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A edição atualizada é verdadeira

aos pressupostos fundamentais da


primeira edição:
O SIGNIFICADO DA ATIVIDADE DO ESPÍRITO SANTO EM LUCAS-ATOS
E SUAS IMPLICAÇÕES PARA HOJE 1. O Evangelho de Lucas e o livro de
Nesta obra, o termo “carismático” tem de ser distinguido do seu significado contemporâ- Atos dos Apóstolos são um livro de
neo, a saber, conforme é usado para descrever o movimento neopentecostal que pene- dois volumes: Lucas-Atos.
trou nas denominações históricas das décadas de 1960 e 1970. Por “carismático”, o autor
2. Estes volumes têm o mesmo autor,
refere-se ao dom de Deus do seu Espírito para os seus servos, individual ou coletivamen-
te, para ungir, capacitar ou os inspirar para o serviço divino. Conforme está registrado nas que é tradicionalmente identificado
Escrituras, a atividade carismática é, necessariamente, um fenômeno experiencial. como Lucas, figura neotestamentária.
3. Ambos os volumes são do mesmo
Este livro oferece um estudo convincente e provocador de Lucas como teólogo caris-
mático, cujo entendimento do Espírito foi moldado pelo que ele entendia de Jesus e da gênero, a saber, narrativa histórica.
natureza da Igreja Primitiva. Roger Stronstad situa a pneumatologia de Lucas no con- 4. A narrativa de Lucas é historicamente
texto histórico do judaísmo e vê Lucas como teólogo independente que faz contribuição confiável.
exclusiva para a pneumatologia do Novo Testamento.
5. Embora o gênero de Lucas-Atos
A Teologia Carismática de Lucas reexamina o impacto do Pentecostes e explora o papel seja narrativa histórica, Lucas relata a
do Espírito em preparar o povo de Deus para a tarefa inacabada de missões.
história sacra e, portanto, escreve com
ROGER STRONSTAD ●●● propósitos didático e teológico.
(Mestre de Cerimônias pela Regent “Na minha opinião, A Teologia Carismática de Lucas é o mais importante livro de estudos 6. Lucas é teólogo único e indepen-
College e Doutor em Divindade pela bíblicos já escrito por um pentecostal. Obra verdadeiramente seminal, o livro causou mu-
dança sísmica no terreno acadêmico dos estudos bíblicos pentecostais, mudando para
dente entre os escritores do Novo
Christian Bible College) é diretor e pro- Testamento.
sempre o caráter fundamental, ao mesmo tempo em que enviava tremores em todas as
fessor adjunto de Bíblia e teologia na direções fora da tradição.”
Summit Pacific College, em Abbots- — John Christopher Thomas, Pentecostal Theological Seminary, Cleveland
ford, província canadense da Colúm- Os pressupostos supracitados ilus-
“É o trabalho mais influente sobre a pneumatologia de Lucas nesta geração! Há vinte e tram que escrevo dentro da tradição
bia Britânica.
cinco anos, Roger Stronstad solidificou minhas primeiras convicções sobre a atividade da erudição evangélica. Escrevo tam-
É autor de muitos artigos e de seis li- do Espírito Santo. Hoje, meus alunos ecoam o mesmo refrão.” bém de dentro da tradição do pente-
vros, entre eles A Pentecostal Biblical — Martin Mittelstadt, Evangel University, Springfield
costalismo, a saber, como alguém que
Theology: Turning Points in the Story “Com a publicação de A Teologia Carismática de Lucas em 1984, a erudição pente- foi batizado no Espírito Santo com o
of Redemption. É também coeditor costal sobre Lucas-Atos apresentou-se à comunidade acadêmica. Ao rastrear padrões sinal atestado de falar em outras lín-
do Comentário Bíblico Pentecostal: narrativos e considerar as técnicas de narrativa de Lucas, Roger Stronstad descobriu o
guas. […] O estudioso pentecostal do
Novo Testamento, 2 volumes (CPAD). que Lucas entende sobre a missão de Cristo e da Igreja, bem como sobre a natureza do
poder do Espírito para pô-la em prática.” século XXI sabe, em parte, por expe-
— Van Johnson, Master’s Pentecostal Seminary, Toronto riência factível, que Lucas relatou ex-
periências anteriormente factíveis de
“Este livro é contribuição sólida para a teologia pentecostal e responde com sucesso aos
tipo semelhante.
críticos que afirmam que a teologia pentecostal é exegeticamente fraca. Recomendo este
livro enfaticamente para todo estudante sério que estuda o Espírito Santo e a Palavra.”
— Gary M. Burge, Pneuma: The Journal of the Society for Pentecostal Studies

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1ª Edição

Rio de Janeiro
2018

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Todos os direitos reservados. Copyright © 2018 para a língua portuguesa
da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Aprovado pelo Conselho
de Doutrina.

Título do original em inglês: The Charismatic Theology of ST. Luke:


Baker Publishing Group, Grand Rapids, Michigan, EUA

Primeira edição em inglês: 2012


Tradução: Luís Aron de Macedo
Preparação dos originais: Miquéias Nascimento
Capa: Fábio Longo
Pro eto gráfico e editora o eonardo Engel

CDD: 230 – Cristianismo e teologia cristã


ISBN: 978-85-263-1618-8

As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida,


edição de 1995, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em
contrário.

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1ª edição: Junho/2018
Tiragem: 3.000

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Para Clifford, e Dawn Stronstad,
e Amy, e Jody,
e para Irene e Robert Jonas,
e Jennifer, e Pamela, e Jeramy
com carinho

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Sumário

Apresentação de Mark Allan Powell – 9

1. O Espírito Santo em Lucas-Atos


Um Desafio à Metodologia 13

2. O Espírito Santo no Antigo Testamento


O Espírito Carismático de Deus 31

3. O Espírito Santo no Evangelho de Lucas


O Cristo Carismático 57

4. O Espírito Santo no Pentecostes


A Comunidade Carismática 81

5. O Espírito Santo em Atos dos Apóstolos


A Comunidade Carismática em Missão 101

6. A Teologia Carismática de Lucas


Síntese e Desafio 123

Notas – 135
Leituras Recomendadas – 147
Índice de Referências Bíblicas – 153
Índice Remissivo – 167

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Apresentação

N os meus anos de faculdade, tive uma série de experiências


pentecostais e, por certo tempo, falei em línguas todos os
dias. Tive visões. Cria que Deus estava dirigindo-me e guiando-
-me de forma extraordinariamente detalhada. Experimentei o
poder divino para realizar coisas que eu nunca teria feito. O livro
de Atos pareceu-me o livro mais importante e realista da Bíblia.
Quando entrei na faculdade de doutorado 15 anos depois
(1984–1987), meu ponto de vista teológico mudou. Embora nun-
ca tenha gostado de estabelecer categorias, eu provavelmente
me identificava como “evang lico”, en uanto todos os outros me
c amavam de “luterano tradicional”. As palavras “carismático”
e “pentecostal” n o apareceriam.
No meu programa de doutorado, li numerosos trabalhos
eruditos e acadêmicos sobre o Evangelho de Lucas e o livro de
Atos. Até cheguei a publicar dois livros sobre a erudição lucana:
What Are They Saying about Luke? (Paulist, 1989 [O que Eles Estão
Falando sobre Lucas?]) e What Are They Saying about Acts? (Paulist,
1991 [O que Eles Estão Falando sobre Atos?]). No transcurso dos
estudos, não pude deixar de notar que os estudiosos considera-
vam que o aspecto carismático da teologia de Lucas era esqui-
sitice. Para a maioria dos autores, a descrição de Lucas sobre as

