Dependendo d o lugar, do sujeito e do objeto, o
lico formal e a ciência deve ser exprimível e transmissível
percurso entre eles é mais longo ou curto, mais direto ou
pelo ensino." (Granger, 1994, p. 51). N a filosofia aristo-
com mais atalbos e "detours'". De qualquer maneira, o
télica, a unidade se manifesta na relação da matéria e da
método é uma sequência de ações práticas.
forma (hilemorftsmo), visto que a matéria ou conteúdo
pertencia à ontologia e a forma à lógica, que cuida das
Igual as outras atividades práticas, o método aparece
e se desenvolve primeiro como prática e depois (so- regras de concatenação dos símbolos.
mente a posteriori) é que resulta numa possível teoria Essa lógica, como vimos na introdução, tem duas d i -
sobre o método, primeiro a metódica e depois a meto-
dologia. (Nunez Tenório, 1989, 47, tradução nossa). mensões complementares: a dialética, que cuida das regras
do pensamento e do conteúdo; e a forma, que aborda a
De acordo com essa perspectiva, o método se rela- relação entre pensamento e linguagem o u a forma da ex-
ciona com a ciência como prática e com a filosofia co- posição dos conteúdos.
mo teoria. A história das práticas científicas foi dando a Essas duas dimensões da lógica se articulam à medida
determinadas sequências de atos seu caráter científico e que uma se refere à maneira como organizamos nossos
contribuindo para consolidar a reflexão sobre os métodos pensamentos para, em u m segundo momento, expô-los
(metodologia). Em r a z ã o dessa reflexão, foram constituin- por meio das palavras. N ã o podemos expor resultados de
do-se vários campos de estudos relacionados com o desen- uma pesquisa antes de organizar a pesquisa, de igual ma-
volvimento dos métodos nas ciências e na Filosofia. neira que aprender a pesquisar n ã o consiste, como expõe
a maioria dos manuais de metodologias do trabalbo cien-
Justamente por isso, a consolidação e progresso da me- tífico, em saber elaborar uma boa exposição, consideran-
todologia científica esteve e continuará estando ligada
do regras, técnicas de organizar u m texto em sumários e
ao crescimento das ciências particulares (em quaisquer
dos seus domínios) e ao desenvolvimento dos temas tabelas, apresentação de bibliografias, elaboração de no-
lógicos, gnosiológicos e epistemológicos da filosofia. tas de rodapés. Antes disso, é preciso aprender a pesqui-
(Nunez Tenório, 1989, p. 38, tradução nossa).
sar. Isto é, a utilizar a lógica que dinamiza a relação entre
perguntas e respostas.
Com base na perspectiva filosófica e, particularmente,
da lógica, o m é t o d o pode desdobrar-se em duas fases ou Infelizmente, quando se pensa em formar o pesquisa-
formas: a da pesquisa e a da exposição, as duas se relacio- dor com base na sequência em que tem prioridade o mé-
nando em uma unidade de contrários. todo de pesquisa, encontramos a deficiência, já apontada
por Barbosa (2007), nos manuais de trabalbo científico
A necessidade dessa unidade já era anunciada p o r
em que predomina o m é t o d o de exposição. Isto é, pre-
Aristóteles: "Toda ciência se produz n u m sistema simbõ-
dominam informações sobre as formas de organizar u m
texto, monografias, dissertações, teses e relatórios de pes-
1 o método em si mesmo se refere à a ç ã o ou prática ou, apesar do método ser uma
prática, uma análise posterior sobre essa prática e esses procedimentos, sendo quisa e contêm raríssimas indicações sobre como se rea-
possível que a maioria deles obedeça a uma lógica e a pressupostos teóricos que liza a pesquisa. Nesta publicação, tentamos reverter essa
constituem sua estrutura. Essa teoria a respeito do método é a metodologia.

