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CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO JUIZ DE FORA


CURSO DE JORNALISMO

Wallacy Oliveira Pasqualini

“BRASIL ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS”: UMA


ANÁLISE DO CONTEÚDO DA PÁGINA OFICIAL NO FACEBOOK
DE JAIR MESSIAS BOLSONARO

Juiz de Fora
2016
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Wallacy Oliveira Pasqualini

“BRASIL ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS”: UMA


ANÁLISE DO CONTEÚDO DA PÁGINA OFICIAL NO FACEBOOK
DE JAIR MESSIAS BOLSONARO

Monografia apresentada ao Centro


Universitário Estácio de Juiz de Fora como
requisito parcial para obtenção do título do
Grau de Bacharel em Jornalismo.
Orientadora: Profa. Silvânia Sottani

Juiz de Fora
2016
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Wallacy Oliveira Pasqualini

“BRASIL ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS”: UMA ANÁLISE DO


CONTEÚDO DA PÁGINA OFICIAL NO FACEBOOK DE JAIR MESSIAS
BOLSONARO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção de grau de


Bacharel em Jornalismo, no Centro Universitário Estácio Juiz de Fora – Minas Gerais.

Orientadora: Profa. Silvânia Sottani

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em ____/ ____ / 2016 pela banca formada
pelos seguintes membros:

_____________________________________________________
Profa. Silvânia Sottani (Centro Universitário Estácio Juiz de Fora) - Orientadora

_____________________________________________________
Prof. Leonardo Ramos de Toledo (Centro Universitário Estácio Juiz de Fora)

_____________________________________________________
Prof. Sílvio Augusto de Carvalho (Centro Universitário Estácio Juiz de Fora)

Conceito Obtido _______________________________________

Juiz de Fora
2016
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RESUMO

Jair Messias Bolsonaro é um político de destaque, tendo em vista que começou sua
carreira política em 1989 e, em menos de 20 anos, foi reeleito como deputado federal mais
votado do Rio de Janeiro, com aproximadamente meio milhão de votos. Ele tem ganhado
destaque na Câmara dos Deputados, perpassando com seus ideais pelas Bancadas que marcam
o conservadorismo e conquistam maioria de votos facilmente, sendo elas as Bancadas do Boi,
da Bala e da Bíblia. De igual forma, a presença religiosa se mostra marcante na vida política
de Bolsonaro, sendo que já em seu lema, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”,
percebe-se a presença do cristianismo. Em sua página no Facebook, os discursos religiosos e
de ódio, este último muitas vezes derivado do primeiro, são notáveis. Posto isto, o presente
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) tem por objetivo analisar o conteúdo da página oficial
no Facebook de Jair Messias Bolsonaro, bem como verificar a presença, e como essa de dá, da
religião e do ódio nos discursos do deputado, de seus seguidores, e daqueles que não
concordam com a posição política adotada por ele.

PALAVRAS CHAVE

Bolsonaro; Religião; Política; Haters e Facebook.


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DEDICATÓRIA

Chegar até esse momento importantíssimo para a minha vida profissional, a obtenção
de uma graduação, não foi algo fácil. Muitos foram os momentos em que cheguei a pensar em
continuar tudo depois e não realizar este processo por agora. Porém, aqueles que estão bem
próximos a mim não permitiram e, com atenção, apoio, conselhos e suas diferentes formas de
demonstrar carinho, tornaram esse momento possível. Portanto, dedico esse trabalho
primeiramente à minha mãe, Maria da Conceição Oliveira, que há quatro anos tem feito papel
de pai e mãe, me incentivando a sempre estudar, fornecendo condições e capacidade para que
isso aconteça. Dedico de igual forma ao meu pai, Ronaldo Pasqualini, que apesar de não estar
presente fisicamente, se faz notável em minha memória, sempre me permitindo lembranças de
conselhos e momentos de paz e alegria.
Também ao meu irmão, Wallysson Oliveira Pasqualini, pelas brincadeiras e momentos
em que me permitiu distrair a mente, além de aturar as leituras e os questionamentos se o meu
TCC estava realmente ficando bom (risos). À minha noiva, Valéria Romão Nério, dedico
pelos momentos em que aturou meu estresse, muitas vezes provocado por preocupações e
pela correria do dia a dia, bem como por seu apoio e calma, sempre me proporcionando paz e
auxiliando nas dúvidas enquanto escrevia este trabalho.
Sem vocês, este TCC jamais teria sido terminado, isso se tivesse sido iniciado. Por
isso, ele está sendo dedicado a todos, com minha total gratidão. Muitíssimo obrigado! Eu amo
vocês!
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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, venho a agradecer à minha orientadora, professora e amiga, Dr.ª


Silvânia Sottani, por sua paciência e tranquilidade em esclarecer todas as minhas dúvidas,
bem como por tornar a conclusão desse trabalho possível.
Ao corpo docente do Centro Universitário Estácio de Sá, agradeço por todo ensino
proporcionado, pois tenho total e absoluta certeza de que o Wallacy de quatro anos atrás
jamais conseguiria produzir um trabalho como este.
Aos meus professores dos Ensinos Fundamental e Médio, agradeço por me
proporcionarem o conhecimento necessário para que eu pudesse alcançar a obtenção da
minha graduação em Jornalismo.
Aos meus amigos, agradeço pelos diversos momentos em que nos divertimos juntos,
pelos trabalhos acadêmicos e escolares que realizamos e pelo conforto que vossa amizade
sempre proporcionou.
Vocês são muito importantes para mim! Por isso, minha total gratidão a todos!
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“Há uma afirmação que se pode fazer com bastante confiança: arriscam-se muito aqueles
que negligenciam o fator religioso em suas análises das questões contemporâneas”
Peter Berger
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9

1. UM POUCO DE HISTÓRIA ......................................................................................... 11


1.1. Teologia da Libertação ....................................................................................................... 13
1.2. Renovação Carismática Católica (RCC) ........................................................................... 19
1.3. A Terceira Onda Pentecostal: O Neopentecostalismo ..................................................... 25

2. A PRESENÇA DA RELIGIÃO NA POLÍTICA.......................................................... 29


2.1. Bancada do Boi, da Bala e da Bíblia .................................................................................. 33
2.2. A relação entre igrejas neopentecostais e mídia ............................................................... 41
2.3. A filiação de Jair Bolsonaro ao Partido Social Cristão (PSC)......................................... 49

3. ENTRE O PERTENCIMENTO E O ÓDIO ................................................................. 58


3.1. O Medo, o Inimigo e o Ódio ............................................................................................... 63
3.2. Discurso de Ódio versus Liberdade de Expressão ............................................................ 67

4. A PÁGINA OFICIAL NO FACEBOOK DE JAIR BOLSONARO ........................... 75


4.1. Bolsominions versus Socialistas de Iphone ........................................................................ 82
4.2. Cartão de visita para marginal do MST é cartucho 762.................................................. 86
4.3. O Brasil nunca será EUA.................................................................................................... 90
4.4. Graças a Deus Trump venceu ............................................................................................ 94
4.5. Até quem só entende de maconha pode opinar sobre política......................................... 96
4.6. Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil ............................................................................. 99
4.7. Conclusão da análise ......................................................................................................... 101

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 104


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 106
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INTRODUÇÃO

O Brasil possui uma história política conturbada. Desde o ano 1500, quando o país
passou pelo período colonial, até os dias atuais, a cultura da exploração vem sendo
exorbitantemente aproveitada e reaproveitada. Os poderosos abusam dos menos favorecidos,
quer seja por escambo, quer seja por corrupção. Nesses momentos, surgem políticos que
demonstram total repúdio a essas práticas e, por isso, ganham atenção da população,
principalmente quando realizam propostas para resolver os problemas de segurança e políticos
brasileiros. Dentre eles, há um que possui destaque, o militar da reserva e deputado federal
Jair Messias Bolsonaro.
Ele, que é um pré-candidato à presidência do país em 2018, tem sua linha de
pensamento político baseado nos ideais de extrema direita, utilizando a religião e o ódio como
bases para seus discursos. Na internet, possui o apelido de Bolsomito, por aqueles que o
apoiam, além de outras palavras derivadas de seu sobrenome, como Bolsomerda e Bolsolixo,
usadas por aqueles que não são a favor de seus ideais. Através das mídias sociais, a
divulgação dos pensamentos de Bolsonaro sobre homoafetividade, porte de armas,
agronegócios, e temas relevantes da política ganham cada dia mais notoriedade. E as
discussões em suas postagens, tanto a favor como contra, são intensas.
Com o objetivo de demonstrar a presença da religião e do ódio nos discursos do
deputado, esse Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) está dividido em quatro capítulos. Em
um primeiro momento, é realizada uma breve análise da história do cristianismo no Brasil,
que permanece sendo a religião com maioria de membros no país até os dias atuais, apesar de
estar perdendo fiéis nos últimos anos. Também são analisados os movimentos Teologia da
Libertação, Renovação Carismática Católica (RCC) e Neopentecostalismo, por serem
considerados de grande repercussão na sociedade brasileira. Uma comparação entre o fato de
a Igreja Católica estar perdendo membros, bem como a Teologia da Libertação ter perdido
espaço, além das igrejas Neopentecostais estarem ganhando membros, demonstra que o
neoconservadorismo tem se mostrado cada vez mais presente no país.
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Em um segundo momento, é discutido como a religião interfere na política, com foco


na ação do cristianismo na política brasileira. Também é apresentada uma discussão sobre a
secularização do Estado, onde alguns autores defendem que atualmente a religião não possui
mais domínio sobre o Estado e, portanto, estamos secularizados, enquanto outros autores
apontam a existência de símbolos e discursos religiosos no meio político, demonstrando que a
secularização não se concretizou. Sobre esse último fator, foi analisada a presença das
Bancadas do Boi, da Bala e da Bíblia na Câmara dos Deputados, bancadas essas que
defendem os interesses de seus membros. Também se apresenta uma relação entre partidos
políticos, mídia e igrejas neopentecostais, com uma análise do Partido Republicano Brasileiro
(PRB), do Partido Social Cristão (PSC) e da Rede Record, como símbolos da presença
religiosa nesses meios.
Em um terceiro momento, como forma de preparar o caminho para a análise empírica,
é realizada uma explicação sobre cibercultura, que simboliza a formação de uma cultura
virtual, em que os membros agem por meio da inclusão daqueles que são adeptos a seus
ideais, como pela exclusão dos que não aceitam esses ideais, e comunidades virtuais, que são
os locais na rede onde as pessoas agem como em uma comunidade, mas sem estarem
presentes fisicamente. Além, é demonstrado como as pessoas formam personagens nas redes
sociais, que podem ser totalmente diferentes do que elas aparentam ser pessoalmente. Assim,
é realizada a discussão sobre discurso de ódio, bem como da liberdade de expressão, onde são
apresentados os conceitos de Estado Liberal e Estado Social, e como essa liberdade é
denotada juridicamente em cada um.
Ao final, é realizada uma análise do conteúdo da página oficial no Facebook de Jair
Messias Bolsonaro, sendo levados em consideração os comentários e postagens que
demonstraram discursos religiosos e de ódio, sendo o objetivo final a demonstração da
presença massiva desses discursos na página do deputado e o uso de termos pejorativos como
forma de menosprezar os contrários e os favoráveis às políticas propostas por Jair,
corroborando o debate sobre os riscos que a laicidade do Estado corre nos dias atuais,
considerando a relevância pública de figuras como a de Bolsonaro.
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1. UM POUCO DE HISTÓRIA

Existem diversas religiões e religiosidades, sendo que a forma com que cada uma
surgiu ou se manifestou varia de acordo com as necessidades sociais, políticas e culturais das
sociedades onde se disseminaram. Por essa razão, há grande dificuldade entre os estudiosos da
área em apontar como começou a existir a necessidade do ser humano de ter uma religião. Por
se tratar de um terreno com grande pluralidade, mesclar todas as formas de manifestar as
crenças na existência de uma ou várias entidades superiores em uma única fonte, para explicar
o surgimento da necessidade do religioso, configura-se como um desafio.
A reflexão da existência de uma ou várias entidades superiores é o mesmo pensamento
que norteia a existência de mitos.

Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa. (...) A palavra mito vem
do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar
alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear,
designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para
ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que
narra; é uma narrativa feita em público, baseada, portanto, na autoridade e
confiabilidade da pessoa do narrador. E essa autoridade vem do fato de que ele ou
testemunhou diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem
testemunhou os acontecimentos narrados. (CHAUÍ, 2000. p. 32).

Portanto, aquele que profere o mito (poeta-rapsodo1) é tido como escolhido dos
deuses, capaz de proferir palavras sagradas, incontestáveis, inquestionáveis, tendo as recebido
diretamente por revelação divina (CHAUÍ, 2000. p. 32). Percebe-se como os líderes religiosos
atuais se parecem com o poeta-rapsodo, e suas pregações são tidas como verdade absoluta
para os fiéis e seguidores.
Diversos autores buscam estudar e entender as religiões, mas isso só faz com que
surjam diversas teorias que se opõem, podendo chegar a se anularem. Seja por necessidade de
organização social, por tentar explicar os fenômenos da natureza, de se explicar ou por outro
motivo, fato é que a religião se faz marcante em qualquer sociedade. Seria ela necessária ou

1 O poeta-rapsodo é aquele que narra o mito, que possui autoridade para falar sobre o mesmo.
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utilizada como meio de poder e opressão? O tema perpassa a obra dos diversos clássicos das
Humanidades:

Para Durkheim toda religião é uma cosmologia (...) para Weber uma forma entre
outras dos homens se organizarem socialmente; para Gramsci um tipo determinado
de visão de mundo que se situa entre a filosofia (religiosidade dos intelectuais) e o
folclore (religiosidade popular) (...) para Levi-Strauss, baseando-se no „pensamento
selvagem‟, a religião pode ser definida como uma „humanização das leis naturais,
um antropomorfismo da natureza‟; para Freud uma ilusão coletiva, cujo objetivo é
dominar o sentimento de impotência que todo homem experimenta frente às forças
hostis; para Eliade a referência primordial, o sistema de mundo das sociedades
tradicionais, berço privilegiado do „homo religiosus‟ (...). (HERMANN, 1997. p. 12)

O que se sabe, entretanto, é que há uma variedade de religiões, que existem para os
mais diversos tipos de causas e por vários motivos. Por exemplo, o surgimento do
Cristianismo foi marcado por conflitos, onde os romanos perseguiam e matavam aqueles que
se consideravam cristãos. O Estado era diretamente ligado à Igreja romana, que até o séc. IV
era politeísta.

Nas civilizações antigas o Estado era extremamente relacionado à religião e o


surgimento do cristianismo foi considerado crime de lesa majestade e os cristãos
passaram a ser perseguidos pelos romanos até o séc. IV d.C. A situação se
modificou quando o imperador Constantino se converteu ao cristianismo.
Entretanto, o reconhecimento e crescimento do cristianismo não contribuíram para a
liberdade religiosa, pois os cristãos inverteram a situação anterior e passaram a
perseguir e matar os que se opunham a eles. No Séc. XV a igreja católica se
fortaleceu e proclamou-se como única e verdadeira igreja de Jesus Cristo. (REIS,
2012)

Para este estudo, importa a história do cristianismo no Brasil a partir do século XV.
Durante o período das Grandes Navegações, a cultura europeia foi difundida para diversos
locais no mundo, principalmente para as chamadas colônias. Com o Brasil não foi diferente.
No dia 26 de abril de 1500, Henrique de Coimbra veio a realizar a primeira missa, na praia da
Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, no litoral sul da Bahia. Foi um momento
importante para a coroa portuguesa, que trazia sua cultura para os que habitavam na região.
Conforme Pero Vaz de Caminha:
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Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta gente, pouco
mais ou menos, como a de ontem, com seus arcos e setas, e andava folgando. E
olhando-nos, sentaram. E depois de acabada a missa, quando nós sentados
atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e
começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias --
duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que eu vi; apenas são
três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não
se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar pé. (CAMINHA, 1963.
p. 5).

A partir desse momento e da percepção da diferença cultural entre os cristãos europeus


e os nativos brasileiros, o catolicismo começou a ser implantado na colônia brasileira. Os
portugueses, em suas missões jesuíticas, buscavam converter os índios à sua religião,
impondo a sua cultura e fazendo com que os habitantes ou mesclassem seus pensamentos aos
pensamentos da coroa, ou excluíssem a sua própria forma de pensar. O pensamento católico
foi fortemente (e forçadamente) inserido no país, e todos os que aqui estavam sofreram
imposições para se converter à religião de Portugal.
Com essa cultura implantada, a religião Católica permanece com presença majoritária
no país até os dias atuais. Porém, nos últimos anos (1970-2010), têm-se notado um declínio de
fiéis a essa linha ideológica. Conforme Censo Demográfico do IBGE “(...) em
aproximadamente um século, a proporção de católicos na população variou 7,9 pontos
percentuais, reduzindo de 99,7%, em 1872, para 91,8% em 1970. (...)” (2010. p.89). Já em
1980, caiu para 89%, enquanto em 1991, estava em 83%. Em 2010, o censo demonstrou que a
população que se declarava católica caiu para 64,6%.
Para compreender esse declínio e a presença cada vez mais marcante de evangélicos
no país, primeiro é necessário saber sobre os movimentos mais recentes do campo religioso
brasileiro. Três desses são mais notáveis para nossos estudos: Teologia da Libertação,
Renovação Carismática Católica (RCC) e Neopentecostalismo.

1.1. Teologia da Libertação

Sobre a Teologia da Libertação, Leonardo Boff, teólogo brasileiro, afirma: “(...) se


alguém quiser encontrar a Teologia da Libertação não vá às faculdades e institutos de
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teologia. Aí encontrará fragmentos e poucos representantes. Mas vá às bases populares. Aí é


seu lugar natural e aí viceja vigorosamente. (...)” (BOFF, 2011).
Essa teologia é uma linha de pensamento religiosa voltada para o reconhecimento da
opressão que os menos favorecidos economicamente sofrem dos mais favorecidos. Seu
surgimento se dá no século XX, a partir da II Conferência Geral dos Bispos Latino-
Americanos, que foi realizada em Medellín, na Colômbia, em 1968 (ALTMANN, 1979. p.
27). A orientação se manifesta através do viés católico latino-americano e se baseia nos
ensinamentos bíblicos, principalmente de Jesus Cristo, sobre a situação de uma sociedade que
deveria lutar por ser justa e fraterna, e não por oprimir. De acordo com os que vivem nessa
teologia, se um evangelho não prega a justiça social, ele deve ser rejeitado.

(...) tal teologia é o ouvir e refletir do evangelho por parte de quem se encontra numa
situação de opressão, mas em luta por uma sociedade justa e fraterna. Rejeita como
ideológico e idolátrico um „evangelho‟ que não lhe fale nessa situação concreta e
não a inspire nessa luta. Abandona como acadêmica e alienante uma teologia que se
satisfaz com uma curiosidade intelectual e tenta fazer jus ao imperativo autárquico e
competitivo de esmiuçar seus conhecimentos em detalhes cada vez mais
insignificantes, sem ter um compromisso na vivência do povo de Deus.
(ALTMANN, 1979. p. 27)

Seu conceito básico está no reconhecimento do “povo de Deus” como um povo


sofredor, que busca a cada dia o reconhecimento social e a valorização de seus serviços. Os
exemplos utilizados em pregações são muitos, tomando como base a dádiva de Cristo, de ter
vindo a Terra não apenas por uma classe econômica, mas por todos. Reconhecer o Senhor
como aquele que se fez homem e forneceu salvação a todos é de total importância para
compreender essa perspectiva.
Indo além, a Teologia da Esperança, de Jürgen Moltmann, teve importância na
formação da própria Teologia da Libertação. Moltmann disse que “(...) a esperança do futuro
de Deus se antecipa aqui e agora mediante sinais (...)” (MOLTMANN apud ALTMANN,
1979. p.28). Sua referência principal é o livro de Mateus:

Vocês ouvirão falar de guerras e rumores de guerras, mas não tenham medo. É
necessário que tais coisas aconteçam, mas ainda não é o fim. Nação se levantará
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contra nação, e reino contra reino. Haverá fomes e terremotos em vários lugares.
Tudo isso será o início das dores. Então eles os entregarão para serem perseguidos e
condenados à morte, e vocês serão odiados por todas as nações por minha causa.
Naquele tempo muitos ficarão escandalizados, trairão e odiarão uns aos outros, e
numerosos falsos profetas surgirão e enganarão a muitos. Devido ao aumento da
maldade, o amor de muitos esfriará, mas aquele que perseverar até o fim será salvo.
(BÍBLIA, Mt., 24, 6-13)

Nota-se que a libertação mencionada nessa linha religiosa não se baseia no “esperar ou
aguardar em Cristo”, mas no “fazer aqui na Terra”. Apesar da consciência de que haverá
justiça, em Jesus, após a morte, ou no fim dos tempos, as obras realizadas em vida são de
extrema importância. Portanto, é necessário reconhecer que existem os miseráveis e que há
diferença de classes econômicas, com pessoas menos favorecidas, mas não basta pregar para
elas. Deve-se fazer por elas, buscando a justiça em vida. Entende-se então que a teologia é
uma praxeologia, uma reflexão sobre a prática.
Por ter sido gerada em solo latino-americano, a percepção de dependência de alguns
países sobre outros, essencialmente pelo período de exploração das Grandes Navegações e da
formação de colônias, é o alicerce do pensamento. Não existe riqueza se não existir pobreza.
Assim, os países desenvolvidos só existem se existirem também os subdesenvolvidos.

O que diz a teoria da dependência? Ela afirma, em primeiro lugar, que a existência
de países desenvolvidos e subdesenvolvidos não é coincidência ou fatalidade, muito
menos expressão de diferentes estágios de evolução em diferentes sociedades. Ao
contrário, tais países se requerem mutuamente (nesse sentido sim:
interdependência!). Países desenvolvidos requerem subdesenvolvidos, e países
subdesenvolvidos servem a desenvolvidos. (ALTMANN, 1979. p. 29)

Ora, se existe interdependência, então os países que possuem favorecimento


econômico só o possuem por existirem os que não possuem esse favorecimento. Ao que
propõe-se um exemplo básico: se um país quer produtos alimentícios de alta qualidade, ele irá
importá-los de países que possuem renda baixa e esses países consumirão produtos
alimentícios de baixa qualidade, já que terão exportado os demais. Se os países periféricos, ou
subdesenvolvidos, percebem o que acontece com eles, qual a causa para continuarem
aceitando a opressão?
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A Teologia da Libertação diz que o motivo é de existirem minorias privilegiadas


dentro dos próprios países subdesenvolvidos. Ou seja, há minorias dentro dos setores
periféricos que vivem conforme o estilo de vida dos países cêntricos, ou desenvolvidos.

(...) a doutrina da dependência afirma que existe uma aliança sistêmica entre os
países desenvolvidos e as minorias privilegiadas nos países subdesenvolvidos. (A
necessária solidariedade mútua dos espoliados, de um e outro lado, se dá com muito
maior dificuldade, devido às diferenças relativas entre si, bem como à insegurança
de vida, o que permite sejam jogados uns contra os outros, por exemplo como
competidores de mão-de-obra.) Eis aí o motivo por que os países desenvolvidos,
mesmo tendo uma ordem „democrática‟ , apóiam regimes ditatorais, quando isso
lhes convém economicamente (vide acordo nuclear Brasil-Alemanha!), e também (!)
por que favorecem regimes „ democráticos‟ , quando os ditatoriais se lhes tornarem
por demais sólidos e unidos, e portanto incertos (vide política de J. Carter).
(ALTMANN, 1979. p. 30)

A Teologia da Libertação nos leva a questionar sobre a real preocupação dos políticos
com a população. Estariam realmente representando e se preocupando com o povo? Nisso, é
notável como “(...) a teologia da libertação sabe ser a teologia de um processo, na luta por
uma ordem nacional e internacional realmente nova (e não apenas renovada) (...)”
(ALTMANN, 1979. p. 31).
Não adiantaria crer e viver o evangelho, se os acontecimentos ao redor do indivíduo o
impedem de adquirir uma vida estável, por exemplo. Nesta Teologia, se acredita fielmente
que o viver do evangelho se dá no âmbito social, e não fora dele. Por isso, para vivenciar o
que a Teologia da Libertação tem a oferecer, conforme o jesuíta uruguaio Juan Luis Segundo,
é necessário ocorrer a “libertação da teologia”. Ou seja, tem-se que abandonar as crenças até
então adotadas pela pessoa, muitas vezes por sua criação religiosa, e se disponibilizar a não
ser neutro em relação aos conflitos sociais. “(...) A teologia não pode se alçar com
neutralidade acima dos conflitos que dividem e dilaceram o mundo, (...) mas deve efetuar sua
opção dentro deles e assim, como liberta, contribuir para a libertação.” (ALTMANN, 1979. p.
32).
Portanto, de nada valeria tomar conhecimentos do ser humano em si apenas através
dos estudos da Bíblia. Não que eles não sejam importantes, mas não servem como base para
buscar entender a pessoa e a sua realidade concreta por si, se a mesma não for ouvida,
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estudada e entendida. Por isso, a necessidade de se libertar da teologia, ou seja, se libertar dos
conceitos previamente assumidos e tidos como certos.
Existe uma busca para entender a situação de pessoas que saíram dos templos, mas
“(...) não a procura de pessoas que se afastaram da igreja, mas uma procura de justiça, em
comum com os marginalizados” (ALTMANN, 1979. p. 33). Não é de total importância trazer
de volta para Cristo aqueles que se afastaram, mas compreender o motivo pelo qual eles o
fizeram e, assim, buscar a justiça. Entende-se como busca da justiça a forma de evitar que os
motivos que fizeram determinada pessoa ou grupo de pessoas se afastarem do Senhor
continuem existindo ou, quando não for possível acabar com sua existência, sejam
amenizados. Nesse caso, a Teologia da Libertação inova ao trazer as comunidades eclesiais de
base.
As comunidades eclesiais de base (CEBs) são pequenos grupos que se formam e os
integrantes começam a viver no grupo, compartilhando suas crenças, sofrimentos, lutas e
esperanças. “(...) As pessoas despertam de sua passividade opressivamente aprendida e
assumida, se solidarizam no sofrimento, dão testemunho de suas esperanças e tomam,
mediante decisões próprias, em suas mãos seu próprio destino. (...)” (ALTMANN, 1979. pp.
33-34). Uma CEB fundada em Paraíba, pelo arcebispo Dom José Maria Pires, começou a
incomodar latifundiários, devido ao nível alcançado pela mesma.

(...) O movimento estaria escapando ao controle do bispo, devido às iniciativas


irresponsáveis de sacerdotes e freiras comunistas, e assim por diante. O arcebispo
não se deixou abalar, estava disposto a aprender com os pobres. Os inúmeros relatos
de infrações aos direitos humanos, concretamente a direitos que até mesmo estão
assegurados na legislação brasileira, exigiram um passo adicional. Na capital, João
Pessoa, foi constituído um Centro de Defesa dos Direitos Humanos, no qual atuam
apenas um sacerdote, uma psicóloga e um advogado. Nos últimos dois anos (1976 e
1977) o centro lidou com mais de 10.000 casos de infrações dos direitos humanos.
(...) (ALTMANN, 1979. p. 34)

Aqui, vê-se como opera a Teologia da Libertação. O pensamento da mesma não é de


simplesmente levar a crença aos oprimidos de que tudo irá melhorar e o Senhor trará justiças,
mas de levá-los a crer que, além disso, as próprias vítimas podem buscar seus direitos e lutar
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contra as ameaças aos mesmos. Não em vão, mais de 10.000 casos de infrações foram
cuidados pelo centro criado em João Pessoa.
Apesar de exemplos concretos da transformação operada pela Teologia da Libertação,
como o próprio caso citado acima, a Igreja Católica não apoiou o movimento. Notando a sua
perda de espaço, já que os adeptos da Teologia “(...) perceberam a contradição entre a
condição pobre de Jesus e a riqueza da grande instituição Igreja. (...)” (BOFF, 2011), a Igreja
Católica sofreu diversas reformas, essencialmente em sua base doutrinária, de forma a se
adaptar às novas demandas surgidas do seu mais alto clero. Em virtude de tais mudanças,
alcançou-se um nível mais conservador dentro das instituições.

