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PRÁTICA DE

PESQUISA EM
SEGURANÇA
PÚBLICA

LUIZ ALEXANDRE SOUZA DA COSTA


ELIZABETE ALBERNAZ

1ª edição
SESES
rio de janeiro 2017
Conselho editorial roberto paes e luciana varga

Autores do original luiz alexandre souza da costa e elizabete albernaz

Projeto editorial roberto paes

Coordenação de produção luciana varga, paula r. de a. machado e aline karina


rabello

Projeto gráfico paulo vitor bastos

Diagramação luís salgueiro

Revisão linguística marlon magno

Revisão de conteúdo marco aurélio nunes de barros

Imagem de capa indypendenz | shutterstock.com

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por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

C837p Costa, Luiz Alexandre Souza da


Prática de pesquisa em segurança pública. / Luiz Alexandre
Souza da Costa; Elizabete Albernaz. Rio de Janeiro: SESES, 2017.
112 p.: il.

ISBN 978-85-5548-430-8

1.Formatação. 2. Metodologia. 3. Pesquisa. 4.Pré-projeto.


I.Albernaz, Elizabete. II. SESES. III. Estácio.
CDD 341.59

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 5

1. A pesquisa e o conhecimento científico 7


Importância e aplicação da pesquisa científica 8
Sobre a “ideia de ciência” 8

Remontando a algumas origens de nossa “ideia de ciência” 12

A classificação da pesquisa com base em objetivos e procedimentos 21

2. O problema científico 31
Conceituando 32

A escolha do tema e a importância de sua delimitação 33

Realização da pesquisa bibliográfica e sua discussão 39

A introdução 43

Justificativa do estudo 44

A problematização do tema e o problema em si 46

A construção de hipóteses e as questões norteadoras 48

Cronograma 50

3. A construção do projeto de pesquisa 53


Determinação dos objetivos da pesquisa 54

A construção do embasamento teórico: levantamento preliminar 57


Tipos de bibliografia 57
Leitura e análise textual 61
Construindo seu embasamento teórico 63

A redação do projeto de pesquisa: ética e legitimidade do saber 65


Caracterização do problema 65
Sobre moral, ética e conhecimento científico 71
Os comitês de ética em pesquisa 79

4. O trabalho de conclusão de curso 81


Importância do trabalho de conclusão de curso 82

Os eixos articuladores e as áreas temáticas da formação


em segurança pública no Brasil 85
Conceituando 85
História 86
O currículo 88
Os eixos articuladores 90
As áreas temáticas 92

Estrutura e formatação do projeto final 94


Conceituando 94
Formatação 95
Elementos textuais 102
Elementos pós-textuais 103

Relevância prática das pesquisas científicas na área


de segurança pública 107
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

“O começo de todas as ciências é o espanto de as coisas serem o que são.”


Essa frase famosa, extraída da Metafísica, de Aristóteles, mostra-se adequada
para o início de nossa jornada por dois motivos principais. O primeiro e mais con-
tundente de todos é o “chamado” aristotélico à observação empírica como ponto
de partida para o pensamento científico. Em sua divergência com o “racionalismo”
platônico, afastando-se do pensamento de seu mestre e mentor, Aristóteles afirma-
va um “sentido” diferente para o processo do conhecimento: em vez de partir do
“plano das ideias” (mundo inteligível) para encontrar e domesticar o real (mundo
sensível), submetendo-o aos ditames da razão, Aristóteles sugeria que partíssemos
das “coisas como são”, da observação detida e laboriosa dos fenômenos naturais,
para aí sim colocar a razão a serviço do ordenamento e da compreensão do mundo
que nos cerca.
O debate entre Platão e Aristóteles, como veremos, marcará toda a história do
pensamento científico, seus métodos e a própria forma de organização do campo
disciplinar das ciências.
Mas por que isso nos importa, afinal? Porque o “chamado” aristotélico – pode-
-se dizer – é também o nosso. O movimento da ciência começa com a vida! Antes
de fazer ciência é preciso viver, ver o mundo e se inquietar com ele, com as coisas
que nos cercam e nos provocam sentimentos diversos: repulsa, amor, curiosidade.
Como veremos em nossas aulas, o empreendimento científico sempre tem seu
ponto de partida na conformação de um “interesse de pesquisa”. Sendo assim –
diríamos a você, caro(a) aluno(a), em tom de aconselhamento inicial –, engaje-se
atentamente ao fluxo diário da vida e busque o “espanto” aristotélico no mundo
ao seu redor.
Mas basta a vida para a ciência? Não, é verdade, suas andanças pelo mundo
não farão de você um cientista (talvez um “sábio”, mas não um “cientista”, defini-
tivamente). O passo mais elementar do processo de construção do conhecimento
científico é interessar-se pelas coisas. Por isso o aconselhamos a ir ao mundo e se
deixar afetar por ele. Agora, você precisa ter em mente também que existe uma
franca diferença entre “interessar-se pelo mundo” e construir um “interesse de
pesquisa”. O que nos leva à nossa segunda reflexão sobre a frase de Aristóteles.

5
Construir um “interesse de pesquisa” é um processo laborioso e metódico.
Em primeiro lugar, ele implica a dedicação do(a) “candidato(a) a cientista” ao
aprendizado da teoria e do método científico. Anos e anos de dedicação a esse
“ofício intelectual” consolidaram alguns procedimentos rotineiros, reunidos
em publicações técnicas da área como manuais e guias de pesquisa. Um dos
principais objetivos de nossa aula – como você mesmo(a) poderá constatar – é
justamente compartilhar algumas dessas “dicas” de modo a guia-los(as) pelos ca-
minhos que nos levam do “espanto” aristotélico à conformação de um genuíno
“interesse de pesquisa”.
Em nossa disciplina, entretanto, não nos restringiremos a buscar esse “resul-
tado” de modo instrumental, transmitindo ao(a) aluno(a) uma espécie de “passo
a passo para o trabalho de conclusão de curso”. Buscaremos, ao contrário, fami-
liarizar os(as) alunos(as) com a forma de organização e funcionamento do pen-
samento científico. Para isso, apresentaremos a “ciência”, ela mesma, como um
fenômeno histórico e sociologicamente datado, sua origem e desenvolvimento.
Dessa forma, esperamos mais do que simplesmente habilitá-los(as) a produzir
um trabalho cientificamente validável, mas a desenvolver uma sólida atitude
científica em relação à vida.

Bons estudos!

6
1
A pesquisa e o
conhecimento
científico
A pesquisa e o conhecimento científico

OBJETIVOS
• Apresentar a ciência e seus princípios operativos como um modo diferenciado de pensa-
mento e de produção de conhecimento;
• Desconstruir algumas ideias preconcebidas sobre o funcionamento das ciências;
• Apresentar a ciência como um fenômeno histórica e socialmente datado;
• Apresentar a ciência e suas “grandes divisões” baseadas em objetivos e procedimentos
de pesquisa;
• Apresentar aos(às) alunos(as) a ideia de que a metodologia científica deve estar a serviço
da construção de abordagens de pesquisa concretas.

Importância e aplicação da pesquisa científica

Sobre a “ideia de ciência”

O que é a ciência? O que a distingue de outras formas de pensamento? Qual


o papel que desempenha em nossa sociedade? Seria a ciência a única forma de
explicação do mundo? Quais são seus limites e possibilidades?
Quando pensamos no conhecimento científico, algumas ideias e imagens ten-
dem a nos vir à mente. É possível que você mesmo, neste exato momento, provo-
cado por essas perguntas, esteja pensando em pessoas de jaleco, reunidas ao redor
de bancadas de laboratório, envoltas pelo alvor de suas paredes, entre pipetas,
tubos de ensaio e toda sorte de vidrarias e equipamentos.
Isso porque, por um lado, nosso imaginário científico comum – como podemos
chamar certo ideário, compartilhado socialmente, sobre a forma de organização e
funcionamento das ciências – encontra-se profundamente vinculado às chamadas
“ciências naturais” ou “ciências da natureza”, como a Química, a Biologia etc.
Nesse sentido, quando pensamos na ciência, tendemos a pensar na Matemática
e na precisão e objetividade dos números. Lembramos também das aulas de Física,
de suas leis e expoentes famosos. Entretanto, as “ciências naturais”, muito embora
tenham esse lugar na constituição de nossa ideia de ciência, não são as únicas for-
mas possíveis para o fazer científico, como veremos no decorrer de nosso capítulo.

capítulo 1 •8
Entre as “ciências naturais” e as chamadas “ciências humanas” ou “ciências
sociais”, como a Sociologia, a História etc., existem diferenças não só de objeto –
no caso das primeiras, a interação entre elementos químicos e fenômenos físicos
com o ambiente e os sistemas orgânicos, seu funcionamento e morfologia; no
caso das segundas, o comportamento humano em sociedade e seus sistemas de
valores –, mas também de método.

Albert Einstein, pai da Física moderna e autor da Teoria da Relatividade

Mesmo para cada uma dessas disciplinas, dentro da grande divisão entre
“humanas” e “naturais”, existem ainda diferenças marcantes em termos de
preocupações, ferramentas, práticas de trabalho etc. O “método histórico”, por
exemplo, é totalmente diferente do “método sociológico” – muito embora a
Sociologia sirva-se, muitas vezes, do recurso à História para formular as suas
questões, produzir conhecimento e vice-versa –, assim como o “método físico” e
o “químico”, no campo das “ciências da natureza”, também guardam distinções
muito significativas.
Bom, seguindo a proposta de pensar sobre a nossa “ideia de ciência”, não
seria inesperado também que lhe viesse ao pensamento, mesmo que remotamen-
te, a associação entre ciência e alguma concepção de “evolução” ou “progresso”.
Para a percepção da “pessoa comum”, digamos assim, a cada nova descoberta

capítulo 1 •9
científica os seres humanos dariam mais um passo em direção a formas de pen-
samento ditas mais “racionais” e “objetivas”, deixando para trás um rastro de
“mistérios” e “crendices” sobre a natureza e o funcionamento das coisas.
Esse imaginário não nos vem ao acaso. Ele é datado, possui uma história,
como mostraremos na próxima sessão de nosso capítulo. Faz parte de uma
concepção de ciência que ganhou força na Europa nos séculos XVII e XVIII, e
que buscava, à época, se diferenciar dos modelos explicativos “religiosos” e de
“senso comum” vigentes até então.

“O Abismo”

Na Idade Média, por exemplo, antes das grandes navegações dos séculos XV–
XVI, os europeus fitavam o horizonte e, limitados por aquilo que seu olhar podia
alcançar, achavam que a terra era plana e que, além da linha do crepúsculo, que di-
vidia o céu e o mar, havia um abismo habitado por toda sorte de monstruosidades.
Muito embora cientistas como Ptolomeu já acusassem a falácia dessa con-
cepção, foi apenas com a empresa colonial europeia que essa ideia foi modifi-
cada. Muito embora não fossem cientistas stricto sensu, mas homens movidos
por ambições comerciais e espírito aventureiro, os primeiros navegadores, como
Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, acabaram por contribuir para a
superação dessa percepção.

capítulo 1 • 10
No caso da “teoria da terra plana” – bem como da “teoria geocêntrica”, de
autoria do próprio Ptolomeu, que colocava a Terra no centro do universo –, essa
percepção de que o incansável e irrequieto pensamento científico estaria conduzin-
do a humanidade em uma espécie de “marcha evolutiva” em direção ao “esclareci-
mento” nos parece, em princípio, bastante evidente.
Possivelmente você, que está tomando contato com essa discussão agora, tam-
bém tenha essa percepção. Isso é bastante comum e não está de todo equivocada.
Na verdade, precisa ser complexificada para que possamos construir uma atitude
genuinamente científica em relação ao mundo e a gama diversa de fenômenos
(biológicos, psicológicos, sociológicos etc.) que nele tomam lugar.
Outra forma comum de pensar a “ciência” é a ideia de “descoberta científica”
como a obra de um gênio individual que, beneficiado por certa dose de sorte,
descobre algum novo elemento químico, uma força misteriosa da natureza ou a
tumba perdida de um faraó em meio às areias escaldantes de uma paisagem desér-
tica inóspita.
Pensemos em Isaac Newton, por exemplo, sentado sob a sombra de uma ár-
vore quando subitamente uma maçã cai sobre sua cabeça e EUREKA!, a huma-
nidade pôde finalmente conhecer a “gravidade” e tantas outras leis físicas sobre o
movimento dos corpos sob seus efeitos.

Newton e o “mito da maçã”

Para desapontamento dos que um dia acreditaram na maçã newtoniana, não


há registros históricos confiáveis de que tenha de fato sido a inspiração de Isaac
Newton para construir a sua Teoria da Gravitação Universal – mesmo da parte do
próprio Newton.

capítulo 1 • 11
ATENÇÃO
Na verdade, toda “descoberta científica” é fruto de um trabalho de observação detida e
dedicada, bem como de um acúmulo de reflexões teóricas, inovações metodológicas, técni-
cas e de instrumentos que encontram-se disponíveis para os cientistas num dado momento
de seu processo de pesquisa.

O próprio Newton foi inspirado diretamente – e beneficiou-se muitíssimo


– das teorias de outro colega cientista, talvez menos conhecido, o astrônomo
Johannes Kepler. A Teoria Heliocêntrica de Nicolau Copérnico, por sua vez, só
pôde ser “inventada” porque um fabricante de lentes neerlandês, chamado Hans
Lippershey, teria inventado o primeiro sistema de observação de objetos a distân-
cia, posteriormente aprimorado pelo próprio Kepler e por Galileu Galilei.
A ideia de “desenvolvimento” não está ausente da ideia de ciência. O conhe-
cimento científico tem sim um caráter cumulativo (não necessariamente “evoluti-
vo”) e beneficia-se dos avanços nas teorias, métodos, técnicas e equipamentos, como
mencionamos. Entretanto, nas diferentes ciências, podemos observar diferentes
formas de desenvolvimento, definidas a partir de diferentes maneiras de pensar a
organização dos diversos “campos científicos”.
Nas páginas a seguir, falaremos um pouco sobre algumas “origens” possíveis
para essas formas de pensar a ciência (como “evolução”, como “descoberta” e como
“avanço da razão”), remontando a alguns textos clássicos do pensamento ocidental
sobre o seu papel e funcionamento em nossa sociedade de modo a tentar respon-
der as perguntas sobre como se constituiu esse ideário coletivo sobre a natureza e o
funcionamento do conhecimento científico.

Remontando a algumas origens de nossa “ideia de ciência”

A primeira coisa que precisamos entender é que o surgimento do chamado


“pensamento científico” é um fenômeno historicamente datado e geograficamen-
te situado. Nesse sentido, pode-se dizer que as ideias comumente associadas à
ciência são produto, num primeiro momento, do desenvolvimento da “Filosofia
Clássica”, na Grécia, e de um período específico da história política e social da
Europa, com o chamado Renascimento, entre os séculos XIV–XVII, e o ideário

capítulo 1 • 12
“iluminista” que lhe é peculiar, ambos inspirados pela crença na capacidade refor-
madora – não só do pensamento, mas da própria sociedade – da razão.
Com o passar dos anos, essas concepções de ciência expandiram-se a partir da
Europa para uma boa parcela do mundo ocidental conhecido, bem como para
os países do “novo mundo”, anexados com a expansão colonial (séc. XV–XVI) e
neocolonial (XVII–XVIII).
Inicialmente restrito ao universo acadêmico de sua época, esse ideário foi
progressivamente absorvido pela sociedade mais ampla de diversas maneiras: por
meio de sua aplicação ao processo de formulação e implantação de políticas pú-
blicas (por exemplo, as “reformas urbanas” e a doutrina “higienista” no Brasil do
início do século XX, com Pereira Passos e Oswaldo Cruz), pela difusão de obras
científicas impressas, pela veiculação nos meios de comunicação de massas etc.
Enfim, comecemos nossa jornada em busca das “origens” de nossa “ideia de
ciência” pela Grécia de Sócrates, Platão e Aristóteles, os mais famosos dentre os
chamados “filósofos clássicos”.
Na Grécia de seu tempo, havia um forte debate sobre os melhores princípios
de governo e de sociedade para a vida das cidades. Em uma de suas mais famosas
obras, A república, Platão, por exemplo, reputava ao “governo dos filósofos” a me-
lhor e mais elevada forma de governo dentre as existentes. Segundo ele, a “razão”
e a “sabedoria” deveriam ser os atributos do governante e, por conta disso, os filó-
sofos deveriam governar como reis. Segundo a concepção platônica de sociedade,
hierárquica e estamental, apenas os homens nobres, dedicados a ofícios elevados
e treinados em Filosofia (a “mãe” de todas as ciências), eram capazes de atingir o
“nível de racionalidade” necessário ao exercício do governo.

“Alegoria da caverna”

Em outro texto famoso, A alegoria da caverna, Platão nos fala, metaforicamen-


te, do caminho do homem do “obscurantismo da ignorância” à “razão”. Em seu

capítulo 1 • 13
relato, o autor nos fala do trajeto de homens que, feitos prisioneiros no interior
de uma caverna, um dia são levados a confrontar a luz do sol e são ofuscados por
seu brilho exuberante.
Na caverna viviam iludidos, dada a sua condição de prisioneiros, contemplan-
do apenas “sombras”. Uma vez libertos, percebem que, na verdade, o que viam
eram apenas projeções de objetos contra a luz de uma fogueira, os quais tomavam,
equivocadamente, como objetos verdadeiros.
Na última etapa de sua jornada, ao deixar seu cativeiro, os homens, des-
preparados para lidar com as “verdades filosóficas eternas”, são ofuscados por sua
luz e nada podem ver com seus olhos mundanos, ainda acostumados às trevas.
Para Platão, apenas o treinamento em Filosofia poderia habilitá-los a contemplar
o que o autor chama de “ideias perfeitas”, os únicos objetos dignos de uma ciência
verdadeiramente racional.
A “alegoria da caverna” platônica dramatiza algumas ideias importantes para
a conformação de nossa visão contemporânea, ocidental, de “ciência”. A pri-
meira e mais marcante de todas é a percepção de que o saber científico implica
em um movimento ascendente da “razão”, de conhecimento de uma espécie de
“verdade superior” sobre o mundo, superando a ignorância (de uma “vida nas
sombras”) de formas de pensamento classificadas como “mágicas”, “religiosas”
ou de “senso comum”.
O caminho que nos leva para fora da “caverna” é um caminho sem volta.
Uma vez conhecida a “verdade”, não haveria como se contentar novamente com
um mundo de “sombras”. A “marcha da razão” (e a “marcha da ciência”, conse-
quentemente) é, para Platão e os filósofos gregos de um modo geral, um processo
irreversível e, de certa forma, evolucionário, cujo motor é o pensamento racional!
Já aqui podemos perceber alguma vinculação com a forma de pensar a ciência
apresentada anteriormente.
A segunda ideia marcante do pensamento platônico é essa divisão entre
“mundo sensível” e “mundo inteligível” e sua patente desvalorização do conhe-
cimento produzido pelos sentidos, da apreensão empírica da realidade. O “mun-
do inteligível”, morada das “ideias perfeitas”, apreendido apenas como obra da
“razão” e do intelecto humano, segundo Platão, era o único e verdadeiro objeto
de ciência, como vimos.

capítulo 1 • 14
O exemplo platônico mais famoso, utilizado largamente para falar da divisão entre
o "mundo sensível" e o " mundo inteligível", nos apresenta a ideia de cadeira. No
"mundo inteligível", apreendido apenas pela razão, moram as "ideias", modelos
perfeitos a partir dos quais podemos reconhecer, no "mundo sensível", apreendido
pelos sentidos, os objetos que, a despeito de seu estado ou formato, podem ser
identificados como cadeiras por remissão a essa "ideia perfeita" original e imutável.

Para Aristóteles, por sua vez, o enfoque da Filosofia deveria ser diametralmen-
te oposto ao enfoque platônico no “mundo das ideias”. Para ele, a construção do
conhecimento se dava justamente a partir da observação sistemática do “mundo
sensível”, de onde o filósofo, o portador por excelência do pensamento científico,
deve extrair as leis e tipologias que classificam e organizam o universo de fenôme-
nos que nos cercam.
As bases principiológicas desse debate original serão retomadas, muito tem-
po depois, a partir dos séculos XVII-XVIII, durante o Renascimento, no embate
entre "empiristas" e "racionalistas". Os primeiros, de origem majoritariamente
anglo-saxã, defendiam o conhecimento produzido a partir da experiência empírica
do mundo, ou seja, o caminho para o conhecimento segue do "sensível" ao "inte-
ligível", do "particular" para a formulação de "leis gerais". Para os segundos, fran-
ceses em sua maioria, o caminho era diametralmente inverso. Todo conhecimento
deveria advir unicamente da razão, do intelecto, e ser aplicado, sob a forma de
conceitos, ao mundo a nossa volta. A ciência moderna do "nosso tempo", pode-se
dizer, adota uma via de "mão dupla": as bases conceitual e empírica de qualquer
pesquisa devem dialogar e fortalecer-se mutuamente.
Agora daremos um “salto no tempo”, de cerca de 2 mil anos, e vamos parar
na Europa dos séculos XIV–XVII, durante o chamado “Renascimento”. O que
é interessante de se pensar é que esse “salto”, muito embora pareça um tanto
abrupto e arbitrário, faz sentido para a própria caracterização do período vivido
no continente europeu.

CONCEITO
O termo "Renascimento" é utilizado para caracterizar um movimento, típico do período
na Europa, de revalorização da chamada "antiguidade clássica", inspirada pela releitura dos
grandes filósofos gregos (como Platão e Aristóteles), pelas artes e padrões estéticos "clás-

capítulo 1 • 15
sicos", bem como pelos princípios de vida em sociedade e de governo. Sociológica e histo-
ricamente, o período também é marcado pela transição entre o sistema feudal e o sistema
capitalista de produção, pela organização dos "Estados Nacionais", a partir do esvaziamento
do poder local dos 'príncipes feudais', e pelo surgimento do "Regime Absolutista", de concen-
tração de poder sob a figura do Rei/Imperador.

Ideologicamente, com a referência "renascentista", buscava-se um afastamen-


to do que se caracterizava como o "obscurantismo medieval", em que havia o pre-
domínio da Igreja Católica, seja em termos de ideário para a vida e para o governo,
seja na própria administração da justiça, com os "Tribunais do Santo Ofício da
Inquisição". No século XVIII, o chamado "Iluminismo" ou "Idade das Luzes",
movido pelo referente humanista e naturalista do Renascimento, vem coroar essa
espécie de reforma moral e estrutural da sociedade europeia, traduzindo seu ideá-
rio nas artes e nas ciências.
Você conseguiu perceber a conexão entre os dois períodos, entre a Antiguidade
Clássica e o Renascimento? Esperamos que, depois dessa explicação, nosso “salto
espaço-temporal” talvez não lhe pareça tão arbitrário.
Agora, até este ponto, você conseguiu perceber algumas conexões, em termos
de ideário compartilhado, entre essas referências históricas e o que chamamos aqui
de nossa “ideia de ciência”? Propositalmente, nós buscamos utilizar uma lingua-
gem, na primeira parte de nossa discussão, que remontava a esses ideais comuns: a
concepção de uma ciência evolutiva/progressista, de marcha da razão sobre as formas
irracionais de pensamento, da ciência como um saber que ilumina os “obscurantis-
mos” das “crendices” e “superstições”, da ciência como oposta à religião etc.
Outro marco importante para a nossa forma de conceber as ciências foi a
publicação de A origem das espécies, de Charles Darwin. A Teoria da Evolução das
Espécies influenciou toda a nossa forma de pensar a vida, incluindo aí a nossa
forma de pensar as ciências.
A primeira edição da obra, publicada em 1859, chamava-se, inicialmente,
Sobre a Origem das Espécies por Meio da Selecção Natural ou a Preservação de Raças
Favorecidas na Luta pela Vida. Nesse livro, o naturalista Charles Darwin, baseado
em um vasto inventário de espécies de todos os continentes conhecidos à época,
coletados em suas próprias viagens ou catalogado por outros pesquisadores, pro-
põe que a diversidade de espécies observada em cada momento de nossa longa
história evolucionária é o resultado de um processo de adaptação seletiva ao meio,

capítulo 1 • 16
transmitida (muito embora ele ainda não tivesse clareza de como isso acontecia
exatamente, o que só veio a ser esclarecido pela descoberta dos genes e o surgi-
mento da genética de Georg Mendel, no final do século XVIII) entre as gerações
sucessivas em uma temporalidade de longo termo.
O surgimento da ideia de “evolução” revolucionou a forma de pensar as ciên-
cias no mundo ocidental. Não só as ciências. Até o discurso religioso se associou
ao paradigma evolucionário enquanto ideário marcante da Europa de meados do
século XIX. O melhor exemplo disso foi o surgimento da chamada “religião dos
espíritos”, a doutrina espírita de Allan Kardec, contemporânea da publicação de
A origem das espécies, com a sua teoria da evolução da alma e da reencarnação.
A formulação da “doutrina kardecista” fornece outro bom exemplo dos modos
pelos quais o conhecimento científico pode se popularizar, contribuindo para a
constituição de nossa “ideia de ciência”, como aqui chamamos.
No mesmo período efervescente da história europeia, na primeira metade do
século XIX, Augusto Comte propunha o “positivismo científico”, em que con-
cebia uma linha evolutiva para o conhecimento humano que tinha a sua origem
nas formas de pensamento “teológico”, seguindo, a partir da evolução do processo
cognitivo humano, ao estado “metafísico” para finalmente atingir o modo de pen-
samento propriamente “científico”, de uma “ciência positiva”.

