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TEMA I: A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA

1.1 Pensamento Psicológico Antes e Depois do Século XVIII


1.2 Métodos, Princípios, Objecto e Estrutura da Psicologia,
1.3 Psicologia do Senso Comum & Psicologia Científica
Antes que a psicologia se constituísse como disciplina científica independente, o que
teve lugar no último terço do século XIX, quando Wilhem Wundt (1832-1920), o pai da
psicologia científica fundou na Universidade de Leipzig (que desde 1952 passou a
denominar-se Universidade Karl Marx) o primeiro laboratório de investigações psicológicas
(Sánchez-Barranco, 1999), os gregos interrogavam-se sobre as questões que hoje
denominaríamos psicológicas. Com efeito, a primeira doutrina sistemática sobre os
fenómenos da vida anímica foi formulada por Aristóteles (384-322 a.n.e.), embora antes
Platão (428-347 a.n.e) já tivesse se interessado por questões que hoje julgamos
psicológicas (Katz, 1969).
Como máximo inspirador do trabalho de Platão estava seu mestre Sócrates (847-399
a.n.e.), que ao suscitar a busca de uma série de conceitos absolutos como verdade, beleza,
justiça, Deus. etc. abriu caminho à filosofia idealista do seu discípulo. Outro filósofo e
médico importante foi Hipócrates de Cós ( 469-361 a.n.e. ), autor da primeira
caractereologia ( classificação da personalidade ou carácter) que se baseou no predomínio de
um dos quatro humores corporais (sangue: sanguíneo; bílis amarela: colérica; bílis
negra: melancólico; fleuma: fleumático).
Entre os temas psicológicos objecto de interesse dos anteriores filósofos estavam as
presumíveis relações existentes entre a alma e o corpo, entre o corporal e o mental, sem
que, no entanto, usassem uma metodologia controlada de investigação, mas sim umas
observações azaradas ou uma introspecção informal, e depois, faziam uma reflexão ou
instituições mais ou menos afortunadas.
Com isto não se pretende dizer que tais contribuições tenham de ser julgadas como
estritos antecedentes dos conhecimentos psicológicos que surgiram posteriormente, mas
simplesmente expressar que foi na Grécia clássica onde ocorreram as condições
adequadas para a génese e ulterior desenvolvimento da psicologia. De todos modos, o
estudo do que na actualidade chamamos de psicologia, começa com a admiração que

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sente o homem perante duas realidades, o mundo externo e sua consciência, e que trata
de pôr em certa ordem e chegar a algum tipo de explicação válida (Moya, 1992).
Sendo a partir desse momento que se instaura o interesse pelo especificamente
psicológico e ainda com uma perspectiva empírica, isto é, baseada na experiência e uso
de técnicas como a observação, quantificação e registro dos factos observados. Desde
então até os finais do século XIX, a psicologia passou a ser denominada de psicologia
filosófica (Caparros, 1981), caracterizada principalmente por conformar uns
conhecimentos obtidos sem o apoio de nenhuma metodologia propriamente científica, e
carecendo também de um genuíno corpo de leis ou princípios explicativos, embora se
deva assinalar mérito de ter constituído o fundamento da base teórica da actual
psicologia (Perez, 2003).
O que favoreceu, no entanto, a progressiva organização da psicologia como uma
disciplina autónoma foi a influência das chamadas ciências do homem, que surgiram
nos finais do século XVIII, depois da qual houve um progressivo abandono dos
postulados da psicologia filosófica, carregada de ideias não contrastadas. Como
responsável de tal mudança estava R. Descartes (1596-1650), que graças as suas ideias
pode gerar-se uma ciência do homem de carácter positivista, isto é, sustentada na
experimentação e rigor científico, sendo o dualismo e a doutrina das ideias inatas o
preço que teve que se pagar (Sanchez-Barranco, 1999). A partir desse momento, a alma
deixou de ser abordada como algo espiritual, e passou a ser investigada pelas suas
faculdades (como a de pensar, sentir, etc.), ressaltando seus processos e efeitos implícitos,
independentemente da substância de que estivesse composta.

