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teologia política são os discursos que reivindicam a presença da religião na esfera pública é cerca de dois séculos
atrás religião e política andavam juntas. A coisa começou a mudar quando o Iluminismo propôs que o Estado deveria
ser laico, ou seja, pautado pela lógica racional. Esta filosofia animou várias correntes que quando chegaram ao poder
limitaram a influência política das religiões. Porém, até hoje as religiões tentam responder a isso, buscando
reintroduzir os textos sagrados como elementos capazes de influenciar a vida pública e pelo que Boaventura
percebeu tais respostas teológicas podem ser distribuídas entre dois extremos
Enquanto instituição é importante trazer suas caraterísticas gerais, visto que o
estudo institucional é caro as ciências sociais e história. A força da instituição também
tem ressonância cultural com o fenômeno ora estudado.
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Em abril de 1998, a CGADB abriu processo contra a Assembleia de Deus - Ministério Madureira, pelo uso
indevido de nome Igreja Assembleia de Deus, caso este levado até o STJ, donde se decidiu que o uso de nome de
igreja não se equipara à empresa, desde que diferenciado por outro patronímico, no caso ministério X ou Y,
apresentado como diferenciação após o uso de nome central. Ou seja pode se ter assemblai de Deus acrescida de
outro nome como é o caso Assembleia de Deus Madureira ou assembleia de Deus Ipiranga. No caso, Assembleia de
Deus não confunde os produtos ofertados, além disso, a igreja já estava em funcionamento há mais de 40 anos
quando do processo, e prescreve em cinco anos para esse tipo de ação, conforme entendimento já firmado em súmula.
Não há, juridicamente, a possibilidade de uso de nome exclusivo por uma só parte do processo do nome igreja
Assembleia de Deus. STJ - Certidão de Julgamento. Resp 66.529/SP (STJ), decidiu o colendo órgão com base na lei
Lei 9.279/96 (que trata de marcas e patentes) em seu Art. 124. Não são registráveis como marca: III - expressão,
figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de
pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimento dignos de respeito e
veneração; (grifos pelo relator) e se o órgão é registrado como entidade sem fins lucrativos portanto não temos
interessem em consumidores ou em lucro o que tem consequência direta sobre o uso do nome: Diz a supra citada Lei:
Art. 43. O disposto no artigo anterior não se aplica:
I - aos atos praticados por terceiros não autorizados, em caráter privado e sem finalidade comercial,
desde que não acarretem prejuízo ao interesse econômico do titular da patente;(grifos nosso). Assim já se decidiu o
colendo STJ:
“Não há meios jurídicos que garantam a propriedade do nome de religioso, "podendo ser ostentado,
pronunciado, venerado e adotado por quantos seguidores e/ou cultores tenha ou venha a ter, individualmente ou
organizados em associações" (acórdão estadual), haja vista o que ordinariamente acontece com as igrejas cristãs pelo
mundo afora. 4. Recurso especial fundado na alínea a, de que a Turma não conheceu.(REsp 66.529/SP, Rel. Ministro
NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 21.09.1999, DJ 19.06.2000 p. 138). In: BRASIL, livro
atualizado de jurisprudência da corte do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 66.529, originário do tribunal
de Justiça de São Paulo, edição 1999, 20 de dezembro de 1999, casa publicadora dos acórdãos do STJ.
repudiados pela igreja católica, salvo se reconhecidos pelo papa no âmbito da santidade
e violentamente reprimidos, inclusive com a morte, até o Segundo Concílio do Vaticano.
Segundo o Dicionário do Movimento Pentecostal, o verbete Pentecostal se refere
a quem tem uma experiência de batismo com o Espírito Santo, é o adepto que crê na
possibilidade de receber a mesma experiência que os apóstolos receberam no dia de
Pentecostes (ARAUJO, 2007) e que está descrita na Bíblia, no livro de Atos dos
Apóstolos 2.1-13 (BÍBLIA, 1995). De acordo com o verbete, tal batismo se manifesta
nas seguintes formas: glossolalia, êxtase religioso, poderes de cura, poderes de profecia
ou revelação, dom de Sabedoria e de Conhecimento, dom da Fé, dom de Operação de
Milagres, dom de Discernimento de Espíritos, dom de Interpretação e de variedade de
Línguas (acreditam ser a manifestação de Glossolalia recorrente nesses cultos) e outros,
que seriam os dons dados pelo Espírito Santo descritos na primeira epistola aos
Coríntios 12:7-10 da Bíblia Sagrada3. Essas características classificam teologicamente
um pentecostal.
Não obstante de tal repressão, os carismas continuavam a se manifestar
esporadicamente na história religiosa, com grupos como os cátaros, os begardos e
beguinas, e o apocaliptismo de Gioacchino da Fiore, no século 12 (BRANDT, 1977). O
rei de Portugal, D. Afonso V, queria trazer suas navegações na África e Ásia para a Era
do Espírito Santo, mesmo que à força (RIBEIRO, 1993), e não foi considerado herege
pela igreja católica por conta de suas ricas contribuições à Cúria Romana.
Dessa forma, pode-se perceber a razão pela qual os fortes elementos simbólicos
do pentecostalismo enfatizam o sentido de pertencimento ao grupo. Segundo Walter
Hollenweger (1976), pode-se dizer que esta forte consciência de pertença a uma
comunidade relativiza a insegurança, os problemas do desemprego, o alcoolismo, enfim,
as mazelas da vida social, pois o crente está incorporado a uma família de irmãos, onde
há mútua ajuda e nortes éticos bem definidos (HOLLENWEGER, 1976). Como atesta
Beatriz Souza, o “batismo do Espírito Santo”, bem como o “das águas”, reforçam a
solidariedade e a coesão grupal, pois constituem bênçãos individuais compartilhadas e
sancionadas pela congregação dos fiéis (SOUZA, 1969, p. 137).
Leonildo Silveira Campos (2005) privilegia o enfoque sociológico, destacando
como as peculiaridades culturais e as transformações sociais e econômicas dos Estados
Unidos no século 19 contribuíram para a ocorrência do fenômeno. Os carismas ganham
3
Usamos para a nossa análise a Bíblia de Estudo Pentecostal.Trad. João Ferreira de Almeida. Edição rev. E
corrigida. Rio de Janeiro - RJ: CPAD-1995
notoriedade no país, por exemplo, quando a imprensa passa a dar enfoque a tais fatos
nesse período.
Com a crise europeia do final do séc. XVIII e início do séc. XIX, imigrantes
com culturas híbridas chegavam às Américas. Desejosos de um recomeço, várias
correntes culturais, políticas e também religiosas desembarcavam em busca de
esperança no novo mundo. Tais emendas religiosas não foram bem aceitas pelo
puritanismo estadunidense. A reação foi rechaçar aos imigrantes e o estabelecimento de
ideais religiosos de pureza e santidade pelos norte-americanos.
A história da Assembleia de Deus tem as suas raízes em Chicago, cidade norte-
americana cuja população era constituída em boa parte por imigrantes e onde o
pentecostalismo eclodiu para o mundo. Entre os imigrantes estavam dois suecos de
origem batista: Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1885-1963). Vingren foi
para os Estados Unidos em 1903 e estudou no seminário da igreja batista sueca em
Chicago. Em seguida, pastoreou algumas igrejas e abraçou o pentecostalismo, época em
que conheceu o colega Daniel Berg (BARTLEMAN, 2010).
As duas igrejas pioneiras do pentecostalismo brasileiro tiveram sua origem em
Chicago, por meio do ministério de William H. Durham. Um dos seus discípulos foi o
italiano Luigi Francescon (1866-1964), que se estabeleceu nos Estados Unidos em 1890
(ALENCAR, 2011). Em Chicago, foi um dos fundadores da Igreja Presbiteriana Italiana
daquela cidade. Em 1903, foi batizado por imersão e passou a reunir-se com um grupo
holiness, até descobrir a mensagem pentecostal na igreja do pastor Durham. Foi
batizado com o Espírito Santo em 1907. Em 1909, ele e Giacomo Lombardi foram para
Buenos Aires, onde abriram uma igreja. No início do ano seguinte, Francescon visitou
São Paulo e a pequena Santo Antônio da Platina, no Paraná. Em uma segunda visita, em
junho de 1910, criou a Congregação Cristã, que resultou na Igreja Presbiteriana do Brás,
constituída em boa parte por italianos (BARTLEMAN, 2010).
Eclesiasticamente falando, os pentecostais consideram-se povo/exército dos
remidos pelo sangue de Jesus, comunidade dos renascidos e dirigidos pelo Espírito
Santo (HOLLENWEGER, 1976, p. 425). O sentimento de pertença e acolhida não é
circunscrito apenas ao nível da congregação local. Esse sentimento é macro, pois se
estende à organização eclesial como um todo. Dessa forma, o intercâmbio de crentes de
igrejas menores para com igrejas sede reforçaria laços de união e mútua ajuda. Os
crentes de templos diferentes que se encontram, por exemplo, no templo sede de uma
região, fazem trocas como fazem com seus pares locais, falando dos progressos de sua
congregação, do trabalho lá realizado, de como Deus está abençoando a obra etc.
(ROLIM, 1987, p. 44).
Outro aspecto muito presente na vida comunitária pentecostal, especialmente em
atos simbólicos como as vigílias, jejuns e cultos, é o convite às pessoas para “o
testemunho sobre a ação de Deus em suas vidas” (CAMPOS JR, 1995, p. 69). O crente
pode ser convidado, mas sabe que tem ali o espaço para espontaneamente relatar sobre a
presença de Deus em sua vida, no trabalho, na família; como Deus o teria curado de
uma doença; da proteção de Deus num momento difícil etc.
Segundo Antoniazzi (1996), o pentecostalismo se caracteriza como uma
experiência religiosa ou como uma espiritualidade cristã, mais do que uma particular
interpretação do cristianismo. Não se trata, por exemplo, de uma teologia do Espírito
Santo, mas de uma maneira de se relacionar com o divino, que crê sentir a presença
ativa do Espírito na comunidade dos crentes e que percebe a manifestação do poder de
Deus no indivíduo. Ou seja, Deus, agiria diretamente através do Espírito Santo em suas
vidas, suas liturgias, sua vida econômica, sua saúde etc. Sobre essa perspectiva,
corroboram excelentes obras que trabalham a história do pentecostalismo, como Rolim
(1985), Mariano (2008), Gedeon Alencar (2013) e, do ponto de vista subjetivo, Emilio
Conde (2011).
A ação direta da figura trinitária do Espírito Santo foi diversas vezes relatada no
Antigo Testamento, principalmente sob a forma de profecias, mas nunca da forma mais
perceptível, as línguas estranhas, ou seja, a glossolalia. Esta, segundo Degrandis (2000),
é tida como uma demonstração externa, evidente e pública, pelos fiéis, de que têm
contato com o Espírito Santo. Esse sinal está ligado ao que ocorreu no evento de
Pentecostes, segundo o relato bíblico expresso no livro Atos dos Apóstolos (At 2,1-12),
E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no
mesmo lugar; E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente
e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas
por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada
um deles.
E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas,
conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. ¶ E em Jerusalém
estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão
debaixo do céu.
E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa,
porque cada um os ouvia falar na sua própria língua.
E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não
são Galileus todos esses homens que estão falando?
Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos
nascidos?
Partos e Medos, Elamitas e os que habitam na Mesopotâmia, Judéia,
Capadócia, Ponto e Asia,
E Frígia e Panfília, Egito e partes da Líbia, junto a Cirene, e forasteiros
romanos, tanto judeus como prosélitos,
Cretenses e árabes, todos nós temos ouvido em nossas próprias línguas falar
das grandezas de Deus.
E todos se maravilhavam e estavam suspensos, dizendo uns para os outros:
Que quer isto dizer? (BÍBLIA, Atos 2:1-12).
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Que contrariavam os costumes conservadores dos cristãos, como a pílula anticoncepcional, cinema e rádio.
A ação do Espírito nos homens configura-se forma numinosa (segundo a
filosofia da religião de Rudolf Otto, aplica-se ao estado religioso da alma inspirado
pelas qualidades transcendentais da divindade) de experiência religiosa que se perfaz na
revelação, tratando-se da noção de religião que se revela por conhecimento inspirado
pela crença. A inspiração religiosa é percebida como um conteúdo revelacional e
infalível que parte da divindade, direta e especificamente a alguém, sendo este o
recipiente da mensagem. É uma intervenção da crença no sobrenatural, tendo como
objetivo comunicar alguma verdade em relação ao propósito da vontade da divindade,
ou o que ela deseja do mensageiro. Para o pentecostal, o poder de Deus não é uma teoria
abstrata, mas uma verdade experimentada. O discurso sobre o poder de Deus nasce do
testemunho que o Espírito Santo dá deste poder na vida do crente (D’EPINAY, 1970, p.
99).
Nos últimos anos do século 19, surgiram as primeiras denominações do
movimento de santidade: a Igreja de Deus em Cristo (1897), em Lexington,
Mississipi, e a Igreja Pentecostal Holiness (1898), em Goldsboro, Carolina do
Norte. Ao aproximar-se o século 20, todas essas correntes do movimento de
santidade tinham em comum uma mentalidade, linguagem e simbologia
“pentecostal”, valorizando altamente a experiência do batismo “com”, “do”
ou “no” Espírito Santo narrada em Atos 2. (MATOS, 2006. p. 34).
Já no século XX, nos Estados Unidos, dois grupos chamam a atenção: a Escola
Bíblica Betel em Topeka (Kansas), em 1901, e um antigo templo metodista em Azusa
Street, Los Angeles. A localização geográfica não é ocasional. Ela revela o contexto não
somente religioso, mas também sócio-cultural que marca o pentecostalismo moderno.
Charles Fox Parham (1873-1929) funda sua escola bíblica na cidade de Topeka, Kansas,
onde ensinava a glossolalia – o falar em línguas desconhecidas ou estrangeiras, primeiro
sinal da manifestação do batismo no Espírito Santo, tão popular nos círculos holiness.
Foi essa característica que se tornou a marca distintiva do movimento pentecostal. Por
algum tempo, ele chegou a acreditar que os crentes receberiam o conhecimento
sobrenatural de línguas terrenas para que pudessem rapidamente evangelizar o mundo
(CAMPOS, 2005).