A irradiação da Teologia da Libertação alcançou o aparelho central da Igreja


Católica, o Vaticano. Influenciadas pelos setores mais conservadores da própria
Igreja latino americana e das elites políticas conservadoras, as instâncias doutrinárias
sob o então Card. Joseph Ratzinger reagiram, em 1984 e 1986, com críticas contra a
Teologia da Libertação (BOFF, 2011).

Por exemplo, o Cardeal Joseph Ratzinger era contrário ao uso de categorias marxistas
dentro das pregações, categoria essa essencial para se entender o que prega a Teologia da
Libertação.

(..) Quanto ao Vaticano, este tentou, de um modo geral, domesticar a teologia da


libertação ou „purificá-la‟ de sua influência marxista, que segundo o cardeal
Ratzinger contaminava ideologicamente todo seu empreendimento. Tem-se
reafirmado mais e mais a fidelidade à hierarquia e a unidade doutrinal ortodoxa. (...)
Em sua política de designação de novos bispos, o Vaticano tem designado quase que
sistematicamente sacerdotes provenientes de círculos conservadores ou, pelo menos,
moderados. Torna-se, assim, menos plausível a consolidação de modelos pastorais
inspirados na teologia da libertação. Numa igreja fortemente centralizada e
hierárquica, essas forças pesam igualmente contra a continuidade da reflexão
teológica mais ou menos autônoma da teologia da libertação. (ALTMANN et al,
1997. p. 133)

Por essa orientação, a Teologia da Libertação acabou por perder espaço. Para manter-
se viva, alguns defendem que a Igreja Católica teve que se adaptar a um mundo onde é “(...)
reduzida a necessidade de mão de obra pela automação do processo produtivo e expandindo-
se o setor terciário (...)”, revelando-se “(...) como limitadas as análises sociais baseadas no
19

confronto de classes e no proletariado como único sujeito do processo revolucionário. (...)”


(ALTMANN et al, 1997. p. 132). Outros pensadores criticam a postura tomada pelo Vaticano,
como Boff, que afirma: “(...) ao optar pelo poder a Igreja instituição optou pelos que também
têm poder, numa palavra, os ricos. Os pobres perderam centralidade. (...)” (BOFF, 2011).
Para seus adeptos, ainda há esperança, pois “a Teologia da Libertação não morreu. (...)
Apenas ficou mais invisível, pois saiu do foco das polêmicas que interessam a opinião
pública. (...)” (BOFF, 2011). Como dito ao início da explicação, quem quiser encontrá-la não
o fará em grandes instituições, nem no próprio estudo teológico. Antes, está na base eclesial,
ali onde se encontram os pobres e oprimidos, que praticam a Teologia da Libertação como
forma de revolução e de escape dos problemas sociais.

1.2. Renovação Carismática Católica (RCC)

Oposta aos pensamentos da Teologia da Libertação, a Renovação Carismática Católica


(RCC) “(...) existe desde os tempos apostólicos (...)” (VALLE, 2004. p. 97). Em si, não pode
ser tida como algo novo. Trata-se de uma teologia que preza pelo crescimento espiritual da
pessoa, pregando que o “Espírito fala às igrejas”, deixando de lado o seu papel transformador
na sociedade. Por isso, diz-se de uma linhagem de raciocínio oposta à Teologia da Libertação.
A RCC se assemelha ao Pentecostalismo, por demonstrar que a igreja deve se preocupar com
o que é voltado para o espírito, alimentando a alma de seus seguidores, e não pregando sobre
o que é carnal. Problemas e mazelas sociais não devem ser levados em consideração durantes
seus rituais (missas ou cultos).
Importante notar que a RCC brasileira possui diversas tendências norte-americanas.
Apesar da forte repressão, afinal, o Brasil é um país europeizado, devido à colonização e,
portanto, a religião segue, ou seguia, as características europeias, cada vez mais ocorre uma
norte-americanização da nossa cultura. De igual forma, o cristianismo tem seguido aquilo que
os Estados Unidos pregam.
20

Penso que algo análogo se deu de 1970 para cá com a Igreja católica, graças à RCC.
Obviamente, as profundas ligações que a Igreja Católica brasileira tem com a
Europa representaram um entrave sociológico à entrada de elementos tipicamente
próprios do protestantismo norte-americano entre nós. Outro fator de resistência foi
o impulso de autoconsciência que o Vaticano II despertou no catolicismo latino-
americano. Ademais, no caso do Brasil, existe uma espécie de identidade brasileira
(com uma „mínima religiosa‟ nossa) que vem da base cultural e da formação
histórica de nosso povo. Essa base não se deixa submergir sem mais pelas ondas
culturais da globalização, embora acusando seu impacto. Ora, a RCC é um lídimo
produto norte-americano. Tem progenitores ianques pelos seus dois lados, pelo do
pai (o pentecostalismo) e pelo da mãe (o catolicismo americano em busca de novas
vias de expressão) (...). (VALLE, 2004. p. 99).

Destaca-se que a base da RCC são os reavivamentos, que são meios de impactar o lado
psicológico das pessoas, com o objetivo de fazê-las se sentirem renovadas e cheias do Espírito
Santo. Assim, demonstrarão seu crescimento espiritual, fazendo com que outras pessoas se
sintam renovadas. Aqui, também se distingue da Teologia da Libertação. Enquanto esta não
possui como ponto fundamental trazer os cristãos que “abandonaram a fé” novamente às
igrejas, a RCC possui total interesse na ampliação dos rebanhos.
Antes esquecido, durante a implantação do catolicismo nos Estados Unidos, o Espírito
Santo se faz presente e a crença no mesmo é renovada. E o fato de seguir a Renovação se faz,
essencialmente, quando a pessoa se sente “tocada pelo Espírito”. Tal fator também é
predominante no Pentecostalismo. É importante perceber como a crença no invisível é um
fator essencial para que a RCC continue existindo. Os movimentos que ocorrem durante a
missa, ou culto, provocam emoções em seus participantes, que os levam à devida crença de
que estão protegidos. Atualmente, isso não se distancia da política, no que diz respeito ao
formato, parecido com comícios:

Rezar de braços elevados para o alto; (...) a emotividade, a afetividade e a


espontaneidade atuando como meios de comunicação; a referência constante de
sensações como indicativas de experiências místicas e a certeza da presença de
Deus; a necessidade de milagres como prova da existência divina e, finalmente, o
batismo no Espírito Santo, manifestação que confere especificidade ao Movimento
dentro da Igreja Católica. (CARRANZA apud VALLE, 2004. p. 100).

A RCC possui forte apoio dentro das bases católicas, e tem sido mantida e expandida
devido a uma forte política dentro da igreja. O apoio para existência da mesma também se
21

encontra entre seus próprios participantes, que pregam com convicção aquilo que sentem
como renovação do poder de Deus em suas vidas. Os milagres, o fervor interno, a alegria
encontrada nas missas, são fatores predominantes entre os argumentos utilizados para se crer
que a renovação é o melhor meio de se aproximar do Senhor.
Nota-se que a juventude marca e se faz presente de forma muito forte nos rituais da
Renovação Carismática. Aliás, os jovens parecem sentir ainda mais a presença do Espírito em
suas vidas. Como exemplo, tem-se a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), instituída a partir
do ano 1985, mesmo ano que foi declarado como o Ano Internacional da Juventude pelas
Nações Unidas. Aos presentes, foi entregue a missão de levar a Cruz Peregrina pelo mundo
todo, como símbolo de unidade (NASCIMENTO e GARCIA. 2015. p. 61)
No Brasil, a JMJ aconteceu no Rio de Janeiro, no ano 2013. Aglomerou
aproximadamente 3,5 milhões de pessoas (NASCIMENTO e GARCIA. 2015. p. 61),
ocorrendo entre os dias 23 e 28 de julho.

A cerimônia de abertura reuniu mais de 500 mil fiéis, a festa de acolhida ao Papa
arregimentou 1,2 milhões, enquanto a Via Sacra chegou a 2 milhões na sexta-feira e
cerca de 3,5 milhões de jovens estiveram em Copacabana para participar da Vigília e
da Missa de encerramento. Foram 427 mil inscrições, de 175 países. Peregrinos
inscritos com hospedagens alcançaram 356.400, enquanto o número de vagas
disponibilizadas para hospedagem em casas de família e instituições chegou a 356,4
mil. Os países com o maior número de inscritos foram, respectivamente, Brasil,
Argentina, Estados Unidos, Chile, Itália, Venezuela, França, Paraguai, Peru e
México. Do total dos inscritos internacionais, 72,7% estiveram no Brasil pela
primeira vez e 86,9% nunca haviam participado da JMJ Rio2013. Entre os
peregrinos inscritos, 55% são do sexo feminino; 60% do público têm entre 19 e 34
anos. Foram 644 Bispos inscritos, dos quais 28 são Cardeais. Além disso, foram
7814 sacerdotes inscritos e 632 diáconos. Para cobrir a JMJ Rio 2013 em 57 países,
foram credenciados 6,4 mil jornalistas. O evento também contou com 264 locais de
catequese, em 25 idiomas. Foram 60 mil voluntários, mais de 800 artistas
participantes dos Atos Centrais. Um total de 100 confessionários foram expostos na
Feira Vocacional e no Largo da Carioca e 4 milhões de hóstias produzidas, 800 mil
para Missa de Envio. O Ministério do Turismo divulgou que 1,8 bilhões de reais
foram injetados na economia pelos milhões de turistas que passaram pela capital
carioca. (NASCIMENTO e GARCIA, 2015. pp. 61-62)

As redes sociais tiveram grande importância para a proporção tomada pelo evento.
Através de ferramentas como Facebook e Twitter, os presentes divulgavam fotos, vídeos,
22

comentários e hashtags do que estava acontecendo no evento, em tempo real. Assim, o


público jovem atraía outros jovens para estarem presentes.
O perfil dos presentes é de importância notabilidade. Conforme entrevista realizada
por Nascimento e Garcia a 20 jovens, que participaram do evento, boa parte dos mesmos se
mostraram “bons católicos” e propagadores dos ideais do cristianismo tradicional. A título de
exemplo, 60% dos entrevistados se mostraram contrários ao aborto e ao casamento
homossexual.

A primeira questão procurou saber acerca do vínculo com a Igreja Católica, antes da
JMJ. Antes da Jornada Mundial da Juventude, como você definia o seu vínculo com
a Igreja Católica? 15% frequentavam somente missas dominicais, outros 15%
participavam das missas sazonalmente ou em dias importantes, enquanto que 70%
mantinham uma ligação pastoral com a comunidade. A segunda indagação foi: Após
a JMJ 2013, como você conceitua a sua participação na vida paroquial? 60% dos
entrevistados afirmam que se tornaram mais engajados após a JMJ, 30% mantiveram
o mesmo laço religioso e para 10%, não houve mudanças significativas. Em seguida,
perguntamos: O que te motivou a participar da JMJ 2013? Pontue de 1 a 3 em nível
de prioridade. O serviço à igreja e a vontade de realizar uma rica experiência
motivaram 70% dos participantes pesquisados, enquanto que 25% destacaram o
carisma do Papa Francisco e 5% destacaram a oportunidade de conhecer outras
pessoas. Sobre temas morais e que regularmente causam debates em todos os
extratos sociais, buscamos as opiniões dos jovens com tais questionamentos: Qual a
sua posição sobre o aborto? Como você se posiciona a respeito do casamento
homossexual? 60% se posicionaram contrários ao aborto em todos os casos, 35%
concordam com a legislação brasileira atual e 05% declaram-se não possuir uma
posição formada. Acerca do casamento gay, 60% posicionaram-se contra, 15% a
favor e outros 15% definiram-se como indiferentes ao tema. 95% crêem que o jovem
católico deve participar do debate político, 05% rejeitam essa prática. Por fim, você
acredita que uma pessoa pode ser uma boa católica ou um bom católico, sem seguir
todos os ensinamentos da Igreja? 75% concordam que não se pode ser um bom
católico sem seguir a doutrina, ao mesmo tempo em que 25% crêem que seja
possível ir à igreja e não atender aos seus ensinamentos. (NASCIMENTO e
GARCIA, 2015. p. 63)

A experiência obtida na JMJ, bem como em outros eventos cristãos voltados para
jovens é de sentimento de pertencimento, por estar em um grupo onde os ideais e visão de
mundo são, no mínimo, parecidos. A entrevista realizada e as publicações nas redes sociais
demonstram o quanto esse público se assemelha.
Indo além, a emoção que esse sentimento causa provoca a sensação de renovo do
Espírito Santo que, de acordo com Valle, “(...) depois de uma tal experiência, a pessoa se
23

percebe como tendo „nascido de novo‟; é uma nova criatura (...)” (VALLE, 2004, p. 101).
Crer no novo nascimento é um escape para justificar o ser que se era anteriormente, como se
ele não existisse mais, e agora apenas a nova criatura, renovada pelo batismo com o Espírito
Santo, passa a viver.
Esse novo ser vive tão somente para agradar a Deus e louvá-lo com suas atitudes. O
ser aqui não mais importa, e aqui se abandona a preocupação com o social. Diferente da
Teologia da Libertação, que busca solucionar os problemas sociais aos quais a pessoa está
submetida, a RCC prega que o novo ser deve tão somente estar com o Senhor, e esquecer o
“mundo”.
Nesse caso, se esquece até de sua própria existência, como ser. Esse primeiro contato,
que é conhecido como “primeiro amor”, quando se diz ser batizado pelo Espírito Santo e
transformado em um novo ser, é constantemente pregado e vivenciado dentro das igrejas. Não
se pode esquecer o primeiro contato com o Espírito. O primeiro amor deve sempre ser
renovado.

Razões pessoais para a conversão podem ser consideradas como pontos de partida
especiais para compreender os vínculos entre mudanças nas concepções de si
mesmo e a aquisição do que Gilberto Velho descreveu como um novo „sistema
cognitivo‟. Alterar a concepção particular de si mesmo leva a uma crescente
reavaliação do „estar-no-mundo‟, além de uma complexa construção de explanações
para os eventos que correm no mundo. No caso do Pentecostalismo, a possibilidade
de tornar-se um membro especial do povo de Deus - como um profeta, por exemplo
- deflagra uma „revolução simbólica (Rolim), e um tipo específico de reestruturação
cognitiva‟ (Vygotsky; Luria). (STADLER apud VALLE, 2004. p. 102).

Indo além, a orientação que os membros de igrejas renovadas carismaticamente


recebem é de evangelizar. São levados a utilizar o conhecimento que possuem sobre a igreja e
suas entidades representantes, além da experiência adquirida dentro dos templos e a própria
renovação espiritual sentida pela ação do Espírito Santo em suas vidas para convidar outras
pessoas a sentirem o mesmo. Toda essa orientação psico-religiosa atrai novos membros que,
pelo sentimento de pertencimento, aprendem também a evangelizar e continuam o ciclo.
Novamente, nessa teologia, os problemas sociais são acobertados pela renovação
interior das pessoas. Torna-se mais importante a renovação com o Espírito Santo do que sobre
24

soluções para os problemas que o membro tem vivido em sociedade, por exemplo. Tudo se
justifica pela fé! Não em vão, a palavra “mundano” é usada em larga escala. Tudo aquilo que
a igreja diz não ser bom, é tratado como algo que não agrada a Deus e, portanto, deve ser
imediatamente descartado. Enquanto a pessoa permanecer com a presença de algo “mundano”
em sua vida, permanecerá em pecado e não terá suas respostas de oração atendidas. E a visão
conservadora de mundo é pregada por esses meios.

(...) Contrapondo-se ao clima dessacralizado, plural e permissivo da cultura em


geral, ela cobra de seus membros um programa de vida no qual a espiritualidade e a
fidelidade doutrinal e moral católicas constituem o eixo central. Primeiro vem a
transformação espiritual, as mudanças na vida familiar e profissional, a retomada
das práticas de piedade, o abandono do que é mundano, o controle da sexualidade
etc. Só depois, lentamente, e como que por força, seguirão as mudanças sociais.
Dessa moral do indivíduo só se pode esperar uma visão conservadora dos processos
sociais e da história. A tendência é a de ver o social como um projeto de moralização
e isto sob o prisma de um catolicismo voltado para si mesmo. (VALLE, 2004. p.
102)

Como a RCC opera diretamente no emocional das pessoas, há a presença de figuras


marcantes, tal como no Pentecostalismo. Exemplo é o Padre Fábio de Melo que, através
essencialmente das mídias sociais, se tornou importante e reconhecido nacionalmente. Suas
postagens na rede social Facebook2 são acompanhadas por diversos amigos, fãs e curiosos.
Através desse reconhecimento, vivencia a Renovação Carismática em sua vida e a prega a
todos aqueles que o acompanham. Nesse caso, a mídia possui papel fundamental em ajudar na
divulgação dos ideais que a RCC possui. “(...) O discurso profético dos anos pós-conciliares e
o propósito de refundar a vida religiosa corre, com isso, o risco de transformar em desejo
piedoso sem maiores possibilidade de realização” (VALLE, 2004. p. 103).

2 Disponível em https://www.facebook.com/PadreFabiodeMelo - Acesso em 9 de outubro de 2016


25

1.3. A Terceira Onda Pentecostal: O Neopentecostalismo

O pentecostalismo é um movimento que se expandiu na América Latina a partir de


1910. Sua busca principal é da ação do Espírito Santo, assim como ocorreu com os apóstolos.

E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no mesmo


lugar; E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e
encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas
repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram
cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito
Santo lhes concedia que falassem. (BÍBLIA, At. 2, 1-4)

A expansão desse movimento na América Latina se dá via o que é chamado de três


ondas. As duas primeiras ondas, o Pentecostalismo Clássico e o Pentecostalismo Neoclássico
são bastante semelhantes à RCC, em relação a buscar o batismo e renovo do Espírito Santo.
Contudo, possuem diferenças entre si. O Clássico visava uma “(...) forte oposição ao
catolicismo, pela ênfase na glossolalia (falar em línguas), ênfase na evangelização dos povos
indígenas e conduta ascética ou de rejeição ao mundo.” (SOUZA e MAGALHÃES, 2002. p.
87), enquanto o Neoclássico diz que aqueles que possuem o dom de falar em línguas foram
batizados pelo Espírito Santo, portanto possuem o dom da “cura divina”. É caracterizado
também por aproximar os pregadores e o público, além de utilizar a rádio como meio de
divulgação do Evangelho. (SOUZA e MAGALHÃES, 2002. p. 87).
Entretanto, a partir da década de 70, surge o Neopentecostalismo ou Terceira Onda,
que se diferencia das demais ondas pentecostais, por ter forte participação política, além de
utilizar os meios de comunicação de massa para divulgação de seus ideais. Nele, que se baseia
fortemente na Teologia da Prosperidade (pensamento inverso à Teologia da Libertação), a
culpa dos males que podem assolar uma pessoa, tais como problemas de saúde, financeiros,
sentimentais e na família são puramente culpa de demônios, aqui tidos como a representação
de todo o mal.
Portanto, se alguém almeja a solução para seus problemas, deve buscar a libertação da
ação de demônios em sua vida. Para se libertar, a pessoa deve se abdicar de si mesma e dar a
26

Deus tudo de si, o que inclui as rendas financeiras do fiel. Ora, não é cabido doar aquilo que é
sobra das rendas, mas uma parte relativa ao todo.

O adepto é conclamado a concorrer por melhores condições num mundo de extrema


desigualdade social. E ainda tem de assumir uma responsabilidade a mais: a de ter
sucesso, senão sua vida pode estar comprometida com as forças malignas ou com
sua própria incapacidade de gerenciar suas possibilidades. Há muitas oportunidades
para aqueles que vivem nos bolsões de pobreza? É onde se encontram muitas igrejas
da Universal. Mas, mesmo assim, é preciso „sacrificar‟ diante de Deus e, de
preferência, em dinheiro. (...) (SOUZA e MAGALHÃES, 2002. p. 101).

Seguindo essa lógica, quanto maior for a oferta, maior será a benção. Mas, não basta
apenas ofertar, tem que ter fé. Se o cristão não crê profundamente que Deus pode mudar sua
vida através da oferta, a mesma terá sido em vão. “(...) dele é esperado que não duvide
minimamente do recebimento da bênção, pois isto acarretaria em sua perda, bem como o
triunfo do Diabo. (...)” (SOUZA e MAGALHÃES, 2002. p. 95).
Um dos exemplos de Igreja Neopentecostal atualmente é a Igreja Universal do Reino
de Deus (IURD), fundada por Edir Macedo, em 1977. Nela, é comum encontrar fiéis doando
tudo que possuem para recebimento das bênçãos que o Senhor lhes prometeu. Com exemplo,
cabe citar a existência de um evento chamado Fogueira Santa, que conforme o próprio site da
Universal, “(...) é para as pessoas dispostas a fazer o verdadeiro sacrifício, entregando a Deus
a vida por inteiro. É uma troca. Deus nos dá a Sua plenitude, e nós O entregamos tudo o que
somos. Em outras palavras, somos o próprio sacrifício.”3
Para participar desse evento, a pessoa deve estar disposta a realizar sacrifícios, tanto
espirituais quanto financeiros. O nível de recebimento da benção é medido conforme a
disposição da pessoa em entregar tudo. Entende-se que dar tudo não significa dar mais que
outro fiel, mas aquilo que se possui. Se alguém possui renda mensal de cinco mil reais e doa
para a IURD um salário mínimo, em 2016 cotado em oitocentos e oitenta reais, enquanto
outro possui renda mensal de um salário mínimo, e faz a mesma doação, entende-se que

3 Disponível em http://www.universal.org/fogueirasanta/. Acesso em 10 de outubro de 2016.


27

aquele que recebe um salário mínimo está dando seu tudo, numa alusão clara a um trecho do
livro de Lucas:

E viu também uma pobre viúva lançar ali duas pequenas moedas; E disse: Em
verdade vos digo que lançou mais do que todos, esta pobre viúva; Porque todos
aqueles deitaram para as ofertas de Deus do que lhes sobeja; mas esta, da sua
pobreza, deitou todo o sustento que tinha. (BÍBLIA, Lc., 21, 2-4)

Assim, receberá a tão aclamada benção divina, que pode ser a cura para uma
enfermidade, uma promoção no emprego, uma evolução na renda mensal. Ou seja, a benção é
aquilo que a pessoa tem pedido a Deus, mas que só alcançará mediante seu sacrifício.

O sacrifício inclui o ato de renunciar voluntariamente alguma coisa em troca de


outra muito mais valiosa. É neste propósito que a Universal realiza a Fogueira Santa.
Na fé e no sacrifício, pessoas no mundo inteiro, por meio deste propósito, já
comprovaram que o impossível pode tornar-se possível. Além do „sacrifício
econômico‟, o desejo de alcançar o milagre faz muitos cristãos se dedicarem a
4
propósitos de fé individuais, como jejuns e orações nas madrugadas.

Não basta apenas o “sacrifício financeiro”, mas o espiritual. Se a fé não for um fator
marcante, de nada terá valido a entrega do capital. Em suma, dá-se tudo o que possui e, caso a
benção não seja alcançada, a culpa é da falta de fé da própria pessoa, aqui tida como ação do
Diabo na vida dela.
Em uma era onde o individualismo marca presença, a ideia de que se pode pagar para
receber aquilo que se tem pedido e o sentimento de que para conquistar algo, só depende da
própria pessoa, fazem com que essas igrejas possuam cada vez mais fiéis.

(...) Ao que parece, e diferentemente destas últimas, o neopentecostalisrno adapta-se


bem à atual sociedade moderna, na qual „tudo se vende e tudo se compra‟ (Pierucci e
Prandi, 1996:273), tudo se comercializa, mesmo o „irracional‟ (Poulat, 1998:106),
instalando assim entre nós, definitivamente, a noção de „religião paga‟ (Pierucci e
Prandi, 1996) (ORO, 2001. p. 80)

4 Idem.
28

Não obstante, o pentecostalismo tem conseguido cada vez mais adeptos. Segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1991 o número de evangélicos
pentecostais subiu de 3,2% para 6,0%. Já em 2000, cresceu para 10,4%, enquanto em 2010 foi
para 13,3%. (IBGE, 2010) Sendo assim, nota-se como as igrejas pentecostais têm conseguido
cada vez mais membros.
Com a queda do número de membros na Igreja Católica e o crescimento do número de
pessoas que frequentam as igrejas neopentecostais, bem como a perca de espaço da Teologia
da Libertação no catolicismo, através das ações de religiosos conservadores, como o Cardeal
Ratzinger, nota-se a presença cada vez mais marcante do conservadorismo no Brasil, e
também no mundo. Por esse motivo, torna-se importante compreender a atuação da religião
na política brasileira desde o período da colonização, até na ação dos deputados da atual
legislatura na Câmara.
29

2. A PRESENÇA DA RELIGIÃO NA POLÍTICA

Durante o período colonial, a Igreja Católica governava sobre Portugal e,


consequentemente, sobre o Brasil Colônia. “(...) A história nos deixa claro que a sociedade
brasileira foi originada em um contexto católico, pois os exploradores portugueses visavam,
além de expansão territorial, a expansão do catolicismo. (...)” (REIS, 2012).
Cabe ressaltar que o catolicismo representa uma forma cultural, e que a cultura tipifica
a sociedade em que está inserida, além de possuir subdivisões.

(...) a cultura possui em seu interior subculturas: cultura gótica, cultura gay, cultura
das mulheres, dentre muitas outras, as quais podem ser encontradas em todos os
lugares, pois todas as pessoas são diferentes e essas subculturas servem para
identificarmos os mais diversos grupos de nossa sociedade. (...) (REIS, 2012).

Para uma cultura se tornar (pre)dominante, há uma intensa busca para conquistar
maioria de membros, essa alcançada pela conversão do membro de outra cultura à visão de
mundo daquela que almeja (pre)dominância. Como um dos meios de alcançar seus desejos, os
membros agem pela inclusão e exclusão. Inclusão através da conversão daqueles que não
fazem parte da mesma aos seus costumes e tradições e exclusão pelo afastamento dos que não
se convertem à essa forma cultural e, portanto, não fazem parte dessa cultura.

A religião de certa forma limita, restringe e contribui para a formação das sub-
culturas, de modo que aproxima os iguais e afasta os diferentes, por exemplo: um
jovem evangélico se afasta dos outros jovens por não possuir características em
comum com esses últimos, mas ao mesmo tempo se aproxima de grupos de jovens
evangélicos por ter a mesma visão de mundo que eles. (REIS, 2012).