Igualmente, o corpo já não era visto como máquina, mas como um organismo, o que
permitia reconstruir a unidade corpo-alma, e assim superava-se em algum grau o
dualismo cartesiano e a relação peculiar que estabeleceu G. W. Leibiniz (1648-1726).
O primeiro ponto, isto é, o estudo das faculdades, foi iniciado pelos empiristas ingleses,
fundamentalmente Locke, Barkeley e Hume, cujas ideias seriam posteriormente mais
refinadas pelos associacionistas, desde Hartley até Mill, exercendo posteriormente tais
ideias associacionistas grande influência no campo da aprendizagem, ao entender esta
como fruto da associação entre estímulos e respostas. Contrariamente, o segundo passo

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será dado pelos enciclopedistas (Buffon e Lamatrie) e os ideólogos (Condillac e Cabanis),


que modificam a anterior concepção que existia entre corpo e alma.
De todos os modos, ainda seria necessário algum tempo para que a psicologia tomasse
corpo definitivo como disciplina autónoma, o qual nasce paradoxalmente da fisiologia,
onde não se encontravam respostas às interrogantes que os seus estudos pretendiam
responder, convertendo-se a psicologia na via de solução das suas interrogantes.

Deve-se acrescentar que o que se entende por ciência sofreu transformações muito
diversas no decurso da história, de tal maneira que tem muito pouco haver com a ciência
tal como na actualidade ela é definida com a definição, por exemplo, dos princípios do
século XX, devendo-se também indicar que hoje não existe uma posição unânime com
relação à delimitação do que é ou não é científico. Tal discussão adquire especial realce
para a psicologia, onde os mais afamados especialistas não chegam de determinar
critérios aceites pela maioria dos psicólogos. Segundo Sánchez-Barranco (1991), um
saber pode dizer-se científico quando possui três características básicas:

a. Que os fenómenos considerados pertençam à realidade, e constituam um campo de


trabalho o suficientemente delimitado e específico, isto é, o que não coincida com o de
outras ciências. Assim, por exemplo, a pedagogia aborda a realidade educativa
dos centros, institutos, estudantes, etc., enquanto a que medicina centra o seu
campo de actuação no estudo da saúde e das doenças humanas;
b. Que exista a possibilidade de uma abordagem metodológica de natureza científica,
entendida como o uso de uma série de ferramentas e procedimentos contrastados para
analisar e resolver os problemas delineados na ciência de que se trate, sujeitando-se para
isso a determinadas regras consensuais. No nosso caso (o de psicólogos, pedagogos e
de psico-pedagogos) como tais instrumentos estariam às provas de avaliação
psicológica ou de diagnóstico que nomeio clínico ou escolar, por indicar apenas
dois deles, com frequência utilizados para tratar a um sujeito afligido por um
determinado transtorno ou alteração psicológica.

c. Deve-se conseguir com os estudos e investigações oportunas, um corpo de leis, princípios


ou regularidades capazes de explicar os eventos objecto de investigação, facto que

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necessariamente conduz a possibilidade de predizer (em psicologia é melhor falar de


prognosticar) e pós-dizer, isto é, realizar prognósticos a posteriori dos comportamentos
investigados, assim como controlar de alguma forma o curso dos mesmos, e manipular as
variáveis ou factores que os determinam, condicionam ou motivam.
Como todas disciplinas com pretensões científicas, a psicologia procura seguir os
critérios antes referidos, tentando para isso definir de forma precisa seus termos
(linguagem própria) e conceitos básicos, formulando hipóteses presumivelmente
explicativas e construindo leis suficientemente fundamentadas (Sánchex-Barranco,
1991).

Apesar disso, a psicologia ainda não conseguiu uma teoria geral que descreva e
explique a conduta, seja qual for o tipo de explicação escolhida (explicação causalista,
explicação funcional, explicação compreensiva e explicação interpretativa), pelo que os
psicólogos aspiraram a abrir perspectivas mais ou menos amplas que possam
influenciar em sectores importantes do seu campo de trabalho ou a formular teorias
de maior ou menor potência explicativa (Wolmen, 1979). Nesse sentido, ao longo da
história da psicologia surgiram autores como E. Ticher (1867-1927), discípulo de
Wundt, J. B. Watson (1878-1958) ou S. Freud (1856-1939), por citar apenas alguns, que
pretenderam construir uma teoria que permitisse explicar a totalidade da conduta,
objectivo que não foi possível atingir, e por isso alguns afirmaram que a psicologia
ainda encontra-se a nível de uma ciência em formação ou de uma semi-ciência, ou
como afirma Caparrós (1979), uma disciplina multi-paradigmática, o que em todo
caso distancia-se de um mero saber filosófico (Brennan, 1969)

De facto, como objectivos alcançados pela psicologia pode-se referir a seguinte


enumeração:
1. Determinar os principais processos básicos (como a atenção, percepção, emoção, etc.) que
determinam a conduta e ressaltam as suas naturezas peculiares, diferentes da que
caracteriza a filosofia.

