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CAPÍTULO 2 – HISTÓRIA E CONSIDERAÇÕES SÓCIO-

ANTROPOLÓGICAS E DEMOGRÁFICAS DO PENTECOSTALISMO E DAS


ASSEMBLEIAS DE DEUS, CARATERÍSTICAS GERAIS DA INSTITUIÇÃO E
OUTRAS CONSIDERAÇÕES.

Nesse capítulo, serão tratados os aspectos históricos e alguns aspectos sócio-


antropológicos das Assembleias de Deus. Assim, será descrita de modo breve a história
do pentecostalismo e das Assembleias de Deus no Brasil.
Outrossim se faz importante descrições demográficas e geográficas, focalizando
seu crescimento e estrutura. Pouco vai se falar da politica partidária. Há inúmeras obras
mais focadas nesse sentido1 tal como a obra de Rodolfo Moura, salvo em momento em
que se relaciona diretamente com a tese, que não tem intenção politica - partidária.
Como é uma instituição religiosa, cabe também algumas considerações sociológicas
acerca da mesma.
Será constituída uma explanação sóciologico-histórica multidisciplinar desde às
primeiras manifestações pentecostais, protestantes até a situação das comunidades em
estudo. Estando a história em constante movimento, deve ser considera como uma
ciência cujo apoio é fundamental nas ciências multidiciplinares como historia e
sociologia, caso da presente tese. A importância da historia se dá porque sempre
ocorrem fatos novos no Brasil e no mundo. A história do protestantismo e do
pentecostalismo se faz por força necessário apresentar em uma tese sobre a maior
denominação pentecostal do mundo: a Assembleia de Deus no Brasil.
O enfoque será o viés da história critica e sociologia pelo ponto de vista dos
membros da AD. apontar-se-á alguns aspcetos demográficos. E é sobre a demografia,
aliada ao atual cenário religioso, que esse trabalho abordará, tendo como questão
norteadora o crescimento das ADs. Note-se que é igreja que mais tem crescido nos
últimos censos demográficos e a maior parte desse crescimento se dá entre a população
jovem. Seria a aceitação/acomodação de novos costumes um fator para a permanência e
crescimento desta instituição? É uma pergunta em aberta que tentaremos responder.

1
teologia política são os discursos que reivindicam a presença da religião na esfera pública é cerca de dois séculos
atrás religião e política andavam juntas. A coisa começou a mudar quando o Iluminismo propôs que o Estado deveria
ser laico, ou seja, pautado pela lógica racional. Esta filosofia animou várias correntes que quando chegaram ao poder
limitaram a influência política das religiões. Porém, até hoje as religiões tentam responder a isso, buscando
reintroduzir os textos sagrados como elementos capazes de influenciar a vida pública e pelo que Boaventura
percebeu tais respostas teológicas podem ser distribuídas entre dois extremos
Enquanto instituição é importante trazer suas caraterísticas gerais, visto que o
estudo institucional é caro as ciências sociais e história. A força da instituição também
tem ressonância cultural com o fenômeno ora estudado.

2.1 Da História do Pentecostalismo e da Assembleia de Deus no Brasil


A história do pentecostalismo é rica e vasta, merecedora de várias teses. No
Brasil, a história das ADs está também ligada ao movimento pentecostal. Trata-se de
uma comunidade religiosa não homogênea e há diversas Assembleias de Deus.
Nenhuma delas pode advogar para si o nome exclusivo de Assembleia de Deus, situação
já garantida institucionalmente em decisão jurídica pelo STJ em processo a qual se põe
a ementa jurisprudencial em rodapé2, portanto há diversidades no chamado
assembleianismo, embora todas as comunidades que se denominam Assembleia de Deus
partilhem de uma história comum, julgando-se pentecostais.
O que define um pentecostal é a declaração na crença de ser conduzido pela
presença constante do Espírito Santo, de forma que todas as suas ações, ou os eventos
de sua vida, sejam obra ou permissão da divindade. Os registros de atitude pentecostal
acompanhado de transes, profecias, expressões corporais, gritos, choros e desmaios, são
relatados desde a antiguidade. Esses fatores são teologicamente identificados como
carismas espirituais. Desde o Primeiro Concilio de Nicéia, tais carismas foram

2
Em abril de 1998, a CGADB abriu processo contra a Assembleia de Deus - Ministério Madureira, pelo uso
indevido de nome Igreja Assembleia de Deus, caso este levado até o STJ, donde se decidiu que o uso de nome de
igreja não se equipara à empresa, desde que diferenciado por outro patronímico, no caso ministério X ou Y,
apresentado como diferenciação após o uso de nome central. Ou seja pode se ter assemblai de Deus acrescida de
outro nome como é o caso Assembleia de Deus Madureira ou assembleia de Deus Ipiranga. No caso, Assembleia de
Deus não confunde os produtos ofertados, além disso, a igreja já estava em funcionamento há mais de 40 anos
quando do processo, e prescreve em cinco anos para esse tipo de ação, conforme entendimento já firmado em súmula.
Não há, juridicamente, a possibilidade de uso de nome exclusivo por uma só parte do processo do nome igreja
Assembleia de Deus. STJ - Certidão de Julgamento. Resp 66.529/SP (STJ), decidiu o colendo órgão com base na lei
Lei 9.279/96 (que trata de marcas e patentes) em seu Art. 124. Não são registráveis como marca: III - expressão,
figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de
pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimento dignos de respeito e
veneração; (grifos pelo relator) e se o órgão é registrado como entidade sem fins lucrativos portanto não temos
interessem em consumidores ou em lucro o que tem consequência direta sobre o uso do nome: Diz a supra citada Lei:
Art. 43. O disposto no artigo anterior não se aplica:
I - aos atos praticados por terceiros não autorizados, em caráter privado e sem finalidade comercial,
desde que não acarretem prejuízo ao interesse econômico do titular da patente;(grifos nosso). Assim já se decidiu o
colendo STJ:
“Não há meios jurídicos que garantam a propriedade do nome de religioso, "podendo ser ostentado,
pronunciado, venerado e adotado por quantos seguidores e/ou cultores tenha ou venha a ter, individualmente ou
organizados em associações" (acórdão estadual), haja vista o que ordinariamente acontece com as igrejas cristãs pelo
mundo afora. 4. Recurso especial fundado na alínea a, de que a Turma não conheceu.(REsp 66.529/SP, Rel. Ministro
NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 21.09.1999, DJ 19.06.2000 p. 138). In: BRASIL, livro
atualizado de jurisprudência da corte do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 66.529, originário do tribunal
de Justiça de São Paulo, edição 1999, 20 de dezembro de 1999, casa publicadora dos acórdãos do STJ.
repudiados pela igreja católica, salvo se reconhecidos pelo papa no âmbito da santidade
e violentamente reprimidos, inclusive com a morte, até o Segundo Concílio do Vaticano.
Segundo o Dicionário do Movimento Pentecostal, o verbete Pentecostal se refere
a quem tem uma experiência de batismo com o Espírito Santo, é o adepto que crê na
possibilidade de receber a mesma experiência que os apóstolos receberam no dia de
Pentecostes (ARAUJO, 2007) e que está descrita na Bíblia, no livro de Atos dos
Apóstolos 2.1-13 (BÍBLIA, 1995). De acordo com o verbete, tal batismo se manifesta
nas seguintes formas: glossolalia, êxtase religioso, poderes de cura, poderes de profecia
ou revelação, dom de Sabedoria e de Conhecimento, dom da Fé, dom de Operação de
Milagres, dom de Discernimento de Espíritos, dom de Interpretação e de variedade de
Línguas (acreditam ser a manifestação de Glossolalia recorrente nesses cultos) e outros,
que seriam os dons dados pelo Espírito Santo descritos na primeira epistola aos
Coríntios 12:7-10 da Bíblia Sagrada3. Essas características classificam teologicamente
um pentecostal.
Não obstante de tal repressão, os carismas continuavam a se manifestar
esporadicamente na história religiosa, com grupos como os cátaros, os begardos e
beguinas, e o apocaliptismo de Gioacchino da Fiore, no século 12 (BRANDT, 1977). O
rei de Portugal, D. Afonso V, queria trazer suas navegações na África e Ásia para a Era
do Espírito Santo, mesmo que à força (RIBEIRO, 1993), e não foi considerado herege
pela igreja católica por conta de suas ricas contribuições à Cúria Romana.
Dessa forma, pode-se perceber a razão pela qual os fortes elementos simbólicos
do pentecostalismo enfatizam o sentido de pertencimento ao grupo. Segundo Walter
Hollenweger (1976), pode-se dizer que esta forte consciência de pertença a uma
comunidade relativiza a insegurança, os problemas do desemprego, o alcoolismo, enfim,
as mazelas da vida social, pois o crente está incorporado a uma família de irmãos, onde
há mútua ajuda e nortes éticos bem definidos (HOLLENWEGER, 1976). Como atesta
Beatriz Souza, o “batismo do Espírito Santo”, bem como o “das águas”, reforçam a
solidariedade e a coesão grupal, pois constituem bênçãos individuais compartilhadas e
sancionadas pela congregação dos fiéis (SOUZA, 1969, p. 137).
Leonildo Silveira Campos (2005) privilegia o enfoque sociológico, destacando
como as peculiaridades culturais e as transformações sociais e econômicas dos Estados
Unidos no século 19 contribuíram para a ocorrência do fenômeno. Os carismas ganham

3
Usamos para a nossa análise a Bíblia de Estudo Pentecostal.Trad. João Ferreira de Almeida. Edição rev. E
corrigida. Rio de Janeiro - RJ: CPAD-1995
notoriedade no país, por exemplo, quando a imprensa passa a dar enfoque a tais fatos
nesse período.
Com a crise europeia do final do séc. XVIII e início do séc. XIX, imigrantes
com culturas híbridas chegavam às Américas. Desejosos de um recomeço, várias
correntes culturais, políticas e também religiosas desembarcavam em busca de
esperança no novo mundo. Tais emendas religiosas não foram bem aceitas pelo
puritanismo estadunidense. A reação foi rechaçar aos imigrantes e o estabelecimento de
ideais religiosos de pureza e santidade pelos norte-americanos.
A história da Assembleia de Deus tem as suas raízes em Chicago, cidade norte-
americana cuja população era constituída em boa parte por imigrantes e onde o
pentecostalismo eclodiu para o mundo. Entre os imigrantes estavam dois suecos de
origem batista: Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1885-1963). Vingren foi
para os Estados Unidos em 1903 e estudou no seminário da igreja batista sueca em
Chicago. Em seguida, pastoreou algumas igrejas e abraçou o pentecostalismo, época em
que conheceu o colega Daniel Berg (BARTLEMAN, 2010).
As duas igrejas pioneiras do pentecostalismo brasileiro tiveram sua origem em
Chicago, por meio do ministério de William H. Durham. Um dos seus discípulos foi o
italiano Luigi Francescon (1866-1964), que se estabeleceu nos Estados Unidos em 1890
(ALENCAR, 2011). Em Chicago, foi um dos fundadores da Igreja Presbiteriana Italiana
daquela cidade. Em 1903, foi batizado por imersão e passou a reunir-se com um grupo
holiness, até descobrir a mensagem pentecostal na igreja do pastor Durham. Foi
batizado com o Espírito Santo em 1907. Em 1909, ele e Giacomo Lombardi foram para
Buenos Aires, onde abriram uma igreja. No início do ano seguinte, Francescon visitou
São Paulo e a pequena Santo Antônio da Platina, no Paraná. Em uma segunda visita, em
junho de 1910, criou a Congregação Cristã, que resultou na Igreja Presbiteriana do Brás,
constituída em boa parte por italianos (BARTLEMAN, 2010).
Eclesiasticamente falando, os pentecostais consideram-se povo/exército dos
remidos pelo sangue de Jesus, comunidade dos renascidos e dirigidos pelo Espírito
Santo (HOLLENWEGER, 1976, p. 425). O sentimento de pertença e acolhida não é
circunscrito apenas ao nível da congregação local. Esse sentimento é macro, pois se
estende à organização eclesial como um todo. Dessa forma, o intercâmbio de crentes de
igrejas menores para com igrejas sede reforçaria laços de união e mútua ajuda. Os
crentes de templos diferentes que se encontram, por exemplo, no templo sede de uma
região, fazem trocas como fazem com seus pares locais, falando dos progressos de sua
congregação, do trabalho lá realizado, de como Deus está abençoando a obra etc.
(ROLIM, 1987, p. 44).
Outro aspecto muito presente na vida comunitária pentecostal, especialmente em
atos simbólicos como as vigílias, jejuns e cultos, é o convite às pessoas para “o
testemunho sobre a ação de Deus em suas vidas” (CAMPOS JR, 1995, p. 69). O crente
pode ser convidado, mas sabe que tem ali o espaço para espontaneamente relatar sobre a
presença de Deus em sua vida, no trabalho, na família; como Deus o teria curado de
uma doença; da proteção de Deus num momento difícil etc.
Segundo Antoniazzi (1996), o pentecostalismo se caracteriza como uma
experiência religiosa ou como uma espiritualidade cristã, mais do que uma particular
interpretação do cristianismo. Não se trata, por exemplo, de uma teologia do Espírito
Santo, mas de uma maneira de se relacionar com o divino, que crê sentir a presença
ativa do Espírito na comunidade dos crentes e que percebe a manifestação do poder de
Deus no indivíduo. Ou seja, Deus, agiria diretamente através do Espírito Santo em suas
vidas, suas liturgias, sua vida econômica, sua saúde etc. Sobre essa perspectiva,
corroboram excelentes obras que trabalham a história do pentecostalismo, como Rolim
(1985), Mariano (2008), Gedeon Alencar (2013) e, do ponto de vista subjetivo, Emilio
Conde (2011).
A ação direta da figura trinitária do Espírito Santo foi diversas vezes relatada no
Antigo Testamento, principalmente sob a forma de profecias, mas nunca da forma mais
perceptível, as línguas estranhas, ou seja, a glossolalia. Esta, segundo Degrandis (2000),
é tida como uma demonstração externa, evidente e pública, pelos fiéis, de que têm
contato com o Espírito Santo. Esse sinal está ligado ao que ocorreu no evento de
Pentecostes, segundo o relato bíblico expresso no livro Atos dos Apóstolos (At 2,1-12),
E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no
mesmo lugar; E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente
e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas
por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada
um deles.
E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas,
conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. ¶ E em Jerusalém
estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão
debaixo do céu.
E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa,
porque cada um os ouvia falar na sua própria língua.
E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não
são Galileus todos esses homens que estão falando?
Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos
nascidos?
Partos e Medos, Elamitas e os que habitam na Mesopotâmia, Judéia,
Capadócia, Ponto e Asia,
E Frígia e Panfília, Egito e partes da Líbia, junto a Cirene, e forasteiros
romanos, tanto judeus como prosélitos,
Cretenses e árabes, todos nós temos ouvido em nossas próprias línguas falar
das grandezas de Deus.
E todos se maravilhavam e estavam suspensos, dizendo uns para os outros:
Que quer isto dizer? (BÍBLIA, Atos 2:1-12).