Ocorre que Parham era altamente racista, um produto de seu tempo e cultura
como fazendeiro, e não permitia que negros e latinos ouvissem seus ensinamentos.
Porém, William Joseph Seymour, um garçom negro que trabalhava para Parham, ouvia
suas lições do lado de fora do salão, assimilando seus ensinamentos. Algum tempo
depois, Seymour visitou uma igreja batista para negros. Nela, conseguiu alguns adeptos
para a teologia pentecostal, já caracterizada por manifestações físico-religiosas como
lamentos, quedas no chão, glossolalia, profecias e contorções (HOLLENWEGUER,
1976).
O crescimento desses movimentos, em direção ao oeste daquele país, onde as
consequências da escravidão marcavam fortemente a vida da população negra, se
mostrou como uma superação social do racismo vigente, e logo chamou atenção da
comunidade e da imprensa, por se tratar de uma reunião religiosa de brancos e negros,
além das manifestações extáticas. O racismo, entretanto, fez com que o movimento
fosse duramente criticado por parte da imprensa, embora tais notícias servissem mais
como propaganda. Alugou-se um edifício de madeira na Azusa Street, centro comercial
de Los Angeles. Esse prédio havia abrigado uma igreja metodista negra e,
posteriormente, tinha sido usado como cortiço e estábulo. O principal jornal da cidade
mandou um repórter ao local e este escreveu em 18 de abril de 1906, ridicularizando os
fenômenos presenciados. Esse artigo, intitulado “Estranha babel de línguas”5, funcionou
como propaganda gratuita e, logo em seguida, ocorreu o fenômeno conhecido como
“Avivamento da Rua Azusa” (MATOS, 2006).
Cerca de 13.000 pessoas passaram pelo local (MATOS, 2006) e ouviram a nova
mensagem pentecostal. Um bom número de pastores respeitáveis foi investigar o que
ocorria. Muitos demonizaram o movimento; outros, porém, acabaram se rendendo ao
que presenciaram. Uma forte influência para o movimento provavelmente fora a união e
a semente das lutas contra o racismo. Afinal, em uma igreja “revelada” não pode haver
discriminação, já que “O Espírito Santo, no derramamento de dons e em seu batismo,
não faria acepção de lugar, hora, sexo, grau de instrução da pessoa” (ROLIM, 1985, p.
207).
Fig 4- Missão da fé apostólica do evangelho – a famosa igreja da Rua Azusa, ao lado William
Seymour.
O sucesso do movimento pentecostal e seu crescimento pode ter-se dado mais
aos seus avanços sociais do que sua teologia, “Os crentes, por mais que possa haver
5
«Weird Babel of Tongues» Manchete principal do jornal Los Angeles Daily Times, de 18 de Abril de 1906.
hierarquias na constituição da igreja, são iguais quanto aos direitos de produção e
usufruto dos bens religiosos” (ROLIM, 1985, p. 17). Algum tempo depois, vários
grupos semelhantes foram formados em território norte-americano. Organizou-se, então,
o grupo Missão da Fé Apostólica da Rua Azusa. Posteriormente, um seguidor da
doutrina William H. Durham abriu outra igreja em Chicago. O movimento rapidamente
se expandiu para a América Latina, primeiro no Chile (1909) e logo em seguida no
Brasil (1910).
A primeira manifestação de entusiasmo religioso no protestantismo brasileiro é
atribuída por Émile Léonard (1988) ao movimento liderado por Miguel Vieira Ferreira
(1837-1895). Esse engenheiro, presbítero e pregador leigo da Igreja Presbiteriana do
Rio de Janeiro, membro de uma família aristocrática de São Luís do Maranhão,
acreditava que Deus ainda se revelava diretamente às pessoas, como nos tempos
bíblicos. Funda no Brasil a Igreja Evangélica Brasileira, que ao menos nos primeiros
momentos de sua existência é caracterizada por revelações e profecias (SOUZA, 1969,
p. 25).
No entanto, essa igreja não carrega o espírito de irmandade que os estrangeiros
pregavam e nem tinham os costumes, opiniões e resguardo financeiro típicos dos
presbiterianos. Outros relatos são observados, tais como o que diz respeito à vidente
Jacobina, imigrante alemã no Rio Grande do Sul, “que entrava em transe e recebia as
revelações diretamente de Deus.” Este fato aconteceu entre 1873-74 e foi chamado de
movimento “Mucker”. Outro caso, foi o de Pedro Graudim na cidade de Guaramirim -
SC (CAMPOS & GUTIERREZ, 1996).
Gunnar e Vingren partem dos EUA, a partir de uma história contada como
revelação pelo Espírito Santo, para vir ao Pará. No diário de Vingren, ele conta todas as
dificuldades e de como Deus teria possibilitado, inclusive financeiramente, a viagem até
o Brasil. Porém, é possível também creditar que tal viagem à grande corrente migratória
influenciada pelo ciclo da borracha no Brasil (ALENCAR, 2013).
Alencar (2013) descreve a difícil relação entre brasileiros e suecos após um
tempo de convivência, e a transição da Assembleia de Deus de um ethos sueco para um
ethos tipicamente brasileiro, tornando-se uma igreja brasileira cheia de jeitinhos e
prevalência de interesses. Do ponto de vista do fiel, porém será uma igreja santificada e
benéfica para sua identidade. Marcada pela pluralidade e complexidade, a história
pentecostal brasileira não apresentou uma única matriz histórica. As duas primeiras
igrejas pentecostais no Brasil, a Congregação Cristã (1910) e a Assembleia de Deus
(1911), apresentavam diferenças desde a fundação, especialmente em suas doutrinas e
cultos.
Já as igrejas deuteropentecostais, classificadas por Freston (1994) como “a
segunda onda”, que significa segundo pentecostalismo (o termo deutero significa
segundo, advém de deuteronômio, que significa segunda lei) são igrejas que surgem
adaptadas às diversas mudanças culturais advindas do processo de urbanização, e
carregam certo rompimento com elementos que o tradicionalismo moral típico das
igrejas pentecostais. Enfatizam a liberdade de culto (o que não se aplica a IPDA 6, que
tem em sua característica um ideário ético e litúrgico extremamente conservador), a
cura divina e novas formas de expressão litúrgica. Segundo a pesquisa de Mariano
(1995), seriam as dissidentes das pentecostais clássicas, que, a partir da década de 50,
começaram a surgir. Dentre elas, as mais conhecidas são: O Brasil para Cristo (1955),
Deus é Amor (1962), Casa da Benção (1964), Evangelho Quadrangular (1964), entre
outras.
A outra vertente do ramo pentecostal, que começou a surgir nas décadas de 70 e
80, é o neopentecostalismo. Segundo Freston (1994), essa é a terceira onda pentecostal.
São elas: Universal do Reino de Deus (1977) – a principal, a Igreja Internacional da
Graça (1980), e Cristo Vive (1986). Estas três, ao lado de Comunidade Evangélica Sara
Nossa Terra (1976), Comunidade da Graça (1979), Renascer em Cristo (1986) e a Igreja
Nacional do Senhor Jesus Cristo (1994). Essa são as referências principais desse novo
momento. Sua característica basilar, que as diferencia das clássicas, além dos dons de
cura, o falar em línguas que é tipicamente marcante no pentecostalismo, é a ênfase na
teologia da prosperidade. Sobre isso nos diz Matos (2006):
Ao lado das manifestações espirituais extraordinárias como glossolalia,
curas, profecias e exorcismo, os carismáticos e neopentecostais brasileiros
caracterizam-se por uma forte ênfase na “teologia da prosperidade,” outra
influência norte-americana, difundida por líderes como Kenneth Hagin e
Benny Hinn. Este tem sido um dos principais elementos do maior fenômeno
ocorrido no protestantismo brasileiro nas últimas décadas: a Igreja Universal
do Reino de Deus (IURD). (Matos, 2003, p.48).
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Na edição de 6 de junho 2011 a revista Veja fala da importância da musica entre os evangélicos, e que eles
se tornam os novos celeiros de musica erudita no Brasil, inclusive relata na reportagem que o atual maestro da
OSESP é membro da ADs. Disponível em: http://veja.abril.com.br/060607/p_104.shtml, acesso em 21/08/2014.
Assim, são registrados os relatos resumidos por Conde (2011), mostrando
também o crescimento da igreja em seus primeiros anos:
Os pioneiros logo conhecem Raimundo Nobre, que aceita a mensagem os
missionários passaram a congregar e a morar nas dependências do templo.
Enquanto Gunnar Vingren estudava a língua portuguesa, Daniel Berg
trabalhava como caldeireiro na Port of Pará Co., profissão que aprendera
quando trabalhou nos EUA. No dia 8 de junho de 1911, à 1h da madrugada, à
Rua Siqueira Mendes, 67, a irmã Celina de Albuquerque recebeu o batismo
no Espírito Santo. Foi a primeira cristã brasileira, membro da Igreja Batista, a
receber o Batismo. Amanhece e irmã Maria Nazaré vai à casa de José Batista
de Carvalho, à Avenida São Jerônimo, 224, falar do batismo de Celina
Albuquerque. Os primeiros batismos no Espírito Santo, conforme registros na
própria agenda de Gunnar Vingren foram os seguintes:
Aliado ao trabalho de colportagem, Berg relata que vendeu mais de 10.000 livros
entre Bíblias, Novos Testamentos e outros livros, embora esse número não tenha sido
confirmado. Em pouco tempo, vinte igrejas se formaram entre Belém (PA) e Bragança
(PA). O trabalho de Berg consistia do contato pessoal com cada indivíduo, da visita de
porta em porta, falando sobre Jesus e orando pelos enfermos, era evangelização pessoal
de missão. Um dado interessante e importante a apontar é que a maioria das pessoas que
alegam serem batizadas com o Espírito são mulheres, e esse contexto abre portas para
novos estudos sobre a grande presença feminina nas igrejas pentecostais, especialmente
quando a vida dessas mulheres é estruturada sem a presença de um parceiro afetivo.
A igreja pentecostal no Brasil tomava forma e, com a conversão de novos fiéis,
Vingren e Berg escrevem à igreja de Estocolmo pedindo reforços para ajudar na missão
de evangelização. No dia 25 de outubro de 1914, chegam ao Brasil outros missionários
suecos: o casal Adina-Otto Nelson. Em 1914, Gunnar Vingren e Otto Nelson levam a
mensagem ao Estado de Alagoas e no mesmo ano, Manoel Francisco Dubu anuncia o
Evangelho no Estado da Paraíba. Em 1915, Cordolino Teixeira Bastos leva a mensagem
pentecostal para Roraima e, um ano depois, Adriano Nobre leva a palavra bíblica
pentecostal para Pernambuco.
No ano de 1914, a mensagem pentecostal chega ao Ceará por meio da pioneira
Maria de Nazaré, mas faltam dados históricos sobre esta mulher. Alencar (2013)
apontava a tendência machista de Conde em não detalhar a ação evangelizadora
feminina. Em 1917, o movimento chega ao Amazonas, por meio de Severino Moreno de
Araújo e, no ano seguinte, Adriano Nobre prega a Palavra no Rio Grande do Norte.
Relata ainda Conde onde (2011, p.173) sobre a chegada da mensagem evangelística:
- Maranhão em 1921, por Clímaco Bueno Aza;
- Espírito Santo em 1922, por Galdino Sobrinho e sua mulher;
- Rondônia em 1922, pelo missionário Paul John Aenis;
- Rio de Janeiro em1923, por crentes provenientes do Pará;
- São Paulo em 1923, por meio de crentes do Pernambuco;
- Rio Grande do Sul em 1934, pelo missionário Gustav Nordlund;
- Bahia em 1926, através de Joaquina de Souza Carvalho;
- Piauí em 1927, por Raimundo Pereira de Almeida;
- Minas Gerais em 1927, por Clímaco Bueno;
- Sergipe em 1927, por meio de Sargento Armínio;
- Paraná em 1928, por Bruno Skolimowisk;
- Santa Catarina em 1931, André Bernardino da Silva leva a Palavra;
- Acre em 1932, por meio de Manoel Pirabas;
- Goiás em 1936, por Antônio Moreira e outros crentes;
- Mato Grosso em 1944, pregado por Eduardo Pablo Joerck;
- Mato Grosso do Sul em 1944, por Juvenal R. de Andrade (na época um
único Estado);
- Distrito Federal em 1956, por obreiros de Madureira. (CONDE, 2011,
p.173).
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MARIANO, Ricardo. (2004), Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal
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Uma análise aprofundada de seu discurso revela em sub tom, de que as pessoas que forem fiéis em dízimos
e ofertas têm não só o direito, mas o dever de serem prósperas (entenda-se ricas) e que em caso contrário deve existir
algum pecado ou demônio atrapalhando a prosperidade desse indivíduo. Ler a obra de CAMPOS, Leonildo Silveira.
Teatro, templo e mercado (1999).
O mesmo site estima que se a taxa de crescimento continuar constante, em 2020
o número de evangélicos da AD ultrapassará os 50 milhões. Sabe-se que o IBGE tem
tido suas falhas de pesquisa (IGNÁCIO, 2010; ROSEMBERG F. & PIZA E. 1999), e
aparentemente essa falha aumenta nas pesquisas sobre o universo religioso (OLIVEIRA
& SIMOES, 2005), por isso poderia se adotar a média de 18 milhões. Mas nessa
pesquisa será adotada a média de 15 milhões. Por sua vez, os estudos da SEPAL, órgão
independente de igrejas, cuja sigla significa Servindo a Pastores e Líderes, estabelecida
no Brasil há mais de 30 anos, calcula que em 2004 haveria aproximadamente 188.498
igrejas evangélicas no Brasil18.
O pentecostalismo assembleiano sofre mais influência da comunidade local do
que da instituição à qual pertence. As convenções de pastores não são das igrejas
(CORREA, 2013). Dessa forma, as práticas, crenças e novos costumes dos fiéis podem
não ser aceitos por aquilo que podemos chamar de “assembleianismo oficial”, em
oposição ao “assembleianismo popular”. Segundo Brandão (1986), as religiões
populares podem ser entendidas como extraoficiais: “Ademais, outro atributo costuma
ser invocado para caracterizar as religiões populares: seriam extraoficiais, fora do
controle e da regulamentação das autoridades instituídas, cultivadas pelos ‘leigos’ em
oposição à religiosidade clerical” (BRANDÃO, 1986, p. 110).