No estado metafísico, (...) os agentes sobrenaturais são substituídos por forças


abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos
seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias
todos os fenômenos observados (...). Enfim, no estado positivo, o espírito humano,
reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar
a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos,
para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do
raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis
de sucessão e de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos
reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos
fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência
tende cada vez mais a diminuir" (pág. 35-37).

Como vimos, desde o “positivismo” de Augusto Comte à “evolução das espé-


cies” de Charles Darwin, passando até mesmo pelas doutrinas do “espiritismo”, a

capítulo 1 • 17
ideia de “evolução” é muito marcante no imaginário científico europeu dos sécu-
los XVIII e XIX, imaginário este que progressivamente colonizou todo o mundo
ocidental de sua época.
No caso específico do positivismo comtiano, três outras características ainda
se destacam. A primeira delas é a ideia de que o objetivo das ciências é a “desco-
berta de leis gerais” para o funcionamento das dimensões biológicas, psicológicas,
sociológicas e naturalísticas da existência material humana. De um modo geral, a
ciência atual abandonou essa pretensão de conectar todas as dimensões do huma-
no por meio da descoberta de uma lei ou de explicar todos os fenômenos naturais
a partir de um princípio geral.
A segunda imagem que faz parte do nosso “ideário científico comum” seria a
defesa de um princípio de hierarquização entre os saberes, em que os conhecimen-
tos ditos “teológicos” (ou “religiosos”) e “metafísicos” estariam subordinados ao
modo “científico” (no caso, “positivo”) de explicação do mundo.
Como vimos, a ciência não deve ter a pretensão de suplantar outras formas
de conhecimento e pensamento ditas “arcaicas”, “crendices religiosas”, “supers-
tições” etc., mas deve ter por missão – principalmente no caso das “ciências hu-
manas” ou “sociais”, como veremos – estudá-las, compreendê-las e respeitá-las
como formas de vida.
Por fim, está contida também no pensamento comtiano a ideia de que essas
leis, uma vez descobertas, seriam invariáveis, ou seja, não seriam passíveis de ques-
tionamento e revisão. Se ainda é possível questioná-las em seu mérito, segundo
Comte, é porque ainda não seriam leis descobertas sob o paradigma científico po-
sitivo. Trocando em miúdos, pensar a ciência dessa forma significa dizer que se as
propriedades de algo já foram objeto do pensamento científico, nada mais há que
se dizer sobre ele. Esse objeto, uma vez abordado, deve ser deixado para trás e não
mais estudado.
Mais uma vez, nada mais inadequado para a perspectiva contemporânea de
ciência do que essa afirmação. Além das variações de método e técnica que podem
afetar os resultados das pesquisas, para o caso específico das “ciências humanas”,
como a Sociologia e a Antropologia, isso significaria que, uma vez estudada uma
determinada sociedade ou grupo social, por exemplo, nada mais poderia ser dito
a esse respeito.
Essa postura ignora, por exemplo, os processos de mudança social pelos
quais passam esses agrupamentos, tornando-os objetos extremamente dinâmicos,

capítulo 1 • 18
supondo ainda que uma pesquisa poderia dar conta de toda a complexidade de sua
existência social, da totalidade de sua sociedade, seus processos e valores.

Mesmo no caso das “ciências da natureza”, essa


ideia de que a ciência produz um saber definitivo
e imutável não se verifica.

O que dizer, por exemplo, do eterno debate sobre os malefícios/benefícios


do consumo de ovos ou de café? Você já se questionou sobre como é possível um
mesmo alimento passar de “herói” a “vilão” da saúde tantas vezes?
Se pensamos a “ciência” apenas como essa espécie de força impetuosamente
progressista de superação de formas “não científicas” ou “pré-científicas” de expli-
car o mundo, certamente não conseguiremos compreender a permanência desse
tipo de debate. Afinal, para que voltar a refletir cientificamente sobre algo que já
foi estudado, que já teve sua “verdade revelada”? Como esses diferentes resulta-
dos são possíveis? Seria um indicativo de “fraqueza” ou de “força” do argumento
científico? Se as ideias de “evolução” e “ciência” se superpõem, bem como a pers-
pectiva de que a adesão ao “pensamento científico” implica a renúncia a formas
ditas “irracionais”, como explicar a existência de outras “formas de pensamento”,
como no caso das diferenças observadas entre os princípios que regem a medicina
“ocidental” e “oriental”?
A própria ideia de “descoberta” também aparece repetidamente na constru-
ção teórica de Augusto Comte. Para ele, essas relações invariáveis (leis de funcio-
namento) tinham uma existência independente, “interior”, de alguma forma, e
precisavam ser desveladas (portanto, “descobertas” no sentido de retirar a prote-
ção, capa ou invólucro) além de sua aparência superficial. Essa apreensão ignora
o que realmente ocorre nos investimentos de pesquisa concretos: um processo
de construção do conhecimento.

capítulo 1 • 19
O conhecimento produzido por meio da pesquisa científica é produto de um investimento
detido e laborioso na construção de uma abordagem teórico-metodológica, no sentido
de que envolve a pesquisa prévia de autores e procedimentos metodológicos mais
adequados para aplicação a um determinado objeto de pesquisa; a construção de um
ferramental de pesquisa, seja ele composto de ferramentas materiais (equipamentos
etc) ou conceituais, no sentido de que os próprios conceitos são também instrumentos
utilizados pelo pesquisador para abordar e trabalhar a realidade a ser estudada.

É uma construção também no sentido de que envolve sempre as dinâmicas de


busca por financiamentos e toda a socialidade acadêmica implicada na aceitação
e afirmação de um projeto de pesquisa no campo científico (apresentação de
projeto, qualificação, inserção em uma linha de pesquisa etc.) E por último - mas
não menos importante, claro -, porquê os resultados destes estudos precisam
sempre ser "traduzidos" para o idioma científico a partir do diálogo com a teoria
disponível e resultados de outras pesquisas, uma construção feita pelo pesquisador
e, eventualmente, por sua equipe de pesquisa.

Por fim, podemos mencionar um importante fator para a conformação


da nossa “ideia de ciência”: a maneira pela qual organizamos o que podemos
chamar de “História das Ciências”.
De modo a transmitir a ideia de que a ciência é um fenômeno datado,
passível de ser compreendido historicamente, manuais e publicações de me-
todologia científica tendem a organizar os debates travados entre os cientistas
em termos de “escolas”, que se sucedem cronologicamente como “fases” de um
desenvolvimento progressivo e unilinear. Para o leitor desavisado, sem treina-
mento científico, essa espécie de recurso “didático” pode transmitir a ideia de
que essas “fases” ou “paradigmas científicos” se sucederiam no tempo de forma
mutuamente excludente, a “fase posterior” superando a “anterior”.
Essa forma de pensar o desenvolvimento científico não é típica de todos os
campos da ciência e mesmo as ciências ditas “paradigmáticas” (que operam com
a ideia de superação e adesão a um novo paradigma explicativo) não funcionam
exatamente dessa maneira.

capítulo 1 • 20
O campo científico é, no geral, muito mais dinâmico. O que há, pode-se
dizer, na conformação empiricamente observável desse campo, são diversas li-
nhagens teórico-metodológicas vinculadas a centros de produção acadêmica e de
pesquisa, programas de pós-graduação etc. que disputam recursos humanos,
materiais e financeiros, no sentido de fortalecer suas perspectivas e abordagens
científicas dos fenômenos.
Essas disputas podem ganhar dimensões de grande embate teórico, entrando
para a “História das Ciências” como uma “disputa de paradigmas”, em que uma
perspectiva – a “vitoriosa”, claro – parece suplantar a outra. Na prática, não fun-
ciona bem assim. Como vimos, existem vários centros acadêmicos e de pesquisa
produzindo ao mesmo tempo, com perspectivas diferentes, em uma espécie de
ambiente de “pluralismo teórico”, de coexistência daquilo que Lakatos (1979)
chama de “programas de pesquisa”.
Para efeitos de conclusão, vimos que o motor do conhecimento científico, por-
tanto, não é, para a ciência contemporânea, a marcha inexorável da razão em busca
de leis imutáveis e princípios gerais, mas um dinamismo produzido pelas disputas
entre diversos “programas de pesquisa” (LAKATOS, 1979), tanto em termos de
orientações teóricas e prático-metodológicas como em termos de recursos materiais
e humanos. Vimos também que a ciência não opera em termos de “descobertas”,
mas de um trabalho de “construção” que envolve desde a escolha do ferramental
teórico (autores, publicações, conceitos etc.), passando por decisões de cunho me-
ramente logístico (onde e quando realizar um trabalho de campo ou um experimen-
to etc.), até o próprio processo de análise dos resultados empíricos à luz das teorias
e pesquisas existentes em um campo disciplinar determinado. Por fim, enquanto
questão ética e princípio metodológico, vimos também que uma postura genuina-
mente científica não deve implicar qualquer juízo de superioridade em relação a
outras formas de conhecer o mundo. Principalmente no caso das “ciências humanas”
ou “sociais”, como vimos – principal referência para a metodologia de pesquisas
que se debruça sobre temas ligados à segurança pública –, essa é uma regra de con-
duta científica ainda mais relevante.

A classificação da pesquisa com base em objetivos e procedimentos

Já vimos, lá no começo de nossa aula, que uma das “grandes divisões”, pode-se
dizer assim, das ciências em termos de objetivos e procedimentos é a separação entre
“ciências humanas” e as “ciências naturais”. Entendida também sob a terminologia

capítulo 1 • 21
de “soft science” e “hard science”, respectivamente, em inglês, essa separação parte
do pressuposto de que os fenômenos ditos “naturais” e “sociais” funcionam como
esferas de vida apartadas uma da outra. Entretanto, quando pensamos em fe-
nômenos contemporâneos como o “aquecimento global”, essa divisão original é
colocada em xeque.
Pense em que “caixinha” dessas, “natural” e “social”, você encaixaria o fenôme-
no do “aquecimento global”. Se pensarmos nas reações químicas que ocorrem na
atmosfera, ele talvez pudesse ser dito um “fenômeno químico”. Se pensarmos no
seu impacto sobre as condições de vida dos organismos no planeta Terra, pode-se
dizer que ele é um “fenômeno biológico”. Se pensarmos, por sua vez, no impacto
do degelo das calotas polares sobre o “estilo de vida” das cidades litorâneas, ele é
também um “fenômeno sociológico”.

O aquecimento global

Percebeu o potencial de certos fenômenos de colocar em xeque nossa adesão


estrita a essa divisão entre o “reino natural” e o “mundo social”? Sim, ela nos ajuda
a organizar um pouco a forma como percebemos o campo científico, mas devemos
estar sempre prontos a reconhecer as especificidades dos objetos de pesquisa que
escolhemos e aos quais nos dedicamos para definir a melhor metodologia para
responder as perguntas que nós colocamos.
Uma segunda “grande divisão” que podemos indicar, além dessa, é a separa-
ção entre o “saber popular” e o “saber científico”. Como já vimos, partindo do

capítulo 1 • 22
princípio de que as ideias ditas científicas têm vida social e de que essa vida é pas-
sível de ser contada (PEIRANO, 2006, p. 103), falamos sobre a “origem” de nossa
concepção comum de ciência na ideia (“renascentista”/”iluminista”) de que o saber
científico representava um marco de separação em relação às formas de explicação
baseadas no “senso comum”, principalmente naquele “saber popular” inspirado
por valores “religiosos”. No fazer científico contemporâneo, essa separação não é
uma “separação de natureza”, de conteúdo, mas de forma.

Segundo Marconi e Lakatos (2013), "o conhecimento vulgar ou popular, às vezes


denominado senso comum, não se distingue do conhecimento científico nem pela
veracidade nem pela natureza do objeto conhecido: o que os diferencia é a forma,
o modo ou o método e os instrumentos do "conhecer". Saber que determinada
planta necessita de uma quantidade "X" de água e que, se não a receber de forma
"natural", deve ser irrigada pode ser um conhecimento verdadeiro e comprovável,
mas, nem por isso, científico. Para que isso ocorra, é necessário ir mais além:
conhecer a natureza dos vegetais, sua composição, seu ciclo de desenvolvimento e
as particularidades que distinguem uma espécie de outra"(p.76).

Percebeu a diferença? Ambas as formas de conhecer são plenamente racionais, pois


são formas críticas de pensamento que buscam a construção de causalidades lógicas e
coerentes (mesmo que inspiradas por lógicas diferentes), e objetivos, uma vez que to-
mam elementos empíricos que de alguma forma impõem limitações a especulação pura
e simples. São formas de conhecer o mundo, separadas, entretanto, pelo método de cons-
trução e validação do conhecimento que produzem (MARCONI; LAKATOS, 2013).
Propomos então que você se detenha, por um minuto, a pensar sobre aquilo
que então outorga a uma determinada forma de conhecimento a alcunha de “cientí-
fico”, formulando esse ponto da perspectiva de Michel Foucault. O que legitima-
ria então as “pretensões de verdade” de uma “forma de discurso” para que possa ser
dita “científica” (FOUCAULT, 2009)?
Vamos começar, em princípio, com a indicação de Marconi e Lakatos
(2013), o método!

O que é o “método científico”? Segundo Mário


Bunge, o método científico é a “teoria da
investigação”.
capítulo 1 • 23
Muito embora, para o autor, exista um “método geral”, uma maneira propria-
mente científica de encarar os problemas e se dedicar à produção de conhecimento
sobre o mundo que nos cerca, o método não deve ser encarado como um tipo de a
priori, um universal cuja existência independe da pesquisa a que se aplica.
Pelo contrário! Para Bunge, a ciência possui um método que lhe é comum e que
a distingue de outras formas de pensamento, mas o que define o método verda-
deiramente é a sua aplicação a problemas específicos e objetos concretos. Somente
nessa confrontação com os desafios impostos à construção de um objeto de pesquisa
empírico que o método toma sua forma mais acabada em termos de escolhas meto-
dológicas (BUNGE, 1979).
Cabe destacar também que, além disso, cada campo disciplinar desenvolve
seu próprio ferramental em termos de procedimentos específicos para lidar com
esse desafio de construção de um objeto de pesquisa. A consideração de mais essa
variável compõe uma boa contextualização do campo científico e da variedade
exponencial de métodos de que um cientista dispõe para realizar sua atividade.
Para Bunge, em relação ao método, as atitudes dos pesquisadores giram em
torno de dois extremos possíveis: o “determinismo metodológico”, onde o investi-
gador segue cegamente as normas preestabelecidas pela metodologia e por seus fiéis
guardiões, os “metodólogos”; e o que o autor chama de “anarquismo metodoló-
gico”, em que a investigação não segue qualquer cânone preestabelecido, ficando
totalmente a cargo da subjetividade do pesquisador (BUNGE 1980a; 1980b).
Vamos lá! “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, diria a sabedoria popular. É
certo que não se pode abrir mão da submissão da investigação a alguns princípios
científicos elementares. Entretanto, é verdade também que o método não deve se
emancipar da pesquisa, e submeter e restringir suas possibilidades de investiga-
ção e resultados. Sobre esse perigo da “emancipação do método”, Howard Becker
(1999, p. 17) tem uma frase bastante ilustrativa: “A metodologia é importante
demais para ser deixada aos metodólogos”.
Preocupado com as restrições do método aos efeitos da subjetividade do pesqui-
sador sobre a construção de objetos sociológicos, Becker nos fala de uma concepção da
“ciência como máquina”. O que isso quer dizer?
No caso da Sociologia – campo disciplinar ao qual Howard Becker dedicou
toda a sua vida –, isso significa dizer que, com o intuito de eliminar as diversas
fontes de “vieses” (bias, em inglês), os metodólogos, em seu “ofício proselitista”,
acabam por restringir ao campo de objetos e procedimentos da disciplina aquilo que
é possível verificar apenas pelos métodos consagrados como “totalmente objetivos”

capítulo 1 • 24
(daí a analogia com a “máquina”), afastados da influência “nefasta” da subjetivida-
de do pesquisador, seus valores e preferências pessoais.

Para o autor, essa concepção restritiva dos objetos e procedimentos é altamente


nociva para a disciplina. Nas palavras de Howard Becker (1999, p. 18-20):

"Embora alguns renomado metodólogos e filósofos da ciência acreditem que


a metodologia deve se dedicar a explicar e aperfeiçoar a prática sociológica
contemporânea, a metodologia convencional em geral não faz isso. Ao contrário,
ela se dedica a dizer aos sociólogos o que deveriam estar fazendo e que tipos de
método deveriam estar usando, e sugerem que eles ou estudem o que pode ser
estudado por estes métodos ou se ocupem a imaginar como o que querem estudar
pode ser transformado no que pode ser estudado por estes métodos (...). Mas,
como se sabe muito bem, é difícil reduzir a ciência a tais procedimentos estritos e a
algorítmos plenamente detalhados. Diante desta dificuldade, podemos optar entre
dois caminhos pelo menos. Ao invés de insistir em procedimentos mecânicos que
minimizam o julgamento humano, podemos tentar tornar as bases desses julgamentos
tão explícitas quanto possível, de modo que outros possam chegar as suas próprias
conclusões. Ou podemos transformar nossos problemas em problemas que possam
ser resolvidos por procedimentos típicos de uma máquina (BECKER, 1999, p. 18;20)

Não é preciso dizer que, para Becker, a alternativa da “ciência como máquina”,
da perseguição da absoluta “objetividade científica”, é uma quimera. Mais do que
isso, implica em uma perda inestimável para a Sociologia, tanto em termos da
restrição de seu universo de objetos possíveis como em termos da construção de
métodos e inovações fundamentais ao desenvolvimento do campo científico.
A Sociologia é uma das principais fontes de objetos e procedimentos metodo-
lógicos para as pesquisas em segurança pública – ela e suas disciplinas coirmãs
“humanas”, pode-se dizer, como a Antropologia, a Ciência Política, a História,
a Estatística etc. Nesse sentido, as problematizações de Becker sobre o método
sociológico tornam-se ainda mais pertinentes para nós.
Agora, retomando a pergunta que fizemos anteriormente, sobre o que define
um conhecimento como científico, cremos que agora podemos respondê-la.

capítulo 1 • 25
ATENÇÃO
Seguindo a análise de Becker, o que define um conhecimento como “científico” é a verifica-
bilidade do método. O que isso quer dizer, concretamente? Significa que, em sua pesquisa, para
que ela seja “científica”, você precisa explicitar todas as condições e condicionalidades sobre as
quais foram produzidas as escolhas metodológicas que levaram aos resultados obtidos por sua
investigação. Isso permitirá, como nos fala Howard Becker, o chamado “controle de pares”, prin-
cipal mecanismo de controle do campo científico, ou seja, permitirá que outros pesquisadores
possam percorrer as suas escolhas metodológicas e chegar as suas próprias conclusões sobre
a pertinência e a propriedade do que foi dito em sua pesquisa. Isso é “ser científico”.

Dito isso, podemos seguir nosso caminho pelas “grandes divisões” do pensa-
mento científico, retomando o debate entre as ciências “empíricas” ou “factuais”
e as ciências “formais”, cujas origens retomam, como vimos na primeira parte de
nossa aula, os debates científicos dos séculos XVIII–XIX. Estas últimas, de caráter
“formal”, trabalhariam com modelos abstratos, os quais lançam mão da empiria,
quando muito, apenas para ilustrar seus postulados, formulados racionalmente,
por obra do intelecto. As primeiras, ditas “factuais”, também têm por objetivo a
formulação de “modelos explicativos”. Entretanto, esses modelos são construídos ‘a
partir de’ e ‘em diálogo’ com a empiria, ou seja, com base na observação.
Segundo Bunge (1985, p. 14), há uma distinção de terminologia, entre os
procedimentos de “demonstração” e “verificação”, que ilustra essa diferença.
"As ciências formais demonstram ou provam: as ciências factuais verificam (confir-
mar ou desconfirmam) hipóteses que em sua maioria são provisórias. A demonstração
é completa e final; a verificação é incompleta e por isso temporária. A própria natureza
do método científico impede a confirmação final das hipóteses factuais" (1985:14).
Essa outra “grande divisão”, entretanto, também caiu em desuso. Muito
embora existam disciplinas majoritariamente “formais”, como a Matemática e a
Lógica, esse não é o caso para a maioria dos campos científicos. Intelecto e observa-
ção, no geral, convergem no processo de construção do conhecimento.
O que isso quer dizer em termos concretos? Bom, isso quer dizer que, em toda
pesquisa, os investigadores partem sempre dos modelos explicativos existentes (as teo-
rias) para formular seus temas, problemas e objetivos de pesquisa, mas que, ao serem
aplicados às observações empíricas, tendem a demonstrar uma série de inadequações.

capítulo 1 • 26
Isso se deve ao fato de uma vez tendo sido elaborados com base em observa-
ções de outros contextos empíricos, quando aplicados em nossos próprios campos
de pesquisa, é previsível que haja desajustes, digamos assim. Mas isso não quer
dizer que, para a dinâmica de funcionamento das ciências, esses “desajustes” sejam
negativos. Pelo contrário!

Eles são previsíveis! Fazem parte da própria


dinâmica do desenvolvimento científico!

Vejamos como Karl Popper (2004), ilustrando seu “princípio da falseabilida-


de”, pensa esse diálogo entre a “produção de hipóteses” e sua “verificação empírica”
a partir de um esquema mais dialógico entre as dimensões “formais” e “factuais”
do processo de pesquisa.

Foi possível para você visualizar como essas duas dimensões, “factual” e “formal”,
podem interagir em uma pesquisa? Primeiro é preciso formular o seu “problema de
pesquisa”. Em seguida, com o auxílio de autores e estudos acadêmicos, você formula
um conjunto de “hipóteses”, bem como suas “consequências lógicas”, que é a forma

capítulo 1 • 27
como o problema, em sua formulação lógica, afetaria uma determinada realidade.
Até aqui, todas as operações feitas no processo de pesquisa são modelares e teóricas.
Realizadas essas operações lógicas, o pesquisador vai à empiria a fim de verificar
suas hipóteses. É nesse encontro que começamos a produzir nossas pesquisas. Para Karl
Popper, quando, nesse encontro, essa “teoria” é “falseada”, ou seja, é majoritariamente
refutada pela experimentação empírica, ela deve ser reformulada. Se o “teste empí-
rico”, entretanto, é corroborativo, no todo ou em parte, a “teoria” que fundamentou
cientificamente aquela formulação de hipóteses sobre o problema sai fortalecida. Para o
“princípio da falseabilidade” de Popper (2004), a força de sua cientificidade, entretan-
to, reside no fato de ela ser submetida a repetidos “testes empíricos”.
Falemos agora de outra “grande divisão” entre as ciências “indutivas” e “dedu-
tivas”, ou seja, aquelas que aplicam métodos de generalização de resultados a partir
de uma amostra empírica observada (“método indutivo”) ou de uma cadeia lógica
de pensamento (“método dedutivo”).
Para que essa divisão não fique muito etérea para você, vejamos o exemplo de
Marconi e Lakatos (2003, p. 91) sobre essa diferenciação em termos de sentenças ilus-
trativas das lógicas que inspiram os dois métodos científicos, “indutivo” e “dedutivo”:

Dedutivo
Todo mamífero tem um coração.
Ora, todos os cães são mamíferos.
Logo, todos os cães têm um coração.