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A Teologia Carismática de Lucas

maneiras pelas quais o Espírito de Deus dirigiu e capacitou os


crentes não tinha credibilidade como história objetiva e natural.
Para alguns, significava ue o relato de ucas estava infectado
pela superstição primitiva para ser levado a sério. Para outros,
significava ue ucas precisava receber um grau e traordinário
em licenciatura literária. Mesmo os estudiosos que reconheciam
que Lucas estava relatando o que realmente ocorreu considera-
vam que as narrativas eram descrições de uma era passada, cuja
passagem não deixou saudades: o livro de Atos descreve as coisas
como eram, não como são, nem como deveriam ser, nem (verda-
de seja dita) como gostaríamos que fossem. Os estudiosos lidaram
com o aspecto carismático da teologia de Lucas de diversas ma-
neiras, mas todos concordavam que isso era um problema.
Não estou dizendo que nenhum dos estudiosos estava errado.
Eu simplesmente observo que eles não consideravam o livro de
Atos realista ou relevante. Talvez, pensei, seja apropriado: são
estudiosos que estudam literatura antiga. Os estudiosos abordam
esses trabalhos com certo grau de distância crítica, reconhecen-
do, por exemplo, que os autores (e os leitores) do século I adota-
vam uma visão de mundo diferente da nossa. Mas, neste caso,
a “distância crítica” era e trema os estudiosos do ovo Testa-
mento pensavam que o livro de Atos era algo estranho. Mesmo
quando eu estava convencido de que um estudioso estava correto
ou de que era perspicaz em suas observações, eu sentia que estava
lendo os comentários de alguém de fora olhando para dentro.
Quando li A Teologia Carismática de Lucas, escrito por Roger
Stronstad, soube que eu encontrara algo diferente: o próprio tom
do livro era, na época, único nos estudos de Lucas. Stronstad não
só descobriu que os elementos carismáticos da teologia de Lucas
eram credíveis, mas também os considerou fascinantes. Stronstad
também escreve como estudioso. Seu principal objetivo é a eluci-
da o, e n o a edifica o, e ele sabe ue está lidando com litera-
tura antiga, cu o significado nem sempre transparente ou cu a
aplicação nem sempre é óbvia. Ele, no entanto, escreve também
sem nenhum constrangimento como estudioso pentecostal, como

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Apresentação

alguém que considera que até mesmo os aspectos mais estranhos


dos livros de Lucas são relevantes e realistas. Ele não preza os as-
pectos dos escritos de Lucas como representações de uma forma
pitoresca de piedade do século I, ou mesmo como descrições de
como as coisas eram em uma dispensação anterior seguramen-
te definida. tronstad procura, como ual uer estudioso bíblico,
elucidar o que Lucas entendia sobre o Espírito, mas ele assim
o faz como estudioso que crê que o que Lucas entendia sobre a
orientação e capacitação espiritual permanece credível e reco-
mendável para a teologia e missão contemporâneas.
Ao fazer essas observações, não pretendo menosprezar o va-
lor de perspectivas mais externas e desapaixonadas: não há abso-
lutamente nada de errado com a erudição produzida por pessoas
que olham de fora. Todos nós fazemos esse tipo de pesquisa, e
existem casos em que tal distanciamento tem de ser preferido.
Admitamos, porém, que algo está faltando. Caso me sentisse in-
clinado, poderia pesquisar e escrever um livro muito bom sobre
os escritos de algum monge eremita que viveu isolado durante
a maior parte da vida. Todavia, por mais que eu admirasse tal
indivíduo, iria considerá-lo como alguém que viveu a vida de ma-
neira que eu jamais iria querer viver. Minhas observações podem
ser precisas e até perspicazes, mas meu livro não seria do mesmo
tipo de livro produzido por um estudioso competente que viveu
isoladamente e que recomendava tal existência para os outros.
A erudição de Stronstad tem mérito próprio, e sua com-
preensão do Espírito em Lucas-Atos garante comparação com a
de James D. G. Dunn, Jacob Jervell (1925–2014) e muitos outros
intérpretes modernos. Entre suas contribuições particulares, há
(1) a ênfase na dependência de Lucas da tradição hebraica, em
contraposição às concepções do espírito no pensamento grego;
(2) a exposição da transformação de Lucas dessa tradição em for-
mas que atestam novos desenvolvimentos; e (3) a delineação de
elementos significativos na perspectiva de ucas ue destacam
sua teologia da teologia de outros escritores bíblicos (inclusive de
Paulo) de forma distinta, mas não necessariamente contraditória.

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A Teologia Carismática de Lucas

São pontos discutíveis, claro, e o cadinho da erudição assegu-


rará que continuem a ser discutidos. As posições de Stronstad
estabeleceram-se, pelo menos, como uma das principais opções:
hoje, seus argumentos são considerados defensáveis por todos e
persuasivos por muitos.
Não sei se ele está certo ou não. Se estiver, então a teologia
de Lucas torna-se problemática para muitas igrejas (inclusive, a
minha). Mas, se a teologia de Lucas é problemática para uma
igre a, n o significa ue a teologia da igre a tamb m teria sido
problemática para Lucas? E não é Lucas aquele cuja teologia foi
canonizada?
Em suma, este é um livro que me dá muito que pensar (inclu-
sive, a reconsideração das experiências tidas na faculdade). Agra-
deço a Roger Stronstad por escrevê-lo e, também, à editora Baker
Academic por dar-lhe vida renovada nesta segunda edição. Fico
feliz em informar que sejam quais forem as atualizações e outras
mudanças que tenham sido feitas, uma coisa continua a ser a mes-
ma: Stronstad ainda é visivelmente diferente da maioria da erudi-
ção, na medida em que ele não vê a teologia carismática de Lucas
como problema a ser tratado para que a mensagem de Lucas seja
relevante para hoje. Mais exatamente, ele opina que a teologia
carismática de Lucas é uma mensagem relevante para hoje.

Mark Allan Powell

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O Espírito Santo em Lucas-Atos
Um Desafio à Metodologia

Para seu ensaio principal na Fest-


schrift1∗ em homenagem a Paul Schu-
bert, W. C. van Unnik escolheu o título
“ ucas-Atos, um entro de Tempesta-
CAPÍTULO des no Mundo Acadêmico Contempo-

1
râneo”.1 À medida que van Unnik narra
os fatos da erudição lucana nas décadas
de 1950 e 1960, no centro de tempesta-
des há, entre outros, os seguintes assuntos:
(1) A relação entre os aspectos histórico e
teológico de Lucas-Atos, (2) a alegada
mudança de Lucas da expectativa da imi-
nente Parousia na teologia da Igreja Pri-
mitiva para uma teologia da história da
salvação e (3) as diferenças entre o Paulo
de Atos e o Paulo das Epístolas.2
*
N. do T.: Em alemão, no original, Festschrift, “livro
de omenagem” ou “livro de celebra o”. o mun-
do acadêmico, o termo refere-se a um conjunto de
ensaios ou artigos publicados na forma de livro que
omenageia uma pessoa in uente ou recon ecida. O
livro é publicado enquanto o homenageado está vivo.

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A Teologia Carismática de Lucas

O comentário de Richard I. Pervo sobre Atos na série Her-


meneia identifica numerosas uest es controversas e istentes
nos estudos lucanos. As questões polêmicas são tão fundamen-
tais quanto (1) a data em que Atos foi escrito, (2) a identidade do
autor, (3) a unidade de Lucas e Atos e (4) o gênero de Lucas e
Atos.3 A publicação de dois livros referenciais em 1970, Teologia
do Espírito Santo, de Frederick Dale Bruner (Cultura Cristã), e
Baptism in the Holy Spirit (Batismo no Espírito Santo), de James
D. G. Dunn, acrescentou novos ventos de controvérsia ao cen-
tro de tempestades da erudi o lucana, a saber, sobre o signifi-
cado da atividade do Espírito Santo registrada em Lucas-Atos.4
os dois livros, o de unn o mais significativo, pois provocou
também uma série de respostas de estudiosos bíblicos na tradi-
ção pentecostal.5
Os ventos de controvérsia alastraram-se mais fortemente
com a interpreta o do “batismo no Espírito anto” ue acon-
teceu no dia de Pentecostes e por todo o livro de Atos. Tradi-
cionalmente, a igreja associa o batismo no Espírito Santo com
a convers o e identifica-o com a incorpora o ao corpo de
Cristo.6 No entanto, começando principalmente com o ensino
inspirador de o n esle sobre a santifica o, os crist os t m
contestado cada vez mais essa interpretação. Por exemplo, os
grupos da santidade, ue surgiram do metodismo, “passaram a
falar ue a santifica o inteira um batismo do Espírito an-
to ”.7 O pentecostalismo, que é a síntese da teologia fundamen-
talista, dispensacional e da santidade de fins do s culo com
a metodologia de reuniões em acampamentos e reavivamento,8
identificou o “batismo no Espírito anto” como capacita o
para o serviço. O único elemento distintivo no pentecostalismo
é a insistência de que a glossolalia é a evidência essencial do ba-
tismo no Espírito Santo.9 Mais recentemente, os carismáticos,
ue s o os fil os do casamento entre a e peri ncia pentecostal
e a teologia tradicional luterana, reformada ou católica, inter-
pretam que o batismo no Espírito Santo é a atualização expe-