A CGADB e a CONAMAD não afetam o cotidiano dos fiéis, assim cada polo
regional, cada igreja-sede, e cada congregação local possui formas próprias de exprimir
seus comportamentos e costumes. Claro que os pastores que comandam as convenções
querem e gostariam de estabelecer uma unicidade e se opõem às mudanças na cultura
assembleiana, gostariam de uniformizar o que diz respeito aos usos e costumes, e
eliminar novos costumes, mas são observados constantes rompimentos com a
religiosidade oficial.
Por exemplo, a CGADB costuma proibir manifestações como palmas e danças
durante a celebração religiosa, hábitos trazidos por absorção e visitas a outras
denominações, influências das igrejas deuteropentecostais. A AD Belém, considerada a
igreja mãe, não aceitou tal determinação da CGADB; ao contrário, intensificou a prática
de “bater palmas para Jesus” e instituiu ministérios internos de dança.
Se os assembleianos confiavam na santidade do grupo em oposição ao mundo,
hoje absorvem as chamadas “coisas do mundo” de forma ressignificada, para que
caibam em seu universo sem ferir suas percepções. Assumindo mais lentamente os
18
Ver http://pesquisas.org.br/brasil/quantas-igrejas-evangelicas-existem-no-brasil
“modismos gospel”, descritos na obra de Magali Cunha (2007), há relatos de aceitação
de rock e forró gospel, por exemplo. Esse sincretismo cultural tem mudado a identidade
assembleiana tradicional, mas não a ameaça, ao contrário, pode ser lida como uma
estratégia de evangelização e crescimento do número de membros.
Existe uma grande fragmentação entre as ADs, essa talvez seja a maior prova de
que é a comunidade e não a instituição que define sua identidade cultural. Sobre esse
fator, Correa (2013, p. 150) afirma ser “o maior desafio da ADs”. Segundo a autora, há
uma lógica de poder por detrás das novas cisões e divisões em que se formam as novas
ADs, mas não há formação de igrejas sem membros, e é a partir da concordância destes
com a nova “visão” (jeito de ser e fazer teologicamente referenciado) e discordância da
antiga igreja que um pastor funda um novo ministério.
Sobre isso, Correa pondera (2013, p. 150):
“A constituição dos Ministérios segundo os seus idealizadores foi criada com
a ideia de unidade. O que era para funcionar como ponto de união passou a
ser identificado como ponto de tensão. Os dirigentes organizadores das
convenções buscavam estratégias coerentes e pacificadoras de unidade entre
elas, mas, mesmo assim, não conseguiram eliminar os conflitos ao longo dos
anos. Com isso, aumentam cada vez mais o processo de cisão dentro das ADs
em muitas regiões do Brasil. Dessa maneira, além dos dois grandes
Ministérios mais expressivos de comando nacional – Ministérios Missão da
primeira formação e Madureira, segunda formação -, porém, dentro da
mesma denominação Assembleiana, atualmente existem inúmeros
Ministérios independentes, com estatuto e administração própria”.
Todas ligadas pelo que Correa estabeleceu como “laços fraternos”, ou seja, com
fontes em comum. Sanzana-Salazar (2001) também verificou que entre as pentecostais
chilenas há diversos relatos salientando que mesmo entre igrejas diferentes, onde líderes
atacam uns aos outros, há o discurso de unicidade e irmandade: “somos todas irmãs”.
Sobre o que seriam os laços fraternos, diz Correa:
A maioria dos pastores Assembleianos prefere dizer que as ADs, possuem as
mesmas características, o que muda mesmo são algumas dinâmicas utilizadas
por certos pastores. Umas igrejas usam um discurso mais tradicional, outras
se utilizam de recursos mais modernos e assim por diante. Em suas falas,
todas são Assembleianas, foram geradas da mesma linhagem. (CORREA,
2013, p. 256).
19
Não se trata de mercado da fé, estas não acreditam em travesseiros santos, rosas ungidas ou outros
amuletos, mas consomem produtos como camisetas, CD’s, roupas, livros dentre outros.
20
Podem se vestir quase do jeito que quiserem, mas não aceitam o consumo de bebida alcoólica, por
exemplo.
21
Foram essas igrejas as grandes responsáveis pela explosão gospel dos anos 1980-90.
22
Embora tenham diminuído suas grandes campanhas em estádios, cujo espaço está mais dominado pelas
pentecostais ortodoxas.
Presbiteriana Renovada (1975). Ultimamente, tem se aproximado bastante das
neopentecostais e da teologia da prosperidade (MARIANO, 1999).
Apesar das aproximações, ainda não se confundem os assembleianismos com os
adeptos do neopentecostalismo. Hoje, há grandes igrejas denominadas neopentecostais.
Alguns autores até se negam a classificá-las dentre as protestantes, já que suas doutrinas
diferem notavelmente da doutrina reformada, principalmente pela teologia da
prosperidade. Internacionalmente, conhecidos os movimentos liderados por pregadores
como Kenneth Hagin, Benny Hinn, David (Paul) Yonggi Cho e César Castellanos.
Caracterizam-se por relativa liberdade moral e de vestimentas, baixo
sentimento de irmandade entre os membros. Em certo relato, um membro menciona:
“gosto da IURD porque você entra e sai e ninguém toma conhecimento da sua vida”.
Há grande interesse em participação política e disputam espaço na grande mídia,
sobretudo a televisiva.
No Brasil, os grupos mais conhecidos desse ramo são a Igreja Universal do
Reino de Deus (IURD), liderada por Edir Macedo; a Igreja Internacional da Graça de
Deus (IIGD), liderada por R.R. Soares; A igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD)
do apóstolo Waldemiro Santigo, a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, liderada pelo
missionário Estevan Hernandes e Bispa Sonia Hernandes, recentemente envolvidos
em crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, e o Ministério Internacional da
Restauração (MIR12) de Renê Terranova.
Como se pode notar, a divisão entre os três tipos pode parecer muito clara nas
análises dos fundamentos teológicos de cada igreja, mas a ausência de
institucionalismo central e a abertura de novas igrejas com nomes semelhantes
dificultam a divisão prática das atividades de cada grupo. Algumas ADs assumem
abertamente o neopentecostalismo, como a Assembleia de Deus Brás, a Assembleia
de Deus Vitória em Cristo, e a Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, do
também controverso Marco Feliciano. Portanto, o nome “Assembleia de Deus” não
identifica uma igreja pentecostal tradicional, já que pode ser utilizado por igrejas
recém fundadas e identificadas com posturas teológicas diversas. É preciso ainda
estar atento ao ministério da igreja, presente na segunda parte do nome, como
Assembleia de Deus Ministério Belém, ou Assembleia de Deus Ministério Madureira.
Esse conjunto de eventos tem alterado significativamente a maneira como a
sociedade brasileira percebe a religião evangélica, como resultado também das
formas mais recentes dos relacionamentos na contemporaneidade. Correa (2000,
p.87) afirma: "A relação que é criada através da mídia social, oferece exatamente a
associação que se busca no espaço público", assim o fiel não encontra a igreja
somente em seu templo físico, mas também na mídia.
A cultura contemporânea se forma aproximando e misturando imposições das
mensagens globais e fundindo o local ao global com importante atuação da mídia.
Assim:
Na alta modernidade, a influência de acontecimentos distantes sobre eventos
próximos, e sobre as intimidades do eu, se torna cada vez mais comum. A
mídia impressa e eletrônica obviamente desempenha um papel central. A
experiência canalizada pelos meios de comunicação, desde a primeira
experiência da escrita, tem influenciado tanto a auto-identidade quanto a
organização das relações sociais. Com o desenvolvimento da comunicação de
massa, particularmente a comunicação eletrônica, a interpenetração do
autodesenvolvimento e do desenvolvimento dos sistemas sociais, chegando
até os sistemas globais, se torna cada vez mais pronunciada. (GIDDENS,
2002, p.12).
23
Pastor metodista. Graduado em Teologia e Pedagogia pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista da
Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), mestre em Ciências da Religião pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Umesp, doutor em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Professor
na UNIMEP.
24
Perversão já analisada por Campos (1996) sobre o que está escrito no livro de Isaias 1:19 “Se quiserdes, e
obedecerdes, comereis o melhor desta terra” se refere aos produtos agrícolas bem trabalhados para a glória de Deus.”
(BÍBLIA, Isaías 1:19).
Segundo Mariano (1999), a ética neopentecostal rompe com o ascetismo e passa
ao que ele chama de “acomodação do mundo”. Mariano faz uma excelente análise do
rompimento do ascetismo e do neopentecostalismo, na verdade escreve um artigo
apenas sobre isso, do qual se destaca um excerto:
O sectarismo e o ascetismo começaram a ceder lugar à acomodação ao
mundo, acompanhando o processo de institucionalização de importantes
segmentos pentecostais. Nos EUA, este processo teve início já nos anos 50 e
60. No Brasil, ele é mais recente, principia nos anos 70 e se aprofunda com o
nascimento e crescimento do neopentecostalismo. (MARIANO, 1996, p. 27).
Nem mesmo a moral sexual típica dos crentes é totalmente preservada. Hoje,
apesar de haver um discurso contra o divórcio nas igrejas neopentecostais, ele é tolerado
(ALTIVO, 2020). Basta ver os programas televisivos da Igreja Universal, onde são cada
vez mais comuns os testemunhos de que “Deus me deu um novo amor”. Já é
amplamente criticado nas igrejas tradicionais e noticiado pelos jornais evangélicos
neopentecostais (GOSPELPRIME, 2010) a criação de sex-shop gospel e filmes pornôs
gospel, o que antes seria uma afronta à moralidade pentecostal tradicional. Há de fato
uma acomodação ao mundo na neopentecostalidade.
Já os pentecostais de primeira onda, na qual se inclui a AD são (ou eram?)
totalmente ascéticos. Porém, tem havido uma cada vez mais crescente flexibilização nos
costumes. Sobre isso, afirma Mariano:
A primeira onda, chamada de pentecostalismo clássico, abrange o período de
1910 a 1950, que vai de sua implantação no país, com a fundação da
Congregação Cristã no Brasil (em 1910, em São Paulo) e da Assembléia de
Deus (1911, Pará), até sua difusão pelo território nacional. Desde o início
estas igrejas caracterizaram-se pelo anticatolicismo, pela ênfase no dom de
línguas, por radical sectarismo e ascetismo de rejeição do mundo. Não
obstante suas oito décadas de existência, ambas mantêm bem vivos estes
traços. A Congregação Cristã mantém-se irremovível. Já a Assembléia de
Deus, desde 1989 cindida em dois blocos, mostra-se mais flexível diante das
mudanças que estão se processando no movimento pentecostal ao seu redor e
na sociedade abrangente. (1996, p.25).
25
ALENCAR, Gedeon F. Protestantismo tupiniquim: hipóteses da (não) contribuição evangélica à cultura
brasileira. 2005
26
“Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste
estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos simples.” (BÍBLIA, Mateus 11:25).
contato com grande maquinário midiático nas igrejas pentecostais tradicionais. O
discurso neopentecostal é sedutor, pois prega que o crente, antes pobre, pode e deve
ficar rico. Trata-se de uma consequência da contemporaneidade, a sedução pelo luxo e
pelo consumo (JAMESON, 1985).
O pesquisador Nanez (2007) denuncia que, em nome da possibilidade de se
autoproclamar como simples, os pentecostais, especialmente na América Latina, tinham
aversão às riquezas e olhavam com desconfiança os ricos. A vida do fiel, nesse contexto,
deveria ser mais para adoração que para o trabalho, sendo às vezes o trabalho
aproximado da visão católica, visto como uma necessidade inevitável.
O controle chegava às relações conjugais, nas quais a mulher casada era proibida
de trabalhar nas ADs (FONSECA; MARIN; NASCIMENTO DE FARIAS, 2010). A
condição de pobre e iletrado ainda é, de certo modo, muito valorizada. Há uma
recuperação do espírito capitalista, o discurso neopentecostal é aceito cada vez mais
pelas igrejas tradicionais, isso faz perder aquela identidade original, como não estão
imunes às influências da cultura contemporânea, sofrem também certa uniformização
dos gostos e de discurso comum dessa era (LIPOVETSKY, 2009). E o gosto dominante
pós-queda do muro é a assunção do capitalismo e do consumo (BAUMAN, 2001).
Do orgulho de se ter um templo humilde, feito de taipa ou madeira, seguiu-se
para os “templos-shoppings” (ALENCAR, 2013), característica que se inicia com as
neopentecostais, mas que tem se expandido para as pentecostais tradicionais. Porém, o
templo simples e pequeno das periferias ainda prevalece e a maioria dos fiéis não se
encontra nos “templos-shoppings”. Em que proporção? Digamos um empate técnico,
Alencar, (2013) analisando os números de fiéis brasileiros das ADs, mostra que em
2010, a grande maioria dos pentecostais tradicionais ainda se localizava nas periferias:
de 12,3 milhões (CENSO, 2010) de membros, 7,7 milhões se encontram espalhados nas
pequenas igrejas de periferia. Lá, não há o espírito do capitalismo, mas o discurso
invade e logo o ethos mudará. Junto com o aumento do poder de compra de televisão,
rádio e computador das periferias brasileiras, chega pela máquina comunicacional o
discurso da teologia da prosperidade. Trata-se de um discurso sedutor, pois promete,
como em um ato metafísico, acabar com o que o habitante da periferia mais teme nessa
contemporaneidade consumista: a pobreza.
Na pentecostalidade das periferias, ainda há um grande ascetismo, que é
chamado de ascetismo comportamental brasileiro; este afeta toda a identidade do fiel,
como sua fala, passando a se comunicar com palavras bíblicas e jargões como varão (se
referindo aos irmãos homens), benção (para todos os acontecimentos bons), prova (para
acontecimentos ruins), paz do Senhor (para cumprimentos). Muda seus referenciais, crê
que tudo que acontece na vida é permitido por Deus ou tentação do diabo. Não há
separação entre vida profissional e espiritual, o trabalho e oportunidades são dados por
Deus para garantir sua sobrevivência, e assume sua identidade no trabalho. E, para o
que nos interessa na presente pesquisa, muda seu senso estético de vestimenta, passa a
usar o que é considerado decente e austero: mulheres com saias e roupas que não
marquem o corpo; o homem de camisa de botões e, no culto, o terno é obrigatório. Nos
templos de periferia, é raríssimo ver alguém fora da estética conservadora tradicional, já
que, para o pentecostal, a crença está acima da instituição.