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 4. A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição
prioridade, dando ênfase à lógica que fundamenta o mé- te agora a vida da matéria, talvez possa aparecer que
todo de pesquisa, sem deixar de anunciar alguns detalhes se esteja tratando de uma construção, a priori. (Marx,
1968, p. 20).
sobre o m é t o d o de e x p o s i ç ã o , considerando as exigências
das agências de fomento (CNPq, Fapesp etc).
Frigotto (2002) comenta essa compreensão de M a r x ,
Justifica-se a articulação desses dois momentos e, por afirmando que não é fortuita a distinção, ainda que formal,
consequência, deste último capítulo, na compreensão so- que M a r x faz entre método de investigação e de exposi-
bre o método científico, elaborada pelo materialismo dialé- ção. É na pesquisa que o pesquisador tem de recuperar a
tico*. Segundo a dialética materialista, o método científico " m a t é r i a " em suas múltiplas inter-relações; apreender o es-
é integrado por dois processos: o investigativo e o exposi- pecífico, o singular, a parte e seus tecidos com a totalidade
tivo. São duas faces que estão relacionadas dialeticamente. mais ampla; as contradições e os elementos estruturantes
Toda investigação implica uma exposição e, inversamente, do fenómeno pesquisado. A exposição busca ordenar de
todo discurso científico é de uma pesquisa. Toda descober- forma lógica e coerente a apreensão que se fez dessa reali-
ta precisa ser exposta, racionalizada, comunicada. E uma dade estudada. É, sem dúvida, necessário distinguir o mé-
exposição supostamente científica que não se fundamenta todo de exposição, formalmente, do método de pesquisa. A
em uma pesquisa t a m b é m n ã o tem valor. Assim, pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar
as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão
[...] o método científico como a prática da pesquisa cien-
íntima. Sõ depois de concluído esse trabalbo é que se pode
tífica, ou a prática do cientista no processo de produção
de novos conhecimentos, inclui dois monientos comple- expor adequadamente o movimento do real.
mentários: um investigativo e outro expositivo. (Nunez
Na fase da pesquisa, o fundamental é produzir o novo
Tenório, 1989, p. 43, tradução nossa).
conhecimento e gerar conteúdos que são textualizados no
discurso. Dessa maneira, a descoberta e a pesquisa funcio-
Esses dois momentos precisam ser diferenciados e se-
nam como conteúdo, enquanto a forma aparece no discurso
guem uma sequência, segundo anuncia M a r x .
e na exposição. Entre uma e outra se articula uma relação
É sem dúvida necessário distinguir o método de expo- dialética. São duas fases ou duas etapas inseparáveis de u m
sição, formalmente, do método de pesquisa. A pesqui- mesmo processo: o da prática científica como método.
sa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar
as suas várias formas de evolução e rastrear sua co- Nos capítulos anteriores, anunciamos o processo de
nexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho pensar a pesquisa de prever a constituição dos conteúdos
é que se pode expor adequadamente o movimento quando tomamos como base a relação entre a pergunta e a
do real. Caso se consiga isso, e espelhada idealmen-
resposta e dedicamos u m capítulo às sequências das ações
para a elaboração das perguntas e a previsão da constru-
2 Essa separação entre ontologia e lógica é unificada por Hegel para quem a lógica ção das respostas. Assim, este capítulo que complementa
integra a ontologia e a gnosiologia, e para Marx essa unidade está na dialética
materialista que integra lógica, gnosiologia e metodologia (Cf. Kopnin: A dialé- os anteriores será dedicado à fase da exposição, já que,
tica como lógica e teoria do conhecimento; Kosik: A dialética do Concreto).
uma vez pensados, os elementos constitutivos do projeto