Indutivo
Todos os cães que foram observados tinham
um coração.
Logo, todos os cães têm um coração.

(MARCONI & LAKATOS, 2003 :91)

Como você pode perceber, essa “divisão” remonta bastante à anterior, entre
“ciências empíricas” e “formais”. Nesse caso, entretanto, pode se dizer que ela

capítulo 1 • 28
encontra-se mais centrada na forma pela qual a ciência produzem generalizações,
no primeiro caso, a partir da lógica, no segundo, do caso concreto.
Por fim, para fecharmos nosso primeiro capítulo sobre a ciência e o método científi-
co, falemos da diferenciação entre os “quantitativos” e métodos “qualitativos”, também
conhecida pela distinção entre abordagens “macro” e “micro”. Vejamos por quê.
Tratando essa separação de modo bastante genérico e superficial, ela postula a
distinção entre, por um lado, métodos de pesquisa que se servem de dados quantifi-
cados ou quantificáveis e, por outro, métodos que tomam por base empírica o com-
portamento de objetos em situações concretas, por meio da observação direta (“da-
dos primários”) ou de relatos, entrevistas etc. (“dados secundários”). No primeiro
caso, os dados utilizados produzem generalizações indutivas mais abrangentes.
Essa maior capacidade de generalização se dá em razão do tamanho da “popula-
ção” e do volume de casos contemplados na construção de uma “amostra de pesquisa”.
Abrimos um breve parêntese para falar da distinção entre "pesquisa por
população' e "pesquisa por amostragem". Essa distinção será aprofundada nas
próximas aulas, mas, já que mencionamos, cabe uma breve explanação.
A "pesquisa por população" implica que um levantamento, seja de tipo qualita-
tivo (entrevistas, estudos de caso etc.) ou quantitativo (aplicação de questionários
etc.), obtenha dados de todos os indivíduos ou casos de um grupo.
A "pesquisa por amostragem", por sua vez, se debruça sobre uma parcela aleató-
ria (o pesquisador não interfere na seleção dos casos) ou representativa (o pesqui-
sador interfere de modo a fazer com que a amostra represente os vários segmentos
etários, sexuais, de renda etc.) de uma população.

EXEMPLO
Se o seu universo empírico de pesquisa é um grupo de alunos em sala de aula, obter dados
de toda a população de indivíduos é uma tarefa bem mais fácil e desejável, inclusive. Se es-
tamos falando de toda a população da Universidade, a coisa já fica um pouco mais difícil e
pode-se recorrer a construção de uma "amostra", aleatória ou representativa.

As abordagens de pesquisa ditas “qualitativas”, como mencionamos, por lan-


çarem mão de entrevistas, relatos, observações diretas e estudos de casos (vere-
mos, posteriormente, todas essas ferramentas de pesquisa), produzem generalizações
menos abrangentes, porém mais qualificadas em termos de profundidade sobre
determinado fenômeno.

capítulo 1 • 29
Você já deve ter percebido que, apresentada dessa maneira, a opção entre a aplica-
ção de métodos quantitativos ou qualitativos equivaleria a uma escolha entre “abrangên-
cia” e “profundidade”, “generalidade” e “especificidade”. Um debate entre a alternativa
de produzir um conhecimento genérico sobre um grande número de casos ou, ao contrário,
produzir um conhecimento profundo sobre um universo de casos muito menor.
Atualmente, entretanto, a boa técnica de pesquisa recomenda que se aplique o
que chamamos “triangulação de métodos” ou “pesquisa com métodos mistos”.
Esse tipo de abordagem não só apregoa a utilização simultânea, em uma mesma
pesquisa, de métodos ditos “qualitativos” e “quantitativos”, como contempla também
a aplicação de metodologias e técnicas de pesquisa de várias áreas do conhecimento.

EXEMPLO
Pense numa pesquisa sobre o tema "vitimização policial". Ela pode lançar mão, em princípio,
de uma série de dados produzidos pelas próprias organizações policiais, reunidos em bases e,
portanto, altamente passíveis de quantificação. Numa primeira etapa da pesquisa teríamos então
um panorama abrangente de estatísticas, taxas e índices relacionados ao fenômeno da "vitimiza-
ção policial" (um panorama quantitativo). Esse levantamento pode ser exaustivo, dando conta de
toda a população de casos para um período de 5 (cinco) anos, por exemplo, mas ele ainda sim
é genérico. Numa segunda etapa deste nosso investimento de pesquisa hipotético, a equipe de
pesquisas poderia se dedicar a realizar entrevistas com policiais vitimados e visitar suas unidades
para a realização de observações in loco. Esse tipo de abordagem qualitativa da realidade permite
uma maior profundidade acerca das dinâmicas cotidianas do funcionamento de suas unidades
e das características do local em que se situa, por exemplo, bem como das vivências individuais
dos sujeitos vitimados. Poderemos, com isso, agregar um detalhamento mais vívido ao panorama
estatístico inicial e corrigir eventuais distorções causadas pelo registro e tratamento dos dados
quantitativos. Por sua vez, a pesquisa pode agregar também dados da área de Psicologia das cor-
porações, de modo a enriquecer suas análises sobre o impacto da violência sobre os sujeitos, ou
mesmo dados históricos para pensar sobre a forma como a missão e o mandato das instituições
de segurança se modificou com o tempo e o seu papel na sociedade atual.

Bom, é isso. Esperamos que você tenha tido uma boa compreensão do
conteúdo desse nosso primeiro encontro. Até a próxima aula!

capítulo 1 • 30
2
O problema
científico
O problema científico

OBJETIVOS
• Conceituar a ideia do problema científico e reforçar o entendimento de metodologia científica.
• Entender a importância da escolha e da delimitação do tema da pesquisa científica como
fator primordial para sua realização.
• Entender o que são as fontes de pesquisa primárias e secundárias, bem como facilitar
sua busca.
• Apresentar os pontos essenciais de um projeto de pesquisa, entendendo seus elemen-
tos estruturais.

Conceituando

Podemos conceituar o problema científico como sendo aquele que é proposto,


dentro de determinada área de conhecimento, para sanar um questionamento
existente. O problema científico, para que, sua resposta ou solução seja, válida,
deve ser investigado a partir de técnicas e métodos inerentes à certificação do co-
nhecimento científico, denominados metodologia científica.
A metodologia científica deverá ser aplicada durante a investigação do proble-
ma pesquisado, tendo como premissa a pergunta de como o investigador deverá
proceder para encontrar as respostas.
Os métodos são as maneiras utilizadas para se chegar a determinado objetivo
almejado. Dentre os tipos de métodos existentes, podemos destacar o dedutivo, o
indutivo e o dialético.

Podemos resumir o método dedutivo como aquele


que parte da premissa geral, para uma conclusão
individual lógica e definitiva.

No método indutivo ocorre o contrário. A premissa é a particularidade


individual, pressupondo, assim, que ela irá se repetir no caso geral. Porém, esse
pressuposto pode não ser verdadeiro.

capítulo 2 • 32
Já o método dialético é proveniente dos antigos gregos. Ele consiste numa
troca de argumentações racionais, permanentes e contraditórias, através de
perguntas, respostas e conclusões.
Não existe uma conclusão definitiva no método dialético, pois como a realida-
de está em constante transformação as respostas são transitórias.
Ou seja, a cada nova descoberta ou inovação, ocorre uma síntese entre a tese
antiga e a nova, gerando uma nova conclusão. Isso ocasiona o enriquecimento do
conhecimento e o avanço científico permanente.

EXEMPLO
Método dedutivo:
Todo réptil tem sangue frio.
O lagarto é um réptil.
Então o lagarto tem sangue frio.

Método indutivo:
A cobra coloca ovo. A cobra é um réptil.
O lagarto coloca ovo. O lagarto é um réptil.
O jacaré coloca ovo. O jacaré é um réptil
Logo, todos os répteis colocam ovos.

A escolha do tema e a importância de sua delimitação

A escolha do tema é um dos momentos mais importantes do Trabalho de


Conclusão de Curso. Isso porque é com ele que o aluno irá “namorar” nos próxi-
mos meses ou até anos de sua vida. Com ele, muitos finais de semanas, feriados
e até mesmo algumas madrugadas serão passados.
Por isso então, é primordial, que você escolha um tema de que realmente
goste, e sobre o qual tenha interesse e vontade de conhecer mais. Muitas vezes
você ficará desmotivado em escrever ou pensar sobre o tema de sua pesquisa.
E se escrever sobre algo de que se gosta já é uma prática extenuante, imagine
escrever sobre algo sobre o qual não se tem o menor interesse ou proximidade.

capítulo 2 • 33
O planeta Terra

Há uma infinidade de assuntos que podem ser pesquisados em nosso grande


planeta azul. Porém, para o pesquisador iniciante, as barreiras devem ser transpos-
tas uma a uma.
Para que esse processo de escolha seja mais simples, existem algumas técnicas
que facilitarão sua vida para uma correta comunhão com o seu tema.
Inicialmente, é mais fácil optar por um assunto com o qual você tenha proxi-
midade, podendo se relacionar com as suas experiências profissionais ou pessoais;
com assuntos sobre os quais você já tenha estudado e sentido um maior interesse;
com situações que propiciem um status de observador privilegiado; com deba-
tes, seminários ou fóruns de que tenha participado como aluno e cujos assuntos
comentados tenham lhe causando inquietações; e suposições ou mesmo temas
contemporâneos e controversos que lhe tenham despertado curiosidade.
A partir desse primeiro momento, que é a conjugação do interesse entre você,
pesquisador, e o seu tema, os fatores paralelos que podem impactar tanto na con-
fecção do seu trabalho como na avaliação da banca e do professor que farão sua
análise devem ser observados.

Ampulheta

capítulo 2 • 34
O tempo disponível para pesquisar sobre o tema delimitado é um desses fa-
tores. Digamos que você tenha escolhido um assunto que envolva uma longa pes-
quisa de campo em unidades policiais ou fóruns, somado a centenas de entrevistas
estruturadas, feitas através de questionários. Você terá tempo para efetivamente
exercitar toda essa dinâmica e, ainda, computar corretamente os dados obtidos?
Outro fator é a relevância do tema, bem como a sua atualidade. O tema deve
ser relevante para o seu curso e de alguma forma atual, caso contrário seu trabalho
não será interessante. Uma pesquisa sobre o uso correto de uma insígnia na farda
de um policial militar, apesar de até poder ser relevante para o pesquisador e mais
meia dúzia de pessoas, não terá uma efetividade em conquistar o fascínio da maio-
ria, provavelmente nem dos membros de sua banca examinadora.
É importante saber se existe material bibliográfico sobre seu tema, ou se, mes-
mo se esse material existir, você conseguirá ter acesso a ele. É possível que haja
interesse em escrever sobre determinado tema cuja bibliografia existente – dada a
extrema novidade do assunto – esteja em uma língua estrangeira. Nesse caso, além
da dificuldade de obter o material para a pesquisa, há a barreira da língua, que
deverá ser previamente pensada.

Biblioteca

Além disso, atrelado ao último exemplo, outro fator é relevante para a


escolha. Deve-se pensar na possibilidade de não existir um orientador habi-
litado sobre o tema escolhido pelo pesquisador – mesmo que não exista um

capítulo 2 • 35
orientador interessado em orientar aquele tema, por achar que está ultrapassa-
do ou que não há relevância.

Finalmente, o pesquisador deve se perguntar sobre o que tem a escrever sobre


aquele tema; quais suas inquietações e questionamentos; e o que poderá transmitir
de relevante sobre o assunto escolhido.

Passada essa primeira fase, surge imediatamente a segunda, que é a deli-


mitação do tema.
É extremamente comum que o pesquisador, principalmente o iniciante,
tenha como tema um assunto extremamente complexo, envolvendo diversos
outros temas.
Na ansiedade de querer respostas as suas inquietações, o pesquisador não
consegue delimitar um objeto de pesquisa, idealizando um tema que estará
abrangendo diversos objetos. Por exemplo: pesquisar sobre os homicídios co-
metidos por policiais. Aqui o pesquisador não conseguiu especificar seu ob-
jeto, dando uma abrangência extrema na possibilidade de sua investigação.
Afinal, para quais homicídios estaria voltada a pesquisa? Sobre homicídios
realizados por policiais de folga, de serviço, de suas esposas, de crianças, de ne-
gros, de pobres, de ricos, de brancos? A investigação versa sobre a prática dos
homicídios ou a punição deles? Essa punição se refere ao início da persecução
penal, procurando demonstrar um suposto corporativismo na investigação, ou
se refere ao julgamento e à existência de impunidade?
Portanto, é necessário que o pesquisador consiga delimitar seu tema, pois
seu objeto de pesquisa deve lhe possibilitar ter consciência do que irá pes-
quisar, bem como deve fazer o leitor entender qual é o assunto de que trata
aquele trabalho.

Uma dica importante é que não existe excesso para se delimitar um tema. Quanto
mais você conseguir delimitar o seu tema, mais facilidade terá para realizar a
pesquisa de forma satisfatória e maiores serão as chances de que seu trabalho
seja bem-sucedido. Portanto, não fique chateado se o seu orientador transformar
o seu trabalho final em apenas um dos capítulos do que você pretendia pesquisar.

capítulo 2 • 36
Não se preocupe que a delimitação excessiva do tema possa deixar seu trabalho
superficial. Muito pelo contrário! Quanto mais localizado e pontuado seu trabalho
estiver, mais profundo ele terá a chance de ser.
Ao pesquisar um ambiente complexo, onde diversos fatores atuam entre si, as
suas definições tenderão a ser mais superficiais, tendo em vista a quantidade enor-
me de elementos existentes e a dificuldade em se esmiuçar cada um deles.
Quando o pesquisador se debruça apenas sobre um dos fatores, seus elemen-
tos são restritos tão somente aos elementos existentes nele, não ao conjunto, pro-
piciando uma análise muito mais detalhada.
Tomemos como exemplo um carro. Se um pesquisador se dedicar a descrever
tudo sobre um carro, certamente detalhará suas rodas. Provavelmente, esse pesqui-
sador dirá que as rodas de um carro são feitas de metal, encobertas por uma cama-
da de borracha destacável, chamada pneu, que entra em contato com o solo. Daí
partirá logo para outras características em tese mais importantes daquele veículo.
Quando analisamos sistemas complexos, a tendência a relevar suas minúcias
se torna uma necessidade, tendo em vista a quantidade de dados que poderão ser
considerados mais relevantes.
Agora, imaginemos um pesquisador que se proponha a pesquisar não o carro,
mas tão somente as rodas do veículo. Certamente ele iria descrevê-las de forma
muito diferente. Falaria sobre a relação entre os diâmetros das rodas e a dirigibi-
lidade, faria uma longa exposição sobre os diversos tipos de metais que podem
ser usados na sua fabricação, os quais influenciam tanto na durabilidade como na
segurança, descreveria os pneus e seus diversos modelos, passando pelo material de
que são feitos, o processo de fabricação etc.
Ou seja, não se preocupe: quanto maior a delimitação do tema, mais profunda
se torna a pesquisa sobre o objeto escolhido.

E como delimitar o meu tema?

Procure chegar a essa delimitação através de suas próprias inquietações. Ou


seja, pense no que levou você a se interessar por aquele tema.
Se você se interessa em estudar a morte de policiais, talvez a sua inquietação
seja sobre a falta de segurança a que esses profissionais estão expostos durante o
serviço. Também pode ser sobre o risco que a profissão lhes oferece ao estarem de

capítulo 2 • 37
folga. Ou que o envolvimento de policiais com o crime perfaz um caminho que
culmina com a morte acentuada desses agentes públicos.
Somente nessas três possibilidades descritas é possível delimitar três objetos
de pesquisa diferentes, com todos versando sobre o tema da morte de policiais,
no entanto.
É claro que não se pode deixar de observar a existência de bibliografias que
possam lhe dar subsídios para que seu trabalho tenha continuidade. As bibliogra-
fias são fontes secundárias de pesquisa que versam sobre as fontes primárias, quais
sejam, a análise de dados previamente apurados e computados.
Caso não exista bibliografia secundária para seu objeto de pesquisa – ou até
exista, mas se for escassa ou não versar diretamente sobre o seu tema –, será neces-
sário empreender uma busca de fontes primárias. Ou seja, o pesquisador deverá ir
a campo a fim de angariar e computar os dados de que precisa.
Não que isso seja um impedimento para o desenvolvimento da pesquisa, po-
rém será necessário avaliar, nesse caso, se o pesquisador terá tempo suficiente para
recolher os dados necessários. Além disso, é importante observar o fator tempo,
bem como a dimensão dos dados levantados.
Uma pesquisa que buscasse identificar a quantidade de mortes ocorridas por
meio de linchamentos ocorridos na cidade do Rio de Janeiro estaria seriamente
comprometida se esses dados se restringirem ao período de um ou dois meses em
apenas três ou quatro bairros, por exemplo, pois não teria a dimensão temporal ou
espacial de retratar a realidade existente.

Finalmente, o interesse do pesquisador é fundamental para o sucesso da pesquisa.


Uma pesquisa sobre um tema que lhe seja desinteressante ou sobre o qual você
não tem o menor conhecimento prévio irá dificultar muito o seu desenvolvimento.
Portanto, a proximidade com o tema escolhido e o objeto delimitado é fundamental
para que a pesquisa seja realizada de forma mais tranquila.

Imagine-se, estudante de segurança pública, pesquisando sobre legislações


e processos civis. Não que seja impossível, porém o grau de dificuldade dessa
pesquisa seria muito superior devido à necessidade de uma iniciação completa
sobre o tema.
Um pesquisador que conheça minimamente, de forma prévia, o que vai ser
pesquisado, fará com que o desenvolvimento de seu trabalho seja facilitado. Além

capítulo 2 • 38
disso, temos, em alguns casos, a posição privilegiada de observação, que poderá
proporcionar, tomados os devidos cuidados metodológicos, a inserção de dados
a que outras pesquisas anteriores não conseguiram chegar devido a um possível
maior distanciamento do pesquisador com o objeto.
Nesse caso, aproveite a oportunidade e faça com que seu trabalho se destaque
no aspecto de inovação e relevância acadêmica.

EXEMPLO
Diversos alunos que iniciam suas pesquisas sobre segurança pública pensam em pes-
quisar dentro de comunidades dominadas por traficantes de drogas. Ou seja, tal pesquisa,
apesar de interessante, acabaria por comprometer a segurança do pesquisador, tornando-se,
muitas vezes, inviável.
Cabe, em casos assim, avaliar os riscos a que o pesquisador estaria se submetendo.

Realização da pesquisa bibliográfica e sua discussão

Passada a fase de escolha e delimitação do tema da pesquisa, já comentada


detalhadamente no tópico anterior, é chegada a hora de, enfim, iniciar o aprofun-
damento dos estudos.
A pesquisa bibliográfica é também chamada por diversos outros nomes, como
fundamentação bibliográfica, revisão de literatura, estado da arte, revisão teórica e
outros. Porém, não se assuste: qualquer um dos nomes que ela receber irá se referir
às regras de que falaremos mais adiante.
Vergara (2000) divide os tipos de pesquisa em seis:

TIPOS DE PESQUISA
Ocorre quando o pesquisador não conse-
gue identificar elementos ou dados exis-
tentes suficientes. Portanto, ele deverá
EXPLORATÓRIA explorar o tema e o objeto a fim de le-
vantar seus próprios dados e, até mesmo,
formular sua hipótese no decorrer desse
processo.

capítulo 2 • 39
Também conhecida como etnográfica,
objetivando a descrição, através da ob-
DESCRITIVA servação, das características da popula-
ção ou do fenômeno pesquisado.

Explica prováveis relações entre duas va-


EXPLICATIVA riáveis comparadas.

Objetiva a construção de instrumentos


METODOLÓGICA avaliativos.

Tipo de pesquisa que utiliza o conheci-


mento oriundo de outras pesquisas a fim
APLICADA de uma aplicação concreta em uma finali-
dade específica, imediata ou não.

Procura não somente explicações sobre


o objeto investigado, mas também inter-
INTERVENCIONISTA ferir na sua realidade a fim de que se ob-
tenha finalidades práticas.

Uma descoberta científica dificilmente irá surgir do nada, como já falamos.


Até mesmo sir Isaac Newton, o cientista responsável pela formulação da Teoria da
Gravidade, ao ter uma maçã se espatifando sobre sua cabeça (como reza a lenda),
precisou pesquisar profundamente os motivos científicos que levavam os objetos a
serem projetados em direção ao solo quando soltos no ar.
Você e sua pesquisa não serão diferentes. Portanto, o levantamento bibliográ-
fico, ou seja, a leitura do que outros pesquisadores já estudaram e descobriram a
respeito do tema sobre o qual você agora se debruça será fundamental.
Pois é. Por mais que você acredite que o seu trabalho é inovador e vai revolu-
cionar o mundo moderno, fazendo com que saia da graduação com seu primeiro
Prêmio Nobel, não é bem assim que as coisas acontecem.
Muito provavelmente dezenas de pesquisadores antes de você já pensaram so-
bre esse tema, gerando, em consequência, diversos materiais bibliográficos, como
livros, artigos científicos, dissertações, teses e monografias.
Mas não fique chateado com isso, pois esse material será imprescindível para
auxiliá-lo na sua pesquisa, clareando suas ideias a partir das reflexões e debates
com os textos oriundos desses autores.

capítulo 2 • 40
A pesquisa bibliográfica será a base de sustentação para seu trabalho científico
e deverá responder a três questionamentos: quem já escreveu sobre o tema;
o que já foi escrito sobre o assunto; e quais foram as lacunas deixadas pelos
pesquisadores anteriores.

Obviamente, apesar de a dica parecer um pouco datada, tendo em vista es-


tarmos em plena era tecnológica, um porto seguro para achar farto material de
pesquisa são as bibliotecas.
Em sua universidade certamente existe uma biblioteca que poderá ajudá-lo
com uma enorme variedade de livros. É necessário, entretanto, tendo em vista as
inovações cientificas e a atualização constante de diversos materiais, a avaliação
sobre a idade e a validade sobre aquilo que se está lendo.
Imagine pesquisarmos em um maravilhoso livro de Direito, de um autor
outrora consagrado, da década de 1960, que fale sobre as inovações inseridas
na “novíssima” Constituição da República daquele ano, redigida sobre o pe-
ríodo militar.
É claro que, se estivermos fazendo uma pesquisa histórica, esse relato poderá
ser de grande valia, através de uma análise comparativa com a Constituição da
República de 1988. Porém, se estivermos pesquisando sobre as normas constitu-
cionais brasileiras atuais, tal livro de pouco serviria, podendo, inclusive, confundir
o pesquisador iniciante.
Além dos livros, outros acervos podem e devem ser consultados, como
já mencionado. Na própria biblioteca da sua universidade existem diversos
trabalhos arquivados, os quais podem, senão integralmente, parcialmente au-
xiliá-lo. Provavelmente outros alunos já dissertaram sobre seu tema ou sobre
questões que o envolvam, podendo, com isso, além de facilitar o seu enten-
dimento, lhe proporcionar, através das referências bibliográficas, novas fontes
de consulta.
A internet, hoje a ferramenta mais utilizada (ou subutilizada) do mundo,
também pode ser uma valiosa fonte. Diversos trabalhos científicos são pos-
tados por seus autores em sites especializados sobre aquele assunto, sites de
universidades, revistas científicas eletrônicas ou revistas científicas impressas e
digitalizadas por alguém.

capítulo 2 • 41
ATENÇÃO
É necessário, porém, o devido cuidado com as pesquisas na internet. É preciso checar a
confiabilidade do site que se está pesquisando, a fim de que você não insira informações não
verídicas acreditando que são reais.