Com isso, nota-se que os exploradores portugueses buscaram converter os nativos


brasileiros à sua religião, para (pre)dominar com sua cultura. Não em vão, as diversas formas
culturais religiosas existentes no Brasil perderam espaço, através da ação de padres jesuítas e
dos próprios exploradores. Por esse meio, a cultura cristã foi forçadamente inserida no país,
perturbando a forma de pensar dos índios.
30

Com o tempo, a presença da Igreja Católica no país foi ficando cada vez mais
marcante. A título de exemplo, leis e regras começaram a ser estabelecidas por católicos,
sendo que os que não as cumprissem, eram lesados conforme os líderes religiosos ordenavam.
Até a Proclamação da República, a realidade do país era do Estado ser diretamente ligado e
controlado pela religião, sendo que qualquer que desejasse, por exemplo, se candidatar para
deputado, deveria ser católico. Como diz o artigo 95 da Constituição brasileira de 1824,
“Todos os que podem ser Eleitores abeis para serem nomeados deputados. Exceptuam-se: I.
Os que não tiverem 400$ de renda líquida na forma dos artigos 92 e 94; II. Os estrangeiros
naturalizados; III. Os que não professam a religião do Estado.” (REIS, 2012). Esse vínculo
durou desde a colonização do Brasil até o dia 7 de janeiro de 1890, quando Ruy Barbosa,
através do decreto nº 119-A, determinou:

Art. 1º É proibido à autoridade federal, assim como à dos Estados federados, expedir
leis, regulamentos, ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou
vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados
à custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões filosóficas ou religiosas.
(REIS, 2012).

A separação entre Estado e Igreja é utilizada por estudiosos de Weber para justificar a
Teoria da Secularização. Porém, há uma controvérsia entre os próprios weberianos sobre esse
momento, sendo que a questão problema é se realmente estamos ou fomos secularizados. E
isso se dá pelo entendimento que cada um possui sobre o que é ser secular. Alguns autores
defendem que Estado secular é quando o mesmo não é dominado pela Igreja, tornando-a um
órgão à parte.

(...) A secularização, por sua vez, nos remete à luta da modernidade cultural contra a
religião, tendo como manifestação empírica no mundo moderno o declínio da
religião como potência in temporalibus, seu disestablishment (vale dizer, sua
separação do Estado), a depressão do seu valor cultural e sua demissão/liberação da
função de integração social. Encavalando-se ambos os processos no processo de
modernização, o efeito deste sobre a religião não pode não ser senão negativo, já que
consolida e faz avançar o desencantamento do mundo através de uma crescente
racionalização da dominação política que é (...) irresistivelmente laicizadora. (...)
(PIERUCCI, 1998. p. 9)
31

Assim, quando o Estado é tirado de sua forma sagrada e (re)inserido em sua função
social (que é a sua primeira), ele está secularizado. Neste seguimento, se o religioso perde o
espaço que possuía anteriormente, no caso tido como a própria autoridade que a Igreja
Católica tinha para fazer leis e dar ordens, pode-se dizer que estamos em um Estado secular.

(...) Assim como consagração ou sacralização é tirar do mundo e afastar – a pessoa


ou objeto – a um estado extraordinário, secularizar é tirá-lo do sagrado e recolocá-lo
no mundo. Este sentido de „secularização‟ leva implícita a idéia de retrocesso ou de
perda de espaço do religioso. Há aqui um sentido dinâmico do conceito: confronto
com o sagrado, com progressivo recuo deste último. Este sentido de „secularização‟
leva implícita a idéia de retrocesso ou de perda de espaço do religioso. (...)
(RIVERA, 2002. p. 90)

Pierucci, editor da obra A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo, de Max


Weber, defende que atualmente somos secularizados. Uma das bases para a afirmação do
sociólogo é a própria divisão temporal em tempos onde se era praticamente impossível não
crer na existência de uma entidade superior e tempos onde o existir ou não de tal ser ou força
é questionável entre ateus, agnósticos e religiosos.

Dois tempos: (1) um tempo perempto, de religiosidade influente e eclesialidade


forte, no qual „o Além era tudo‟ para os seres humanos e; (2) o tempo de agora, o
agora de Weber no início do século XX mas também este nosso agora de agora,
tempo no qual vivemos nós, cientistas sociais a trabalhar por vocação
(Berufsmenschen), nós, „utilitários herdeiros‟ [utilitarischen Erbin] dessa „época de
religiosidade louçã‟ que foi o século XVII. (PIERUCCI, 1998. p. 7)

Outro fator importante é a escolha religiosa que cada um pode exercer nos tempos
atuais. O número de pessoas que se declaram sem religião ou pertencentes a outras religiões
obteve um notável crescimento de 1991 a 2000. “O Censo Demográfico 2000, mostrou (...) o
aumento do total de pessoas que se declararam (...) sem religião, 7,4% dos residentes.
Observou-se (...) o ligeiro crescimento (...) do conjunto de outras religiosidades que se elevou
de 1,4%, em 1991, para 1,8% em 2000.” (IBGE, 2010. p. 90). Já em 2010, de acordo com o
IBGE, apesar do crescimento não ter sido tão notável, o número de pessoas que responderam
o censo como sendo sem religião subiu para 8% e outras religiosidades subiu para 2,7%.
(IBGE, 2010, p. 92).
32

Se a religião deixa de ser um fator predominante, o sagrado também tende a não ser a
base fundamental para a construção de uma sociedade. Com o crescimento de pessoas que se
declaram pertencentes a outras religiosidades ou, até mesmo, sem religião, o envolvimento
com o divino, que em outro século era imposto ao cidadão, agora fica para aqueles que
desejam tê-lo. “(...) O enfraquecimento das tradições implica numa proliferação de opções
religiosas, e um resultado inevitável é o declínio dos compromissos religiosos.” (RIVERA,
2002. p. 88).
Porém, como falar em secularização quando a presença de políticos dentro de
institutos religiosos e de objetos cristãos dentro de câmaras governamentais existem até os
dias atuais? Mesmo que se argumente ser uma espécie de herança do que o país viveu durante
aproximadamente quatro séculos, fato é que o Estado ainda se envolve com o sagrado.

Argumento ser falsa a suposição de que vivemos em um mundo secularizado. O


mundo de hoje (...) é tão ferozmente religioso quanto antes, e até mais em certos
lugares. Isso quer dizer que toda uma literatura escrita por historiadores e cientistas
sociais vagamente chamada de „teoria da secularização‟ está essencialmente
equivocada. (...) (BERGER, 2000. p. 10)

Mesmo na modernidade, há uma presença marcante de políticos com fortes ideais


cristãos dentro das câmaras. O cristianismo pode, em si, não ter o espaço que possuía
anteriormente, quando o próprio ordenamento social era realizado pela Igreja, mas opera na
resolução de leis ainda com força. Conforme Burity: "(...) o vínculo entre religião e política
nunca se rompeu, mas foi construído de diferentes maneiras, sem obedecer a uma lógica
linear ou ao ditame de leis irresistíveis do desenvolvimento histórico" (BURITY, 2001. p. 30).
Como a Igreja possuía total poder sobre as ações do Estado (representando ela a figura
do próprio Estado), a forma cultural que a mesma possui permanece sendo propagada pelos
seus seguidores. Assim, a busca pela capacidade de definir ordens que lhes convêm é
fundamental para o fortalecimento e manutenção da existência dessa própria cultura. Essa
busca se torna notável quando se analisa a participação religiosa em políticas sociais.
33

(...) uma religião estabelecida oficialmente ou de fato, mantinha um quase-


monopólio da adesão e procurava falar em nome da sociedade como um todo - gerou
uma busca por assegurar espaços de representação política por parte dos grupos
religiosos emergentes, traduzida quer em disputas eleitorais, quer no investimento de
recursos públicos em iniciativas educacionais, filantrópicas ou mesmo em demandas
internas das organizações religiosas (como, por exemplo, cessão de terrenos para
construção de templos). (...) O Poder Executivo conclama organismos religiosos a
atuarem diretamente, de forma subsidiária ou substitutiva, na implementação de
programas sociais em áreas como educação, saúde, violência ou geração de emprego
e renda (em moldes que vão das parcerias às políticas de desinvestimento estatal na
área social, que transfere a organismos privados a oferta e gestão de serviços de
interesse público) (...). (BURITY, 2001. pp. 32-33)

Independente da visão que se tem de Estado, acerca do mesmo ser secularizado ou


sacralizado no Brasil, é notável como a presença de políticos com vínculos religiosos dentro
de partidos tende a levar um perfil conservador nas câmaras. “(...) A influência da religião na
esfera pública, em pleno século XXI, não foi enfraquecida com a secularização moderna e os
avanços tecnológicos (...)” (CASSOTTA, 2016. p.76).

2.1. Bancada do Boi, da Bala e da Bíblia

Para compreender o vínculo entre religião e política, cabe conhecer a existência de


grupos que sustentam o conservadorismo no Congresso Nacional, bem como seus
emparelhamentos com os princípios religiosos, além de sua influência na formação e votação
de leis.

Chama a atenção que, em especial na virada da primeira década do século XXI, tem
sido alcançada visibilidade mais intensa de lideranças defensoras de ideias e
posturas explicitamente conservadoras e que se apresentam como modernas,
pertencentes aos novos tempos, em que a religião tem como aliados o mercado e as
tecnologias. (...) (CUNHA, 2016. p. 148).

Para além dos partidos políticos, o Congresso é composto por Frentes Parlamentares.
Conforme o site da Câmara dos Deputados, “frente parlamentar é uma associação
suprapartidária de pelo menos 1/3 dos integrantes do Poder Legislativo Federal (deputados e
34

senadores) destinada a aprimorar a legislação referente a um tema específico (...)”5. Vigna


defende que “(...) as diversas bancadas de interesse são espaços de articulação que agregam
interesses pessoais ou de classe que não são incorporados nos programas partidários.”, muito
em fator da “mesmice que os partidos políticos se tornaram, em termos de programa e
atuação. (...)” (VIGNA, 2007, p. 8).
Realizando uma radiografia na Câmara, ressalta-se que, atualmente, existem Frentes
com ideais conservadores, das quais três se destacam: Frente Parlamentar Mista da
Agropecuária (FPA ou, como é informalmente conhecida, Bancada do Boi), Frente
Parlamentar da Segurança Pública (FPSP ou, como é informalmente conhecida, Bancada da
Bala) e Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional (FPE ou, como é
informalmente conhecida, Bancada da Bíblia). Cabe ressaltar que, em maio de 2015 foi
lançada a Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana6, como forma de “(...)
fortalecer a religião na Câmara (...)”, já que “(...) segundo dados do Instituto Datafolha de
2014, 75% dos brasileiros são desse segmento religioso (...)”7. Por se entender que a
existência das duas últimas bancadas citadas evidenciam a manifestação da cultura cristã
dentro da câmara, incluir-se-á essa Frente, neste estudo, ao termo Bancada da Bíblia.
Dessas, a Bancada que possui mais membros, levando em consideração que é formada
apenas por uma Frente Parlamentar, conforme entendimento demonstrado no parágrafo
anterior é a Bancada do Boi, “(...) formada por 109 deputados e 17 senadores, segundo a
„Radiografia do Novo Congresso‟, atualizada a cada nova legislatura pelo Diap
[Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar]” 8. Ressalta-se que ela “(...) não deve
ser considerada uma bancada de profissão, mas sim uma „bancada de interesse particular‟,

5 Disponível em http://www2.camara.leg.br/participe/fale-conosco/perguntas-frequentes/deputados - Acesso em


5 de Novembro de 2016.
6 “Dos 513 deputados, 209 compõem a Frente Parlamentar Mista Apostólica Romana. (...)” (CÂMARA apud
FAGANELLO, 2015. p. 147)
7 Disponível em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/com-a-palavra/489102-deputados-
lancam-frente-parlamentar-mista-catolica-apostolica-romnana.html - Acesso em 5 de Novembro de 2016
8 Disponível em http://www.cartacapital.com.br/revista/844/bbb-no-congresso-1092.html - Acesso em 5 de
Novembro de 2016
35

atrelado ao fato de que „os ruralistas também se apresentam sob uma variedade de
profissões‟” (VIGNA, 2007. p. 5).
Com surgimento na Legislatura de 1987/1991 (VIGNA, 2007. p. 7), os interesses da
FPA são voltados para a agricultura e pecuária. Seus membros, em geral, possuem “(...) pelo
menos duas profissões (...)” (VIGNA, 2007. p. 5), sendo uma delas a de agropecuarista.
Porém, entende-se que os ideais dessa Frente são de cunho conservador pelo fato de que, por
exemplo, da sua formação em 1995 até 2007, os integrantes conseguiram “(...) a aprovação da
Lei de Biossegurança; a liberação dos transgênicos por meio de Medidas Provisórias; a
aprovação do relatório final da CPMI da Terra (...)”, além de terem deixado um avanço para
as renegociações das dívidas dos grandes produtores rurais, entre outras conquistas. (VIGNA,
2007. p. 6).
Destaca-se que, além dos membros que a própria Bancada já possui, a mesma
consegue maioria de votos na Câmara facilmente. Muito devido ao fato de que:

(...) Há uma gama de parlamentares que não expressam profissionalmente sua


relação com essa bancada, mas, por vínculos familiares, acabam se situando em sua
órbita e representam o grupo mobilizável, que, nos momentos de votação/pressão,
faz com que o número de participantes pareça maior do que o real. (VIGNA, 2007.
p. 5)

Como é um grupo de interesses, relacionam-se os ruralistas às demais Frentes


existentes no Congresso. Ora, “(...) há uma forte aliança dos setores conservadores na Câmara
(...)”9. Indo além, Vigna afirma que “(...) a bancada pode, em uma votação de seu interesse,
mobilizar o dobro de seus membros efetivos, alcançando, algumas vezes, a maioria absoluta
dos 513 membros da Câmara dos Deputados.” (VIGNA, 2007. p.5). Assim, entende-se que as
Bancadas do Boi, da Bala e da Bíblia são interligadas, por possuírem interesses em comum,
chamando-as de Bancada BBB. Esse termo “(...) foi usado por Kokay pela primeira vez em
uma reunião da bancada do PT na Câmara (...)”10 no ano 2015 sendo que, conforme ela, “(...)
todos eles compartilham da mesma ideologia, unem-se na defesa da sociedade patrimonialista

9 idem
10 idem
36

e patriarcal”11. Ademais dos votos conquistados por aqueles que não exprimem sua associação
à bancada, há também a conquista de votos através do relacionamento com outras bancadas.
Ivan Valente, membro do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), afirma:

(...) Desde a discussão do Código Florestal, em 2012, os ruralistas buscam essa


aproximação com os evangélicos. Logo depois, eles estavam unidos em torno da
PEC 215, que retira do Executivo a prerrogativa de demarcar Terras Indígenas,
transferindo-a para o Congresso. Mais recentemente agregaram a Bancada da Bala.
12
(...)

Como Frente com menor número de membros em relação às citadas anteriormente, a


Bancada da Bala é composta por “(...) pelo menos 22 deputados (...)”13. O grupo de
parlamentares que compõem essa bancada se centraliza em questões securitizadoras, sendo
que “(...) se fundamentam na percepção de que o contexto social está marcado por uma
crescente e constante insegurança e desordem pública radical (...)” (FAGANELLO, 2015. p.
150), “(...) defendendo a redução da maioridade penal e da revogação do Estatuto do
Desarmamento (...)” (FAGANELLO, 2015. p. 147), além do “(...) do fim das penas
alternativas e da permissão do porte de arma para todo cidadão (...)”14. Em sua maioria, é
composta “(...) por ex-policiais militares e delegados da polícia civil.” (FAGANELLO, 2015.
p. 147).
Apesar de ter menos membros, a FPSP possui um grande poder de atuação no
Congresso. Não em vão, a busca pela Bancada do Boi em agregar tal Frente à sua conjuntura
política. Provavelmente, muito desse poder se dá pelo fato dos seus representantes possuírem
um suposto “decoro”, agregado ao fato de serem militares. Indo além, suas falas causam
impacto nos eleitores defensores de seus ideais, já que são repletas de bordões e máximas,
com alta divulgação em seus discursos e páginas nas redes sociais, tais como: “(...) „bandido
bom, é bandido morto‟ (...)” (FAGANELLO, 2015. p. 147); “(...) „Vive-se uma guerra! O

11 idem
12 idem
13 idem
14 idem
37

cidadão está acuado, e os bandidos estão nas ruas!‟ (...)”, onde Faganello enfatiza: “(...)
bradam seus defensores‟ (...)” (FAGANELLO, 2015. p. 150); “(...) „Cidadão de bem‟ (...)”
(FAGANELLO, 2015. p. 152), “(...) „Cartão de visita para marginal do MST é cartucho 762‟
(...)”, onde Dieguez enfatiza que, ao ouvir essa fala, “(...) a plateia vai ao delírio (...)”.
(DIEGUEZ, 2016. p. 23).
Analisando os bordões, nota-se como existe o fator predominante de criação de um
inimigo a ser combatido. Essa idealização da existência de um antagonista em comum se dá
como forma de aproximação daqueles que possuem ideais semelhantes, sendo que, juntos,
buscam a existência de um herói capaz de eliminar a ameaça. Debalde, esse herói é tido como
o próprio policial.

(...) Os discursos enfatizam o caráter heroico da figura e da atividade policial: este é


o agente último da ordem, braço armado do „cidadão de bem‟; aquele que cumpre
seu dever mesmo com o Estado lhe oferecendo baixos salários e condições precárias
de trabalho. Concebe-se uma apreciação da autoridade policial como uma força
portadora de uma autonomia radical, a exaltação das virtudes guerreiras e do
heroísmo da figura policial se conjugam com um discurso que entende a violência
como ferramenta purificadora, legitimadora e resolutiva de problemas sociais. (...)
(FAGANELLO, 2015. p. 151)

O discurso do inimigo em comum se aproxima da idealização da figura de demônios


nos templos religiosos. Isto posto, nota-se como “(...) a reverberação de um discurso
conservador religioso pode encontrar abrigo em parcelas da população que tenham uma
preferência política autoritária. (...)” (FAGANELLO, 2015. p. 158). Ora, a união desses ideais
demonstrados pela, ainda que projetada, Bancada BBB, é caracterizada pelo avanço
conservador no país. E as Bancadas da Bala e da Bíblia possuem forte enlace, levando em
consideração que “(...) o discurso da segurança encontre raízes também em uma ordenação
espiritual. (...)”, já que, muitas vezes, o problema da violência é caracterizado pelo “(...)
enfraquecimento dos laços que ligam os homens com Deus. (...)” (FAGANELLO, 2015. p.
158).
A Bancada Evangélica foi formada primeiramente no Congresso Constituinte de 1986,
mas a força consolidou-se, no Congresso Nacional, como Frente Parlamentar Evangélica, em
38

2003. Diz-se FPE do grupo de parlamentares que se declaram como pertencentes à religião
evangélica. Vale ressaltar que os evangélicos que fazem parte dessa Frente podem pertencer a
qualquer denominação evangélica. Seus participantes não eram percebidos como governantes
com perfil conservador, tendo em vista que até 2010 os mesmos não lidavam com projetos
que interferiam na ordem social. (CUNHA, 2016. pp. 148-149).
Ao contrário do que se poderia esperar, a FPE não se mostra preocupada somente com
questões religiosas, mas antes busca agir, em primeira instância, em projetos e leis de cunho
social, político e econômico. Sendo assim, ao invés de se formar uma “(...) bancada
evangélica, com vontade de legislar segundo os seus preceitos religiosos, esses deputados
atuam de acordo com o partido político que estão filiados.” (CASSOTTA, 2016. p.76).
Porém, para fins desse estudo, não importa simplesmente a existência da Frente
Parlamentar Evangélica, mas sim de uma bancada forte, com atuação quase soberana sobre a
Câmara Federal, sendo essa chamada de Bancada da Bíblia. Essa bancada não é constituída
tão somente por evangélicos, mas por todos aqueles que se declaram cristãos. Como prova da
existência dessa bancada e de sua atuação na resolução e formação de leis, tem-se que os
membros da FPE se valem “(...) de alianças até mesmo com parlamentares católicos, diálogo
historicamente impensável no campo eclesiástico.” (CUNHA, 2016. p. 149).
Essas alianças se dão principalmente quando pautas relacionadas à união civil de
casais homoafetivos e legalização do aborto são inseridas para votação dos parlamentares,
como forma de “(...) defesa da família e da moral cristã contra a plataforma dos movimentos
feministas e de homossexuais (...)” (CUNHA, 2016. p. 149). Uma reportagem da Globo,
publicada em janeiro de 2015, sobre a 55ª Legislatura da Câmara dos Deputados (2015-2019),
mostrou que dos 513 deputados, 300 se consideravam católicos e 68 se consideravam
evangélicos, além de 14 que se consideravam cristãos sem terem citado um segmento
específico.15 Logo, tem-se que aproximadamente 75% dos deputados responderam a pesquisa
como sendo cristãos, sendo que 72% dos deputados responderam ser católicos ou evangélicos.

15 Disponível em http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/01/71-dos-futuros-deputados-se-dizem-catolicos-e-
16-evangelicos.html - Acesso em 30 de Outubro de 2016
39

Independente de posição política conservadora ou progressista desses deputados, percebe-se a


presença majoritária dos seguidores de Cristo no Congresso. Ora, a cada quatro deputados,
três são cristãos!
Além disso, essa presença é marcada por um forte perfil conservador ou, como diz
Cunha, neoconservador, em que o termo “neo” se revela por ser um conservadorismo
pertencente “(...) aos novos tempos, em que a religião tem como aliados o mercado, as mídias
e as tecnologias (...)”. Evidencia-se que, principalmente as lideranças evangélicas “(...) se
revelam defensoras de um conservadorismo explícito e discursos de rigidez moral, visando à
conquista de poder na esfera pública” (CUNHA, 2016. p. 153).
Como exemplo do perfil conservador que essa Bancada vem apresentando, temos os
dados identificados por Cassotta que, durante o início da 54ª Legislatura (2011-2013), notou
que 449 propostas dos deputados evangélicos eram de cunho social enquanto 33 eram de
cunho religioso. Quanto ao social, as propostas geralmente eram referentes à segurança, com
destaque para projetos que buscavam o controle do porte de armas e mudanças no código
penal, e ao trabalho, com destaque para propostas que visavam a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) e regulamentação de horas trabalhadas. (CASSOTTA, 2016. pp. 88-89).
Os dados apresentados mostram como a busca por políticas voltadas para a religião
não é de maior importância para os deputados cristãos. Antes, voltam-se para propostas que
envolvem o social sendo essas, em maioria, conservadoras. Fica pertinente usufruir da forma
de avaliação que Berger utiliza para classificar o papel da religião na política internacional,
distinguindo entre “(...) movimentos políticos autenticamente inspirados pela religião, e
aqueles que utilizam a religião como uma legitimação conveniente de agendas políticas
baseadas em interesses claramente não-religiosos. (...)” (BERGER, 2000, p. 20, grifo nosso).
Em sua maioria os interesses não são religiosos, mas por políticas conservadoras. Por
isso, em relação à união entre católicos e evangélicos, ressalta-se a figura principal desse
estudo, o deputado Jair Bolsonaro, que em 2013 disse: “(...) „Como capitão do Exército, sou
40

um soldado do Feliciano‟ (...)”16. Na ocasião, o pastor Marco Feliciano era presidente da


Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), e estava sendo acusado por
parlamentares, ativistas sociais e celebridades de declarações homofóbicas e racistas, ao que
Bolsonaro refutou: “ „A agenda [da comissão] antes era outra, de uma minoria que não tinha
nada a ver. Hoje, representamos as verdadeiras minorias. Acredito no Feliciano, de coração.
Até parece que ele é meu irmão de muito tempo‟ (...)”17. Não obstante, Bolsonaro é católico,
tendo frequentado a Igreja Batista durante 10 anos18, enquanto Feliciano é criador e líder da
Igreja Assembleia de Deus Catedral do Avivamento19, que foi inaugurada em 22 de dezembro
de 200820.
Os dois deputados demonstram uma intervenção conservadora no que tange aos
direitos conquistados pelas minorias. Ambos são acusados de terem feito declarações racistas,
homofóbicas e machistas. Exemplificando, tem-se a fala de Feliciano sobre a acusação do
mesmo ser homofóbico:

Existe uma ditadura chamada (...) „gaysista‟ Eles querem impor o seu estilo de vida
e a sua condição sobre mim. E eles lutam contra a minha liberdade de pensamento e
de expressão. Eles lutam pela liberdade sexual deles. Só que antes da liberdade
sexual deles, que é secundária, tem que ser permitida a minha liberdade intelectual.
A minha liberdade de expressão. Eu posso pensar. Se tirarem o meu poder de
pensar, eu não vivo. Eu vegeto e morro. (FELICIANO apud CUNHA, 2016. p. 156)

E a fala de Bolsonaro sobre a possibilidade de necessitar e aceitar sangue doado por


uma pessoa homoafetiva: “O risco de ser contaminado com o sangue de homossexual é 17
vezes maior do que com o de heterossexual. Duvido que alguém aceite sangue doado por

16 Disponível em http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/03/sou-um-soldado-do-feliciano-afirma-deputado-
jair-bolsonaro.html - Acesso em 30 de Outubro de 2016
17 idem
18 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI245890-15223,00.html - Acesso em 30 de
Outubro de 2016
19 Disponível em http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/quem-e-o-pastor-marco-feliciano/ - Acesso em 30
de Outubro de 2016
20 Disponível em http://catedraldoavivamento.com.br/igreja/ - Acesso em 30 de Outubro de 2016
41

homossexual sabendo desse risco21. (...)” Ambos demonstram publicamente sua posição
contrária à homossexualidade, que eles chamam de homossexualismo22, buscando
desfavorecer projetos voltados para os mesmos. Por exemplo, mediante a decisão do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de aprovar o casamento civil entre pessoas do mesmo
sexo no Brasil, Bolsonaro afirmou: “(...) „Eles não querem igualdade, eles querem privilégios.
‟” 23. Feliciano, por sua vez, anunciou: “(...) „Eu não aceito o casamento gay‟ (...)” 24.

2.2. A relação entre igrejas neopentecostais e mídia

Essa postura explicitamente conservadora é favorecida pelas pregações realizadas nos


templos religiosos e o apoio dado a esses políticos. A título de exemplo, nas eleições à
presidência de 1994, os evangélicos tiveram forte influência na designação de Fernando
Henrique Cardoso (FHC) ao cargo:

(...) na campanha presidencial de 1994, os evangélicos fizeram forte oposição ao PT.


Segundo Mariano (2005, p. 93), trabalharam fortemente contra o candidato do PT,
„além de identificá-lo com o demônio e de garantirem que sua vitória resultaria em
perseguição aos evangélicos (...)‟ acusaram tal partido de pretender legalizar a união
entre pessoas do mesmo sexo e de ser favorável ao aborto. (...) (CASSOTA, 2016. P.
82)

Para fins desse estudo, entende-se mídia como todo o aparato comunicacional que
envolve tanto as intenções e interesses dos emissores, quanto o meio de difusão das
informações. Portanto, as pregações que ocorrem dentro de templos religiosos também serão

21 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI245890-15223,00.html - Acesso em 30 de


Outubro de 2016
22 O termo homossexualismo é um termo pejorativo, utilizado para qualificar a homossexualidade como doença,
já que o sufixo ismo se refere também a doenças, tais como reumatismo, traumatismo e raquitismo. Ver
http://www.aulete.com.br/ismo#ixzz3taJnHSqo - Acesso em 2 de Novembro de 2016
23 Disponível em https://noticias.terra.com.br/brasil/politica/bolsonaro-sobre-casamento-gay-nao-querem-
igualdade-e-sim-privilegios,99ff52d635aae310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html - Acesso em 30 de
Outubro de 2016
24 Disponível em http://www.sbt.com.br/sbtnaweb/fotos/16045/Eu-nao-aceito-o-casamento-gay-afirma-Marco-
Feliciano-a-Raul-Gil.html - Acesso em 30 de Outubro de 2016
42

tratadas como mídia, para além da distribuição de flyers e divulgação dos cultos e missas no
rádio, na televisão e nas mídias sociais. Assim, propõe-se outro exemplo, utilizando a igreja
neopentecostal Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD)25, que apresenta envolvimento forte
com a política. Atualmente, os candidatos “(...) defendem interesses particulares e não
conjuntos, como por exemplo: defesa dos evangélicos, defesa dos católicos, (...) e etc.”
Assim, o individualismo se mostra presente para que aqueles que frequentam tais instituições
se vejam na própria figura do político, e com isso tenham seu voto conquistado. O tradicional
voto de cabresto faz-se marcante em novas roupagens, quando ocorre troca de favores, por
exemplo, a bênção divina em permuta à obediência ao pastor, ou fora dos templos, onde “(...)
desde o início das campanhas políticas, propaganda („santinhos‟) é distribuída aos fiéis na
porta dos templos. Valdemiro Santiago26 aparece abraçado com os candidatos nos folders.
(...)” (ROCHA, 2012. p. 50-51).
Apesar da proibição, por resolução expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral, de
propagandas políticas dentro de templos27, o pastor Valdemiro Santiago consegue realizar as
propagandas de outra forma. Chamando os candidatos à frente durante os cultos, ele os
abençoa e pede aos fiéis que orem pela vida dos mesmos. Dessa forma, eles são promovidos,
já que os fiéis entendem que esses devem ser os candidatos a ganharem seus votos.