2. Ter classificado tais processos, assim como as estruturas subjacentes e as funções que
põem em marcha;

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3. Esclarecer alguns dos princípios ou leis que regulam a conduta, integrando tudo isso em
diversas teorias mais ou menos sistematizadas, a partir das quais se possa explicar,
predizer (ou pós-dizer) e de controlar.
Sem esquecer que a conduta repousa em ingredientes somáticos, os psicólogos
teóricos e aplicados, no momento de criar suas próprias teorias e tecnologias, devem
ter em conta que tais elementos constituem uma unidade com outros elementos de
carácter psicológico e social, e assim, conceber o ser humano como uma unidade bio-
psico-social.

Convém recordar que os termos conduta e comportamento têm sido durante


décadas de uso exclusivo dos conductistas, mas hoje são património de todos os
psicólogos, seja qual for a sua postura teórica ou compromisso tecnológico. Conduta,
portanto, é uma palavra que possui na actualidade a vantagem de não estar ligada a
nenhuma escola psicológica em especial, sendo o suficientemente neutral como para
formar parte da linguagem comum dos investigadores de diferentes enfoques
(Bleger, 1968) ou do cidadão comum, que a usa com diferentes matizes. Isto não
implica que todos os psicólogos usam o termo conduta com idêntico significado, ao
existir alguns que entendem por conduta como todos os actos de um organismo
capazes de ser observados, registados e estudados, e que compreendem apenas o
puramente externo, enquanto que os outros incluem também o subjectivo ou interno.

Quando se parte das ideias de J. Delay e Pichot (1966), é tradicional distinguir


conduta animal e conduta humana, tendo adquirido a primeira delas uma
progressiva importância e autonomia desde que Watosn em 1913 criou o condutismo
ou perspectiva condutista, conhecida também na sua primeira versão como
codutismo empírico Wotsoniano. É que, até essa data, o foco de atenção do psicólogo
era a vida mental do ser humano e a introspecção experimental ou analítica (ou
alguma das suas variantes) com um único método de investigação existente,
referindo-se à auto-observação que se realiza com fins de investigação e em
condições estritas de laboratórios de modo que o sujeito, a pedido do investigador
dirija a atenção de forma voluntária para determinados conteúdos mentais (ideias,
pensamentos, etc.) cujo curso e desenvolvimento informava aos responsáveis da

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investigação. Com Watson, no entanto, o interesse transladou-se para os aspectos


públicos ou externos da conduta, sendo a observação uma técnica fundamental para
realizar tal tarefa.
Deste modo, a limitação imposta pela referida introspecção, como era por exemplo a
impossibilidade de investigar a conduta em crianças que ainda não falassem ou
sujeitos com efeitos de alguns transtornos psíquicos que lhes impedissem de atender
expressar verbalmente seus conteúdos mentais, obrigava a não realização da
investigação, da mesma forma sucedia com o estudo do comportamento animal.
Assim. A posição de Watson enriqueceu, sem dúvidas, o saber psicológico.

O estudo da conduta animal, costuma realizar-se em estritas condições de


laboratório, o que se conhece como psicologia animal clássica, observando a actividade
animal dentro do seu habitat natural ou num meio o mais parecido possível ao
natural, o que é da responsabilidade da Etologia. O primeiro caminho foi empregue
geralmente pelos psicólogos norte-americanos como Thorndike, Skinner e grande
parte dos condutistas, enquanto que o segundo é o habitual utilizado pelos autores
europeus como Lorenz, Timbergem e outros. Embora ambas alternativas se
complementem, os seguidores de uma ou de outra têm tido em algumas ocasiões
enfrentamentos e discussões estéreis (Sánchez-Barranco, 1991).

NO RESPEITANTE A CONDUTA HUMANA, sendo os aspectos que dela se


estudem podem efectuar-se várias subdivisões. Assim, fala-se de psicologia geral
quando o campo de estudo se restringe à conduta do homem adulto normal,
incluindo-se também a investigação da atenção, percepção, etc., como processos
psicológicos básicos. A psicologia Evolutiva, pelo contrário, trata de fornecer teorias
explicativas com relação as transformações que têm lugar no ciclo vital (Life-spain),
quer dizer, desde a fecundação até ao envelhecimento; e a psicologia diferencial
destaca os traços peculiares do comportamento em ambos os sexos, ou entre
diferentes profissões ou trabalhos, e também, entre grupos ou colectivos humanos
mais ou menos distanciados da norma (génios, marginais sociais, etc.). A psicologia

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Social estuda a influência que tem o viver em algumas culturas e dentro de certos
grupos ou sociedades na cultura individual, grupal e comunitária.