Sites como a Wikipédia, onde os textos são inseridos por colaboradores,


sem nenhuma forma mais robusta de verificação das informações, não devem
ser utilizados.
Até mesmo jornais e revistas, quando não indexados, devem ser utilizados
de forma moderada na sua pesquisa, pois grande parte daquelas informações são
eivadas de opiniões de acordo com a linha editorial daquele periódico. Não que
artigos em jornais e revistas não devam ser utilizados como fonte de consulta,
porém deve-se ter atenção na informação que utilizar.
Além de todas as facilidades já mencionadas, existe mais uma proporcionada
pela grande rede: a possibilidade de adquirir uma infinidade de e-books (livros
em formato eletrônico). Esses livros podem ser encontrados em sites próprios de
venda on-line, tanto na nossa língua pátria como em outras línguas, o que o fará
aumentar o seu leque de opções, caso tenha domínio de outros idiomas.

CURIOSIDADE
A indexação refere-se a um “selo de qualidade” dado por determinados órgãos volta-
dos à pesquisa científica, como Lilacs, SciELO, ISI e Qualis. As publicações científicas são
agrupadas em um sistema de acordo com seu grau de relevância, servindo para avaliar a
produção científica dos programas de pós-graduação.
A classificação é: A1 (mais elevado); A2; B1; B2; B3; B4; B5; C (peso zero).
Fonte: http://www.capes.gov.br/avaliacao/instrumentos-de-apoio/classificacao-da-pro-
ducao-intelectual.
Acesso em: 10 jun. 2016.

A facilidade de localizar e rapidamente adquirir os e-books torna o processo


de pesquisa incrivelmente mais fácil, pois com apenas meia hora de busca e alguns

capítulo 2 • 42
cliques você terá em suas mãos a possibilidade de adquirir diversos livros, nacio-
nais e internacionais, sobre o tema de seu interesse.
O aprofundamento do pesquisador na bibliografia fará com que consiga o
necessário conhecimento para que possa, com segurança, entender e escrever so-
bre o seu tema. Além disso, a conclusão dos autores consultados não será, neces-
sariamente, a mesma. Assim, o pesquisador pode, a partir da divergência ou do
consenso entre esses trabalhos já realizados, se posicionar sobre seu tema. E, como
exemplo dessa divergência, podemos citar os pesquisadores da área de economia,
que se aprofundam, por exemplo, na questão dos modos de produção. Muitos, a
propósito, se dividem no abismo entre a teoria marxista e a teoria capitalista. Cabe
ao pesquisador iniciante, que queira debater a respeito, entender as duas teorias a
fim de poder, a partir desse debate entre os autores, chegar a sua própria conclusão.
Lembre-se que a bibliografia utilizada na sua pesquisa nunca será demais, pois
ela robustecerá o seu conhecimento e, em consequência, o seu trabalho.
O seu orientador será de grande ajuda para lhe indicar muitas das bibliografias
que você poderá consultar, facilitando ainda mais a sua busca pelo conhecimento.
Resumindo, um levantamento bibliográfico poderá ser avaliado como bem
feito quanto maior for a extensão da localização de tudo o que já foi feito na área
e o correto entendimento de suas respectivas conclusões.

A introdução

Tanto em um projeto de pesquisa como na pesquisa realizada, a introdução é


um importante elemento do seu trabalho, pois servirá para que você apresente ao
seu leitor ou a um avaliador o que pretende fazer ou o que já foi feito.
Para elaborar uma boa introdução, é importante que sua apresentação seja
clara e concisa, explicando qual seu tema, seu problema de pesquisa, a proposta
e o tipo de pesquisa que realizará, bem como sua consubstanciação teórica e seus
objetivos, conduzindo o leitor/avaliador pelo seu trabalho.
É importante destacar que na introdução o interesse que se procura instigar
no leitor/avaliador é um interesse técnico, pragmático, demonstrando que o seu
projeto apresenta os elementos formais suficientes e concretos a fim de que sua
pesquisa demonstre que pode ser aprovada e, assim sendo, consiga ser finalizada
com sucesso.
Essa é a maior diferença entre a introdução e o resumo, pois enquanto este
último procura atender as expectativas referentes ao conteúdo do trabalho, a

capítulo 2 • 43
introdução procura firmar o entendimento no leitor/avaliador de que aquele pro-
jeto pode, efetivamente, vir a se tornar uma pesquisa científica, apresentando os
resultados propostos em vez de “morrer na praia”.

Justificativa do estudo

A justificativa da pesquisa tem como objetivo identificar quais os motivos que


levaram aquele pesquisador a se interessar sobre o tema.
Além disso, é necessário que a justificativa possa passar ao leitor/avaliador
o motivo para aquele tema ser considerado relevante a ponto de que alguém
tenha interesse suficiente nele para pesquisar e depois se interessar em ler o
trabalho concluído.
É importante que o pesquisador possa demonstrar de forma clara qual a im-
portância que os resultados obtidos com aquela pesquisa irão ocasionar, seja na
solução, seja numa melhor compressão do objeto investigado.
Lembre-se de que é importante convencer que o seu trabalho e as suas respec-
tivas conclusões terão alguma relevância para o seu leitor. É como se fosse a venda
de um produto cujas vantagens você deve demonstrar para que o interessado re-
solva adquiri-lo.
Determinados fatores podem fazer com que uma justificativa seja considerada
melhor. Podemos citar, dentre esses fatores:

Para facilitar, podemos dividir a justificativa do projeto de um trabalho cien-


tífico em quatro tópicos: por que; o que; quem e qual a base da sua pesquisa.
Ou seja, uma justificativa correta deve responder a esses elementos: por que a
pesquisa está sendo realizada; o que esse trabalho procura apresentar; a quem

capítulo 2 • 44
ele vai interessar; e quais as bases de sustentação para aquela pesquisa (campo,
bibliográfica, empírica etc.).
Digamos que você queira pesquisar sobre a prática do trote nas faculdades
públicas no Rio de Janeiro. A primeira pergunta que você deve responder para
si mesmo é por que deseja fazer tal pesquisa. Digamos que seja porque os trotes
nas faculdades, nos últimos anos, vêm culminando com mortos e feridos.
A segunda pergunta é a base da pesquisa. (Serão utilizados como base
para essa pesquisa os registros de ocorrência existentes nas delegacias das áreas
das universidades públicas estudadas, bem como os boletins de atendimento
médico de seus alunos.)
A próxima pergunta é o que ela procura apresentar. (A pesquisa procura
apresentar dados que demonstram que o número de alunos das universidades
públicas mortos e feridos com os trotes vem tendo um aumento significativo
nos últimos anos.)
O seguinte questionamento é a quem é destinada a pesquisa. (Essa pesquisa
vem levantar dados para que professores, diretores e reitores possam ter subsídios
a fim de substituir os atuais trotes violentos nas universidades públicas no Rio de
Janeiro por trotes sustentáveis, através da conscientização dos perigos que tanto
alunos novos como os antigos podem correr.)
Após se justificar, mesmo que ache a explanação perfeita, teste-a perguntando
a outras pessoas e, principalmente, ao seu orientador o que têm a criticar ou acres-
centar. Lembre-se de que algo que pode ser muito atrativo para você pode não ser
para os outros.

EXEMPLO
Nossa justificativa para a pesquisa poderia ficar mais ou menos assim:
Nos últimos anos, relatos cada vez mais frequentes de alunos mortos ou feridos por ou-
tros alunos, em trotes nas universidades públicas, vêm chegando ao conhecimento público
através da grande mídia. Esse é um fenômeno corriqueiro no Brasil, porém parece ter se
agravado. Além da perda de vidas ou de lesões sérias às vítimas, os trotes têm consequên-
cias penais nefastas para seus praticantes, gerando um consequente temor e descrédito nas
instituições de ensino público superior.
Assim, esta pesquisa pretende, utilizando a base de dados de registros criminais das
delegacias distritais, bem como dos boletins de atendimento médico dos hospitais nas áreas

capítulo 2 • 45
das universidades públicas do estado do Rio de Janeiro, investigar se esse fenômeno vem
realmente aumentando nos últimos vinte anos.
A partir desses dados, o presente trabalho científico irá propor políticas públicas a serem
empregadas por reitores, diretores de departamento e professores das referidas instituições
de ensino, a fim de minimizar ou pôr termo nos trotes violentos ou humilhantes e substituí-los,
através da conscientização dos alunos, por trotes sustentáveis.

A problematização do tema e o problema em si

Antes de mais nada, é muito importante diferenciarmos a problematização do


tema e o problema em si ou o questionamento. Para isso, vamos iniciar explicando
bem sobre o que é o problema no projeto de pesquisa.
Como já mencionado alhures, quanto maior a delimitação do tema pelo pes-
quisador, maior a probabilidade de que a sua pesquisa seja bem-sucedida. Uma
analogia bem interessante para isso é a usada por Kahlmeyer-Mertens (2007) ao
comparar o tema com um presidiário e o pesquisador com um policial carcerei-
ro. O autor discorre de forma divertida sobre o universo de uma penitenciária,
com todas as extensões e divisões de celas, lavanderia, refeitórios etc. Em sua
analogia, quanto mais cerceado da liberdade de locomoção o preso se encontrar
dentro da cadeia, menos chances de problemas – rebeliões, confusões, tentativas
de fuga etc. – ele terá para propiciar ao policial carcereiro.
Ou seja, quanto mais solto o preso (tema) estiver, mais problemas o policial
(pesquisador) vai ter, já que existem inúmeras possibilidades que irão aparecer
a ambos no universo que os cerca, gerando um afastamento perigoso para este
último. Do contrário, quanto mais restrito o preso (tema) ficar, mais próximo
também ficará de seu vigilante (pesquisador), se tornando para este muito mais
simples de vigiá-lo e dominá-lo.

Delimitar o tema é a chave para que o pesquisador não se perca num universo
de possibilidades que poderão findar com seu afastamento do que deveria ser
pesquisado, gerando, em consequência, um trabalho malfeito.

capítulo 2 • 46
EXEMPLO
Digamos que a escolha do seu tema seja referente ao ensino policial. Esse tema é infinitamente
abrangente, pois não foi, ainda, delimitado o grupo que se quer pesquisar (policiais civis, militares, fe-
derais, nacionais, estrangeiros), o tipo de formação (inicial, continuada, para progressão de carreira),
o local de formação (em algum estado do Brasil ou em todo o país, continente, mundo) etc.
Podemos delimitar esse tema (ensino policial) através do problema apresentado, tornan-
do restrito o universo a ser pesquisado.
Vejamos o seguinte problema proposto com o tema acima:
A formação em direitos humanos dos policiais militares que atuam nas
Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro é condizente com
as habilidades necessárias para sua atuação?

Para que tal delimitação seja empreendida de forma a atingir o objetivo de


fazer com que o pesquisador tenha um objeto específico de pesquisa, o problema
deve ser idealizado a fim de definir o seu raio de atuação.
O problema apresentado no exemplo conseguiu delimitar o tema de forma a
demonstrar claramente o que está sendo trabalhado, sem gerar expectativas supe-
riores do que se propõe a pesquisar (como toda a formação dos policiais brasileiros
ou do Rio de Janeiro). Deve ser formulado como uma pergunta, de maneira clara
e precisa, delimitando uma dimensão viável para o pesquisador.
Portanto, um problema bem elaborado em seu projeto irá facilitar e muito o
seu trabalho de pesquisa, pois você conseguirá delimitar o trajeto a ser seguido a
fim de chegar ao objetivo proposto: responder a pergunta formulada.
Agora que já explicamos o que é o problema e como ele deve ser proposto,
precisamos definir o que é a problematização.
A problematização é um item diferente do problema. Na verdade, tem seme-
lhança com a pesquisa bibliográfica, pois procura interligar os referenciais teóricos
adquiridos com as leituras preliminares com o problema proposto.
Nesse item, o pesquisador deve debater as ideias teóricas de seu trabalho até
então pesquisadas, com as abordagens relativas aos questionamentos sobre o tema
proposto e suas implicações.
Na problematização, os desdobramentos do seu projeto serão propostos atra-
vés de outras perguntas, amparadas no conhecimento já adquirido pelo pesquisa-
dor. É a problematização do que já está sendo proposto por você.

capítulo 2 • 47
EXEMPLO
Voltando ao tema sobre a formação em direitos humanos dos policiais que trabalharão
nas UPPs, podemos problematizar:
- Em quais circunstâncias o curso de formação de policiais militares é desenvol-
vido para uma introjecção de direitos humanos nesses futuros profissionais?
- Até que ponto o ethos guerreiro passado nos cursos de formação de policiais
militares pode desfavorecer o aprendizado de direitos humanos?
- Em que medida a percepção dos policiais militares sobre as disciplinas de di-
reitos humanos, aprendidas durante a sua formação, poderá se tornar um facilitador
de seu trabalho nas UPPs?

Porém, é importante ressaltar que a problematização não se resume so-


mente às perguntas oriundas do seu tema. A problematização é uma breve
dissertação teórica sobre o que você já assimilou com a bibliografia, demons-
trando que os conhecimentos adquiridos têm relevância com seu tema.
Assim, esse conhecimento teórico lhe proporcionará a capacidade de for-
mulação dos desdobramentos necessários para que o seu trabalho possa se
desenvolver corretamente.

A construção de hipóteses e as questões norteadoras

Antes de falarmos sobre a construção de uma ou mais hipóteses de pesquisa,


precisamos entender do que se trata.
A hipótese é uma resposta prévia, suposta, que pode ser verdadeira ou não,
sobre o problema que você estará estudando. Na verdade, podemos ter mais de uma
hipótese, as quais irão realizar afirmações ou pré-soluções do problema proposto.
Jô Soares bem definiu, de forma divertida, a hipótese:

Hipótese é uma coisa que não é, mas a gente faz de conta que é só
para ver como seria caso ela fosse.

capítulo 2 • 48
As hipóteses servem para orientá-lo, através da pesquisa, em direção a uma res-
posta definitiva. Elas podem se revelar falsas no final, porém sua não constatação
não representa qualquer óbice.
A sua pesquisa servirá, justamente, para que se tenha um maior conhecimento
e entendimento sobre o tema proposto e, a partir da utilização do método cientí-
fico, a resposta do problema formulado anteriormente.
Após o término da pesquisa, não ocorrendo a confirmação da hipótese pro-
posta no projeto, o pesquisador poderá propor soluções ou respostas diferentes
daquelas inicialmente formuladas, abrindo inclusive novos horizontes a serem pes-
quisados por outros.
Caso, no final, sua pesquisa aponte para as hipóteses previamente formu-
ladas, elas agora estarão convalidadas e consubstanciadas pela devida metodo-
logia científica.

E como você deveria construir suas hipóteses?

A própria observação dos fatos e acontecimentos pesquisados é uma das for-


mas de se pensar em possíveis hipóteses. Outra forma é a análise de documentos
existentes ou até mesmo através da leitura das pesquisas já realizadas anteriormen-
te, que, todavia, deixaram questões não respondidas e carentes dessas respostas.
Imaginemos que você esteja pesquisando qual o fenômeno que causou a eva-
são dos alunos do curso de Direito em determinada universidade particular du-
rante o ano de 2015/2016.
Você poderia, a partir de conversas com alunos, e com o corpo docente e
administrativo daquela instituição de ensino, durante tais anos letivos, acabar por
observar que possivelmente a crise financeira que abala o país nos últimos dois
anos é uma das hipóteses para a evasão escolar. Esse seria um exemplo de constru-
ção da hipótese através da observação.
Poderia também, trabalhando nessa universidade, ter acesso aos boletos de pa-
gamento, que demonstram que os aumentos foram sucessivos e excessivos, quan-
do comparados com a inflação, produzindo um deslocamento dos alunos para
outras instituições de ensino e não uma desistência do curso em tela.
Finalmente, você poderia ter acesso a uma pesquisa realizada anteriormente
que demonstraria que os cursos nas áreas de ciências humanas tenderam, nos úl-
timos dois anos, a ter maior desistência devido ao mercado de trabalho não estar
propício aos graduados dessas áreas de conhecimento.

capítulo 2 • 49
Porém, apesar de interessantes conclusões, tal pesquisa não se voltou especifi-
camente para o curso de Direito. Com esse último elemento, você terá parâmetros
para pesquisar de forma específica se o curso de Direito corresponde, ou não, ao
resultado encontrado, ou se há um fenômeno específico em detrimento dos de-
mais cursos das outras áreas de Ciências Humanas.
As suposições apresentadas na sua hipótese servirão para que você tenha um
elemento norteador na sua pesquisa. Entretanto, as suas hipóteses não podem se
tornar dogmas. Ou seja, o pesquisador não pode ficar tão preso a essas conjecturas
iniciais a ponto de sua pesquisa se tornar enviesada, pois isso resultaria numa óbvia
falta de credibilidade no meio acadêmico.
As características apontadas acima têm como fundamento precípuo a aplica-
ção de uma metodologia científica para a elaboração das hipóteses e da pesquisa
em si, trazendo, com isso, o consequente amparo científico das respostas e solu-
ções apontadas.
As hipóteses para Cervo e Bervian (2004) devem ter algumas características
fundamentais, que são:

Cronograma

O cronograma é um dos elementos obrigatórios de um projeto de pesquisa.


Ele servirá para que o aluno realize a programação prévia, bem como tenha um
comprometimento com as fases de conclusão do seu trabalho científico.
Nele você irá mapear seu tempo e sua produção na pesquisa, de acordo com o
que acredita que irá conseguir realizar dentro do dead line previsto para a entrega
do seu trabalho de conclusão de curso.

capítulo 2 • 50
O cronograma poderá ser feito por semestres, bimestres ou mesmo meses,
dependendo do tempo que você terá para realizar o seu estudo.
Por exemplo, em programas de pós-graduação stricto sensu, o prazo costuma
ser de alguns anos para a entrega dos trabalhos finais. Portanto, o cronograma deve
ser realizado em semestres.
Já em programas de pós-graduação lato sensu, esse cronograma poderá ser rea-
lizado por bimestres ou meses.
Normalmente, em graduações ou cursos de formação técnica, as disciplinas re-
ferentes ao TCC costumam ocorrer nos últimos três ou quatro semestres. Porém, so-
mente no penúltimo semestre costuma haver a entrega do Projeto Final de pesquisa.
Nesse caso, você poderá realizar o seu cronograma em dois semestres, dividi-
dos pelo tempo que falta para a conclusão de sua graduação.
Você deverá descrever o seu cronograma através de uma tabela, que grafica-
mente simplificará a sua exposição.

EXEMPLO

Meta e Atividade
JUL. AGO. SET. OUT. NOV. DEZ JAN. FEV.
2016-2017
Encontro de X X X X X X X
orientação

Levantamento e X X X
revisão bibliográfica

Coleta de dados X X X

Análise e discussão X
dos dados
Elaboração do
primeiro capítulo X

(entrega)

capítulo 2 • 51
Elaboração do
segundo capítulo X

(entrega)
Elaboração do
terceiro capítulo X

(entrega)
Defesa da X
dissertação

CURIOSIDADE
Existem dois tipos de pós-graduações no Brasil: lato sensu e stricto sensu.
As pós-graduações lato sensu são referentes aos programas dos cursos de especiali-
zação acadêmica, incluindo os chamados MBA (Master Business Administration), com carga
horária mínima de 360 horas. Depois de concluídos, esses cursos possibilitam o recebimento
de um documento denominado certificado – e não de um diploma –, ostentando os conclu-
dentes o título de especialista.
As pós-graduações stricto sensu se referem aos programas de mestrado e doutorado,
que de acordo com as instituições de ensino autorizadas podem durar entre dois (mestrado)
a quatro anos (doutorado). Ao final desses cursos, o concludente receberá um diploma, po-
dendo ostentar o título de mestre ou doutor.
Ambos os tipos de pós-graduação citados têm previsão na Lei 9.394/96, que versa
sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sendo previstos em seu art. 44, inciso III.
Para a realização de qualquer um dos dois tipos de pós-graduação é necessária a con-
clusão prévia de um curso de graduação.
Fonte: Portal do Ministério da Educação.
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=13072:qual-a-diferenca-entre-
-pos-graduacao-lato-sensu-e-stricto-sensu.
Acesso em: 2 maio 2016.

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3
A construção do
projeto de pesquisa
A construção do projeto de pesquisa

OBJETIVOS
• Apresentar a distinção entre “tema”, “objetivo geral” e “objetivos específicos”, reafirmando a
importância dessas definições para a construção de um trabalho científico.
• Definir o que chamamos de “embasamento teórico”, bem como as etapas e estratégias
aplicadas para a sua construção.
• Apresentar ao aluno a ideia de que o conhecimento científico possui seus próprios critérios
e regras de validação técnica e ética.

Determinação dos objetivos da pesquisa

Como vimos no capítulo anterior, a delimitação do tema e a formulação de


perguntas norteadoras são etapas essenciais do processo de construção de um in-
teresse de pesquisa. São essas definições, quando bem recortadas, que servem de
“farol” para o empreendimento científico.
E a metáfora do “farol” nos parece bastante adequada. No desenvolvimento
das demais etapas do projeto – e, posteriormente, na escritura da monografia –,
um tema e um problema bem recortado ajudam a impedir que você se perca do
fio condutor de sua análise, seduzido pela imensidão de fenômenos interessantes
que se apresentam conforme você inicia a sua pesquisa.
Entretanto, para que o seu “farol” esteja bem “calibrado”, ainda falta uma di-
mensão do projeto a ser preenchida: seus objetivos. Com esses três itens definidos
(tema, problema e objetivos), o(a) aluno(a) pode se dedicar às etapas seguintes da
pesquisa – como a construção do embasamento teórico, que veremos a seguir – e
iniciar, a partir daí, a escrita das demais partes do projeto: introdução, justificativa,
metodologia etc.
Então vamos lá. Façamos um exercício nesse sentido, a partir da delimitação
de um interesse de pesquisa concreto.
Digamos que você tenha interesse no fenômeno da “vitimização policial”.
Qual é o problema social e sociologicamente relevante aqui? O número elevado
de casos em que policiais são vítimas de agressões e lesões no exercício de sua ati-
vidade profissional. Mas são todos os policiais? Apenas os policiais militares? Na
folga ou de serviço? Como vimos na aula anterior, tudo isso precisa ser definido.

capítulo 3 • 54
EXEMPLO
Então vamos a uma formulação de um recorte temático possível sobre o fenômeno:
Delimitação do TEMA
Realizar o mapeamento das ocorrências em que houve morte ou lesão de policiais mili-
tares, em folga e em serviço, entre os anos de 2007 e 2014, registrados pela Polícia Militar,
na Capital e Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Como podemos perceber, algumas informações importantes foram delimita-


das na definição de nosso tema hipotético de pesquisa.
“Vitimização”, para nós, envolve não só a morte, mas também as lesões não
letais sofridas pelos agentes; estamos falando de policiais militares, buscando com-
preender a dinâmica da vitimização durante suas horas de serviço, mas também re-
lacionadas à folga; o período da análise também está bem definido (2007–2014);
sua abrangência territorial, que não contempla as ocorrências no interior do esta-
do do Rio de Janeiro; indicamos também a fonte, ou seja, que nos debruçaremos
apenas sobre as ocorrências registradas pela própria PM.
Você deve ter se perguntado “Mas como eu chego a essas delimitações?”. Bom,
como vimos na aula anterior, é fundamental que, uma vez tendo claro o seu in-
teresse em determinado fenômeno, você deve se dedicar ao levantamento de bi-
bliografias e outras informações, de fontes diversas, sobre ele. É basicamente esse
levantamento que informa tais delimitações.
Por exemplo: por que não incluir a vitimização de policiais civis? Digamos
que o recorte, incluindo a PC, talvez fique amplo demais e você não consiga
dar conta desse investimento de pesquisa. Pelo levantamento preliminar, é
possível saber que a PM é a força mais vitimada, em razão de suas dimensões
e de sua missão ostensiva.
E por que incluir a folga? No nosso caso, porque, por meio do levanta-
mento preliminar, identificamos que a maior quantidade de mortes ocorre na
folga, enquanto no serviço o que mais ocorre são lesões não letais. Isso nos leva
a incluir as duas dimensões combinadas para nossa pesquisa: lesão e morte/
folga e serviço. E assim por diante.
O período, por sua vez, se deve ao nosso interesse em avaliar o impacto de
certos projetos e programas de governo sobre a vitimização de policiais, por
exemplo. Essa dimensão já tem relação direta com os objetivos da pesquisa.

capítulo 3 • 55
Os objetivos da pesquisa são a manifestação de
suas intenções ao realizar uma pesquisa.