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O Espírito Santo em Lucas-Atos

riencial subsequente do Espírito que foi dado anteriormente na


convers o confirma o.10 Hoje, os ventos da divisão e contro-
vérsia espalham-se rapidamente pelas interpretações atuais do
dom do Espírito Santo em Lucas-Atos.
A divisão não é simplesmente teológica. As diferenças her-
menêuticas ou metodológicas fundamentais estão no cerne da
questão. As diferenças metodológicas surgem e coincidem com
os diversos gêneros literários do Novo Testamento. Por exemplo,
a teologia lucana do Espírito Santo tem de ser inferida de uma
“ ist ria” em dois volumes da funda o e desenvolvimento do
cristianismo, cu o volume classificado de Evangel o, e o vo-
lume classificado de Atos.11 Em contrapartida, a teologia pau-
lina do Espírito Santo tem de ser derivada de suas cartas, que
ele endere ou a igre as geograficamente separadas em diferen-
tes momentos da carreira missionária. As cartas são circunstan-
ciais, ou seja, são endereçadas a circunstâncias particulares: por
exemplo, notícias de controvérsia (Gálatas), respostas a pergun-
tas específicas oríntios , ou planos para uma visita pr ima
(Romanos). Portanto, enquanto Lucas narra o papel do Espírito
Santo na história da Igreja Primitiva, Paulo ensina os leitores
sobre a pessoa e o ministério do Espírito.
É a diferença entre narração e teologia na literatura do Novo
Testamento que levanta as questões metodológicas fundamentais
para a doutrina do Espírito Santo. Por conseguinte, as tensões
experienciais e teológicas sobre a doutrina do Espírito Santo se-
rão resolvidas apenas quando as questões metodológicas forem
resolvidas primeiramente. A discussão a seguir aborda as ques-
tões metodológicas da crux interpretum no debate atual: o signi-
ficado do Espírito anto em ucas-Atos.
Para interpretar corretamente o registro de Lucas sobre
o Espírito Santo, temos de resolver três problemas metodoló-
gicos fundamentais: (1) A homogeneidade literária e teológica
de ucas-Atos, o caráter teol gico da istoriografia lucana
e (3) a independência teológica de Lucas.

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A Teologia Carismática de Lucas

A Homogeneidade Literária e Teológica de Lucas-Atos


Embora o cânone do Novo Testamento venha separá-los, os
livros de Lucas e Atos são uma única composição em dois volumes
c . - At . . ando fim a várias d cadas de ceticismo concer-
nente à unidade literária dos dois livros, W. C. van Unnik informa:

Falamos disso [Lucas-Atos] como unidade. [...] É


de aceitação geral que ambos os livros têm um au-
tor comum. A possibilidade de que o Evangelho e
Atos, contrariamente a Atos 1.1, não façam parte do
mesmo livro não é seriamente discutida. Por consen-
timento quase unânime, são considerados dois volu-
mes de uma só obra.12

O consenso acadêmico sobre a unidade literária de Lucas-


-Atos permanece desprovido de contestação séria.13 A despeito
do consenso quanto à unidade literária, os intérpretes pressu-
p em ue ucas-Atos re ete uma descontinuidade teol gica en-
tre as duas partes.
Desde a publicação de The Theology of St. Luke (A Teologia
de Lucas) em 1961 (tradução inglesa), Hans Conzelmann colocou
os estudos lucanos em sérios apuros. A característica central de
sua teologia é a divisão peculiar, embora popular, da história lu-
cana em três épocas:

1. O período de Israel, da Lei e dos Profetas.


2. O período de Jesus, que dá uma amostra da futura salvação.
3. O período entre a vinda de Jesus e sua Parousia, ou seja, o
período da igreja e do Espírito. Essa é a última era. Não nos
disseram que será curta.14

e acordo com a interpreta o de on elmann, “ á uma


continuidade que liga os três períodos, e a essência de um é leva-
da para o pr imo”.15 No entanto, Conzelmann ressalta que, na

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O Espírito Santo em Lucas-Atos

teologia de ucas, á “ nfase na separa o entre as pocas”.16 Ao


interpretar Lucas-Atos, Conzelmann destaca a descontinuação
teológica entre João Batista (o período de Israel), Jesus (o centro
do tempo) e a época do Espírito (a Igreja).17
A homogeneidade teológica de Lucas-Atos também é nega-
da por motivos diferentes das épocas da história redentora. Por
e emplo, no artigo “T e ol pirit in t e Acts and t e ourt
ospel” O Espírito anto em Atos e no uarto Evangel o , .
. oft ouse afirma ue o registro do Espírito nos Evangel os i-
n ticos “incapa de atuar como base para o Espírito em Atos
”.18 Mais exatamente, a base para a representação do Espírito
Santo em Atos 1–15 encontra-se no ensino sobre o Espírito regis-
trado em João 14–16.19 De acordo com a perspectiva de Lofthouse,
o registro de Lucas sobre a atividade do Espírito Santo em Lucas-
-Atos foi in uenciado por duas tradi es distintas A tradi o
sinótica para o Evangelho e (2) a tradição joanina para o Atos
dos Apóstolos. Surpreendentemente, a tradição sinótica sobre o
Espírito anto n o tem in u ncia no registro do Espírito em Atos.
comum afirmar n o s a descontinuidade entre as imagens
sucessivas do Espírito Santo em Lucas-Atos, mas também a des-
continuidade da terminologia idêntica que descreve o Espírito
anto em ucas-Atos. Por e emplo, a respeito da frase “c eio
com o Espírito anto”, . . E. ull escreve

Isabel e Zacarias foram, na opinião de Lucas, mo-


mentaneamente cheios com o Espírito. Em outras
palavras, eles só podiam estar cientes de sua presença
(aparentemente) transitória e de sua atividade (apa-
rentemente) intermitente e necessariamente limita-
da. Os discípulos, por outro lado, foram permanen-
temente cheios com o Espírito.20

Para sustentar sua afirma o e egeticamente sem funda-


mento de ue a frase “c eio com o Espírito anto” tem significa-
do diferente (e superior?) em Atos do que tem em Lucas, ele muda
a metáfora lucana, escrevendo:

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A Teologia Carismática de Lucas

Como não há indício de que Isabel e Zacarias pos-


suíssem permanentemente o dom de profecia, pode-
mos dizer [...] que a experiência que tiveram com o
Espírito foi um as momentâneo, ue os iluminou
exclusivamente nas ocasiões referidas no capítulo 1
de Lucas. No entanto, como Atos sugere, a experiên-
cia que os discípulos tiveram com o Espírito era e
continuou a ser um fogo consumidor.21

A resposta à distinção de Hull entre o suposto dom tem-


porário do Espírito de profecia para Isabel e Zacarias e o dom
permanente do Espírito de profecia para os discípulos é que há
evidências opostas em ambos os aspectos. Para João, o dom do
Espírito de profecia era permanente (Lc 1.15,76,80; 20.6); para os
discípulos, era manifestamente repetitivo (At 2.4; 4.8,31).
Conzelmann, Lofthouse e Hull são três exemplos da ampla
tendência de enfatizar a descontinuidade teológica entre Lucas e
Atos. Contudo, tendo em vista que Lucas e Atos são uma só obra,
seria muito mais natural enfatizar a continuidade ou homoge-
neidade teológica. A homogeneidade entre os livros prova que é
o que ocorre. Em Luke: Historian and Theologian (Lucas: Historia-
dor e Teólogo), I. Howard Marshall demonstra que importantes
temas lucanos, como salvação, perdão, testemunho e o Espírito
Santo, unem Lucas-Atos, ainda que seja uma história em dois
volumes.22 Ele observa com razão:

O ue significativo ue ele ucas combina a


história de Jesus e a história da Igreja Primitiva em
uma única narrativa. Desse modo, ele atesta que as
duas histórias são realmente uma, e que a ruptura
entre elas não é de importância tão decisiva quanto
a ruptura entre o período da lei e dos profetas e o
período em que o Evangelho do reino é pregado.23

Sobre a questão da continuidade e descontinuidade entre


Lucas e Atos, como ilustram os exemplos supracitados, a propen-
são está arbitrariamente inclinada a favor da descontinuidade.