Considerando a metodologia empregue dentro da investigação psicológica,


encontramos diferentes métodos; o método experimental é que goza de maior
prestígio na universidade, ao julgarem alguns que apenas é psicologia científica
aquela que se apoia em tal método, opinião que muitos autores não compartem. Seja
como for, segundo o método de preferência, cabe diferenciar os seguintes ramos da
psicologia:

➢ Psicologia Introspeccionista (ou Mentalista). Que utiliza como ferramenta


fundamental de trabalho a introspecção, devido ao seu interesse nos aspectos
subjectivos ou privados implícitos na conduta, que a julgam influenciada por
uma série de processos mentais conscientes.

Dentro desta perspectiva sobressaem formas de fazer psicologia que já


desapareceram, como o estruturalismo e o funcionalismo, enquanto que
outras como a psicologia compreensiva e especialmente a psicologia da
Gestalt continuam presentes de alguma forma, a primeira com influência em
estudos de carácter clínico e a segunda na psicologia cognitiva.

➢ Psicologia experimental. A sua consolidação foi em grande parte fruto do


trabalho pioneiro de Watson, que a partir de 1913 iniciou uma psicologia de
evidente carácter objectivo, a psicologia condutista, que se baseia na observação
científica e na metodologia experimental de fundamento indutivo, que
consiste em estudar uns casos particulares para depois extrair leis gerais,
julgando como objecto de estudo a busca de relações entre os estímulos do
meio e as respostas do organismo (explicação causal), trabalha com animais de
laboratório, para tal.

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Tal forma de conceber a psicologia foi posteriormente enriquecida pelos neo-condutistas


(Hull, Tolman, etc.) que, imersos no operacionalismo (tentativa de objectivas aspectos
subjectivos ou privados da conduta) e no positivismo, trataram de solucionar problemas
anteriores, tal como os os condutistas radicais que, com Skinner à cabeça construíram uma
psicologia orientada à análise experimental do comportamento (AEC).

Mas dado o neo-ducionismo deste último e a sua insistência no modelo de caixa negra,
onde apenas contam os estímulos e as respostas, deixando de fora os conteúdos mentais
do organismo, esta psicologia foi substituída por enfoques cognitivos.

➢ A psicologia Cognitiva, diferentemente do conductismo em qualquer das


versões anteriormente indicadas, interessou-se pela actividade mental dos
sujeitos, ao considerar que nela repousavam as variáveis essenciais para
explicar o comportamento. Apoiando o seu trabalho em estratégias
hipotético-dedutivas, isto é, partindo de uma hipótese ( ou tentativa
explicativa) extrai uma série de deduções que tratam de corroborar mediante
a realização de uma investigação, servindo-se também de modelos teóricos
diversos para investigar no laboratório ou fora dele o funcionamento
psicológico. Neste último caso, estudam-se condutas no meio natural dos
sujeitos ou no mais semelhante possível a aquele, o que se conhece como
método ecológico.

➢ Psicologia Dinâmica ou profunda. Conhecida também como psicanálise que


postula que nossa conduta está governada fundamentalmente pelos
processos inconscientes, isto é, desconhecidos para o sujeito, parte dos quais
podem desvendar-se quando uma pessoa se submete a uma terapia de porte
psicanalítico, quer seja clássica ou freudiana bem como de inspiração
psicanalítica como a psicoterapia breve.

O criador de tal modelo psicológico foi Sigmund Freud (1856-1939), que aglutinou ao seu
redor um grupo interessante de médicos psiquiatras e de outros profissionais, que

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levaram a cabo inovações tanto na teoria como na técnica psicanalítica, o que lhes fez
distanciarem-se de Freud. Dentre os primeiros dissistentes encontram-se o C. Gustav
Jung (1875-1961) e A. Adler (1870-1937), criadores respectivamente do conceito de
complexo e sentimento de inferioridade, deduzindo-se por isso que quem diz complexo de
inferioridade mistura conceitos de autores diferentes.