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 4. A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição
fundamenta a p r o d u ç ã o do conhecimento, esta também
precisam ser comunicados ou textualizados utilizando a
deverá pautar a exposição, espelhando os conteúdos re-
forma da exposição.
lativos aos dois momentos da construção dos projetos: a
Para tanto, tomaremos como referências tanto a expe- problematização da necessidade, expressa em questões e
riência acumulada pela prática científica quanto as orienta- perguntas; e a previsão das respostas.
ções de algumas das mais importantes agências de fomento
Com base nesse pressuposto, a apresentação dos proje-
à pesquisa, que solicitam o preenchimento de formalidades
tos de pesquisa deve conter as seguintes partes básicas:
na hora de submeter os projetos para a sua avaliação.
Em primeiro lugar, na hora de organizar a exposição, a) a exposição da necessidade, do problema, das ques-
tida como a fase final do projeto, é importante ter em m ã o s tões e das perguntas;
os materiais conseguidos na fase de pensar o projeto. O
b) a metodologia a ser utilizadas para a elaboração das
que expor depende desse acúmulo de materiais relaciona-
respostas.
dos com a construção da pergunta e a previsão da resposta.
Nesse sentido, sõ é possível expor o que antes foi pensado*.
Além dessas partes básicas, outros elementos relativos à
D a í a importância de recuperar, em primeiro lugar, os ele-
formalidade e aos protocolos de comunicação poderão ser
mentos necessários para a elaboração do projeto e, uma vez
considerados. Tais elementos adicionais são: justificativa do
"postos sobre a mesa", organizar a sua apresentação.
projeto; relevância social, científica ou académica da pes-
N a fase da e x p o s i ç ã o , é fundamental atender às for- quisa; objetivos gerais e específicos; quadro de referências
malidades, às exigências técnicas, aos critérios de rigor teóricas que fornecem as categorias para analisar as respos-
do trabalbo científico (normas técnicas, A B N T ) e às re- tas e interpretar os resultados (indicando em anexo as re-
comendações das agências de fomento, dos editais ou dos ferências e bibliografias a serem consultadas). Esse quadro
programas e/ou orientadores que aceitam ou financiam o ajudará a localizar o projeto no contexto de uma área do
projeto. Neste caso, o m é t o d o de exposição deve consi- conhecimento e no lastro da formação de um campo cien-
derar as condições dos interlocutores, os níveis académi- tífico. Além desses elementos, podem complementar a ex-
cos exigidos e as formas de linguagem recomendadas. De posição indicadores da viabilidade técnica do projeto. Esse
acordo com essas situações, u m mesmo conteúdo pode último item deve ser atendido quando as agências financia-
adquirir diversas formas de exposição. Em razão disso, doras exigem a correspondência com um projeto financeiro
não se tem critério ou modelo de exposição dos projetos. (orçamento) que seja justificado na descrição das condições
N o entanto, se considerarmos a importância da lõgica que institucionais da pesquisa e a viabilidade técnica do desen-
volvimento da pesquisa de acordo com o cronograma e os
3 Pretender cuidar das formalidades ou dos esquemas de apresentação, sem antes recursos solicitados''.
conferir o que será exposto, é um erro muito comum apresentado nos manuais
de trabalho científico, que indicam as maneiras de elaboração de sumários, es-
quemas, quadros, referências, citações, notas e, no entanto, não indicam como 4 Algumas agências de fomento discriminam dois tipos de projetos articulados
se constrói uma problemática da pesquisa, nem discutem as características do entre si: projeto técnico, relativo à organização da pesquisa; e projeto financei-
conhecimento científico e a lógica que o sustenta. ro, relativo aos recursos e cronogramas necessários para seu desenvolvimento.

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 4, A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição 135
o projeto poderá considerar, também, além da viabi- 4) Desafios científicos e tecnológicos e os meios e mé-
lidade técnica, os impactos e resultados esperados ou as todos para superá-los: explicite os desafios científi-
bipóteses de trabalbo que orientam a busca de informações cos e tecnológicos que o projeto se propõe a superar
para elaborar as respostas. As bipõteses são consideradas para atingir os objetivos. Descreva com que meios e
como respostas parciais ou provisórias que orientam a pes- métodos estes desafios p o d e r ã o ser vencidos. Cite re-
quisa e que, uma vez confirmadas, se transformam nas res- ferências que ajudem os assessores que analisarão a
postas buscadas ou nas teses a serem confirmadas. proposta a entenderem que os desafios mencionados
Além dos conteúdos acima indicados, a exposição do não foram ainda vencidos (ou ainda não foram ven-
projeto poderá conter alguns anexos, tais como crono- cidos de forma adequada) e que poderão ser vencidos
grama de realização, que define quando desenvolver cada com os m é t o d o s e meios da proposta em análise.
etapa da pesquisa, orçamentos e listado de recursos ne- 5) Cronograma: quando o projeto será completado?
cessários ao desenvolvimento do projeto, os modelos de Quais os eventos marcantes que poderão ser usados
instrumentos e os levantamentos prévios, que mostram os para medir o progresso do projeto e quando estará
graus de aproximação que o pesquisador tem com o pro- completo? Caso o projeto proposto seja parte de ou-
blema que está sendo pesquisado. tro projeto maior já em andamento, estime os prazos
Na tentativa de articulação desses elementos sugeri- somente para o projeto proposto.
dos, podemos indicar alguns exemplos de apresentação de 6) Disseminação e avaliação: como os resultados do pro-
projetos. jeto deverão ser avaliados e como serão disseminados?
Em primeiro lugar, referimo-nos às orientações da Fun- 7) Outros apoios: demonstre outros apoios ao projeto, se
dação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo (Fa- houver, em forma de fundos, bens ou serviços, mas sem
pesp), no caso do Programa Auxílio à Pesquisa - Regular. incluir itens como uso de instalações da instituição que
já estão disponíveis. Note que os autores das propostas
1) Folbas de rosto (duas, sendo uma em português e outra selecionadas deverão apresentar carta oficial assinada
em inglês) contendo título do projeto de pesquisa pro- pelo dirigente da instituição, comprometendo os recur-
posto, nome do Pesquisador Responsável, Instituição sos e bens adicionais descritos na proposta.
Sede e resumo de 20 linbas.
8) Bibliografia: liste as referências bibliográficas citadas
2) Enunciado do problema: qual será o problema tratado nas seções anteriores.
pelo projeto e qual sua importância? Qual será a con-
9) Plano de Trabalho para as Bolsas de Treinamento Téc-
tribuição para a área se bem sucedido? Cite trabalhos
nico solicitadas (este item e os seguintes não devem ser
relevantes na área, conforme necessário.
incluídos na contagem de 20 páginas mencionada aci-
3) Resultados esperados: o que será criado ou produzido ma): para cada bolsa solicitada deverá ser apresentado,
como resultado do projeto proposto? com a proposta inicial, um Plano de Trabalho com até