Eles devem ser manifestos por meio de verbos no infinitivo e de sentenças


claras e diretas. Você deve se assegurar de que não há mais de um objetivo expresso
em cada sentença formulada. Eles são como metas a serem alcançadas pelo seu
projeto em determinado horizonte temporal.
Os objetivos da pesquisa dividem-se em “objetivo geral” e “objetivos especí-
ficos”. Você deve formular apenas um objetivo geral e ele deve traduzir o principal
foco de interesse de sua pesquisa.

EXEMPLO
Vejamos, seguindo o recorte temático de nossa hipotética pesquisa de vitimização:

Objetivo Geral
Identificar a influência de fatores individuais (adesão dos próprios policiais a condutas
consideradas de risco), contextuais (características da área operacional em que atuam) e
institucionais (equipamentos, modalidades de policiamento, escalas de serviço etc.) sobre a
maior ou menor exposição dos agentes à vitimização.

Objetivos Específicos
• Identificar os possíveis efeitos da adoção do Regime Adicional de Serviço (RAS), o
Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis), bem como os efeitos da ado-
ção das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) na dinâmica de vitimização policial.
• Identificar o perfil do policial vitimado.
• Identificar as circunstâncias de vitimização.
• Contribuir com sugestões para o aprimoramento dos processos de coleta e sistematização
de dados sobre vitimização de policiais.

Deu para perceber a diferença entre tema e objetivo geral? O tema delimita
o seu universo pesquisado. Você não vai estudar toda e qualquer “vitimização”,
em qualquer tempo e em qualquer lugar. Você delimita seu universo de interesses.
O objetivo geral, por sua vez, é aquilo que, dentro de certo recorte, se pretende
levantar sobre o fenômeno. Trata-se do que se quer saber a partir da realização de
uma pesquisa científica sobre o tema escolhido.

capítulo 3 • 56
Os objetivos específicos da pesquisa são desdobramentos do objetivo
geral. Escritos também de forma direta e com verbos no infinitivo, os objetivos
específicos são a expressão de metas subsidiárias, que ou complementam, ou
ajudam a aferir o que se busca aferir a partir da formulação do objetivo geral.

Aqui, em nosso exemplo, temos uma mistura equilibrada de objetivos especí-


ficos que auxiliam a aferição do objetivo geral (perfil do policial e circunstâncias de
vitimização) e de outros que complementam os propósitos gerais da pesquisa (os
possíveis efeitos de políticas implantadas pelo governo no período e a importância
da pesquisa para a formulação de políticas públicas).
Compreendeu a diferença? Bom, falemos agora da próxima etapa da constru-
ção de um projeto de pesquisa (e da própria pesquisa em si, claro).

A construção do embasamento teórico: levantamento preliminar

Tipos de bibliografia

A construção do embasamento ou da discussão teórica de uma pesquisa


começa e está intimamente conectada com os levantamentos bibliográfico e docu-
mental realizados na fase preliminar de construção do seu projeto.
Por meio de um bom e exaustivo levantamento preliminar, você deve tomar con-
tato com o universo de bibliografias publicadas sobre a sua área de interesse temático.
Podemos dividir, para fins didáticos, essas bibliografias em específicas e genéricas.

capítulo 3 • 57
EXEMPLO
Bibliografia Específica
• DE SOUZA MINAYO, Maria Cecília; DE SOUZA, Edinilsa Ramos. Missão investigar: entre
o ideal e a realidade de ser policial. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2003.
• DE SOUZA MINAYO, Maria Cecília; DE SOUZA, Edinilsa Ramos; CONSTANTINO, Patrícia.
Missão prevenir e proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: SciELO; Editora FIOCRUZ, 2008.

CONEXÃO
Retomando o nosso exemplo anterior, uma bibliografia específica sobre o
tema da “vitimização policial” pode ser encontrada nos trabalhos das professoras
Cecília Minayo e Edinilsa Ramos, do Centro Latino-Americano de Estudos de
Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
disponível em: http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/departamento/claves.

Além da bibliografia específica, você pode identificar, inclusive, que alguns


trabalhos científicos que não versam sobre o seu objeto especificamente podem ser
complementares a ele, trazendo questões interessantes para a sua caracterização.
Essa bibliografia complementar é importante para que você não caia na arma-
dilha de tratar o seu interesse de pesquisa como algo restrito, quando, na verdade,
ele é uma característica compartilhada com outros objetos e fenômenos.

EXEMPLO
Bibliografia Complementar:
• DESLANDES, Suely Ferreira. Violência no cotidiano dos serviços de emergência:
representações, práticas, interações e desafios. 2000. Tese (Doutorado em Saúde Públi-
ca)--Instituto Fernandes Figueiras, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2000.
• SOUZA, Aparecida Neri de; LEITE, Marcia de Paula. Condições de trabalho e suas reper-
cussões na saúde dos professores da educação básica no Brasil. Educação & Sociedade,
Campinas, v. 32, n. 117, p. 1105-1121, dez. 2011.

capítulo 3 • 58
Por exemplo, é conhecido que um dos efeitos da exposição de algumas cate-
gorias profissionais a elevados riscos laborais e situações-limite em seu dia a dia
produz um tipo de reação em resposta à extenuação diária de sua vida emocional.
Para evitar um colapso nervoso, talvez inconscientemente, esses profissionais de-
senvolvem uma série de barreiras psicológicas, o que pode se desdobrar em uma
perigosa falta de empatia e de identificação com os dramas alheios.
Esse seria o caso, por exemplo, de professores e de profissionais de saúde que
fazem atendimentos de emergência, o que torna a leitura desses trabalhos um
recurso interessante para refletir sobre aspectos de seu próprio objeto de pesquisa
– no caso do nosso exemplo, a “vitimização policial”.
Por fim, mas não menos importante, há também aquilo que podemos
chamar de bibliografias genéricas ou teóricas. Elas não tratam, necessaria-
mente, do seu objeto de pesquisa. Isso não é um problema. Você pode en-
contrar, entretanto, trabalhos teóricos que têm como base empírica ou como
preocupação principal o seu tema de pesquisa. Melhor! Mas isso não é um
pré-requisito imprescindível.

Sua característica eminentemente teórica faz dessas bibliografias a base do que


chamamos aqui de discussão ou embasamento teórico do seu trabalho monográfico.

Seguindo o exemplo anterior, para falarmos sobre essa característica do


trabalho policial que é a extenuação dos sentidos e dos sentimentos devido
à experiência cotidiana de um amplo espectro de situações, que vão desde
aquelas mais frugais (pedidos de informação, assistência à população etc.) às
mais dramáticas (uma troca de tiros, violências etc.), um importante sociólo-
go chamado Georg Simmel (1973, p. 16) nos fala das características da “vida
mental” das grandes cidades.

capítulo 3 • 59
A atitude blasé resulta em primeiro lugar dos estímulos contrastantes que,
em rápidas mudanças e compressão concentrada, são impostos aos nervos.
Disso também parece originalmente jorrar a intensificação da intelectualidade
metropolitana. Portanto, as pessoas estúpidas, que não têm existência intelectual,
não são exatamente blasé. Uma vida em perseguição desregrada ao prazer torna
uma pessoa blasé porque agita os nervos até seu ponto de mais forte reatividade
por um tempo tão longo que eles finalmente cessam completamente de reagir.
Da mesma forma, através da rapidez e contraditoriedade de suas mudanças,
impressões menos ofensivas forçam reações tão violentas, estirando os nervos
tão brutalmente em uma e outra direção, que suas últimas reservas são gastas;
e, se a pessoa permanece no mesmo meio, eles não dispõem de tempo para
recuperar a força. Surge assim a incapacidade de reagir a novas sensações
com a energia apropriada. Isso constitui aquela atitude blasé que, na verdade,
toda criança metropolitana demonstra quando comparada com crianças de
meios mais tranquilos e menos sujeitos a mudanças.

A discussão de Simmel não é exatamente sobre a atividade policial,


como se pode depreender do parágrafo transcrito. Seu interesse recai sobre
o que chamou de “atitude blasé”, um fenômeno eminentemente ligado à
vida emocional, mas que, devido a sua representatividade na constituição
psicológica dos sujeitos e no estilo de vida citadino, ganha uma relevância
sociológica significativa.
O policial, como figura típica das grandes metrópoles, experiência, de forma
dramática, as consequências emocionais de sua imersão nesse estilo de vida, que é,
por sua vez, intensificada pela natureza de suas funções.
Talvez por isso seja bastante comum nas polícias de todo o mundo uma dife-
renciação entre a “polícia do interior” e a “polícia da capital”. No interior, devido
ao estilo de vida mais tranquilo e ao fato de o “controle social primário” – aquele
produzido pela própria convivência em pequenas comunidades – ser bastante for-
te, o policial desenvolve outras estratégias operativas e tem outra relação com a
população. Na capital, o anonimato, as fontes exponenciais de risco e a velocidade
dos acontecimentos produzem certo afastamento físico e emocional do policial em
relação à população policiada.
Conseguiu perceber a diferença entre os três tipos de bibliografias que podem
compor a sua discussão teórica? Fizemos uma divisão um tanto arbitrária, mas que

capítulo 3 • 60
– pelo menos é o que imaginamos – pode auxiliar o(a) aluno(a) na organização do
seu levantamento bibliográfico, dando pistas também de como utilizá-lo.
Vejamos agora outra parte muito importante da construção de sua discussão
ou embasamento teórico: a leitura da bibliografia.

Leitura e análise textual

“Ler”, “compreender” e “analisar” são coisas completamente diferentes. Todas


fazem parte do processo de construção do embasamento ou discussão teórica de
uma pesquisa ou trabalho monográfico, mas, obviamente, são dimensões diferen-
tes do empreendimento científico.
Saber ler é algo muito importante nesse processo. Parece uma coisa óbvia,
mas muitas pessoas não atentam para isso. Ler muito também é fundamen-
tal. Lendo você aprende não só sobre o conteúdo do texto, mas aprende a
produzir textos. Aprende a escrever! Cada gênero textual tem o seu “estilo”,
pode-se dizer. Um romance, um relatório técnico, um trabalho monográfico,
todos têm uma linguagem, uma estrutura diferenciada. E você só apreende
essas regras de construção textual tendo contato com essas leituras de forma
reiterada e regular.
A leitura com vistas à construção de uma discussão teórica não é uma
leitura frugal. Ela é direcionada e busca produzir uma compreensão profunda
acerca das ideias e dos argumentos de um determinado autor ou texto com a
finalidade última de aplicá-los à discussão teórica de sua pesquisa ou de seu
trabalho monográfico.
Enfim, para que você possa passar de uma “simples leitura” à “compreensão”
de um texto, temos algumas dicas bastante interessantes para você.
Esperamos que essas dicas de leitura sejam um bom começo para que vocês
encontrem seu próprio método de leitura e sua compreensão textual.

capítulo 3 • 61
Aqui vão algumas dicas para uma leitura compreensiva:
1. Leia o texto mais de uma vez! Na primeira leitura, procure não sublinhar nada
ainda. Apenas tente atingir uma apropriação geral da discussão do autor.
2. Sempre que necessário, recorra ao dicionário! Não deixe passar sentidos
de palavras incompreendidos. Use um dicionário comum, mas recorra também a
dicionários especializados, que trazem a definição de conceitos e categorias de um
determinado campo científico (Dicionário de Sociologia).
3. Interaja com o texto! Numa segunda leitura, sublinhe os conceitos e argumentos
mais importantes do autor; escreva nas laterais do texto, colocando questões e
lembretes relacionados ao seu interesse de pesquisa, comentários etc.
4. Construa um sistema de marcações! Se você sublinhar todo o texto, depois
fica difícil perceber os argumentos e conceitos mais importantes. Você pode
trabalhar com um sistema de cores, com sublinhado simples e sublinhado duplo,
utilizar um iluminador para destacar os conceitos. O importante é que, por meio
dessas marcações, você consiga navegar pelo texto e encontrar nele o que é
importante para a sua compreensão profunda.
5. Faça um estudo dirigido de cada texto! Não é exatamente um fichamento. Está
mais para uma ficha catalográfica, uma forma resumida de se apropriar das ideias
de um autor e armazená-las de forma organizada para uma utilização posterior. É
importante que esse estudo contenha (dentre outras dimensões que você entenda
interessantes): a definição dos principais conceitos contidos no texto; uma itemização
do desenvolvimento do argumento; os referenciais teóricos utilizados pelo autor;
seus “espantalhos teóricos”, ou seja, as linhas de pensamento e autores dos quais se
afasta ou crítica; uma espécie de fichamento ou resumo estendido do texto. Nesse
estudo dirigido, procure indicar as páginas de onde você extraiu trechos de texto e
conceitos. Isso facilita, posteriormente, quando você tiver um maior volume de leituras
acumuladas, na utilização do estudo dirigido para construir a sua discussão teórica
sem que seja preciso reler toda a bibliografia selecionada para a sua monografia.
6. Faça uma pesquisa sobre o autor! Geralmente, a biografia dos autores se
relaciona fortemente com seus interesses de pesquisa. Descubra a que escolas e
centros acadêmicos o autor se filia ou se filiou, quais outras discussões e conceitos
são importantes para compreendê-lo. Você vai perceber o quanto essa pesquisa
pode te ajudar a compreender e aplicar o texto às suas análises com mais facilidade.

capítulo 3 • 62
Vamos agora falar da etapa seguinte desse processo, a “análise”, ou seja, a cons-
trução da discussão ou do embasamento teórico propriamente dito.

Construindo seu embasamento teórico

Construir o embasamento da sua pesquisa, monografia, do seu artigo etc. não é


tarefa fácil. Talvez seja das mais difíceis, mas não se atemorize. Queremos antecipar
para você uma dificuldade para que não a menospreze e possa, assim, se preparar
adequadamente para enfrentá-la.
O primeiro passo importante nesse sentido nós já percorremos: o desenvol-
vimento de um método de leitura compreensiva da bibliografia levantada sobre o
seu tema. Sem compreender os autores, fica quase impossível utilizá-los – ou pelo
menos utilizá-los de forma adequada.

Bom, comecemos pelo elementar. O embasamento ou a discussão teórica de um


trabalho científico consiste na construção de leituras possíveis para o seu material
empírico a partir de discussões teóricas formuladas por outros autores.

E aí reside a grande dificuldade dessa etapa… Encontrar um autor ou um con-


junto de autores (normalmente reunidos em torno de uma “escola”, nesse caso)
cujos conceitos sejam “aplicáveis” ao que você observa em sua pesquisa. Você pro-
vavelmente deve estar pensando...

“Por que eu deveria procurar outro autor para falar


sobre algo que eu observo na minha pesquisa”?

Boa pergunta.
O campo acadêmico tem uma série de regras e etiquetas que servem à vali-
dação do conhecimento produzido como um conhecimento de cunho (ou que
mereça a alcunha de) “científico”. Michel Foucault chama isso de “campos discur-
sivos”. Cada campo discursivo tem suas regras de produção de discursos válidos
ou validáveis (verdadeiros, em última instância). O discurso religioso, o estético, o
científico – todos têm suas regras de produção.

capítulo 3 • 63
Sabe-se que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em
qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. [...]

É sempre possível dizer o verdadeiro no espaço de uma exterioridade selvagem;


mas não nos encontramos no ‘verdadeiro’ senão obedecendo às regras de uma
‘polícia discursiva’ que devemos reativar em cada um de nossos discursos.
(FOUCAULT, 1996, p. 35).

Em tese, você poderia falar tudo sobre seu próprio trabalho de pesquisa. Quem
melhor para saber de suas minúcias e especificidades? Entretanto, as coisas não são
bem assim. A escrita de uma monografia é apenas uma “iniciação”, digamos assim,
à prática científica. Somos “neófitos” da produção de conhecimento. Mesmo no
mestrado e no doutorado precisamos buscar o auxílio de autores e de teorias mais
consolidadas em nosso campo disciplinar ou temático para “ler” (analisar) os nos-
sos dados e agregar respeitabilidade aos nossos resultados.
Nossa habilidade em utilizar esses autores e teorias também conta muito para
a respeitabilidade de nossos trabalhos! Para isso, já vimos que é fundamental que
desenvolvamos – e esperamos ter ajudado nesse sentido – nossas próprias estraté-
gias de leitura compreensiva.
Tomemos, como exemplo, a construção do embasamento teórico para os nos-
sos próprios argumentos. Percebeu a maneira como o filósofo Michel Foucault e
sua obra A ordem do discurso foram acionados para nossa discussão sobre a necessi-
dade de se construir um “embasamento teórico” para o conhecimento?
O que queremos dizer é que você precisa lançar mão desse recurso – de um
“embasamento teórico” – em sua monografia. Ao utilizarmos Foucault, nossa re-
comendação ganha respeitabilidade e validação científica conforme lançamos mão
de um autor reputado que corrobora nosso ponto de vista como um “ponto de
vista válido”, “verdadeiro”. Compreendeu um pouco melhor como funciona essa
espécie de “regra” de organização do campo científico?
Você pode encontrar um ou vários autores para estruturar a sua discussão
principal e outros tantos para citar de forma secundária ou periférica. Essa distin-
ção também é bem importante. Para encontrar o ponto de distinção entre esses

capítulo 3 • 64
dois tipos de referência teórica, você precisa, em primeiro lugar, definir qual o fio
condutor da sua análise. Em outras palavras. Você precisa olhar para o seu material
empírico e identificar o que ele “diz” de mais importante. Qual a sua principal
contribuição para o campo científico.

ATENÇÃO
Um conselho importante. Na verdade, dois. Primeiro, se você fez alguma pesquisa em-
pírica, parta do que você viu, ouviu e/ou levantou para então buscar um ou mais autores
para construir sua linha de argumento principal. Não “encaixote” a sua empiria a serviço de
nenhuma conveniência teórica. Busque o melhor encontro entre “teoria” e “prática”, sempre.
Segundo conselho: construa uma interlocução sólida e constante com seu orientador
ou com a pessoa responsável pelo alinhamento metodológico do seu trabalho. Contar com
profissionais mais experientes ajuda bastante nessa hora crucial da produção do conheci-
mento científico. Afinal, como em todo e qualquer ofício, “produzir ciência” se aprende com
a prática reiterada e a vivência cotidiana das regras e técnicas do campo científico.

A redação do projeto de pesquisa: ética e legitimidade do saber

Caracterização do problema

Até o momento, falamos da pesquisa apenas em suas instrumentalidades


técnicas: delimitação de tema, formulação da discussão teórica, recorte do
objetos e objetivos. Isso, entretanto, não é tudo que se pode dizer e pensar
sobre a produção do conhecimento científico. Cabe a nós, agora, abordar uma
discussão um tanto delicada, mas essencial para a sua inserção nesse “mun-
do” da pesquisa científica: os limites éticos da produção de conhecimento e
sua validação.
Algumas situações – pelo menos assim esperamos – nos parecem inequivo-
camente antiéticas em termos de pesquisas e experimentos realizados sob o ar-
gumento do “progresso científico”. Provavelmente é do conhecimento de vocês
que durante a Segunda Guerra Mundial (1939–1945) vários experimentos foram
realizados por médicos nazistas com prisioneiros dos campos de concentração
alemães. O mais famoso protagonista desses experimentos nefastos foi o médico
alemão Josef Mengele, conhecido como “O Anjo da Morte”.

capítulo 3 • 65
Josef Mengele, “O Anjo da Morte

No infame campo de concentração de Auschwitz, sob o abrigo da Alemanha


nazista, que financiava e estimulava seus experimentos, Josef Mengele cometeu
uma série de atrocidades em nome do desenvolvimento científico do III Reich.
Oficial-chefe da enfermaria do campo de concentração mais famoso da história, a
principal missão de Mengele era produzir justificativas científicas para a ideologia da
“supremacia branca-ariana” e viabilizar ferramentas mais eficazes para o extermínio
das populações aprisionadas nos campos nazistas.
O “Anjo da Morte” trabalhou empenhadamente, por exemplo, no desenvolvimento
de técnicas de esterilização em massa como solução definitiva para a “questão
judaica”. Além disso, realizou experiências bizarras, como a tentativa de mudar a cor
da íris de seus “pacientes” por meio da injeção de substâncias químicas em seus
olhos – cegando-os, obviamente – e a tentativa de produzir gêmeos siameses por
meio da união de veias e artérias em crianças.

Você provavelmente agora deve estar pensando: “mas é claro, a Alemanha da


Segunda Guerra era um regime autoritário, nesse contexto não se pode esperar
uma conduta ética dos algozes do extermínio, apenas crueldade pura e simples”.

capítulo 3 • 66
Sim, é verdade! O fato de que na Alemanha, à época, havia um regime autoritário
vigente faz toda a diferença para entendermos o que está em jogo na constru-
ção dos limites éticos do conhecimento científico. A eclosão da Segunda Guerra
apenas agravou esse quadro, produzindo um tipo de legitimação da conduta dos
“cientistas” alemães frente aos propósitos ideológicos do regime nazista.
Outro caso bastante famoso desse período foi o debate suscitado pela produ-
ção da chamada bomba atômica depois do bombardeio, pelos Estados Unidos, das
cidades de Hiroshima e Nagasaki.

Cogumelo atômico

Pesquisadores responsáveis pelo então chamado “Projeto Manhattan”, consi-


derados os “pais” da “bomba H” (bomba de hidrogênio), os físicos Edward Teller
e Andrei Sakharov são a verdadeira encarnação dos debates sobre os limites e com-
promissos éticos dos pesquisadores com os resultados de suas pesquisas e com os
métodos aplicados para sua validação.

capítulo 3 • 67
Depois dos bombardeiros no Japão – ocorridos em agosto de 1945, já quase
no final da Segunda Guerra –, Sakharov tornou-se um ferrenho defensor do fim
dos testes nucleares e militou contra a instauração de regimes ditatoriais que uti-
lizavam a tecnologia atômica como instrumento de poder para sua inserção na
geopolítica mundial. Teller, por sua vez, defendeu até a sua morte, em 2003, a
importância de sua descoberta.
Em entrevista à revista Pesquisa FAPESP (2002), sobre a ética na pesquisa
científica, Teller afirmou:

Nunca me interessei em ver fotos dos impactos em Hiroshima


e Nagasaki. O meu trabalho era construir a bomba, fazer a
ciência progredir. O que se fez com as minhas descobertas
não me diz respeito.

Claro que Teller sempre foi bastante criticado por esse ponto de vista sobre os
reflexos éticos de suas pesquisas científicas, em especial no que se refere à tecnolo-
gia utilizada na construção da “bomba atômica”.
É conhecido também o drama ético de Albert Einstein, cuja famosa fórmula
para o cálculo da massa relativa, E = mc2, foi crucial para os trabalhos do Projeto
Manhattan. Mesmo não envolvido diretamente no projeto da bomba – uma vez
que Einstein era um conhecido pacifista –, ele, entretanto, sentiu-se eticamente
envolvido em suas consequências nefastas para a geopolítica mundial. Postura dia-
metralmente oposta a de Edward Teller.
O que você pensa sobre o posicionamento de Teller, Sakharov e Einstein? Você
acha que o cientista não tem obrigação alguma de refletir a respeito dos impactos
de seus estudos sobre a sociedade? Ao fim e ao cabo, parece que a explicação para
os posicionamentos diversos entre os autores caberia, unicamente, a valores e es-
colhas de cunho pessoal...
Bom, em última instância, sim, a “consciência moral” do próprio pesquisador
é o reduto final da ética em suas pesquisas. Suas crenças pessoais e sua adesão
voluntária a princípios compartilhados de conduta profissional são a mais eficaz
medida de controle sobre os métodos que o pesquisador escolhe aplicar em suas
investigações e sobre suas consequências para a sociedade e para os próprios su-
jeitos envolvidos. Entretanto, isso não dispensa a necessidade de mecanismos e
órgãos que concentrem essa função.

capítulo 3 • 68
Tomaremos contato com as instituições e institutos de controle das pesquisas
científicas e com o debate em torno da adequação dos parâmetros éticos das “pes-
quisas envolvendo seres humanos” no Brasil um pouco mais adiante.