(...) José Serra (PSDB) recebeu (...) a bênção do apóstolo Valdemiro Santiago,
fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus. O tucano e o prefeito Gilberto

25 A IMPD iniciou em Sorocaba, em 1998, tendo como fundador o apóstolo Valdemiro Santiago, sua esposa
Franciléia e alguns membros. O mesmo foi participante da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) durante
quase 20 anos, tendo saído em 1997 após ter problemas com os líderes. (ROCHA, 2012. p. 48).
26 O Pastor Valdemiro Santiago nasceu em uma família pobre, em Cisneiros, Distrito de Palma, no interior de
Minas Gerais. Em 1996, sofreu um acidente em um navio em Moçambique, na África, onde diz que recebeu um
livramento de Deus, sobrevivendo várias horas dentro de alto mar e, por isso, retornou ao Brasil com a ideia de
abrir uma igreja, iniciando os trabalhos na construção da Igreja Mundial do Poder de Deus. Disponível em
https://www.impd.org.br/institucional - Acesso em 17 de novembro de 2016
27 “Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de
uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas
de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive
pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados. (...) §2º
Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pelo Código Civil e também aqueles a que a
população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios,
ainda que de propriedade privada.” (Resolução nº 23.457/2015).
43

Kassab (PSD) participaram do culto matinal no Brás, zona leste. O apóstolo pediu
aos milhares de fiéis que costumam lotar o galpão provisório da igreja que rezassem
„pela vida, pela carreira e pelo coração‟ de Serra e Kassab. Ele avisou que ambos
estavam no altar e seriam abençoados. (...) Serra e Kassab assistiram a uma parte da
cerimônia sentados ao lado dos líderes da igreja evangélica: bispo Josivaldo Batista,
bispa Franciléia de Oliveira e o missionário e deputado José Olímpio (PP-SP). (...) A
visita à Mundial não foi divulgada como agenda de campanha de Serra. Kassab
negou que tenha levado o tucano: „Ele quis ir‟ (...). (ROCHA, 2012. p. 51)

A despeito dos dados apresentados, não se anula a atuação da mídia tradicional na


política, e sim o oposto, reconhecendo que sua participação é fundamental para a conquista de
votos, tanto para eleição quanto para reeleição dos candidatos. “(...) O sistema de mídia no
Brasil é controlado por grupos familiares vinculado às tradicionais oligarquias políticas
regionais e locais. (...)” (CUNHA, 2016. p. 157). Nesse sistema, encontram-se personalidades
midiáticas defensoras de perspectivas e valores conservadores.

Todo este processo é corroborado pelas tradicionais empresas de mídia brasileiras


que, pelo menos na última década, em especial na cobertura noticiosa, tem dado
amplo espaço para analistas e comentaristas defenderem abertamente perspectivas e
valores conservadores, como é o exemplo de Arnaldo Jabor, Alexandre Garcia e
Merval Pereira, nas Organizações Globo; Reinaldo Azevedo, na revista Veja; José
Luiz Datena e Boris Casoy, no Grupo Bandeirantes; Marcelo Rezende, na Rede
Record; Luiz Pondé, na TV Cultura; e mais recentemente, Rachel Sheherazade, no
SBT. (CUNHA, 2016. p. 154)

A interação entre os candidatos religiosos (e seus adeptos) e a mídia é uma constante.


Como forma de resposta aos comentários negativos relacionados aos mesmos e/ou como
forma de se promover, constata-se que os canais midiáticos televisivos, radiofônicos e
impressos abrem espaço para que os parlamentares possam expor suas opiniões. Quando
ocorreu a manifestação de diversos grupos contrários à indicação do Partido Social Cristão
(PSC) ao deputado Marco Feliciano à presidência da CDHM, em 2013, o parlamentar foi
entrevistado por grandes veículos da imprensa.

(...) Foi tratado com simpatia em entrevista a Veja, defendido pelo jornalista
Alexandre Garcia e pela apresentadora do Jornal do SBT Rachel Sheherazade, com
o argumento de „liberdade de opinião‟. (...) De fato, as reações de grupos de
oposição a Feliciano com manifestações dentro e fora do Parlamento, até mesmo em
igrejas frequentadas pelo pastor, foram reduzidas pela cobertura das mídias a uma
disputa entre o presidente da CDHM, a aliada Frente Parlamentar Evangélica e seus
44

„soldados‟, e ativistas e simpatizantes dos movimentos LGBT, negros e feministas,


encabeçados pelo deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), declarado militante
homossexual. A mídia noticiosa declarou a „guerra‟ entre Feliciano e Wyllys, ou,
entre evangélicos e os movimentos de minorias, com ênfase na dimensão da
homossexualidade. (...) (CUNHA, 2016. pp. 155-156).

O interesse das igrejas na grande mídia é demonstrado por sua busca em conseguir
espaço nos canais radiofônicos e televisivos, mas também em terem seus próprios canais. Há
registros desse interesse já no ano 1952, em São Paulo, quando foi fundado o Centro
Audiovisual Evangélico (Cave). “(...) Essa entidade (...) tinha por objetivo (...) produzir
programas religiosos e outros materiais audiovisuais de caráter interdenominacional,
distribuindo-os às igrejas evangélicas, ajudando-as em seus esforços locais de propaganda.
(...)” (CAMPOS, 2004. p. 153). Existem denúncias de que, na década de 70, o Cave usou “(...)
recursos humanos e materiais (...) para gravar propagandas encomendadas pelo regime militar
(...)” (CAMPOS, 2004. p. 153). O projeto acabou sendo encerrado e teve seu material
encaminhado para a Faculdade de Comunicação Social do Instituto Metodista de Ensino
Superior (atual Universidade Metodista de São Paulo). (CAMPOS, 2004. p. 153).
Importante notar que, a partir da década de 90, a IURD adquiriu a Rádio Jornal de São
Paulo, antiga Rádio Cometa, que estava sendo dirigida pelo coronel Renato Pupo. A Igreja
trocou o nome da rádio para Rádio São Paulo. (CAMPOS, 2004. p. 153). Assim, as igrejas
pentecostais começaram a usar cada vez mais o rádio. Mais tarde, as formas comunicacionais
utilizadas por eles seriam inseridas na televisão, aproveitando do uso das técnicas de
propaganda: “(...) a simplificação do discurso, o maniqueísmo, a criação de um inimigo
comum (diabo), a amplificação e desfiguração dos acontecimentos, o farto emprego de
slogans e de palavras de ordem. (...)” (CAMPOS, 2004. p. 156).
O televangelismo brasileiro, assim chamado o compartilhamento da fé cristã realizado
na televisão, possui forte influência norte-americana. Por exemplo, Pat Robertson, pregador
norte-americano, responsável por criar o 700 Club, um programa onde a busca de uma vida
saudável e próspera por meio da fé é combinada com pregações típicas das igrejas
pentecostais, talvez tenha sido uma das influências na carreira de Edir Macedo. Vale ressaltar
que Edir Macedo é bispo, sendo um dos fundadores da Igreja Universal do Reino de Deus, em
45

1977. Nessa época, as igrejas tinham dificuldades para compra de espaços na televisão, já que
havia “(...) desinteresse dos empresários da televisão em abrir espaço para a religião (...)”.
(CAMPOS, 2004. p. 159). A própria fundação da IURD deu-se quando o meio pentecostal
começou a buscar outras soluções, devido à atitude tomada pelos empresários, sendo que:

(...) A saída foi a aquisição pelos evangélicos de seus próprios meios de


comunicação. (...) Porém, isso só se tornou possível com o surgimento de
empreendimentos religiosos que fossem mais eficientes na captação de recursos
financeiros, que centralizassem em um caixa único as ofertas, aperfeiçoando-se as
formas de gerenciamento desses recursos, dotando-os de liberdade para serem
usados para bancar transações em faixas acima dos cinco milhões de dólares à vista.
Essa perspectiva somente se tornou realidade com a consolidação da Iurd. (...) A
Igreja Universal do Reino de Deus é o maior sucesso „empresarial-religioso‟ do
Terceiro Mundo (...). (CAMPOS, 2004. p. 160)

Passados 12 anos desde a fundação da IURD, ocorreu a compra da TV Record, por 45


milhões de dólares. A compra da Rede Record virou alvo de investigações, já que a pessoa
física Edir Macedo não teria, na época, recursos monetários para adquirir a organização.

Quanto à compra da TV Record por Edir Macedo, o Ministério Público Federal


avalia que ela foi ilegal e é inconstitucional. (...) o bispo Edir Macedo usou dezenas
de milhões de reais da igreja que dirige para concretizar a aquisição. Esses vultosos
recursos (doações de milhões de evangélicos) teriam sido „emprestados‟ pela IURD
para que o bispo Edir Macedo pudesse comprar a poderosa rede de TV. A
Procuradoria da República questiona a compra da emissora porque Edir Macedo,
como cidadão, em 1990 comprovadamente não teria bens e recursos para participar
dessa vultosa transação e que, por isso, estaria implementando uma aquisição ilegal,
dissimulada. A verdadeira compradora da empresa de comunicação seria a pessoa
jurídica denominada Igreja Universal do Reino de Deus, o que fere flagrantemente a
28
Constituição Federal.

A TV cresceu e, enquanto em 2004 havia cerca de 30 emissoras dela no Brasil


(CAMPOS, 2004. p. 160), atualmente conta com 55 emissoras no país, distribuídas em todos
os estados, conforme a Tabela 1.

28 Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/tv-em-questao/quem-e-o-dono-da-rede-record/ - Acesso


em 2 de Novembro de 2016
46

29
Fonte: Elaboração própria

Em 2015, o Painel Nacional de Televisão (PNT) demonstrou que a Record estava em


terceiro lugar no ranking de audiência, perdendo por 0,3 pontos em relação ao Sistema
Brasileiro de Televisão (SBT). Porém, em virtude dos poucos pontos de diferença, “(...) na
prática, (...) pode-se dizer que Record e SBT estão em empate técnico (...)”. Ambas emissoras
perderam apenas para a Globo, que seguiu como líder isolada.30 No mesmo ano, uma pesquisa
realizada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), revelou que uma hora na TV aberta, em
cada cinco horas, era voltada para a programação religiosa. A rede CNT é a que mais se

29 Dados retirados do site http://rederecord.r7.com/emissoras-record/rede/ - Acesso em 2 de Novembro de 2016


30 Disponível em http://tvefamosos.uol.com.br/noticias/ooops/2016/01/08/no-pais-sbt-e-vice-no-ibope-em-sp-2-
lugar-e-da-record.htm - Acesso em 3 de Novembro de 2016
47

destinava para a religião, sendo que 89% de sua grade é destinada a programas do gênero. Já
entre as cinco principais emissoras de TV aberta no Brasil, a Rede TV! é a que mais oferecia
espaço para as igrejas, contando com 43,4% do seu espaço destinado a elas. Em seguida, veio
a Rede Record, oferecendo 21,7%. A Band possuía 16,4% do seu tempo voltado para o
conteúdo religioso e a TV Gazeta ficou em quarto lugar, com 15,8%. O SBT era o único canal
que não vendia espaço em sua programação. “Junto com o jornalismo, o gênero religioso
responde por um terço da programação da TV aberta. Os programas têm experimentado uma
ascensão nos últimos quatro anos - de 13,6% em 2012 saltaram para os 21,1% atuais.”.31
Porém, o discurso religioso se expande tão somente na mídia, como também na
política. Assim, existem alguns partidos que demonstram forte vínculo religioso. O Partido
Republicano Brasileiro (PRB), “(...) fundado em 2003 por partidários do ex-vice-presidente
da República, José Alencar Gomes da Silva, é conhecido como „o braço político‟ da IURD.
(...)” (CUNHA, 2016. p. 150). Ainda que o partido não possa ser tido como oficialmente da
Universal, tem-se que “(...) pelo menos 10 dos 18 membros da Executiva Nacional do PRB
são oriundos da Igreja Universal ou da TV Record. E que 85% dos dirigentes estaduais do
PRB são funcionários e dirigentes da Iurd (...)”32. Destarte, esse partido permite que os
interesses vinculados à Universal sejam levados para a câmara.

(...) Em sua primeira eleição majoritária, em 2006, o PRB elegeu apenas um


deputado federal – o pastor da IURD Léo Vivas (RJ), e reelegeu Alencar na chapa
de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT). No pleito de 2010,
o número de deputados federais do partido saltou para nove, e em 2014, elegeu 21,
dos quais 14 compõem a bancada evangélica, tornando-se a maior representação
neste grupo. (...) (CUNHA, 2016. p. 150)

A cultura cristã interfere tanto na política que durante as eleições de 1994, os


evangélicos pró-Collor vieram a acusar o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) de se
associar “(...) ao comunismo ateu, que perseguiria os evangélicos, além de ser favorável ao

31 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/06/1782416-uma-em-cada-5-horas-na-tv-aberta-
e-destinada-a-programacao-religiosa.shtml - Acesso em 2 de Novembro de 2016
32 Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/circo-da-noticia/prb_universal_record_e_pt/ - Acesso
em 2 de Novembro de 2016
48

aborto e ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. (...)” (MARIANO e PIERUCCI
apud CASSOTTA, 2016. p. 82). Naquele ano, Collor foi eleito ao cargo de presidente. Assim,
como forma de garantir votos dos fiéis da Universal para sua reeleição, além de apoio
político, em 2006, “(...) Lula apoiou o candidato ao Governo do Rio, Marcelo Crivella, pelo
PRB. (...) Em setembro do mesmo ano, na Convenção Nacional das Assembleias de Deus, foi
declarado o apoio oficial dessa igreja ao candidato petista.” (CASSOTTA, 2016. p. 83).
Esse apoio continuou perseverando. Ao exemplo, em 2014, a coligação da candidata
Dilma Rousseff, de nome Coligação com a Força do Povo, possuía a presença do Partido
Republicano Brasileiro33. Porém, em março de 2016, o PRB saiu da base do governo. Em seu
site oficial, o partido alegou que sua saída levou em conta “(...) a evidente dificuldade da
presidente de formular um projeto político e econômico capaz de conter a crise instalada e
34
restaurar a confiança dos brasileiros no futuro do país.” . Indo além, esse rompimento
significou também o fim do apoio da Igreja Universal ao governo petista, apesar de o PRB
não ter se posicionado como oposição. 35
Cabe ressaltar que a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Assembléia de Deus
(AD) possuem um conflito entre si. Em setembro de 2011, o bispo Edir Macedo publicou, em
36
seu blog, um vídeo intitulado “qual a diferença?” , onde apresenta questionamentos sobre
se “(...) as manifestações das igrejas pentencostais para receberem o Espírito Santo de Deus e
as manifestações dos terreiros de macumba para receberem entidades como o „tranca rua‟ ou
37
„pomba gira‟ não seriam a mesma coisa.” . No vídeo, “aos 23 segundos da edição,
claramente é citado e comparado ao centros de macumbaria a imagem e o ministério do Pastor
Marcos Feliciano e os Gideões Missionários da Última Hora, entidade ligada a Assembléia de

33 Disponível em http://www.eleicoes2014.com.br/dilma/ - Acesso em 6 de Novembro de 2016


34 Disponível em http://www.prb10.org.br/destaques/nota-oficial-prb-decide-sair-da-base-de-apoio-do-governo-
dilma/ - Acesso em 6 de Novembro de 2016
35 idem
36 Disponível em http://blogs.universal.org/bispomacedo/2011/09/08/qual-a-diferenca/ - Acesso em 6 de
Novembro de 2016
37 Disponível em https://noticias.gospelmais.com.br/edir-macedo-compara-igrejas-assembleia-deus-macumba-
24803.html - Acesso em 6 de Novembro de 2016
49

Deus (...)”38. Para Macedo e a IURD, a prática de outras religiões não-cristãs representa uma
espécie de crime contra Deus, já que “(...) „o discurso de fundo da Universal é intolerante‟ (...)
no cerne da teoria pentecostal está a ideia de uma guerra invisível, na qual cabe às igrejas
pentecostais salvar as pessoas do que consideram um mal. (...)”39
No Censo Demográfico do IBGE de 2010, constatou-se que a Igreja Universal do
Reino de Deus possuía aproximadamente dois milhões de membros, ficando em quarto lugar
no ranking das maiores igrejas evangélicas do Brasil. Já a Igreja Assembléia de Deus possuía
mais de 12 milhões de membros, podendo ser considerada a maior igreja neopentecostal do
país.40 Por conseguinte, a AD também possui o seu partido.

2.3. A filiação de Jair Bolsonaro ao Partido Social Cristão (PSC)

Conforme o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) existem apenas três partidos que
possuem a palavra “cristão”, levando em consideração que, por isso, manifestam já em seu
nome a sua posição religiosa.41 São os partidos: Partido Social Democrata Cristão (PSDC),
Partido Trabalhista Cristão (PTC) e Partido Social Cristão (PSC). Destes, cabe analisar o
PSC, pois seu presidente e outros filiados são assembleianos.

(...) a história do PSC remonta aos anos setenta, através do político mineiro Pedro
Aleixo. Para romper com o bipartidarismo existente durante a ditadura militar,
Aleixo resolveu criar o Partido Democrático Republicano (PDR) em setembro de
1970. Apesar de o partido ter conseguido apenas o registro provisório em alguns
estados, suas principais lideranças resolveram mudar seu nome em 1985 para
Partido Social Cristão, em virtude da doutrina e do posicionamento ideológico dos
líderes, principalmente o padre jesuíta José Carlos Brandi Aleixo, filho de Pedro
Aleixo. Nesta altura, seriam divulgados o manifesto e estatuto do partido.
(GONÇALVES, 2015. pp. 331-332)

38 idem
39 Disponível em http://www.cartacapital.com.br/sociedade/exercito-da-igreja-universal-preocupa-religioes-
afro-brasileiras-449.html - Acesso em 6 de Novembro de 2016
40 Disponível em https://noticias.gospelmais.com.br/infografico-evangelicos-maiores-igrejas-brasil-42425.html
- Acesso em 6 de Novembro de 2016
41 Disponível em http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos - Acesso em 6 de Novembro de 2016
50

Criado em 1985, o estatuto do partido só foi deferido definitivamente cinco anos


depois. Devido à presença da palavra „cristão‟, entende-se que o partido representa mais que
uma religião, já que o cristianismo, para o PSC, é entendido como “(...) um estado de espírito
que não segrega, não exclui nem discrimina. Aceita a todos, independentemente de credo, cor,
raça, ideologia, sexo, condição social, política, econômica ou financeira”42. Ressalta-se que,
apesar de ainda não ter o registro provisório, em 1989, o partido participou de todos os
processos eleitorais, municipais e gerais, chegando a fazer parte da coligação Movimento
Brasil Novo, que foi responsável por eleger Fernando Collor de Mello como presidente.
(GONÇALVES, 2015. pp. 331-333).
O PSC lançou alguns candidatos à Presidência da República, como o Almirante
Hernani Fortuna, em 1994, sendo que o mesmo ficou em último lugar nas votações. Em 1998,
foi a vez de Sérgio Bueno, que ficou em penúltimo lugar. Assim, o partido começou a apoiar
outros candidatos, chegando a fazer parte da coligação Para o Brasil Seguir Mudando,
responsável por eleger Dilma Rousseff como presidente em 2010. (GONÇALVES, 2015. p.
333). Destaca-se o fato do PRB não ter participado dessa coligação do PT, sendo que o PSC
participou. Já em 2014 foi a vez do PSC não fazer parte da coligação responsável por reeleger
Dilma, enquanto o PRB fez. Silas Malafaia, pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória
em Cristo, não apoiando o PT no segundo turno, demonstrou desavença com Edir Macedo.
Em desabafo no Twitter, disse: “(...) „Edir Macedo apoia Dilma, direito dele, eu apoio Aécio,
direito meu‟ (...)”43.
Na candidatura à presidência em 2014, o PSC lançou o seu próprio candidato, o Pastor
Everaldo, que “(...) foi o primeiro candidato ao cargo que explorou no nome para a urna a sua
orientação religiosa, utilizando a palavra „pastor‟ (...).” (GONÇALVES, 2015. p. 324). Isso
não quer dizer que foi a primeira candidatura em que a orientação religiosa foi usada como

42 Disponível em http://www.psc.org.br/site/partido-social-cristao/historico.html - Acesso em 6 de Novembro de


2016
43 Disponível em https://noticias.gospelprime.com.br/edir-macedo-dilma-aecio-silas-malafaia/ - Acesso em 6 de
Novembro de 2016
51

forma de atrair votos, mas sim que, pela primeira vez, o pseudônimo “pastor” foi utilizado
para as eleições de um cargo tão alto.
Nascido em 1956, filho da missionária Dilma e do pastor Heraldo, a casa do candidato
era em Acari, no Rio de Janeiro, onde funcionava um núcleo da Assembleia de Deus
Ministério Madureira. Enquanto criança vendia louças e frutas, trabalhando como camelô na
Feira de Acari. Além disso, trabalhou também como ajudante de pedreiro e contínuo.44
Atualmente, Everaldo Dias Pereira “(...) é formado em Ciências Atuariais pela Faculdade de
Economia e Finanças do Estado do Rio de Janeiro. (...)” (GONÇALVES, 2015. p. 333). Sua
filiação ao PSC se deu em 2003. Atualmente, ele é o presidente do Partido Social Cristão 45,
possuindo “(...) forte apreço pelos deputados da Frente Parlamentar Evangélica,
principalmente pelos assembleianos. (...)”. (GONÇALVES, 2015. pp. 333-334).
As propostas do PSC foram divididas, por Marcondes Gadelha, em três eixos
principais, durante o lançamento da pré-candidatura de Everaldo, no dia 8 de abril de 2014.
São os eixos qualidade de vida, poder nacional e governança. Em resumo, qualidade de vida
refere-se a temas como “(...) economia livre, empreendedorismo e desenvolvimento
econômico, respeito à família assim como à vida humana, que deve ser entendida como tendo
início desde a concepção. (...)” (GONÇALVES, 2015. p. 334). Sobre o poder nacional, é
defendida “(...) a reestruturação das polícias e valorização das forças armadas, com maior
investimento em capacitação, assim como uma reforma do processo penal, incluindo a
redução da maioridade penal. (...)” (GONÇALVES, 2015. p. 335). Já sobre a governança,
destaca-se a defesa da “(...) descentralização, eficiência administrativa e respeito ao direito de
propriedade privada”, além da “simplificação dos procedimentos burocratizantes, redução das
atribuições do estado e descentralização de poderes e solidez na gestão tributária. (...)”
(GONÇALVES, 2015. p. 335).

44 Disponível em http://veja.abril.com.br/politica/o-pastor-candidato-que-pode-levar-a-eleicao-presidencial-
para-o-2o-turno/ - Acesso em 6 de Novembro de 2016
45 Disponível em http://www.tre-al.jus.br/partidos/orgaos-partidarios/consulta-de-partidos-politicos-tse - Acesso
em 6 de Novembro de 2016
52

Assim, durante suas propagandas no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral


(HGPE), “(...) é constante o argumento de defesa da família brasileira (...) operando através de
uma prática política que busque respeito aos „bons costumes‟ e à „moralidade‟ (...)”
(GONÇALVES, 2015. p. 341). Membros da comunidade LGBT chegaram a criticar a postura
do pastor, caracterizando-o como “(...) fundamentalista e conservador sobre temas que dizem
respeito à luta do segmento LGBT pelos direitos já adquiridos, deslegitimando qualquer
modelo de família que não se encaixe nos padrões heteronormativos que são impostos pelos
evangélicos.” (GONÇALVES, 2015. p. 342). A postura conservadora do candidato foi
ressaltada durante as campanhas, sendo que o mesmo também “(...) demonstrou sua postura
contrária ao aborto, apresentando nas propagandas eleitorais imagens de gestantes ao mesmo
tempo em que reafirmava a defesa da família associada também à contrariedade da
interrupção da gravidez.” (GONÇALVES, 2015. p. 342).
Durante a corrida presidencial, o candidato apareceu com 4% das intenções de voto,
segundo pesquisa do Datafolha (GONÇALVES, 2015. p. 342). Porém, esse desempenho não
foi mantido. Muito se deve ao fato do falecimento de Eduardo Campos e da candidatura de
Marina Silva, que assumiu o lugar do mesmo. Por também ser assembleiana, “(...) políticos
evangélicos vinculados à Assembleia de Deus, como o deputado federal Marco Feliciano,
chegaram a cogitar a possibilidade de desistência de Everaldo no primeiro turno, para evitar
uma eventual divisão do voto cristão.” (GONÇALVES, 2015. p. 336). Por conseguinte, “(...)
Pastor Everaldo acabou não sendo eleito, alcançando 0,75% dos votos válidos (...)”
(GONÇALVES, 2015. p. 337).
Apesar de não ser eleito, Everaldo ficou em quinto lugar nas eleições gerais, à frente
de candidatos que ficaram bastante conhecidos durante os debates, como Eduardo Jorge, do
Partido Verde (PV), e Levy Fidelix, do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB). Em
relação às eleições anteriores em que o PSC lançou candidatos à presidência, a colocação
alcançada pelo pastor é um marco para o partido. O candidato ficou atrás de Luciana Genro,
do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e, como era previsto, de Marina Silva, do Partido
53

Socialista Brasileiro (PSB), além dos candidatos que foram para o segundo turno, Dilma
Rousseff e Aécio Neves.46 Devido a discussões sobre religião, laicidade, aborto, redução da
maioridade penal e união homoafetiva, Luciana Genro havia afirmado “(...) que a vitória
sobre Pastor Everaldo já seria uma conquista para as bandeiras que a candidata socialista
defende. (...)”. Durante o segundo turno, o PSC apoiou Aécio Neves, do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB). (GONÇALVES, 2015. p. 337)
Em março de 2016, o pastor efetivou a filiação de Jair Bolsonaro ao PSC, além de
confirmar o lançamento da sua pré-candidatura à Presidência da República nas eleições de
2018. Durante o evento, Everaldo disse “(...) „estamos recebendo aqui o deputado Jair
Bolsonaro, com a missão de representar o Partido Social Cristão na eleição de 2018. E, a
partir de hoje, ele é pré-candidato à Presidência da República‟”47.
Jair Messias Bolsonaro, “(...) um homem alto, de cabelos lisos, pele clara, olhos de um
azul intenso e expressão permanente crispada (...)” (DIEGUEZ, 2016. p. 20), é capitão
reformado do exército. Nascido em 1955, foi eleito deputado federal, com mais de 464 mil
votos no Estado do Rio de Janeiro, em 2014. Ademais, Bolsonaro é integrante da Bancada da
Bala, e possui forte apreço pela Bancada da Bíblia, como demonstrado na seção 2.1, em sua
fala sobre Feliciano. Em visita ao seu gabinete, Dieguez ressaltou que havia quadros com
fotos dos generais que ocuparam a Presidência da República durante a ditadura militar na
parede, sendo que Bolsonaro chegou a ironizar: “(...) „Você queria que eu colocasse a foto de
quem aí? Da Dilma?‟ (...)”. (2016. p. 18). Ele é marcado como uma pessoa que dissemina o
ódio.