36 projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 4. A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição 137
duas páginas, incluindo Título do Projeto de Bolsa, Re- ção das respostas; e a explicitação e fundamentação da me-
sumo e Descrição do Plano. N ã o é necessário indicar o diação teórico-metodológica (revelar o caminho).
nome do bolsista na proposta. Caso o projeto seja apro- Entendemos que, dessa forma, é possível atender as
vado, o Pesquisador Principal deverá providenciar pro- exigências lógicas de acordo com os critérios da episteme
cesso seletivo anunciado publicamente para selecionar e do método geométrico: as de revelar os caminhos (impe-
os bolsistas por mérito académico. rativo do m é t o d o ) , e explicitar os nexos entre o ponto de
10) Planilhas de orçamento e cronogramas físico-finan- partida (as maneiras e condições da pergunta) e o ponto
ceiros.* de chegada (as formas e limites da resposta).

Outros modelos podem ser encontrados nos diver-


No exemplo anterior, no qual se sugere uma forma sos editais das agências de fomento e dos programas de
da exposição, exigem-se elementos formais, tais como as p õ s - g r a d u a ç ã o , muitos deles se resumem à apresentação
folbas de rosto (1), dados complementares tais, cronogra- de u m roteiro mínimo de carta de intenções de pesquisa,
mas (5), formas de avaliação e divulgação dos resultados outros exigem formulação do problema, a metodologia,
(6), apoios (7), bibliografia (8), planos de trabalhos de au- objetivos e resultados esperados. A Associação Brasileira
xiliares de pesquisa (9) e planilhas de orçamentos (10). de Normas Técnicas (ABNT) oferece uma N o r m a sobre a
Os elementos substanciais do projeto estão indicados apresentação de Projetos de pesquisa ( A B N T N B R 15287,
nos itens 2, 3 e 4: Enunciado do problema (2), destacan- 2005). Essa N o r m a estabelece os princípios gerais para a
do, além da sua formulação, a relevância social e cientifi- apresentação de;
ca, a revisão de literatura e antecedentes que justifiquem
a problemática abordada e a possível contribuição para o 1) Elementos pré-textuais (capa, folha de rosto, lista de
avanço do conhecimento; Resultados esperados (3), ou res- tabelas, siglas e sumário);
postas ao problema; Desafios científicos e tecnológicos e os 2) Elementos textuais;
meios e métodos para superá-los (4), explicitando objetivos
a serem atingidos, meios e métodos para obter as respostas. Os elementos textuais devem ser constituídos de
Ainda nesse item devem explicitar os referenciais teórico- uma parte introdutória, na qual devem ser expos-
tos o tema do projeto, o problema a ser abordado,
-metodológicos que sustentem esses desafios e procedimen-
a(s) hipótese(s), quando couber(em), bem como o(s)
tos. Como podemos ver, nesses três itens são apresentadas objetivo(s) a ser(em) atingido(s) e a(s) justificativa(s).
as partes essenciais do projeto: a problemática, da qual se É necessário que sejam indicados o referencial teórico
que o embasa, a metodologia a ser utilizada, assim
originam as perguntas que orientam a pesquisa; a sinaliza-
como os recursos e o cronograma necessários à sua
consecução. (ABNT, 2005, p. 3).
5 Planilhas disponíveis em: <www.fapesp.br/formularios/planilhas>. Uma vez
preenchidas, farão parte do Projeto de Pesquisa, como item 8, mesmo que a
submissão seja peio sistema SAGe. E m qualquer caso, as planilhas deverão com- 3) Elementos põs-textuais (referências, apêndices, anexos).
por, com o "Projeto de Pesquisa", um único documento.