A crença da manifestação dos poderes do Espírito Santo, manifestado nos


homens, é conhecida como Karismas, do grego, ou dons espirituais “mencionados no
Novo Testamento, particularmente aqueles extraordinários ou espetaculares, tais como
profecias, línguas estranhas, curas e milagres” (MATOS, 2006, p. 28). As referências no
Antigo Testamento são diversas, relatadas em diferentes situações e traduzidas das
palavras Ruah, Sophia e Shekinah, em 1 Êx 35:31 Sm 16:14 Is 11:2, Ez 1;Gn 40.1-8, Gn
41.1-36; Dn 2; 4.10ss, Jz 13:25, (KELLY,1993) dentre outras inúmeras expressões que
variam, desde traduzidas como Espírito (em maiúsculo), Espírito de Deus, Espírito do
Senhor. Em todas essas formas, os relatos eram algo de extraordinário, que relata o
Deus Judaico-Cristão cooperando ou guiando alguma ação humana. Há 389 ocorrências
do substantivo no Antigo Testamento (MATOS,2006). Assim, creem que Deus está
presente no seu cotidiano, isso é ser pentecostal, ter essa crença.
No Novo Testamento, aparece prometido por Jesus como uma presença futura;
em João 14:26, em Atos 2, e relatado também nas epístolas paulinas. O apóstolo Paulo
dá a entender que ele próprio vivera experiências reveladas pelo Espírito, mas se mostra
discreto em relação a elas, demonstrando sua preocupação com os excessos e distorções
carismáticas, conforme relatado em 1 Coríntios 12–14.
Bruner (1983) retrata a história do Espírito Santo através do tempo: no
cristianismo primitivo, as formas carismáticas aparecem narradas de inúmeras formas,
sendo o mais antigo movimento carismático do cristianismo antigo o montanismo,
surgido na Frigia, Ásia Menor, aproximadamente em 170 d.C. Montano se dizia
representante do Espírito Santo, que iria anunciar a volta de Cristo e seus seguidores
davam muita ênfase às visões e profecias. Tertuliano (c.160-c.225), um dos mais
influentes teólogos cristãos primitivos, demonstrou certa aceitação por esse movimento,
sobretudo elogiava sua moralidade ascética, que influencia os pentecostais até os dias de
hoje. Os montanistas viviam separados dos outros cristãos e se diziam adeptos do
Paráclito (do grego koiné παράκλητος - paráklētos; em latim, paracletus
significa "aquele que consola ou conforta; aquele que encoraja e reanima; aquele que
revive; aquele que intercede em nosso favor") ou "pneumáticos" (inspirados pelo sopro
do Espírito – do grego Pneuma).
Foram reprimidos pelas igrejas oficiais, tanto pela romana quanto pela do
ocidente. A história dos montanistas e suas atitudes contestadoras fizeram com que a
igreja católica reprimisse violentamente as manifestações de dons espirituais de
natureza espetacular ou miraculosa, já que tais dons colocavam em risco a autoridade da
igreja e de seus líderes. Durante o protestantismo clássico, alguns fiéis também
demonstraram simpatia por movimentos carismáticos. Assim relata João D. Passos, “No
Sec. XVII, surge o movimento pietista, inspirado por alguns líderes espirituais como
Jacob Spener, na Alemanha, e João Wesley, na área britânica, teve sua sequencia nos
movimentos de reavivamento, especialmente nos Estados Unidos da América.”
(PASSOS, 2005, p. 26).
Um dos exemplos mais conhecidos é o dos Quakers ingleses, surgidos no século
17. Essa nominação se dá por conta de seu significado: tremedores. E, de fato, tremiam
e rolavam enquanto oravam. Há também o exemplo dos avivamentos puritanos dos
séculos 18 e 19, tanto na Europa quanto na América do Norte, que pregavam ascese ao
mundo moderno que se instituía. Matos (2006) chama atenção para o ministério de
Edward Irving, no século 19, um pastor presbiteriano considerado o precursor do
moderno movimento carismático. Ocorre que diversos movimentos avivalistas e
puritanos ocorriam como reação à liberalidade de costumes e suas novidades científicas 4
(STRONG, 1993). Na América do Norte, também desenvolviam-se movimentos
avivalistas:
Essas ênfases se intensificaram em muito com o surgimento do Segundo
Grande Despertamento, ocorrido na região da fronteira oeste durante as
primeiras décadas do século 19. Sob a influência de pregadores como Charles
G. Finney (1792-1875), houve um progressivo questionamento da teologia
reformada tradicional, com seu enfoque na soberania de Deus, e uma ênfase
crescente na liberdade, iniciativa, capacidade de decisão e experiência
pessoal, em sintonia com a nova cultura americana que então se consolidava.
Desde então, o avivalismo, ou seja, atividades voltadas para a promoção de
uma vida espiritual mais intensa e fervorosa, se tornou uma característica
permanente do cenário religioso norte-americano. Essa preocupação
encontrou as suas expressões mais visíveis nos “camp meetings”
(conferências de avivamento) das zonas rurais e nas grandes campanhas
evangelísticas urbanas. Essa poderosa efervescência espiritual também
resultou no surgimento de um sem número de novos movimentos religiosos,
alguns dentro dos limites do protestantismo histórico e outros bastante
distanciados do mesmo, como shakers, mórmons e testemunhas de Jeová.
(MATOS, 2006. p. 32).

4
Que contrariavam os costumes conservadores dos cristãos, como a pílula anticoncepcional, cinema e rádio.
A ação do Espírito nos homens configura-se forma numinosa (segundo a
filosofia da religião de Rudolf Otto, aplica-se ao estado religioso da alma inspirado
pelas qualidades transcendentais da divindade) de experiência religiosa que se perfaz na
revelação, tratando-se da noção de religião que se revela por conhecimento inspirado
pela crença. A inspiração religiosa é percebida como um conteúdo revelacional e
infalível que parte da divindade, direta e especificamente a alguém, sendo este o
recipiente da mensagem. É uma intervenção da crença no sobrenatural, tendo como
objetivo comunicar alguma verdade em relação ao propósito da vontade da divindade,
ou o que ela deseja do mensageiro. Para o pentecostal, o poder de Deus não é uma teoria
abstrata, mas uma verdade experimentada. O discurso sobre o poder de Deus nasce do
testemunho que o Espírito Santo dá deste poder na vida do crente (D’EPINAY, 1970, p.
99).
Nos últimos anos do século 19, surgiram as primeiras denominações do
movimento de santidade: a Igreja de Deus em Cristo (1897), em Lexington,
Mississipi, e a Igreja Pentecostal Holiness (1898), em Goldsboro, Carolina do
Norte. Ao aproximar-se o século 20, todas essas correntes do movimento de
santidade tinham em comum uma mentalidade, linguagem e simbologia
“pentecostal”, valorizando altamente a experiência do batismo “com”, “do”
ou “no” Espírito Santo narrada em Atos 2. (MATOS, 2006. p. 34).

Já no século XX, nos Estados Unidos, dois grupos chamam a atenção: a Escola
Bíblica Betel em Topeka (Kansas), em 1901, e um antigo templo metodista em Azusa
Street, Los Angeles. A localização geográfica não é ocasional. Ela revela o contexto não
somente religioso, mas também sócio-cultural que marca o pentecostalismo moderno.
Charles Fox Parham (1873-1929) funda sua escola bíblica na cidade de Topeka, Kansas,
onde ensinava a glossolalia – o falar em línguas desconhecidas ou estrangeiras, primeiro
sinal da manifestação do batismo no Espírito Santo, tão popular nos círculos holiness.
Foi essa característica que se tornou a marca distintiva do movimento pentecostal. Por
algum tempo, ele chegou a acreditar que os crentes receberiam o conhecimento
sobrenatural de línguas terrenas para que pudessem rapidamente evangelizar o mundo
(CAMPOS, 2005).
Ocorre que Parham era altamente racista, um produto de seu tempo e cultura
como fazendeiro, e não permitia que negros e latinos ouvissem seus ensinamentos.
Porém, William Joseph Seymour, um garçom negro que trabalhava para Parham, ouvia
suas lições do lado de fora do salão, assimilando seus ensinamentos. Algum tempo
depois, Seymour visitou uma igreja batista para negros. Nela, conseguiu alguns adeptos
para a teologia pentecostal, já caracterizada por manifestações físico-religiosas como
lamentos, quedas no chão, glossolalia, profecias e contorções (HOLLENWEGUER,
1976).
O crescimento desses movimentos, em direção ao oeste daquele país, onde as
consequências da escravidão marcavam fortemente a vida da população negra, se
mostrou como uma superação social do racismo vigente, e logo chamou atenção da
comunidade e da imprensa, por se tratar de uma reunião religiosa de brancos e negros,
além das manifestações extáticas. O racismo, entretanto, fez com que o movimento
fosse duramente criticado por parte da imprensa, embora tais notícias servissem mais
como propaganda. Alugou-se um edifício de madeira na Azusa Street, centro comercial
de Los Angeles. Esse prédio havia abrigado uma igreja metodista negra e,
posteriormente, tinha sido usado como cortiço e estábulo. O principal jornal da cidade
mandou um repórter ao local e este escreveu em 18 de abril de 1906, ridicularizando os
fenômenos presenciados. Esse artigo, intitulado “Estranha babel de línguas”5, funcionou
como propaganda gratuita e, logo em seguida, ocorreu o fenômeno conhecido como
“Avivamento da Rua Azusa” (MATOS, 2006).
Cerca de 13.000 pessoas passaram pelo local (MATOS, 2006) e ouviram a nova
mensagem pentecostal. Um bom número de pastores respeitáveis foi investigar o que
ocorria. Muitos demonizaram o movimento; outros, porém, acabaram se rendendo ao
que presenciaram. Uma forte influência para o movimento provavelmente fora a união e
a semente das lutas contra o racismo. Afinal, em uma igreja “revelada” não pode haver
discriminação, já que “O Espírito Santo, no derramamento de dons e em seu batismo,
não faria acepção de lugar, hora, sexo, grau de instrução da pessoa” (ROLIM, 1985, p.
207).

Fig 4- Missão da fé apostólica do evangelho – a famosa igreja da Rua Azusa, ao lado William
Seymour.
O sucesso do movimento pentecostal e seu crescimento pode ter-se dado mais
aos seus avanços sociais do que sua teologia, “Os crentes, por mais que possa haver
5
«Weird Babel of Tongues» Manchete principal do jornal  Los Angeles Daily Times, de 18 de Abril de 1906.
hierarquias na constituição da igreja, são iguais quanto aos direitos de produção e
usufruto dos bens religiosos” (ROLIM, 1985, p. 17). Algum tempo depois, vários
grupos semelhantes foram formados em território norte-americano. Organizou-se, então,
o grupo Missão da Fé Apostólica da Rua Azusa. Posteriormente, um seguidor da
doutrina William H. Durham abriu outra igreja em Chicago. O movimento rapidamente
se expandiu para a América Latina, primeiro no Chile (1909) e logo em seguida no
Brasil (1910).
A primeira manifestação de entusiasmo religioso no protestantismo brasileiro é
atribuída por Émile Léonard (1988) ao movimento liderado por Miguel Vieira Ferreira
(1837-1895). Esse engenheiro, presbítero e pregador leigo da Igreja Presbiteriana do
Rio de Janeiro, membro de uma família aristocrática de São Luís do Maranhão,
acreditava que Deus ainda se revelava diretamente às pessoas, como nos tempos
bíblicos. Funda no Brasil a Igreja Evangélica Brasileira, que ao menos nos primeiros
momentos de sua existência é caracterizada por revelações e profecias (SOUZA, 1969,
p. 25).
No entanto, essa igreja não carrega o espírito de irmandade que os estrangeiros
pregavam e nem tinham os costumes, opiniões e resguardo financeiro típicos dos
presbiterianos. Outros relatos são observados, tais como o que diz respeito à vidente
Jacobina, imigrante alemã no Rio Grande do Sul, “que entrava em transe e recebia as
revelações diretamente de Deus.” Este fato aconteceu entre 1873-74 e foi chamado de
movimento “Mucker”. Outro caso, foi o de Pedro Graudim na cidade de Guaramirim -
SC (CAMPOS & GUTIERREZ, 1996).
Gunnar e Vingren partem dos EUA, a partir de uma história contada como
revelação pelo Espírito Santo, para vir ao Pará. No diário de Vingren, ele conta todas as
dificuldades e de como Deus teria possibilitado, inclusive financeiramente, a viagem até
o Brasil. Porém, é possível também creditar que tal viagem à grande corrente migratória
influenciada pelo ciclo da borracha no Brasil (ALENCAR, 2013).
Alencar (2013) descreve a difícil relação entre brasileiros e suecos após um
tempo de convivência, e a transição da Assembleia de Deus de um ethos sueco para um
ethos tipicamente brasileiro, tornando-se uma igreja brasileira cheia de jeitinhos e
prevalência de interesses. Do ponto de vista do fiel, porém será uma igreja santificada e
benéfica para sua identidade. Marcada pela pluralidade e complexidade, a história
pentecostal brasileira não apresentou uma única matriz histórica. As duas primeiras
igrejas pentecostais no Brasil, a Congregação Cristã (1910) e a Assembleia de Deus
(1911), apresentavam diferenças desde a fundação, especialmente em suas doutrinas e
cultos.
Já as igrejas deuteropentecostais, classificadas por Freston (1994) como “a
segunda onda”, que significa segundo pentecostalismo (o termo deutero significa
segundo, advém de deuteronômio, que significa segunda lei) são igrejas que surgem
adaptadas às diversas mudanças culturais advindas do processo de urbanização, e
carregam certo rompimento com elementos que o tradicionalismo moral típico das
igrejas pentecostais. Enfatizam a liberdade de culto (o que não se aplica a IPDA 6, que
tem em sua característica um ideário ético e litúrgico extremamente conservador), a
cura divina e novas formas de expressão litúrgica. Segundo a pesquisa de Mariano
(1995), seriam as dissidentes das pentecostais clássicas, que, a partir da década de 50,
começaram a surgir. Dentre elas, as mais conhecidas são: O Brasil para Cristo (1955),
Deus é Amor (1962), Casa da Benção (1964), Evangelho Quadrangular (1964), entre
outras.
A outra vertente do ramo pentecostal, que começou a surgir nas décadas de 70 e
80, é o neopentecostalismo. Segundo Freston (1994), essa é a terceira onda pentecostal.
São elas: Universal do Reino de Deus (1977) – a principal, a Igreja Internacional da
Graça (1980), e Cristo Vive (1986). Estas três, ao lado de Comunidade Evangélica Sara
Nossa Terra (1976), Comunidade da Graça (1979), Renascer em Cristo (1986) e a Igreja
Nacional do Senhor Jesus Cristo (1994). Essa são as referências principais desse novo
momento. Sua característica basilar, que as diferencia das clássicas, além dos dons de
cura, o falar em línguas que é tipicamente marcante no pentecostalismo, é a ênfase na
teologia da prosperidade. Sobre isso nos diz Matos (2006):
Ao lado das manifestações espirituais extraordinárias como glossolalia,
curas, profecias e exorcismo, os carismáticos e neopentecostais brasileiros
caracterizam-se por uma forte ênfase na “teologia da prosperidade,” outra
influência norte-americana, difundida por líderes como Kenneth Hagin e
Benny Hinn. Este tem sido um dos principais elementos do maior fenômeno
ocorrido no protestantismo brasileiro nas últimas décadas: a Igreja Universal
do Reino de Deus (IURD). (Matos, 2003, p.48).