Bolsonaro odeia. Abomina Fidel Castro, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Lula,
Dilma Rousseff, o PT, o MST, Cuba, comunistas e qualquer pensamento ou ato que
possa ser remotamente identificado com a esquerda. Jamais tergiversa: é contra a lei
do desarmamento („Deixou os proprietários de terra vulneráveis aos ataques do
MST‟) e as cotas raciais nas universidades („Uma boa educação pública no ensino
básico faria com que todos competissem em pé de igualdade‟); é crítico de políticas
de transparência de renda como o Bolsa Família („Deveria ser distribuída em casos

46 Disponível em http://placar.eleicoes.uol.com.br/2014/1turno/ - Acesso em 6 de Novembro de 2016


47 Disponível em http://extra.globo.com/noticias/brasil/jair-bolsonaro-apresentado-como-pre-candidato-
presidencia-da-republica-18791859.html - Acesso em 6 de Novembro de 2016
54

extremos para não estimular a indolência‟) e acaloradamente refratário a qualquer


educação sexual nas escolas que aborde questões de gênero e homossexualidade
(„Querem deformar a cabeça de nossas criancinhas‟). (DIEGUEZ, 2016. p. 18)

Bolsonaro entrou na política em 1988, após ter sido acusado de liderar um movimento
que visava o aumento da remuneração recebida pelos militares. Na ocasião, em 1987, a revista
Veja revelou um plano de colocar bombas de baixa potência dentro dos banheiros da
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), acusando o então capitão Jair Bolsonaro de
ser o responsável. Leônidas Pires Gonçalves, general e ministro do exército, recebeu o
material e colocou o capitão na reserva. “(...) „A Veja me levou para o olho do furacão. (...)
90% do que foi publicado pela revista não era verdade.” (BOLSONARO apud DIEGUEZ,
2016. p. 22).
Foi vereador pelo Rio de Janeiro, levantando bandeiras a favor da melhoria dos
salários dos militares. Chegou a passar por vários partidos políticos, PDC, PPR, PPB, PTB,
PFL e PP, tendo saído desse último por envolvimento dos integrantes com a Lava Jato.
Atualmente, sua filiação ao PSC e pré-candidatura à presidência é marcada por um acordo
com o Pastor Everaldo, onde o mesmo disse que se Bolsonaro alcançar 10% das intenções de
voto até 2018, será oficializado candidato. Conforme o pastor, o mesmo foi chamado para o
partido por nunca ter sido alvo de denúncias de corrupção. (DIEGUEZ, 2016. pp. 18-22).
Além da filiação ao partido, em maio deste ano, Bolsonaro foi batizado por Everaldo
no Rio Jordão. Antes de realizar o mergulho nas águas, o pastor fez algumas perguntas ao
batizando: “E aí, Bolsonaro, você acredita que Jesus é o filho de Deus? Acredito. Você crê
que Ele morreu na cruz? Sim. Que Ele ressuscitou? Sim. Está vivo para todo o sempre? Sim. É
o salvador da humanidade? Sim.” 48
Leva-se em consideração que o batismo é tido como uma confissão de que a pessoa
passará a fazer parte da igreja pela qual foi batizado e, portanto, o batismo do Bolsonaro
deveria ser tido como uma conversão à Assembleia de Deus. Porém, apesar do ato, a
assessoria de imprensa do deputado diz que ele é católico. Indo além, a visita de alguns

48 Disponível em http://extra.globo.com/noticias/brasil/enquanto-votacao-do-impeachment-acontecia-bolsonaro-
era-batizado-em-israel-19287802.html - Acesso em 6 de Novembro de 2016 - Grifos nossos.
55

membros do PSC a Israel não foi apenas para realizar o batismo, mas já fazia parte da agenda
política do partido. Stahlhoefer faz algumas questões inquietantes sobre o caso:

A aproximação do PSC com o governo de Israel, especialmente com políticos e


religiosos israelenses que defendem uma visão mais ortodoxa e conservadora do
judaísmo, se coaduna com compreensões teológicas típicas de grande parte do
evangelicalismo brasileiro. Não seria, portanto, muito oportuno para Bolsonaro neste
momento aliar à sua imagem de conservador um elemento religioso que o torne
ainda mais aceitável à população evangélica brasileira? Não seria, além disto, muito
astuto da parte do deputado „converter-se‟ fora de um templo pentecostal, em terreno
neutro, e além disto insistir que permanece católico para manter-se palatável ao
49
eleitorado católico conservador? (...)

Bolsonaro é muito carismático. “(...) A platéia o aplaude sempre que ele conclui seus
discursos com o bordão: „Brasil acima de tudo, Deus acima de todos‟” (DIEGUEZ, 2016. p.
18), ou quando viaja para o interior do país, e “(...) a platéia vai ao delírio quando o deputado
grita outro de seus bordões: „Cartão de visita para marginal do MST é cartucho 762‟ (...)”
(DIEGUEZ, 2016. p. 23). Esse carisma já lhe rendeu, segundo pesquisa do Datafolha em
julho deste ano, aproximadamente 8% das intenções de voto (DIEGUEZ, 2016. p. 18), isto
levando em consideração que o deputado nunca concorreu a um cargo majoritário.

Bolsonaro é amado. Uma parcela da população se encanta com a ira do deputado.


Seus modos e a apologia do regime militar - que ele transforma em sinônimo de
ordem e autoridade, em contraponto à baderna que vê por toda a parte - acabaram
canalizando as frustrações de parte do eleitorado num momento marcado pela
desmoralização dos políticos e pelo antipetismo exacerbado. É nesse ambiente e a
partir dessa base social que o deputado fluminense espera fazer decolar sua
campanha a presidente da República. (DIEGUEZ, 2016. p. 18)

De acordo com o instituto Datafolha, 13% dos votos de Bolsonaro são dos que
possuem nível superior, enquanto 20% dos votos se voltam para aqueles que possuem renda
familiar entre cinco e dez salários mínimos e 16% dos que possuem mais de dez salários
mínimos. (DIEGUEZ, 2016. p. 18) Ressalta-se que três em cada quatro de seus eleitores são
homens. (DIEGUEZ, 2016. p. 20) André Singer, professor da Universidade de São Paulo,

49 Disponível em https://xadrezverbal.com/2016/05/16/o-batismo-de-bolsonaro/ - Acesso em 6 de Novembro de


2016
56

destaca para o fato da maior presença de seus eleitores estar na classe média baixa (renda
familiar entre 4,5 mil e 9 mil reais). Conforme Singer, “(...) Bolsonaro parece ter começado a
despertar a simpatia em um público que não é exatamente aquele que protestou na avenida
Paulista50. A questão é saber como isso vai evoluir, já que a maioria das pessoas ainda
desconhece o candidato.” (SINGER apud DIEGUEZ, 20/16. p. 20).
Apesar de seu não envolvimento em denúncias de corrupção, o deputado está
envolvido em diversos escândalos. Por exemplo, em 2014, Maria do Rosário, deputada e ex-
ministra dos Direitos Humanos, entrou com uma ação contra Bolsonaro por um
enfrentamento ocorrido em 2003, durante entrevista à Rede TV!. O Supremo Tribunal Federal
aceitou a denúncia e o deputado se tornou réu por injúria e incitação ao estupro.

Rosário, que esperava o deputado concluir sua participação para falar à mesma
emissora, não se conteve com o que ouviu e reagiu à entrevista, dizendo que pessoas
como o Bolsonaro, pela agressividade de seu discurso, acabavam promovendo
violências, como o estupro. Olhando para a câmera, Bolsonaro revidou: „Grava,
grava aí. Ela está dizendo que eu sou um estuprador. ‟ Dirigindo-se então para a
deputada, soltou a frase: „Jamais ia estuprar você porque você não merece.‟ (...)
(DIEGUEZ, 2016. p. 20)

Foi acusado de racismo quando, durante o programa humorístico Custe o Que Custar
(CQC), “(...) Preta Gil, filha de Gilberto Gil, perguntou-lhe se ele se importaria que um de
seus filhos casasse com uma negra. E ele teria respondido: „Preta, meus filhos foram muito
bem educados e não fariam essa promiscuidade. Não foram criados num ambiente como o
seu‟ (...)”. O caso foi arquivado pelo STF, pela acusação do material ter sido editado para
prejudicar Bolsonaro e a falta de provas do inverso, já que o programa alegou que a fita
original da gravação havia sido destruída. (DIEGUEZ, 2016. p. 21)
Neste ano, o pré-candidato à presidência foi acusado de elogiar um torturador, o
coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Utilizando o codinome Doutor Tibiriçá, Ustra “(...)
foi acusado por presos políticos de comandar sessões de choque elétrico, pau de arara,

50 Protesto realizado a favor do impeachment da até então presidente Dilma Rousseff, em 13 de março de 2016.
Ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1749528-protesto-na-av-paulista-e-o-maior-ato-politico-ja-
registrado-em-sao-paulo.shtml - Acesso em 6 de novembro de 2016
57

afogamento, surras e tortura psicológica. Por seus atos, foi julgado como torturador pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo”. (DIEGUEZ, 2016. p. 22) Durante a votação da abertura do
processo de impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro proferiu o seguinte:

(...) Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve.
Contra o comunismo. Pela nossa liberdade. Contra o Foro de São Paulo. Pela
memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff.
Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas. Por um Brasil acima de tudo,
51
e por Deus acima de todos, o meu voto é sim.

A presença cristã é uma realidade ao redor do deputado. Por exemplo, em julho deste
ano, jovens da Igreja Nova Aliança, de Santa Catarina, o abordaram, propondo uma oração
para que todo mal se afastasse de Jair e de seu filho, Eduardo Bolsonaro. Já durante uma
convenção que endossou a indicação de Flávio Bolsonaro para concorrer ao cargo de prefeito
do Rio de Janeiro, em Bangu, na Zona Oeste carioca, “(...) o nome de Deus era evocado quase
todo o tempo. Também se falou em resgate dos valores humanos, respeito às famílias e falta
de segurança”. Destaque para o fato de que, ao chegar ao palco, os gritos fervorosos de
“mito”, como seus adeptos costumam chamá-lo, foram intensos. (DIEGUEZ, 2016. p. 24).
O deputado não possui lugar perceptível nos meios de comunicação, utilizando as
mídias sociais como forma de divulgação de sua imagem. Garante que foi por esse motivo
que conseguiu ser tão votado no Rio de Janeiro. Além disso, quase não fala com a imprensa,
gravando tudo quando o faz. Isso lhe rende uma excelente imagem perante um de seus
maiores grupos de eleitores, os jovens entre 16 e 34 anos, que totalizam 65% de seus
apoiadores. (DIEGUEZ, 2016. pp. 18-20). Conforme Janoni, “(...) „os jovens, de um modo
geral, desacreditam mais dos canais tradicionais de participação política‟, (...) são mais
vulneráveis a temas como direito à posse de arma e ações intempestivas contra a
criminalidade. (...)”. Por fim, Janoni ressalta que “(...) eles acabam se agregando por meio de
afinidades temáticas e as redes sociais potencializam isso.” (JANONI apud DIEGUEZ, 2016.
p. 20).

51 Disponível em http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/06/28/conselho-de-etica-abre-
processo-contra-bolsonaro-por-elogio-a-torturador.htm - Acesso em 6 de Novembro de 2016
58

3. ENTRE O PERTENCIMENTO E O ÓDIO

Para este trabalho, torna-se necessário entender o poder de atuação das redes sociais.
Entende-se que cibercultura representa a cultura que surge com o advento da internet e das
comunidades virtuais, sendo essas instrumentos midiáticos na rede.

Ora, mídias são meios, e meios, como o próprio nome diz, são simplesmente meios,
isto é, suportes materiais, canais físicos, nos quais as linguagens se corporificam e
através dos quais transitam. (...) Embora sejam responsáveis pelo crescimento e
multiplicação dos códigos e linguagens, meios continuam sendo meios (...).
(SANTAELLA, 2003. p. 25)

Aproveitando do conceito de atuação das culturas descrito no início do capítulo 2


(inclusão e exclusão), tem-se que a cibercultura, de igual forma, age pela inclusão daqueles
que não pertencem à cultura da internet a essa nova forma cultural, bem como pela exclusão
daqueles que não se inserem nela. “(...) a cultura comporta-se sempre como um organismo
vivo e, sobretudo, inteligente, com poderes de adaptação imprevisíveis e surpreendentes.”
(SANTAELLA, 2003. p. 26). Ou seja, indo além, uma cultura é capaz de absorver conceitos
de outras culturas, adaptá-los a si e, então, se tornar soberana através da maioria de membros.
Assim, a cibercultura também é conhecida como cultura do acesso, tendo em vista que sua
busca por soberania é elevada pelo fato de cada vez mais pessoas terem acesso à tecnologia.

É por essa razão que a era digital vem sendo também chamada de cultura do acesso,
uma formação cultural está nos colocando não só no seio de uma revolução técnica,
mas também de uma sublevação cultural cuja propensão é se alastrar tendo em vista
que a tecnologia dos computadores tende a ficar cada vez mais barata. (...) À medida
que cresce seu poder, seu preço declina e seu mercado aumenta. (...) (SANTAELLA,
2003. p. 28)

O local onde uma cultura é gerada é também o local onde ela absorve diversas
características a ponto de conseguir cada vez mais membros. Assim, a cibercultura, por ter
sido gerada em um seio capitalista, absorve de igual forma suas características. Ora, se no seio
do capitalismo há conflitos sociopolíticos, esses conflitos também estão presentes no mundo
virtual. “(...) mesmo que o ciberespaço possa ser significantemente diferente de outras mídias
59

culturais, seus programas, realidades virtuais e experiências dos usuários estão tão firmemente
enraizados no capitalismo contemporâneo quanto qualquer outra forma de cultura. (...)”
(SANTAELLA, 2003. p. 29)
São os humanos e seus meios que produzem culturas. E são também os mesmos que se
inserem, ou são inseridos, nos comportamentos que reproduzem. Logo, “(...) não há uma
separação entre uma forma de cultura e o ser humano (...)” (SANTAELLA, 2003. p. 30).
Entretanto, aquilo que o ser cria pode recriar o ser, assim “(...) „a tecnologia não apenas
penetra nos eventos, mas se tornou um evento que não deixa nada intocado. É um ingrediente
sem o qual (...) toda a gama de interações sociais, é impensável.‟ (...)” (ARONOWITZ apud
SANTAELLA, 2003. p. 30).
Da cibercultura, emergem as comunidades virtuais. Comunidades são aglomerações
humanas pelas quais os indivíduos interagem entre si. São geralmente retratadas como
espaços fisicamente delimitados, onde certos grupos sociais se organizam e, através da
interação, conflituam seus pontos de vista e opiniões, podendo desses conflitos serem
incluídos na comunidade ou excluídos da mesma, tal como ocorre nas formas culturais.

Para Ávila (1975), uma comunidade apresenta as seguintes características: a) uma


certa contigüidade espacial, que permita contatos diretos entre seus membros; b) a
consciência de interesses comuns, que permite aos seus membros atingirem
objetivos que não poderiam alcançar sozinhos; c) a participação em uma obra
comum, que é a realização desses objetivos e a força de coesão interna da
comunidade. (PRIMO, 1997. p. 2)

O ciberespaço, “(...) lugar onde se está ao entrar em um ambiente virtual, e como o


conjunto de redes de computadores, interligados ou não, ao redor do globo” (LEMOS apud
PRIMO, 1997. p. 2), é um local que apresenta a presença de comunidades, que atuam
conforme os conceitos expostos por Ávila. Logo, essa presença é marcada pela formação de
comunidades virtuais, que são as “(...) „relações sociais formadas no ciberespaço através do
contato repetido em um limite ou local específico (como uma conferência eletrônica)
simbolicamente delineado por tópico ou interesse. (...)” (FERNBACK e THOMPSON apud
PRIMO, 1997. p. 2).
60

Frisa-se que o virtual não está desligado do real, antes, é um produto do mesmo.
Ambos se intercalam. Os conteúdos produzidos no ambiente cibernético são frutos da
percepção da realidade de quem os produz. Essa produção de conteúdos se dá pelo manuseio
das informações que é realizado nas redes, já que “(...) as pessoas de comunidades virtuais se
utilizam de palavras na tela do monitor para trocar experiências, discutir, participar de
discursos intelectuais, trocar suporte emocional, desenvolver amizades e amores, flertar,
jogar, produzir arte, etc. (...)” (PRIMO, 1997. p. 3). Logo, a interação através das
comunidades virtuais não se dá como pelo conceito original de comunidade, onde a
localização da mesma denominaria onde ocorreria o encontro dos grupos sociais, mas “(...) as
comunidades virtuais seriam baseadas em proximidade intelectual e emocional em vez de
mera proximidade física. (...)” (PRIMO, 1997. p. 4).
Logo, o Facebook pode ser considerado uma comunidade virtual, já que, ao entrar no
site, encontra-se a frase “o Facebook ajuda você a se conectar e compartilhar com as pessoas
que fazem parte da sua vida.”52 (grifo nosso). Quando ocorre essa conexão, o conceito
primeiro de Ávila sobre comunidade aparece, já que há interação entre os membros. Indo
além, na página oficial Facebook Brasil, na parte “Sobre”, lê-se:

A missão do Facebook é dar às pessoas o poder de compartilhar informações e fazer


do mundo um lugar mais aberto e conectado. Milhões de pessoas usam o Facebook
para compartilhar um número ilimitado de fotos, links, vídeos e conhecer mais as
53
pessoas com quem você se relaciona.

Ora, esse site de redes sociais se declara como forma de conhecer “mais” as pessoas,
ou seja, se mostra como forma que ultrapassa os limites geográficos, já que o usuário da rede
se expõe intelectualmente e emocionalmente, para que possa haver aproximação daqueles que
possuam conceitos parecidos com os do usuário.

52 Disponível em https://pt-br.facebook.com/ - Acesso em 10 de Novembro de 2016


53 Disponível em https://www.facebook.com/pg/FacebookBrasil/about/?ref=page_internal - Acesso em 10 de
Novembro de 2016
61

Ressalta-se que, de acordo com Horn, as comunidades virtuais crescem através da


ocorrência de conflitos. “As pessoas não estariam on-line se não houvesse tensão”. (HORN
apud PRIMO, 1997. p. 4), sendo que “(...) uma simples mensagem pode interessar a milhões
de pessoas (...) e pode motivar uma acalorada discussão acerca do tema. (...)” (PRIMO, 1997.
p. 6). Por isso, é importante notar que “(...) diferentemente das comunidades geográficas, que
sempre existirão, as comunidades virtuais podem ser efêmeras. (...)” (PRIMO, 1997. p. 5). O
Orkut, lançado em 2004 e encerrado em 201454, é um exemplo que demonstra como essas
comunidades são findáveis.

Kiesler, Siegel e McGuire, citados por Reid (1991), ao analisar a comunicação


midiada por computador, concluíram que ela apresenta quatro diferenças
fundamentais em comparação às formas convencionais de interação. São elas: a)
falta de feedback regulador: as pessoas se comportam de maneira mais espontânea,
mesmo com estranhos, já que não existem limitações contextuais como aparência e
status social; b) apresentação anônima: permitindo a qualquer indivíduo apresentar-
se como quiser e até fantasiar novas identidades, e formar fortes amizades mesmo
sem conhecer o outro fisicamente; c) fraqueza dramatúrgica: falta de informações
não-verbais; d) poucas pistas de status social: nos chats não se sabe quem é
executivo ou estudante, jovem ou adulto, chefe ou empregado, a não ser que a
pessoa informe. (PRIMO, 1997. p. 8)

Os usuários de comunidades virtuais se conectam e interagem entre si, criando “(...)


suas personas, que desenvolvem um senso comunitário e que fazem e desfazem amizades”
(PRIMO, 1997. p. 3). Online (conectadas na rede), as pessoas não precisam se relacionar com
o outro como se relacionam offline (desconectadas da rede). Conclui-se que “houve um tempo
em que as identidades eram dadas com o nascimento. (...)” (NÓBREGA, 2010. p. 95), já que
o próprio conceito de sujeito sociológico anula essa ocorrência, quando “(...) a complexidade
do mundo moderno (...)” começa a afetar “(...) decisivamente a composição da pessoa em
relação a outros significantes. (...)” (NÓBREGA, 2010. p. 95). Com o advento do que alguns
autores, como Zygmunt Bauman, chamam de pós-modernidade:

54 Disponível em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/06/rede-social-orkut-sera-encerrada-em-30-de-
setembro.html - Acesso em 10 de Novembro de 2016
62

(...) Surge a ideia de sujeito pós-moderno. Profundamente marcado pela liquidez dos
novos tempos, como diria BAUMAN (2001). Inserido em um mundo fluido, de
rápidas e constantes transformações, também a identidade desse indivíduo passa a
ser fluida, porosa e de difícil delimitação. (...) Diferente da tradição, quando a
identidade era assegurada pelo grupo, agora ela é uma questão pessoal e subjetiva
que passa pelas escolhas individuais. (...) (NÓBREGA, 2010. p. 96)

Para entender o conceito de criação de personagens dentro da identidade de um


sujeito, considera-se que o sujeito A se relaciona com seus familiares utilizando um
personagem B, com seus amigos na faculdade utilizando um personagem C e em sua conta no
Facebook um personagem D, logo, o sujeito A é também sujeito B, C e D, ainda que seu
personagem B seja diferente de seus personagens C e de D e seu personagem C seja diferente
de seu personagem D. São infinitas as possibilidades de personagens que um sujeito pode
assumir em diversos ambientes, afinal

(...) a identidade está em tudo. É representada na cultura de consumo, em que a


materialidade do consumo é quem sustenta a identidade. É também representada nos
livros, filmes, na difusão do multiculturalismo. Está em tudo e em todo lugar, de
forma marcante ou sutil. (...) (NÓBREGA, 2010. pp. 96-97).

Esse ser, com seus vários personagens, se relaciona em redes sociais como forma de
buscar outros personagens que se assemelhem a ele, já que estão todos unidos em uma
perspectiva de pertencimento. “(...) Pertencer a uma determinada comunidade virtual é
compartilhar um mesmo território, ou mesmos sentimentos e impressões (...)” Indo além,
estar em uma rede social permite que a pessoa se exiba “(...) da forma que se achar mais
conveniente, carregando consigo a segurança de ter ao lado várias outras pessoas que pensam
da mesma forma e que assim reforçam o ideal de grupo.” (NÓBREGA, 2010. p. 97).
Para acessar uma comunidade virtual, o usuário deve utilizar um nome de
identificação. No caso do Facebook, é solicitada a utilização do nome verdadeiro para a
criação de um perfil. Porém, não é necessária a criação de um nome alternativo para que a
pessoa possa ser representada por um novo personagem na rede. “(...) Afinal, a primeira coisa
que se mostra nas relações virtuais é o que mais se esconde nas relações físicas: o interior das
pessoas” (STORCH e COZAC apud PRIMO, 1997. p. 10). E isso ocorre devido à sensação de
63

liberdade que a internet causa, já que “(...) ela ampliou o conceito de liberdade de expressão e
possibilitou que, por maior que fossem as peculiaridades, o indivíduo sempre conseguiria
encontrar alguém como ele para interagir” (NÓBREGA, 2010. p. 97).
A partir do momento em que ocorre essa interação, as pessoas se ligam em rede.
Assim, formam-se grupos, onde as pessoas que possuem emoções e intelectualidade parecidas
se reúnem. Porém, “(...) existe sempre um desequilíbrio de poder. Enquanto o “nós” é visto
como regra e algo que deve ser seguido, “os outros” são vistos como desviantes da norma,
algo a ser evitado e por vezes, até mesmo repudiado”. Leva-se em consideração que, nos
casos em que ocorre repúdio, “(...) o sentimento de pertencimento adquire proporções
exacerbadas, assim como o nacionalismo e o fundamentalismo religioso (...)” (NÓBREGA,
2010. p. 98).
Assim, a vivência em comunidades virtuais varia conforme as próprias representações
criadas por cada um, sendo que “(...) nas conferências eletrônicas, pessoas carentes podem
encontrar suporte emocional e respostas para suas angústias, pessoas tímidas podem engajar-
se em frutíferas conversações e desenvolver fortes relações (...)”. O relacionamento em rede
pode, para uns, representar uma “(...) forma de aprendizagem transcultural (...)” e “(...) para
outros pode ser um espaço para manifestações etnocêntricas e preconceituosas. (...)” (PRIMO,
1997. p. 14).
Por isso, torna-se necessário discutir a liberdade de expressão, já que manifestações
preconceituosas, homofóbicas, misóginas, gordofóbicas, racistas, entre outras, geralmente são
realizadas através de um discurso de ódio, que serve como forma de opressão. Porém, antes
de se discutir essa liberdade, deve-se entender o ódio.

3.1. O Medo, o Inimigo e o Ódio

De acordo com o dicionário Aulete, ódio possui três significados: “1. Sentimento de
profundo rancor e inimizade, ger. [geralmente] produzido por medo, ofensa sofrida, inveja
64

etc. 2. Forte aversão a algo ou alguém. 3. Objeto de repulsa, desgosto.” 55. A aversão, ou ódio,
é normalmente produzida através do sentimento de medo. Tem-se que “o medo disseminado
no tecido social proporciona o surgimento do „hate speech‟ - discurso de ódio, que pode ser
definido como uma manifestação de cunho negativo, cuja intenção é a promoção do ódio
contra os indivíduos que são vistos como inimigos. (...)” (SILVEIRA, 2013. p. 302).
Ainda conforme o dicionário Aulete, medo possui também três significados: “1.
Sentimento inquietante que se tem diante de perigo ou ameaça; (...) 2. Ansiedade diante de
uma sensação desagradável, da possibilidade de fracasso etc.; (...) 3. Atitude covarde. (...).”56.
Silveira defende que a origem natural do medo está relacionada à sensação de mortalidade, já
que qualquer perigo que demonstre poder encurtar a vida de uma pessoa gera nela o
sentimento de medo. (SILVEIRA, 2013. p. 299).
A Igreja Católica contribui incessantemente para auxiliar na construção do medo.
Almeida, no texto A pedagogia do medo: as diversas faces do mal no cristianismo, demonstra
como a figura do Diabo, tido como principal inimigo da igreja, foi sendo alterada com o
passar do tempo, se adaptando à sociedade para produzir a sensação de que os desastres que
ocorriam eram culpa unicamente do mal. Ainda hoje, a figura demoníaca permanece no
imaginário popular ocidental como a origem e a presença de todo o mal.

Delineado pelos artistas europeus desde o século VI até a consolidação da


Renascença no século XVI, o Diabo se apresentou em várias formas na arte. Em
algumas vezes assumia os contornos de um anjo sedutor e belo, em outras de um
monstro grotesco, além destas retratações, ele também era descrito com aspectos
teriomórficos e em outras, o Maligno assumia hibridismos entre as características
anteriores, denotando sua proteiformidade no imaginário cristão ocidental.
(ALMEIDA, 2008. p. 3).