LEITURA
SAKHAROV, Andrei. Memórias. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Saraiva, 1992.
TELLER, Edward. Memoirs: A Twentieth-Century Journey in Science and Politics. New
York: Basic Books, 2002.
VIEIRA, Cássio Leite. Einstein, o reformulador do universo. São Paulo: Odysseus
Editora, 2003.

Enfim, em todo caso, é claro que se pode afirmar que, nos exemplos citados,
os países envolvidos estavam sob a égide de um “regime totalitário” (inicialmente
eleito, mas de contornos autoritários, como no caso da chamada “Alemanha na-
zista”) ou em guerra – ou as duas coisas ainda. Essa situação deve ser considerada,
uma vez que ela dá o pano de fundo para uma série de debates de natureza ética,
incluindo aí a ética na pesquisa científica.
Os exemplos dramáticos da “Alemanha nazista” ou do “esforço de guerra
norte-americano”, entretanto, nos ajudam a refletir sobre uma primeira cons-
tatação acerca da discussão dos limites éticos da ciência: a delimitação das
fronteiras éticas do conhecimento tem uma relação muito forte com o
modelo político e a organização da sociedade em que essa atribuição de li-
mites acontece. Veremos por que mais adiante, quando discutirmos a relação
filosófica entre a moral e a ética.
Mas o que dizer de países que não estão em guerra ou sob a influência de qual-
quer regime totalitário? Que dizer de experimentos controversos adotados única e
simplesmente em nome do “progresso das ciências”?
Na década de 1960, também nos Estados Unidos, o médico Eugene Saenger,
um dos pais fundadores da chamada Medicina Nuclear, expôs noventa pacientes
portadores de câncer à radiação com a expectativa de curá-los.
O que agregava um elemento a mais no já controverso método de Saenger é
que o Pentágono financiava suas pesquisas com o intuito de compreender melhor
a resistência humana aos efeitos da radiação. Além disso, a grande maioria de suas
“cobaias” vinha de camadas pobres e guetos negros norte-americanos – pessoas

capítulo 3 • 69
que, pela falta de condições financeiras, não tinham acesso facilitado a tratamen-
tos talvez mais adequados.

CURIOSIDADE

Marrie Curie e Pierre Currie em seu laboratório

O casal Pierre e Marie Curie foi responsável pela descoberta do rádio e do po-
lônio. Marie, ganhadora de um Nobel de Física e um de Química, morreu devido
à grande exposição a elementos radioativos. Os cadernos que utilizava em seus
experimentos são, até hoje, considerados material radioativo.

Em sua defesa, Eugene Saenger alegou que todos os pacientes tinham consentido
a aplicação de radiação durante as sessões de “tratamento” de câncer.
Sim, a questão do consentimento é crucial para a realização de qualquer pes-
quisa envolvendo seres humanos. Mas será que essas pessoas tinham plena cons-
ciência dos possíveis efeitos da radioatividade em seus organismos? Você não acha
que o fato de essas pessoas serem “vulneráveis” financeiramente não poderia preju-
dicar as condições de “autonomia” de sua vontade, uma vez que não tinham acesso
a tratamento apropriado?
E o financiamento do Pentágono? Não colocaria em xeque a afirmação de
“objetivos científicos” para o experimento de Saenger? A afirmação de propósitos

capítulo 3 • 70
nobres, como a “cura do câncer”, é suficiente para justificar a aplicação desse
tipo de metodologia?
Esta última pergunta é filosófica e existencialmente importante:

Será que realmente “os fins justificam os meios”?


O famigerado “avanço científico” pode ocorrer
livre de considerações e limites éticos?

Aderir a esse tipo de visão de mundo utilitarista é decretar a morte dos princípios,
é afirmar a impossibilidade da virtude, seja na vida, seja na produção do conhecimento
científico. São os “meios” que nos definem, dizendo algo sobre quem somos, como pes-
soas e como organização social. Os “meios” são a encarnação dos limites do que é moral-
mente aceitável e inaceitável e nos fazem refletir, inclusive, sobre as relações de poder em
nossa sociedade e as formas como influenciam e são influenciadas por nossas pesquisas.

Sobre moral, ética e conhecimento científico

Comecemos esta parte de nossa discussão com uma anedota histórica.


Em 1884, dom Pedro II, imperador do Brasil, teria recebido uma carta de
Louis Pasteur, renomado cientista francês que, à época, revolucionava as ciências
químicas e médicas com métodos como o processo de pasteurização e descobertas
de micro-organismos implicados na manifestação de uma série de doenças. Enfim,
Pasteur escreve a dom Pedro pedindo que o autorize a realizar experimentos de
aplicação de vacina antirrábica em prisioneiros sentenciados à morte no Brasil.
Ao que parece, no contrato proposto por Pasteur, havia uma arrazoado de
justificativas – que podem ser ditas “humanitárias” para a época – afirmando que,
em contrapartida à sua exposição a uma vacina experimental, caso sobrevivessem,
os presos poderiam ganhar sua liberdade e desfrutá-la como bem entendessem.
Dom Pedro II negou o pedido, mas apenas em parte. Em vez da vacina
antirrábica, o imperador propôs substituí-la pela vacina de febre amarela, uma
vez que se mostrava mais útil da perspectiva do interesse dos bons cidadãos do
império brasileiro.
Essa singela anedota consta do registro de documentos históricos que deu ori-
gem ao Código de Nuremberg, um conjunto de princípios éticos suscitados a partir
da indignação da comunidade internacional durante os julgamentos dos crimes de

capítulo 3 • 71
guerra nazistas provocada, em especial, pelos bizarros relatos de pesquisas desenvol-
vidas pelo III Reich, como as de Josef Mengele, mencionadas no tópico anterior.
Ela encena, mesmo que brevemente, questões centrais para o debate sobre a
ética nas pesquisas científicas.

Os 10 Princípios do Código de Nuremberg


1. O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso
significa que a pessoa envolvida deve ser legalmente capacitada para dar o
seu consentimento; tal pessoa deve exercer o seu direito livre de escolha, sem
intervenção de qualquer um desses elementos: força, fraude, mentira, coação,
astúcia ou outra forma de restrição ou coerção posterior; e deve ter conhecimento
e compreensão suficientes do assunto em questão para tomar sua decisão.
Esse último aspecto requer que sejam explicados à pessoa a natureza, duração
e propósito do experimento; os métodos que o conduzirão; as inconveniências
e riscos esperados; os eventuais efeitos que o experimento possa ter sobre a
saúde do participante. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do
consentimento recaem sobre o pesquisador que inicia, dirige ou gerencia o
experimento. São deveres e responsabilidades que não podem ser delegados a
outrem impunemente.
2. O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a sociedade,
os quais não possam ser buscados por outros métodos de estudo, e não devem ser
feitos casuística e desnecessariamente.
3. O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação animal e
no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo, e os
resultados conhecidos previamente devem justificar a experimentação.
4. O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e danos
desnecessários, físicos ou mentais.
5. Nenhum experimento deve ser conduzido quando existirem razões para acreditar
numa possível morte ou invalidez permanente; exceto, talvez, no caso de o próprio
médico pesquisador se submeter ao experimento.
6. O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância humanitária do
problema que o pesquisador se propõe resolver.
7. Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do
experimento de qualquer possibilidade, mesmo remota, de dano, invalidez ou morte.

capítulo 3 • 72
8. O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas cientificamente
qualificadas. Deve ser exigido o maior grau possível de cuidado e habilidade, em
todos os estágios, daqueles que conduzem e gerenciam o experimento.
9. Durante o curso do experimento, o participante deve ter plena liberdade de se
retirar, caso sinta que há possibilidade de algum dano com a sua continuidade.
10. Durante o curso do experimento, o pesquisador deve estar preparado para
suspender os procedimentos em qualquer estágio, se ele tiver razoáveis motivos
para acreditar que a continuação do experimento causará provável dano, invalidez
ou morte para o participante.

Um primeiro dado importante sobre o código: muito embora seja um docu-


mento de referência histórica para a discussão sobre ética na pesquisa com seres
humanos, sua confecção foi inspirada majoritariamente pelos “experimentos”
das ciências médicas e biológicas, seus objetivos e métodos.
Um segundo ponto de destaque pode ser dado à origem da ideia do que
chamamos hoje de “consentimento livre e esclarecido”. Amplamente utilizado,
tanto pelas ciências médicas e biológicas como pelas ciências sociais e humanas,
o “termo de consentimento” é um documento que explicita todos os aspectos
técnicos da pesquisa (objetivos, métodos etc.), os riscos implicados (biológicos,
emocionais, sociais), bem como os compromissos éticos do pesquisador em re-
lação aos sujeitos pesquisados (manutenção do anonimato, cobertura de custos
logísticos, eventuais retribuições pela participação na pesquisa etc.).
As universidades – grande parte delas, na verdade – têm seus próprios mode-
los de “termo de consentimento”. Além disso, em vários aspectos, o conteúdo do
documento deve ser adaptado para incluir dimensões técnicas e éticas específicas
aos objetos e objetivos de cada pesquisa.

EXEMPLO
Vejamos um exemplo:
Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), do estudo/pesquisa intitu-
lado(a) ______________, conduzido(a) por [nome do pesquisador responsável].
Este estudo tem por objetivo [descreva aqui, com clareza, os objetivos da pesquisa].
Você foi selecionado(a) por [critério de seleção dos sujeitos do estudo, esclarecido de
forma acessível]. Sua participação não é obrigatória. A qualquer momento, você poderá desistir

capítulo 3 • 73
de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa, desistência ou retirada de consentimento
não acarretará prejuízo.
[Explique e descreva, neste parágrafo, os possíveis riscos da participação no estudo,
mesmo mínimos. Informe também que a participação não é remunerada nem implicará
em gastos para os participantes. Se pertinente, acrescente que eventuais despesas
de participação, como passagem, podem ser custeadas ou ressarcidas pela pesquisa]
Sua participação nesta pesquisa consistirá em [detalhe aqui a metodologia da pes-
quisa de forma adequada e compreensível ao público-alvo, incluindo local de reali-
zação das entrevistas, sua duração, quem as fará, quem estará presente, conteúdo
das entrevistas, entre outras informações relevantes, como se haverá registro de
áudio, de vídeo ou imagem].
Os dados obtidos por meio desta pesquisa serão confidenciais e não serão divulgados
em nível individual, visando a assegurar o sigilo de sua participação. [Caso haja necessida-
de, reforce as medidas de segurança para a manutenção do sigilo de participação.]
O pesquisador responsável se comprometeu a tornar públicos nos meios acadêmicos e
científicos os resultados obtidos de forma consolidada sem qualquer identificação de indiví-
duos [ou instituições] participantes.
Caso você concorde em participar desta pesquisa, assine ao final deste documento,
que possui duas vias, sendo uma delas sua, e a outra, do pesquisador responsável/coor-
denador da pesquisa.
Seguem os telefones e o endereço institucional do pesquisador responsável e do Comitê
de Ética em Pesquisa – CEP, onde você poderá tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua par-
ticipação nele, agora ou a qualquer momento.
Contatos do pesquisador responsável: [insira aqui nome, cargo, endereço postal,
eletrônico e telefones pessoal e institucional do pesquisador responsável, de modo
a facilitar a comunicação].
Caso você tenha dificuldade em entrar em contato com o pesquisador responsável, comuni-
que o fato à Comissão de Ética em Pesquisa da [nome da universidade]: [endereço e contato].
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa,
e que concordo em participar.
[Data]
[Assinaturas do pesquisador, do pesquisado, do coordenador ou orientador
da pesquisa.]
Fonte: http://www.sr2.uerj.br/sr2/coep/downloads/Modelo_TCLE.pdf

capítulo 3 • 74
Uma terceira, mas não menos importante consideração sobre os princípios
do “Código de Nuremberg” – e que nos remetem também ao conteúdo de nossa
anedota histórica do início desta seção – é a relação entre os benefícios sociais e
humanitários dos experimentos e os limites impostos aos métodos adotados e os
riscos assumidos pelos participantes.

Mas como definimos esse limite entre benefícios


e riscos envolvidos nas pesquisas?

Como podemos evitar reproduzir, em nossas pesquisas, as assimetrias e injustiças pre-


sentes em nossa sociedade? No exemplo da troca de cartas entre Pasteur e dom Pedro II, os
presos condenados à morte são tratados como uma classe de pessoas que aparentemente
podem ser “sacrificadas em nome da ciência”, assim como os judeus e outros povos no
exemplo dos experimentos de Mengele nos campos de concentração nazistas.
Segmentos menos abastados e estigmatizados podem tornar-se vítimas de experimen-
tos e pesquisas que aplicam métodos cruéis em razão de sua condição social desprivilegiada,
como no caso dos próprios apenados, na história de Pasteur, mas também, no passado, das víti-
mas do chamado “mal de Hansen”, conhecido popularmente como “lepra”, ou de pacientes psi-
quiátricos abandonados por suas famílias nas antigas instituições manicomiais de internação.

CURIOSIDADE

Nise da Silveira

A psiquiatra brasileira Nise da Silveira, nas décadas de 1970 e 80, se notabilizou pela luta
contra a aplicação de “tratamentos” como eletrochoques, o choque insulínico e a amarração de

capítulo 3 • 75
pacientes internados em instituições manicomiais. Nise considerava essas técnicas cruéis e de-
sumanas, perspectiva que muitos de seus colegas cientistas à época não compartilhavam.
Os posicionamentos de Nise da Silveira foram retratados, por ela mesma, no belíssimo
livro Imagens do inconsciente, obra que também foi objeto de um documentário homônimo.
O livro Nise da Silveira, caminhos de uma psiquiatria rebelde, de Luís Carlos Mello, também é
uma boa referência. Sua luta foi objeto também da produção cinematográfica Nise, o coração
da loucura, com Glória Pires (2015).

Enfim, para situarmos essa discussão teoricamente, cabe uma passagem bem
rápida pela discussão filosófica da relação entre “ética” e “moral”.
Muito embora sejam conceitos bastante distintos, “ética” e “moral” são como
interfaces de uma mesma moeda. Afirma-se, desde a Antiguidade, que a “ética” é
uma espécie de reflexão sobre a “moral”. Mas o que é a “moral”, então?

CONCEITO
Bem, pode-se dizer que “moral” são valores, costumes e tradições que orientam os juízos
e a ação em sociedade de um determinado agrupamento humano, em um tempo histórico
igualmente determinado (NOSELLA, 2008).

Bom, e o que isso tem a ver com a história que abre a discussão desta nossa
seção, bem como em todas as demais?
“Elementar!”, diria o famoso personagem de Arthur Conan Doyle, o detetive
Sherlock Holmes. Vamos lá! Se os princípios éticos são subprodutos de um pro-
cesso crítico de reflexão sobre os valores da sociedade, nada mais esperado que essa
“ética” reflita, de diversas maneiras, o momento histórico e as configurações do
contexto social em que ela é formulada.
Ou seja, as ideias sobre o que é aceitável ou não – os limites éticos da sociedade
e da prática científica, consequentemente – mudam histórica e sociologicamente.
O que significava ser “humanitário” na proposta de Pasteur era dar dignidade aos
últimos dias de homens condenados a morrer. Sua morte – que, podia-se dizer, era
quase um destino inevitável – não ocorreria em vão, mas em nome do “progresso
científico” e do “bem-estar da sociedade”, do “interesse público” etc. Só não sabe-
mos se os presos concordariam muito com essa premissa...

capítulo 3 • 76
Além disso, esses “limites” estão muito ligados, como já mencionamos, à for-
ma como a sociedade se organiza para administrar os seus conflitos e debater
questões de interesse público.
Em regimes ditatoriais/autoritários, a afirmação de um ponto de vista ético,
seja para a organização de um campo profissional, seja para o campo científico,
tem mais relação com a proximidade de pessoas e grupos dos centros de poder da
sociedade do que com qualquer debate sobre valores e sua expressão ética.
Registros históricos mostram que, quando foram revelados os horrores de Auschwitz
e dos experimentos conduzidos pelo famigerado “Anjo da Morte”, o povo alemão –
grande parte alijada da real dimensão dos investimentos do III Reich na “solução final”
para o extermínio judeu – ficou tão estarrecido quanto o restante do mundo com as atro-
cidades reveladas nos julgamentos de Nuremberg. Nesse caso, o que era ético ou não nos
“propósitos científicos” de Josef Mengele não estava sob o escrutínio da sociedade e não
era, portanto, objeto de disputas e debates, mas das deliberações soberanas do Führer e
de seu staff de comandantes. As pessoas nem ao menos sabiam o que acontecia realmente
nos campos de concentração além do que era divulgado pelo regime nazista.

Sapatos dos prisioneiros mortos em Auschwitz

Em regimes democráticos, ao contrário, esses “limites” devem ser objeto de


disputas políticas e amplos debates junto aos segmentos profissionais que devem
aderir ao conjunto de formulações éticas sugeridas (no caso, aqui, os pesquisado-
res, mas isso também se aplica aos códigos de ética de vários outros segmentos
profissionais, como os psicólogos, advogados ou médicos).
Em muitos casos, dependendo dos impactos produzidos pelos estudos, esses
debates podem, inclusive, envolver a sociedade como um todo, por meio de au-
diências e consultas públicas.

capítulo 3 • 77
Outra característica importante e que também se destaca em grande parte dos
episódios que relatamos é a questão da vulnerabilidade dos sujeitos envolvidos na
pesquisa. Muitas vezes, essa vulnerabilidade, como vimos, se estende a segmentos
sociais inteiros, como no caso dos presos comuns, prisioneiros de guerra, mora-
dores de guetos etc.
Essa definição, claro, sobre os limites da pesquisa científica e sobre a preser-
vação da integridade dos sujeitos, é política e, portanto, sujeita aos efeitos das
desigualdades e assimetrias de poder da sociedade.
O Código de Nuremberg foi pensado justamente no sentido de estabelecer
princípios básicos para os padrões de conduta ética na pesquisa científica envol-
vendo seres humanos. Sua edição, motivada pela revelação dos horrores dos cam-
pos nazistas, constitui um marco para a discussão da ética científica.
Mais ligada à área biomédica – até mesmo em razão do próprio histórico de
suas origens –, o código busca proteger os sujeitos submetidos a procedimentos e
experimentos científicos, corrigindo eventuais extrapolações éticas decorrentes da
condição de vulnerabilidade social a que estejam porventura submetidos.
Outros documentos internacionais também podem servir de referenciais éti-
cos para nossas pesquisas:

capítulo 3 • 78
Esses códigos e acordos são instrumentos a partir dos quais se desdobrou uma
série de organismos e instrumentos de controle da atividade científica e de ob-
servância de princípios éticos aplicados à pesquisa. Os conselhos profissionais e
comitês de ética em pesquisa são um bom exemplo desses desdobramentos.

Os comitês de ética em pesquisa

As pesquisas envolvendo seres humanos são reguladas pela Comissão Nacional


de Ética em Pesquisa (CONEP) ligada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Sua função é implementar as normas e diretrizes regulamentadoras de pesqui-
sas envolvendo seres humanos no Brasil, aprovadas pelo CNS. A operação do
CONEP se dá pela criação – nas universidades, mas também em diversos órgãos
públicos, como a própria prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo – de Comitês
de Ética em Pesquisa (CEP).
As pesquisas envolvendo seres humanos devem ser cadastradas na Plataforma
Brasil. A plataforma é uma base nacional e unificada de registros de pesquisas
envolvendo seres humanos para todo o chamado sistema CEP/CONEP. Permite
que as pesquisas sejam acompanhadas em seus diferentes estágios – desde sua sub-
missão até a aprovação final pelo CEP e pela CONEP, quando necessário –, pos-
sibilitando, inclusive, o acompanhamento da fase de campo, o envio de relatórios
parciais e dos relatórios finais das pesquisas (quando concluídas).

CONEXÃO
Para mais informações sobre Comitês de Ética em Pesquisa acesse o link:
http://www.rio.rj.gov.br/web/sms/comite-de-etica-em-pesquisa
Para cadastrar os projetos e acompanhar sua submissão, acesse a Plataforma Brasil,
disponível aqui: http://aplicacao.saude.gov.br/plataformabrasil/login.jsf

O Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa envolvendo Seres


Humanos (SISNEP) é um sistema de informações que consolida, para consulta
pública, todos os projetos de pesquisas envolvendo seres humanos cadastrados
por meio da Plataforma Brasil. Esses projetos são fiscalizados eticamente pelos
CEPs locais e recebem um número que corresponde ao chamado Certificado de

capítulo 3 • 79
Apresentação para Apreciação Ética (CAAE), que será o identificador do projeto
em todos os níveis de funcionamento do sistema CEP/CONEP.
É sempre bom informar-se na sua universidade sobre outras instâncias ou ins-
trumentos – para além, eventualmente, do CEP – de aplicação de critérios éticos
a condução de suas pesquisas.
Isso porque, como vimos, o sistema CEP/CONEP é vinculado à área da saúde
e é bastante comum que seus critérios de validação ética do conhecimento não
sejam totalmente adequados às pesquisas nas áreas de Ciências Humanas e Sociais.
Por conta disso, muitas universidades e centros de produção, no que se refere a
essas pesquisas e seus métodos, adotam critérios e instrumentos próprios para a
validação ética do conhecimento produzido por seu corpo discente e docente.

EXEMPLO
Como exemplos, podemos citar a criação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de
Filosofia e Ciências Humanas (CEP/CFCH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em
2012; e do Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais (CEP/CHS) da
Universidade de Brasília. Disponível em: http://www.cepih.org.br/.

Em 2015, o sistema CEP/CONEP, ligado ao Ministério da Saúde, reuniu-se para


discutir e revisar as regras de funcionamento dos CEPs e os critérios éticos aplicados às
pesquisas com seres humanos. Desde 2014, entretanto, uma grande movimentação de
profissionais da área de Ciências Humanas e Sociais foi organizada em torno da cons-
tituição de um Grupo de Trabalho no âmbito do CONEP para discutir a construção
de uma minuta para adequação do sistema, ampliando sua aplicabilidade para além da
área biomédica. Essa discussão ainda está em curso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A CRÍTICA da razão pura. Pesquisa FAPESP, São Paulo, n. 79, p. 81-83, set. 2002.
FOUCAULT, Michel. Ordem do discurso (A). São Paulo: Edições Loyola, 1996.
NOSELLA, Paolo. Ética e pesquisa. Educação e Sociedade, Campinas, v. 29, n. 102, p. 255-273, 2008.
SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental: In: VELHO, Otávio (Org.). O fenômeno urbano. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1979.

capítulo 3 • 80
4
O trabalho de
conclusão de curso
O trabalho de conclusão de curso

OBJETIVOS
• Enfatizar a importância do trabalho de conclusão de curso como um elemento de inserção
do graduado na área da pesquisa científica.
• Explicar a Matriz Nacional Curricular de Segurança Pública brasileira.
• Descrever os eixos articuladores e as áreas temáticas presentes nos currículos das insti-
tuições de ensino de segurança pública.
• Compreender a estruturação formal do Projeto Final e do Artigo Científico.

Importância do trabalho de conclusão de curso

O trabalho de conclusão de curso é um dos momentos mais tensos do


graduando durante sua passagem pela universidade. Não pela complexidade
exigida, ou pela responsabilidade que carrega intrinsecamente em ser um di-
ferenciador no mundo acadêmico. Mas por representar para o formando uma
responsabilidade de produção intelectual e técnica que, na maioria das vezes, ele
nunca viveu anteriormente.