Ao contrário das outras igrejas pentecostais, os líderes neopentecostais têm


participação ativa na vida política, elegendo candidatos próprios. Ultimamente, este tem
se mostrado um interesse crescente entre os pentecostais tradicionais também, porém
com alguma diferença: enquanto nas neopentecostais foram registradas coações e
pressão intensa para que os fiéis votassem exclusivamente em seus candidatos, nas
6
Igreja Pentecostal Deus é Amor
pentecostais há apenas apoio e recomendações. Não ousam os pentecostais clássicos
usar o púlpito como plataforma política, deixando isso aos seus meios de comunicação.
Uma das formas muito usadas pelos neopentecostais para propagar suas mensagens e
manter as igrejas com grande número de frequentadores é a comunicação em massa.
Grande parte de seus investimentos tem sido em mídia, tanto em rádio como em
televisão (CUNHA, 2007).
Santos (1997) diz também que no capitalismo globalizado o primeiro nome da
identidade é subjetividade. Assim, a história do pentecostalismo e das ADs será
composta de gostos pessoais, disputas, divisões em ministérios, e não terá identidade
única. As diversas tentativas de institucionalização e uniformização, portanto, não
deram certo, como no caso da Igreja Filadélfia de Estocolmo, que se posicionou como
compromissada ao enviar ajuda para os missionários pioneiros. Essa pretensa
desinstitucionalização será fundamental para a constituição de elementos marcantes no
processo de construção da identidade assembleiana, a pluralidade.

2.2 Relatos de história de crescimento da AD no Brasil


Ao analisar relatos, o pesquisador deve ter cuidado extremo, uma vez que esses
relatos não são elaborados por objetividade científica, mas sim por subjetividade. Não é
diferente com o “Diário de um pioneiro” e de “Enviado por Deus”, que consistem no
conjunto de relatos dos fundadores da ADs, publicados pela CPAD. Além de
subjetividade, quase toda publicação da CPAD tem certo entusiasmo torcedor da
história das ADs. Alencar denuncia essa suspeita nos escritos de Emilio Conde,
“historiador oficial da igreja”. De fato, há vários erros que devem ser atribuídos a
hipervalorização da instituição. Mas as fontes subjetivas não devem ser deixadas de
lado. Na falta de relatos históricos documentais é nelas que se deve filtrar a busca pela
história.
Nesse panorama, o trabalho de colportagem foi fundamental para o
estabelecimento do protestantismo e para a fundação das ADs no Brasil. A colportagem
Assembleiana não se destinava apenas a vender livros, segundo Benatte (2010),
promovia a evangelização e pregação da palavra bíblica. No livro “Enviado por Deus”,
Berg relata situações onde a venda da Bíblia resultava num culto ou pregação na casa de
um comprador. Possuir e ter acesso livre à Bíblia, antes restrita a sacerdotes católicos,
que por causa do magistério da igreja (antes do concilio Vaticano II de 1962 a 1965)
proibia o fiel comum de ler, era um ganho social tremendo.
A Bíblia sempre à mão, ou “debaixo do braço”, criou um estereótipo por vezes
jocoso dos pentecostais. Mas a relação desse tipo de fiel com seu livro sagrado também
é física, e sobre isso relata Monteiro (1982, p.109): “Para a massa, [a Bíblia] é opaca e
rígida como uma durindana. Portada, exibida, brandida, ela é ‘a espada do crente’,
muito mais símbolo de combate do que livro aberto à inteligência”. A simples posse de
um livro era vista como ação pertencente aos ricos (ALENCAR, 2013), mas a Bíblia era
mais que um livro, era a palavra de Deus, e portá-la dava ao fiel brasileiro certo status
diante de sua comunidade. Registros indicam ainda que os primeiros colportores
também ensinavam pessoas a ler.
Justiça seja feita, a AD foi a maior escola livre de alfabetização gratuita que já
existiu em território brasileiro. Até 1988, eram inúmeras as práticas de alfabetização de
adultos e jovens dentro da igreja, e hoje muitos idosos lembram terem sido alfabetizados
na igreja, após o processo de conversão. Depois, tornou-se comum o estímulo à
alfabetização ainda que tardia, com anúncio de escolas públicas de Educação de Jovens
e Adultos (EJA), nos quadros das igrejas. Dado importante, pois ser pentecostal
significa poder ler e manusear a Bíblia. A leitura era estimulada, como relata Benatte:
O não saber ler e escrever não impedia a participação ativa e criativa das
pessoas, homens e mulheres, na vida comunitária da igreja. As próprias
crenças e práticas religiosas – a busca de dons e capacitação do Espírito
Santo – foram mobilizadas para superar os obstáculos representados pelo
analfabetismo. A crença na efusão democrática do Espírito, como
cumprimento contemporâneo da profecia de Joel, 2: 29-32 – ‘E há de ser
que depois, derramarei o meu Espírito sobre toda a carne...’ – abria espaço
para a participação leiga nos serviços religiosos, mesmo para os analfabetos.
(2010, p.72).

Mais tarde, na segunda fase de institucionalização, também foi a AD a maior


escola livre e gratuita de música do Brasil7. Além de ser a maior escola de alfabetização
de adultos livre fora dos programas de governo.
A mensagem assembleiana também oferecia algo que as igrejas históricas
protestantes e a igreja católica não faziam: uma oportunidade ao homem pobre, iletrado
e simples, de fuga dos sofrimentos do mundo. Enquanto a mensagem católica pregava
que o fiel devia se conformar com os sofrimentos, e a protestante pregava a salvação
eterna, a pentecostal falava sobre alívios imediatos, valorizando o sujeito que, segundo
sua leitura, era importante ao ponto de ter contato direto com Deus, por meio do
Espírito Santo.

7
Na edição de 6 de junho 2011 a revista Veja fala da importância da musica entre os evangélicos, e que eles
se tornam os novos celeiros de musica erudita no Brasil, inclusive relata na reportagem que o atual maestro da
OSESP é membro da ADs. Disponível em: http://veja.abril.com.br/060607/p_104.shtml, acesso em 21/08/2014.
Assim, são registrados os relatos resumidos por Conde (2011), mostrando
também o crescimento da igreja em seus primeiros anos:
Os pioneiros logo conhecem Raimundo Nobre, que aceita a mensagem os
missionários passaram a congregar e a morar nas dependências do templo.
Enquanto Gunnar Vingren estudava a língua portuguesa, Daniel Berg
trabalhava como caldeireiro na Port of Pará Co., profissão que aprendera
quando trabalhou nos EUA. No dia 8 de junho de 1911, à 1h da madrugada, à
Rua Siqueira Mendes, 67, a irmã Celina de Albuquerque recebeu o batismo
no Espírito Santo. Foi a primeira cristã brasileira, membro da Igreja Batista, a
receber o Batismo. Amanhece e irmã Maria Nazaré vai à casa de José Batista
de Carvalho, à Avenida São Jerônimo, 224, falar do batismo de Celina
Albuquerque. Os primeiros batismos no Espírito Santo, conforme registros na
própria agenda de Gunnar Vingren foram os seguintes:

1) Dia 8 de junho de 1911: Celina Albuquerque, à 1h da madrugada;


2) às 22h do mesmo dia, a irmã Maria Nazaré, também fora batizada;
3) No dia 18, às 16h, Ana Silva;
4) dia 1 de novembro, às 10h, foi a vez de Sâncrita Oliveira;
5) irmão Mitoso, recebe o batismo no dia 26 de janeiro de 1912, às 10h;
6) irmã Clothilde recebe a Promessa no dia 19 de março de 1912, às 19h;
7) Manoel Dubu é batizado no dia 13 de abril do mesmo anos, 4h da
madrugada;
8) Benvinda Oliveira recebe o revestimento de poder no dia 17 de abril de
1912, às 15h;’ (CONDE, 2011, p. 189).

Aliado ao trabalho de colportagem, Berg relata que vendeu mais de 10.000 livros
entre Bíblias, Novos Testamentos e outros livros, embora esse número não tenha sido
confirmado. Em pouco tempo, vinte igrejas se formaram entre Belém (PA) e Bragança
(PA). O trabalho de Berg consistia do contato pessoal com cada indivíduo, da visita de
porta em porta, falando sobre Jesus e orando pelos enfermos, era evangelização pessoal
de missão. Um dado interessante e importante a apontar é que a maioria das pessoas que
alegam serem batizadas com o Espírito são mulheres, e esse contexto abre portas para
novos estudos sobre a grande presença feminina nas igrejas pentecostais, especialmente
quando a vida dessas mulheres é estruturada sem a presença de um parceiro afetivo.
A igreja pentecostal no Brasil tomava forma e, com a conversão de novos fiéis,
Vingren e Berg escrevem à igreja de Estocolmo pedindo reforços para ajudar na missão
de evangelização. No dia 25 de outubro de 1914, chegam ao Brasil outros missionários
suecos: o casal Adina-Otto Nelson. Em 1914, Gunnar Vingren e Otto Nelson levam a
mensagem ao Estado de Alagoas e no mesmo ano, Manoel Francisco Dubu anuncia o
Evangelho no Estado da Paraíba. Em 1915, Cordolino Teixeira Bastos leva a mensagem
pentecostal para Roraima e, um ano depois, Adriano Nobre leva a palavra bíblica
pentecostal para Pernambuco.
No ano de 1914, a mensagem pentecostal chega ao Ceará por meio da pioneira
Maria de Nazaré, mas faltam dados históricos sobre esta mulher. Alencar (2013)
apontava a tendência machista de Conde em não detalhar a ação evangelizadora
feminina. Em 1917, o movimento chega ao Amazonas, por meio de Severino Moreno de
Araújo e, no ano seguinte, Adriano Nobre prega a Palavra no Rio Grande do Norte.
Relata ainda Conde onde (2011, p.173) sobre a chegada da mensagem evangelística:
- Maranhão em 1921, por Clímaco Bueno Aza;
- Espírito Santo em 1922, por Galdino Sobrinho e sua mulher;
- Rondônia em 1922, pelo missionário Paul John Aenis;
- Rio de Janeiro em1923, por crentes provenientes do Pará;
- São Paulo em 1923, por meio de crentes do Pernambuco;
- Rio Grande do Sul em 1934, pelo missionário Gustav Nordlund;
- Bahia em 1926, através de Joaquina de Souza Carvalho;
- Piauí em 1927, por Raimundo Pereira de Almeida;
- Minas Gerais em 1927, por Clímaco Bueno;
- Sergipe em 1927, por meio de Sargento Armínio;
- Paraná em 1928, por Bruno Skolimowisk;
- Santa Catarina em 1931, André Bernardino da Silva leva a Palavra;
- Acre em 1932, por meio de Manoel Pirabas;
- Goiás em 1936, por Antônio Moreira e outros crentes;
- Mato Grosso em 1944, pregado por Eduardo Pablo Joerck;
- Mato Grosso do Sul em 1944, por Juvenal R. de Andrade (na época um
único Estado);
- Distrito Federal em 1956, por obreiros de Madureira. (CONDE, 2011,
p.173).

A mensagem era pregada por leigos, e isso é um diferencial no crescimento das


ADs, já que qualquer membro era um missionário em potencial. Diferente das igrejas
históricas em que só missionários e pastores oficiais podiam pregar sua mensagem, na
AD qualquer membro, após algum período de participação, poderia se tornar um
pregador. Somente mais tarde, na segunda fase (1946 – 1988), com medo de divisões e
perda de patrimônio de igrejas, é que seriam enviados missionários oficiais.
Após cinco anos no Brasil, Gunnar Vingren resolve ir à Suécia testificar o
crescimento da igreja no Brasil, quando conhece a enfermeira Frida Strandberg (Frida
Vingren). Logo depois, viajam para o Brasil e se casam no Pará. No ano de 1915,
chegam ao Brasil os missionários suecos Lina-Samuel Nyström. Depois de Nyström,
chega também a ajuda financeira sueca, e provável causa do rompimento entre
brasileiros e suecos no comando da Igreja. Alencar (2013) e Correa (2013) tentam
descrever essa história cheia de percalços obscuros e até hoje não bem explicados.
Outros fatores foram importantes para a expansão da mensagem assembleiana
pelo território brasileiro, para além dos missionários. O primeiro deles foi a crise do
Ciclo da Borracha. Tendo o Brasil perdido o monopólio da produção mundial de
borracha, um grande contingente de trabalhadores sai da região Norte em busca de
novas oportunidades, vários deles já identificados com a mensagem assembleiana.
Outro fator importante foi o crescimento da indústria ferroviária. Com a
inauguração da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, adeptos do pentecostalismo
puderam pregar essa nova forma de religião aos trabalhadores. Conhecida como ferrovia
da morte8, a própria edificação da ferrovia era um campo a ser explorado. Sem templos
e em terras isoladas, pentecostais aproveitaram a difícil condição da construção da
ferrovia para oferecer conforto espiritual às massas de trabalhadores.
Apesar da crise da borracha, a construção de ferrovias passa a ser lucrativa e
incentivada no Brasil por diversas companhias britânicas, norte-americanas e até
brasileiras (cujo maior expoente é Mauá). Tal fator é apontado como importante por
Martins (2008) tanto para integração do território nacional quanto para a difusão
pentecostal.
Há ainda o episodio da batalha da borracha (PRADO JR., 2004). O governo de
Getúlio Vargas, de olho nos lucros de um acordo comercial com os EUA, que precisava
fomentar sua crescente indústria bélica após a primeira guerra mundial, precisa produzir
borracha a qualquer custo. Com isso, emprega compulsoriamente mais de 100 mil
trabalhadores de origem nordestina e do centro-oeste que, expostos às piores condições
de trabalho e com pouca assistência religiosa, em condições de sofrimento e privação
material e comunitária, encontram na mensagem pentecostal uma esperança. Ao
terminar o segundo ciclo da borracha, esses trabalhadores voltam para o nordeste e
centro-oeste, muitos deles já portadores da mensagem assembleiana.
Com a construção de ferrovias, o Brasil é geograficamente interligado no auge
do ciclo do café, retomando a expansão econômica (MARTINS, 2008). Assim, a
mensagem pode chegar de norte a sul do país. A economia do café traz vários imigrantes
também (PRADO JR, 2004) que encontram aqui conterrâneos já alinhados com a
mensagem assembleiana. Com a construção de estrada de ferro e mais tarde a
industrialização possibilitada pelos lucros do café, os trabalhadores rurais chegam às
cidades e aos subúrbios (MARTINS, 2008). Já relativamente firmadas, aceitas pelo
governo de Getúlio Vargas em todas as suas fases, as ADs crescem no Brasil.
A AD foi fundada, como mencionado, como uma igreja não institucionalizada,
mas houve tentativas de institucionalização ao longo do tempo. A primeira delas
acontece com a chegada dos deuteropentecostais, no final da década de 1940. Com
esses novos sujeitos, as ADs passam a necessitar da formação de uma identidade única,
mas essa tentativa falhou em cerca de 35 anos.
8
Morreram em sua construção cerca de 6000 trabalhadores.
A Assembleia de Deus é fragmentada em múltiplos ministérios independentes
com convenções próprias, ou seja, não há representatividade absoluta das grandes
convenções, fato que não afeta a vida religiosa do fiel. Nesse aspecto, ela deve ser
compreendida no plural, o que significa que não há um poder central que represente
todos os assembleianos. As duas maiores convenções em termos de representatividade
são: a Convenção Geral das Assembleias de Deus – CGADB e a Convenção Nacional
das Assembleias de Deus no Brasil – CONAMAD, conhecida como ministério de
Madureira, uma dissidência da CGADB. Apesar de tentativas de institucionalização,
visões unicistas são negadas.
Hoje, há centenas de ministérios, entre ADs e assembleianismos (ALENCAR,
2013), igrejas pentecostais que assumem os ritos, cânticos, vestimentas das ADs.
Negam ou reafirmam costumes de um lado ou de outro, podendo, por exemplo, adotar a
harpa cristã e ao mesmo tempo desobrigar os fiéis do código de vestimentas, e vice-
versa.