Não em vão, como a Igreja agia em conjunto com o Estado, sendo ela, por vezes, o
próprio Estado, “(...) a pedagogia do medo era a ferramenta escolhida pelos governantes para
impor sua ideologia e perpetuarem-se no poder (...)” (ALMEIDA, 2008. p. 1). Através do
medo, aqueles que governavam permaneciam governando, já que pensar na existência do

55 Disponível em http://www.aulete.com.br/%C3%B3dio - Acesso em 11 de Novembro de 2016


56 Disponível em http://www.aulete.com.br/medo - Acesso em 11 de Novembro de 2016
65

Diabo impedia as manifestações contrárias à ideologia e presença do soberano. A Igreja se


denominava como o único meio por onde o homem poderia se salvar. Assim, “na Idade
Média, o Diabo foi responsabilizado por todos os males que os europeus estavam passando -
guerras, fome, peste - e cabia a Igreja possibilitar o único acesso à salvação. (...)”
(ALMEIDA, 2008. p. 4).
Essa fobia não é delimitada a um ser humano, mas age em toda uma cultura que,
devido a essa presença, sente ódio. Demônios eram utilizados pela Igreja como forma de
demonstrar a todos aqueles quem eram seus inimigos. O que poderia vir a atacar, massacrar e
destruir a doutrina cristã era considerado inimigo, e deveria ser derrotado. A partir do fim do
século XII, muitas ameaças começaram a enfrentar a Igreja, como os Bogomilos, os
Valdenses, os Cátaros, a pressão turca e a presença de judeus. Nos cristãos é instaurada uma
sensação de fobia que se alastra, “(...) que ajuda a criar a idéia de que está em curso um ataque
concertado contra o cristianismo, um ataque conduzido por uma potência sobrenatural, pelo
inimigo, o Diabo.” (MINOIS apud ALMEIDA, 2008. p. 6). Não em vão, considerava-se que
“(...) os inimigos da Igreja eram todos aliados do Diabo” e “(...) aos homens devia-se temer e
evitar o pecado, pois Satã e os demônios estavam à espreita desde o berço ao túmulo para
persegui-los e torturá-los no inferno.” (ALMEIDA, 2008. p. 6). Entende-se que a Igreja
possui um regulamento interno, que seriam suas próprias leis, e que pecado é qualquer atitude
que fuja dessas leis. Pecador é aquele que descumpre as normas da Igreja. Os demônios são
tidos como a manifestação de todo o mal e, portanto, todo aquele que está em pecado possui a
presença de espíritos demoníacos em seu corpo.
Cabe ressaltar que a figura do Diabo foi alterada também se aproveitando de
características de outros deuses, como forma de menosprezar outros pensamentos religiosos,
que não o cristianismo. Assim, ao mesmo tempo em que o medo era instaurado, ele gerava o
sentimento de ódio. E, nesse caso, ódio a outras religiões e a outros deuses. A Igreja se
aproveitava e continuava se estabelecendo com supremacia.

As principais características iconográficas do Diabo que se fixaram na imaginação


popular são a de um Diabo carregando um tridente, com chifres na testa, pele
avermelhada, cascos fendidos, rabo e barbicha de bode, meio-humano e meio-besta.
66

Pois bem, esses elementos foram emprestados pelos artistas de outras figuras
míticas. Por exemplo, o tridente é um instrumento de pesca, é uma reminiscência ao
senhor dos mares – o deus grego Poseidon, já os chifres simbolizam o poder e a
fertilidade que antigas divindades pagãs utilizavam como, por exemplo, o deus celta
Cernunos, o vermelho da pele está ligado ao símbolo da luxúria, mas também com a
cor do fogo infernal e do sangue, a presença de cascos fendidos e de outras
características caprinas é derivada do deus arcádico/grego Pã, figura mitológica
ligada à fertilidade. Por outro lado, também são comuns na representação de Satã as
asas de morcego, o corpo hirsuto, feições bestiais, aspectos simiescos, cor negra, ou
até mesmo o rosto angelical de Lúcifer – o mais belo dos anjos de Deus.
(ALMEIDA, 2008. pp. 8-9)

Ainda atualmente, como já visto na seção 1.3, as igrejas neopentecostais continuam


reproduzindo o sentimento de medo e, concomitantemente, de ódio. Nessas igrejas, durante os
cultos, é ensinado que “(...) se alguém tiver qualquer envolvimento direto ou indireto com o
Diabo ou não estiver disposto a se „sacrificar‟ para a obra de Deus, não será agraciado (...)”,
sendo que esse tipo de pregação é muito utilizado, já que “(...) permite explicar porque muitos
fiéis não alcançam a graça.” (SOUZA e MAGALHÃES, 2002. p. 96)
A natureza primeira do medo é qualquer fator que possa acarretar a sensação de
encurtamento da vida, sendo que o pensamento de falta de segurança auxilia na manutenção
da segregação social, pois “(...) uma sociedade dominada pelo medo coletivo, naturalmente
passa a fabricar seus próprios inimigos, na medida em que elege algumas classes como sendo
perigosas, tratando seus membros (pobres, condenados, viciados, prostitutas e etc.) como
inimigos em potencial. (...)” (SILVEIRA, 2013. p. 301)
Entende-se que, portanto, outro motivo se torna importante para compreender como o
medo leva ao sentimento de ódio. Ora, aquele que sente medo começa a produzir inimigos,
que seriam aqueles que lhe causam essa sensação. Produzindo o inimigo, o ser sente aversão
do mesmo. Assim, o medo leva à criação do inimigo que leva ao sentimento de ódio. Sobre a
criação de inimigos, Mendonça propõe que na relação antagônica entre dois indivíduos A e B,
“(...) ser A é necessariamente negar B e ser B é necessariamente negar A (...)”, sendo que:

(...) Ao mesmo tempo que ser A é não ser B e vice-versa, uma vez que a
possibilidade da existência de A é a radical negação dos conteúdos de B, as
presenças de A e B são as condições mesmas da possibilidade de ambos os
elementos antagônicos. A complementaridade entre eles (baseada na negação
recíproca) consiste paradoxalmente na possibilidade da existência de ambos. (...) Em
67

outras palavras: num „sistema contraditório global considerado‟ A só é A porque


nega B; B só é B porque nega A; contudo, ambos somente são, uma vez que o outro
se faz presente. (MENDONÇA, 2003. p. 137)

A relação: sensação de medo - criação do inimigo - sentimento de ódio, não é gerada


apenas em uma pessoa em específico, mas, por vezes, em grupos e comunidades. Assim, têm-
se que “(...) ao “nós” sempre incompleto carece a possibilidade da plena sistematicidade em
razão do “eles” que é justamente o que o “nós” não pode ser; esse não ser é, ao mesmo tempo,
a falta da estrutura, bem como a possibilidade de sua constituição. (...)” (MENDONÇA, 2003.
p. 143). Nas palavras de Laclau: “(...) a força que me antagoniza nega minha identidade no
sentido mais estrito do termo.” (LACLAU apud MENDONÇA, 2003. p.143).
Destaca-se que há uma grande diferença entre a relação antagônica e a relação
agônica, sendo que, na relação agônica, há “(...) a existência de regras que fazem com que os
adversários partam para sua luta de um ponto comum, de modo que a disputa não ocorra com
o fim de destruir o oponente, mas pela legitimidade de um discurso em detrimento de outro.
(...)” (MENDONÇA, 2003. p. 139). Sendo assim, “(...) antagonismo é a luta entre inimigos,
enquanto que o agonismo é a luta entre adversários. (...) O objetivo das políticas democráticas
é transformar antagonismo em agonismo” (MOUFFE apud MENDONÇA, 2003. p. 140).
Ora, percebe-se que a aversão é um sentimento natural gerado através de outro
sentimento natural, o medo. “(...) Entretanto, sentir ódio não é um problema, pois faz parte da
nossa natureza. Ele se torna um problema social, a partir do momento que deixa de ser um
sentimento, para ser externalizado através da linguagem. (...)” (AMARAL e COIMBRA,
2015. pp. 299-230).

3.2. Discurso de Ódio versus Liberdade de Expressão

Quando o ódio é manifestado através de gestos, palavras e atitudes, ou seja, pela


linguagem, se torna o chamado de discurso de ódio. Esse discurso surge como forma de
menosprezar aqueles que possuem pensamentos diferentes de quem está se expressando de
68

forma oposta. Afinal, “(...) tal manifestação é em essência segregacionista e tem por objetivo
humilhar e calar a expressão das minorias.” (FREITAS e CASTRO, 2013. p. 344).
Nas comunidades virtuais, aqueles que discursam com ódio são chamados de haters.
Hater é todo aquele que deprecia a imagem pública dos que ele considera serem seus
inimigos. Para entender esse discurso de ódio nas redes, tem-se que hater é um personagem
criado por uma pessoa que, por vezes, em sua vida real57 não irá discursar da mesma forma.
Para expor o seu ódio, o hater tende a criar inimigos, os quais possuem visão de mundo
diferentes do mesmo.

O termo hater (em português, odiador) como gíria da internet é originário do hip
hop norte-americano, e está relacionado à expressão „Haters Gonna Hate‟
(Odiadores vão odiar) (AMARAL & MONTEIRO, 2013), e é utilizado para
categorizar o sujeito que fala mal dos outros através dos espaços de interação e
conversação na internet. Os haters sempre existiram, antes de se popularizarem na
internet, eles surgiam em reuniões públicas, como por exemplo, comícios eleitorais,
manifestos feministas, religiosos, etc. (AMARAL e COIMBRA, 2015. p. 300)

Assim, adotando os conceitos de formação de personagens e da relação entre os


sujeitos antagônicos descritos na seção 3.1, tem-se que se o sujeito A se apresenta com seu
personagem B com seus familiares, sendo que esse personagem não demonstra ódio ao sujeito
E, e o sujeito A se apresenta com seu personagem C com seus amigos na faculdade, sendo que
esse personagem não demonstra ódio ao sujeito E, mas o sujeito A se apresenta com seu
personagem D em sua conta no Facebook, e esse personagem realiza postagens e comentários
demonstrando ódio ao sujeito E, logo o sujeito A odeia o sujeito E, pois seu personagem D
odeia o sujeito E, ainda que seus personagens B e C não demonstrem odiar o sujeito E. Esse
entendimento se dá principalmente pelo fato de que, como já visto no início deste capítulo, o
interior das pessoas é mais demonstrado em seu personagem produzido virtualmente, onde
não existe a necessidade de tocar, ver, ouvir ou sentir o outro pessoalmente.
Mas, “(...) o que o sujeito ganha incitando ódio e violência nos sites de redes sociais?
A resposta é (...) visibilidade, popularidade, reputação e influência. Esses são alguns dos

57 Entende-se como vida real o inverso de vida virtual


69

fatores que contribuem para o surgimento dos haters nesse ambiente.” (AMARAL e
COIMBRA, 2015. p. 300). Sendo assim, aqui também cabe o conceito de antagonismo
proposto por Mendonça, já que o hater ganha visibilidade na medida em que faz suas
publicações de ódio a outro sujeito, imediatamente o hater só prevalece nas redes pois aquele
que ele odeia também prevalece. Ora, ao mesmo tempo que o sujeito A demonstra odiar o
sujeito E, o seu discurso de ódio e, por consequência, a visibilidade adquirida por ele só
existem porque o sujeito E existe.
A forma que os haters se utilizam para discursar de forma oposta àqueles que
consideram seus antagonistas é se dedicando a “(...) desmascarar e a expor publicamente os
indivíduos que se opõem ao grupo social no qual estão inseridos. Essa manifestação de ódio
em rede se caracteriza em humilhações, preconceitos, cyberbullying e estigmas sociais, em
forma de texto, imagem ou vídeos.” (AMARAL e COIMBRA, 2015. p. 301). E o discurso de
ódio tende a crescer na comunidade virtual em que está inserido, considerando que “(...)
quando um hater publica nos espaços de interação e conversação um discurso que contenha
ódio e violência simbólica (...) pode incentivar outros atores (...) a expor de forma pública
seus pensamentos de distinção através da linguagem.” (AMARAL e COIMBRA, 2015. p.
304). Assim, percebe-se que o discurso de ódio é o principal instrumento utilizado pelos
haters para que permaneçam adquirindo visibilidade.
Porém, aquele que sofre com a aversão, o inimigo do hater, fica em desvantagem, já
que tem sua dignidade violada. Por esse motivo, deve-se depreender sobre o discurso de ódio
e a liberdade de expressão. Antes de compreender o que é essa liberdade, torna-se necessário
entender que “(...) a dignidade humana equivale a um valor existente em sociedade e que
corresponde a uma ideia de justiça e de adequação essencial ao desenvolvimento da vida
humana em sua plenitude. (...)” (FREITAS e CASTRO, 2013. p. 329). Na modernidade, a
liberdade ficou reconhecida como fator substancial para a construção humana. Porém, esse
conceito foi revisto, como forma de garantir a dignidade a todos. A religião, por sua vez,
também contribuiu nessa definição.
70

(...) A Igreja Católica formulou objeções à afirmação formal das liberdades e


procurou fixar uma doutrina em oposição às teorias socialistas. O Papa Leão XIII,
58
em 1891, divulgou a encíclica Rerum Novarum pleiteando uma intervenção ativa
do Estado na realidade social, promovendo a proteção dos menos favorecidos e
relativizando as liberdades burguesas. Apontou também a importância das
prestações positivas por parte do Estado com vistas à realização da liberdade.
(FREITAS e CASTRO, 2013. p. 330)

Antes de perceber o conceito de liberdade de expressão, tem-se que “(...) a liberdade


consiste em um direito de escolha, exercido em determinada situação, circunstância ou espaço
social, na qual o indivíduo ou um segmento social (para os casos de liberdade coletiva)
exercem plenamente a sua autodeterminação. (...)” (FREITAS e CASTRO, 2013. p. 332). A
liberdade, portanto, é de fato algo necessário para a construção da própria dignidade humana.
Porém, “(...) a liberdade ou as liberdades em espécie deverão respeitar os contornos da esfera
de autodeterminação traçada pelo ordenamento jurídico, convivendo em harmonia com outros
preceitos constitucionais, de modo a não discrepar da unidade sistêmica pretendida (...)”
(FREITAS e CASTRO, 2013. p. 333). Por esse motivo, compreende-se que a liberdade de
expressão não pode ser exercida de forma irrestrita.

(...) por exemplo: a liberdade de Manifestação do Pensamento, estabelecida pelo


ordenamento jurídico, não autoriza a calúnia ou a injúria, condutas estas situadas
para além da possibilidade de escolha garantida pela liberdade de expressão. Nesse
sentido, poderia-se observar ainda outro exemplo: a liberdade de Culto Religioso.
Essa liberdade não é compatível com o sacrifício de criancinhas, ainda que isso
esteja previsto em algum ritual religioso. São, pois, condutas inadmissíveis,
reprovadas pela sociedade, que teriam ultrapassado os limites da liberdade de culto
religioso, passível, portanto, de ação repressiva estatal. (FREITAS e CASTRO,
2013. p. 334)

Portanto, todo ser humano deve possuir o direito à liberdade, sendo que essa pode ser
exercida até o momento em que for encontrada alguma objeção legal que esteja acima do
direito à mesma. “(...) esses limites deverão se originar em leis em sentido estrito, ou seja ato
normativo originado do Congresso Nacional (...)”, sendo que “(...) os limites ao direito de
escolha somente poderão ser interpostos pela vontade popular, expressa por intermédio de

58 Disponível em http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-
novarum.html - Acesso em 14 de Novembro de 2016
71

leis, buscando sempre a defesa do interesse da coletividade, na proteção do direito de todos.


(...)” (FREITAS e CASTRO, 2013. p. 335). Tem-se então que, em cada país, o direito à
liberdade de expressão poderá ser exercido conforme a legislação vigente, haja vista a
existência de dois modelos de Estado: O Estado Liberal e o Social.
Por conseguinte, em um Estado Liberal, “(...) as liberdades em geral, e em especial a
Liberdade de Expressão, devem ser fruídas sem restrições, justificando inclusive a exclusão
social de setores subalternos da sociedade (...)” (FREITAS e CASTRO, 2013. p. 341), por
esse motivo, na mesma, “(...) no que se refere à Liberdade de Expressão, [há] plena
justificativa para a proteção do discurso do ódio, discriminatório que é na sua essência, ainda
que pudesse significar a exclusão social de grupos sociais minoritários.” (FREITAS e
CASTRO, 2013. p. 341). Já em um Estado Social, são “(...) formuladas políticas públicas
sociais de inclusão, sempre dentro de uma perspectiva de proteção das diversidades originadas
dos setores desfavorecidos. (...)” (FREITAS e CASTRO, 2013. pp. 343-344). Ora, nele “(...) o
paradigma estatal de intervenção, dentro de uma perspectiva de inclusão, seria
ideologicamente incompatível com a proteção do discurso do ódio, na medida em que tal
manifestação (...) tem por objetivo humilhar e calar a expressão das minorias.” (FREITAS e
CASTRO, 2013. p. 344).
Assim, entende-se que “(...) os Estados liberais tenderão a valorizar a Liberdade de
Expressão de forma irrestrita, protegendo, na prática, o discurso do ódio (...) (BRUGGER
apud FREITAS e CASTRO, 2012. p. 346)”, ao passo que, “(...) os Estados sociais oporão
limites à Liberdade de Expressão como forma de proteger a manifestação dos grupos
minoritários, para legitimar as decisões em suas democracias. (...)” (FREITAS e CASTRO,
2012. p. 346). Por exemplo, no Brasil, conforme retificação do parágrafo 2º do artigo 20 da
Lei nº 7.716/89, no artigo 1º da Lei nº 9.459/97, constitui-se em pena de dois a cinco anos
mais multa, as situações em que ocorrer prática, indução ou incitação à discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional através dos meios de
72

comunicação ou publicação de qualquer natureza.59 Ou seja, nesses casos, a dignidade


humana prevalece em relação à liberdade de expressão e de imprensa.
Entretanto, a liberdade de expressão pode prevalecer em algumas situações. Por
exemplo, no dia 28 de junho de 2016, o Conselho de Ética instaurou um processo contra o
deputado federal Jair Bolsonaro, alegando que o mesmo havia quebrado o “(...) decoro
parlamentar durante a sessão da Câmara que aprovou a abertura do processo de impeachment
da presidente afastada Dilma Rousseff em abril. (...)”60. O Partido Verde, que entrou com a
representação contra Bolsonaro, entende que ele “(...) fez apologia ao crime de tortura ao
homenagear o coronel Brilhante Ustra, já reconhecido pela Justiça como torturador no período
da ditadura militar.”61 De acordo com o artigo 287, do Decreto Lei nº 2848/40, é considerado
crime fazer apologia a qualquer fato criminoso ou autor de crime62, sendo que tortura é
considerado um crime. Logo, ao elogiar um torturador, Bolsonaro deveria ser qualificado
como criminoso.
Todavia, no dia 9 de novembro de 2016, o Conselho de Ética rejeitou o processo que
acusava Jair Bolsonaro. “O parecer do deputado Marcos Rogério (DEM-RO) pela
inadmissibilidade da representação por falta de justa causa e ausência de tipicidade de conduta

59 Art. 1º Os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional." "Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa. § 1º Fabricar,
comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a
cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 2º
Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou
publicação de qualquer natureza: Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 3º No caso do parágrafo anterior,
o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob
pena de desobediência: I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material
respectivo; II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas. § 4º Na hipótese do § 2º,
constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido." (Lei
nº 9.459, de 13 de maio de 1997)
60 Disponível em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/politica/511423-conselho-de-etica-decide-
instaurar-processo-contra-jair-bolsonaro.html - Acesso em 14 de Novembro de 2016
61 idem
62 Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10602088/artigo-287-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-
dezembro-de-1940 - Acesso em 14 de Novembro de 2016
73

foi aprovado (...)”63. Na ocasião, o deputado Rogério alegou: “(...) „O que está em julgamento
é a inviolabilidade da fala do parlamentar. Se ela pode ser censurada. Não me parece
razoável‟ (...)”. Nesse caso, a imunidade parlamentar, agindo em conjunto com a liberdade de
expressão, se mostrou acima da dignidade humana que, no caso, se refere à pessoa de Dilma
Rousseff.
O discurso de ódio é entendido como “(...) uma variável da Liberdade do Pensamento
e, como tal, como apenas sentimento de rejeição ou ódio não externado, não tem interesse
para o mundo jurídico (...)” (FREITAS e CASTRO, 2013. p. 344), mas “(...) quando
manifesto, o discurso do ódio repercute como expressão do pensamento e, de acordo com
Jeremy Waldron (2010), passa a gerar efeitos nocivos que poderão perdurar no tempo de
acordo com o veículo de transmissão utilizado.” (FREITAS e CASTRO, 2013. p. 344).
Assim, “(...) com o advento das novas tecnologias (internet), a viabilidade de um prejuízo em
escala mundial, trazendo ainda uma dificuldade maior no que se refere à questão do
anonimato e sua investigação de autoria.” (MACHADO apud FREITAS e CASTRO, 2013. p.
344). Por consequência, na discussão acerca da liberdade de expressão, o discurso de ódio
“(...) não pode ser aceito, quer pelo desrespeito aos direitos do ofendido, quer porque busca a
sua exclusão do exercício da cidadania, comprometendo a própria democracia” (FREITAS e
CASTRO, 2013. p. 346)
Porém, como a liberdade de expressão tem em vista, primeiramente, a questão da
dignidade humana, percebe-se que esse direito é passível de várias conclusões legais, já que
as leituras analíticas acerca do tema “(...) podem transitar do liberalismo ao Estado Social,
justificando por vezes o discurso do ódio como mero exercício da Liberdade de Expressão; ou
fundamentando o seu repúdio de forma definitiva. (...)” (FREITAS e CASTRO, 2013. p. 351).
Sobre a relação discurso de ódio e liberdade de expressão, conclui-se que:

(...) A Liberdade de manifestação do pensamento, consoante as técnicas de


tratamento promovidas pelo Estado Liberal, tenderá a ser admitida na sua

63 Disponível em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/politica/519122-conselho-de-etica-rejeita-
processo-contra-bolsonaro-por-citar-brilhante-ustra.html - Acesso em 14 de Novembro de 2016
74

integralidade como um direito fundamental de maior hierarquia, sobrepondo-se aos


demais valores constitucionais sem quaisquer restrições à sua função. Dessa forma,
o discurso do ódio passa a ser considerado forma legítima de Liberdade de
Expressão, necessária à afirmação democrática. Quanto aos ofendidos pelo discurso,
eles deverão tolerar as ofensas em nome da afirmação da democracia. (FREITAS e
CASTRO, 2013. p. 352)

Já quando essa liberdade é tutelada pelo Estado Social,

(...) tenderá, todavia a sofrer limitações ao seu poder de autodeterminação, como


forma de atender às demandas dos segmentos subalternos, numa perspectiva de
inclusão social. Os grupos sociais libertários, organizados com base na sua
diversidade (etnia, orientação sexual, opção religiosa, etc.) buscam na Liberdade de
Expressão a visibilidade necessária à expressão de suas lutas e reivindicações. Dessa
forma, não pode o Estado Social, sob pena de comprometer a legitimidade de suas
decisões, admitir o discurso do ódio, porque ele tem por objetivo segregar e calar a
expressão de grupos minoritários. (FREITAS e CASTRO, 2013. p. 352)

Indo além dessa discussão, para esse trabalho cabe realizar a análise do conteúdo da
página oficial do deputado federal Jair Messias Bolsonaro, como forma de compreender a
disseminação do discurso de ódio e a forma com que ele se dá entre os discípulos64 do
deputado e aqueles que não concordam com a posição política adotada pelo mesmo.

64 Foi utilizada a palavra discípulo em alusão ao conteúdo bíblico do Novo Testamento, onde os discípulos de
Jesus Cristo se dispunham a propagar as ideias do mesmo para todos. De igual forma, entende-se que os haters
presentes na página de Jair Messias Bolsonaro são seus discípulos, já que, de igual forma, propagam as ideias do
deputado.
75

4. A PÁGINA OFICIAL NO FACEBOOK DE JAIR BOLSONARO

Para verificar a presença do discurso de ódio na página oficial no Facebook de Jair


Messias Bolsonaro, optou-se por utilizar o método de Análise de Conteúdo (AC), já que o
mesmo tende a evitar os extremismos, “(...) não reeditando o falso conflito entre os métodos
quantitativos e qualitativos, mas sim os considerando como complementares.” (CAMPOS,
2004. p. 613). Cabe ressaltar que o extremismo do método quantitativo leva à vinculação a
técnica ou ao texto, de forma excessivamente formal, interferindo na intuição e originalidade
daquele que faz a pesquisa, enquanto o extremismo do método qualitativo faz com que os
valores e ideias do pesquisador estejam acima do próprio objeto de pesquisa, servindo o
mesmo apenas como confirmador das teorias já pressupostas pelo pesquisador. (CAMPOS,
2004. p. 613).
Esse método “(...) surgiu com a decodificação de símbolos, sinais e mensagens, por
meio da exegese (avaliação minuciosa) dos textos bíblicos, para a possível interpretação de
metáforas e parábolas contidas neste documento” (CAMPOS, 2004. p. 611). Como forma de
se adaptar às novas necessidades de pesquisa, em 1640, na Suécia, havia referências da AC na
pesquisa de fidedignidades dos hinos religiosos e o que os mesmos provocavam nos luteranos.
Já entre 1888 e 1892, a relevância das linguagens tendenciosas e das emoções, através dos
escritos bíblicos, foi pesquisada pelo francês B. Bourbon. No início do século XX, os artigos
de imprensa passam a ser interpretados por meio do método de Análise de Conteúdo,
principalmente nos Estados Unidos, como forma de “(...) medir o impacto sensacionalista dos
artigos, sempre seguindo um rigor quantitativista em relação ao tamanho dos títulos, artigos e
número de páginas.” (CAMPOS, 2004. p. 611)
Enquanto acontecia a 2ª Guerra Mundial, durante a década de 40, o método foi muito
utilizado como forma de descobrir propagandas subversivas, essencialmente com ideologias
nazistas, nos jornais e revistas. Os principais criadores desse instrumental de análise são
Berelson, que foi um dos primeiros a inserir a Análise de Conteúdo como tática de estudo,
Lazarsfeld que, junto com Berelson, organizaram as preocupações epistemológicas da época
76

no livro The analysis of communication contents, de 1948, e Lasswell, responsável por


estudar a análise de símbolos. (CAMPOS, 2004. p. 612)

Nas décadas que se seguiram até os tempos atuais, o que existe são debates e
discussões a respeito do uso do método segundo as perspectivas quantitativas
descritas por Berelson, Lazersfeld e Lasswell e seus seguidores e as novas
tendências, mais voltadas à procura dos conteúdos não manifestos e associadas às
inferências sobre o material estudado, numa perspectiva qualitativa de pesquisa.
Importante assinalar que o desenvolvimento da informática das últimas décadas
trouxe no campo na análise de conteúdo, o desenvolvimento de programas de
computação apropriados para a verificação da freqüência de ocorrência de palavras
em determinado texto, o que favoreceria uma abordagem por frequenciamento do
material. (CAMPOS, 2004. p. 612)