As contribuições da psicanálise são muito amplas e variadas, a ponto de permitirem a


criação de uma psicologia geral, evolutiva, diferencial e social, um amplo modelo psico-
patológico ( especialmente no terreno das neuroses, embora existam também interessantes ideias
psicanalíticas sobre as psicosis) e uma peculiar cosmovisão com influência na educação,
arte, a literatura, etc. Todo isto não impediu que muitos dos seus conteúdos não tenham
sido validados com a metodologia científica própria das chamadas ciências exactas e
naturais, pelo que o saber psico-analítico tem sido etiquetado por muitos de
pseudociência ou mito. Outros autores, no entanto, vêm a psicanálise como uma
disciplina histórico-hermenêutica ou interpretativa, tratando de validar suas ideias com
critérios não experimentais, ao acreditar que para além da metodologia experimental
existem outras formas de validar os conhecimentos.

➢ Psicologia Clínica. Emprega diferentes técnicas e estratégias metodológicas,


facto que a torna difícil definir, para além de estar interessada em questões tão
diferentes que afectam a saúde e doença mentais das crianças e adultas. Foi
definida, num dado momento, por Schraml (1975) como aplicação de diversos
conhecimentos, técnicas e métodos das disciplinas psicológicas básicas e de
outras disciplinas afins (psicanálise, antropologia, sociologia, etc.)

Em todo o caso, seguindo ideias expressar por Sánchez-Barranco (1989), a psicologia


clínica atinge sua autonomia por:
1. Apoiar-se essencialmente no método clínico, embora ocasionalmente use
outras estratégias;

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2. Centrar-se em casos individuais, o que se circunscreve na perspectiva


ideográfica, não forçosamente oposta à busca de um conhecimento de
tipo geral (perpectiva nomotécnica);
3. Ocupar-se do terreno clínico, buscando realizar diagnósticos pessoais, o
que nem sempre implica um substrato patológico - do qual se deriva que
nem sempre que um indivíduo vai a terapia é porque esteja queixoso de
algum transtorno psicológico - podendo também realizar psico-
diagnósticos para investigar os interesses vocacionais de um sujeito ( por
exemplo, se alguém é idóneo para um curso técnico ou humanístico) ou para
distinguir uma pessoa sã mentalmente de outra que não o esteja; e,
finalmente.
4. Valer-se de ideias, conceitos, etc., pertencentes a mais de um enfoque, ao
estar guiada por um sentido funcional e pragmático

No respeitante aos objectivos que perseguem, a psicologia pode dividir-se em


psicologia teórica e psicologia aplicada, acolhendo a primeira no seu seio todas as
investigações e conhecimentos psicológicos que persigam fundamentalmente a
construção de um campo sistemático de saber científico sobre o comportamento, seja ele
de carácter geral ou específico. Enquanto que na segunda caberia falar de tantas
psicologias aplicadas como parcelas da actuação humana, destacando como
especialidades mais conhecidas as de psicologia de saúde, (que alguns pensam que é
semelhante à psicologia Clínica), a psicologia escolar, a psicologia da educação ( em ocasiões
realizando tarefas similares às da psicologia da saúde), a psicologia do trabalho e a psicologia
comunitária, entre outras.

Formado especialmente no campo preventivo da saúde humana, o psicólogo da saúde,


tal como o psicólogo clínico, é frequente estar integrado numa equipe multidisciplinar,
composta por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, trabalhadores sociais, etc.,
participando em programas de prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação, tendo
em conta sempre as perspectivas psicossociais, o que supõe centrar-se mais em aspectos
sociais ( grupo de amigos, vizinhos, etc.) ou familiares do que no próprio sujeito. Para

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realizar tal tarefa de forma adequada é necessário que este profissional possua um
profundo conhecimento de psicopatologia, assim como de psico-diagnóstico, psicologia
social e comunitária, e diversas técnicas de intervenção individual e psicossocial.

Igualmente, sua sensibilidade para trabalhar em equipe será outro ingrediente


fundamental a ter em conta, posto que nalgumas vezes, alguns tratam de impor sua
autoridade revestida pelo seu papel, em lugar de ser pelo respeito mútuo que deve guiar
a actuação entre diversos profissionais.
É obvio também que o psicólogo clínico deva dominar a psicopatologia e outras
disciplinas relacionadas com o campo do transtorno mental como são as disciplinas de
psico-diagnóstico, psico-farmacologia ( pois, embora não possa receitar psico-fármacos, ao ser
da competência dos médicos psiquiatras, é conveniente que conheça os efeitos secundários
derivados do seu uso, para assim distinguir melhor os sintomas de causa psicológica daqueles
originados por uma inadequada possologia ou admiração do psico-fármaco) e as técnicas psico-
terapéuticas que se utilizam na terapia em que se tenham formado, pelo que seu
currículo sobrepõe-se em parte ao de psiquiatra, cujos conhecimentos e práticas
geralmente encaminham-se para receitar psico-fármacos e realizar exames físicos
complementários, dada a natureza da sua formação eminentemente biológica.