2.3 A mitificação de mundo assembleiana


O historiador Emilio Conde (2000) é acima de tudo um assembleiano. Com
formação acadêmica em direito, é um entusiasta da instituição. Analisar sua obra é ver
claramente o mito da AD, já que suas narrativas e ponderações são feitas do ponto de
vista do crente. Seu livro é uma referência entre os assembleianos e tem grande impacto
em sua teologia e formação cultural. Segundo ele, o batismo no Espírito Santo gera
naquele que foi batizado uma vida de vitória: “Sendo este um discurso veiculado para os
crentes, se torna dedutível que aqueles que conseguiram o batismo no Espírito Santo
compreendam sua vida como uma vida abençoada (mesmo que o Diabo possa estar
sempre à espreita)” (CONDE, 2000, p. 58).
Assumir um discurso vitorioso numa sociedade que impõe derrotas aos pobres
faz uma considerável diferença na psique e na construção simbólica do mundo feita pelo
crente. Até este momento, a “vitória” mencionada aqui não tem relação com conquistas
financeiras. O autor se refere à chamada vitória de Cristo na cruz, que segundo o texto
bíblico, por meio de sua morte derrotou as dores, as doenças e o próprio mal.
Não se trata apenas da reprodução impensada de um discurso religioso, mas de
uma referência que molda a vida dos fiéis, especialmente a partir do texto presente em
João 16:339, que explicita que o fiel que crê em Cristo pode vencer suas dificuldades.
9
“No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo.” (BÍBLIA, João 16:33)
Assim, reformula seu mundo através da linguagem: “A linguagem é a primeira tentativa
do homem para articular o mundo de suas percepções sensoriais. Esta tendência é uma
das características fundamentais da linguagem humana” (CASSIRER, 1977, p. 328).
A vitória obtida pelo batismo à qual Conde se refere não tem ligação com a
teologia da prosperidade, mas sim com a busca pelo chamado Reino de Deus, e, ao
buscá-lo, “todas as demais coisas serão acrescentadas”, conforme descrito em Mateus
6:33, Lucas 12:31 e outros versículos, tais como: “Não percais, pois, a vossa confiança,
pois ela tem grande recompensa. De fato, é de perseverança que tendes necessidade,
para cumprirdes a vontade de Deus e alcançardes o que ele prometeu”, Hebreus 10.35-
36. Ou, o Salmo 37.4-5: "Agrada-te do Senhor, e ele satisfará aos desejos do teu
coração. Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará". O fiel
assembleiano tem como certeza as passagens bíblicas. A Bíblia, para ele, não é uma
referência, um texto passível de interpretação, mas sim um guia sem falhas. Sobre isso
afirma Portella afirma:
Sendo este um discurso veiculado para os crentes, se torna dedutível que
aqueles que conseguiram o batismo no Espírito Santo compreendam sua vida
como uma vida abençoada (mesmo que o Diabo possa estar sempre à
espreita). Ser vitorioso numa sociedade que impõe derrotas aos pobres faz
uma considerável diferença na psique e na construção simbólica do mundo
feita pelo crente. (2012, p.5).

A concepção Cristã convida a olhar o próximo e transcender desejos pessoais em


prol de um bem comum. No entanto, as recentes abordagens neopentecostais incitam um
pensamento oposto à lógica comunitária, focada no lucro pessoal. De acordo com o texto
presente em Filipenses 3:7, o lucro poderia ser deixado de lado por causa de Cristo: "Mas o
que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo” (BÍBLIA, Filipenses
3:7). Essa alteração pode ser explicada pelo cenário capitalista contemporâneo.
Segundo Hinkelammert (2005, p. 47), os mitos antagonizam a razão
instrumental, porém, essa alimenta, quando do seu interesse, certos mitos, como a mão
invisível do mercado. O autor afirma que a cultura hegemônica do capitalismo cria
mitos e que estes são vazios, diferente dos mitos de outrora, cuja função era ensinar e
regular a sociedade. O capitalismo nega os mitos gregos, mas cria mitos como o do
progresso, da democracia racial, da igualdade de oportunidade, da verdade absoluta da
ciência, que pretende explicar tudo, estabelecendo padrões de vida segundo esses mitos.
A mitologia, segundo Campbell, é composta pelas histórias que conduzem as vidas
humanas, ou seja, “Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana”
(CAMPBELL, 2007, p. 14).
Um dos mitos mais estáveis no mundo contemporâneo é o de que ciência e o
seu produto comercializável, a tecnologia, têm as potencialidades para resolver todos os
problemas humanos. Da comunicação à depressão, da produção material à fome, da
cura de doenças ao deslocamento espacial, a tecnologia se propõe a resolver problemas -
às vezes, até os espirituais e emocionais, por meio de medicamentos e outros produtos
comercializáveis.
A habilidade e a facilidade com que o homem cria novas e aperfeiçoadas
técnicas provocou nas gerações recentes uma confiança extrema no progresso humano,
nas possibilidades de levar a humanidade à frente, até à realização do paraíso na terra e
à feliz solução de todos os problemas e mistérios do homem. Mas é realmente verdade
que as ciências e a técnica têm o poder de resolver os problemas e enigmas humanos?
Não têm. A razão dita racionalizada que serve para equilibrar o mercado, nunca
produziu tanta loucura. Quem não se encaixa no sistema é classificado como outsider.
Suas ações, como loucura, afrontam. Esse suposto diagnóstico só serve aos interesses do
sistema de poder político e econômico estabelecido (FOUCAULT, 1972).
Os assembleianos também criam seus mitos, tais como a imanência de Deus e
do mal ao mesmo tempo. Assumem com facilidade certos costumes brasileiros ainda
que contrários à Bíblia, no que se refere à assunção de simpatias e boa sorte, bem como
à magia brasileira, nem que seja para demonizá-la. Talvez nessa confluência de mitos
estejam os germes culturais do neopentecostalismo.
Os mitos assembleianos são ligados também aos diversos mitos fundadores, e
há autores que acreditam que o pentecostal quer ressuscitar o ocorrido em pentecostes,
porém Rivera (2001) discorda, alegando que não há no pentecostal a noção de mito do
pentecostes. Pelo contrário, isso será superado pelo milagre ocorrido em todo culto, o
Espírito Santo se manifestando em profusão a cada reunião e, portanto, não haveria a
necessidade de se refazer o mito. Fajardo (2012), ao analisar esta questão, argumenta:
Nesta batalha, a reafirmação de uma memória institucional é uma das
ferramentas utilizadas na tentativa de fomentar uma identidade de
determinada denominação em contraposição aos demais agentes deste
campo. A seguir, perceberemos como a igreja Assembleia de Deus brasileira,
preocupou-se com o registro de uma história institucional, justamente no
momento em que a memória coletiva de suas origens fundadoras corria o
risco de dissipar-se em virtude do surgimento de outros agentes no campo
religioso. (2012, p.277).

Durante certo tempo houve também a tentativa de mitificar os fundadores de


cada ministério como ideais de santidade a serem seguidos. Assim foi com Paulo Leivas
Macalão, cuja identidade era referenciada como um exemplo. Mas esses mitos logo são
superados por outros, espalhados e multiplicados, de forma que cada igreja vai lembrar
que certo pastor tinha determinado poder, maior do que de outros. Há, portanto, uma
constante recriação dos mitos pentecostais.
Em geral, o Pentecostalismo se caracteriza como uma experiência religiosa ou
como uma espiritualidade cristã, mais do que uma particular interpretação do
cristianismo. Não se trata, por exemplo, de uma teologia do Espírito Santo, mas de um
relacionamento com o divino, da crença na presença ativa do Espírito na comunidade
dos crentes e da manifestação do poder de Deus. Ou seja, para o pentecostal Deus
realmente age por meio do Espírito em suas vidas, suas liturgias, sua situação
econômica, sua saúde, etc.
Esses fiéis acreditam que todas as situações vivenciadas sejam guiadas por
providência divina e permissão do Espírito Santo, seu agir-no-mundo ou sua sabedoria
são produto do divino. Usam, para isso, sua particular interpretação da Bíblia, já não
têm uma escola teológica a ser seguida.
Vale lembrar que não há divisão entre profano e sagrado no sentido Eliadiano,
toda sua vida é sagrada, toda sua vida é para Deus. Seu agir no mundo é para Deus, e
como está jungido à divindade, não há escolha. Se algo é de Deus, é bom, portanto não
há juízo de valor em refutar certos estigmas sociais. O bem é a palavra sagrada, e o que
vai contra as escrituras é mal; o homem que segue o que provém do mal não é sábio. A
ação do pentecostal clássico reflete diária e continuamente seu temor a Deus, numa
sabedoria guiada contra o mundo contemporâneo, mas sem chegar ao fundamentalismo
religioso. A concepção Cristã do pentecostal convida a olhar o próximo e transcender
desejos pessoais em prol do bem comum, desconstruindo o mito da acumulação e do
lucro – embora estes estejam presentes nas concepções das igrejas neopentecostais com
a teologia da prosperidade. É de fato uma contracultura cuja atenção não está na
racionalidade, mas na espiritualidade.
A manutenção de suas tradições não é fácil, mas a possibilidade de perdê-las é
ainda mais problemática. Para o assembleiano, o mundo moderno se mostra em forma
de caos e crise, e a rígida manutenção dos seus valores é a tentativa de proteção de seu
grupo. Desse modo, procura uma forma de existência que muitas vezes se traduz como
“a separação do mundo”. Seu discurso se torna a afirmação da ideologia de salvação em
que seu Deus o resgata de um mundo apocalíptico.
As relações internas entre os grupos pentecostais colocam em questão as
relações das comunidades crentes com o que se poderia chamar de "exterior", sua
alteridade, ou seja, a diferenciação desse grupo do resto da humanidade. Faz-se
necessário definir o conceito de crença: “aquilo segundo o qual o homem está preparado
para agir” (PEIRCE, 1974, p. 28). O próprio Pierce complementa esta ideia notando que
“Estar-se deliberadamente e completamente preparado para moldar a conduta em
conformidade com uma proposição, não é mais nem menos que o estado mental
chamado 'acreditar nessa proposição’” (PEIRCE, 1974, p. 28). O crente age conforme
sua crença, é a sua sabedoria, seu modo de interpretar o mundo.
A ausência de uma teologia oficial10 faz com que haja um entendimento plural,
difuso e líquido, mas com um ponto comum: o Espírito guia a vida a partir do momento
em que se “aceita” Jesus, e então toda a vida será guiada pela obediência à palavra
divina, embora, obviamente, existam aqueles que transgridem tal regimento. Uma vez
que creem na sabedoria vinda dos céus, acreditam também ser capazes de obter
revelações especiais a partir de uma relação direta com Ele, por meio do Espírito, sem
qualquer mediação, pois mesmo quando o pastor quando prega, está também dirigido
pelo próprio Espírito.
Para aqueles que não pertencem ao grupo, que não são pentecostais, todo esse
contexto pode parecer irreal e fantasioso, pois infelizmente é por vezes atravessado por
interesses escusos de exploração. Mas mostra que parte das tradições permanecem
ativas e que ainda hoje seria possível “viver sob o temor do Senhor Deus” 11, ou seja,
mantendo a reverência e o respeito à palavra bíblica, a honestidade e o perdão,
especialmente porque tais “frutos” viriam do Espírito, e não da construção ética de
esforço próprio.

2.4 Aspectos históricos recentes, geográficos e socioculturais das atuais ADs.


Nesse tópico, situa-se o leitor sobre o atual quadro do pentecostalismo brasileiro
a partir da produção bibliográfica que o analisa no período compreendido entre 2005 e
2020. Sobretudo no Brasil, as profundas mudanças econômicas e sociais, bem como a
inserção do país no cenário econômico mundial, afetaram vários segmentos da
sociedade e sua religiosidade. O pentecostalismo não fugiu a tal contexto12.
O pentecostalismo no Brasil tem sido classificado a partir conceito das três
ondas, elaborado por Paul Freston (1994). A primeira onda pentecostal registra a
10
Situação que tem mudado nos últimos cinco anos, já que parte das ADs não tem mais ordenado pastores
sem curso de teologia.
11
O texto de Provérbios 1:7, afirma: "O temor do SENHOR é o princípio do saber ”.
12
MUNIZ DE SOUZA, Beatriz; MARTINO, Luís Mauro Sá. Sociologia da religião e mudança social -
Católicos, protestantes e novos movimentos religiosos no Brasil. 2004.
fundação e o surgimento da Congregação Cristã do Brasil e das Assembleias de Deus,
como mencionado anteriormente, nos moldes do pentecostalismo norte-americano e
sueco de onde provinham os fundadores. A chamada segunda onda pentecostal teve
origem na década de 1950, e dava ênfase à glossolalia, à cura divina e aos milagres.
Na década de 1970, há uma terceira onda pentecostal, a mais estudada, porque
tem grande espaço na mídia e suas ideias diferentes daquelas que as precederam deram
início a formas de pentecostalismo conhecidos como "pentecostalismo brasileiro" ou
“neopentecostalismo”. A Igreja Universal do Reino de Deus (1977), a Igreja
Internacional da Graça de Deus (1980), a Igreja Cristo Vive (1986), são expressões do
pentecostalismo brasileiro (MUNIZ DE SOUZA E MARTINO, 2004).
Todas podem pregar, por exemplo, a cura, ou a prosperidade, mas cada uma
enfoca algo que fará parte das diretrizes básicas da maior parte das pregações em seus
templos. A primeira onda (pentecostalismo) focaliza o batismo com o Espírito Santo, a
glossolalia e a salvação da alma. A segunda onda (deuteropentecostalismo) na cura
divina, e estimula cultos com excessiva demonstração de glossolalia. A terceira
(neopentecostalismo) exalta o exorcismo e mensagem da prosperidade13. Essa
classificação histórica, feita por Freston (1994), é válida para identificar quem são os
pentecostais tradicionais (ou ortodoxos) hoje no Brasil 14, um ponto importante na
delimitação do grupo portador de marcas corporais, mais à frente.
Inúmeras igrejas surgiram no cenário brasileiro nos últimos anos. Basta dar um
pequeno passeio em qualquer bairro, sobretudo os periféricos, e encontrar
denominações religiosas das mais variadas. Os números demonstrados pelo Censo de
2010, divulgado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), apontou que o número de evangélicos cresceu 61,45% no Brasil nos últimos
dez anos. Apenas entre as Assembleias de Deus, o crescimento foi de 48%, chegando a
cerca de quinze milhões de membros até 200915.
Todavia, como visto anteriormente, o pentecostalismo assumiu diversas formas e
inúmeras denominações nos últimos 50 anos. A que mais tem sido observada pela
sociedade e pelos pesquisadores são as neopentecostais, pela forte presença nos meios
de comunicação desde a década de 1980 (PRANDI, 1999). Em especial as IURDs
(Igreja Universal do Reino de Deus), face à sua estratégia de investimento na mídia
13
MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 1999
14
Chamam-se aqui de igrejas pentecostais tradicionais as que mantêm certos padrões de costumes descritos
nesse trabalho e não aderiram à teologia da prosperidade.
15
As ADs que tem um rígido controle de membresia advogam que este dado chega a quase 22 milhões de
membros em 2014.
televisiva16 e na escolha intencional da localização dos novos e grandes templos em
avenidas conhecidas e cartões postais das cidades onde têm membros.
A teologia da prosperidade utilizada pelas igrejas neopentecostais pode ser
compreendida como a troca simbólica de promessas supostamente divinas às quais os
fiéis teriam direito, por sacrifícios financeiros, pautados no direito-dever de se tornarem
ricos e prósperos17. Segundo o historiador Wander de Lara Proença,
neste modelo de pensamento, todo cristão consagrado tem o direito de
‘exigir’ de Deus uma vida financeiramente agradável. Ao crente é reservada
uma vida próspera, um paraíso que já começa a ser vivido no tempo presente,
sendo a ele também delegado o poder de interferir na vontade divina (2006,
p. 64).