Dúvidas

Fonte: www.praticadapesquisa.com.br

capítulo 4 • 82
O ensino superior se diferencia dos ensinos Fundamental e Médio principal-
mente por ter como objetivo, estipulado pela própria lei que regula a educação
nacional, entre outros:

Se você hoje está realizando um curso superior, está inserido no contexto aca-
dêmico, portanto científico, voltado para a ciência e a pesquisa. E, com isso, os
questionamentos e os conhecimentos adquiridos devem necessariamente passar
pelo crivo do rigor científico e sua apresentação deve ser realizada de acordo com
as normas pré-estipuladas por um órgão que regule tal procedimento no país.
Caso contrário, imaginemos um problema real, como uma análise de índi-
ces criminais. Se a pesquisa para essa análise não for realizada através dos rigores
da metodologia científica, com teste e avaliações rigorosos, dentro de parâmetros
idênticos, os dados se apresentarão errôneos ou enviesados. Por exemplo, compa-
rar índices criminais sem especificar os critérios das bases de dados provavelmente
irá gerar resultados muitos diferentes.
Assim, os problemas que surgem na sociedade devem ser investigados com ri-
gor técnico, através de estudos de caso, análises exploratórias, pesquisas de campo,
análises comparativas, qualitativas, quantitativas, documentais e, principalmen-
te, bibliográficas. Do contrário, estaremos trabalhando puramente no empirismo
pessoal, que pode estar contaminado por nossa visão restrita de mundo, que aca-
bará por nos dar resultados que não condizem com a realidade existente.
Porém, para que o trabalho de pesquisa científica aconteça, seja qual área de
conhecimento for, antes de mais nada é necessário ter indivíduos com pensamento
crítico e com grau de sensibilidade suficiente para que possam problematizar os fe-
nômenos com que se deparam no seu dia a dia profissional ou até mesmo pessoal.

capítulo 4 • 83
Para isso, devem as instituições educacionais de ensino superior fomentar
o pensamento crítico, criando nos futuros graduados a centelha da curiosidade
científica, pois são elas o local da busca incessante do saber e da sua transmissão.
Até porque, lembremos, tudo o que se aprendeu nas instituições educacionais
de ensino teve como origem as pesquisas científicas dos diversos cientistas na
história humana.

O trabalho de conclusão de curso nada mais é do que o primeiro passo do aluno do


ensino superior na pesquisa científica. Para isso, o graduando utilizará a criticidade
– inerente aos jovens iniciantes – aliada aos conteúdos acadêmicos aprendidos
durante os anos de estudo universitário.

Da mesma forma que para confeccionar o seu TCC você utilizará pesquisas
científicas de outras pessoas – seja em formato de livro, de artigos científicos,
monografias, artigos de revistas, jornais etc. – a sua pesquisa, formatada de acor-
do com os padrões técnicos exigidos, será o seu instrumento divulgador do seu
discurso crítico. Com ela você poderá apresentar suas opiniões, comprovadas
tecnicamente, à comunidade de professores e demais cientistas da área.
Assim como você utilizará o conhecimento intelectual de outras pessoas,
futuramente o seu também poderá ser utilizado por pesquisadores, facilitando o
aprofundamento sobre o tema que ambos tenham em comum.
Você verá que seu trabalho de conclusão de curso servirá para se aprofundar
em um tema da sua área de formação, adquirindo saberes e entendimentos di-
versos, os quais em aulas de graduação não se costuma ter acesso.

A experiência bibliográfica, além de


enriquecedora e de lhe proporcionar conhecer
diversos autores da sua área, será uma
facilitadora a futuras pesquisas.

capítulo 4 • 84
Além disso, você terá domínio das normas técnicas para a escrita de docu-
mentos formais, bem como ampliará o seu poder de compreensão, sintetização e
organização de projetos.
Finalmente, lembre-se de escolher um tema com o qual você tenha afi-
nidade e goste, e que, principalmente, tenha relação com a sua vivência pro-
fissional ou pessoal. Isso será uma característica primordial para que você se
empolgue tanto com a pesquisa como com o pensamento crítico e a própria
escrita do trabalho.
Agora que você já sabe a importância do seu Trabalho de Conclusão de
Curso, tanto para você como para o próprio ambiente científico da sua área de
conhecimento, vamos ver quais são os principais eixos temáticos sobre seguran-
ça pública no Brasil, o que lhe facilitará a definir melhor seu tema de pesquisa.

Os eixos articuladores e as áreas temáticas da formação em


segurança pública no Brasil

Conceituando

Segurança pública é um assunto vasto e que merece delicada atenção dos pro-
fissionais que atuam na área.
Muitos ainda pensam que trabalhar com a segurança pública é um la-
boratório de tentativas e erros, com alguns acertos pelo caminho. Que essa
área de atuação profissional é basicamente empírica, não sendo necessá-
rios estudos científicos que amparem a atuação do policial, bem como as
ações governamentais.
Através da simbiose do conhecimento empírico profissional, proveniente dos
agentes atuantes, e do conhecimento acadêmico, oriundo dos pesquisadores do
tema, o governo federal buscou elaborar de forma metodológica, a fim de sanar
esse erro histórico, um direcionamento estratégico educacional sobre os saberes
necessários à atuação na segurança pública brasileira.
Esses saberes, condensados com a melhor técnica pedagógica, buscaram orien-
tar as instituições policiais na formação de seus profissionais, criando uma doutri-
na, até então inexistente, sobre o ensino policial no Brasil.

capítulo 4 • 85
Daí surgiu a Matriz Curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP),
órgão ligado ao Ministério da Justiça e responsável por políticas nacionais sobre o tema.
A Matriz Curricular da SENASP é hoje o principal elemento norteador da formação
técnico-profissional dos agentes públicos da segurança pública nacional. Atua como
instrumento de padronização às atividades de ensino policial, tanto na formação inicial
como na formação continuada dos policias militares, civis e bombeiros militares.

Portanto, a seguir, apresentaremos os diversos assuntos tratados na Matriz Curricular


da SENASP, a fim de que você possa conhecer o “núcleo duro” do ensino policial no
Brasil, possibilitando, com isso, a facilitação na escolha do tema em seu TCC.

História

A Secretaria Nacional de Segurança Pública foi criada em 1997 pelo Decreto


nº 2.315, de 4 de setembro de 1997, tendo como base a antiga Secretaria de
Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública.

SENASP

Já em 1999, a SENASP fez o primeiro movimento voltado ao saber policial,


criando as preambulares bases curriculares. Em 2003, o projeto evoluiu para a
primeira Matriz Curricular de Segurança Pública, apresentada em um seminário
nacional sobre o tema e voltada ao engajamento com os preceitos constitucionais
vigentes, destacando as noções de direitos humanos e coletivos.

capítulo 4 • 86
Desde então, com o auxílio de diversos atores, entre eles o Comitê Internacional
da Cruz Vermelha, profissionais da área acadêmica e policial, gestores, técnicos e
professores das instituições de ensino de segurança pública de todo o país, a Matriz
Curricular foi se amoldando às diversas diferenças e necessidades nacionais.
Com isso, foi possível realizar inúmeras alterações que proporcionaram uma
maior relação entre as regiões brasileiras e as necessidades específicas de cada uma,
de forma conjunta para todo o país.
A atual Matriz Curricular da SENASP foi finalizada em 2014, tendo como obje-
tivo ser um referencial teórico-metodológico nas ações de formação de policiais mili-
tares, policiais civis e bombeiros militares, buscando uma padronização no ensino da
segurança pública nacional, independentemente do nível ou modalidade de ensino:

A palavra ‘matriz’ remete-nos às ideias de ‘criação’ e ‘geração’, que norteiam uma


concepção mais abrangente e dinâmica de currículo, o que significa propor instru-
mentos pedagógicos que permitam orientar as práticas formativas para as situações
de trabalho em segurança pública, propiciando a unidade na diversidade, a partir do
diálogo entre os eixos articuladores e as áreas temáticas. (SENASP, 2014, p. 17).

Foram criados na Matriz Curricular seis eixos articuladores e oito áreas temá-
ticas das áreas do saber policial, bem como suas devidas orientações pedagógicas
e as necessidades intrínsecas inerentes à atuação dos profissionais das polícias e do
corpo militar de bombeiros. Finalmente, foi idealizada uma proposta detalhada de
currículo com as devidas cargas horárias das disciplinas.
O currículo proposto pela Secretaria Nacional em sua matriz visa a conduzir
as instituições de ensino de segurança pública em direção aos princípios e metas
do projeto educativo confeccionado por todos os profissionais já citados, através
de uma visão crítica, não engessada, que dê valor ao debate e que tenha sua própria
reelaboração em sala de aula.
Portanto, tendo em vista a importância de tal Matriz Curricular nas instituições
de segurança pública nacional, torna-se primordial que o aluno dessa área se apro-
funde nas pesquisas referentes aos seus eixos norteadores e nas respectivas áreas temá-
ticas, pois estão sendo formados os profissionais que atuam nas instituições policiais.

capítulo 4 • 87
O currículo

Precisamos entender, antes de mais nada, o que é o currículo.


Currículo é o instrumento utilizado, devidamente pensado e preparado, para
passar o conhecimento aos alunos através das devidas disciplinas. Ele deve ter como
base os interesses da sociedade e as necessidades dos grupos aos quais se destina.
Os conteúdos inseridos no currículo devem ser baseados nas necessidades de co-
nhecimento futuro daquele que está sendo formado durante sua profissão. Ou seja,
os conteúdos inseridos no currículo serão os responsáveis por formar adequadamen-
te, de acordo com as exigências profissionais daquela pessoa ou grupo de indivíduos.

ATENÇÃO
Para se desenvolver um currículo, deve-se pensar, antes de mais nada, o que se quer que
o indivíduo aprenda e, consequentemente, se torne; quais conhecimentos ele deve ter; e qual
ideologia e cultura deve tomar como valores.
Para isso, existe um instrumento denominado perfil profissiográfico, o qual será o res-
ponsável por apontar quais as áreas de conhecimento e expertise cada profissional necessi-
ta, a fim de que possa exercer de forma correta e qualificada sua função.
Dessa forma, foi confeccionada a malha curricular da SENASP, que se utilizou de um perfil
profissiográfico genérico das profissões de policial militar, policial civil e de bombeiro militar.

O termo malha curricular, utilizado na Matriz da SENASP, substitui a nomencla-


tura mais conhecida de grade curricular. Esse termo foi utilizado para que transpareça a
ideia daquela secretaria de que as disciplinas inseridas nessa malha têm uma característica
de flexibilidade, podendo ser substituídas ou adaptadas, conforme a região e o tempo.
Essa malha curricular foi desenvolvida por um grupo multidisciplinar de pro-
fissionais de todo o Brasil que, debruçados sobre as competências necessárias para
cada atividade, chegaram a um núcleo comum de disciplinas, o qual deve ser
utilizado como parâmetro em todo o país.
Os conteúdos foram divididos em conjuntos através dos denominados eixos arti-
culadores. Já as disciplinas foram agrupadas por áreas temáticas, tendo como objetivo:

capítulo 4 • 88
De acordo com cada unidade federativa e instituição de segurança pú-
blica, disciplinas que envolvam características regionais e institucionais de-
verão ser inseridas em seus currículos como uma parte específica, porém
estando relacionadas dentro da estrutura dos eixos articuladores e das áreas
temáticas preexistentes.
Portanto, apesar de haver a exigência de um “núcleo duro” para a criação de
seus currículos, as instituições de segurança pública têm a liberdade de adaptá-los
de acordo com suas necessidades.
Abaixo, podemos visualizar a proposta de Matriz Curricular da SENASP para as
polícias militares e civis no que tange aos eixos articuladores e às áreas temáticas:

capítulo 4 • 89
Eixos articuladores

Fonte: Matriz Curricular Nacional da SENASP

Os eixos articuladores

Como já visto, temos quatro eixos articuladores:

Os eixos articuladores da Matriz estruturam o conjunto dos conteúdos de caráter


transversal definidos por sua pertinência nas discussões sobre segurança públi-
ca e por envolverem problemáticas sociais de abrangência nacional. Eles devem
permear as diferentes disciplinas, seus objetivos, conteúdos, bem como as orien-
tações didático-pedagógicas.
São chamados de eixos articuladores na medida em que conduzem para a reflexão
sobre os papeis individuais, sociais, históricos e políticos do profissional e das ins-
tituições de segurança pública. SENASP (2014, p 17).

capítulo 4 • 90
Esses eixos articuladores foram selecionados para dar amplitude às possibili-
dades de criação dos currículos, versando sobre diversas áreas do conhecimento.
Eles se dividem em:

SUJEITO E AS INTERAÇÕES NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA

Busca considerar que o profissional de segurança pública está inserido como um su-
jeito em interação constante com outros sujeitos. Assim, esse eixo procura discutir
os valores referentes à profissão do agente de segurança pública e as suas relações
profissionais sociais;

SOCIEDADE, PODER, ESTADO, ESPAÇO PÚBLICO E SEGURANÇA PÚBLICA

Insere as atividades de segurança pública em um contexto social, refletindo sobre a rea-


lidade existente, bem como elementos de organização política (democracia e estado de
direito), histórica, cultural e suas respectivas tensões;

ÉTICA, CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E SEGURANÇA PÚBLICA

Procura estimular o desenvolvimento e a interligação de questões éticas, de cidadania e


direitos humanos na prática profissional do agente de segurança pública;

DIVERSIDADE ÉTNICO-SOCIOCULTURAL, CONFLITOS E SEGURANÇA PÚBLICA

Debate questões sobre a diversidade no espaço social e cultural brasileiro, relacio-


nadas ao profissional de segurança. Busca fazer com que o profissional reflita sobre
as intervenções do Estado a partir das instituições de segurança, nas questões de
orientação sexual, étnica, racial etc., bem como dos conflitos gerados pela intolerância
e a discriminação.

capítulo 4 • 91
As áreas temáticas

Na confecção da Matriz foram delineadas oito áreas temáticas, inseridas, cada


uma delas, dentro dos quatro eixos norteadores. Essas áreas temáticas foram sub-
divididas em disciplinas, as quais, então, formam a malha curricular proposta pela
Secretaria Nacional.
Cada área temática irá apresentar os seus respectivos espaços de conteúdo para
a criação dos currículos, que deverão ser adaptados de acordo com as especifici-
dades das regiões e das instituições policiais em que estiverem sendo inseridos. As
áreas temáticas se dividem em:

SISTEMAS, INSTITUIÇÕES E GESTÃO INTEGRADA EM SEGURANÇA PÚBLICA

Esta área faz uma contextualização das instituições de segurança pública e de defesa
civil. Busca conhecer desde a história das instituições, perpassando pelas suas estruturas
organizacionais, as respectivas atividades, processos e métodos adotados e os fatores
sociais atuantes;

VIOLÊNCIA, CRIME E CONTROLE SOCIAL

Fomenta um conhecimento crítico dos fenômenos relacionados à violência e ao crime,


bem como às diversas maneiras de tentativas do Estado no controle dessas anomias;

CONHECIMENTOS JURÍDICOS

Se propõe ao conhecimento e domínio do regramento jurídico brasileiro voltado aos profis-


sionais de segurança pública e de defesa civil, com foco nos saberes relativos ao Estado
Democrático de Direito e aos direitos humanos;

capítulo 4 • 92
MODALIDADES DE GESTÃO DE CONFLITOS E EVENTOS CRÍTICOS

Busca formas alternativas de gestão dos conflitos com base em técnicas de mediação,
negociação e o uso gradiente da força. Essa área temática também tem seu foco na aná-
lise de riscos relativos a catástrofes ambientais e desastres naturais, bem como técnicas
específicas de atuação nesses casos;

VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL E SAÚDE DO TRABALHADOR

Busca trabalhar a autoimagem dos profissionais de segurança pública e de defesa civil,


procurando criar uma cultura de respeito e bem-estar desses agentes, tanto em relação à
saúde física como mental;

COMUNICAÇÃO, INFORMAÇÃO E TECNOLOGIAS EM SEGURANÇA PÚBLICA

Permite ao profissional de segurança e de defesa civil o conhecimento sobre os princípios,


meios e modalidades dos meios de comunicação, orientando-o sobre técnicas de difusão da
informação destinadas ao conjunto da sociedade. Orienta, ainda, em relação ao uso das di-
versas tecnologias e formas de comunicação intrainstitucionais e interinstitucionais utilizadas;

CULTURA, COTIDIANO E PRÁTICA REFLEXIVA

Permite ao profissional de segurança e de defesa civil o conhecimento sobre os princí-


pios, meios e modalidades dos meios de comunicação, orientando-o sobre técnicas de
difusão da informação destinadas ao conjunto da sociedade. Orienta, ainda, em relação
ao uso das diversas tecnologias e formas de comunicação intrainstitucionais e interins-
titucionais utilizadas;

FUNÇÕES, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS EM SEGURANÇA PÚBLICA

Atua nos saberes relativos aos aspectos técnicos e de procedimentos no exercício das
funções profissionais.

capítulo 4 • 93
CONEXÃO
A Matriz Curricular Nacional da SENASP, versão 2014, pode ser baixada integralmente
no site do Ministério da Justiça neste link:
http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/seguranca-publica/livros/matriz-curricu-
lar-nacional_versao-final_2014.pdf/view. Acesso em: 20 jun. 2016.
Além dela, diversos outros materiais relativos ao tema, bem como outras matrizes curri-
culares (como a das guardas municipais e serviços penitenciários), também estão disponíveis
para download.

Estrutura e formatação do projeto final

Conceituando

Antes de mais nada, é importante deixar claro que o Projeto de Pesquisa não é
a pesquisa propriamente dita. Ele é tão somente uma demonstração prévia, meto-
dologicamente estruturada, sobre o que, por que, como e quando você irá realizar
determinado trabalho científico.
O projeto de pesquisa normalmente é requisitado nos últimos períodos
da graduação pelos professores de metodologia ou pelo seu orientador. É en-
tregue previamente ao início da confecção dos trabalhos de conclusão, pois
procura apresentar a quem o avalia a viabilidade técnica e até temporal de sua
efetiva realização.
Não basta ao seu projeto, portanto, apresentar apenas os requisitos bibliográ-
ficos necessários, ser extremamente original ou metodologicamente correto. Ele
precisa se demonstrar exequível, através de argumentos que fundamentem que
você conseguirá realizar a parte teórica, a metodológica, chegar aos objetivos, a
uma conclusão e, finalmente, ao seu depósito na instituição de ensino.
Você deve ter em mente que no seu projeto de pesquisa deverão ser demons-
trados os caminhos que pretende seguir de acordo com o tema, o objeto e a sua
problematização, as hipóteses, objetivos e sua contextualização com base nas pes-
quisas bibliográficas já realizadas.

capítulo 4 • 94
Portanto, o objetivo de um projeto de pesquisa
não é apresentar respostas a qualquer questão,
mas tão somente indicar os fatores que o levaram
a buscar essas respostas.

Assim sendo, seu trabalho servirá justamente para que responda às inda-
gações levantadas, pois se você já apresentasse precocemente as respostas no
projeto não seria então necessário o gasto intelectual e de tempo na realização
de uma pesquisa científica.
Lembre-se que seu projeto deve ser objetivo e bem construído, pois mesmo
sendo dividido em tópicos diferentes, os quais analisaremos a seguir, todos eles
devem ter um liame em comum. O projeto não pode ser uma mera junção de
peças descontextualizadas, mas sim um trabalho amalgamado que se apresenta de
forma estruturada e lógica.

Formatação

Todos os documentos científicos devem ser elaborados de acordo com as nor-


mas oriundas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que define
padrões próprios para formatação. (No entanto, cada instituição pode indicar pa-
drões diferenciados para os trabalhos que exigem.)
Uma das primeiras padronizações que você deverá utilizar em seu trabalho é a
da margem nas folhas, da seguinte forma:

• margem superior – entre 3 cm;


• margem inferior – 2 cm;
• margem esquerda – 3 cm;
• margem direita – 2 cm.

capítulo 4 • 95
Formatação da margem.

O trabalho deverá ser digitado com espaço entre linhas de 1,5 cm e fonte de
tamanho 12 (normalmente Arial ou Times News Roman). Em caso de citações
com mais de três linhas, utiliza-se espaço simples e fonte tamanho 11. Para notas
de rodapé, legendas de figuras (ou gráficos/tabelas) e paginação, a fonte será de
tamanho 10, também com espaço simples entre linhas.
A distância entre o início do parágrafo e a margem da folha pode ser de 1,25
cm, com exceção das citações diretas com mais de três linhas, as quais deverão ter
o parágrafo todo com recuo de 4 cm da margem esquerda.
Os títulos das seções primárias também terão fonte de tamanho 12, alinha-
dos à esquerda (sem parágrafo), em letras maiúsculas e em negrito. Podem come-
çar em uma nova folha e deverão conter o número em algarismo arábico (1, 2,
3...), precedido de um espaço e então o título, sem traços ou pontos.
Os títulos das seções secundárias deverão estar em negrito, somente inicia-
dos por letra maiúscula, com as mesmas regras antes citadas para as seções pri-
márias. As seções terciárias e as seguintes não estarão em negrito, sendo somente
iniciadas por letras maiúsculas.

capítulo 4 • 96
A paginação (número das páginas) do seu trabalho não será iniciada na
capa, mas somente será contada a partir da folha de rosto. Porém, só será
numerada a primeira folha da parte textual, com a paginação sendo contada
desde a folha de rosto.
O projeto se divide em elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais.

ELEMENTOS DO PROJETO

Serão apresentados a partir da primeira


folha de seu artigo, tendo os seguintes
PRÉ-TEXTUAIS subelementos: capa, folha de rosto, lista
de abreviaturas e siglas e sumário.

Se referem ao seu trabalho em si, isto é,


às reflexões, às problematizações, aos
objetivos etc., os quais você pretende
TEXTUAIS pesquisar. Dividem-se em: tema, proble-
ma, introdução, problematização, justifi-
cativa, objetivos, hipóteses, metodologia
e cronograma.

São apresentados após os textos princi-


pais. Eles podem apresentar elementos
que complementam o trabalho, como
PÓS-TEXTUAIS os anexos e os apêndices, e deve con-
ter, obrigatoriamente, as referências
bibliográficas.

ATENÇÃO
As normas brasileiras (NBR), aprovadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT), que você deverá utilizar em seus trabalhos acadêmicos, são:

• NBR6023 – estabelece os elementos a serem incluídos nas referências;


• NBR6024 – estabelece um sistema de numeração progressiva das seções de documen-
tos escritos;
• NBR6027 – estabelece os requisitos para apresentação de sumário de documentos;
• NBR6028 – estabelece os requisitos para redação e apresentação de resumos;

capítulo 4 • 97
• NBR6032 – fixa as condições exigíveis para uniformizar as abreviaturas de títulos de pe-
riódicos e publicações seriadas;
• NBR6034 – fixa as condições exigíveis de apresentação e os critérios básicos para a
compilação de índice de publicações;
• NBR10520 – especifica as características exigíveis para apresentação de citações
em documentos.
• NBR14724 – especifica os princípios gerais para a elaboração de trabalhos acadêmicos
(teses, dissertações e outros).

Elementos pré-textuais

Veremos a seguir os elementos pré-textuais que deverão constar em seu proje-


to final de pesquisa, de acordo com as regras impostas pela (ABNT).

Capa

Seu projeto obrigatoriamente precisará de uma capa, pois servirá para indicar
o nome da instituição de ensino a que o trabalho se destina (é opcional depen-
dendo da regra imposta), o nome do(s) autor(es), o título do trabalho, o subtítulo
(opcional), o local (cidade) e o ano em que o trabalho foi entregue.
Além de ser um elemento de referência autoral e remissivo, a capa também
servirá para proteger externamente seu trabalho.