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O Espírito Santo em Lucas-Atos

Exceto onde as evidências claramente levam para o outro lado,


a unidade literária de Lucas-Atos tem de obrigar os intérpretes a
reconhecer a homogeneidade teológica dos dois livros. A homo-
geneidade não é menos verdade para a teologia pentecostal de
Lucas do que para suas outras doutrinas e temas distintivos.

O Caráter Teológico da Historiografia Lucana


O pentecostalismo e, em menor grau, seu irmão mais novo,
o movimento carismático criaram um desafio e periencial e teo-
lógico para o cristianismo contemporâneo, bem como represen-
taram um desafio metodol gico fundamental. O desafio suscita a
uest o do significado teol gico da “ ist ria” narrativa de ucas
sobre a atividade do Espírito Santo no livro de Atos. Ao interpre-
tar o livro de Atos, os pentecostais, por um lado, tendem a au-
mentar a ênfase no caráter teológico das narrativas e a diminuir
a ênfase em sua singularidade histórica. Por outro lado, aqueles
ue respondem ao desafio metodol gico ma imi am o caráter
histórico das narrativas e minimizam seu caráter teológico.
Os pentecostais formam sua teologia distintiva com cinco
episódios em Atos concernentes ao dom do Espírito: (1) Os dis-
cípulos no dia de Pentecostes (2.1-13), (2) os crentes em Sama-
ria (8.14-19), (3) Saulo de Tarso (9.17,18), (4) Cornélio e sua casa
(10.44-46) e (5) os discípulos em Éfeso (19.1-7). Em termos gerais,
esses “cinco eventos no livro de Atos tornam-se os precedentes
bíblicos do batismo do Espírito”.24 ais especificamente, “os
eventos que ocorreram no dia de Pentecostes são considerados o
padr o para os s culos vindouros”,25 e a narrativa do Pentecos-
tes estabeleceu “o padr o bíblico para os crentes de toda a era
da igre a”.26 Como consequência natural de sua metodologia, os
pentecostais concluem:

De acordo com a Bíblia, as línguas são a evidência


necessária e essencial do batismo no Espírito. [...]
Deus prometeu que o padrão bíblico era o padrão

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A Teologia Carismática de Lucas

para os tempos futuros “A promessa vos di respeito


a v s, a vossos fil os e a todos os ue est o longe” At
2.39). O que era verdadeiro no dia de Pentecostes, e
em ocasiões subsequentes na Escritura, tem de con-
tinuar a ser verdadeiro no transcurso dos tempos.27

Está claro que os pentecostais enfatizam a intenção teológica


normativa do registro histórico de Lucas pertinente ao dom do
Espírito para a experiência cristã contemporânea.
uitos int rpretes acreditam ue a metodologia do “Pente-
costes como padr o” viola o caráter narrativo ou ist rico do
livro de Atos. Por exemplo, no artigo publicado na revista Chris-
tianity Today, sob o título de “E plos o de ínguas A ova om-
preens o”, ran arrell escreve

Os poucos relatos históricos de línguas em Atos, em


comparação com as outras Escrituras, fornecem um
fundamento frágil sobre o qual formar uma doutrina
da vida cristã. Essas passagens não contêm nenhuma
diretriz para a experiência cristã normativa.28

Em seu livro amplamente in uente, Batismo e Plenitude do Es-


pírito Santo, John R. W. Stott (1921–2011) expressa sentimentos
semelhantes.

Esta revelação do propósito de Deus na Bíblia deve


ser buscada, de preferência, nas suas passagens didá-
ticas, e não nas descritivas. Para ser mais preciso, de-
vemos procurá-la nos ensinos de Jesus e nos sermões
e escritos dos apóstolos, e não nas seções puramente
narrativas de Atos.29

ais adiante, no mesmo livro, tott reitera “A doutrina do


Espírito Santo não pode ser deduzida de passagens puramente des-
critivas em Atos”.30 arrell e tott tipificam a abordagem metodo-
lógica para Atos que cria uma separação entre didach, (instrução) e
narrativa, entre teologia e história.

20

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O Espírito Santo em Lucas-Atos

Esta crítica da interpretação pentecostal de Atos força os


pentecostais a articular uma metodologia mais sofisticada para
as passagens descritivas, históricas ou narrativas em Atos.31 A
resposta dada não foi totalmente convincente, pois concede aos
críticos a legitimidade da distinção rígida entre história e didach,
na literatura do Novo Testamento. Por exemplo, no livreto I’m
Still There! (Eu Ainda Estou Lá!), Ronald Kydd conclui:

Penso que o material [histórico] pode e deve ser


usado quando satisfaz as exigências de que estamos
falando, a saber, quando a sequência de eventos
no material histórico é a única sequência em que os
eventos relacionados a essa experiência em particu-
lar aparecem na Bíblia e quando o material didático
n o modifica o padr o observado no material is-
tórico.32

Ironicamente, essa nova hermenêutica pentecostal desviou-


-se para o mesmo beco sem saída metodológico que os críticos ti-
nham anteriormente entrado, a saber, uma dicotomia não bíblica
entre as chamadas passagens descritivas (históricas, narrativas) e
didáticas (instrutivas) da Bíblia.
Ainda ue uma discuss o completa sobre a istoriografia
bíblica esteja fora do escopo desta investigação, a alegada distin-
ção entre descrição e didach, é estranha ao entendimento geral do
ovo Testamento acerca da istoriografia bíblica i.e., do Antigo
Testamento). Por exemplo, Paulo percebeu incontestavelmente um
propósito didático na narrativa histórica. Incluindo a literatura
histórica do Antigo Testamento em seu campo de ação, ele escreve:

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o


ensino [didaskali,an] para a repreensão, para a cor-
re o, para a educa o na usti a, a fim de ue o o-
mem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado
para toda boa obra. (2 Tm 3.16,17, ARA)

21

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A Teologia Carismática de Lucas

a mesma forma, ele afirma “Por ue tudo ue dantes foi


escrito para nosso ensino [didaskali,an foi escrito” m . .
Por conseguinte, para citar apenas um exemplo da metodologia
de Paulo, a e peri ncia dos israelitas no deserto “l es sobreveio
como figuras tupikw/j], e [essas coisas] estão escritas para avi-
so nosso, para uem á s o c egados os fins dos s culos” o
10.11). Se, para Paulo, as narrativas históricas do Antigo Testa-
mento tinham lições didáticas para os cristãos do Novo Testa-
mento, então seria muito surpreendente se Lucas, que amoldou
sua istoriografia segundo a istoriografia do Antigo Testamen-
to, não tivesse envolvido sua história da origem e propagação do
cristianismo com um significado didático.
Como mencionado, as narrativas históricas do Antigo Tes-
tamento serviram de modelo para a istoriografia de ucas. Em
Luke: Historian and Theologian (Lucas: Historiador e Teólogo), I.
o ard ars all conclui “Os escritos de ucas est o claramen-
te em d bito com a tradi o do Antigo Testamento”.33 Em vez
de adotar o modelo dos historiadores helenísticos, Lucas usa um
estilo de escrita ue “ reminiscente da eptuaginta” e “re uer
ue ele tamb m se a comparado com os istoriadores udeus”.34
Em Acts and the History of Earliest Christianity (Atos e a História do
Cristianismo Primitivo), Martin Hengel leva a comparação entre
Lucas e os historiadores judeus para fora do âmbito dos historia-
dores bíblicos judeus, a saber, para os historiadores intertesta-
mentários judeus. Ele escreve:

A comparação entre a sua obra [de Lucas] e a obra


de Flávio Josefo ou os livros dos Macabeus, e, neste
ponto, acima de tudo, com 2 Macabeus, [...] mostra
sua pro imidade particular com a istoriografia e-
lenística udaica. ucas foi evidentemente in uencia-
do por uma firme tradi o com um ponto de vista
religioso da história, que se deriva essencialmente da
Septuaginta. Sua imitação da Septuaginta mostra
que ele quer deliberadamente estar nessa tradição.35

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A Teologia Carismatica de Lucas.indd 22 07/06/18 09:53