De acordo com a visão teológica ministrada pelos pregadores da teologia da


prosperidade, Deus estaria preocupadíssimo em prover a prosperidade material de seus
fiéis e tais bênçãos poderiam ser alcançadas a partir atitudes de sacrifício financeiro,
como ofertas, propiciatórios especiais, compra de boletos ou carnês de “Fogueiras
Santas”, compra de “Rosas ungidas”, “anéis abençoados”, entre outros, se aproximando
de realidades mágicas ou místicas (CAMPOS, 1999) em uma lógica digna do mercado.
Apesar disso, não se configuram como as maiores representantes do
pentecostalismo no Brasil. Segundos dados do IBGE, as maiores representações do
neopentecostalismo, se somadas, não se aproximam ao número das ADs, que na
contagem mais baixa chegou a quinze milhões de membros. Ainda de acordo com o
IBGE, a IURD possui cerca de 1.873.000 membros (um milhão oitocentos e setenta três
mil). IMPD tem 315.000 fiéis registrados (IBGE, 2010). Outras, somadas, chegam a
400.000, tais como o Ministério Mudança de Vida, Renascer em Cristo, Comunidade
Evangélica Sara Nossa Terra, e Ministério Internacional da Restauração. Todas essas
juntas não chegam a um terço dos membros das Assembleias de Deus (ADs). O órgão
oficial de Noticias das Assembleias de Deus, o CPADNews, professou o número (feito
por pesquisa própria a partir de registros das igrejas, diferentes dos do IBGE)
anunciado na Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil (CGADB) de 2012,
de aproximadamente 25 milhões de membros, chegando-se a uma média, entre os dois
órgãos de pesquisa, de 18 milhões de membros (CPADNews, 2012).

16
MARIANO, Ricardo. (2004), Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal
17
Uma análise aprofundada de seu discurso revela em sub tom, de que as pessoas que forem fiéis em dízimos
e ofertas têm não só o direito, mas o dever de serem prósperas (entenda-se ricas) e que em caso contrário deve existir
algum pecado ou demônio atrapalhando a prosperidade desse indivíduo. Ler a obra de CAMPOS, Leonildo Silveira.
Teatro, templo e mercado (1999).
O mesmo site estima que se a taxa de crescimento continuar constante, em 2020
o número de evangélicos da AD ultrapassará os 50 milhões. Sabe-se que o IBGE tem
tido suas falhas de pesquisa (IGNÁCIO, 2010; ROSEMBERG F. & PIZA E. 1999), e
aparentemente essa falha aumenta nas pesquisas sobre o universo religioso (OLIVEIRA
& SIMOES, 2005), por isso poderia se adotar a média de 18 milhões. Mas nessa
pesquisa será adotada a média de 15 milhões. Por sua vez, os estudos da SEPAL, órgão
independente de igrejas, cuja sigla significa Servindo a Pastores e Líderes, estabelecida
no Brasil há mais de 30 anos, calcula que em 2004 haveria aproximadamente 188.498
igrejas evangélicas no Brasil18.
O pentecostalismo assembleiano sofre mais influência da comunidade local do
que da instituição à qual pertence. As convenções de pastores não são das igrejas
(CORREA, 2013). Dessa forma, as práticas, crenças e novos costumes dos fiéis podem
não ser aceitos por aquilo que podemos chamar de “assembleianismo oficial”, em
oposição ao “assembleianismo popular”. Segundo Brandão (1986), as religiões
populares podem ser entendidas como extraoficiais: “Ademais, outro atributo costuma
ser invocado para caracterizar as religiões populares: seriam extraoficiais, fora do
controle e da regulamentação das autoridades instituídas, cultivadas pelos ‘leigos’ em
oposição à religiosidade clerical” (BRANDÃO, 1986, p. 110).
A CGADB e a CONAMAD não afetam o cotidiano dos fiéis, assim cada polo
regional, cada igreja-sede, e cada congregação local possui formas próprias de exprimir
seus comportamentos e costumes. Claro que os pastores que comandam as convenções
querem e gostariam de estabelecer uma unicidade e se opõem às mudanças na cultura
assembleiana, gostariam de uniformizar o que diz respeito aos usos e costumes, e
eliminar novos costumes, mas são observados constantes rompimentos com a
religiosidade oficial.
Por exemplo, a CGADB costuma proibir manifestações como palmas e danças
durante a celebração religiosa, hábitos trazidos por absorção e visitas a outras
denominações, influências das igrejas deuteropentecostais. A AD Belém, considerada a
igreja mãe, não aceitou tal determinação da CGADB; ao contrário, intensificou a prática
de “bater palmas para Jesus” e instituiu ministérios internos de dança.
Se os assembleianos confiavam na santidade do grupo em oposição ao mundo,
hoje absorvem as chamadas “coisas do mundo” de forma ressignificada, para que
caibam em seu universo sem ferir suas percepções. Assumindo mais lentamente os
18
Ver http://pesquisas.org.br/brasil/quantas-igrejas-evangelicas-existem-no-brasil
“modismos gospel”, descritos na obra de Magali Cunha (2007), há relatos de aceitação
de rock e forró gospel, por exemplo. Esse sincretismo cultural tem mudado a identidade
assembleiana tradicional, mas não a ameaça, ao contrário, pode ser lida como uma
estratégia de evangelização e crescimento do número de membros.
Existe uma grande fragmentação entre as ADs, essa talvez seja a maior prova de
que é a comunidade e não a instituição que define sua identidade cultural. Sobre esse
fator, Correa (2013, p. 150) afirma ser “o maior desafio da ADs”. Segundo a autora, há
uma lógica de poder por detrás das novas cisões e divisões em que se formam as novas
ADs, mas não há formação de igrejas sem membros, e é a partir da concordância destes
com a nova “visão” (jeito de ser e fazer teologicamente referenciado) e discordância da
antiga igreja que um pastor funda um novo ministério.
Sobre isso, Correa pondera (2013, p. 150):
“A constituição dos Ministérios segundo os seus idealizadores foi criada com
a ideia de unidade. O que era para funcionar como ponto de união passou a
ser identificado como ponto de tensão. Os dirigentes organizadores das
convenções buscavam estratégias coerentes e pacificadoras de unidade entre
elas, mas, mesmo assim, não conseguiram eliminar os conflitos ao longo dos
anos. Com isso, aumentam cada vez mais o processo de cisão dentro das ADs
em muitas regiões do Brasil. Dessa maneira, além dos dois grandes
Ministérios mais expressivos de comando nacional – Ministérios Missão da
primeira formação e Madureira, segunda formação -, porém, dentro da
mesma denominação Assembleiana, atualmente existem inúmeros
Ministérios independentes, com estatuto e administração própria”.

Todas ligadas pelo que Correa estabeleceu como “laços fraternos”, ou seja, com
fontes em comum. Sanzana-Salazar (2001) também verificou que entre as pentecostais
chilenas há diversos relatos salientando que mesmo entre igrejas diferentes, onde líderes
atacam uns aos outros, há o discurso de unicidade e irmandade: “somos todas irmãs”.
Sobre o que seriam os laços fraternos, diz Correa:
A maioria dos pastores Assembleianos prefere dizer que as ADs, possuem as
mesmas características, o que muda mesmo são algumas dinâmicas utilizadas
por certos pastores. Umas igrejas usam um discurso mais tradicional, outras
se utilizam de recursos mais modernos e assim por diante. Em suas falas,
todas são Assembleianas, foram geradas da mesma linhagem. (CORREA,
2013, p. 256).

A mesma autora afirma que esses “laços” estão imbricados de discórdia e


disputa política, mas isso pouco interessa ao fiel no dia-a-dia, no seu cotidiano, já que o
que define o assembleiano é sua experiência religiosa, e não sua instituição.
Criticada por muitos teólogos, há sempre um problema na classificação das
igrejas pentecostais. Mariano (1999) faz excelente análise sobre o assunto apontando
mais de cinco tipos de classificação. Cunha (2007) aponta sete tipos. De fato, a
classificação pode ser um problema, já que, em face das muitas mudanças apresentadas,
como classificar igrejas tão díspares? Não é possível, por exemplo, comparar e colocar
no mesmo patamar a AD Ipiranga, que é extremamente conservadora e teologicamente
ainda prega a mensagem de abnegação semelhante à da primeira fase das ADs, descritas
na obra de Alencar (2013) e a Igreja Universal do Reino de Deus, que, como visto,
prega a teologia da prosperidade, tem pouca irmandade e maior abertura em seu código
de “usos e costumes”.
Dessa forma, pentecostais tradicionais tendem a se sentir ofendidos quando
comparados aos neopentecostais. E neopentecostais não se assumem enquanto tal, por
isso, a classificação é um problema. Para a pesquisa científica, no entanto, a falta de
uma classificação pode ser perigosa e fonte de confusão nos levantamentos. É
necessária a construção de uma nova classificação que não seja apenas a histórica. Há
igrejas participantes da CGADB, denominadas Assembleias de Deus, nitidamente
próximas da teologia neopentecostal (CORREA, 2008), como a AD Bom Retiro e AD
Vitória em Cristo (do controverso pastor Silas Malafaia), por exemplo. O problema é
que a maioria dos termos aqui empregados são construções intelectuais, já que nenhum
fiel se autodenomina como deutero ou neopentecostal, apenas como pentecostal,
evangélico ou crente. Isso se torna um grande problema para o trabalho de
classificações.
Outro problema é que tal classificação obedece um rigor histórico e não
ideológico-teológico. Ocorre que existem igrejas pentecostais abertas recentemente (de
2004 em diante) que não seguem o evangelho da prosperidade, e outras mais recentes
(AD Ministério Macalão) que além de não serem seguidoras da teologia da prosperidade
são extremamente conservadoras. Outras, construídas no mesmo período, são liberais,
tal como a Igreja Betesda, do pastor Ricardo Gondim, e a Caminho da Graça, do pastor
Caio Fábio; outras chegam a ser inclusivas.
Assim, as igrejas pentecostais ortodoxas encontram-se, atualmente, em uma área
de contrastes teológicos, de mudanças e conflitos: conflitos morais, entre correntes
teológicas (em especial a dicotomia da salvação x prosperidade), conflito entre certo e
errado, mudanças de costumes dos membros, na missão de proselitismo e nos meios de
achar novos membros, mudanças de liderança. Estão sofrendo influência de outras
pentecostais, das neopentecostais e das deuteropentecostais, embora se mantenha a
teologia da salvação e a volta iminente e próxima de Jesus como o ponto teológico
central.
A ideia de Cristo como centro da fé tem sofrido com a infiltração da teologia da
prosperidade, e aos poucos, bem como aceitação de certas quebras e permissões de
controle morais antes inaceitáveis - apenas para os membros pois para os obreiros ainda
há rígido controle moral seja por parte da presidência seja por parte da membresia -
estão se inserindo no mundo, com práticas como o crescente interesse em política, o
consumo de bens religiosos19, e nos últimos 20 anos, o investimento pesado e
convencimento dos membros à prática de missões e proselitismo. São exemplos dessas
as ADs ligadas à CGADB, com exceção da AD do Bom Retiro, da AD Vitória em
Cristo e da AD Catedral do Avivamento, que se propõem classificadas entre as
neopentecostais. Classificam-se aqui também algumas minorias batistas, presbiterianas
e metodistas renovadas.
As igrejas da Segunda Onda ou deuteropentecostais enfatizam a cura divina,
milagres e profecias, mas tem um foco menor na glossolalia, embora também exalte este
carisma (MARIANO, 1999). São marcadas por liberdade de vestimenta, liberdade
moral relativa20, intensa irmandade e sentimento de unidade com o grupo, porém menos
do que as pentecostais tradicionais. Tem destaque também pelo forte consumo de
produtos cristãos e por relativo desinteresse por política. Não usam os grandes meios de
comunicação, mas investem pesado em campanhas evangelizadoras, músicas 21, conforto
para os seus membros e forte evangelismo com crianças e adolescentes. A exceção desse
grupo parece ser a IPDA, que foi reclassificada como neopentecostal apesar do rígido
controle das vestimentas e do acesso à televisão.
O enfoque desse grupo de igrejas não recaía somente sobre a pregação do
batismo com o Espírito Santo e o falar em línguas espirituais que marcou o
pentecostalismo clássico. Tinham grande foco em proselitismo e missões22 e grande
valorização do papel de mulheres, ordenando-as desde o seu início. As denominações
mais conhecidas do pentecostalismo neoclássico – os deuteropentecostais - são: Igreja
do Evangelho Quadrangular (1951); O Brasil para Cristo (1955); Igreja de Nova Vida
(1960); Convenção Batista Nacional (1965); Igreja Metodista Wesleyana (1967) e Igreja

19
Não se trata de mercado da fé, estas não acreditam em travesseiros santos, rosas ungidas ou outros
amuletos, mas consomem produtos como camisetas, CD’s, roupas, livros dentre outros.
20
Podem se vestir quase do jeito que quiserem, mas não aceitam o consumo de bebida alcoólica, por
exemplo.
21
Foram essas igrejas as grandes responsáveis pela explosão gospel dos anos 1980-90.
22
Embora tenham diminuído suas grandes campanhas em estádios, cujo espaço está mais dominado pelas
pentecostais ortodoxas.
Presbiteriana Renovada (1975). Ultimamente, tem se aproximado bastante das
neopentecostais e da teologia da prosperidade (MARIANO, 1999).
Apesar das aproximações, ainda não se confundem os assembleianismos com os
adeptos do neopentecostalismo. Hoje, há grandes igrejas denominadas neopentecostais.
Alguns autores até se negam a classificá-las dentre as protestantes, já que suas doutrinas
diferem notavelmente da doutrina reformada, principalmente pela teologia da
prosperidade. Internacionalmente, conhecidos os movimentos liderados por pregadores
como Kenneth Hagin, Benny Hinn, David (Paul) Yonggi Cho e César Castellanos.
Caracterizam-se por relativa liberdade moral e de vestimentas, baixo
sentimento de irmandade entre os membros. Em certo relato, um membro menciona:
“gosto da IURD porque você entra e sai e ninguém toma conhecimento da sua vida”.
Há grande interesse em participação política e disputam espaço na grande mídia,
sobretudo a televisiva.
No Brasil, os grupos mais conhecidos desse ramo são a Igreja Universal do
Reino de Deus (IURD), liderada por Edir Macedo; a Igreja Internacional da Graça de
Deus (IIGD), liderada por R.R. Soares; A igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD)
do apóstolo Waldemiro Santigo, a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, liderada pelo
missionário Estevan Hernandes e Bispa Sonia Hernandes, recentemente envolvidos
em crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, e o Ministério Internacional da
Restauração (MIR12) de Renê Terranova.
Como se pode notar, a divisão entre os três tipos pode parecer muito clara nas
análises dos fundamentos teológicos de cada igreja, mas a ausência de
institucionalismo central e a abertura de novas igrejas com nomes semelhantes
dificultam a divisão prática das atividades de cada grupo. Algumas ADs assumem
abertamente o neopentecostalismo, como a Assembleia de Deus Brás, a Assembleia
de Deus Vitória em Cristo, e a Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, do
também controverso Marco Feliciano. Portanto, o nome “Assembleia de Deus” não
identifica uma igreja pentecostal tradicional, já que pode ser utilizado por igrejas
recém fundadas e identificadas com posturas teológicas diversas. É preciso ainda
estar atento ao ministério da igreja, presente na segunda parte do nome, como
Assembleia de Deus Ministério Belém, ou Assembleia de Deus Ministério Madureira.
Esse conjunto de eventos tem alterado significativamente a maneira como a
sociedade brasileira percebe a religião evangélica, como resultado também das
formas mais recentes dos relacionamentos na contemporaneidade. Correa (2000,
p.87) afirma: "A relação que é criada através da mídia social, oferece exatamente a
associação que se busca no espaço público", assim o fiel não encontra a igreja
somente em seu templo físico, mas também na mídia.
A cultura contemporânea se forma aproximando e misturando imposições das
mensagens globais e fundindo o local ao global com importante atuação da mídia.
Assim:
Na alta modernidade, a influência de acontecimentos distantes sobre eventos
próximos, e sobre as intimidades do eu, se torna cada vez mais comum. A
mídia impressa e eletrônica obviamente desempenha um papel central. A
experiência canalizada pelos meios de comunicação, desde a primeira
experiência da escrita, tem influenciado tanto a auto-identidade quanto a
organização das relações sociais. Com o desenvolvimento da comunicação de
massa, particularmente a comunicação eletrônica, a interpenetração do
autodesenvolvimento e do desenvolvimento dos sistemas sociais, chegando
até os sistemas globais, se torna cada vez mais pronunciada. (GIDDENS,
2002, p.12).