EXEMPLO
NOME DA INSTITUIÇÃO
(distância de 8 toques “enter”)

NOME COMPLETO DO AUTOR


(distância de 8 toques “enter”)

TÍTULO DO TRABALHO:
(obrigatório)

SUBTÍTULO
(opcional e imediato ao título, sem espaços, devendo ser precedido por dois pontos)

capítulo 4 • 98
(distância de 22 toques “enter”)

LOCAL
ANO

A folha de rosto

Mais um elemento que deve existir obrigatoriamente no seu projeto. A


folha de rosto indica a autoria de forma mais completa, inserindo mais dados
do que estavam na capa.
Essa será realmente a primeira folha do seu projeto, porém, apesar de ser con-
siderada a de número um, não deverá conter impressa a sua numeração.
A folha de rosto deve conter o nome do autor, o título, o subtítulo (se houver),
a natureza do trabalho (tese, dissertação, monografia etc.), o objetivo do trabalho
(obtenção de grau, aprovação em disciplina etc.), a área de concentração do tema,
o nome do orientador, o nome do co-orientador (se houver), o local e o ano de
depósito (em que o trabalho foi entregue).
Todos esses elementos, com exceção da natureza e do objetivo do trabalho,
deverão estar centralizados, assim como estavam na capa, com espaçamento entre
parágrafos de 1,5.
Já a natureza e o objetivo do trabalho deverão ser alinhados e justificados a
partir do centro da folha (recuo esquerdo de 6 cm), utilizando o espaçamento
simples entre os parágrafos.

EXEMPLO
NOME DA INSTITUIÇÃO
(distância de oito toques “enter”)

NOME COMPLETO DO AUTOR


(distância de oito toques “enter”)

TÍTULO DO TRABALHO:
(obrigatório)

capítulo 4 • 99
SUBTÍTULO
(opcional e imediato ao título, sem espaços, devendo ser precedido por dois pontos)
(distância de 4 toques “enter”)

Trabalho de conclusão de curso apresentado à (nome


da instituição) como requisito para a obtenção do grau
de bacharel ou licenciado em (nome do curso).
(distância de 4 toques “enter”)
ORIENTADOR: Prof. (titulação e nome completo)
CO-ORIENTADOR (opcional): Prof. (titulação e nome completo)
(distância de 15 toques “enter”)
LOCAL
ANO

Lista de abreviaturas e siglas

Esse tópico é opcional, devendo ser utilizado de acordo com a necessidade


avaliada pelo pesquisador. Cremos que se deve fazer uma lista de abreviaturas e de
siglas caso o trabalho realmente apresente diversas entradas do tipo. Do contrário,
poderão ser explicadas por meio de notas de rodapé ou entre parênteses, ao lado
da palavra abreviada ou da sigla inserida.
As abreviações mais comuns constam na NBR 6032, que visa a uniformizar e
a simplificar as referências que constam nas legendas bibliográficas.
As siglas e as abreviaturas devem ser, dessa forma, colocadas em ordem alfa-
bética, seguidas das palavras ou expressões que correspondem ao seu significado.

EXEMPLO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
(distância de um toque “enter”)

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas


IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
UESA – Universidade Estácio de Sá

capítulo 4 • 100
O sumário

O sumário deve ser o último elemento pré-textual e é obrigatório nos projetos


e nas monografias, não nos artigos científicos. Servirá para enumerar as páginas
de acordo com as diversas divisões do seu trabalho, como as seções, subseções,
bibliografia, anexos etc.
Os elementos pré-textuais, apesar de serem numerados a partir da folha de
rosto, não devem estar presentes na numeração do seu sumário.
Cada seção ou subseção deverá constar, no sumário, na ordem em que é apre-
sentada, seguindo-se, ao lado, o número da sua respectiva página, sendo precedido
de uma linha pontilhada que os ligará.
Caso seu trabalho seja muito extenso e tenha mais de um volume, em cada um
deles deverá constar um sumário completo, a fim de facilitar o manuseio e a leitura.
Os sumários também são normatizados pela ABNT através da NBR 6027,
que especifica os princípios gerais de sua elaboração para qualquer documento que
optem a seguir por essas regras.
As regras de numeração constantes no sumário, como a utilização de letras
maiúsculas, minúsculas, em negrito ou não, devem ser utilizadas da mesma forma
que nos elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais, e constam na NBR 6024,
conforme o exemplo.

EXEMPLO
SUMÁRIO
(distância de um toque “enter”)

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................................................8
2 ARQUIVOS DE SISTEMA ..........................................................................................................................................8
3 TESTES DO DISCO ........................................................................................................................................................8
3.1 Primeiro teste: escrita .............................................................................................................................................8
3.2 Segundo teste: leitura ............................................................................................................................................8
3.3 Terceiro teste: tempo total geral .................................................................................................................8
3.3.1 Tempo dos arquivos em pdf.................................................................................................................................8
3.3.2 Tempo dos arquivos em jpg................................................................................................................................ 8
4 CONCLUSÃO ........................................................................................................................................................................8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................................8

capítulo 4 • 101
APÊNDICE A ...............................................................................................................................................................................8
ANEXO A ........................................................................................................................................................................................8

Além disso, o alinhamento dos títulos das seções e subseções deverá ser feito
pela margem do título mais extenso.

CONEXÃO
A ABNT é o Foro Nacional de Normalização por reconhecimento da sociedade brasileira
desde a sua fundação, em 28 de setembro de 1940, confirmado pelo governo federal por
meio de diversos instrumentos legais.
Entidade privada e sem fins lucrativos, a ABNT é membro fundador da International Or-
ganization for Standardization (Organização Internacional de Normalização – ISO), da Co-
misión Panamericana de Normas Técnicas (Comissão Pan-Americana de Normas Técnicas
– Copant) e da Asociación Mercosur de Normalización (Associação Mercosul de Normali-
zação – AMN). Desde a sua fundação, é também membro da International Electrotechnical
Commission (Comissão Eletrotécnica Internacional – IEC).
A ABNT é responsável pela publicação das Normas Brasileiras (ABNT NBR), elaboradas
por seus Comitês Brasileiros (ABNT/CB), Organismos de Normalização Setorial (ABNT/
ONS) e Comissões de Estudo Especiais (ABNT/CEE).
FONTE: http://www.abnt.org.br/abnt/conheca-a-abnt.
Acesso em: 5 fev. 2016.

Elementos textuais

No projeto de pesquisa, os elementos textuais que deverão existir – observan-


do o solicitado pela instituição – são: o tema, o problema, a introdução (apresen-
tação), a problematização ou referencial/fundamentação teórico(a), a justifica-
tiva, os objetivos, as hipóteses, a metodologia e o cronograma.
Como todos esses elementos já foram vistos no capítulo 2, não será necessário
repeti-los aqui. Porém, sua ordem no projeto dependerá da formatação adotada
pela instituição à qual você o estará destinando.

capítulo 4 • 102
Usualmente, a apresentação (ou introdução) será o primeiro elemento textual
e os últimos serão, respectivamente, a metodologia e o cronograma. A partir daí
terão início os elementos pós-textuais, os quais veremos a seguir.

Elementos pós-textuais

São inseridos após o cronograma. Poderão conter elementos não obrigatórios,


os quais ficariam descontextualizados em outros pontos do projeto.
Já a lista de referências, também chamada de referências bibliográficas ou bi-
bliografia, é obrigatória e deve vir antes dos elementos não obrigatórios. Serve
para informar quais documentos, bem como seus respectivos autores e anos de
publicação, foram acessados para a realização de sua pesquisa.

Referências

Nas referências devem ser descritos todos os livros, artigos e quaisquer outros ma-
teriais bibliográficos que você tenha acessado e/ou referenciado ao longo do seu artigo.
As referências serão inseridas em sequência, através da ordem alfabética da sua
primeira palavra, alinhadas na margem esquerda (sem espaço de parágrafo), com
espaçamento simples (e, entre uma e outra referência, espaço duplo).
O título (referências, referências bibliográficas ou bibliografia) deverá ser nume-
rado, seguindo a ordem dos capítulos do seu trabalho, alinhado à margem esquerda.
Os destaques tipográficos, como negrito, sublinhado ou itálico, inseridos para
destacar os títulos do material consultado, deverão ser utilizados da mesma forma
em cada referência. Ou seja, se você decidir utilizar o negrito para destacar o título
da obra a que está fazendo referência, deverá utilizá-lo da mesma forma em todas
as outras referências.
Os elementos essências que devem constar em cada referência vão depender
do material que estiver sendo utilizado, como livros, periódicos, revistas, jornais,
monografias, jurisprudências, leis etc.

capítulo 4 • 103
EXEMPLO
5 – Bibliografia

ALVES, Roque de Brito. Ciência criminal. Rio de Janeiro: Forense,1995.

BRASIL. Tribunal Regional Federal (5. Região). Apelação cível no


42.441-PE (94.05.01629-6). Apelante: Edilemos Mamede dos Santos
e outros. Apelada: Escola Técnica Federal de Pernambuco. Relator:
Juiz Nereu Santos. Recife, 4 de março de 1997. Lex: jurisprudência do
STJ e Tribunais Regionais Federais, São Paulo, v. 10, n. 103, p. 558-562, mar. 1998.
GOMES, L. G. F. F. Novela e sociedade no Brasil. Niterói: EdUFF,
1998. 137 p., 21 cm. (Coleção Antropologia e Ciência Política, 15).
Bibliografia: p. 131-132. ISBN 85-228-0268-8.

KOOGAN, André; HOUAISS, Antonio (Ed.). Enciclopédia e


dicionário digital 98. Direção geral de André Koogan Breikmam. São
Paulo: Delta: Estadão, 1998. 5 CD-ROM.

NAVES, P. Lagos andinos dão banho de beleza. Folha de S. Paulo,


São Paulo, 28 jun. 1999. Folha Turismo, Caderno 8, p. 13.

REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA. Rio de Janeiro: IBGE,


1939- . Trimestral. Absorveu Boletim Geográfico, do IBGE. Índice
acumulado, 1939-1983. ISSN 0034-723X.

SABROZA, P. C. Globalização e saúde: impacto nos perfis


epidemiológicos das populações. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EPIDEMIOLO-
GIA, 4., 1998, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos... Rio de Janeiro: ABRASCO, 1998. Mesa-
-redonda. Disponível em: http://www.abrasco.com.br/epirio98/. Acesso em: 17 jan. 1999.

Ao se referir a matérias consultadas na internet, como revistas digitais, repor-


tagens de jornais, monografias e livros on-line, entre outros, é imprescindível in-
serir o link do site consultado, bem como a data em que você acessou tal material.
Isso se torna necessário a fim de que se possa verificar a veracidade das informações

capítulo 4 • 104
inseridas nas referências, bem como, tendo em vista a possibilidade de os sites
serem retirados da rede ou mudados de lugar, se possa identificar a data em que
aqueles dados foram vistos.
Tendo em vista o enorme número de possibilidades de referências, dependen-
do da fonte citada, você deverá consultar a NBR 6023. Lá você encontrará espe-
cificado, minuciosamente, as diversas fontes e suas respectivas formas de serem
inseridas em seu trabalho.

CURIOSIDADE
Uma dúvida comum que vem surgindo em relação à confecção das referências bi-
bliográficas é como citar os livros digitais e indicar as respectivas páginas utilizadas nos
trabalhos científicos.
Diferentemente dos livros impressos, os livros digitais, em formato que não seja o PDF, não
costumam apresentar numeração de páginas.
Isso ocorre tendo em vista as diversas possibilidades de letras e os diferentes tamanhos nos
quais podem ser visualizadas, o que impediria a existência de uma referência fixa de paginação.
Portanto, surge a dúvida: como referenciar as páginas que você utilizou na citação?
A resposta é simples. Assim como os livros impressos utilizam o número de páginas
como referencial espacial, os livros digitais utilizam a chamada “posição”. Essa posição será
o referencial espacial para o livro que estiver sendo citado.
Ela independe do tamanho da letra, do tamanho da tela ou do sistema operacional uti-
lizado. Sua única variação será o aplicativo usado. Ou seja, a posição de determinado livro
no aplicativo Kindle, em um dispositivo Android, com tela de 8 polegadas, será exatamente
igual, nesse mesmo livro, em um dispositivo com iOS, com tela de 4 polegadas, utilizando o
aplicativo Kindle, ou mesmo num e-reader Kindle.
Da mesma forma, isso ocorrerá com outros aplicativos de e-reader, como o iBooks
(Apple®), Kobo (Livraria Cultura), Lev (Saraiva) etc.
Assim, em vez de se referenciar a(s) página(s), você deverá referenciar a posição
mostrada e indicar, no final da sentença, qual o e-reader utilizado.

Elementos não obrigatórios: anexos, apêndices e glossário

Os elementos não obrigatórios são os anexos, os apêndices e o glossário, defi-


nidos na NBR 14724. A normatização citada define muito bem esses elementos:

capítulo 4 • 105
ELEMENTOS NÃO OBRIGATÓRIOS
Texto ou documento não elaborado pelo
ANEXOS autor, que serve de fundamentação, com-
provação e ilustração;

Texto ou documento elaborado pelo au-


tor, a fim de complementar sua argumen-
APÊNDICES tação, sem prejuízo da unidade nuclear
do trabalho;

Relação de palavras ou expressões técni-


GLOSSÁRIO cas, de uso restrito ou de sentido obscu-
ro, utilizada no texto.

Os títulos dos anexos, apêndices e do glossário devem ser escritos centraliza-


dos, em letras maiúsculas.
Os títulos dos anexos e dos apêndices devem ser acompanhados da primeira
letra do alfabeto, de acordo com a quantidade desses elementos inseridas no seu
trabalho (APÊNDICE A; APÊNDICE B etc.) e com as devidas descrições do que
será apresentado. Caso existam muitos anexos ou apêndices, e acabem as letras
do alfabeto, elas devem ser utilizadas dobradas, ainda maiúsculas (ANEXO AA,
ANEXO BB etc.).
Já o glossário deve ser elaborado em ordem alfabética.

EXEMPLO
APÊNDICE A – Avaliação numérica de células inflamatórias.

ANEXO A – Representação gráfica de contagem de células inflamatórias presentes


nas caudas em regeneração – Grupo de controle I (Temperatura...)

GLOSSÁRIO
Deslocamento: Peso da água deslocada por um navio flutuando em águas tranquilas.
Duplo Fundo: Robusto fundo interior no fundo da carena.

capítulo 4 • 106
Relevância prática das pesquisas científicas na área de segurança pública

Como foi passado durante todo este livro, as pesquisas deveriam ser ele-
mentos fundamentais a fim de subsidiar, de forma científica, as ações idealizadas
nos setores de planejamento dos órgãos (públicos ou privados), a fim de serem
postas em prática pelos executores.
Entretanto, de maneira lamentável, no Brasil, principalmente na área de
segurança pública, não éramos afeitos à realização de pesquisas científicas, tan-
to no meio acadêmico como nos próprios ambientes de estudo policial. Apesar
disso, as ações empíricas, perpetradas sem qualquer embasamento teórico ou
estatístico, às quais foram uma máxima até meados dos anos 2000, se tornam
cada vez mais escassas.

Um povo cada vez mais exigente, que cobra de seus governantes que as ações
de seus agentes públicos sejam passíveis de accountability, tem provocado as
mudanças de rumo em diversas ações do Estado e, sem sombra de dúvida, na
segurança pública. Até porque a segurança pública é um dos poucos setores de
prestação de serviço público governamental a ter o condão de afetar diretamente
as pessoas de qualquer classe social, já que a criminalidade e seus efeitos afetam a
todos (em maior ou menor grau), inclusive a economia de um local, indistintamente.

Assim sendo, as ações das autoridades das secretarias de segurança vêm se tor-
nando permeadas por dados levantados nas pesquisas qualitativas e quantitativas
realizadas pelos próprios órgãos governamentais ou pelas universidades.
No Rio de Janeiro temos um exemplo disso. O Instituto de Segurança
Pública (ISP) é uma autarquia vinculada à Secretaria de Segurança Pública
do Estado, criado em 1999 a fim de “produzir informações e disseminar pes-
quisas e análises com vistas a influenciar e subsidiar a implementação de po-
líticas públicas de segurança e assegurar a participação social na construção
dessas políticas”.
O ISP realiza a condensação de dados estatísticos, bem como produz pes-
quisas científicas próprias, através das informações coletadas das instituições
policiais do estado.

capítulo 4 • 107
Tais pesquisas são disponibilizadas para consulta pública, objetivando a
transparência dos dados à população e facilitando o trabalho de outros pesqui-
sadores, para que novas pesquisas sejam realizadas.
Diversos trabalhos estão disponíveis atualmente pelo instituto em seu site,
como: crimes contra a vida, vitimização policial, dossiê trânsito (sobre acidentes),
dossiê mulher (violência contra as mulheres), relatório de roubo de carga etc.
Todos esses trabalhos científicos realizados com informações oriundas das
instituições policiais têm como principal cliente essas mesmas instituições, às
quais, através de uma análise sistemática, podem atuar no planejamento e nas
ações preventivas e/ou repressivas pela Polícia Militar ou Civil.
Como exemplo, vejamos os dados referentes à pesquisa do ISP realizada no
ano de 2015, no tocante ao roubo de cargas no estado do Rio de Janeiro, e o que
podemos concluir para seu uso prático:

Gráfico Roubo de Carga por AISP - 2015

Os índices apresentados podem ser utilizados de forma eficaz nas diretrizes


das políticas de segurança. Afinal, os dados demonstram que em seis das áreas
integradas de segurança pública (AISP) se concentram 55% dos roubos de cargas
no estado do Rio de Janeiro.
Assim, as ações policiais preventivas – realizadas, por exemplo, com a inten-
sificação das revistas realizadas em caminhões – e as ações policiais repressivas –
realizadas pelas investigações da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC)
– devem se concentrar, principalmente, em tais locais apontados.

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Como exemplo de outra pesquisa de relevância no tema da segurança públi-
ca, podemos citar a Blogosfera policial no Brasil: do tiro ao Twitter, realizada pela
Unesco em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC-
UCAM), coordenada pelas pesquisadoras Ramos e Paiva (2009).
Tal pesquisa problematizou as relações existentes entre as novas mídias sociais,
disponibilizadas pela internet, e os profissionais de segurança pública do Brasil.
Identificou também que tais profissionais encontraram na grande rede uma forma
de democratizar suas opiniões, que estariam restritas e distantes do debate público.
Destarte, com seu uso, perceberam uma possibilidade de mudanças de tradições e
paradigmas nas instituições a que pertenciam.
Essa pesquisa ressaltou, ainda, que vários dos profissionais de segurança entrevista-
dos e pesquisados foram punidos por suas respectivas instituições policiais por expres-
sarem de forma pública, através de blogs ou contas em redes sociais, opiniões referentes
à atuação das políticas de segurança pública que encontravam em seus estados.
Assim, decorrente dessas questões levantadas na pesquisa de 2009, no
ano seguinte o Ministério da Justiça e a Secretaria dos Direitos Humanos da
Presidência da República criaram a Portaria Interministerial SEDH/MJ nº
2 (2010), que “Estabelece as Diretrizes de Promoção e Defesa dos Direitos
Humanos dos Profissionais de Segurança Pública”. Destarte, no item 3 do
Anexo dessa portaria, é expresso que uma de suas diretrizes é:

Assegurar o exercício do direito de opinião e a liberdade de expressão dos profis-


sionais de segurança pública, especialmente por meio da Internet, blogs, sites e
fóruns de discussão, à luz da Constituição Federal de 1988.

A pesquisa, fomentada pela Unesco e socializada nos meios acadêmicos e po-


liciais, propiciou diretamente uma ação do governo federal a fim de modificar as
atuações no âmbito das instituições de segurança pública no Brasil.
Ou seja, o importante a destacar nesse tópico é que o planejamento gover-
namental está cada vez mais interligado a dados técnicos e científicos, os quais
são oriundos das pesquisas realizadas nos meios acadêmicos privados, públicos ou
institucionais. Portanto, esta é a principal importância de uma pesquisa acadêmica
bem realizada: problematizar a realidade social, entendê-la e proporcionar novas
possibilidades de atuação dos sujeitos envolvidos.

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***
Bem, chegamos ao final do nosso material. Esperamos que tenha gostado e
que tire o máximo proveito das informações e das dicas que foram apresentadas
aqui. Nosso objetivo foi tornar o seu trabalho de conclusão de curso mais simples
e agradável de ser elaborado.
Desejamos que você realize uma ótima pesquisa!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECKER, HOWARD S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. Trad. Marco Estevão, Renato
Aguiar. São Paulo: Hucitec, 1999.
BRASIL. Ministério da Justiça. Matriz curricular nacional para a formação em segurança pública.
Brasília: Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2014.
______. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Portaria Interministerial SEDH/
MJ nº 2, 2014. Disponível em: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/1188889/DLFE-54511.
pdf/portariainterministerial.pdf. Acesso em: 1 ago. de 2016.
BUNGE, Mario. Causality and modern science. New York: Dover, 1979.
______. Epistemologia: curso de especialização. São Paulo: Universidade de São Paulo: 1980a.
______. Ciência e desenvolvimento. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Ed. Universidade de São
Paulo, 1980b.
______. La ciencia: su método y su filosofía. Buenos Aires: Ediciones Siglo Veinte, 1985.
CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004.
CRUZ, Carla; HOFFMANN, Caroline; RIBEIRO, Uirá. Trabalho de conclusão de curso: a excelência
como diferencial. Belo Horizonte: Editora New Hampton Press Ltda., 2006.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo:
Edições Loyola, 2009.
KAHLMEYER-MERTENS, Roberto Saraiva et al. Como elaborar projetos de pesquisa: linguagem e
método. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2007.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de A. Fundamentos de metodologia científica 1. 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2003.
LAKATOS, I. O falseamento e a metodologia dos programas de pesquisa científica. In: LAKATOS, I.;
MUSGRAVE, A. (Org.). A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo: Cultrix, 1979.
PEIRANO, Mariza G. S. A teoria vivida: e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
POPPER, Karl R. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Editora Cultrix, 2004.
RAMOS, Silvia; PAIVA, Anabela. A blogosfera policial no Brasil: do tiro ao Twitter. Série Debates
Unesco, Brasília, n. 1, 2009.

capítulo 4 • 110
VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2000.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
BOURDIEU, P. Para uma sociologia da ciência. Coimbra: Edições 70, 2001.
BOAVENTURA, Edivaldo M. Como ordenar as ideias. 5. ed. São Paulo: Ática, 1997.
CHASSOT, Áttico. A ciência através dos tempos. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004.
FOUCAULT, Michel; MOTTA, Manoel Barros da. Arqueologia das ciências e história dos sistemas de
pensamento. In: ______. Ditos e escritos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
KÖCHE, José Carlos. Fundamentos de metodologia científica: teoria da ciência e iniciação à
pesquisa. 26. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo: Edições Loyola, 2001. v. 4.

OUTRAS REFERÊNCIAS:
• A Teoria de Tudo (Filme)
Fala sobre o relacionamento do famoso físico Stephen Hawking (interpretado por Eddie Redmayne),
portador de esclerose lateral amiotrófica, com sua esposa Jane (vivida por Felicity Jones), por meio do
qual nos fala também sobre a sua produção e suas preocupações científicas (ano de produção: 2015).
Dirigido por: James Marsh
Gênero: Drama biográfico
Nacionalidade: UK
Título original: The Theory of Everything
Distribuidor: Universal Pictures
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=OgVdYzUW0yk

• Uma Mente Brilhante (Filme)


Premiado com 4 Academy-Award, incluindo o Oscar de Melhor Filme, "Uma Mente Brilhante" conta
com Russell Crowe no papel principal, num extraordinário desempenho como o brilhante matemático
John Nash, que prestes a obter o reconhecimento internacional se envolve numa misteriosa
conspiração. Agora, só lhe resta a dedicada esposa (Jennifer Connelly, vencedora de um Academy-
Award) para ajudar nesta fascinante história de coragem, paixão e triunfo (ano de produção: 2001).

Dirigido por: Ron Howard


Gênero: Drama biográfico
Nacionalidade: US

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Título original: A Beautiful Mind
Distribuidor: Universal Pictures
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=eP_W32MSUVE

• O Nome da Rosa (Filme)


Baseado no romance homônimo do crítico literário italiano Umberto Eco. Sean Connery é o frade
franciscano Guilherme de Baskerville e Christian Slater é seu aprendiz Adson von Melk, que são
chamados para resolver um mistério mortal em uma abadia medieval (ano de produção: 1986).

Dirigido por: Jean-Jacques Annaud


Gênero: Drama histórico
Nacionalidade: AL; FR; IT
Título original: The Name of The Rose
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=Y8UAlMlfjsI

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