O Espírito Santo em Lucas-Atos

engel afirma corretamente ue ucas, com os outros evan-


gelistas, “tin a um interesse teol gico ue era ao mesmo tempo
ist rico”.36
epois de ter feito a pergunta “A ist ria e a teologia op em-
-se mutuamente?”,37 Marshall responde:

Lucas concebeu sua tarefa como a escrita da história


e [...] não faremos justiça ao seu trabalho se não pen-
sarmos nele como historiador. As pesquisas moder-
nas enfatizam que ele era teólogo. [...] Seu ponto de
vista teológico levou-o a escrever a história.38

Portanto, visto que Lucas tem um interesse teológico, suas


narrativas, ainda que históricas, são sempre mais do que meras
descrições ou o registro de fatos.
Está claro que, em Lucas-Atos, tanto pelo que ele inclui e
exclui do registro quanto pela descrição real dos acontecimentos,
Lucas sempre apresenta uma narração interpretada. Como W. F.
oft ouse observa “ e levarmos em considera o a narrativa do
Pentecostes ou qualquer outra referência à atividade do Espírito
em Atos 1–15, estamos claramente lidando com a interpretação
de certas e peri ncias”.39 Portanto, as supostas porções puramente
narrativas de Atos são comprovadamente um mito criado pelos
críticos contemporâneos, e não uma avaliação legítima da histo-
riografia lucana.
À luz do endividamento de Lucas com os historiadores he-
lenistas bíblicos e judeus, e diante do fato de que suas narrati-
vas são invariavelmente um registro interpretado de eventos, é
imperativo que os intérpretes adotem nova abordagem metodo-
lógica para interpretar as narrativas históricas em Lucas-Atos.
A abordagem tem de concentrar-se na natureza real da narrati-
va. As narrativas de Lucas enquadram-se em uma ou mais das
seguintes quatro categorias: (1) episódica, (2) tipológica, (3) pro-
gramática e (4) paradigmática. Em geral, todas as narrativas são
episódicas. A narrativa tipológica vê em retrospectiva um episódio

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A Teologia Carismática de Lucas

historicamente análogo e relevante de tempos mais antigos, seja


em Lucas-Atos ou no Antigo Testamento. Em contraste com a
narrativa tipológica, a narrativa programática aponta para frente,
para o desenrolar de eventos futuros. E a narrativa paradigmática
tem características normativas para a missão e caráter do povo
de Deus que vive nos últimos dias.
Para ilustrar, a narrativa introdutória de Lucas (Lc 3.1–
4.44) tem elementos tipológicos explícitos: Os habitantes de Na-
zaré, a cidade natal de Jesus, rejeitaram-no, fato que ecoa a
antiga rejeição de Elias e Eliseu, profetas carismáticos, pelos
israelitas (Lc 4.22-30). Da mesma forma, a narrativa do Pente-
costes (At 1.1–2.42) tem conotações tipológicas: A transferência
do Espírito anto de esus para os discípulos re ete a antiga
transferência do Espírito Santo de Moisés para os 70 anciãos
(Nm 11.16-30). Assim como a narrativa da infância de Jesus
(Lc 1.5–2.52) é programática para a missão de Jesus em Israel,
assim também a narrativa do Pentecostes é programática para
a missão dos discípulos em Jerusalém, em toda a Judeia e Sa-
maria e nos confins da terra At . . Assim como a un o de
Jesus (Lc 3.22; 4.18) é um paradigma para o subsequente ba-
tismo dos discípulos com o Espírito Santo (At 1.5; 2.4), assim
o dom do Espírito para os discípulos é um paradigma para o
povo de eus ao longo dos “ ltimos dias” como comunidade
carismática do Espírito — uma casa de profetas composta por
todos os crentes (At 2.16-21). Outras narrativas em Lucas-Atos
podem ou não ter todos esses elementos. Contudo, os elementos
episódicos, tipológicos, programáticos e paradigmáticos são a
chave para interpretar a dimensão histórico-teológica da histo-
riografia lucana.
À luz desses quatro elementos narrativos, a solução para o
desafio metodol gico do pentecostalismo n o postar-se atrás
de uma dicotomia artificial e arbitrária de “descritivo” versus
“didático”. assumir a verdadeira nature a da istoriografia de
ucas. E tremamente in uenciado pelo modelo istoriográfico
bíblico da Septuaginta, Lucas narra a história da fundação e

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O Espírito Santo em Lucas-Atos

crescimento do cristianismo. Como em seu modelo, os episódios


são de intenção histórico-teológica. Em outras palavras, Lucas
nunca teve a intenção de dar aos leitores uma descrição simples
dos acontecimentos, quer fosse para informar ou para satisfazer
a curiosidade dos leitores quanto às origens da fé. Seja como for
que se desenrolem os detalhes, as narrativas de Lucas são, em
princípio, fonte importante e legítima para construir uma dou-
trina lucana do Espírito. Portanto, em vez de fornecer um funda-
mento frágil para formar uma doutrina do Espírito Santo, como
é comumente pressuposto, os relatos históricos da atividade do
Espírito em Atos estabelecem as bases da doutrina do Espírito
que tem implicações normativas para a missão e experiência re-
ligiosa da igreja contemporânea.

A Independência Teológica de Lucas


A tendência de fazer uma separação entre a didach, e a nar-
rativa histórica, que acabei de analisar, teve uma consequência
infeliz para a interpretação do Espírito Santo em Lucas-Atos: a
crença generalizada de que, enquanto examinamos Lucas em
busca da história, temos de recorrer a Paulo para em busca da
teologia. Por causa desse programa metodológico, os dados de
Lucas sobre o Espírito Santo são interpretados como se tives-
sem sido escritos por Paulo. Em The Semantics of Biblical Language
(A Semântica da Linguagem Bíblica), James Barr (1924–2006)
classifica esse procedimento de “transfer ncia ilegítima de iden-
tidade”.40 A interpretação paulina de Lucas é mais evidente nas
leituras de frases caracteristicamente lucanas “bati ado no Es-
pírito anto” e “c eio do Espírito anto”.
No artigo da revista Christianity Today, “ ma Proposta de
Tr gua para a ontrov rsia de ínguas”, lar . Pinnoc
(1937–2010) e Grant R. Osborne falam para muitos intérpretes
quando escrevem:

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A Teologia Carismática de Lucas

O argumento [pentecostal] é fraco metodológica e


exegeticamente. As porções didáticas das Escrituras
têm de ter precedência sobre as passagens históricas
para o estabelecimento da doutrina. O movimento
aqui tem de ser do ensino de 1 Coríntios para a nar-
rativa de Atos, e não o contrário. Quando seguimos
a metodologia adequada, percebemos que não há
manifestação de línguas que seja normativa.41

Autores famosos de livros sobre o Espírito Santo, como


Dunn, Green e Stott, comumente adotam essa abordagem me-
todológica defeituosa ao ensinamento de Lucas e Paulo sobre o
Espírito Santo.
Os estudiosos definem a frase característica de ucas “bati-
ado no Espírito anto” de acordo com o significado ue Paulo
dá. nstruindo a gre a em orinto, Paulo escreve “Pois todos
nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer
judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebi-
do de um Espírito” o . . e acordo com essa metáfora,
o batismo do Espírito “ a transforma o espiritual ue coloca
o crente em risto e ue o efeito de receber o dom do Espí-
rito daí batismo no Espírito ”.42 De acordo com Paulo, a me-
táfora significa inicia o e incorpora o,43 ou se a, “ o meio de
entrada no corpo de risto”.44 Invariavelmente, as referências
em ucas-Atos c . At . . recebem o significado
paulino. Tendo examinado as referências ao batismo no Espíri-
to Santo no Novo Testamento, Stott escreve:

A expressão grega é exatamente a mesma em todas


as sete ocorrências e, portanto, a priori, como sólido
princípio de interpretação, tem de referir-se à mesma
experiência batismal em cada versículo.45

Por conseguinte, quando Lucas relata o batismo do Espírito


anto, por defini o, sempre e necessariamente tem o significado
paulino.