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 4. A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição 139
Considerando esses exemplos e algumas sugestões
OBJETIVOS
contidas nos manuais de pesquisa, oferecemos, a maneira
Geral (relativos ao diagnóstico de um problema, fenómeno,
de síntese, o seguinte esquema.
ou objeto, aos resultados da pesquisa) e específicos (rela-
tivos aos procedimentos, às metas e às fases da pesquisa).
CAPA Utilizar verbos ativos: caracterizar, descrever, analisar, com-
preender, diagnosticar, medir, dimensionar, tipificar, classi-
(autor, titulo, local e data). ficar, comparar, explicitar, revelar, sistematizar, interpretar,
relacionar. Evitar objetivos de intervenção pedagógica, ad-
FOLHA DE ROSTO ministrativa, extensiva (contribuir, propiciar, facilitar, pos-
sibilitar, favorecer etc).
(autor, título, instituição, área, orientação, local e data).
SUMÁRIO E ÍNDICES
METODOLOGIA
(siglas, tabelas, figuras, quadros, anexos).
Fontes, instrumentos, materiais, técnicas de sistematização
e organização de dados, informações e resultados, estraté-
RESUMOS (vinte linhas)
gias, procedimentos e hipóteses de trabalho.
Apresentando a problematização (situação-problema), as
questões principais, a previsão da metodologia (fontes, ins-
REFERENCIAL T E Ó R I C O
trumentos e técnicas de coleta e tratamento de informa- Recorte disciplinar, termos, conceitos e categorias, teorias,
ções), resultados esperados. , perspectiva epistemológica.

INTRODUÇÃO RESULTADOS ESPERADOS


Justificativa do estudo, relevância social, científica e acadé- Hipóteses, teses a serem defendidas, contribuições possíveis.
mica da pesquisa, objetivo geral, apresentação das partes
do projeto. VIABILIDADE TÉCNICA DO PROJETO
Acesso às fontes, recursos humanos, financiamentos, justifi-
PROBLEMA cativa do apoio financeiro.
Situação-problema (espaço, tempo, movimento), antece-
dentes (revisão bibliográfica), indicadores (estudos pre- REFERÊNCIAS, BIBLIOCRAFIAS E LISTA DE FONTES
liminares), questões norteadoras, questão principal ou
pergunta-síntese. ANEXOS
Cronograma, modelos de instrumentos, roteiros, lista de
(Continua) materiais, delineamentos experimentais, levantamentos pré-
vios, orçamentos.
(Conclusão)
Fonte: elaboração do autor.