Sobre essa restrição:
Esse ascetismo reacionário ainda sobrevive em alguns círculos na forma de
tabus comunais sobre álcool, tabaco, teatro, dança, jogos, roupas elegantes,
cosméticos e itens similares. Talvez tenha havido, e haja, boas razões para
tais abstinências, em se tratando de decisão pessoa, mas tabus comunais
tendem a entorpecer a consciência, em vez de avivá-la... O mundanismo foi
definido em termos de quebras de tabus, e identificações de consequências
mais amplas com os pecados da sociedade passaram despercebidas... O
pietismo pós-moderno separa o mundo em vez de estudá-lo e procurar mudá-
lo; é hostil ao prazer, em vez de agradecido por ele, temeroso de que o mundo
adentre nossos corações montado nas costas do prazer. (NICODEMUS,
2008, p.152).
27
Nós de língua portuguesa, em especial os brasileiros, tendemos a associar a palavra crise a algo negativo.
No entanto, crise vem da palavra crisalida, uma fase que trará mudança. O mesmo vale para Caos. Caos nem sempre
é ruim, é apenas a incerteza de uma definição.
Ninguém pertence só a uma família, ou aos clãs. Ninguém pertence só a uma
nação. Ninguém pertence só a uma função no emprego (embora a opressão do sistema
capitalista deseje que sim), sendo necessário ter que lidar com o cliente, com o
comércio, com os estudos; ninguém pertence só a um grupo, tem-se o grupo de colegas,
o de amigos, o de familiares, os religiosos e muitos outros, e, assim, tal complexidade se
resume na palavra “Caos” definida por Prigogyne (MORIN e PRIGOGYNE, 2008, p.
13) como situação tal na qual a individualidade fica incapaz de se manifestar.
A memória também está sendo impactada pelas mudanças sociais que marcam a
cultura contemporânea; o acesso à informação eletrônica, que distanciou as pessoas
umas das outras, e oráculos eletrônicos, fizeram com que a memória, sobretudo a de
pertença, ficasse enfraquecida frente ao mundo de informações presente. Michael Pollak
(1992) destaca que é na compreensão de memória histórica que reside o sentido de
identidade; para , a priori, a memória parece ser um fenômeno individual, mas ela é,
sobretudo, como um fenômeno coletivo e social. Memória não é só a lembrança do
passado, é um fenômeno que traz em si um sentimento de continuidade e pertencimento,
seja ele processado individualmente ou em grupo como reconstrução de si, torna-se o
fator preponderante para o entendimento de sentimento de identidade (POLLAK, 1992).
Por se viver em um mundo de múltiplos atratores de memorias essas ficam
desconfiguradas de um único norte. Assim, a identidade que se forma também é
múltipla.
Em Halbwachs, se pensa em uma dimensão da memória não individual, ainda
que essa conotação esteja no senso comum, para ele as memórias de um indivíduo
nunca seriam apenas dele, e que nenhuma lembrança poderia existir apartada da
sociedade. Segundo esse autor, as memórias são construções dos grupos sociais, são
esses grupos que determinam o que é memorável e os lugares onde essa memória será
preservada (HALBWACHS, 2006).
O âmbito em que nasce a memória coletiva na obra de Maurice Halbwachs
(2006), se dá em um movimento do indivíduo para a sociedade. Para esse autor, a
memória individual se assenta e se organiza com base em quadros sociais; perpassa pela
dimensão social da linguagem, do indivíduo estar inserido em dado contexto social e em
relações de pertença; se desenvolve nas relações em que o sujeito mantém com os
demais membros de seus grupos. A memória coletiva é o filtro, a seleção, a
interpretação e a transmissão de certas representações da história pessoal a partir do
ponto de vista de um grupo social determinado. Esse autor destaca o caráter seletivo da
memória social, que se cria por meio da adesão afetiva ao (s) grupo (s) de pertença. Um
indivíduo, para lembrar seu passado, tem que se remeter às lembranças dos outros.
Assim, os pontos de referência do que o autor chama de memória social estão presentes
em vários elementos históricos, culturais e pessoais, compartilhadas difusamente em seu
grupo. A memória é sempre dependente das interações e dos grupos sociais. Sua
importância se dá para manter a integridade e a sobrevivência do grupo no tempo.
Quem faz a memória coletiva, portanto, é o grupo.
A identidade religiosa é fundamental para compreender as outras relações sócio-
econômico-culturais em que estão imbuídos os sujeitos. Afirma Durkheim que a religião
é a ossatura da sociedade (2001). Essa noção também pode ser encontrada em Berger
(1985), onde afirma que a religião é fundamental para dar significação sobre a
realidade:
[...] desempenhou uma parte estratégica do empreendimento humano da
construção do mundo. A religião representa o ponto máximo da auto –
exteriorização do homem pela infusão, dos seus próprios sentidos sobre a
realidade. [...] a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro
como humanamente significativo (BERGER, 1985, p. 41).
30
Entrevista concedida em 03/09/2019, na cidade de Bauru-SP
31
Entrevista concedida em 03/09/2019, na cidade de Bauru-SP
D1: Ser pentecostal, ser...cristão?
Entrevistador/autor: Sim, não, eu to perguntando...
D2:Ah é ser algo, diferente dos outros né...
Entrevistador/autor: Diferente do mundo?
D1: Diferente do mundo... que nem, na escola, você vê o povo assim, o jeito de
falar, de agir...você vê que você é diferente deles...
Entrevistador/autor: Como você vê que é diferente deles?
D1: O jeito de se expressar, de se comunicar com as pessoas, de ...
Entrevistador/autor: Por exemplo, palavrão...você não fala palavrão?
D1: Não...de vez em quando né, quando escapa um... né?(risos)
Entrevistador/autor: E sexo também... conversa com seus amigos... e você
escolheu esperar?32
D1: Sim
Entrevistador/autor: E você...o que que é ser assim...Pentecostal, assim, viver
pelo Espírito...
D2: Ah, tomada de decisões corretas, você viver mesmo buscando aquilo, sabe, a
presença de Deus sempre. Qualquer decisão que você for tomar, você jogar na mão dele
primeiro, sabe? Botar na mão dele que ele já sabe já.
Entrevistador/autor: E o que que é a presença de Deus que você busca, que que
é?
D2: Ah, ta sempre em paz!
Entrevistador/autor: Ta sempre em paz...traz uma sensação de paz... E cê
concorda com o Rafael, ser diferente do mundo...
D2: Concordo! Concordo nas tomadas de decisões, né? A gente tava
conversando bastante sobre isso, de ... o lado de Deus é totalmente oposto do que não é
o lado de Deus, entendeu? Não tem um meio termo... uma coisa assim. Cê que toda hora
cê vai conseguir ver, algum indivíduo te falando assim “ah, aquilo que ela falou não traz
tranqüilidade, sabe?”
32
Algo normal e repressivo o que daria per si outra tese é a repressão sexual entre jovens Assembleianos,
muitos deles reatam não fazer sexo até o casamento por certa pressão do grupo social.
afirma como diferente mas vive neste mundo. Não sai dele. Na verdade poderia dizer-se
que se converter é um assujeitamento. Um ser que voluntariamente se sujeita a certas
regras de dominação e nisso constitui-se como subjetivação ainda que sacrificando sua
liberdade. É um sujeito dependente que se constitui em grupo.
O indivíduo convertido cria uma memória, no sentido que Halbwachs (2006)
define não como lembrança, mas como a produção de uma experiência divina. Ao se
converter, ele seleciona as experiências, o ritual, e, mais ainda, a introjeção desse ritual
fornece um instrumental, uma localização no mundo, de modo que controla seu
pensamento e corpo, ou melhor, transforma-o segundo a comunidade que assume. O
ritual e sua introjeção possibilitam a expressão de diferentes “selfs”, ou permite a
existência interna de novos “selfs”, expondo um comportamento diferente do que tinha
até então; durante o processo de conversão, o novo convertido renega vários hábitos e
costumes de sua vida pré-conversão e passa a viver conforme as regras sociais da nova
comunidade.
Procura-se assim constituir um novo sujeito no processo de conversão. É a busca
por afirmar-se como convertido. Não se pode neste processo confundir processo de
subjetivação com sujeito ou com indivíduo. O indivíduo é o ser em oposição ao que se
queira identificar e sua completude com os múltiplos processos bio-psico sociais. O
sujeito é sua constituição psico-social, a subjetivação são os processos pelos quais ele se
identifica com os processos sociais, culturais políticos, econômicos, religiosos etc...
estes conceitos não estão em oposição, mas podem ou não andar juntos. Touraine,
estudando Foucault, vai diferenciar indivíduo de sujeito e ator:
O sujeito não é um indivíduo concreto. Um indivíduo pode ou não se
comportar como sujeito. No centro, deve-se situar o vazio, não as normas;
portanto, o ser humano na condição de sujeito em face de si mesmo. (...)
capacidade de se olhar. (...) Se me deixo distrair, então todo o espaço interior
é preenchido. É preciso que eu me afaste de minhas atividades, de minhas
distrações, de meus deveres para definir minha relação comigo.
(TOURAINE, 2002, p. 46).
Isso implica uma identidade própria e única, que varia na cosmovisão, nos
rituais, cânticos, formas de ser e de aparência. Seu ascetismo se constitui numa forma
única também. Há igrejas pentecostais que assumiram formas diferentes de ascetismo
no Brasil. Há uma dinâmica completamente diferente do que eram as religiões
protestantes, sobre isso:
[...] devido a esse processo de complexidade e pluralidade crescente,
bem como pelo fato de ser um fenômeno altamente dinâmico, poucos anos
depois algumas expressões do Pentecostalismo não mais cabiam dentro das
fronteiras e da identidade construída na primeira metade do século XX.
Diante desse crescimento e processo de transformações mais ou menos
aceleradas, podemos observar que nenhuma manifestação religiosa, inclusive
o Protestantismo e o Pentecostalismo, se instala e se repete em lugares
diferentes para onde é levada sem que sofra alterações, retrações e
aclimatações (BORTOLETTO, 2008, p. 706)
Nem mesmo a moral sexual típica dos crentes é totalmente preservada. Hoje,
apesar de haver um discurso contra o divórcio nas igrejas neopentecostais, ele é tolerado
(ALTIVO, 2020). Basta ver os programas televisivos da Igreja Universal, onde são cada
vez mais comuns os testemunhos de que “Deus me deu um novo amor”. Já é
amplamente criticado nas igrejas tradicionais e noticiado pelos jornais evangélicos
neopentecostais (GOSPELPRIME, 2010) a criação de sex-shop gospel e filmes pornôs
gospel, o que antes seria uma afronta à moralidade pentecostal tradicional. Há de fato
uma acomodação ao mundo na neopentecostalidade.
Já os pentecostais de primeira onda, na qual se inclui a AD são (ou eram?)
totalmente ascéticos. Porém, tem havido uma cada vez mais crescente flexibilização nos
costumes. Sobre isso afirma Mariano:
A primeira onda, chamada de pentecostalismo clássico, abrange o
período de 1910 a 1950, que vai de sua implantação no país, com a fundação
da Congregação Cristã no Brasil (em 1910, em São Paulo) e da Assembléia
de Deus (1911, Pará), até sua difusão pelo território nacional. Desde o início
estas igrejas caracterizaram-se pelo anticatolicismo, pela ênfase no dom de
línguas, por radical sectarismo e ascetismo de rejeição do mundo. Não
obstante suas oito décadas de existência, ambas mantêm bem vivos estes
traços. A Congregação Cristã mantém-se irremovível. Já a Assembléia de
Deus, desde 1989 cindida em dois blocos, mostra-se mais flexível diante das
mudanças que estão se processando no movimento pentecostal ao seu redor e
na sociedade abrangente. (1996, p.25).
39
“Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste
estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos simples.” (BÍBLIA, Mateus 11:25).
Do orgulho de se ter um templo humilde, feito de taipa ou madeira, seguiu-se
para os “templos-shoppings” (ALENCAR, 2013), característica que se inicia com as
neopentecostais, mas que tem se expandido para as pentecostais tradicionais. Porém, o
templo simples e pequeno das periferias ainda prevalece e a maioria dos fiéis não se
encontra nos “templos-shoppings”. Em que proporção? Digamos um empate técnico,
Alencar, (2013) analisando os números de fiéis brasileiros das ADs, mostra que em
2010, a grande maioria dos pentecostais tradicionais ainda se localizava nas periferias:
de 12,3 milhões (CENSO, 2010) de membros, 7,7 milhões se encontram espalhados nas
pequenas igrejas de periferia. Lá não há o espírito do capitalismo, mas o discurso invade
e logo o ethos mudará. Junto com o aumento do poder de compra de televisão, rádio e
computador das periferias brasileiras, chega pela máquina comunicacional o discurso da
teologia da prosperidade. Trata-se de um discurso sedutor, pois promete, como num ato
metafísico, acabar com o que o habitante da periferia mais teme nessa
contemporaneidade consumista: a pobreza.
Na pentecostalidade das periferias ainda há um grande ascetismo, que chamamos
de ascetismo comportamental brasileiro; este afeta toda a identidade do fiel, como sua
fala, passando a se comunicar com palavras bíblicas e jargões como varão (se referindo
aos irmãos homens), benção (para todos os acontecimentos bons), prova (para
acontecimentos ruins), paz do Senhor (para cumprimentos). Muda seus referenciais, crê
que tudo que acontece na vida é permitido por Deus ou tentação do diabo. Não há
separação entre vida profissional e espiritual, o trabalho e oportunidades são dados por
Deus para garantir sua sobrevivência, e assume sua identidade no trabalho. E para o que
nos interessa na presente pesquisa, muda seu senso estético de vestimenta, passa a usar
o que é considerado decente e austero: mulheres com saias e roupas que não marquem o
corpo; o homem de camisa de botões e, no culto, o terno é obrigatório. Nos templos de
periferia, é raríssimo ver alguém fora da estética conservadora tradicional, já que, para o
pentecostal, a crença está acima da instituição.