Bardin defende que a AC refere-se a um conjunto de técnicas de análise das


comunicações, utilizando metodologias sistemáticas com objetividade de descrever o
conteúdo das mensagens. Porém, a mesma acrescenta que “(...) a intenção é a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção (ou, eventualmente de recepção),
inferência esta que ocorre a indicadores quantitativos ou não.” (CAMPOS, 2004. p. 612).
Através de todos esses autores, o método de Análise de Conteúdo, na atualidade, é tido como
estudo dos conteúdos nas figuras de linguagem, reticências, entrelinhas e manifestos, sendo
que “(...) a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de comunicações (...)”
(CAMPOS, 2004. p. 612).
Considerando semântica como pesquisa do sentido de um texto, ela é de grande
importância no método de AC. Como meio de equilíbrio entre o extremismo da pesquisa
quantitativa e o extremismo da pesquisa qualitativa, esse método possui duas fronteiras: o
domínio da linguística tradicional e a hermenêutica, sendo que quando a análise se volta para
o domínio da linguística tradicional, “(...) o estudo dos efeitos do sentido, da retórica (estilo
formal), da língua e da palavra, invariavelmente evolui, na lingüística moderna, para a
„análise de discurso‟” (CAMPOS, 2004. p. 612), enquanto na hermenêutica, “(...) os métodos
são puramente semânticos (...)” (CAMPOS, 2004. p. 612). Por isso, como forma de equilibrar
a situação, para esse trabalho, serão utilizados os métodos lógico-semânticos, “(...) pois se o
alcance da análise de conteúdo é de um classificador, assim sendo, a classificação é lógica,
77

segue parâmetros mais ou menos definidos e o analista se vale de definições, que são
problemas da lógica.” (CAMPOS, 2004. p. 612)
Talvez a maior dificuldade esteja na forma de abordar os conteúdos adquiridos, onde
há a existência de dois campos: o objetivo, que de início é de melhor percepção, e o
simbólico, que se refere ao que não está aparente na mensagem. Assim sendo, deve-se partir
dos conteúdos explícitos, utilizando dos resultados como forma de refletir aquilo que a
pesquisa objetiva, sendo que indícios manifestos dentro dos conteúdos comunicativos são
utilizados como apoio nessa primeira análise. Porém, não é toda vez que o que aquele que
profere a mensagem quer dizer é o que realmente está escrito, mas há a presença de
mensagens nas entrelinhas que não estão inicialmente perceptíveis, devendo serem analisadas
dentro do campo simbólico. (CAMPOS, 2004. pp. 612-613)

Para o investigador qualitativo, tal momento, reveste-se de suma importância, pois a


desconsideração de um em detrimento do outro, pode colocá-lo frente à situação de
negação completa da subjetividade humana ou por outro lado, a imposição de seus
próprios valores em desconsideração a um pressuposto básico da pesquisa
qualitativa, ou seja, os dados são analisados levando-se em consideração os
significados atribuídos pelo seu sujeito de pesquisa. (...) Outro ponto importante
ainda dentro dos conteúdos, e que esses tendem a serem valorizados à medida que
são interpretados, levando-se em consideração o contexto social e histórico sob o
qual foram produzidos. (CAMPOS, 2004. p. 613)

Tendo a comunicação como base, “produzir inferências sobre o texto objetivo é a


razão de ser da análise de conteúdo (...)”, já que a mesma “(...) confere ao método relevância
teórica, implicando pelo menos uma comparação onde a informação puramente descritiva
sobre o conteúdo é de pouco valor. (...)” Desta forma, “(...) um dado sobre conteúdo de uma
comunicação é sem valor até que seja vinculado a outro e esse vínculo é representado por
alguma forma de teoria (...)”. (CAMPOS, 2004. p. 613). A produção de inferências não deve
ser considerada como meio de produção de suposições, ainda que subliminarmente, sobre
determinada mensagem, mas sim por alicerçar teorias de várias concepções de mundo, através
da concretização de situações de seus receptores e produtores. (CAMPOS, 2004. p. 613)
Na análise de conteúdo, em primeira instância, deve ser realizada uma pré-exploração
do material ou leituras flutuantes. Nesse momento, “são empreendidas várias leituras de todo
78

o material coletado, a princípio sem compromisso objetivo de sistematização, mas sim se


tentando apreender de uma forma global as idéias principais e os seus significados gerais”
(CAMPOS, 2004. p. 613). A justificativa para a utilização desta pré-análise é que a leitura
flutuante permite “(...) uma melhor assimilação do material e elaborações mentais que
forneceram indícios iniciais no caminho a uma apresentação mais sistematizada dos dados.
(...)” (CAMPOS, 2004. p. 613).
Como forma de análise do conteúdo da página oficial no Facebook de Jair Messias
Bolsonaro, optou-se por acessar o Facebook sem nenhuma conta associada, mas diretamente
no site disponível. Dessa forma, as postagens, comentários e curtidas encontradas na página
não são inseridas conforme os interesses daquele que está utilizando o perfil, mas na ordem
primeira de postagens (fixas e por data), e comentários mais curtidos e comentados. Além
disso, optou-se por utilizar os comentários com maior relevância ao invés dos mais recentes,
como forma de verificar aqueles que propuseram maiores debates e receberam mais curtidas
dentro das postagens. Assim, na figura 1, percebe-se, através de uma pré-análise, que a página
possui quase três milhões e meio de curtidas; é descrita como página de uma figura pública; a
mesma foto é utilizada no perfil e na capa, sendo que na capa estão presentes o lema de
Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” e a logo “Jair Bolsonaro Deputado
Federal”, com as cores da bandeira do Brasil. Na parte „sobre‟ e na descrição das fotos de
perfil e de capa, está em destaque a presença do deputado em outras redes sociais, através do
texto: “Nos siga nas redes sociais: - facebook: Jair Messias Bolsonaro - twitter:
@jairbolsonaro - instagram: @jairmessiasbolsonaro - site: www.bolsonaro.com.br - blog:
www.familiabolsonaro.blogspot.com.br - youtube: Jair Bolsonaro”.
79

Figura 1 - Página oficial no Facebook de Jair Messias Bolsonaro

65
Fonte: Elaboração própria

Quanto aos conteúdos presentes nas postagens, notou-se que a presença de vídeos é
uma constante, sendo que os temas apresentados são diversos. Também, a presença de
comentários com discursos de ódio e religiosos ocorre independente do tema, possibilitando
afirmar que esses discursos existem na maioria das postagens. Por essa variedade de assuntos
e pela presença dos discursos apresentados, em segunda instância, escolheu-se realizar a
seleção das unidades de análise seguindo as premissas do método de análise de conteúdo,
dado o entendimento de que “(...) a relação que se processa entre o pesquisador e o material
pesquisado é de intensa interdependência. (...)” (CAMPOS, 2004. p. 613). Dessa forma, as
teorias descritas neste trabalho devem ser levadas em consideração para compreender as
análises apresentadas. Por isso, os comentários escolhidos foram aqueles que demonstravam
discurso religioso e de ódio, já que essas questões foram estudadas neste trabalho.
Por entender-se que demarcar a presença desses discursos, nos mais variados temas
postados por Bolsonaro, é necessário, realiza-se uma amostragem de seis postagens na página,

65 Disponível em https://pt-br.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/ - Acesso em 16 de novembro de 2016


80

compreendendo o período de três dias, do dia 12 de novembro ao dia 15 de novembro de


2016. Dessas publicações, foram analisadas, conforme opção do próprio Facebook, os
comentários mais relevantes e, desses, filtrados aqueles que demonstraram discurso de ódio
ou religioso, totalizando 127 comentários. Os temas das postagens são: um discurso de Jair
Bolsonaro no plenário da Câmara dos Deputados, a presença e discurso de Bolsonaro em
Copacabana contra a ideologia de gênero, um vídeo de Barack Obama sobre as eleições e a
vitória de Donald Trump, um vídeo de uma estadunidense negra se mostrando contrária a
categorizar Trump como racista e chamar a vitória do mesmo de vitória da elite branca, um
vídeo sobre a vida há 60 anos atrás com imagens e música típicas da época e um vídeo
demonstrando qual o provável motivo dos estadunidenses votarem em Trump.
Para ilustrar as palavras mais relevantes dos comentários escolhidos, a nuvem de
palavras formada consta na figura 2.

Figura 2 - Nuvem de Palavras

66
Fonte: Elaboração própria

66 Produzida no site http://www.wordle.net/ - Acesso em 16 de Novembro de 2016


81

Ora, percebe-se aqui palavras relevantes para as teorias estudadas, sendo que as
citações: Bolsonaro, Brasil, Presidente, Esquerda, Deus, Messias, Vagabundo, Homofóbico,
Viado, Mulher e Merda, possuem presença destacada na nuvem formada, em relação aos 127
comentários analisados. Assim, foi produzido um gráfico, com a porcentagem de comentários
em que essas palavras se mostram presentes, levando em consideração o total de comentários
que foram averiguados. O gráfico produzido consta no Gráfico 1.

67
Fonte: Elaboração própria

Algumas questões se tornaram peculiares na análise, como o fato das palavras


Bolsonaro e Brasil possuírem maior relevância nos comentários, se tornando perceptível o
patriotismo e a ideia de que escolher Jair como presidente é a melhor solução para o país,
quando a palavra presidente aparece em terceiro nível de relevância. As demais palavras
destacadas se fazem presentes nos discursos tanto daqueles que se apresentam contra os ideais

67 Dados retirados dos 127 comentários escolhidos


82

de Jair Bolsonaro, como dos que se apresentam a favor. Assim, para ir além da análise
quantitativa, cabe realizar a análise qualitativa de cada postagem, bem como de seus
comentários. Posto isto, cada vídeo foi analisado em sua íntegra e destacadas as partes mais
importantes.
Ao acessar a página oficial do deputado, percebe-se a presença de símbolos patrióticos
e religiosos já em sua imagem de capa, quando as palavras Brasil e Deus estão presentes no
lema, além das cores da bandeira nacional, presente ao fundo da imagem de capa e no
logotipo “Jair Bolsonaro Deputado Federal”. Não em vão o apoio recebido pelo deputado da
Bancada da Bíblia, já que a fundamentação religiosa prevalece sobre a ideia de laicidade do
Estado.

4.1. Bolsominions versus Socialistas de Iphone

O apoio recebido pela Bancada do Boi é demonstrado quando Jair diz no vídeo
postado no dia 14 de novembro de 2016 68, com 32 mil curtidas, 1,5 mil comentários e 15 mil
compartilhamentos, intitulado como: “Jair Bolsonaro: Agronegócio sem garantias, Nióbio
sendo doado para a China e uso de aviões da FAB a serviço de um partido. Quando seremos
uma grande Nação?”, o seguinte: “o pessoal da bancada ruralista, que eu voto com vocês o
tempo todo, porque eu acredito no agronegócio e sei que o agronegócio é a locomotiva da
nossa economia”.

68 Disponível em
https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/vb.211857482296579/722427344572921/?type=3&the
ater - Acesso em 17 de novembro de 2016
83

Figura 3 - Print da primeira postagem analisada

69
Fonte: Elaboração própria

Na ocasião, dentro de um dos comentários de Jair, onde ele diz horário e local em que
estaria ao vivo no rádio: “Às 11 horas estarei ao vivo na CBN Ceará”, a despeito do que foi
dito no comentário e do conteúdo do vídeo, foram percebidos comentários com conteúdo
ofensivo e, portanto, considerados discursos de ódio, como quando um dos internautas disse:
“Jamais esse homofóbico e machista do bolsomerda será presidente retrocesso não!!”, sendo
debatido logo em seguida por outro internauta: “(...) Bebeu foi? Sai daí mortadela vai
procurar a tua turma.kkkk”. Aqui, nota-se em princípio a base do discurso de ódio,
demonstrando o medo, do que se mostra contrário à ideia de Bolsonaro se tornar presidente, e
depois quando o que se mostra a favor do Bolsonaro manifesta subliminarmente um medo da
“turma” dos contrários à sua posição política tomarem conta da página e das ideias
manifestadas ali. Assim, cria-se a ideia do antagonista, sendo que o reconhecimento de ambos

69 idem
84

só é ganho quando os comentários favoráveis e contra continuam prevalecendo. Como forma


de incitar o medo e rejeitar o inimigo, ofensas são realizadas, tais como mesclar o termo
pejorativo “merda” ao nome Bolsonaro, formando um neologismo que desqualifica o
deputado, considerando-o como “inútil”, que é um dos significados qualitativos do termo
“merda”; qualificar a possibilidade de Bolsonaro se tornar presidente do país como
“retrocesso”, e o termo “mortadela”, que é pejorativo e se refere aos que são favoráveis às
políticas de esquerda e, mais especificamente, petistas, considerado que eles só participam dos
70
protestos por receberem “pão com mortadela” e uma quantia em dinheiro . A discussão
prosseguiu com comentários como:

● “Credo, é fato ou apenas coincidência? Por que todo comentário que ofende
a imagem de Jair Bolsonaro, vem de uma pessoa feia?”,
● “CUT de cú e rola.”,
● “O Bolsobosta segue alienando os bolsominions analfabetos políticos rs”;
● “ele segue alienando e os vermelhos ROUBANDO A NAÇÃO, acabando
com a educação e matando a população alienada. Com essa saúde superfaturada.
Pra manter esses grupos de esquerda. Parabéns, suas vestes combina com o sangue
dos milhares que sofrem sem saúde nesse País.”,
● “Vocês perceberam que esse esquerdistas que vem aqui encher o saco não
tem argumentos só repetem a mesma coisa. Tem que acabar com essa porra de
CUT,MST.”,
● “Esse (...) é mais um mortadela que perdeu a mamata do desgoverno do PT,
o que é que esse otário vem fazer aqui na página do Bolsonaro?”

Também nesses comentários são encontrados termos pejorativos, se referindo


diretamente a movimentos e sindicatos que defendem a esquerda política, declarado como
inimiga de Bolsonaro e seus discípulos. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram citados e tratados como
odiosos e inadmissíveis, com teor de menosprezo e aversão. Também ocorreu a formação de
mais dois neologismos: “Bolsobosta” e “Bolsominions”. No caso, “Bolsobosta” é formado
com a mesma ideia de “Bolsomerda”, enquanto “Bolsominions” se utiliza do sobrenome do
deputado, Bolsonaro, e do termo “Minions”, que se refere diretamente aos personagens que

70 Ver http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/08/com-pao-e-mortadela-grupo-ironiza-protesto-pro-
dilma-na-capital-4829451.html - Acesso em 16 de Novembro de 2016
85
71
possuem a missão de servirem aos maiores vilões do mundo . Logo, esse termo é também
depreciativo, já que qualifica os discípulos de Jair como meros serviçais desse vilão. Ressalta-
se que a ideia de vilão, nesse caso, é a mesma de antagonista, já mencionada na seção 3.1. Os
quatorze anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT) foram chamados de
“desgoverno” e responsáveis pela morte de pessoas nos postos de saúde do país.
Ainda neste comentário, um internauta se mostrou a favor da intervenção militar:

“Meu presidente pq o exercito nao faz a intervenção? eles nao estão ao lado do
povo? o sr como militar tem autonomia pra invocar as forçar armadas, faça!!
decrete eleições diretas e entre logo pra nos salvar o quanto antes”, e continuou:
“Ate 2018 muita pedra vai rolar, precisamos do sr eha agora!!! eleições diretas ja”.

O período da ditadura militar no Brasil foi marcado como um período de torturas e


mortes de militantes, os quais Bolsonaro chama de guerrilheiros. No artigo 22 da Lei nº
7.170/83, está escrito que é considerado crime realizar qualquer tipo de propaganda, em
público, “(...) de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social (...)”
72
. O internauta e muitos outros ignoram a lei e, neste caso, faz-se presente a discussão sobre
liberdade de expressão e discurso de ódio, já que o comentário é ilegal, mas continua ali
visível para todos que acessarem a postagem.
Em outro comentário, ocorreu uma discussão sobre a possibilidade do país se tornar
uma potência, onde foi defendido que o Brasil possui capacidade para sê-lo. No caso, os
comentaristas desse comentário se mostraram contrários aos governos socialistas, dizendo que
eles impediram o avanço do país (nesse caso, demonstrando alusão direta ao governo do PT),
utilizando citações como “socialistas de iphone”, que chama aqueles que demonstram apoiar
o socialismo de falsos, pois utilizam “iphone”, produto símbolo da Apple, uma grande
empresa do ramo capitalista. Um dos internautas comentou:

71 Disponível em http://www.adorocinema.com/filmes/filme-210493/ - Acesso em 16 de novembro de 2016


72 Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/conexao-brasilia/lei-preve-ate-4-anos-de-cadeia-para-
propaganda-de-golpe-militar/ - Acesso em 16 de novembro de 2016
86

“Pois é, na mentalidade dos socialistas de iphone, ter empresas que produzem bens
tecnológicos, lançar foguetinhos no espaço é "Jogar milhões de reais no lixo"
HAHAHAHA a ESA - European Space Agency lucra mais de 100 milhões de
Dólares para cada satélite que envia, bem no meio da amazônia, aqui do nosso
lado, desenvolvem o foguete inteiro em território nacional, cruzam o atlântico, e
lançam com sucesso .. Quanto lucro, quanto emprego, quanto desenvolvimento.”

Ressalta-se que apenas por esses últimos comentários não seria possível identificar o
perfil dos discípulos de Bolsonaro, não fosse o caso de totalizarem, juntos, 285 curtidas, ou
seja, esse mesmo número de pessoas que leram esses comentários concordam com o que foi
dito. Torna-se importante entender a ironia que, conforme o dicionário Aulete, é uma “figura
de linguagem, ger. [geralmente] us. [usada] para fazer graça ou mostrar irritação, em que se
73
declara o contrário do que se pensa.” A expressão “HAHAHAHA” demonstra sarcasmo,
mostrando que o internauta é contrário ao que ele diz ser o pensamento dos socialistas.

4.2. Cartão de visita para marginal do MST é cartucho 762

74
Em uma segunda postagem, realizada no dia 15 de Novembro de 2016 , com 40 mil
curtidas, 10 mil comentários e 7,4 mil compartilhamentos, intitulada como: “Copacabana:
NÃO À IDEOLOGIA DE GÊNERO! II”, o deputado se mostrou contra o ensino de ideologia
de gênero nas escolas.

73 Disponível em http://www.aulete.com.br/ironia - Acesso em 16 de novembro de 2016


74 Disponível em
https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/vb.211857482296579/722942251188097/?type=3&the
ater - Acesso em 17 de novembro de 2016
87

Figura 4 - Print da segunda postagem analisada

75
Fonte: Elaboração própria

Os “(...) teóricos da „ideologia de gênero‟ afirmam que ninguém nasce homem ou


mulher, mas que cada indivíduo deve construir sua própria identidade, isto é, seu gênero, ao
76
longo da vida. (...)” . Assim, no vídeo, Bolsonaro afirma: “Se um professor ou professora
querer ensinar sexo para a minha filha, eu vou lá e encho ele de porrada”, sendo que
prontamente os presentes gritaram “mito” 77 várias vezes seguidas, ao que ele continuou: “nós
não podemos daqui a 20 anos sermos chamados de covardes pelos nossos filhos por não
termos feito nada”. Nessas falas de Bolsonaro, é notável o discurso de ódio, quando ele alega
ser capaz de agredir fisicamente a qualquer profissional de ensino que tente ensinar aquilo que

75 idem
76 Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/o-que-e-ideologia-de-genero-
0zo80gzpwbxg0qrmwp03wppl1 - Acesso em 16 de novembro de 2016
77 Nesse caso, mito significa uma “personalidade de destaque nos meios artísticos, esportivos, culturais etc.,
cuja atuação, trabalho etc. são reconhecidos e reverenciados pelo público”. Disponível em
http://www.aulete.com.br/mito - Acesso em 16 de novembro de 2016
88

é contrário aos seus ideais, além do discurso de medo, onde diz que se a ideologia de gênero
for ensinada, os filhos irão chamar seus pais de covardes, por não terem sido contrários a essa
metodologia de ensino. O discurso de medo permanece quando o deputado diz:

“Mais irresponsável do que o aluno é o pai, é a mãe que não está sabendo dar ali a
sua autoridade”, “Sabemos que há uma campanha enorme em televisões, rádios,
jornais, na política, pra exatamente desgastar os valores familiares”, “Nós temos
que lutar por paz mas não podemos ser pacifistas. A história diz, todas as relações
que pregaram o pacifismo simplesmente foram extintas”

Além disso, Jair demonstrou sua posição como membro da Bancada da Bala, dizendo:
“Nós temos que buscar meios para que o cidadão de bem, assim o entenda, ele possa ter uma
arma dentro de casa”, e, novamente, sua posição favorável à Bancada do Boi, quando falou:
“Eu tenho dito para o agronegócio, por isso estou em primeiro lugar nas pesquisas
espontâneas, do Datafolha, na região Centro-oeste”. Na ocasião, fez uso de um de seus
lemas: “Cartão de visita para marginal do MST é cartucho 762”, sendo imediatamente
aplaudido. Por fim, mostrou ser conservador e afirmou: “Nós somos a maioria. Nós teremos,
em 2018, não sei quem, mas um presidente conservador”, recebendo aplausos e continuando:
“Nós vamos eleger em 2018 um presidente conservador, e se for eu [sendo recebido com
gritos de “será”], para que não haja dúvida, eu boto no MEC, para ser ministro da educação
e cultura, um general”. Durante a apresentação do vídeo, uma bandeira estendida com a frase
“Movimento cristão em defesa da família” ficou em destaque, demonstrando aqui a presença
do cristianismo na discussão sobre o ensino da homoafetividade.
Nessa postagem, a posição ultraconservadora do pré-candidato à presidência foi
demonstrada mais explicitamente. Os comentários presentes foram de elogio a Bolsonaro e
contrários aos que não concordam a ideologia política conservadora. Assim, em um dos
comentários, um discípulo de Jair disse: “Nosso futuro presidente, sem papa na língua e
falando verdades que muitos não tem coragem de falar, por medo ou participar da
roubalheira dos governos atuais, por isso vamos apoiar Bolsonaro para presidente em
2018”, obtendo 818 curtidas em seu comentário. Logo, esse mesmo número de pessoas
concordam tão somente com o que foi comentado, como com as falas do deputado no vídeo.
89

Outros comentários presentes neste demonstraram discurso de ódio aos que não consentiram
com as palavras do deputado, utilizando de desprezo com citações como: “esquerdinha de
merda”, “lixo da esquerda” e “ali nao estava sendo distribuido pao com mortadela nao”. É
notório como esses discursos se constituem fortemente de críticas aos inimigos, mais do que
defesas do ponto de vista político de Bolsonaro.
Ainda em um momento de discórdia, um dos internautas disse que possuía nojo dos
apoiadores de Bolsonaro, chamando o mesmo de fascista, e recebendo o comentário de que
teria mais nojo ao ver o “mito” como presidente. Os discípulos foram chamados de
“acéfalos”, sendo esse um termo pejorativo que indica que a pessoa não possui capacidade de
raciocínio, e ocorreu a criação de outro neologismo: “Bolsolixo”, que inclui o termo lixo,
referente ao que é desprezível, no sobrenome do deputado. Outro internauta, aparentemente
em momento de fúria, respondeu: “Vai se ferrar bubum guloso....”. O termo “vai se ferrar” é
de baixo calão, sendo utilizado para menosprezar alguém, e a expressão “bumbum guloso” é
uma forma pejorativa de dizer que uma pessoa é homossexual.
Outro comentário do vídeo foi: “Homem é HOMEM e mulher é MULHER!!!
Anatomica e fsiológicamente”, sendo o mesmo justificado por outro internauta através do
discurso cristão: “Deus fez as coisas certas, homem é homem vê mulher é mulher, aliás vc é
uma sábia mulher…”. Esse discurso é utilizado, muitas vezes, como discurso de ódio aos
homossexuais, buscando menosprezar e negar os mesmos perante a existência de Deus,
alegando que não foram criados pelo ser superior. Assim, um dos comentaristas perguntou se
a parte intelectual poderia fazer parte da opção sexual, já que somos um ser que pensa. Como
resposta, outro internauta alegou:

“Tem gente que acha que e Napoleão, Cleópatra se fosse tão fácil ser o que eu
quero seria o Dr. Manhattan um ser fictício indestrutível que pode manipular a
matéria. Sou a favor de respeitar os as pessoas independente do que elas
escolheram ser agora, me fazer engolir este papo de nasceu no corpo errado, que
tem que mudar palavras da lingua portuguesa e que tem que ter leis especiais ai ja
forçou. Pelo certo a leis sao feitas para os humanos.”
90

No início, ele compara a ideologia de gênero com a esquizofrenia, que é uma doença
“(...) que se caracteriza pela perda do contato com a realidade (...)” 78, ao dizer que há pessoas
que pensam que são Napoleão, e outras que pensam ser Cleópatra. A expressão utilizada por
ele “me fazer engolir”, se refere a querer forçar algo, nesse caso, querer demonstrar a ele
todos os estudos que demonstram o significado do gênero, que ele trata como um “papo”,
utilizado como forma de menosprezar esses estudos.
Um dos internautas alegou que quem “não gosta do Bolsonaro, no mínimo é Zé
droguinha ou feminista!”. A expressão “Zé droguinha” é utilizada como forma de
inferiorizar os usuários de drogas, mas, nesse caso, indica depreciação daqueles que não
possuem apreço pela pessoa do Bolsonaro. Já a palavra “feminista”, nesse caso, menospreza
as mulheres que lutam por seus direitos, pois na rede social aqueles que são contrários ao
feminismo chamam essas mulheres de “vadias”, “piranhas”, “vagabundas”, entre outros
termos pejorativos, chegando a dizer que as mesmas merecem sofrer um “estupro corretivo”,
para que “aprendam a serem mulheres de verdade”. No caso, como o internauta está fazendo
um comentário que tende a depreciar os que não são a favor de Jair, compreendemos que a
palavra “feminista” está sendo utilizado como termo pejorativo.

4.3. O Brasil nunca será EUA

Em outra postagem realizada no dia 14 de Novembro de 2016 79, com 16 mil curtidas,
925 comentários e 4,9 mil compartilhamentos, intitulada como:

“Nas palavras de Obama o porquê os Estados Unidos são uma grande Nação. Eles
foram à Lua em 1969, nós sequer conhecemos o Nióbio em 2016. Lá os
trabalhadores não têm CLT (garantias), mas têm emprego e ganham muito mais que
os daqui. Os brasileiros que lá estão não querem retornar, já os que aqui estão.....

78 Disponível em https://drauziovarella.com.br/letras/e/esquizofrenia/ - Acesso em 16 de novembro de 2016


79 Disponível em
https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/vb.211857482296579/722376791244643/?type=3&the
ater - Acesso em 17 de novembro de 2016
91

Aqui o jogo sujo pelo Poder, parando cidades, invadindo escolas, queimando pneus,
… Quando seremos uma grande Nação?”

Figura 5 - Print da terceira postagem analisada

80
Fonte: Elaboração própria

Esse vídeo mostrou Obama fazendo uma breve explicação sobre o que é política e
democracia em sua percepção, fazendo alusão à vitória de Trump nas eleições, onde foi
enfatizado a frase dita pelo mesmo: “Acima de tudo, estamos todos no mesmo time”. Apesar
de não ocorrer presença de discurso de ódio nesse vídeo, alguns internautas demonstraram
aversão ao ex-presidente dos Estados Unidos, comparando o governo do mesmo com o
governo do PT (o “inimigo” de Bolsonaro e de seus discípulos), com comentários como:

● “Obama é esquerdista”,
● “Ele é um comunista safado”,

80 idem
92

● “É um Lula dos EUA”,


● “O mais engraçado são os "torcedores" do Obama raivosos con o (...) , pois
são os mesmo que com certeza idolatraram o 9 dedos... E a Dilma , bom, o que nos
resta a dizer é chorem esquerdalhas! Rs”,
● “Ele é o lula americano. Fala o que os pobres querem ouvir e todos o vêem
como deus.”

Nota-se aqui que, mesmo quando a postagem não aparenta possuir discurso de ódio,
ele se faz presente nos comentários, sempre definidos a partir do inimigo, tal como foi
descrito na seção 3.1. Nos comentários, dois termos merecem destaque, sendo eles “9
dedos”, que é uma forma desdenhosa de se referir ao ex-presidente Lula, já que o mesmo não
possui um dos dedos da mão, e “esquerdalhas”, forma pejorativa de menosprezar os que
possuem posição política de esquerda. Ainda, ocorreu o seguinte comentário:

“Esse Houssein Obama é um hipócrita! Toda a fala dele é para iludir os mais
idiotas. Se ele fosse favorável à transição tranquila, ele faria algo para conter os
idiotas [in]úteis que o seguem e estão fazendo arruaça nos EUA. Jair Messias
Bolsonaro, por que você postou este vídeo sem alertar que tal atitude do Obama
não passa de SUBVERSÃO? Ele agiu como agem os fabianos/social-democratas,
são hipócritas! Acorde, Jair Messias Bolsonaro! Não se deixe iludir, até porque,
agindo desta forma o senhor acabará iludindo aqueles que confiam no senhor”.