Projetos de pesquisa, fundamentos iógicos 'ítulo 4. A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição
Esse esquema considera elementos formais e destaca indicações do percurso metodológico e das decisões técni-
os conteúdos mais importantes, considerando a relação cas e estratégias a serem utilizadas no processo da pesqui-
essencial entre as fases da produção do conhecimento, a sa. Tanto os objetivos gerais quanto os específicos devem
origem e construção das perguntas e a sinalização ou pre- estar relacionados com a questão principal, ou pergunta-
visão das respostas. -sintese, e definir os aspectos operacionais da elaboração
Como não é objeto desta publicação nos deter no das respostas a essa questão ou pergunta central.
método de exposição, remetemos ao leitor as numerosas Recomenda-se que para redigir um objetivo deve-se
publicações sobre trabalbo científico que oferecem abun- começar por u m verbo no infinitivo, tais como, definir,
dantes informações sobre os elementos formais. descrever, selecionar, diferenciar, registrar, documentar,
N o entanto, é importante destacar u m dos tõpicos classificar etc. Os objetivos sinalizam uma meta ou um
mais problemáticos da apresentação dos projetos: a for- ponto de chegada ou de abrangência pretendida com es-
mulação dos objetivos. Larroca, Rosso e Souza (2005), sa pesquisa. Nesse sentido, mais que um elemento essen-
apontando uma das dificuldades que comprometem a qua- cial da pesquisa, situam-se no campo das estratégias e
lidade da pesquisa, atribuem à formulação dos objetivos devem expressar as condições técnicas da pesquisa. Por
os indicadores mais significativos. Os autores examina- exemplo, dependendo do tempo, dos recursos humanos,
ram 28 obras de metodologia da pesquisa. E constataram dos apoios financeiros, u m projeto poderá ter como meta
que apenas 15 delas abordam a temática dos objetivos, e final elaborar u m levantamento de necessidades, mape-
a maioria de forma vaga e rápida. Os indicadores sina- ar ou localizar elementos em uma determinada área ou
lizam que os objetivos de pesquisa s ã o confundidos ou campo, ou realizar descrições densas e análises e ainda
associados com a formulação do problema. O fato dos realizar estudos comparativos com outros estudos. Cer-
objetivos substituírem a formulação do problema ou se tamente, u m projeto de iniciação cientifica com tempo de
confundirem com ela s ã o indicadores negativos que com- dedicação à pesquisa de um semestre académico e ape-
prometem a qualidade e a clareza da pesquisa. nas com a participação de u m pesquisador de iniciação
cientifica, com objetivo de elaborar u m levantamento, u m
Embora os objetivos não façam parte da lõgica básica
mapeamento ou uma caracterização simples é suficiente.
da produção do conhecimento, eles delimitam o alcance da
J á em u m projeto temático que envolve equipe de pes-
investigação, ou definem uma meta, u m nível do conheci-
quisadores de diversas instituições, com tempo médio de
mento sobre os fenómenos que se pretendem estudar, ou a
três anos e apoio institucional de várias entidades, além
abrangência das análises. Nesse sentido, os objetivos po-
da experiência dos pesquisadores principais e associados,
dem servir de complemento para a delimitação do proble-
os objetivos devem ser mais pretenciosos, tais como siste-
ma, mas não o substituem. Ao estabelecer objetivos gerais,
matizar banco de dados, analisar, compreender, discutir,
o pesquisador estará evidenciando o problema de pesqui-
comparar resultados etc.
sa, e ao definir os objetivos específicos ele poderá oferecer

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 4. A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição
Diversos livros oferecem classificações sobre os objeti- mentos, caracteristicas ou fatores com uma intencionali-
vos. O mais conbecido no campo da educação é Taxonomy dade descritiva.
of educational objectives (A Taxonomia dos objetivos edu-
Os objetivos analíticos denotam a pretensão de subdi-
cacionais), de Bloom (1956). Dentre o amplo leque de ob-
vidir o conteúdo em partes menores com a finalidade de
jetivos listados por Bloom e por outros especialistas, nem
entender a estrutura final. Essa pretensão pode incluir a
todos se relacionam com a investigação*. Objetivos de i n -
identificação das partes, análise de relacionamento entre
tervenção, aplicação, avaliação e propositivos n ã o s ã o
as partes e reconbecimento dos princípios organizacionais
apropriados para definir processos de pesquisa, já obje-
envolvidos. Significa identificar partes e suas inter-rela-
tivos descritivos, de análise, de sintese e compreensivos
ções. Nesse nível de pretensão, é necessário não apenas ter
s ã o pertinentes às caracteristicas e aos procedimentos da
delimitado e caracterizado o objeto em estudo, mas com-
ciência. Nesse sentido, vale lembrar que, segundo Granger
preendido o conteúdo e sua estrutura. São objetivos mais
(1994), citado no capitulo 1, um dos traços da ciência que
complexos e abstratos que os objetivos descritivos.
a diferencia da técnica é que a ciência " [ . . . ] visa conbecer
(descrever, explicar, compreender) os objetos como são ou Os objetivos sintéticos sinalizam a pretensão de agregar
existem (gnosiologia) e não visa agir diretamente sobre e juntar partes com a finalidade de criar um novo todo. Es-
eles (intervenção técnica)." (Granger, 1994, p. 45)*. sa capacidade cognitiva envolve a produção de uma articu-
lação entre as partes, um plano de operações direcionadas
Os objetivos de dominio cognitivo, em geral, são os para a unidade de partes ou elementos, ou um conjunto de
mais apropriados para serem utilizados nos projetos de relações abstratas, que exigem processos de descrição, clas-
pesquisa. A p r ó x i m a tabela apresenta alguns deles. Os sificação e esquematização. Os objetivos de sintese exigem
objetivos descritivos s ã o aqueles que sinalizam o encerra- combinar partes não organizadas para formar um " t o d o " .
mento da exposição de registros, relatos de experiência,
Os objetivos compreensivos destacam ações destina-
de observações, de levantamentos e inventários. A descri-
das a interpretar uma dada realidade ou problema mais
ção caracteriza-se pela exposição minuciosa de elementos,
amplo. A c o m p r e e n s ã o exige a capacidade de perceber
de traços, de acbados, de passos e de tópicos de destaques
totalidades. Pela compreensão, o pesquisador tem a pos-
que compõem uma primeira visão ou percepção de u m
sibilidade de perceber a totalidade de elementos nela en-
objeto ou experiência, acontecimento ou fato. Expressões
volvidos ou nela contidos. Compreender é dar significado
como traçar, identificar, delimitar ou elaborar u m perfil ou
a u m determinado conteúdo; significa t a m b é m recuperar
um listado de elementos auxiliaram na captação de ele-
o sentido desse conteúdo em contextos ou situações es-
pecificas. Por exemplo, os sentidos das palavras ou tex-
6 A atualização dos objetivos arrolados por Bloom em 1956 pode ser encontrada tos em u m determinado lugar ou contexto. Compreender
em: Bloom (1986) e em Ferraz e Belbor (2010).
t a m b é m se refere à capacidade de entender a informação
7 Larroca, Rosso e Souza (2005) constataram que, nos 111 objetivos identifica-
dos em 45 dissertações, prevaleciam os objetivos compreensivos, avaliativos e o u ao fato de captar seu significado e de utilizá-la em con-
propositivos, e que mais de 30% dos objetivos analisados não se constituem no
estrito senso em objetivos de pesquisa.
textos diferentes. O uso de verbos como desvelar, revelar.