Sobre essa restrição:
Esse ascetismo reacionário ainda sobrevive em alguns círculos na
forma de tabus comunais sobre álcool, tabaco, teatro, dança, jogos, roupas
elegantes, cosméticos e itens similares. Talvez tenha havido, e haja, boas
razões para tais abstinências, em se tratando de decisão pessoa, mas tabus
comunais tendem a entorpecer a consciência, em vez de avivá-la... O
mundanismo foi definido em termos de quebras de tabus, e identificações de
consequências mais amplas com os pecados da sociedade passaram
despercebidas... O pietismo pós-moderno separa o mundo em vez de estudá-
lo e procurar mudá-lo; é hostil ao prazer, em vez de agradecido por ele,
temeroso de que o mundo adentre nossos corações montado nas costas do
prazer. (NICODEMUS, 2008, p.152).
40
É um fenômeno religioso ligado à indústria cultural religiosa que coloca os evangélicos mais próximos do que há
de mais moderno no campo da mídia. CDs e Dvds de qualidade, programações de rádio e TV que seguem o modelo
secular, espetáculos com produção de alta tecnologia, são alguns dos aspectos que buscam mostrar às igrejas e à
sociedade em geral que é possível ser religioso e ser moderno e sintonizado com os recursos disponíveis no mundo
contemporâneo.
que “Deus habita em meio aos louvores”. A crença tem como base a Bíblia Sagrada, em
Salmos 22.3: “tu és Santo, o que habitas entre os louvores de Israel”. Deste versículo
depreende-se que o Deus habita no meio dos louvores do seu povo. Após a explosão
gospel, a música se torna foco do próprio culto, em algumas igrejas, mas também
alavanca shows, tornando-se um negocio altamente rentável para as igrejas e
instituições para-eclesiásticas (CUNHA, 2007).
Na antropologia, a etnomusicologia vem há tempos estudando seus significados
culturais (OLIVEIRA PINTO, p. 2001). A música atua como processo de
ressignificação social, capaz de gerar estruturas que vão além dos seus sentidos sonoros.
Ela reflete os anseios, sentimentos e vontades dos ouvintes, produtores e reprodutores
do som. No meio pentecostal, é comum a mensagem pregada no culto atuar junto com a
música, ter lições ou significados coesos.
Os shows são criticados pelos pentecostais tradicionais. Para eles, segundo os
relatos pesquisados “mais vale a fé que o povo sente” do que aquele que está tocando.
Este fato diz muito da diferença entre o pentecostal tradicional e o neopentecostal. Para
o primeiro, a fé é mais importante, enquanto para segundo não há dissociação da própria
presença de Deus manifesta na música. Vários relatos de curas e manifestações
espirituais ocorrem durante o período musical do culto. A emoção toma conta. A
emoção é um foco de performance que vai refletir a natureza do culto e das disposições
afetivas durante o mesmo.
Há louvores mais emotivos, por isso é comum que durante as performances
musicais haja lágrimas, abraços e outras manifestações pentecostais. O culto estará
“quente” (categoria positiva de culto pentecostal onde o Espírito Santo estaria presente,
onde Jesus batizaria com fogo) quando nos louvores ocorrem as manifestações
espirituais típicas pentecostais; e estará “frio” (valor negativo) quando não houver
manifestação do Espírito Santo, a saber, revelações, visões, falas incontroláveis em
idiomas indecifráveis, entre outras.
A parte musical do culto pentecostal revela um espaço cultural que expõe os
sentimentos e anseios das pessoas. A música é importantíssima para a avaliação de rito e
culto, pois representa o fundo cultural de uma comunidade: “através da sua performance
o acontecimento sonoro da música traz à tona fenômenos diversos, por vezes
inesperados e não necessariamente acústicos” (OLIVEIRA PINTO, 1997 p.28). Assim,
a música tem presença importantíssima no meio pentecostal e na comunidade em
estudo. Há um profundo respeito pela Harpa Cristã, tida às vezes como livro sagrado.
Todo culto nas Assembleias de Deus se inicia com, pelo menos, um hino da Harpa
Cristã. Ela está carregada de significados históricos e culturais da identidade das ADs
(CONDE, 2011).
Há ainda eventos específicos de louvores, tais como as chamadas vigílias, ou
cultos especiais de louvor e adoração, nos quais costuma haver grande manifestação
pentecostal. A música é também um instrumento de proselitismo, não há ação de culto
ao ar livre sem música, por exemplo. É comum que nas pregações se use frases como:
“este hino diz, Jesus se importa com você”, em referência ao popular hino de
Marquinhos Gomes, “Ele não desiste de você”:
“Não importa quem você é/Não importa o que você fez/Jesus conhece o seu
interior também/Quantas vezes você caiu/Tentando acertar/Mas a tristeza e o
desespero/Te fizeram chorar/ Não importa pra onde você foi/Se na escuridão da
noite/Ele apaga o seu passado/E não desiste de você/ Ele não desiste de você/Ele se
importa com você/Ele compreende o seu caminhar/Nunca vi um amor tão grande
assim.” (GOMES, 2010).
Ao oferecer uma letra assim, que afirma que o próprio Deus se preocupa com o
ouvinte e perdoa seus pecados, pessoas que estão sofrendo, seja por um luto, uma perda,
ou por condições socioeconômicas instáveis, tendem a se converter. A música per si é
carregada de emoção e assim se rompem as barreiras da mera reflexão, tornando mais
fácil o ato religioso da “entrega a Jesus”, o primeiro passo a conversão.
Ultimamente tem crescido nas igrejas pentecostais a apreciação pelos teatros
cristãos, que é outra forma de arte muito utilizada pelos jovens na igreja e faz muito
sucesso. Na CEAB, uma das comunidades em estudo, também há um trabalho
voluntário de cursos de pintura, é financiado pela igreja com vistas à complementação
de renda do público alvo.
Figura 5. Pinturas elaboradas por membros da CEAB. 2020, Acervo do autor.
A professora de Artes do ensino regular do estado de São Paulo é responsável
pelo referido projeto é a pastora presidente Anna Cristina, formada pela UNESP de
Bauru. Se antes o grupo pentecostal procurava ser reconhecido como uma massa em
irmandade, a cultura contemporânea exige a individualização. Deseja o reconhecimento
por cantar, pregar ou ensinar. Aspira pelo reconhecimento, mesmo que não tenha
consciência dessa busca. Em meio à sociedade espetacularizada, disse Debord: “Quanto
mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende
sua existência e desejo” (1997, p. 24). A Figura 5 mostra algumas produções deste
projeto.
O fiel quer ser reconhecido, e como na igreja pentecostal todos são sacerdotes 41,
há a busca constante por ganho social. Mas, com o alto crescimento das igrejas
evangélicas no Brasil, nem sempre há o reconhecimento para todos os fiéis. E então, o
sentimento de acolhida inicial pode dar lugar a um sentimento de solidão em meio ao
grupo. Para se destacar e aplacar a sensação de solitude e para apregoar certa liberdade e
posse de si mesmo, o jovem cristão se expressa em marcas corporais. Freire &
Bronsztein (2020, p.43) afirmam:
Se a religião não é uma mercadoria, hoje é tratada como tal, e na disputa pelo
mercado religioso, o protestantismo deve se reinventar em sua proposta ou perderá
espaço para outras religiões, e até outras derivações do pentecostalismo. Neste caso, ou
a Assembleia de Deus permite o uso de marcas corporais, ou perde os jovens para outras
igrejas evangélicas.
42
Não consomem bebidas alcoólicas e nem produtos que acreditam ser “consagrados a ídolos”, em uma
leitura literal da Bíblia: “Não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (BÍBLIA, 1
Coríntios 10:21), e “não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito” (BÍBLIA,
Efésios 5:18).
Uma identidade pentecostal é, mais do que a protestante histórica e
muito mais do que a católica (fora os casos de pessoas e grupos de militância
católica), a afirmação de um modo de ser dominado pela religião. Uma
pessoa “crente” é, antes de tudo, a pessoa de um crente, e todos os outros
qualificadores de sua identidade – o local de origem no país, o grau de
instrução escolar, a profissão atual, a definição política – são secundários, ou
são reescritos, a partir da maneira como o sujeito pentecostal submete todas
as dimensões de sua ação social e representação que faz de si, através de tal
ação significativa, aos termos e símbolos de sua identidade militantemente
religiosa. (BRANDÃO, 1986, p.36).
48
“Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatria e feitiçaria;
ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes. Eu os
advirto, como antes já os adverti, que os que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deu s.” (BÍBLIA, Gálatas
5:19-21).
ele se manifesta” (ELIADE, 2001, p. 17). Como se creem templo do Espírito Santo,
nação santa, sacerdócio real, povo escolhido de Deus, tem de ser santos, pois acreditam
que Deus pede isso a eles.
Uma grande preocupação, sobretudo dos intelectuais, é a moral sexual nas ADs.
Notadamente rígida, a moral sexual nesta igreja é extremamente conservadora. Quando
se observa o teor de seus jornais e livros publicados por serem órgãos oficiais, fica
evidente o posicionamento dessa moral. Vários intelectuais têm pesquisado o assunto,
que é deveras interessante, embora não seja foco dessa pesquisa. A importância e
complexidade do tema abrem a possibilidade para se tornarem matéria de outras teses.
As questões assembleianas que dizem respeito aos direitos reprodutivos e
sexuais individuais, como aborto, orientação sexual, sexo homossexual, são
sumariamente negadas, assumindo o paradigma de conservar a moral familiar patriarcal
e conservadora, pautada na heterossexualidade e na subordinação feminina. Nesse
sentido diz Lisboa (2008, p. 29) sobre às religiões pentecostais:
A relação direta entre sexo, identidade de gênero, orientação sexual
e suas classificações duais, com fronteiras intransponíveis entre os sexos,
implica uma visão na qual somente é possível o exercício de práticas sexuais
heterossexuais, fora das quais se localizam no espaço da “anormalidade”,
“aberração” e/ou “pecado”. A Assembleia de Deus, por exemplo, é
paradigmática desta visão.
É certo que com acesso aos meios de educação de qualidade, o brasileiro, assim
como os assembleianos, podem a vir mudar radicalmente de ideia sobre as conquistas de
direitos humanos, e quiçá possam ser influenciados por alguns pastores militantes.
Porém, assim como esses assuntos dividem opiniões dentro da sociedade, também
dividem na igreja. Os posicionamentos nunca são unânimes.
Cada campo busca manter o status quo. A disputa, então, dinamiza o campo. O
ciclo de tentativa de manutenção e de interferência do novo é que altera o campo
original. Cada campo tenta reproduzir as regras do jogo, ganhando quem interferir mais.
O Cosmo social, ou o conjunto dos campos, são espaços relativamente dotados de
autonomia e de relações bem claras internas aos pertencentes ao campo. Assim, não se
assume as regras e lógicas de outro campo a não ser na disputa. Em cada campo, há
interesses e ideias compartilhados pelos agentes e acordos com os campos externos. Os
agentes interessados na disputa assumem o ideário de um campo ou outro.
No campo religioso, ocorre uma disputa com aquilo que não é religioso, ou com
aquilo que é “do mundo”. É a partir da conversão que o fiel se insere no campo
religioso, se identificando enquanto pertencente àquele campo e em oposição/disputa
com o mundo. Ora disputam com eles, ora o assumem como, por exemplo, a fácil
aceitação de tecnologia.
Ocorre a secularização, que é o processo em que se busca compreender o mundo
não mais pela lente dos mitos e da religião, mas pela razão. É difícil determinar quando
iniciou o processo de secularização da sociedade. O consenso entre pesquisadores é de
que ele sempre existiu, desde o início da razão, ainda na era platônica, para explicar os
fatos e situações cotidianos da sociedade. O processo de secularização não tem uma
linearidade no tempo, mas pode ser percebido em diversos momentos da história.
Segundo Martino (2003), as religiões estão modernizando-se, adequando-se a alguns
elementos, abrindo mão de outros, em uma relação de “dupla troca”, como forma de
sobrevivência, para assim prosseguir na sociedade. Ele acredita que ocorre na atualidade
o esvaziamento do sentido religioso tal como era conhecido, o que não impede que
novas formas de compreensão e prática da religião possam surgir e se firmar. Para o
autor, “a religião acompanha as sociedades em mudança modificando-se
concomitantemente e adaptando-se às necessidades onde quer que estejam”
(MARTINO, 2003, p. 50-51).
A secularização ocorre nas ADs de várias maneiras, sobretudo na racionalização
da administração dos bens da igreja, mas também no jeito de ministar o culto, de se
portar com as pessoas e isso afeta os meios jovens que trazem meios seculares para os
ritos religiosos, como rock gospel, hip hop, dentre outros ritmos musicais cuja aparência
é acompanhada pelo meio secular e não pelo meio religioso.
A disputa de bens simbólicos é internalizada nas igrejas assembleianas por
diversas ideias empregadas nos cultos e produtos culturais como EBD, livros e estudos e
canais midiáticos. As igrejas empenham-se em agenciar os bens simbólicos a fim de
ressignificá-los, dando-lhes novos usos. O agenciamento é realizado, dentre outras
formas, por meio das estratégias, estabelecendo ligações entre esse universo e os outros
e a possibilidade de circulação de pessoas. Ao aceitar pessoas, assumem a disputa em
um novo campo simbólico. Porém, ao assumir um campo novo, no caso a cultura
midiática, ela pode vir carregada de ideais e modos de ser estranhos ao campo original,
no caso às ADs. O uso de marcas corporais é um deles; os valores de
moda ,apresentados pela mídia, também. Trata-se de uma disputa que o campo da
tradição religiosa assembleiana tem perdido para a cultura contemporânea.
A conversão acarreta inúmeras mudanças, indica o rompimento com hábitos
sociais e culturais que podem estar profundamente enraizados. Ao assumir os modos do
grupo, seus costumes, práticas, chegando à mudança de pensamento e autonegação de
si, ou melhor, de seu passado, o novo convertido assume consigo uma identidade
diferente. Tal fenômeno não aparece só na religião, mas sim em todo grupo, onde há um
interesse ou necessidade de justificar atos, seus costumes ou crenças (FREEMAN,
1993).