Nota-se que é a mensagem da teologia da prosperidade e da estrutura


organizacional da igreja, na conversão do mercado religioso, que influencia cada vez
mais mudanças em uma causalidade circular. Aproximando a leitura de Giddens à
identificação do fiel assembleiano nessa tese, percebe-se o surgimento de uma
comunidade religiosa, mas que é também de consumo de bens, no qual há a reunião
simbólica de interesses a partir de um encurtamento da distância por meio da mídia.
Há ainda o medo da perda de fiéis por parte da liderança dessas igrejas, que então
permitem certas mudanças que devem ser cuidadosamente estudadas, a fim de
direcionar o estudo do campo religioso brasileiro atual.

2.5 Os pentecostais no Brasil

O pentecostalismo no Brasil é brasileiríssimo, e isso não é um pleonasmo, visto


que há outras manifestações pentecostais no mundo que seguem e imitam em muito
suas igrejas de origem. Alencar (2013, introdução, s/p) afirma:
A Assembleia de Deus no Brasil é brasileira? Brasileiríssima. Ela pode não
ser “a cara” do Brasil, mas é um retrato fiel. E um dos principais. É uma das
sínteses mais próximas da realidade brasileira. Como o Brasil, é moderna,
mas conservadora; presente, mas invisível; imensa, mas insignificante; única,
mas diversifica; plural, mas sectária; rica, mas injusta; passiva, mas festiva;
feminina, mas machista; urbana, mas periférica; mística, mas secular;
carismática, mas racionalizada; fenomenológica, mas burocrática;
comunitária, mas hierarquizada; barulhenta, mas calada; omissa, mas
vibrante; sofredora, mas feliz. É brasileira.
Isso implica uma identidade própria e única, que varia na cosmovisão, nos
rituais, cânticos, formas de ser e de aparência. Seu ascetismo se constitui numa forma
única também. Há igrejas pentecostais que assumiram formas diferentes de ascetismo
no Brasil. Há uma dinâmica completamente diferente do que eram as religiões
protestantes, sobre isso:
[...] devido a esse processo de complexidade e pluralidade crescente, bem
como pelo fato de ser um fenômeno altamente dinâmico, poucos anos depois
algumas expressões do Pentecostalismo não mais cabiam dentro das
fronteiras e da identidade construída na primeira metade do século XX.
Diante desse crescimento e processo de transformações mais ou menos
aceleradas, podemos observar que nenhuma manifestação religiosa, inclusive
o Protestantismo e o Pentecostalismo, se instala e se repete em lugares
diferentes para onde é levada sem que sofra alterações, retrações e
aclimatações (BORTOLETTO, 2008, p. 706)

Entre os neopentecostais, diferente dos assembleianos tradicionais, não há


ascetismo. Ao contrário, há hedonismo consumista. É uma ética para o consumo e o
luxo, segundo a obra do pastor Silva Junior23 (2012 p. 16), “o bem é a prosperidade,
simbolismo da dádiva de Deus a todos quantos cumprem seus mandamentos, enquanto a
graça são os benefícios materiais adquiridos que ilustram o vínculo com Deus, e
consequente sinal de salvação”.
Não é o trabalho que mostra as bênçãos de Deus na ética neopentecostal, e sim a
ostentação; ou seja, quanto mais rico, mais abençoado; para isso ,quanto mais luxo se
mostrar, mais abençoado será. É comum a perversão da interpretação bíblica no meio
pentecostal de que o Deus mandou o fiel para “Comer o melhor dessa terra” 24. Ocorre
que a interpretação do que seja melhor dessa terra, na ótica neopentecostal, são os
produtos mais caros, os carros de luxo, iates, belas casas e roupas de marca. É uma
religião que vai ao encontro dos ideais típicos da cultura de consumo capitalista de
nossa era, cuja valorização do aparecer rico é marcante. Sobre isso:
A sociedade capitalista se apresenta como sociedade do espetáculo. Importa
mais do que tudo a imagem, a aparência, a exibição. A ostentação do
consumo vale mais que o próprio consumo. O reino do capital fictício atinge
o máximo de amplitude ao exigir que a vida se torne ficção de vida. A
alienação do ser toma o lugar do próprio ser. A aparência se impõe por cima
da existência. Parecer é mais importante do que ser. (SILVA JÚNIOR, 2012
p. 16).

23
Pastor metodista. Graduado em Teologia e Pedagogia pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista da
Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), mestre em Ciências da Religião pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Umesp, doutor em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Professor
na UNIMEP.
24
Perversão já analisada por Campos (1996) sobre o que está escrito no livro de Isaias 1:19 “Se quiserdes, e
obedecerdes, comereis o melhor desta terra” se refere aos produtos agrícolas bem trabalhados para a glória de Deus.”
(BÍBLIA, Isaías 1:19).
Segundo Mariano (1999), a ética neopentecostal rompe com o ascetismo e passa
ao que ele chama de “acomodação do mundo”. Mariano faz uma excelente análise do
rompimento do ascetismo e do neopentecostalismo, na verdade escreve um artigo
apenas sobre isso, do qual se destaca um excerto:
O sectarismo e o ascetismo começaram a ceder lugar à acomodação ao
mundo, acompanhando o processo de institucionalização de importantes
segmentos pentecostais. Nos EUA, este processo teve início já nos anos 50 e
60. No Brasil, ele é mais recente, principia nos anos 70 e se aprofunda com o
nascimento e crescimento do neopentecostalismo. (MARIANO, 1996, p. 27).

Nem mesmo a moral sexual típica dos crentes é totalmente preservada. Hoje,
apesar de haver um discurso contra o divórcio nas igrejas neopentecostais, ele é tolerado
(ALTIVO, 2020). Basta ver os programas televisivos da Igreja Universal, onde são cada
vez mais comuns os testemunhos de que “Deus me deu um novo amor”. Já é
amplamente criticado nas igrejas tradicionais e noticiado pelos jornais evangélicos
neopentecostais (GOSPELPRIME, 2010) a criação de sex-shop gospel e filmes pornôs
gospel, o que antes seria uma afronta à moralidade pentecostal tradicional. Há de fato
uma acomodação ao mundo na neopentecostalidade.
Já os pentecostais de primeira onda, na qual se inclui a AD são (ou eram?)
totalmente ascéticos. Porém, tem havido uma cada vez mais crescente flexibilização nos
costumes. Sobre isso, afirma Mariano:
A primeira onda, chamada de pentecostalismo clássico, abrange o período de
1910 a 1950, que vai de sua implantação no país, com a fundação da
Congregação Cristã no Brasil (em 1910, em São Paulo) e da Assembléia de
Deus (1911, Pará), até sua difusão pelo território nacional. Desde o início
estas igrejas caracterizaram-se pelo anticatolicismo, pela ênfase no dom de
línguas, por radical sectarismo e ascetismo de rejeição do mundo. Não
obstante suas oito décadas de existência, ambas mantêm bem vivos estes
traços. A Congregação Cristã mantém-se irremovível. Já a Assembléia de
Deus, desde 1989 cindida em dois blocos, mostra-se mais flexível diante das
mudanças que estão se processando no movimento pentecostal ao seu redor e
na sociedade abrangente. (1996, p.25).

Em face à cultura de massa, ao pós-modernismo e a ascensão social crescente no


Brasil, o ascetismo da AD encontrou certa flexibilidade. Hoje se faz concessões,
conforme Mariano afirma:
Enquanto seus fiéis foram esmagadoramente pobres e estiveram privados de
bens materiais, culturais e educacionais, o sectarismo e o ascetismo
pentecostal não geraram grandes tensões internas. Mas, com a ascensão
social de parte, ainda que minoritária, dos fiéis e com o progressivo aumento
da conversão de adeptos de classe média, as tensões poderiam se intensificar,
e muito, não fosse a acomodação ao mundo ou a dessectarização que, nas
últimas duas décadas, começou a tomar corpo em diversas igrejas
pentecostais. Pois, diante da mobilidade social de parte dos fiéis, das
promessas da sociedade de consumo, dos serviços de crédito ao consumidor,
dos sedutores apelos do lazer e das opções de entretenimento criadas e
exploradas competentemente pela indústria cultural, esta religião ou se
mantinha sectária e ascética, aumentando sua defasagem em relação à
sociedade e aos interesses ideais e materiais dos crentes, ou fazia concessões.
Frente às muitas mudanças ocorridas na sociedade, sobretudo na área
comportamental, e às novas demandas do mercado religioso, várias
lideranças optaram por ajustar gradativamente sua mensagem e suas
exigências religiosas à disposição e às possibilidades de cumprimento por
parte de seus fiéis e virtuais adeptos. (1996, p.27).

Há certas relações entre a modernidade e o pós-modernidade. Em primeiro lugar,


não é fácil definir o que é modernidade, mesmo porque se vive nesse momento
histórico. Mais do que uma focalização e um ponto fixo na história a modernidade é
uma condição humana, é uma crença na certeza do cientificismo e da racionalidade, na
qual as relações sociais são mudadas. Seu termo seguido, pós-modernidade, não é algo
dividido dela, é apenas a maximização do individualismo, enquanto na modernidade o
seu ápice ideológico, a focalização dos supostos direitos, foram direitos políticos, hoje o
foco é o indivíduo.
Não deveria ser tão ruim, recuperar valores religiosos tais como amor e respeito
ao próximo, solidariedade, honra (valores defendidos pela religiões monoteístas), mas
assim como aconteceu com a modernidade, isso implica em certo desastre. Isso porque
apesar de acreditar que se está sendo aplicada uma produção literal está sempre sendo
aplicada uma interpretação, e quase sempre de um interesse pessoal ou escuso de uma
pessoa ou de um grupo sobre outros.
As AD e igrejas derivadas, as quais se denominarão “igrejas pentecostais
tradicionais”, não estão isentas de mudanças diversas, não se trata de referência às
inúmeras adaptações que sofreram em território brasileiro desde seu nascimento 25, mas
outras que estão ocorrendo bem agora, sobretudo nos últimos anos, especialmente a
partir de 2008.
Para membros da AD, havia certo orgulho em ser pobre, iletrado, simples, pois
havia a crença de que o Senhor revelava ao simples os seus mistérios, conceito baseado
numa interpretação do que está escrito no evangelho de Mateus 11:25 26. Havia certa
ojeriza à riqueza, sobretudo a ostensiva; havia aversão à política (ROLIM, 1985), e hoje
há cada vez mais envolvimento. Isso mudou e o motivo principal é que igrejas
neopentecostais, mas que tem o nome “Assembleia de Deus” na porta, tem entrado em

25
ALENCAR, Gedeon F. Protestantismo tupiniquim: hipóteses da (não) contribuição evangélica à cultura
brasileira. 2005
26
“Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste
estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos simples.” (BÍBLIA, Mateus 11:25).
contato com grande maquinário midiático nas igrejas pentecostais tradicionais. O
discurso neopentecostal é sedutor, pois prega que o crente, antes pobre, pode e deve
ficar rico. Trata-se de uma consequência da contemporaneidade, a sedução pelo luxo e
pelo consumo (JAMESON, 1985).
O pesquisador Nanez (2007) denuncia que, em nome da possibilidade de se
autoproclamar como simples, os pentecostais, especialmente na América Latina, tinham
aversão às riquezas e olhavam com desconfiança os ricos. A vida do fiel, nesse contexto,
deveria ser mais para adoração que para o trabalho, sendo às vezes o trabalho
aproximado da visão católica, visto como uma necessidade inevitável.
O controle chegava às relações conjugais, nas quais a mulher casada era proibida
de trabalhar nas ADs (FONSECA; MARIN; NASCIMENTO DE FARIAS, 2010). A
condição de pobre e iletrado ainda é, de certo modo, muito valorizada. Há uma
recuperação do espírito capitalista, o discurso neopentecostal é aceito cada vez mais
pelas igrejas tradicionais, isso faz perder aquela identidade original, como não estão
imunes às influências da cultura contemporânea, sofrem também certa uniformização
dos gostos e de discurso comum dessa era (LIPOVETSKY, 2009). E o gosto dominante
pós-queda do muro é a assunção do capitalismo e do consumo (BAUMAN, 2001).
Do orgulho de se ter um templo humilde, feito de taipa ou madeira, seguiu-se
para os “templos-shoppings” (ALENCAR, 2013), característica que se inicia com as
neopentecostais, mas que tem se expandido para as pentecostais tradicionais. Porém, o
templo simples e pequeno das periferias ainda prevalece e a maioria dos fiéis não se
encontra nos “templos-shoppings”. Em que proporção? Digamos um empate técnico,
Alencar, (2013) analisando os números de fiéis brasileiros das ADs, mostra que em
2010, a grande maioria dos pentecostais tradicionais ainda se localizava nas periferias:
de 12,3 milhões (CENSO, 2010) de membros, 7,7 milhões se encontram espalhados nas
pequenas igrejas de periferia. Lá, não há o espírito do capitalismo, mas o discurso
invade e logo o ethos mudará. Junto com o aumento do poder de compra de televisão,
rádio e computador das periferias brasileiras, chega pela máquina comunicacional o
discurso da teologia da prosperidade. Trata-se de um discurso sedutor, pois promete,
como em um ato metafísico, acabar com o que o habitante da periferia mais teme nessa
contemporaneidade consumista: a pobreza.
Na pentecostalidade das periferias, ainda há um grande ascetismo, que é
chamado de ascetismo comportamental brasileiro; este afeta toda a identidade do fiel,
como sua fala, passando a se comunicar com palavras bíblicas e jargões como varão (se
referindo aos irmãos homens), benção (para todos os acontecimentos bons), prova (para
acontecimentos ruins), paz do Senhor (para cumprimentos). Muda seus referenciais, crê
que tudo que acontece na vida é permitido por Deus ou tentação do diabo. Não há
separação entre vida profissional e espiritual, o trabalho e oportunidades são dados por
Deus para garantir sua sobrevivência, e assume sua identidade no trabalho. E, para o
que nos interessa na presente pesquisa, muda seu senso estético de vestimenta, passa a
usar o que é considerado decente e austero: mulheres com saias e roupas que não
marquem o corpo; o homem de camisa de botões e, no culto, o terno é obrigatório. Nos
templos de periferia, é raríssimo ver alguém fora da estética conservadora tradicional, já
que, para o pentecostal, a crença está acima da instituição.
Sobre essa restrição:
Esse ascetismo reacionário ainda sobrevive em alguns círculos na forma de
tabus comunais sobre álcool, tabaco, teatro, dança, jogos, roupas elegantes,
cosméticos e itens similares. Talvez tenha havido, e haja, boas razões para
tais abstinências, em se tratando de decisão pessoa, mas tabus comunais
tendem a entorpecer a consciência, em vez de avivá-la... O mundanismo foi
definido em termos de quebras de tabus, e identificações de consequências
mais amplas com os pecados da sociedade passaram despercebidas... O
pietismo pós-moderno separa o mundo em vez de estudá-lo e procurar mudá-
lo; é hostil ao prazer, em vez de agradecido por ele, temeroso de que o mundo
adentre nossos corações montado nas costas do prazer. (NICODEMUS,
2008, p.152).