Aqui, o ódio à figura de Barack Obama é demonstrado através da palavra “hipócrita”,


e julgando-o como quem fala mentiras e ilude seus seguidores que, no comentário, foram
qualificados como “idiotas”, expressão pejorativa que se refere a quem possui pouca
81
inteligência. Ainda, o comentarista solicitou ao Bolsonaro que não se deixasse iludir pelo
vídeo postado, e nem iludisse aos que confiam nele.
Outros comentários marcaram presença do ódio à esquerda política, bem como da
diferença entre a política partidária brasileira e a política estadunidense, alegando que a última
vai muito além de discussões sobre ideologias partidárias, mas parte do princípio de proteção
da nação, ao contrário do Brasil, onde a política se volta mais para ideologias de partidos do
que para a própria nação. Esse discurso de ódio é perceptível no comentário: “No Brasil a
prioridade são os partidos políticos, como disse claramente o vagabundo do José Dirceu,‟a

81 Disponível em http://www.aulete.com.br/idiotia - Acesso em 17 de novembro de 2016


93

prioridade é o PT‟. Nos Estados Unidos a prioridade é os Estados Unidos. O Brasil é um país
dividido.”.
Ocorreu uma discussão quando um dos comentaristas propôs o seguinte: “O Brasil
nunca será EUA, sabe porque, o problema do Brasil não são os políticos o problema do
Brasil está na matéria prima (o povo) que na sua grannnnnnnnde maioria está podre!!!!”.
Durante a discussão, se fizeram presentes comentários que ironizavam a fala do comentarista,
ainda que não acompanhados de mais informações, sendo que em um dos comentários, o
internauta demonstrou repúdio ao governo petista, chegando a caracterizá-lo como “governo
de mesadas”, qualificando como “mesadas” as políticas públicas voltadas para a população
de classe baixa, como os programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida. Os políticos
tidos como corruptos foram comparados à doença “câncer”, que é caracterizada por se
espalhar no organismo e ser de uma multiplicação incontrolável 82, além do termo político de
ter sido acompanhado da expressão pejorativa “de merda”.

“Então, é até que é fácil falar que o problema maior é o povo (fura fila, pirateia,
poe carro em vagas de deficientes, tiram atestado falso, etc), mas seria um bom
argumento se os EUA também não fizessem isso tudo! Parem de se inferiorizar, o
norte americano é tão podre quanto nós, cometem os mesmos erros, o único erro
que não cometem é que eles conseguem ter um senso do ridículo na hora de
tomarem certas atitudes (eles tem uma educação melhor!), mas absolutamente todos
votam no que está bom para si mesmo e foda-se o resto, TODA democracia é assim,
é por isso que o voto é pessoal: Se a maioria vota por quem é liberal, a nação vai
ser liberal... Se a maioria vota por ganhar „mesada‟ do governo, a nação vai
ganhar mesada do governo. Parem de isentar político corrupto, eles são SIM o
câncer do Brasil. Só me faltava essa... Se o Brasil é mal educado, é exatamente o
que a colocação diz: Mal educado. Não tem educação, não tem escolas de
qualidade, esses políticos de merda limitam até a educação dos pais (lei da palmada
e etc). As escolas são uma merda, incentivam carnaval e outros „cala bocas‟,
deixam o país na miséria sem emprego e sem dinheiro com imposto absurdo para
depois implorarem por esmola, tudo, absolutamente TODOS os problemas do Brasil
são sim de autoria da corrupção política. PAREM DE ISENTAR OS POLÍTICOS
DA CULPA!”

82 Disponível em http://www.aulete.com.br/c%C3%A2ncer - Acesso em 16 de novembro de 2016


94

4.4. Graças a Deus Trump venceu

83
Em uma postagem realizada no dia 13 de novembro de 2016 , com 20 mil curtidas,
mil comentários e 7,6 mil compartilhamentos, intitulada como: “Vamos mudar o Brasil.
Chega de „coitadismos‟ e luta de classes! Chega de „Politicamente Correto‟. Brasil acima de
tudo, Deus acima de todos!”, há um vídeo onde Christina Albuquerque, uma mulher negra,
defende que a nação estadunidense escolheu Trump como presidente, dizendo que isso não
significa a presença da votação de uma elite branca, mas que também negros e latinos o
elegeram. Ao final do vídeo, ela fala uma frase marcada pela presença do cristianismo: “Deus
seja louvado! Graças a Deus Trump venceu.”.

Figura 6 - Print da quarta postagem analisada

84
Fonte: Elaboração própria

83 Disponível em
https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/vb.211857482296579/721997114615944/?type=3&the
ater - Acesso em 17 de novembro de 2016
84 idem
95

Um comentário que solicitava a visita de Bolsonaro a Boa Vista veio com outros
comentários que fugiam do tema, mas demonstravam discurso de ódio. Em uma discussão
entre apoiadores e não apoiadores de Bolsonaro, os que não aceitam a ideologia do mesmo
foram chamados de “merdinha maconheiro”, sendo dito que, caso quisessem comunismo,
fossem para outro país. Mais além, um dos internautas disse: “deve ta se doendo pq a dilma
deixava tu fumar tua maconha em paz né, com o bolsonaro ta com medo de ser preso, vai
trabalhar meu amigo, nao é bolsa familia que vai te sustentar não, abraço!”, ocorrendo aqui
a presença de termos pejorativos já explicados nas análises das postagens anteriores.
Em meio à discussão, há um comentário com teor de ódio ao PT: “Você quer a
ESQUERDALHA CORRUPTA, CAVIAR e IMORAL no poder não é Mortadela? Mais
BURROS do que os MORTADELAS e os eleitores do governo corrupto do PT impossível
devem comer CAPIM FORA ESQUERDALHA PODRE”. O termo caviar se refere aos que
possuem ideologia de esquerda e mesmo assim consomem produtos da classe alta, tal como o
alimento caviar é considerado. Um dos internautas chegou a falar para uma comentarista
contrária a Bolsonaro ir “procurar uma ROLA!!!”, sendo essa expressão caracterizada pela
ideia de “estupro corretivo”, a mesma que foi demonstrada na seção 4.2.
Bolsonaro chegou a comentar um dos comentários, demonstrando ódio a Lula, quando
um dos seus discípulos disse: “BOLSONARO o Socialismo é bom só no papel.”, e ele
comentou: “Em 2007 Lula disse que na Venezuela poderia faltar tudo, menos democracia.
Corrijo esse Sem Cérebro: quando falta democracia falta tudo e o que sobra, e muito, é M....
para todos (Maduro).”. Chamar Lula de sem cérebro é uma forma de discursar o ódio, já que
o considera como um ser não pensante, que não possui capacidade de raciocínio. Assim,
percebe-se que os discursos de ódio nos comentários não ocorrem apenas entre discípulos e
não discípulos, mas também pela participação do próprio deputado.
96

4.5. Até quem só entende de maconha pode opinar sobre política

85
Já em um vídeo postado no dia 12 de novembro de 2016 , com 12 mil curtidas, 1,1
mil comentários e 4,8 mil compartilhamentos, intitulado como: “Proibido para menores de
60. Aos sexagenários, assim como eu, fiquem à vontade para encherem os olhos de água ....
Um bom domingo a todos.”, foram mostradas imagens que remetiam às décadas de 50 e 60,
como fotos de casas rurais, crianças brincando, moedor de cana, armas de fogo, comida típica
da época, filtro de barro, instrumentos de trabalho rural, gado, entre outras, além da música
“Se o passado voltasse”, da dupla Lourenço e Lourival, tocada ao fundo. O conteúdo da
música demonstra saudades de uma época que não retorna para os tempos atuais. No vídeo,
não havia demonstração de discurso religioso e de ódio.

Figura 7 - Print da quinta postagem analisada

86
Fonte: Elaboração própria

85 Disponível em
https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/vb.211857482296579/721669594648696/?type=3&the
ater - Acesso em 17 de novembro de 2016
86 idem
97

Porém, no comentário de um internauta: “Meu pai vai gostar de ver”, ocorreram


discursos políticos, como quando um comentarista disse: “A MARCHA DO
PROGRESSO.ESTA ACABANDO COM A NOSSA NAÇÃO, INFELIZMENTE”. Um perfil
que se mostrou contrário às ideias de Bolsonaro foi chamado de “usuário de maconha e
bandido”, em comentários como:

● “Como a democracia e bonita... Ate quem so entende de maconha pode


opinar sobre politica.”,
● “ (...) entendo que você queira expressar sua opinião, mas vamos a alguns
pontos, se você condena os seguidores do jair bolsonaro por ser seguidores por que
você o segue também? Outro pow cara tu ta falando mal de um cara que condena a
criminalidade e me vem usando um boné com folhas de maconha ou sei lá o que
nele, sem falar na imagem que essa sua foto de perfil passa. Em fim você pode sim
expressar sua opinião mas se vai ficar pra ofender os outros, me faz o favor de sair
desse grupo cara por que aqui com certeza não é lugar pra você , hoje em dia todo
mundo vem com esses papinhos tendenciosos , mas ninguem quer colocar a cara a
tapa , o jair bolsonaro pode ser até um pouco radical com certas coisas , mas de
uma coisa eu sei atualmente é dele que o nosso país precisa!”,
● “Eu entendo seu medo do Bolsonaro, essa sua cara de bandido não nega
sua origem.”,
● “Tem um noia aquí ,que do esta tomando no redondo com a garotada,vai
estudar maconheiro e fazer algo para melhorar o país.”

A “maconha” é utilizada como forma de menosprezar os que apoiam as políticas de


esquerda, essencialmente em virtude das solicitações de liberação do uso da mesma.
Comparando-a a outras drogas, aqueles que possuem ódio por seus usuários, e até mesmo dos
que não usam mas são favoráveis à liberação, dizem que os mesmos não querem estudar nem
buscar soluções para melhorar a economia do país. Assim, nos comentários citados, um dos
internautas foi chamado constantemente de usuário de “maconha” como forma de qualificá-lo
de forma pejorativa. Também, o termo “bandido” é utilizado de forma a desmerecer a
imagem do comentarista, como se ele praticasse ou fosse favorável a roubos, tais como a
corrupção. Um dos comentários diz sobre a imagem que a foto de perfil do internauta passa,
ou seja, deprecia a forma como o mesmo se exibe em seu perfil na comunidade virtual.
Alguns comentários se mostraram favoráveis à prática do bullying, sendo que um
deles disse: “Tenho 24 anos , mas vivi muito disso ai , muito mesmo, da gosto em ver essas
imagens, diante da geração que se ofende com qualquer palavra , onde tudo é bullying”.
98

Favorável a esse discurso, uma internauta disse que atualmente não se pode elogiar ou dar
bom dia a uma mulher, que já é considerado assédio sexual, complementando que quando era
criança, sempre a chamavam de “China”, “baixinha”, “perna”, “saracura” e vários
apelidos que ela não gostava, mas aceitava ou ignorava. Ela diz: “Mas hj em dia vc chamar
alguém de gordinho, de negão, de viado, já é motivo pra morte! O politicamente correto soh
separa as pessoas!!!!!!”. Assim, ela se mostra a favor do uso de termos pejorativos,
defendendo que ainda que eles venham a ofender alguém, este deve aceitar para que não
ocorra a separação entre pessoas através do “politicamente correto”, ao que um dos
comentaristas acrescentou: “Se não gostou do apelido, resolve no braço. Assim minha mãe
me ensinou kkkk”, tratando a agressão como forma de resolução do conflito, podendo ser o
conteúdo desse comentário qualificado como discurso de ódio.
“Daqui a pouco os mimizentos de esquerda estarão na área dizendo que o Bolsonaro
ofende tbm os idosos principalmente os mais pobres porque essa geração nutella se ofende
até quando ver um jogo de facas na cozinha”. Esse comentário estava presente na postagem,
mostrando ódio à geração atual, chamando-a de “geração nutella”, que é uma citação
referente aos jovens da atualidade, que gostam de produtos como o creme de avelã da marca
“Nutella”, porém utilizada como forma de menosprezo, principalmente por vir acompanhada
da expressão: “mimizentos de esquerda”, quando o termo “mimizento” se refere a quem faz
muito “mimimi”, considerando que “o mimimi tem uma conotação pejorativa, sendo que
muitas vezes é utilizado para satirizar alguém que passa a vida reclamando.” 87
Também havia um comentário com o seguinte conteúdo:

“Todo cristão verdadeiro é monarquista. Pena que a maioria não ligou os pontos e
não percebeu como o sistema dito republicano é uma aberração. Republica
significa coisa pública, e o único período que o Brasil foi uma coisa pública foi no
reinado de Dom Pedro II. O Império do Brasil era cristão e aceitava todas
religiões, o Rio de Janeiro era conhecido como a cidade dos pianos e agora é
conhecida como a cidade da violência, putaria e do malandrismo.”

87 Disponível em https://www.significados.com.br/mimimi/ - Acesso em 16 de novembro de 2016


99

Aqui, faz-se presente o discurso religioso e de ódio, quando o internauta busca


qualificar o que é ser um cristão, e como os mesmos devem pensar politicamente. Também o
medo da República é visto através do ódio, considerando-a uma “aberração”, expressão que
qualifica algo como terrível, devendo estar longe da sociedade. Ao comparar como o Rio de
Janeiro era e como é atualmente, o medo se faz presente, já que a cidade é qualificada como
possuindo cidadãos violentos e malandros.

4.6. Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil

No dia 12 de novembro de 2016 88, com 42 mil curtidas, 2,4 mil comentários e 12 mil
compartilhamentos, foi realizada uma postagem intitulada como:

“A imprensa americana, tão suja quanto a nossa, tudo fez para eleger Hillary
Clinton. Trump era acusado de machista, homofóbico, xenófobo, nazista, etc …
Aqui no Brasil, há anos, sofro as mesmas infâmias. Pretendo ir à posse de Trump
em janeiro, afinal muitas coisas nos unem.”

Figura 8 - Print da sexta postagem analisada

89
Fonte: Elaboração própria

88 Disponível em
https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/vb.211857482296579/721383581343964/?type=3&the
ater - Acesso em 17 de novembro de 2016
100

Nessa postagem, há um vídeo em que são apresentadas supostas informações sobre


porque os estadunidenses escolheram votar em Donald Trump, dizendo que o mesmo ocorre
no Brasil e a imprensa tanto quanto buscou desqualificar Trump, também busca desqualificar
Bolsonaro aqui. Nessa postagem, havia um comentário: “Bolsonaro, ele disse exatamente o
que está acontecendo no Brasil”, e nele estava o seguinte comentário: “Mais é uma pena que
quando todo nois achar que está tudo melhorando mais na verdade vai está tudo piorando
gente não tem como mudar isso. Isso é o apocalipse tá tudo acontecendo gente Jesus está
voltando”, aqui se faz presente o discurso religioso e de medo, quando é dito que o apocalipse
bíblico está se mostrando através da não resolução de conflitos e problemas no país e no
mundo. Ainda neste comentário, citações pejorativas se fizeram presentes, como forma de
desqualificar aqueles que se mostraram contrários ao que Bolsonaro postou, tais como: “Seu
merda”, “seu bosta”, “Seu frutinha do caralho”, ao que um comentarista indagou: “Estou
aqui só olhando a elegância dos eleitores do Bolsonaro, aliás se parecem muito com ele „o
defensor dos ideais cristãos‟ Se o cara é hipócrita a respeito da própria fé as chances de
fazer um governo hipócrita é a mesma.”, criticando a postura adotada pelos que defendem os
ideais de Jair, bem como o próprio discurso religioso e de ódio dos mesmos.
Um comentarista contrário à postura adotada por Bolsonaro, disse: “‟Muitas coisas
nos unem‟... Com certeza...xenofobia..machismo..homofobia.. Realmente são unidos em
muitas coisas mesmos..”, sendo criticado pelo próprio Jair Bolsonaro, que falou: “Vamos
criar aqui a figura do eleitor JUMENTO. O (...) é o Zero Uno”. Ora, o discurso de ódio do
próprio deputado se mostra através do termo “Jumento”, que não se refere ao animal em si,
mas sim a uma pessoa pouco inteligente 90, que possui capacidade de raciocínio e mentalidade
inferior a de uma pessoa normal. O comentário foi complementado por um discípulo de
Bolsonaro, que falou: “Pare de ser um analfabeto político (...) e pagar de jumento, se quiser
chorar vai pra quebrando tabu e outras página dos esquerdinha”, demonstrando a alusão à
falta de raciocínio e de mentalidade do mesmo. Nota-se também que, imediatamente após Jair

89 idem
90 Disponível em http://www.aulete.com.br/jumento - Acesso em 16 de novembro de 2016
101

comentar a palavra jumento, o seu discípulo fez o mesmo. Essa atitude é comum, já que seus
seguidores utilizam de suas falas e ideias constantemente, como forma de menosprezar os que
não concordam com as posições políticas adotadas por Bolsonaro. Ainda, uma comentarista
disse: “(...) nos vivemos em um país democrático. Xingar e imputar crime a outrem da cadeia
e danos morais. Se você acha isso correto va viver na ditadura venezuelana”, utilizando da
exclusão como forma de discurso de ódio, demonstrando a ideia de que aqueles que se
mostram favoráveis às políticas de esquerda devem ir morar em um país onde eles qualificam
possuir uma ditadura e políticas de esquerda, e não no Brasil.
Ocorreu também uma crítica à imprensa, onde um dos internautas utilizou de palavras
de baixo calão para denegrir a imagem da Rede Globo de Televisão: “(...) rede blobo
vagabunda, canalha, puta, vadia.........fale e xingue a vontade.....eu ja mandei varias vezes
wili boni e xiqueiro pinheiro irem se fuder de modo direto - escrevi para a rede blobo e disse
: " xiqueiro pinheiro e wili boni, vao tomar no cu vagabundos”. Além, outro discípulo de Jair
o alertou sobre a imprensa brasileira, alegando que ela é favorável à esquerda política e que
faz falsas acusações ao deputado, dizendo para o mesmo se manter forte na política, pois Deus
está com ele e o avanço do Brasil só acontecerá quando o deputado se tornar presidente do
país. Ao final, complementou: “Um grande abraço de um admirador do seu trabalho!
BRASIL ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS. Donald J. Trump nos EUA e
Bolsonaro no Brasil. A união da direita!”.

4.7. Conclusão da análise

Apesar do curto período de análise, três dias, os comentários e postagens foram


suficientes para demonstrar a presença de discursos de ódio e religiosos na página oficial no
Facebook de Jair Messias Bolsonaro, porquanto nas leituras flutuantes se percebeu que, por
mais variados que fossem os temas apresentados nas postagens, os comentários dos discípulos
e não discípulos de Bolsonaro possuíam presença desses discursos. Além, as postagens
analisadas somam 162 mil curtidas, aproximadamente 17 mil comentários e 51,7 mil
102

compartilhamentos, sendo esses números notórios, considerando o conteúdo demonstrado nos


comentários e nas postagens.
Como os comentários já foram previamente escolhidos por seu discurso, não foi
necessário categorizar os mesmos, sendo que esse processo já foi realizado na própria seleção
das unidades de análise, quando a análise dos conteúdos das postagens também foi realizada,
e demonstrada a presença de discurso de ódio e religioso nestes. Assim, em terceira instância,
seria realizado o processo de categorização do conteúdo analisado, mas como a pesquisa foi
realizada de forma apriorística, quando “(...) o pesquisador de antemão já possui, segundo
experiência prévia ou interesses, categorias pré-definidas (...)” (CAMPOS, 2004. p. 614), a
classificação foi realizada durante a segunda instância. Fazer o agrupamento pelo método
“quasi-quantitativo” não foi o suficiente, sendo que a quantidade de vezes que determinados
termos foram utilizados não demonstrava total abrangência do conteúdo analisado, tornando
necessária a realização do método de “relevância implícita”, quando um “(...) tema importante
que não se repete no relato de outros respondentes (...) guarda em si, riqueza e relevância para
o estudo” (CAMPOS, 2004. p. 614), que foi utilizado ao analisar as postagens e comentários.
Durante toda a análise, principalmente logo ao início, conteúdos favoráveis aos
discursos das Bancadas do Boi, da Bala e da Bíblia foram perceptíveis, como já no lema do
deputado, que possui o nome Deus na frase. As falas contrárias à política de desarmamento da
população, bem como favoráveis ao agronegócio, demonstraram alusão a essas Bancadas.
Ainda, a presença de ideais cristãos se mostrou de forma massiva, através de falas que visam
a defesa da família e dos valores morais e éticos, contrariedade à homossexualidade e ao
ensino da ideologia de gênero nas escolas, além do uso do nome Deus. Esses comentários
demonstram que a busca de Bolsonaro também se concentra em atrair o público cristão, não
em vão o apoio que o mesmo fornece à Bancada da Bíblia. De igual forma, discursos que
menosprezam a esquerda política e, principalmente, os governos de Lula e Dilma, tidos como
demônios pelos discípulos de Bolsonaro, assim como pelo próprio, estão presentes. Aqueles
que se mostram contrários ao conservadorismo também menosprezam o deputado, formando
neologismos com seu sobrenome que desqualificam a imagem do mesmo, bem como
ofendendo os seus seguidores.
103

Também foi possível perceber que o ódio está presente em quaisquer temas abordados
na página, até mesmo quando o deputado não está falando sobre política. Esse sentimento é
disseminado tanto entre os discípulos de Bolsonaro, como entre os que são contrários aos seus
ideais, demonstrando a noção de antagonismo, onde o sujeito A nega o sujeito B, enquanto o
sujeito B nega o sujeito A. Percebeu-se que Bolsonaro conquista visibilidade na comunidade
virtual através do massante ódio à esquerda política, numa relação em que se pode afirmar
que a atenção que o deputado conquista, tanto no Brasil quanto no mundo, só ocorre porque a
esquerda política existe, e ele a nega, com aversão. A negação que Bolsonaro propõe implica
em sua própria existência enquanto figura pública, como qualificou sua página oficial no
Facebook.
A presença do ódio é totalmente notável no conteúdo da página. Os discípulos de
Bolsonaro odeiam tudo que seja contrário ao mesmo, enquanto os que não possuem apreço
pelo deputado odeiam tudo que seja favorável ao mesmo. Porém, as discussões não ficam
apenas entre os discípulos e não discípulos de Jair, mas o mesmo se faz presente, comentando
a favor dos que concordam com seus ideais, e menosprezando, muitas vezes de forma
pejorativa, os que se mostram contrários à política proposta por ele. Os termos utilizados por
ele se referem ao que o mesmo propõe, que para ser contrário às suas propostas
governamentais, tem que possuir pouca capacidade de raciocínio. Em suma, para o deputado,
os que não são seus discípulos são menos inteligentes que os que são.
Em virtude do uso da desqualificação do outro como forma de se promover, cabe aqui
a discussão sobre liberdade de expressão. O uso de postagens e comentários nessa
comunidade virtual, tão somente na página de Bolsonaro, como forma de ofender
determinadas pessoas e grupos sociais é constante, o que leva ao questionamento se a
dignidade humana deve prevalecer sobre a liberdade na rede, ou o contrário. O que se pode
perceber, entretanto, é que esse conteúdo continua presente. E o que é pior, os responsáveis
por ele não são julgados pelo poder judiciário.
104

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante todo o trabalho, a análise da presença religiosa de forma massiva na


sociedade, essencialmente brasileira, se deu como forma de atingir o objetivo final, de
demonstrar a presença dos discursos de ódio e religiosos na página oficial no Facebook de Jair
Messias Bolsonaro. A demonstração de como, atualmente, há uma busca por religiões com
estilo mais conservador e individual, onde a pessoa seja capaz de resolver seus próprios
problemas, sem depender de outro, se deu como forma de avaliar a atuação dos discípulos e
não discípulos de Bolsonaro na página.
O deputado demonstra saber realizar o famoso “jogo político”, quando consegue apoio
das Bancadas, e também o fornece, sendo que elas, juntas, formam maioria na Câmara dos
Deputados: Bancadas do Boi, da Bala e da Bíblia. Essas Bancadas, de igual forma, se
mostram preocupadas com interesses individuais, e não da população como um todo. Jair, ao
realizar propostas voltadas ao agronegócio, armamento da população e em defesa da família e
dos bons costumes, está valorizando os temas em que essas Bancadas possuem interesse. Não
em vão, tem ocorrido a conquista de espaço político pelo mesmo.
Também, ao buscar representação nas mídias sociais, Jair mostra ódio às políticas de
esquerda, demonstrando que ideias socialistas são inimigas de seus ideais. Os discursos do
deputado se utilizam de termos pejorativos e formas de menosprezar os governos petistas,
bem como de quaisquer partidos e políticos que se apresentam como progressistas. Nesse
caso, muito de sua emergência enquanto pré-candidato à Presidência da República se dá com
a decadência do governo de centro-esquerda do PT. Não em vão, Bolsonaro usa muito as
críticas aos corruptos, citando diversas vezes PT, Lula e Dilma e, de fato, sua ascensão é mais
notória simultaneamente à queda dos quatorze anos de esquerda no poder.
Bolsonaro defende fielmente que o conservadorismo está presente na nação e no
mundo, e que em 2018 um presidente conservador será eleito no Brasil. Os seus discípulos
disseminam os seus ditos, e o aplaudem, além de chamá-lo de “mito” e outros termos que
vangloriam o mesmo. E as discussões se mostram presentes, com uso de palavras de baixo
calão e termos desqualificativos, como forma de buscar a anulação daquele que pensa
105

diferente, e a conquista de visibilidade. O uso dessas expressões acontece tanto entre os que
apoiam Bolsonaro como entre os que não o apoiam.
Esses discursos permanecem sendo realizados nas comunidades virtuais, pois a
liberdade de expressão se mostra ambígua, sendo que, em algumas situações, está acima da
dignidade humana, enquanto em outros momentos não prevalece em relação à mesma. A ideia
dessa liberdade no Brasil é ainda mais complexa, essencialmente pelo fato de o Congresso
Nacional ser o responsável por expedir atos normativos que a regulem. Por vezes, quando não
há qualquer ato que interfira ou alguma lei se mostra antinômica em relação ao que foi dito ou
feito, a dignidade humana da pessoa ou do grupo que foi desvalorizada (o) é percebida como
estando abaixo da liberdade de expressão do autor.
Tornou-se notável que a presença cristã tem auxiliado na formação de ideias
conservadoras no país, favorecendo o crescimento da popularidade de Bolsonaro e de seus
discursos, além da anulação dos governos petistas e seus ideais. Com a religião envolvendo a
mídia e a política de forma massiva, as políticas de esquerda têm perdido a cada dia o seu
espaço, se tornando odiosas entre uma parcela da população. O conservadorismo e o discurso
de ódio aqui analisados, por exemplo, só se mostraram possíveis devido à forte presença do
neoconservadorismo evangélico no país. Aos futuros pesquisadores, recomenda-se que não
anulem a presença religiosa ao realizarem suas análises das questões contemporâneas.
Por fim, notando a ação do cristianismo na política brasileira e anulando Nietzsche,
nos apropriamos da fala de Peter Berger sobre Max Weber e do nome do famoso filme de
2003 para dizer: Deus está vivo, é brasileiro e habita a Câmara dos Deputados!
106

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