Na religião, há um conjunto de hábitos passados do grupo para o indivíduo.
Desdobra-se a partir da inserção-conversão do fiel ao grupo, que ao exteriorizar certos
comportamentos se identifica como fiel. Assumem uma mimese da comunidade, a
identidade do outro que já é convertido. Segundo Taussig (1993), a imitação é a
natureza que a cultura usa para criar uma segunda natureza: é a faculdade de copiar,
imitar, fazer modelos, explorar a diferença, submeter-se e tornar-se outro. A imitação é
uma capacidade típica de rompimento com uma identidade antiga. Taussig afirma:
Taussig analisa a obra de Walter Benjamin, uma vez que esse autor declara a
mimese com uma alta faculdade estética do homem, não só presente na arte, mas na
convivência, na troca de ideias, no diálogo com a alteridade, na capacidade primitiva,
uma vez que o indivíduo é símio e essa palavra vem de símile, ou seja, similar, que
entende a capacidade biológica de imitação. Benjamim anuncia que a mimese ressurge
na sociedade industrial porque a falta de identidades fixas gera a busca incessante por
modelos aos quais as pessoas possam seguir. O pentecostalismo é uma reação a essa
falta de identidade que oferece às pessoas as respostas que querem ouvir.
49
“Então o rei lhes inquiriu: “Qual era a aparência do homem que vos encontrou e vos transmitiu estas
palavras?”E eles lhes explicaram: “Era um homem que usava vestes de pêlos e tinha um cinto de couro. Então ele
prontamente exclamou: “É Elias, o profeta de Tisbé!” (BÍBLIA, 2ª Reis 1:7-8)
50
Abstende-vos de toda a aparência do mal. 23 E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o
vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso SENHOR Jesus
Cristo (BÍBLIA,1ª Tessalonicenses5:22-23.
51
Maressa tem 18 anos, vendedora e estudante de publicidade. Frequentou a Assembleia de Deus Abba
durante toda a vida, e mudou de igreja por mudança de bairro. O depoimento foi concedido ao autor em 01/08/2019,
na cidade de Bauru, na Casa do Hip-hop de Bauru, onde a jovem ministra curso de dança de rua.
entendeu? É o que eu falo, eu não sou desviado... as pessoas falam que esse cara é
desviado... não, eu não sou desviado...né? Ser desviado é estar fora do caminho de
Deus, não (inaudível) do caminho da igreja... as vezes assim, eu falo ó, não to indo na
igreja, mas o meu caminho continua no Senhor, entendeu? Não quer dizer que a igreja
que ta me fazendo ficar fora do caminho... eu já fiquei fora da igreja dois anos, e
continuei no caminho do Senhor, entendeu? Continuei usando, fazendo as mesmas
coisas que eu fazia...orando, lendo, jejuando, tentando sentir/na verdade, sentindo a
presença de Deus, sentindo o Espírito Santo ni mim, sem ir na igreja...cê entendeu?...
Em relação à tatuagem também, converso muito com aluno crente aqui dentro, falei pra
você, tenho muito aluno crente aqui dentro, e eles também vêem em mim uma pessoa
diferente. Porque quando eu falo de Deus, na verdade eu acho que essa é minha missão
né? É falar de Deus da forma que eu falo. E viver da/ mostrar pra eles como eu vivo
bem dessa forma, e como eu sou abençoado dessa forma.
P: E aí eles falam assim “ah, queria fazer, mas o pastor não permite”, você já
ouviu muito isso?
D: Sim! Eu vejo isso (inaudível) e falo que... eles não têm que pensar dessa
forma não. Tem que pensar da forma que eu penso, que se Deus não tocou no coração
dele, que se não incomode ele pra ele não fazer, não faça. Se for pra mostrar pro pastor
“ah, não vou fazer tatuagem porque meu pastor não vai gostar”, então, ele tá no
caminho errado, já, porque tá querendo agradar ao pastor dele e não a Deus.”
(FLORETTI, Depoimento oral, 2019)
52
Ao longo da pesquisa, foi possível testemunhar teólogos afirmarem que isso é ruim. Não vejo como,
acredito que um culto deva, sim, ser visceral e emocional.
Assim, se dá a identidade pela emoção, ou seja, é assim que o evangélico
pentecostal constitui sua forma cultural e sua identidade cultural, por meio de um
tremendo emocionalismo. Encontrar a Deus e ao seu irmão tem sempre uma intensa
carga emocional para esses fiéis, e suas relações sócio-culturais e históricas serão, dessa
forma, sempre emocionais. Para apontá-las, é necessário antes mostrar alguns dos
costumes e práticas que as Assembleias de Deus tradicionalmente estabeleciam.
Evidentemente, outra forma de institucionalização foi dada bem antes na década
de 1950, com a chegada do deuteropentecostalismo (MARIANO, 1999), que passou a
disputar espaço com o pentecostalismo assembleiano. Os oriundos das igrejas
protestantes históricas e renovadas, bem como do pentecostalismo clássico, adotaram
ritmos musicais, vestuário, comportamentos e estilos de vida similares aos seus pares
não evangélicos, subvertendo o padrão estético que boa parte dos pentecostais adotava,
como a Assembleia de Deus ainda faz. Enfatizavam a cura divina em grandes comícios,
e propunham certa liberdade estética, mas não sexual. Apostavam em uma forma muito
atrativa, sobretudo para os jovens. Há um forte apelo emocional também no
deuteropentecostalismo, algo que o Assembleianismo precisava incorporar. Porém, até a
década de 1990, a emoção escolhida era o medo, uma das mais poderosas para controle
social (DELUMEU, 1978). Mas, hoderniamente, a emoção é a promessa de felicidade, e
com uso de técnicas propagandísticas (CORREA, 2013).
Decididos a não se entregar, os assembleianos demonizavam os
deuteropentecostais e reforçavam os ideários de vestimenta santa típica do meio rural.
Conservavam os costumes morais rígidos e impunham grande controle social aos seus
membros. Nessa segunda fase, a AD mais conservadora chegava a ser o Ministério
Madureira - ironicamente, o mais libertário, em costumes e estética, nos dias de hoje.
A ideia era a construção de uma identidade única, mas as diferenças doutrinárias
dividiram ainda mais os fiéis. De todo modo, essa quebra talvez seja a responsável pela
facilidade de aceitação de novas e diversas formas de cristandade nos dias atuais. Hoje,
o trânsito entre igrejas é grande, não há mais monopólio da salvação entre cristãos. Mas
há, ainda, intensa concorrência e disputa pelo mercado religioso.
Esses são tempos que Da Costa e Cozzer (2019) descrevem como um maremoto
varrendo o pensamento ocidental, minando a própria ideia de verdade absoluta. Da sala
de aula à televisão e até mesmo às igrejas, as instituições estão perguntando ao público
o que eles acham que a verdade deve ser e como deve ser; e, então, comercializam seus
produtos de acordo com os caprichos do mundo. É a primeira vez que as pessoas podem
“não saber” e são obrigadas pela sociedade. O símbolo dessa época poderia facilmente
ser a corda elástica. É uma queda livre em nada apenas por fazer isso.
Talvez a melhor definição de pós-moderno seja a de Lyotard. O pós-moderno,
como Lyotard (1984, p.28) o definiu, é "a incredulidade para com as metanarrativas”,
inclusive é uma crítica às representações religiosas. E uma maximização do projeto
moderno de independência de Deus (idem) ao homem que fica individualizado na
história e, portanto, egoísta.
A Modernidade, a princípio, é o período histórico que se estende entre fins do
século XV e os dias atuais. Contudo, além de um período histórico, a Modernidade é a
denominação de um conjunto de fenômenos sociais e é também o resultado de uma série
de eventos marcantes no mundo ocidental ocorridos nos últimos quinhentos anos.
“Mundo Ocidental” seria, neste ponto, a Europa Ocidental: Grã-Bretanha, França,
“Alemanha”, “Itália”, Áustria, Suíça, Países Baixos, Portugal e Espanha, os países com
nomes entre aspas não formavam uma única nação na época. No pós-primeira guerra os
EUA e Japão(já extremamente imerso no capitalismo cientifizado e ocidental) se tornam
parte importante do “Mundo Ocidental” (HUYSSEN, 1986).
Tecnologicamente e cientificamente, a modernidade fez o homem tornar-se
providência para si mesmo, e hoje, para acabar com a fome, as doenças, as inundações,
as epidemias, agora não recorre a Deus, como faziam seus antepassados, mas sim à
medicina, à engenharia, à indústria, etc. (MONDIN, 1980). Modernidade ao mesmo
tempo em que é um período histórico indefinido, é uma crença na certeza do
cientificismo e da racionalidade, na qual as relações sociais são mudadas.
Ter relações pautadas pela racionalidade (hegemônica no ocidente) não era uma
oferta tão ruim frente a uma ideia da idade média, de um absolutismo rigoroso e de uma
crueldade cristã que invadia e destruía reinos considerados bárbaros nas cruzadas ou
queimava mulheres por pensarem diferentes acusando-a de Bruxas. Porém o projeto da
modernidade se mostrou tão senão mais cruel do que a idade média. Temos liberdade,
porem temos outros problemas tal como: exclusão, desigualdade, fome, dentre outros. É
desta situação vivida que surgem novos problemas para as ciências humanas, com
excesso de informação e de abundancia em materiais que, no entanto não trouxeram a
plena felicidade e organização social, com a desvalorização da força de trabalho, o
excesso de produtividade e miséria, com o terror da exclusão social e dos impactos
ambientais; situações que geram insegurança e desconforto. Mas focando-se em um só
aspecto da modernidade, existe a crença inevitável de que a ciência é a única verdade.
Assim Deus, e religiões, não teriam lugar num mundo assim onde apropria
racionalidade, e suas produções, ciência e tecnologia fazem o que antes o homem
recorria as suas divindades. Se hoje o homem quer chuva em uma plantação, não mais
sacrifica uma virgem ao seu deus, mas recorrer a engenharia hidrográfica, se quer saber
se vai chover não mais consulta um oráculo e sim um moderno satélite. Há uma
impressão constante, no mundo moderno, de que a frase de Nietzsche estava correta
agora “Deus está morto”. Não há mais lugar para a metafísica. Mais do que o
racionalismo, a modernidade reduziu o homem a um conceito numérico financeiro, a
sua nova fé seria o dinheiro
Toda essa crise, não passou despercebido aos religiosos, em suas crenças ferrenhas, cuja
fé repousa sua própria identidade, Assim tal crise provocou reações dos religiosos
contra a perda dos valores religiosos que se impunham. O termo fundamentalismo
remete a fundamentos, bases teóricas de uma expressão cultural, está correlato à crença
na interpretação literal dos livros sagrados. Seus membros promovem a compreensão
literal, ou do que entendem ser literal, de sua literatura sagrada. Não aceitam opinião
diversa. Fundamentalistas são encontrados entre religiosos diversos e pregam que os
dogmas de seus livros sagrados sejam seguidos à risca ou ao menos se auto-definem
assim: como seguidores radicais do texto sagrado.
Giddens (2002) observa que vivemos uma época marcada pela perda das
orientações fixas e pela sensação de que não compreendemos plenamente os eventos
sociais. Essa era é marcada por transformações e instabilidades sociais e culturais e as
relações sociais transformou também a percepção dos indivíduos no que se refere à fé.
A fé, segundo Giddens (1991), passa a ser dada ao sistema perito (não mais à
divindade) e, portanto, a religião não responde ao anseio humano: a ciência responde
aos anseios do indivíduo. Mas todos esses fatos históricos geram uma crise, pois o
projeto moderno falha em sua promessa de dar ao indivíduo as prometidas liberdades,
igualdade e fraternidade. Não há liberdade, a não ser para consumir o que a
53
Não são citações apenas críticos da modernidade.
comunicação de massa lhe impõe; não há igualdade e sim concentração de renda; a
fraternidade é um valor perdido junto com as tradições religiosas, o individualismo é o
que pauta as relações.
Aliada a toda manutenção de conhecimento único, surge a ideia de que
conhecimento é poder, e que esse poder foi jungido ao capital, ou seja, a ciência foi
submetida ao interesse do capital, sendo assim o poder referido por Marcuse (1967), o
próprio capital. Para entender o triunfo do capital sobre os valores religiosos, houve
antes um triunfo da comunicação que trouxe e confirmou a modernidade e propôs sua
própria crise (BOLAÑO, 1998). Desde o processo de secularização característico da
modernidade, a religião não detém as únicas explicações sobre a vida e o universo. Os
referenciais logicamente construídos, tais como o socialismo, o corpus filosófico e a
própria ciência também perdem o monopólio explicativo, e não há referenciais fixos e
imutáveis ao ser humano. O homem se encontraria, como afirma Hinkelammert (2008),
num labirinto, sem direção fixa, numa multiplicidade de opções sem referenciais.
A mentalidade puramente racional faz com que nos distanciemos do próximo, do
meio ambiente e dos sentimentos. A modernidade trouxe uma nova consciência do
sentido histórico, uma nova representação da temporalidade e, com ela, o mundo se
fragmentou em valores distintos. O espírito capitalista é moderno, desencantado,
secularizado, racional. A modernidade é o desenvolvimento do processo de progresso,
da razão, da utopia prometida e não conseguida.
A criação do Estado moderno estava subjugada a esse ideal, pensava-se que os
homens racionalmente iriam se entregar a um estado racional e ordeiro e que todos os
conflitos do homem estariam acabados. Iria ser uma era de ouro para a humanidade.
Prometia-se a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Ledo engano, o projeto moderno
em sua estrutura política falha fragorosamente.
O projeto do Estado racional falha. Vivemos uma era de incertezas e riscos. De
certo modo há inúmeras explicações para o fracasso do projeto moderno, das quais
destacamos a posição de Bruno Latour. Para criticar a analise de mundo até então feita,
Latour critica os paradigmas pelos quais houve a compreensão da situação do mundo.
Para ele, o mundo deve ser tratado como um conjunto de “redes” que atravessam esses
três paradigmas - “objetivista”, “sociologizante” e “semiótico” - pois, não sendo apenas
de natureza objetiva, social ou discursiva, são ao mesmo tempo reais, coletivas e
discursivas. (LATOUR, 1994, p. 12).