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O Espírito Santo em Lucas-Atos

Posto ue, na teologia paulina, o “batismo no Espírito an-


to” sempre iniciat rio e incorporativo, presumem ue n o
admissível nenhuma interpretação alternativa. Por conseguinte,
di em-nos “Os argumentos pentecostais n o d o em nada”.46 Da
mesma forma, lemos “Portanto, o batismo com o Espírito n o
uma experiência de segundo estágio para alguns cristãos, mas
uma e peri ncia iniciat ria para todos os crist os”.47 Contudo,
na resenha do livro de Michael Green, I Believe in the Holy Spirit
(Creio no Espírito Santo), Clark Pinnock observa com razão:

e voc ler apenas ucas e ouvi-lo, ficará com a ní-


tida impressão de que o derramamento do Espírito
que ele tem em mente não está associado à salvação
[iniciação/incorporação], como ocorre nos escritos
de Paulo, mas está associado ao serviço e testemunho.
Portanto, Lucas não relaciona a chegada do Espírito
ao evento da salvação. [...] Mesmo os não carismáti-
cos como Green, sensíveis e abertos como são à re-
novação, parecem incapazes de admitir que os pen-
tecostais possam entender Atos melhor do que eles.48

a mesma forma, a frase de ucas “c eio do Espírito anto”


definida ou ualificada pelo uso de Paulo de frase semel ante
em Ef sios . “E n o vos embriagueis com vin o, em ue á
contenda, mas enc ei-vos do Espírito”. Ainda ue ucas use o
termo nove vezes e Paulo use-o apenas uma vez,49 o uso de Paulo
é normativo. Por exemplo, em Batismo e Plenitude do Espírito Santo,
Stott dedica alguns parágrafos aleatórios para falar sobre o uso
de Lucas da frase, mas dedica não menos que nove páginas para
falar sobre o uso de Paulo da frase.50 Mais uma vez, foi dada à
frase característica de Lucas o tom paulino, além de sua impor-
tância ser subordinada ao significado ue Paulo dá frase.
A metodologia segundo a qual Lucas é lido como se fosse
Paulo, força-o a tomar o molde paulino e priva-o de sua inde-
pendência como teólogo por legítimo direito. No mínimo, como
demonstra a tabela a seguir, a metodologia é absurda.

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A Teologia Carismática de Lucas

Lucas Paulo
“Batizado” no Espírito Três vezes Uma vez

“Cheio” do Espírito Nove vezes Uma vez

É claro que, embora a teologia não seja reduzida à mera es-


tatística, é estranho que, em cada caso, um uso de Paulo da frase
defina o uso ma oritário de ucas da mesma frase. Tendo em
vista ue o uso de ucas das e press es “bati ado no Espírito” e
“c eio do Espírito” difere do uso de Paulo, ent o esse programa
metodológico acabou, a priori, silenciando os ensinos lucanos so-
bre a doutrina do Espírito Santo.
Em relação à independência teológica geral de Lucas, I.
Howard Marshall (1934–2015) observou:

Lucas tinha direito a ter pontos de vista próprios, e


o fato de diferirem em certos aspectos dos pontos de
vista de Paulo não deve ser contado contra ele nesta
questão. Pelo contrário, ele é teólogo por direito pró-
prio e tem de ser tratado como tal.51

Portanto, como ucas “ te logo por direito pr prio”, os in-


térpretes devem examinar seus escritos com a mente aberta à pos-
sibilidade de que a perspectiva lucana sobre o Espírito Santo di-
fira da de Paulo. Por conseguinte, assim como o recon ecimento
de que Lucas é teólogo e historiador torna Lucas-Atos uma fonte
legítima para a doutrina do Espírito Santo, então o reconheci-
mento de que Lucas é independente de Paulo ampliará a fonte do
Novo Testamento para a doutrina do Espírito Santo. Reconhecer
os dois fatos é reabilitar Lucas como historiador-teólogo do Espí-
rito anto e permitir ue ele fa a uma contribui o significativa,
única e independente para a doutrina do Espírito Santo.
Os intérpretes adotam, por vezes, interpretações infundadas
de textos bíblicos que se mostram incompreensíveis com a tradi-

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O Espírito Santo em Lucas-Atos

ção teológica que advogam. É o que acontece com os relatos de


ucas sobre a rela o entre a “cren a” e a “convers o-inicia o”.
Ele fornece quatro exemplos: (1) Os discípulos no dia de Pen-
tecostes (At 2.1-21), (2) os crentes samaritanos (At 8.12, 14-17),
(3) a comunidade crente de Cornélio e sua casa (At 10.44-48;
11.17) e (4) os discípulos/crentes efésios (At 19.1, 2, 6). O teólogo
onald . loesc afirma ue “os discípulos s fo-
ram crentes no dia de Pentecostes”52 e, para ustificar a afirma o
sem fundamento, e plica “Eles foram convertidos ao camin o
da cruz, mas não ao evangelho da cruz. Aceitaram Jesus como
Messias no sentido judaico, mas não o aceitaram como Salvador
do mundo. O Espírito Santo estava com eles, mas não neles”
( Jo 14.17).53 Para encerrar o assunto de forma contundente, ele
afirma “Os discípulos, antes do Pentecostes, eram buscadores, e
n o crentes. Tin am uma f incipiente, mas n o a f ue “o po-
der para salva o ”.54 A mesma tendência encontra-se em Dunn,
que nega que os samaritanos, Cornélio ou os doze efésios fossem
crentes verdadeiros ou plenos antes de receberem o Espírito.55 E
tudo isso apesar do fato de Lucas relatar explicitamente a crença
antecedente de todas essas pessoas (At 8.12; 11.17; 19.2). Dunn
assevera como e plica o dos dados em Atos ue “a nica coisa
que importa para decidir se um indivíduo é cristão ou não é se
ele recebeu o Espírito ou n o”.56 Portanto, “o ato de eus dar
o Espírito para o indivíduo ao crer (At 2.38; 11.17; 15.9; 19.2; cf.
o . l . ”.57 Mas, como Lucas não relata tal ocorrência
em Atos , , , temos de concluir ue esses “crentes” s
foram “crentes” uando subse uentemente receberam o dom do
Espírito. omente por esse “tru ue de prestidigita o” l gico
ue unn pode interpretar ue o “batismo no Espírito anto”
diz respeito à conversão-iniciação, e não ao comissionamento-
-capacitação.
Embora se a um desafio descomunal, podemos resolver o
impasse teológico e metodológico na igreja contemporânea con-
cernente ao significado do Espírito anto em ucas-Atos. Por
um lado, quando apropriado, todas as partes no debate devem

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A Teologia Carismática de Lucas

abandonar os programas metodológicos predominantemente au-


tossuficientes, ue conspiram para silenciar ou manipular a dis-
tinta teologia de Lucas. Por outro lado, todas as partes devem
desenvolver um consenso metodológico para interpretar o dom
do Espírito em Lucas-Atos. No mínimo, o consenso tem de ter os
seguintes princípios: (1) Lucas-Atos é teologicamente homogêneo,
(2) Lucas é teólogo e historiador e (3) Lucas é teólogo independen-
te por direito próprio.
Quando Lucas-Atos é interpretado à luz desse programa me-
todológico, a mensagem de Lucas revela-se radicalmente diferen-
te de determinadas interpretações contemporâneas que lhe são
dadas. Por exemplo, comparada com certas interpretações popu-
lares, a frase característica de ucas, “c eio do Espírito anto”,
(1) é amoldada de acordo com o uso dado no Antigo Testamento
a eptuaginta , tem o mesmo significado no Evangel o como
tem em Atos e tem um significado diferente em ucas-Atos
do que na epístola de Paulo aos Efésios. Em termos gerais, para
ucas, o Espírito anto n o di respeito salva o nem santifi-
ca o, como comumente afirmado, mas e clusivamente a uma
terceira dimensão da vida cristã — o serviço. Portanto, quando
interpretado pelo programa metodológico aqui discutido, desco-
brimos que Lucas tem uma teologia carismática, e não soterio-
lógica, do Espírito Santo. A teologia carismática do Espírito não
menos válida para os discípulos no s culo do ue para os
discípulos no século I.