Como se pode perceber, o ascetismo ainda é presente no meio pentecostal


tradicional. A pesquisa nesse campo se torna importante nesse momento, pois o que
passamos é justamente um período de transição. Ricardo Mariano (2008) conclui que
essa aparência é a preservação de uma identidade que visava destacar quem era santo no
mundo, mas essa identidade agora passa por mudanças que se quer aqui pesquisar.
Do ponto de vista antropológico, não é possível traçar uma definição unânime
sobre o conceito de identidade. É consensual, atualmente, pressupor que a ideia de
identidade não corresponde a algo estático, duro e inflexível, mas que envolve a sempre
assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia. Em sintonia com as reflexões
de Hall (2005), esse trabalho pressupõe que, na contemporaneidade, as identificações
operadas pelos indivíduos são híbridas e múltiplas, e partindo desse pressuposto propõe
a analisar de que maneira o pentecostal assembleiano evidencia a questão do sujeito
deslocado. Se converter é se encontrar no mundo por meio de respostas prontas e
acabadas e, assim, se identificar de formas simples com explicações mitológicas.
Mariano (2010) lembra que a identidade pentecostal brasileira é mais difícil de
definir. Tal identidade se constrói exatamente sobre a dúvida e a incerteza quanto à
constituição de sua própria identidade nacional que move o brasileiro em busca do
paraíso perdido. Nessa busca por uma unidade, um centro – sua estabilidade enquanto
indivíduo centralizado – o indivíduo se surpreende ao verificar que sua crise apenas se
acentua neste processo que evidencia suas diferenças físicas, linguísticas e
socioculturais na sociedade em que agora ela procura se integrar. E, nesse sentido,
qualquer ilusão de unidade é desfeita pela própria vivência. Segundo Hall (2005), a
identidade plenamente segura e unificada é uma fantasia; o que há são identidades
pluralmente formadas a partir de contextos diversos e temporários.
Barth, (1989) tratando da identidade traz à tona o que chama de “emblemas de
diferença”: a história pessoal e comunitária de cada um traz a assunção de uma
diferença com outras, as pessoas (indivíduos e grupos) selecionam do seu repertório
cultural (vestimenta, língua, moradia, etc.) algum signo (“traço diacrítico”) para
distinguir-se de outros e para exibir uma identidade comum. Assim a linguagem,
vestimenta e crença típicas do assembleiano vão se constituir em uma diferença do
mundo.
De todos os assuntos passíveis de análise dentro do fenômeno pentecostalidade,
a definição da sua identidade é, atualmente, missão deveras árdua. Tal dificuldade se
deve ao fato de que a própria noção de identidade vem passando por revisões, frente à
multiplicidade de referências identitárias que marca a condição contemporânea.
Segundo Hall (2005) existe um processo que “está deslocando as estruturas e processos
centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos
indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (2005, p.7). Ou seja, não há mais
referências estáveis de identidade ou de memória.
A identidade de pertença a qualquer comunidade se torna algo difícil de traçar,
já que o ser humano se transmutou do ponto de vista das suas relações sociais em algo
diáfano, nebuloso, líquido, como diria Bauman (2013). Ninguém é apenas um lavrador,
ou um nobre, ou tem as posições sociais bem definidas como na idade média. A divisão
social do trabalho nos impõe um sem número de relações heterônomas. Por exemplo,
hoje o lavrador tem que conseguir crédito em um banco para comprar um trator e
vender seus produtos na bolsa de valores, tem de ser pai, mandar seus filhos para a
escola, vender seus produtos na cidade, e para isso tem de dirigir, ter habilitação, em um
sem número de redes sócio-legais complexas as relações sociais se tornaram complexas
(MORIN, 1999).
A identidade de uma pessoa é formada por processo complexo que emerge de
sua história bio-psico-social-cultural-econômica, de suas interações com o meio social e
geográfico (BERGER, 1995). A identidade se forma complexa em relação de
causalidade circular e ocorre na interação com o mundo externo da pessoa, que, por sua
vez, oferece aos outros sua ação no ambiente histórico e geográfico. Forma-se com os
meios e modos de ser e fazer e práticas que aportem para a pessoa significações
envolvidas em sistemas simbólicos, a identidade é uma representação social. Oliveira
(1976) apresenta um conceito de identidade contrastiva, na qual as identidades se
formam em contraste-contato com outras identidades. Seu conceito é apresentado da
seguinte maneira: implica a afirmação do “nós” diante dos “outros”. Quando uma
pessoa ou um grupo se afirma como tais, o fazem como meio de diferenciação a alguma
outra pessoa ou grupo com que se defrontam. “É uma identidade que surge por
oposição. Ela não se afirma isoladamente” (OLIVEIRA, 1976, p. 5). A identidade seria
aquilo que forma enquanto indivíduos únicos, que difere uns dos outros e que se adquire
em convívio social. Assim, essa formação que constitui como a pessoa se identifica e
influencia suas ações na sociedade e como ocorrerão as relações com os outros, ao
mesmo tempo o individuo age na sociedade segundo suas ações e ao mesmo tempo a
sociedade o influencia como em um misto das proposições durkhenianas X weberianas.
No caso assembleiano, a identidade, ou como ele passa a se identificar enquanto
assembleiano se forma quando se converte e vai se convivendo com outros, adquirindo
seu modo de identificar-se, de pensar, de linguagem, de vestir e aceitar ideias. O jovem
assembleiano hoje, por exemplo, se identifica como jovem que é do mundo
contemporâneo, mas ao mesmo tempo como jovem assembleiano isso é contraste, se
veste como jovem do mundo, mas se identifica como assembleiano, isso é identidade
contato. Assim, aplicando-se Oliveira, tem-se uma identidade por contraste-contato.
O que perfaz a identidade de uma pessoa hoje? A resposta é complexa.
Aumenta-se mais ainda a complexidade se perguntarmos: o que perfaz a identidade de
um indivíduo pertencente a um grupo hoje? Na modernidade o mundo é complexo e
nebuloso. As relações entre pessoas são mediadas pela relação eletrônica, diáfana,
irreal, virtual que só faz aprofundar a já existente crise de identidade (HALL, 2005),
visto que a própria noção de pertença está em crise também, em constante mudança27.

27
Nós de língua portuguesa, em especial os brasileiros, tendemos a associar a palavra crise a algo negativo.
No entanto, crise vem da palavra crisalida, uma fase que trará mudança. O mesmo vale para Caos. Caos nem sempre
é ruim, é apenas a incerteza de uma definição.
Ninguém pertence só a uma família, ou aos clãs. Ninguém pertence só a uma
nação. Ninguém pertence só a uma função no emprego (embora a opressão do sistema
capitalista deseje que sim), sendo necessário ter que lidar com o cliente, com o
comércio, com os estudos; ninguém pertence só a um grupo, tem-se o grupo de colegas,
o de amigos, o de familiares, os religiosos e muitos outros, e, assim, tal complexidade se
resume na palavra “Caos” definida por Prigogyne (MORIN e PRIGOGYNE, 2008, p.
13) como situação tal na qual a individualidade fica incapaz de se manifestar.
A memória também está sendo impactada pelas mudanças sociais que marcam a
cultura contemporânea; o acesso à informação eletrônica, que distanciou as pessoas
umas das outras, e oráculos eletrônicos, fizeram com que a memória, sobretudo a de
pertença, ficasse enfraquecida frente ao mundo de informações presente. Michael Pollak
(1992) destaca que é na compreensão de memória histórica que reside o sentido de
identidade; para , a priori, a memória parece ser um fenômeno individual, mas ela é,
sobretudo, como um fenômeno coletivo e social. Memória não é só a lembrança do
passado, é um fenômeno que traz em si um sentimento de continuidade e pertencimento,
seja ele processado individualmente ou em grupo como reconstrução de si, torna-se o
fator preponderante para o entendimento de sentimento de identidade (POLLAK, 1992).
Por se viver em um mundo de múltiplos atratores de memorias essas ficam
desconfiguradas de um único norte. Assim, a identidade que se forma também é
múltipla.
Em Halbwachs, se pensa em uma dimensão da memória não individual, ainda
que essa conotação esteja no senso comum, para ele as memórias de um indivíduo
nunca seriam apenas dele, e que nenhuma lembrança poderia existir apartada da
sociedade. Segundo esse autor, as memórias são construções dos grupos sociais, são
esses grupos que determinam o que é memorável e os lugares onde essa memória será
preservada (HALBWACHS, 2006).
O âmbito em que nasce a memória coletiva na obra de Maurice Halbwachs
(2006), se dá em um movimento do indivíduo para a sociedade. Para esse autor, a
memória individual se assenta e se organiza com base em quadros sociais; perpassa pela
dimensão social da linguagem, do indivíduo estar inserido em dado contexto social e em
relações de pertença; se desenvolve nas relações em que o sujeito mantém com os
demais membros de seus grupos. A memória coletiva é o filtro, a seleção, a
interpretação e a transmissão de certas representações da história pessoal a partir do
ponto de vista de um grupo social determinado. Esse autor destaca o caráter seletivo da
memória social, que se cria por meio da adesão afetiva ao (s) grupo (s) de pertença. Um
indivíduo, para lembrar seu passado, tem que se remeter às lembranças dos outros.
Assim, os pontos de referência do que o autor chama de memória social estão presentes
em vários elementos históricos, culturais e pessoais, compartilhadas difusamente em seu
grupo. A memória é sempre dependente das interações e dos grupos sociais. Sua
importância se dá para manter a integridade e a sobrevivência do grupo no tempo.
Quem faz a memória coletiva, portanto, é o grupo.
A identidade religiosa é fundamental para compreender as outras relações sócio-
econômico-culturais em que estão imbuídos os sujeitos. Afirma Durkheim que a religião
é a ossatura da sociedade (2001). Essa noção também pode ser encontrada em Berger
(1985), onde afirma que a religião é fundamental para dar significação sobre a
realidade:
[...] desempenhou uma parte estratégica do empreendimento humano da
construção do mundo. A religião representa o ponto máximo da auto –
exteriorização do homem pela infusão, dos seus próprios sentidos sobre a
realidade. [...] a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro
como humanamente significativo (BERGER, 1985, p. 41).

Halbwachs (2006) afirmava que Memória Social é a essência do conhecimento


coletivo e culturalmente conhecido por determinado grupo balizado por um determinado
contexto. Já Pollak (1992) afirma que em todos os níveis a memória é um fenômeno
construído social e individualmente e que quando se trata da memória herdada pode-se
também dizer que há uma ligação fenomenológica muito estreita entre a memória e o
sentimento de identidade. Essa proximidade entre memória e identidade é evidenciada
por Le Goff (1997, p. 29): “a memória é um elemento essencial do que se costuma
chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades
fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje”.
O protestante, em particular o pentecostal28, não está imune às mudanças do
mundo moderno, que influenciam sua identidade e memória. A modernidade causou
impactos também na igreja protestante e na identidade de seus fiéis (WESTHELE,
1992). O pentecostalismo tradicional também se faz impactado. Hoje não é mais
possível saber quem é o pentecostal, e também o assembleiano, o pertencente à(s)
igreja(s) da Assembleia de Deus com facilidade.
Identidade pode ser entendida como uma diferenciação auto-referencial. É como
o indivíduo se identifica em relação a si e aos outros. Essa diferenciação constrói a
28
A quem diga que o neopentecostal não é protestante. Nos referimos aqui ao pentecostal ortodoxo.
(PAEGLE, 2008)
imagem pela qual se identifica e partilha de uma memória, no caso há uma leitura do
grupo, tanto interna quanto externa, que os define como únicos (WOODWARD, 2009).
Assim, o conceito de identidade compreende a condição em que o sujeito se percebe
membro de um grupo, de modo a também incluir na sua configuração a valorização e
significância emocional desse pertencimento. A identidade é associada a grupos dos
quais o indivíduo participa, assim como conjuntos de referência em que não houvesse a
inclusão do mesmo. Com a multiplicidade de grupos e ambientes de ação dispostos na
contemporaneidade, múltiplas são as identificações operadas pelos indivíduos e grupos.
A AD oferece um mundo sagrado com vistas à busca de sentido em meio a esse
mundo caótico em espeicla a juventude, daí querererm permencer assembleianos. Para
compreender o surgimento dos objetos sagrados no mundo moderno, ou seja, seu caráter
efêmero, movimentado e adequado, é necessário tomar os conceitos antropológicos de
sociedade acima do ponto de vista do debate atual, a fim de estabelecer fluidez . E a
compreensão osmótica da história e seu significado; e a capacidade de ver e ver a
emergência do mundo moderno a partir do movimento dialético pleno, que vai e vem da
história para formar diferentes identidades e diferentes ideias cósmicas, ainda que de
forma temporária e relacionada, mas mostrando uma exploração contínua, com
definições de existência planetária. A religião pós-moderna é eclética, heterodoxa,
vergonhosa em relação às tradições antigas, mas é a única coisa que se tem para
entender o mundo religioso moderno, além dos tradicionais ritos de residência.
Antropológico, é um “ser muito humano” capaz de nos tornar solidários com a forma
como lidamos com os problemas sociais e culturais atuais. Funcionalidade, gosto e
"identidade" hedonista. Assim, a vida nas ADs fornece um sentido próprio.

CAPÍTULO 3 – SER PROTESTANTE, SER PENTECOSTAL E SER


ASSEMBLEIANO.