No entanto, existem também psiquiatras que no seu exercício clínico alternam, quando
assim o julgam conveniente, a psicoterapia, seja de que tipo fôr, (dinâmica, isto é, baseada
na psicanálise; conductual, apoiada na psicologia conductista e desde algun tempo para cá na
psicologia cognitiva; a psico-corporal como é o caso da bionergética ou da terapia Gestalt) com a
medição, o que logicamente supõe a prévia e séria formação de tais profissionais em
qualquer dos modelos psico-terapéuticos mencionados.

Diferentes pautas guiam a actividade do psicólogo comunitário, cujo modelo de


investigação e de trabalho é mais de natureza sociológica que psicológica,
diferentemente do que sucede com o psicólogo de saúde que com frequência realiza o
seu trabalho em escritório.

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Noutro plano, o psicólogo escolar trata de melhorar o desenvolvimento intelectual,


social e emocional das crianças que vão à escola (Davidoff, 1986), o que implica que
quando se diga que estas têm transtornos ou dificuldades escolares, tenham
necessariamente uma doença física ou mental, ao tratar-se habitualmente de um
conjunto de comportamentos desajustados, que se desencadeam e mantêm-se devido a
factores estritamentepsicológicos, quer sejam sociais ou individuais. Neste sentido
pode suceder que se acredite que uma criança tem fobia escolar porque quando ela é
leva da à escola descompensa-se, chora e grita, não quer separar-se da mãe ou do pai,
não sendo no entanto a escola o que teme, mas a separação da figura de apego, o que
seria uma ansiedade de separação e não uma genuina fobia escolar.

Outras tarefas que também realiza o psicólogo escolar são as de implementar programas
educativos, assessorar a professores e alunos, etc. o psicólogo educacional, pelo
contrário, desenvolve, desenha e avalia os materiais e procedimentos para os programas
educativos, o que para alguns autores não tem porquê se limitar ao âmbito escolar, ao
poder ser útil noutras situações como a educação psicológica para a gravidez e o parto, a
ajudar a pais pela primeira vez ou os que se encontram transbordados de exigências e
conflitos de seus filhos, etc.

Os psicólogos escolares servem-se de entrevistas, testes mentais, etc., para alcançar seus
objectivos, sendo necessário que junto a um extenso e profundo conhecimento da
psicologia evolutiva, possuam noções amplas de psicologia clínica, porque tornará mais
eficaz a sua intervenção socioeducativa, ao conhecer tanto as condutas normais como
anormais das crianças e adolescentes.

O psicólogo do trabalho, como facilmente se deduz, realiza sua tarefa no entorno


laboral, com o intuito de que o indivíduo se adapte da melhor maneira possível à sua
actividade profissional, colocando para isso em primeiro lugar o bem-estar do
trabalhador e não a productividade da empresa, objectivo exclusivo dos antigos
industriais, uma denominação que hoje é descartada ao não serem apenas as indústrias
os únicos lugares onde trabalha o ser humano. Primar a satisfação subjectiva do trabalho
não implica deixar de lado o rendimento laboral, daí que parcelas como a selecção do

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pessoal, recursos humanos, prevenção de riscos laborais ou programas para atenuar o


absentismo laboral; sejam investigadas por tais psicólogos neste âmbito.

Outras áreas de aplicação da psicologia que estão adquirindo na actualidade cada vez
maior protagonismo, são a psicologia desportiva, psicologia ambiental, etc.

A psicologia encontra-se num esta de auge e de indiscutivel desenvolvimento


progressivo e se fundamenta nos seguintes princípios básicos:

1. Princípio do monismo materialista. Estabelece que a psiqui é uma propriedade do


cérebro, e por consequência os psicólogos devem estudar as leis da actividade nervosa
superior para compreenderem de forma objectiva a natureza dos processos psíquicos e
conhecer os mecanismos fisiológicos desses processos a fim de “sobrepor” os fenómenos
psíquicos aos processos fisiológicos;

2. Princípio do determinismo. Mediante este, se reconhece a condicionalidade causal dos


fenómenos psíquicos pelos processos da actividade nervosa superior e as influências do
meio exterior.