30

A Teologia Carismatica de Lucas.indd 30 07/06/18 09:53


O Espírito Santo no
Antigo Testamento
O Espírito Carismático de Deus

As Bíblias hebraica e grega in-


uenciaram a teologia de ucas sobre
o Espírito Santo de duas formas funda-
mentais: (1) Temas carismáticos impor-
CAPÍTULO tantes, como a transferência, o sinal e os

2
temas vocacionais, est o re etidos em
ucas-Atos e a eptuaginta ,
a tradução da Bíblia hebraica usada por
Lucas e pela Igreja Primitiva, forneceu a
Lucas a maioria dos termos que ele usou
para descrever a atividade do Espírito
Santo nos tempos do Novo Testamento.
À luz da estreita relação entre os regis-
tros anteriores e posteriores do Espírito,
o estudo da atividade carismática do Es-
pírito de Deus é introito necessário para
entendermos adequadamente o Espírito
Santo em Lucas-Atos.
O assunto do capítulo é a ativida-
de carismática do Espírito de Deus, em
vez de focar em uma investigação mais

A Teologia Carismatica de Lucas.indd 31 07/06/18 09:53


A Teologia Carismática de Lucas

geral da palavra “espírito”. Como nos lembram os léxicos con-


vencionais, tanto a palavra hebraica x:Wr como a palavra grega
pneu/ma significavam originalmente “ar em movimento”.1 A par-
tir desse conceito básico, as duas palavras passaram a significar
vento, respiração, espírito humano e espírito divino. Conotando
invisibilidade, movimento, poder e vida, x:Wr e pneu/ma foram pa-
lavras apropriadas para descrever Deus em ação. É a ideia de
“Deus em ação” que está por trás do registro bíblico da atividade
carismática do Espírito de Deus.
O termo “carismático” tem de ser distinguido do seu signifi-
cado contemporâneo, a saber, conforme é usado para descrever o
movimento neopentecostal que penetrou nas denominações his-
tóricas das décadas de 1960 e 1970.2 Uso o termo “carismático”
em sentido funcional e dinâmico. Por “carismático”, refiro-me ao
dom de Deus do seu Espírito para os seus servos, individual ou
coletivamente, para ungir, capacitar ou os inspirar para o serviço
divino. Conforme está registrado nas Escrituras, a atividade ca-
rismática é, necessariamente, um fenômeno experiencial.
Ao discutir a atividade carismática do Espírito de Deus, o
intérprete cristão tem de resistir à sutil tentação de interpretá-la
à luz do seu conhecimento cristão. Por exemplo, no Dicionário In-
ternacional de Teologia do Antigo Testamento, lemos:

O contexto aprova e a analogia do Novo Testamen-


to indica fortemente que o ruach de YHWH é o Es-
pírito Santo “no mais pleno sentido cristão” (A. F.
Kirkpatrick, “Psalms”, in: Cambridge Bible, vol. II, p.
293). Desde o início, o ruach de Deus move-se sobre
as águas primitivas (Gn 1.2) “como uma hipóstase ou
pessoa” (H. Schultz, Old Testament, vol. II, p. 184).3

Em contraste com esse ponto de vista, no livro The Spirit of


God in the Old Testament (O Espírito de Deus no Antigo Testamen-
to), Lloyd Neve faz a pergunta: “Existe alguma personalização
significativa do Espírito no Antigo Testamento?”4 e responde: “A

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A Teologia Carismatica de Lucas.indd 32 15/05/18 09:37


O Espírito Santo no Antigo Testamento

conclusão é excessivamente negativa: Não há a personalização


do Espírito dentro dos limites do Antigo Testamento”.5 Portanto,
a despeito da voz minoritária representada pelo Dicionário Interna-
cional de Teologia do Antigo Testamento, na Bíblia hebraica, o Espírito
de Deus não é nem plenamente pessoal, nem o terceiro membro
da Trindade. Essas são verdades cristãs, não hebraicas.
O estudo da atividade carismática do Espírito de Deus que
o leitor tem em mãos é dividido em duas partes. Na parte um, eu
investigo o Espírito carismático nos tempos do Antigo Testamen-
to e, na parte dois, investigo o Espírito carismático no período
intertestamentário.

Parte 1: O Espírito Carismático nos Tempos


do Antigo Testamento
Os textos que descrevem a atividade carismática do Espírito
de Deus nos tempos do Antigo Testamento são de caráter histó-
rico e profético. Investigarei quatro aspectos desses dados: (1) A
distribuição cronológica da atividade carismática do Espírito, (2)
a terminologia da Septuaginta que descreve a atividade carismá-
tica, (3) os temas característicos da atividade do Espírito e (4) as
expectativas proféticas para a atividade carismática do Espírito
na vindoura era da restauração.

A Distribuição da Atividade Carismática

A distribuição da atividade carismática do Espírito de Deus


na ist ria israelita significativa. A distribui o n o omog -
nea. Em outras palavras, o Espírito de Deus não está regular e
consistentemente ativo ao longo da história de Israel. Tampouco
a distribuição é aleatória. Em vez disso, a atividade carismática
do Espírito de Deus é dividida em cinco períodos claramente de-
finidos, ue correspondem s fases críticas no desenvolvimento
político e religioso da nação. Os períodos da atividade carismá-

33

A Teologia Carismatica de Lucas.indd 33 07/06/18 09:53


A Teologia Carismática de Lucas

tica são: (1) A fundação da nação no deserto, (2) o período dos


juízes, (3) a fundação da monarquia, (4) o tempo de Elias e Eliseu
e (5) o período do exílio e restauração.
As primeiras manifestações repentinas e intensas da atividade
carismática estão associadas à fundação da nação de Israel no de-
serto. Anteriormente, Abra o fora identificado como profeta n
20.7), mas o movimento profético em Israel nasceu no tempo de
Moisés. Começando com o episódio da sarça ardente, Deus repeti-
damente revela a si mesmo e seus planos e propósitos para Moisés
“boca a boca” ve a m . - “face a face”, . a fun o de
líder-profeta de Israel, Moisés é o agente de Deus relativo aos sinais
e maravilhas redentores (Sl 78.12-20). Ele também intercede repeti-
damente pelo Israel muitas vezes teimoso, caracteristicamente pela
f rmula “E ele ois s clamou ao SENHOR” . . a fun o
de líder carismático político e espiritual de Israel, Moisés tem sobre
si o Espírito (Nm 11.17). Para dividir o encargo da liderança proféti-
ca, o en or, “ ... tirando do Espírito ue estava sobre ele [Moisés],
o p s sobre a ueles setenta anci os ... ” m . , grifo meu .
Não foram apenas os setenta anciãos que receberam o Es-
pírito de profecia, pois outros indivíduos também receberam o
Espírito. Por exemplo, os trabalhadores que foram encarregados
da confecção do vestuário sacerdotal de Arão ou da construção
do tabernáculo receberam habilidades artísticas por meio do en-
c imento do espírito de sabedoria e ou do Espírito de eus
28.3; 31.3; 35.31). Semelhantemente, o enigmático Balaão pro-
fetiza quando o Espírito de Deus vem sobre ele (Nm 23.5; 24.2).
Na qualidade de herdeiro presumido de Moisés, Josué, que ante-
riormente recebera o Espírito entre os anciãos, é posteriormente
cheio do Espírito e/ou do espírito de sabedoria (Nm 27.18; Dt
34.9). Portanto, na fundação de Israel, o Espírito está ativo em
diversas funções, concedendo habilidades para artesãos, capaci-
tando líderes como indivíduos ou como grupo e inspirando um
não israelita itinerante a profetizar.
A variedade que caracterizou a atividade carismática do Es-
pírito na fundação de Israel está ausente no tempo dos juízes.