O que Latour quer dizer é que os problemas da humanidade não podem ser
simplesmente compreendidos por um paradigma ou pensamento racional. É na realidade
cotidiana que devemos ver as explicações das falhas da modernidade e, sobretudo do
Estado moderno que pretendia estar sob construção da racionalidade cientifica. A
modernidade e sua única fonte de verdade: a ciência está limitada a vários fatores,
porém foi extremamente influente no projeto moderno. Contudo, “A ciência visa o
controle dos objetos e das coisas e não busca o puro conhecimento, pois sua finalidade
está embotada pelo poder assim ela tira algumas coisas do campo de visão (LATOUR,
1994, p. 62)”. A ciência diz o que é ou não é verdade, o que ou não legitimo discutir.
Westhelle (1992, p. 266) pergunta: "porque não discutir alquimia, astrologia, a
benzedura ou mesmo a existência de Deus?".
Westhelle (1992, p.267) citando Latour faz a pergunta: “Que sociedade é esta
onde uma formula matemática tem mais credibilidade do que qualquer outra coisa: o
senso comum, outros sentidos além da visão, uma autoridade política ou mesmo as
escrituras?”.
Essa fórmula matemática-física-química teria poder de supostamente explicar o
universo, mas não tem, falhou em vários momentos, na pretensa função de dar sentido à
vida, em explicar as sensações e memórias íntimas que um cheiro pode trazer, em
explicar o amor, e falhou, no sentido moriniano, em seu próprio projeto, uma vez que as
ciências naturais enfrentam agora uma crise em si mesmas. O que libertaria, polui e
mata o planeta.
Nessa crítica ao progresso que produz morte, Benjamin (1989) ao mesmo tempo
critica a guerra, a tecnologia que a potencializa e que o significado de que o progresso
seja a própria técnica. Neste sentido, este suposto progresso, para Benjamin, é falho,
pois só gera morte e vidas sacrificáveis. A ideia de progresso tem a ver com melhora no
tempo. Para Benjamin (1989) o caminho escolhido pela humanidade não leva à
melhora. O futuro reserva o pior. Assim, o progresso que rege a humanidade é também
fruto de uma relação temporal não sagrada. Agamben também diz que os tempos atuais
são marcados por um tipo de relação particular com o tempo.
A contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com o próprio
tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais
precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma
dissociação e um anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente
com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são
contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não
podem manter fixo o olhar sobre ela (AGAMBEN, 2009. p.59).
Recorre-se à figura do jogo de xadrez: não percebemos onde jogamos. Só
quem está de fora percebe melhor. A competitividade da vida contemporânea cega cada
indivíduo para seu próximo.
O homem está privado do próprio senso ou o arbítrio, não escolhe, e lhe é
imposto o jeito de andar, de vestir, de amar e de consumir - e ele assiste a tudo com o
fastio da vida que sonha burguesa. Entediados vemos pela televisão um mundo matrix,
uma nova caverna do mito platônico que acreditamos ser verdade. O homem que
procura repostas não as encontra. Ele procura o dinheiro. Nesse sentido, ainda
Agamben:
Isso significa que o contemporâneo não é apenas aquele que, percebendo o
escuro do presente, nele apreende a resoluta luz; é também aquele que
dividindo e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e de colocá-
lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história,
de ‘citá-la’ segundo uma necessidade que não provém do seu arbítrio, mas de
uma exigência à qual ele não pode responder. É como se aquela invisível luz,
que é o escuro do presente, projetasse a sua sombra sobre o passado, e este,
tocado por esse facho de sombra, adquirisse a capacidade de responder às
trevas do agora. (AGAMBEN, 1996. p.72).
Segundo ele, a espiritualidade ascética se concentra nas disciplinas espirituais que são o
modo progressivo e de treinamento da espiritualidade. Ele encontra apoio bíblico em
passagens como 1 Coríntios 9:24-27. Esse tipo de espiritualidade causará crescimento
espiritual, mas em um processo gradual.
A segunda trajetória que ele chama de “espiritualidade pentecostal” enfatiza a
espiritualidade que cresce por meio da obra do Santo Spirit. Ele usa Gálatas 3:2-3 e 5
para definir esse grupo que é sintetizado pelo “batismo do Espírito Santo”, que não é um
estágio progressivo, mas um salto para uma nova dimensão. É o crescimento espiritual
por meio do contato com Deus que está experimentando Deus.
A espiritualidade pentecostal tem sustentado por todos esses anos as doutrinas e
princípios ortodoxos básicos da fé. O principal ponto de distinção é que o pentecostal
acredita que Deus continua a trabalhar na igreja por meios sobrenaturais. No entanto,
existem valores específicos que moldam a espiritualidade pentecostal. Gandra e
Westphal (2013) em seu artigo isolam cinco valores implícitos que regem a
espiritualidade pentecostal. São eles: 1) A máxima importância da experiência
individual; 2) A importância do falado (oralidade); 3) A autoestima recai sobre a
espontaneidade; 4) Uma tendência de outro mundo em que o eterno, o “lá em cima” no
céu é mais real do que o presente; e 5) A autoridade da Bíblia como base do que se deve
experimentar.
Guerra (2014) sente que muito poucas pessoas apreciam a base filosófica da
visão de mundo pós-moderna simplesmente porque é todo o conjunto de “dados” que
explica o que significa ser humano, “dados” que não precisam de explicação ou
justificação porque esse é apenas o caminho. coisas são. As sugestões a seguir são uma
tentativa de estimular o pensamento e não pretendem ser definitivas. É, afinal, uma
cultura em estado de “devir”, de fluxo, inconformidade, ambiguidade e contradição.
A esperança foi destruída. Agora, como o monstro de Frankenstein, ele ameaça
se voltar contra seu criador e causar devastação global por meio de desastre ecológico
ou holocausto nuclear/biológico/químico nas mãos de algum louco e Deus me livre
mesmo por falha técnica dos sistemas de controle. Assim, o modernismo e o mito do
progresso científico estão mortos ou, pelo menos, em seus estágios finais, mas não há
nada que o substitua. Não se sabe o que está por vir, apenas que será a visão de mundo
que substituirá o modernismo. Até que se venha saber exatamente que forma ela tomará,
pode-se chamá-la de pós-modernismo por enquanto.
Como o nome indica, o pós-modernismo é algo que vem depois do modernismo.
De Morais (2010, p. 45) coloca: “Se a modernidade é um período caracterizado por uma
visão de mundo que agora está terminando, então o que quer que venha a seguir no
tempo pode ser plausivelmente chamado de pós-modernidade”. É o reconhecimento de
que o modernismo seguiu seu curso e que uma mudança está ocorrendo no pensamento
e nas crenças de nossa geração atual. Toda a visão de mundo pós-moderna é baseada no
fracasso do modernismo. O intelecto é substituído pela vontade, a razão pela emoção, a
moral pelo relativismo, a realidade pela construção social.
Para um pós-moderno, o conhecimento é incerto. Portanto, abandona totalmente
o fundacionalismo que é a ideia de que o conhecimento pode ser erguido em algum
tipo de fundamento de primeiros princípios indubitáveis. Não admira que negue a
estrutura da razão na modernidade. O objetivo do pós-modernismo é prescindir de
estruturas. O antifundacionalismo também clama que a história é dissolvida. Não há
distinção entre verdade e ficção. Como não há verdade objetiva, a história pode ser
reescrita para as necessidades de um determinado grupo (por exemplo, em favor de
mulheres, homossexuais, negros e outras vítimas de opressão). Não há abordagem
mental ou espiritual transcendente à Razão Pura ou Realidade, nem há uma essência
interna imutável dentro do indivíduo isenta da lei física. Isso é o que se chamaria de
presunção naturalista básica do antifundacionalismo.
Segundo De Oliveira (2015), o modernismo como explicação do que significa
ser humano (visão de mundo, “grande história” ou metanarrativa) tem se mostrado
inerentemente violento, como todas as outras metanarrativas Essa é a essência do
desconstrucionismo – derrubar pretensas grandes histórias (visões de mundo com
pretensões universalistas), muitas vezes ouvindo os entendimentos locais da verdade das
comunidades minoritárias. A única esperança, então, é desconstruir e rejeitar todas as
grandes histórias, uma vez que são todas opressivas. É opressivo porque a cultura define
a linguagem e as culturas são opressivas, portanto a linguagem é opressiva. Guerra
(2014) sente que muito poucas pessoas apreciam a base filosófica da visão de mundo
pós-moderna simplesmente porque é todo o conjunto de “dados” que explica o que
significa ser humano, “dados” que não precisam de explicação ou justificação porque
esse é apenas o caminho. coisas são. As sugestões a seguir são uma tentativa de
estimular o pensamento e não pretendem ser definitivas. É, afinal, uma cultura em
estado de “devir”, de fluxo, inconformidade, ambiguidade e contradição.
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Para um pós-moderno, o conhecimento é incerto. Portanto, abandona totalmente
o fundacionalismo que é a ideia de que o conhecimento pode ser erguido em algum
tipo de fundamento de primeiros princípios indubitáveis. Não admira que negue a
estrutura da razão na modernidade. O objetivo do pós-modernismo é prescindir de
estruturas. O antifundacionalismo também clama que a história é dissolvida. Não há
distinção entre verdade e ficção. Como não há verdade objetiva, a história pode ser
reescrita para as necessidades de um determinado grupo (por exemplo, em favor de
mulheres, homossexuais, negros e outras vítimas de opressão). Não há abordagem
mental ou espiritual transcendente à Razão Pura ou Realidade, nem há uma essência
interna imutável dentro do indivíduo isenta da lei física. Isso é o que se chamaria de
presunção naturalista básica do antifundacionalismo.
Segundo De Oliveira (2015), o modernismo como explicação do que significa
ser humano (visão de mundo, “grande história” ou metanarrativa) tem se mostrado
inerentemente violento, como todas as outras metanarrativas Essa é a essência do
desconstrucionismo – derrubar pretensas grandes histórias (visões de mundo com
pretensões universalistas), muitas vezes ouvindo os entendimentos locais da verdade das
comunidades minoritárias. A única esperança, então, é desconstruir e rejeitar todas as
grandes histórias, uma vez que são todas opressivas. É opressivo porque a cultura define
a linguagem e as culturas são opressivas, portanto a linguagem é opressiva.
Na linguagem de Nietzsche, a cultura é definida como “vontade de poder”. Na
linguagem de Marx, a cultura é um mero “conflito de classes”. Na linguagem de Freud,
cultura é “repressão sexual”. Na linguagem feminista, a cultura é reduzida ao conflito de
gênero. Em suma, pois uma linguagem pós-moderna não revela o significado, apenas
constrói o significado. Para colocar nas palavras de Dias (2011, p. 45), “Palavras
significam apenas o que desejamos que elas signifiquem”. Portanto, o objetivo dos pós-
modernistas é desconstruir a linguagem e, em última análise, a verdade. A
desconstrução é feita, em primeiro lugar, analisando as metáforas inerentes à linguagem
científica e, em segundo lugar, interrogando o texto para desvendar sua agenda política
ou sexual oculta.
Barroso (2019) ao discutir este tópico em seu artigo diz que a verdade
absoluta não existe “lá fora” no mundo esperando para ser descoberta. A “verdade”
como percebida por cada comunidade humana é a interpretação do mundo. Se a
“verdade” não existe fora da consciência humana, seria melhor insistir que nenhuma
versão da verdade é inerentemente melhor do que qualquer outra. Nenhum sistema de
crença tem superioridade. O pós-modernismo é, portanto, inerentemente pluralista.
Logo, se esta começando a ver isso nas pessoas ao nosso redor. Por exemplo, um
político quebra sua promessa sem qualquer vergonha, um juiz constrói novos princípios
legais que refletem as modas atuais e um jornalista escreve histórias tendenciosas –
histórias que as pessoas querem ouvir em vez de registrar a verdade e um professor
oferece processos e experiências em vez de conhecimento. Algumas pessoas se opõem
ao aborto e ainda afirmam ser “pró escolha”, algumas pessoas afirmam ser “cristãs” em
seu pensamento e também aceitam a ideia de reencarnação, etc. Este é o efeito do pós-
modernismo. Sem qualquer ordem ou verdade absoluta, as pessoas são livres para
acreditar no que quiserem, quer se encaixe com outras crenças ou não.
Os pós-modernistas rejeitam a conexão entre pensamento e verdade. Em
um mundo pós-moderno, as pessoas querem pensar menos e sentir mais. A vida da
mente tem novos modelos. O novo modelo é o capacete de realidade virtual. Maravilhas
tecnológicas como televisão, cinemas, vídeos e computadores tornaram-se realidades e
nenhum estado de existência tipifica melhor o pós-modernismo do que a “realidade
virtual”.
É um estado de estar informado, mas desconectado; de poder sem as
dificuldades de enfrentar os outros cara a cara. Da Silva (2008) escreve sobre as
maravilhas tecnológicas que são “feitas por pessoas que tendem a não se conhecer para
pessoas que não conhecem e provavelmente nunca conhecerão”. De fato, para um pós-
modernista, “toda realidade é realidade virtual”. Como a existência não tem sentido e
não estamos ligados à história ou seus valores por nenhuma verdade vinculante,
ninguém pode ter certeza de onde a realidade e a não-realidade começam e terminam.
De Oliveira e Rocha (2018, p. 10) escreveram: “Se alguém não tem base para julgar,
então a realidade desmorona, a fantasia é indistinguível da realidade; não há valor para
o indivíduo humano, e certo e errado não têm significado”.
A tecnologia pode ser uma bênção ou uma maldição. Nesse sentido, está se
tornando uma maldição. Sousa (2020) chamou esse controle tecnológico de
“Tecnopólio – a submissão de todas as formas de vida cultural à soberania da técnica e
da tecnologia”. Na mesma linha de Carvalho (2018), lamenta a tomada de nossa
sociedade por um meio tão sem valor: “Quando a informação é transmitida pelo
ciberespaço, o meio molda a mensagem, o mensageiro e o receptor. Isso molda toda a
cultura.”
Em vista do fato de que quem somos é criado pela experiência de vida, faria
todo o sentido para mim agora assumir o controle de minha identidade e fazer de “eu” o
que eu quiser ser. Segundo Follis e Malheiros (2022), o caso exemplar é uma gama de
identidades ou performances é fornecido por Madonna que desenha uma multiplicidade
de representação, desde material, através da criadora de sua própria sexualidade, à
vulnerabilidade de Monroe.