3. Princípio do reflexo. Segundo o qual a consciência é reflexo subjectivo do mundo


objectivo. A partir deste critério os psicólogos devem estudar a psíquis, a consciência, não
como algo independente e que se desenvolve segundo suas próprias leis imanentes, mas
como algo condicionado pela existência objectiva do mundo que reflecte.

4. Princípio unidade entre a consciência e a acção. Pressupõe que a consciência é


inseparável da actividade e não apenas manifesta-se nela, mas também forma-se durante a
actividade. Guiando-se por este princípio, os psicólogos devem estudar os processos
psíquicos não de forma abstracta, mas com relação aos tipos concretos de actividade.

5. Princípio da historicidade. Estabelece que a psique, a consciência, desenvolve-se no


processo de desenvolvimento histórico do homem, por isso é necessário, estudar os

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fenómenos psíquicos no seu desenvolvimento, esclarecendo a condicionalidade social dos


diferentes aspectos da consciência humana e da personalidade.

6. Princípio da unidade entre a teoria e a prática. Significa que os psicólogos devem


estruturar os seus trabalhos de investigação científica de tal forma que os ajude a resolver
tarefas práticas da construção social.

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Métodos da psicologia
1º - Método de Introspectivo
❖ Descrição: consiste na análise da introspecção laboratorialmente controlada
de estados de consciência, sobretudo sensações com objectivo de descobrir
a sua estrutura. Podemos dividilo em três momentos:
1- Uma pessoa observa os seus estados de consciência, ela auto-observa-se;
2- Essa pessoa descreve ou relata o que se passa na sua mente.
3- O psicólogo regista, anota o que é descritivo, analisa e interpreta o que é relatado.

❖ Vantagens
1. Não se conseguiu impor como metodologia científica.

2. Usado hoje em dia como técnica completar a outros métodos mediante o recurso
á auto-observação: recorrendo á verbalização do fenómeno por parte do
paciente, o psicólogo faz uma interpretação.
❖ Desvantagens
1. Carácter subjectivo e relativo do método introspectivo que leva a afirmar a sua
falta de objectividade;

2. A observação introspectiva não tem características científicas porque o sujeito


que observa e o objecto observado são o mesmo;

3. Só se ocupa do estuda dos estados de consciência e não aborda o


comportamento;

4. Há experiência conscientes muito difíceis de verbalizar;

5. A vivência psíquica e a sua descrição não se dão ao mesmo tempo pelo que está
pode ser incompleta e dificil de verificar-retrospecção;

6. O relato de um fenómeno é sempre uma modificação da vivência;

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7. Falta de amplitude de muitas questões da Psicologia que não podem ser


abordadas com este método ( ex: desenvolvimento infantil )
2º - Método Experimental
❖ Descrição: é um método explicativo, procura explicar um comportamento
através de um outro, estabelecendo uma relação de causa-efeito entre eles.

Utiliza um conjunto de técnicas e procedimentos rigorosos que, desenvolvidos em


laboratório, procura controlar e neutralizar variáveis estranhas e parasitasde modo a que
os resultados se devam única e simplesmente á manipulação da variável independente.
A hipótese é a suposição que orienta toda a investigação, assente na possibilidade de ser
testada e experimentada. Na hipótese são relacionadas em termos causais 2 variáveis: a
variável dependente e a variável independente.

Para que a hipótese explicativa ( certa relação entre V.I. e a V. D. ) seja realmente testada
mais nenhuma variável ou factor deve intervir. As variáveis parasitas devem ser
eficazmente controladas.

Constituida a amostra significativa, os seus elementos são distribuidos aleatoriamente


por 2 grupos: o grupo experimental e o grupo de controlo ( grupo de condição neutra ) ;
não é submetido a manipulação da V.I. e serve para verificar se a V.I. é o factor que
condiciona a V.D..

A validade de um experimento verifica-se quando somente a V.I. exerceu influência


sobre a V.D., sendo as variáveis estranhas neutralizadas. A validade externa designa a
possibilidade de generalização dos resultados obtidos em laboratórios valendo, em
principio para a população representada pela amostra.

❖ Vantagens
1. Permite estabelecer relações causais entre variáveis;

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2. Permite controlar com mais eficácia as variáveis estranhas ou parasitas.