34

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O Espírito Santo no Antigo Testamento

Nesse período caótico e trágico da antiga história de Israel, a


atividade do Espírito era exclusivamente restrita aos juízes. Em
tempos de arrependimento nacional, Deus levantou juízes para
libertar Israel dos opressores. Muitos, embora não todos os juí-
es, eram carismáticos. Por e emplo, “veio sobre Otniel o Es-
pírito do SENHOR e ulgou a srael” . . Al m do mais, o
Espírito do Senhor veio sobre Gideão, Jefté e Sansão ( Jz 6.34;
11.29; 13.25; 14.6,19; 15.14). Portanto, os juízes são guerreiros
carismáticos que receberam perícia militar pelo dom do Espírito.
A fundação da monarquia para suceder aos juízes é caracte-
rizada pela manifestação repentina e intensa de atividade caris-
mática concentrada nos dois primeiros reis de Israel, Saul e Davi.
Completando a unção que Saul recebera por Samuel, o Espírito
do Senhor veio sobre ele, e ele profetizou (1 Sm 10.1-10). O Espí-
rito do Senhor viria sobre Saul mais duas vezes (1 Sm 11.6; 19.23)
e uma vez em seus mensageiros (1 Sm 19.20) antes de Saul per-
der o reinado para Davi. Assim como o Espírito do Senhor veio
sobre Saul quando ele foi ungido por Samuel, assim o Espírito
veio sobre Davi quando ele também foi ungido por Samuel (1 Sm
16.13; 2 Sm 23.2). Com os descendentes de Davi, a monarquia
em Israel torna-se hereditária e perde o caráter carismático que
era evidente na unção de Saul e Davi.
A missão de chamar Israel de sua apostasia para voltar à
fidelidade ao en or dominada por Elias e Eliseu, e cepcionais
profetas carismáticos. Um servo de Acabe esperava que o Espíri-
to do Senhor tomasse Elias, de modo que ele não fosse encontra-
do s . . Por sua ve , os fil os dos profetas acreditavam
“ ... pode ser ue o elevasse o Espírito do SENHOR e o lançasse
em algum dos montes ou em algum dos vales ... ” s . .
Antes de Elias ser levado ao céu, Eliseu pediu-lhe que uma por-
ção dobrada do seu espírito fosse dada a ele (2 Rs 2.9). Quando
Eliseu retornou a eles, os fil os dos profetas recon eceram ue “o
espírito de Elias repousa sobre Eliseu” s . .
O exílio babilônico e a subsequente restauração também são
um tempo de atividade carismática. De todos os profetas clás-

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A Teologia Carismática de Lucas

sicos, Ezequiel é quem está mais cônscio do poder do Espírito


do Senhor em sua vida (Ez 2.2; 3.12,14,24; 8.3; 11.1,5,24; 37.1;
43.5). O cronista pós-exílico associa constantemente o dom do
Espírito ao discurso inspirado, com ênfase particular nos profetas
e sacerdotes. Essa identifica o ocorre com o dom do Espírito
dado a Amasai (1 Cr 12.18), a Jaaziel, o levita (2 Cr 20.14,15), e a
acarias, fil o do sacerdote oiada r . . Em retrospecti-
va, reconhecia-se que o Espírito também fora dado aos israelitas
para instruí-los (Ne 9.20) e testemunhar contra eles (Ne 9.30).
Tendo esboçado a distribuição cronológica da atividade ca-
rismática do Espírito de Deus, tiraremos agora algumas conclu-
s es sobre seu significado. Primeiro, os cargos ue correspondem
aos cinco períodos do desenvolvimento político e religioso de Is-
rael são carismáticos. Em Moisés, Josué e os anciãos, a nação
incipiente tem seus pais fundadores. Em Otniel, Gideão e outros,
a sociedade tribal tem seus guerreiros carismáticos. Em Saul e
Davi, a confederação tribal tem seus reis carismáticos. Em Elias
e Eliseu, o Israel apóstata tem seus profetas carismáticos. Em
E e uiel e acarias, fil o do sacerdote oiada, udá, durante o
exílio e a restauração, tem seus profetas e sacerdotes carismáti-
cos. Com poucas exceções, a atividade carismática do Espírito
de Deus concentra-se sucessivamente nos pais fundadores, juízes,
reis, profetas e sacerdotes.
Segundo, não há continuidade experiencial entre os cin-
co períodos da atividade carismática do Espírito. Com exce-
ção do tempo dos juízes, os períodos de atividade carismática
est o cronologicamente definidos e separados por lacunas de
dois séculos ou mais. Os textos demonstram que a cessação da
experiência carismática em qualquer período nunca é perma-
nente ou irrevogável. A nação sempre pode antever um futuro
derramamento do Espírito, tal como os profetas predizem para
a futura era do Messias. Já que é o Deus de Israel quem dá o
seu Espírito nesses períodos-chave do desenvolvimento político
e religioso de Israel, a continuidade acha-se nEle, e não nos
recebedores do Espírito.

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A edição atualizada é verdadeira
aos pressupostos fundamentais da
primeira edição:
O SIGNIFICADO DA ATIVIDADE DO ESPÍRITO SANTO EM LUCAS-ATOS
E SUAS IMPLICAÇÕES PARA HOJE 1. O Evangelho de Lucas e o livro de
Nesta obra, o termo “carismático” tem de ser distinguido do seu significado contemporâ- Atos dos Apóstolos são um livro de
neo, a saber, conforme é usado para descrever o movimento neopentecostal que pene- dois volumes: Lucas-Atos.
trou nas denominações históricas das décadas de 1960 e 1970. Por “carismático”, o autor
2. Estes volumes têm o mesmo autor,
refere-se ao dom de Deus do seu Espírito para os seus servos, individual ou coletivamen-
te, para ungir, capacitar ou os inspirar para o serviço divino. Conforme está registrado nas que é tradicionalmente identificado
Escrituras, a atividade carismática é, necessariamente, um fenômeno experiencial. como Lucas, figura neotestamentária.
3. Ambos os volumes são do mesmo
Este livro oferece um estudo convincente e provocador de Lucas como teólogo caris-
mático, cujo entendimento do Espírito foi moldado pelo que ele entendia de Jesus e da gênero, a saber, narrativa histórica.
natureza da Igreja Primitiva. Roger Stronstad situa a pneumatologia de Lucas no con- 4. A narrativa de Lucas é historicamente
texto histórico do judaísmo e vê Lucas como teólogo independente que faz contribuição confiável.
exclusiva para a pneumatologia do Novo Testamento.
5. Embora o gênero de Lucas-Atos
A Teologia Carismática de Lucas reexamina o impacto do Pentecostes e explora o papel seja narrativa histórica, Lucas relata a
do Espírito em preparar o povo de Deus para a tarefa inacabada de missões.
história sacra e, portanto, escreve com
ROGER STRONSTAD ●●● propósitos didático e teológico.
(Mestre de Cerimônias pela Regent “Na minha opinião, A Teologia Carismática de Lucas é o mais importante livro de estudos 6. Lucas é teólogo único e indepen-
College e Doutor em Divindade pela bíblicos já escrito por um pentecostal. Obra verdadeiramente seminal, o livro causou mu-
dança sísmica no terreno acadêmico dos estudos bíblicos pentecostais, mudando para
dente entre os escritores do Novo
Christian Bible College) é diretor e pro- Testamento.
sempre o caráter fundamental, ao mesmo tempo em que enviava tremores em todas as
fessor adjunto de Bíblia e teologia na direções fora da tradição.”
Summit Pacific College, em Abbots- — John Christopher Thomas, Pentecostal Theological Seminary, Cleveland
ford, província canadense da Colúm- Os pressupostos supracitados ilus-
“É o trabalho mais influente sobre a pneumatologia de Lucas nesta geração! Há vinte e tram que escrevo dentro da tradição
bia Britânica.
cinco anos, Roger Stronstad solidificou minhas primeiras convicções sobre a atividade da erudição evangélica. Escrevo tam-
É autor de muitos artigos e de seis li- do Espírito Santo. Hoje, meus alunos ecoam o mesmo refrão.” bém de dentro da tradição do pente-
vros, entre eles A Pentecostal Biblical — Martin Mittelstadt, Evangel University, Springfield
costalismo, a saber, como alguém que
Theology: Turning Points in the Story “Com a publicação de A Teologia Carismática de Lucas em 1984, a erudição pente- foi batizado no Espírito Santo com o
of Redemption. É também coeditor costal sobre Lucas-Atos apresentou-se à comunidade acadêmica. Ao rastrear padrões sinal atestado de falar em outras lín-
do Comentário Bíblico Pentecostal: narrativos e considerar as técnicas de narrativa de Lucas, Roger Stronstad descobriu o
guas. […] O estudioso pentecostal do
Novo Testamento, 2 volumes (CPAD). que Lucas entende sobre a missão de Cristo e da Igreja, bem como sobre a natureza do
poder do Espírito para pô-la em prática.” século XXI sabe, em parte, por expe-
— Van Johnson, Master’s Pentecostal Seminary, Toronto riência factível, que Lucas relatou ex-
periências anteriormente factíveis de
“Este livro é contribuição sólida para a teologia pentecostal e responde com sucesso aos
tipo semelhante.
críticos que afirmam que a teologia pentecostal é exegeticamente fraca. Recomendo este
livro enfaticamente para todo estudante sério que estuda o Espírito Santo e a Palavra.”
— Gary M. Burge, Pneuma: The Journal of the Society for Pentecostal Studies

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