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 4. A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição 145
recuperar sentidos e explicitar sinaliza u m propósito com- objetivos com finalidade valorativas, avaliativas e propo-
preensivo nos projetos de pesquisa. sitivas que sugerem intervenção técnicas, também o uso
A tabela, a seguir, p o d e r á ajudar a identificar esses ob- de objetivos gerais, tais como conbecer, estudar, pesqui-
sar, investigar e refletir n ã o s ã o apropriados pelo seu ca-
jetivos de dominio cognitivo.
ráter tautológico de pretender expressar uma finalidade
OBJETIVOS D E DOMÍNIO COGNITIVO
já contida no mesmo termo. Exemplo: " o objetivo des-
ta pesquisa é pesquisar, ou investigar". De igual forma, a
Descritivos Analíticos Sintéticos Compreensivos utilização de termos que n ã o expressam uma finalidade a
ser alcançada no tempo e nas condições do projeto, como
enumerar. caracterizar, categorizar. decodificar,
combinar. revelar,
contribuir, ajudar, propiciar, facilitar, possibilitar, favore-
definir, classificar.
descrever. comparar. compilar. desvendar, cer e t c , em r a z ã o de terminar a pesquisa e n ã o conseguir
identificar, contrastar, compor. distinguir, constatar se ações se concretizam, devem ser evitados, ou
denominar. determinar, conceber, discriminar. devem transformar a pesquisa em prestação de serviços ou
listar, deduzir. construir. estimar, atividade de extensão.
nomear, diagramar. desenhar, explicitar,
distinguir. elaborar, exemplificar, Recomenda-se que a apresentação dos objetivos siga
combinar,
realçar, diferenciar, estabelecer. ilustrar, uma sequência lógica orientada pelo principio da pro-
apontar, identificar, explicar, inferir, gressão e da complexidade: do mais simples para o mais
relembrar, ilustrar, formular. reformular, complexo; do mais concreto para o abstrato. Delimitar,
recordar, apontar, generalizar, , prever. descrever e caracterizar devem estar antes do objetivo
relacionar, inferir, organizar, reescrever,
analisar. E, antes de compreender, estão os objetivos de
reproduzir. relacionar. reorganizar. resolver,
localizar, situar, mapear. Assim como caracterizar, situar
distinguir, selecionar, relacionar. discutir.
e contextualizar devem ser anunciados antes do objetivo
rotular, separar. revisar. interpretar,
ordenar e subdividir. reescrever, reconhecer, comparar.
reconhecer. • calcular, resumir. redefinir,
Finalmente, vale a pena visualizar nesta publicação
discriminar, sistematizar. selecionar,
sobre os fundamentos lógicos dos projetos a relação que
examinar, reconstituir, situar e
eles têm com as demais fases da investigação. Visualizar o
experimentar. estruturar. traduzir.
testar, montar e
projeto no contexto amplo da pesquisa talvez ilustre me-
esquematizar e projetar. Ibor sua lógica constitutiva quando integrado na visão ge-
analisar. ral da investigação. O esquema a seguir pretende mostrar
essas articulações.
Fonte: elaboração do autor.