Pretende-se com o tal rigor que só as variáveis presentes na hipótese ( V.I. e a
V.D. ) sejam relacionadas;

3. Este método preocupa-se e exige muito para que a generalização dos resultados
seja fiável;

4. A replicabilidade é uma característica tipica do método experimental;

5. Permite formular leis gerais sobre o comportamento humano ( certos


comportamentos ) ainda que de modo relativo.
❖ Desvantagens
a. Limitações Metodológicas ( relacionadas com a validade interne e externa da
experimentação )
• Limitações de validade interna:
1. poder de sugestão, interferência subjectiva do experimentador sobre o
paciente em ordem aos resultados que espera obter.

2. efeitos “ Hawthorne”: comportamento distinto dos observados em função


do ambiente.

• Limitações de validade externa:


1. Dificuldades na generalização dos resultados em virtudes da
selecção da amostra.
2. Artificialidade das condições experimentais em laboratório e o
problema da generalização em função desta artiicialidade.

b. Limitações Éticas
1. Não iludir os participantes quanto aos objectivos da
experimentação.

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2. Problemas levantados pela experimentação em animais.


3º - Método Clínico
❖ Descrição: consiste no estudo intensivo, aprofundado e personalizado de
comportamentos e processos mentais de um individuo ou de
um pequeno grupo de individuos.
É um “ estudo de casos” que têm uma dupla dimensão: terapêutica e investigativa
( teórica ).
Baseia-se numa visão global e dinânica do comportamento. Cada caso é o resultado de
um processo que deve ser reconstruido dando atenção a todos os aspectos ( intelectuais,
afectivos, sociais ).
É um método qualitativo e descritivo. Utiliza diversas técnicas: Observação clínica;
Entrevista Clinica ( orientada ou não-directiva mas procurando ser natural e
compreensiva ); Ananese ou registo biográfico ( reconstituição do percurso biográfico );
Técnica psicométricas ( testes de inteligência e de personalidade ).

❖ Vantagens
1. Permite obter grande quantidade de informação detalhada que, em alguns
casos, é de fenómenos novos, raros e complexos.

2. Possibilita uma investigação exaustiva de determinados aspectos do


comportamento humano. Por iso vários psicologos consideram-no o mais
adequado ao objecto da psicologia.

3. Valoriza o indivíduo como realidade singular dotada de uma história


pessoal a que se tem de dar atenção para o compreender em profundidade.
Cada indivíduo é um ser único que não se pode reduzir a mera expressão
comportamental particular de uma lei geral.

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❖ Desvantagens
1. Para muitos psicologos não tem carácter científico. A observação clinica é
muito subjectiva. O psicólogo que adopta não estabelece rigorosas
relações causais, isto é , não explica os factos.

2. O estudo clinico de uma ou poucas pessoas torna muito difícil saber se


podemos generalizar as conclusões.

3. O rigor dos resultados pode ser comprometido por lapsos e erros de


memória do sujeito e pela tendência a comportar-se de modo “
socialmente desejável ”.

4º -Método Psicanalítico
❖ Descrição: começou por ser um método terapêutico e tornou-se também
um método de investigação. É constituído por duas técnicas- a
livre associação de ideias e a interpretação dos sonhos – e por dois
processos ( a resistência e a transferência ).

O seu objectivo é trazer á consciência impulsos e desejos que supostamente estão na


origem dos sintomas que fazem sofrer o paciente. A “ causa ” é quase sempre um trama
ou um problema infantil que foi mal resolvido ( recalcado ). O paciente deve confrontar-
se de novo com esse acontecimento para que este perca a sua força e intensidade.
❖ Vantagens

1. Chama a atenção para o papel de forças, pulsões, desejos e inclinações


inconscientes na vida do ser humano;

2. Apesar da comunidade cientifica não reconhecer actualmente a utilidade do


método psicanalitico, é inegável, para os seus defensores, que nos esclareceu
acerca do modo de funcionamento de regiões psiquicas profundas, afastadas
da consciência.

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❖ Desvantagens
A principal crítica dirigida ao método psicanalítico insiste no facto de as suas
conclusões não serem refutáveis, isto é, não poderem ser submetidas ao teste da
experiência, ao confronto com os factos.
NB: Faça um estudo crítico do texto aqui presente e, na sala de aulas, apresente a
sua opinião sobre os diferentes conteudos abordados.

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