Com a ênfase na sociedade, o pós-modernismo também nega que os humanos
sejam a coisa mais importante do mundo. A exaltação das pessoas pelo humanismo
secular não tem lugar no pensamento pós-moderno. Antes de aplaudirmos a morte do
humanismo secular nas mãos do pós-modernismo, devemos perceber que os pós-
modernistas negam que um ser humano tenha qualquer significado especial. As pessoas
não são melhores ou mais importantes do que qualquer outra coisa no mundo. É aqui
que os modernos direitos dos animais e os movimentos ecológicos ganharam força. Os
humanos são apenas mais um ser vivo no planeta, não mais nobre e sem mais “direitos”
do que corujas malhadas ou pinheiros.
Assim, os humanos são insignificantes. Talvez se possa ver onde isso está indo.
Se a vida humana não é mais valiosa do que qualquer outra vida, então não pode haver
nada de errado com infanticídio, aborto ou qualquer outro meio de controle
populacional. Mesmo a chamada limpeza étnica de Hitler e, mais recentemente, na
Bósnia, não seria errada para o pós-modernista.
Segundo Otto (2007), o sagrado é aquilo que dá sentido à vida das pessoas. Mas
o que é afinal esse sagrado? Como é esse sagrado que foge de toda e qualquer
racionalidade? De acordo com o autor,
Conceitualmente, mistério designa nada mais que o oculto, ou seja, o não
evidente, não apreendido, não entendido, não cotidiano, nem familiar, sem designá-lo
mais precisamente segundo seu atributo. Mas o sentido intencionado é algo positivo por
excelência. Seu aspecto positivo é experimentado exclusivamente em sentimentos. E
esses sentimentos podemos explicitá-los em formulações sugestivas [...] O atributo
tremendum é, para começar, uma caracterização positiva do que estamos tratando. O
termo latino tremor em si significa apenas medo ou temor – sentimento natural
bastante conhecido [...] Em algumas línguas existem expressões que designam exclusiva
e preponderantemente esse temor, que é mais que temor. Por exemplo, hiqdish =
santificar, em hebraico. Santificar algo em seu coração significa distingui-lo por
sentimento de receio peculiar, que não deve ser confundido com outros receios,
significa valorizá-lo pela categoria do luminoso. (OTTO, 2007, p.45).
De modo geral, os cristãos são avisados por seus líderes a não tatuar os corpos
uma vez que este é o templo do Espírito Santo, um templo sagrado e que deve ser
deixado limpo sem mácula.
Ao afirmarmos que Deus é criador e um apreciador da arte, da beleza, os
religiosos em geral afirmam que Deus menospreza esta expressão artística. Pecado ou
não, manifestação artística, paganismo o que quer que seja não podemos nos esquecer
de que independente de qualquer coisa, Deus nos ama incondicionalmente e que não
será uma tatuagem que nos afastará deste amor.
Assim, o que deve comandar nossa mente é o bom senso, devem-se ponderar os
prós e contras de se realizar uma tatuagem não apenas os aspectos religiosos mas
também aspectos sociais, pessoais (futuros arrependimentos), exemplos para os filhos...
o que realmente precisa ser feito é um trabalho de conscientização dos membros mais
preconceituosos a buscarem sabedoria para superar suas opiniões e medos afim de
aprenderem a ver as pessoas como Deus as vê.
Ao que tudo indica, conforme o tempo passa, a prática da tatuagem não apenas
tem se popularizado entre pessoas das mais variadas idades e gêneros como também
tem apresentado indícios de que ela veio para ficar. Em muitas situações as pessoas se
tatuaram em um momento específico de sua vida e que agora devido a questões
financeiras, pois a remoção da tatuagem além de ser um método caro é extremamente
dolorido não deve ser um impeditivo de recebimento de visitas ou de novos membros. A
igreja deve estar preparada para isso.
Jesus andava e comia com todo tipo de pessoas e pecadores e nem por isso
foram por Ele condenados, ao contrário, Cristo supria suas necessidades espirituais e
deixava de lado o velho ser humano para amar e respeitar ao novo ser humano renascido
do perdão, assim nós devemos receber os tatuados com o mesmo amor e altruísmo que
Cristo recebia aos pecadores. Se estas pessoas forem alcançadas pela Graça Redentora
de Cristo, elas devem ser integradas à sociedade eclesiástica.
Aprender a ver através das tatuagens um ser humano criado à imagem e
semelhança de Deus como uma obra de arte, enxergar uma alma que vale muito mais do
que o mero legalismo religioso, esta deve ser a meta de vida do cristão.
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Logo, se esta começando a ver isso nas pessoas ao nosso redor. Por exemplo, um
político quebra sua promessa sem qualquer vergonha, um juiz constrói novos princípios
legais que refletem as modas atuais e um jornalista escreve histórias tendenciosas –
histórias que as pessoas querem ouvir em vez de registrar a verdade e um professor
oferece processos e experiências em vez de conhecimento. Algumas pessoas se opõem
ao aborto e ainda afirmam ser “pró escolha”, algumas pessoas afirmam ser “cristãs” em
seu pensamento e também aceitam a ideia de reencarnação, etc. Este é o efeito do pós-
modernismo. Sem qualquer ordem ou verdade absoluta, as pessoas são livres para
acreditar no que quiserem, quer se encaixe com outras crenças ou não.
É um estado de estar informado, mas desconectado; de poder sem as
dificuldades de enfrentar os outros cara a cara. Da Silva (2008) escreve sobre as
maravilhas tecnológicas que são “feitas por pessoas que tendem a não se conhecer para
pessoas que não conhecem e provavelmente nunca conhecerão”. De fato, para um pós-
modernista, “toda realidade é realidade virtual”. Como a existência não tem sentido e
não estamos ligados à história ou seus valores por nenhuma verdade vinculante,
ninguém pode ter certeza de onde a realidade e a não-realidade começam e terminam.
De Oliveira e Rocha (2018, p. 10) escreveram: “Se alguém não tem base para julgar,
então a realidade desmorona, a fantasia é indistinguível da realidade; não há valor para
o indivíduo humano, e certo e errado não têm significado”.
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Segundo Otto (2007), o sagrado é aquilo que dá sentido à vida das pessoas. Mas
o que é afinal esse sagrado? Como é esse sagrado que foge de toda e qualquer
racionalidade? De acordo com o autor,
Conceitualmente, mistério designa nada mais que o oculto, ou seja, o não
evidente, não apreendido, não entendido, não cotidiano, nem familiar, sem
designá-lo mais precisamente segundo seu atributo. Mas o sentido
intencionado é algo positivo por excelência. Seu aspecto positivo é
experimentado exclusivamente em sentimentos. E esses sentimentos
podemos explicitá-los em formulações sugestivas [...] O atributo tremendum
é, para começar, uma caracterização positiva do que estamos tratando. O
termo latino tremor em si significa apenas medo ou temor – sentimento
natural bastante conhecido [...] Em algumas línguas existem expressões que
designam exclusiva e preponderantemente esse temor, que é mais que temor.
Por exemplo, hiqdish = santificar, em hebraico. Santificar algo em seu
coração significa distingui-lo por sentimento de receio peculiar, que não deve
ser confundido com outros receios, significa valorizá-lo pela categoria do
luminoso. (OTTO, 2007, p.45).
ainda que viessem sendo construídas desde o século XVIII. O conscrito do século XVIII seria o precursor dessa
imagem: "Os jovens que quiserem partilhar da reputação que este belo corpo adquiriu poderão dirigir-se a M.
D’Albuan ... Eles [os recrutadores] recompensarão aqueles que lhes trouxeram belos homens" (Ariès, 1981, p. 46).
quanto pelos colegas de mocidade. O discurso evangélico no Brasil propaga esses
controles em cada igreja. Há uma campanha na CEAB feita por uma liderança do
“Ministério Eu Escolhi Esperar” (grande grupo interdenominacional e internacional,
cuja finalidade é promover a espera pelo sexo após o casamento heterossexual, e tem
hoje mais de 2 milhões de seguidores no Facebook) em que todos os jovens usam as
pulseiras com os dizeres “eu resolvi esperar”. Essa escolha é vista como um
compromisso com Jesus, de aguardar pelo casamento para que se tenham relações
sexuais.
Embora o namoro entre jovens da igreja seja estimulado, como um
compromisso, é também rigidamente controlado. Com toda essa opressão, ocorre um
fenômeno comum às igrejas pentecostais, o casamento precoce – casam-se assim que
atingem a maioridade, ainda que em condições financeiras precárias.
A sexualidade fluida típica de nosso tempo não é aceita, ao menos no discurso,
entre os jovens Assembleianos, é o que mostra o estudo de Paz Alves:
Há reconhecimento de que o sexo é bom e dá prazer, o que não é
condenável, desde que dentro de um contexto apropriado para sua realização.
Sua concretização prematura traz prejuízos ao/a jovem, que então passa a
viver em prostituição, perdendo, acima de tudo, o elo com a divindade. Neste
sentido, o zelo com o corpo representa acima de tudo, um cuidado especial
com o “templo do espírito”, ao passo que usufruir dos prazeres que a
sexualidade propicia fora das normas prescritas representa a quebra do elo
espiritual d e de toda a comunidade. (PAZ ALVES, 2011, p. 89).
A mesma pesquisa mostra que há exceções e violações das regras rígidas nesse
contexto, porém, o pensamento predominante é a conservação sexual e virgindade antes
do casamento. Após o matrimônio o sexo é permitido, e atualmente, estimulado entre
cônjuges.
Em Geertz (1978), a religião é um sistema de significados que estabelece uma
relação fundamental entre um estilo de vida particular e uma metafísica específica
(visão de mundo). O pentecostalismo atrai muitos jovens, mesmo aqueles com origens
familiares de outras religiões, justamente por oferecer um estilo de vida pautado numa
visão simples, e ao mesmo tempo, rígida de organização do mundo e das relações
sociais.
Em um período onde as instituições públicas, a família, a política, não oferecem
respostas convincentes e estão em crise (BECKER,), os jovens encontram um lugar que
lhe oferece um tratamento diferente das incertezas geradas pela modernidade. Na igreja,
encontram a rara essência comunitária em oposição ao individualismo contemporâneo:
um abraço, compreensão, ouvidos dispostos e atentos de outros jovens, e
principalmente, um agrupamento social coeso, em que há preocupação, aceitabilidade e
amor entre os pares.
Em excelente ensaio, Paz Alves (2011) mostra algo interessante:
Ser jovem no contexto pentecostal da Assembleia de Deus, no caso
que apresentaremos aqui, implica em seguir um caminho que contraria, em
princípio, o que é vivenciado pelos/as demais jovens em sociedade. Tal
afiliação representa, provenha-se ou não de berço evangélico, a escolha por
uma distinção (Bourdieu, 2007), que se atrelada a uma vivência religiosa que
implica em seguir padrões de conduta que remetem a uma separação da
sociedade inclusiva – “do mundo secular” –, particularmente de determinados
elementos “perigosos” desta, vistos como nocivos à vida cristã. Por fim,
exige-se um disciplinamento da mente e do corpo, de modo que em cada
gesto, na forma de vestir e de falar, se demonstre que se trata de alguém
“separado do mundo”. A percepção do “ser diferente” apresenta distintos
acentos, destacando-se a noção de separação “do mundo”, vista como algo
positivo e superior ao que vivenciam os/as demais jovens, com a contínua
afirmação que se é “normal” apesar da diferença. De qualquer forma,
também se vivenciam situações e conflitos comuns aos jovens de hoje, já que
também se comunga, num amplo sentido, de uma realidade similar enquanto
juventude. Ambigüidades e ambivalências são apreendidas nas falas dos/as
interlocutores/as, conforme demonstraremos ao longo do trabalho. (2011,
p.84).
Assim se consolida a identidade jovem nas Assembleias de Deus. Sobretudo, há
um grupo coeso de amizades confiáveis. Claro que em todo contato humano pode haver
falhas, conflitos, mas há um discurso dominante de que o jovem será aceito e amado
incondicionalmente. A aceitabilidade para o jovem assembleiano, conclui-se, figura
como parte importante de sua construção identitária, em que ele observa a possibilidade
de “ganho social”.
O conceito de ganho social foi elaborado a partir dos estudos de Frost e Hoebel
(2006) que apresentaram, de forma subjacente à discussão central de busca de
reconhecimento, uma preocupação com o indivíduo e a perspectiva de agregação de
valor social. Deste modo, neste trabalho, o conceito de ganho social é compreendido
como um conjunto de aspectos que favorecem o reconhecimento e a identidade de um
grupo, em todo seu feitio: como membro, indivíduo, profissional, e como cidadão
política e socialmente determinado. Neste sentido, não é somente a perspectiva do
desenvolvimento do sujeito que conta, mas a sua inserção no grupo social e os impactos
que, por meio dele, o grupo pode auferir.
O ganho social evangélico visa um reconhecimento social da comunidade. Por
exemplo, um cantor, um presbítero ou um pastor tem grande reconhecimento dentro do
grupo, bem como os músicos, obreiros, dentre outros. Quando o fiel sabe que é visto na
comunidade, cria-se a cultura do reconhecimento. Alencar exemplifica:
O ganho social que as Marias e os Raimundos, gente semianalfabeta
ou analfabeta, têm ao falar ou cantar em um culto público e, principalmente,
ao “ar livre” com uma multidão de ouvintes, é incalculável. Este substrato da
sociedade que nunca teve nome, oportunidade, não tem significação nem
posição social, mas ao “ar livre143”, em público, fala, canta, dá testemunho e
prega. Com um livro na mão – livro: sinal de “gente de letra” – na rua da sua
casa, na feira, no mercado, na praça, em qualquer pedaço de calçada, ele tem
voz e vez. Sintomaticamente, como ainda hoje é frisado nas ADs, “os irmãos
e irmãs têm oportunidade”. Faz-se uma leitura bíblica e, depois, em alto e
bom som (não existia aparelho de som eletrônico na época) proclama sua
verdade. “Voz” que adquiriu somente porque virou crente! “Oportunidade”
que tem porque prega! (ALENCAR, 2013, p.85).