Ainda com relação aos objetivos nos projetos de pes-


quisa, é importante alertar que, além da utilização de

Projetos de pesquisa, fundamentos iógicos Capítulo 4. A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição
FASES E M O M E N T O S D A I N V E S T I G A Ç Ã O Nesse esquema s ã o considerados os dois momentos-
-chave da p r o d u ç ã o do conhecimento: na linha vertical
Momentos/fases 1. Pergunta 2. Resposta o momento da construção do projeto e o momento da
elaboração do relatório de pesquisa (texto final da mo-
I . Projeto de pesquisa Problema: Metodologia: nografia, dissertação ou tese); já na linha horizontal, a fa-
(ênfase na pergunta) a) situação-problema previsão de
se da pergunta e posteriormente a fase da resposta. N o
(espaço, tempo e a) fontes;
movimento); b) instrumentos; momento do projeto, a fase da construção da pergunta é
b) indicadores; c) técnicas; enfatizada, já a elaboração da resposta é apenas anuncia-
c) antecedentes, d) organização e da ou prevista. N o momento subsequente da realização
estudos preliminares; sistematização de
da pesquisa e da apresentação dos resultados na forma
d) questões resultados;
norteadoras; e) hipóteses;
de relatório, dissertação ou tese, a ênfase é dada às res-
e) pergunta-síntese. f) resultados esperados. postas. Nesse caso, o processo de elaboração da pergunta
fica reduzido a uma introdução ou a um capitulo inicial.
Objetivo geral: Referencial teórico: A organização dos capítulos será feita em torno da cole-
resultados, diagnóstico, definição de termos-
ta, tratamento e organização de dados e informações, da
sobre o problema. -chave, categorias de
análise, referências apresentação de revisões de literatura, explicitação de ca-
Específicos: para discussão e tegorias e a p r o p r i a ç ã o de referências, assim como da dis-
procedimentos, metas, interpretação de cussão e interpretação de resultados. As conclusões, além
fases. resultados.
de destacarem e cotejarem os principais resultados com as
Justificativa: relevância
questões e perguntas formuladas na introdução ou capítu-
social, científica e/ou los iniciais, deverão expor as respostas obtidas (definitivas
académica. ou parciais) e, caso seja necessário, apresentar as bipõte-
ses levantadas (questões parcialmente ou provisoriamente
2. Relatório, Introdução (atualização Capítulos (elaboração respondidas) que p o d e r ã o justificar novas pesquisas.
dissertação ou tese do projeto) da resposta)
(ênfase na resposta) justificativa, problema, apresentação e Finalmente, destacamos nesse esquema como as fases
pergunta, objetivo e organização das da pergunta e da resposta estão presentes nos dois mo-
metodologia (relatando respostas;
mentos do projeto e do relatório, mesmo que de forma
a forma como foi discussão de resultados;
realizada a pesquisa).
diferenciada. Em resumo, o essencial do projeto é estar
interpretação das focado nas indagações, as questões e as perguntas. E o
respostas;
fundamental do relatório é a explicitação da construção
conclusões e
das respostas. Considerando as diferentes centralidades,
recomendações.
não é pertinente apresentar nos projetos nenhum tipo de
Fonte: elaboração do autor.

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capitulo 4. A apresentação dos projetos de pesquisa: a forma da exposição 149
respostas ou afirmações categóricas. Caso isso aconteça,
deverão ser atribuídas a u m determinado autor ou fonte,
e a seguir estarem acompanhados de suspeitas, dúvidas
e indagações. T a m b é m essas afirmações poderão ser di-
mensionadas como hipóteses a serem interrogadas, confir-
madas ou negadas. De igual maneira, os relatórios devem
centralizar-se nos processos de produção dos resultados
e da consolidação das respostas. É possível concluir com
aberturas para novas indagações, mas, antes disso, de-
vem-se confirmar as respostas, se possível afirmar as teses,
discuti-las, compará-las, projetá-las, e apontar desdobra-
mentos e aplicações.

Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos


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Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Referências

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