Delimitados os tipos mais comuns de pentecostalismos no Brasil, este capítulo


pretende tecer considerações sobre o assembleiano. Para tanto, haverá breve análise do
protestantismo, do pentecostalismo e de características mais aprofundadas do
assembleianismo. A análise das ciências sociais para o protestantismo passa
necessariamente pelas ideias weberianas, discutidas a seguir.
3.1 A experiência de ser/tornar-se pentecostal
Numa perspectiva religiosa, a memória, dentre seus inúmeros aspectos, pode ser
vista a partir do conceito de tradição. É segundo a recriação de uma memória e de
pertencer a uma tradição que se identifica como membro de ser pentecostal. Segundo
Rivera (1999), a transmissão da tradição visa manter intacta a lembrança dos seus fatos
fundadores. Entretanto, para o pentecostal, a memória dos fatos fundadores não é tão
importante quanto o mito relatado no texto sagrado, e este aparenta ser menos
importante do que a experiência subjetiva. É esta que realmente importa e que perfaz
sua identidade, só passa a ser pentecostal quando se tem uma experiência subjetiva com
o que se acredita ser o Espírito Santo, manifestado pelos dons espirituais já descritos.
Nesse campo, ocorre uma preocupação em se formar a identidade, perpetuar uma
memória não histórica que se manifestará nos seus códigos de conduta, costumes e
vestimenta, bem como sua linguagem. Em suma, existe uma transmissão de memória
ativa que constitui uma identidade diferenciada, desconexa da memória oficial,
positivista e histórica. A memória e identidade transcendem o texto, e é existente de fato
nas suas práticas cotidianas e não se restringem apenas à religião.
A memória pode ser entendida não somente como uma ferramenta que guarda
dados mnemônicos, mas, sobretudo, como uma capacidade de (re) significação das
coisas e de si mesmo (RICOEUR, 2007, p. 40); que se manifesta em uma crença
coerente com um comportamento social que representa a diferença que constitui a sua
única identidade diferenciada de qualquer outro grupo. Essa identidade se faz
transmissível não exatamente através de um discurso ou de uma recuperação de
memória, mas através de uma imitação desconexa da história formal, feita por outros
membros do grupo mais antigos, numa manifestação grupal. O novo convertido
pentecostal não chega ao culto de terno e gravata citando trechos da Bíblia, ao contrário,
muitas vezes sua natureza anterior era diametralmente oposta à figura assembleiana.
Muitas vezes, tratava-se do sujeito sem qualquer conhecimento bíblico. Por convivência
e imitação, vai adquirindo os hábitos, as práticas cotidianas, a linguagem, os costumes
daquele grupo. Assume-se então uma disposição bourdieusiana de habitus nos grupos
religiosos. Aqui, entende-se habitus como:
“[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas
as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de
apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente
diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas.” (BOURDIEU, 1983, p.
65)
Ao ser convertido, o fiel cria e recria modos de ser, fazer e se relacionar, ou seja,
disposições de ser, que serão mais ou menos duráveis, transpondo-as a outras práticas
que não só as religiosas, adquiridas com as experiências dos membros preexistentes no
grupo. Cria-se assim uma matriz de observação, valoração e ação no mundo. Desse
modo, realiza sua vida de acordo com os novos valores que lhe foram transmitidos.
O jovem Lennon Floretti29, 26 anos, explica com suas palavras, quando
questionado sobre o que é ser convertido e a diferença das pessoas que não são
convertidas (FLORETTI, 2019, depoimento oral):
“Ah mudou meu pensamento né, mudou meu estilo de vida... tipo eu ligava, era
eu na Terra Deus no céu e eu na Terra, eu trabalho muito em prol de mim mesmo, para
minha felicidade, sem querer agradar a Deus, sem nada. Eu comecei a trabalha/ a fazer
as minhas coisas pensando mais em Deus, colocando Deus em primeiro lugar, e não, e
não em último lugar como os indivíduos quando não são convertidos.”
De fato, o interlocutor, assim como outros, não sabe definir muito bem o que é a
conversão. Conceituar experiência religiosa não é fácil, há inúmeros conceitos, mas é a
partir da experiência que o sujeito se identifica como verdadeiramente pentecostal. Mais
além, não se trata apenas da experiência, mas de um misto de conversão e aceitação da
comunidade e da própria experiência. Só a partir desse fenômeno é que ele será melhor
aceito em sua comunidade e poderá ser considerado um santo de Deus. Os
assembleianos acreditam literalmente naquilo que é relatado na Bíblia em João 3:5,
somente ao ser batizado com o espírito ou ter uma experiência religiosa é que o
indivíduo pode se considerar como fiel, e então sua comunidade o aceitará como
verdadeiro filho de Deus. O depoente Pr. David Bezerra da Silva, 46 anos, tenta explicar
o que é tal experiência:
“O batismo com o Espírito Santo é uma experiência extraordinária! Que a gente
tem, porque ultrapassa a questão racional, qualquer coisa assim, é um êxtase, uma coisa
inexplicável que trás pra gente um sentimento de comunhão, muito grande, muito
próxima do Espírito Santo”. (2019, depoimento oral)
Segundo Otto (2007), o sagrado é aquilo que dá sentido à vida das pessoas. Mas
o que é afinal esse sagrado? Como é esse sagrado que foge de toda e qualquer
racionalidade? De acordo com o autor,
29
Entrevista concedida em 18/jul/2019, na cidade de Bauru. Membro de igreja e educador físico.
“Conceitualmente, mistério designa nada mais que o oculto, ou seja,
o não evidente, não apreendido, não entendido, não cotidiano, nem familiar,
sem designá-lo mais precisamente segundo seu atributo. Mas o sentido
intencionado é algo positivo por excelência. Seu aspecto positivo é
experimentado exclusivamente em sentimentos. E esses sentimentos
podemos explicitá-los em formulações sugestivas [...] O atributo tremendum
é, para começar, uma caracterização positiva do que estamos tratando. O
termo latino tremor em si significa apenas medo ou temor – sentimento
“natural” bastante conhecido [...] Em algumas línguas existem expressões
que designam exclusiva e preponderantemente esse temor, que é mais que
temor. Por exemplo, hiqdish = santificar, em hebraico. Santificar algo em seu
coração significa distingui-lo por sentimento de receio peculiar, que não deve
ser confundido com outros receios, significa valorizá-lo pela
categoria do luminoso.” (OTTO, 2007, p.45).
O pedagogo, historiador, escritor e pastor protestante Ruben Alves (1978, p.16)
afirma que ao afirmar-se como religioso o homem define a si mesmo: “A religião é o ato
pelo qual o ser humano se separa de si mesmo e no qual contempla a sua natureza
latente. Deus é o símbolo para a resposta à pergunta: Quem sou? O que o ser humano
declara acerca de Deus ele, na realidade, afirma acerca de si mesmo”.
Brandão (1992) afirma que o pentecostal ressignifica todos os aspectos da sua
vida de um modo impactante ao se referenciar como tal:
“Para o sujeito que se autonominará ‘pentecostal’, ‘pentecostista’ (mais raro),
‘pentecoste’, ‘crente’ (o mais comum), ‘evangélico’ (que inclui os protestantes não-
pentecostais), ‘um crente no Senhor Jesus’, ‘...da Assembléia de Deus’, o ser crente
obriga o sujeito a uma ativa enunciação de suo indivíduo social através da sua
identidade religiosa. Mais asperamente visível hoje em dia entre os pentecostais do que
entre todos os outros sujeitos evangélicos e vizinhos próximos de fé, o declarar-se um
pentecostal modifica toda a autoimagem do enunciador, subordinando-a ao qualificador
religioso, sobretudo quando ele se reconhece um convertido, logo, um sujeito salvo
desde o momento e por causa do ato de conversão pessoal, mais do que apenas por
possuir uma religião. Em seguida a enunciação do seu ser religioso requalifica todos os
outros atributos de sua identidade social e/ou étnica, em função de uma assumida
qualidade de ser-pessoa-através-da-religião, sob cujos efeitos todos os outros nomes,
títulos, condições de classe e posições sociais e culturais são revistos e hierarquicamente
reordenados. Convertido em um agora leitor assíduo de um único livro, a Bíblia, o
sujeito crente se re-escreve, de acordo com a leitura individual que faz dela e segundo a
figura de ‘homem novo’ que desenha para si mesmo, através da maneira como aprende
a pensar e ser em sua comunidade de fé e de restrita e exclusiva salvação. No Brasil um
homem adulto, negro, pobre e lavrador, torcedor do Cruzeiro Futebol Clube, de Minas
Gerais, com o sobrenome Bento Teixeira, depois de convertido a uma Assembleia de
Deus passará a proclamar-se um ‘crente, salvo no Senhor’, um homem pobre e negro,
mas honrado, Bento Teixeira (mas sem dar ao ‘ser do povo dos Bento Teixeira’
importância alguma, porquanto a sua família agora é a comunidade de sua igreja) e
desinteressado tanto do Cruzeiro como do futebol e de tudo o mais que, a partir de um
‘momento de salvação’, ele traça e delineia como parte das ‘coisas do mundo’, que evita
ativamente”. (BRANDÃO, 1992, p. 39-40)
Assim, o pentecostal se reafirma como pertencente a algo maior que ele mesmo,
e essa prova determinará toda a sua vida. A experiência é um misto do que ele crê em
ser sagrado e de ser aceito no grupo. Sobre isso escreve Rolim:
“Os crentes produzem um imaginário sob cuja influência
experimentam simultaneamente o aspecto de proteção e de existência do
grupo. Proteção porque de um lado a crença no Espírito Santo é a crença no
poder divino absoluto, e, por outro lado, o grupo é percebido como espaço
por excelência da manifestação desse poder, o qual se reproduz e re-atualiza a
manifestação primitiva desse mesmo Espírito.” (ROLIM, 1985, p. 225)

É através da experiência que o crente é reconhecido e cria sua identidade de


sujeito coletivo. Ao re-elaborar uma linguagem nova, a partir daquilo que já lhe era
comum em sua religiosidade e com o acréscimo do discurso bíblico, o convertido
estrutura uma nova realidade e um novo imaginário que definem uma nova maneira de
viver e de se relacionar socialmente. Cria, portanto, “novas relações de força e de poder
diante das dificuldades do cotidiano” (COSTA, 2004, p. 76).
Desde o início da modernidade a vida cristã se divide em duas, uma nos templos
e outra na vida cotidiana. Claro que uma influencia a outra, porém o pentecostal, ao
contrário do que fundamenta os pensadores modernos acerca de religião, vai acreditar
viver apenas no sagrado. O “sagrado” existe, segundo Eliade (2001), em oposição ao
profano. Ele se constitui na concepção de um mundo trans-humano, comumente de
origem divina, que diz respeito à existência de uma transcendência que extrapola os
quadros da realidade imediatamente visível e sensível. Porém, o assembleiano vai
constituir-se no sagrado. Tudo em sua vida se crerá sagrado, sua família, seu trabalho,
suas manifestações religiosas, suas palavras, sua moral, seu modo de se relacionar com
os outros, em suma, acredita que sua vida em si mesma será sagrada.
A experiência espiritual é de difícil explicação. Mas a partir dela, há diversos
relatos de pessoas que mudam radicalmente o estilo de vida, adotando, geralmente, o
comportamento oposto àquele que praticava quando cria estar “no mundo”. A
experiência chega a ser superior à dependência neuroquímica, pois há relatos de pessoas
curadas após serem “batizadas” com o Espírito Santo, talvez porque seja outra
experiência neuroquímica intensa. A mudança se expressa nas roupas típicas, na forma
de agir austera e assumindo uma nova linguagem. Poucos minutos de interação são o
bastante para que se saiba: é um fiel pentecostal, mesmo que suas roupas não
denunciem, numa situação onde se utiliza uniforme de trabalho, por exemplo. Sua
linguagem sugerirá sua religiosidade, com a utilização corriqueira de termos como
“Deus abençoe”, “Paz do Senhor”, um versículo, uma explicação sobrenatural para algo
como vontade ou permissão de Deus.
Émile Durkheim, estudando, a religião, observou que “o sagrado e o profano
foram pensados pelo espírito humano como gêneros distintos, como dois mundos que
não têm nada em comum” (1996, p. 51) e concluiu: “existe religião tão logo o sagrado
se distingue do profano” (1996, p. 150). Nesse sentido, considera-se sagrado tudo aquilo
que está ligado à religião, magia, mitos, crenças. Em qualquer religião, a concepção do
sagrado se manifesta sempre como uma realidade diferente da natureza, remetendo ao
extraordinário, ao anormal, ao transcendental, ao metafísico. Quando o processo é
tratado como um fato natural, biológico, normal, estamos no campo do profano, de tudo
aquilo que não é sagrado. Porém para o pentecostal tudo será sagrado, mesmo o mundo
profano será sagrado pois é algo espiritual, o diabo, que o impulsiona em seus desejos
humanos a qual chama de “carnais”.
O profano se manifesta naquilo que é pecado e sua vida será uma busca de
separação dele, buscando viver a santidade, ainda que, como humano, não esteja isento
do pecado. Aliás, assume que todos são pecadores, e que esta é a condição do homem,
mas que sua vida se transformará segundo essa experiência. Porém, mesmo o profano é
espiritual ou sagrado no sentido eliadiano (ELIADE, 2001), pois acredita tratar-se de
uma força maligna, o diabo, que faz com que se peque.
O comportamento muda, ou melhor, muda em alguns aspectos, sobretudo no
pensamento, mas no que se refere à cultura midiática, permanecem alguns elementos. O
relato dos jovens Rafael Rainer dos Santos Almeida, 18 anos e estudante (Depoente 1 –
D1)30 e Giovani Alexandre dos Santos31 , 19 anos, estudante e auxiliar de mercado,
(Depoente 2 – D2) expressa o que se muda no Assembleianismo:
“Entrevistador/autor: Uhum...isso aí. Então...isso é ser pentecostal! É uma
experiência sempre, né... ou não, outro entendimento...O que é ser pentecostal pra você?

30
Entrevista concedida em 03/09/2019, na cidade de Bauru-SP
31
Entrevista concedida em 03/09/2019, na cidade de Bauru-SP
D1: Ser pentecostal, ser...cristão?
Entrevistador/autor: Sim, não, eu to perguntando...
D2:Ah é ser algo, diferente dos outros né...
Entrevistador/autor: Diferente do mundo?
D1: Diferente do mundo... que nem, na escola, você vê o povo assim, o jeito de
falar, de agir...você vê que você é diferente deles...
Entrevistador/autor: Como você vê que é diferente deles?
D1: O jeito de se expressar, de se comunicar com as pessoas, de ...
Entrevistador/autor: Por exemplo, palavrão...você não fala palavrão?
D1: Não...de vez em quando né, quando escapa um... né?(risos)
Entrevistador/autor: E sexo também... conversa com seus amigos... e você
escolheu esperar?32
D1: Sim
Entrevistador/autor: E você...o que que é ser assim...Pentecostal, assim, viver
pelo Espírito...
D2: Ah, tomada de decisões corretas, você viver mesmo buscando aquilo, sabe, a
presença de Deus sempre. Qualquer decisão que você for tomar, você jogar na mão dele
primeiro, sabe? Botar na mão dele que ele já sabe já.
Entrevistador/autor: E o que que é a presença de Deus que você busca, que que
é?
D2: Ah, ta sempre em paz!
Entrevistador/autor: Ta sempre em paz...traz uma sensação de paz... E cê
concorda com o Rafael, ser diferente do mundo...
D2: Concordo! Concordo nas tomadas de decisões, né? A gente tava
conversando bastante sobre isso, de ... o lado de Deus é totalmente oposto do que não é
o lado de Deus, entendeu? Não tem um meio termo... uma coisa assim. Cê que toda hora
cê vai conseguir ver, algum indivíduo te falando assim “ah, aquilo que ela falou não traz
tranqüilidade, sabe?”

Como se vê pelo relato há uma implicação de diferença entre “ser convertido” e


“ser do mundo”. Em todos os relatos colhidos para este trabalho, esta afirmação ocorre.
Parece que ao ser convertido ele se afirma em uma hetero-referencia do mundo. Se

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Algo normal e repressivo o que daria per si outra tese é a repressão sexual entre jovens Assembleianos,
muitos deles reatam não fazer sexo até o casamento por certa pressão do grupo social.
afirma como diferente mas vive neste mundo. Não sai dele. Na verdade poderia dizer-se
que se converter é um assujeitamento. Um ser que voluntariamente se sujeita a certas
regras de dominação e nisso constitui-se como subjetivação ainda que sacrificando sua
liberdade. É um sujeito dependente que se constitui em grupo.
O indivíduo convertido cria uma memória, no sentido que Halbwachs (2006)
define não como lembrança, mas como a produção de uma experiência divina. Ao se
converter, ele seleciona as experiências, o ritual, e, mais ainda, a introjeção desse ritual
fornece um instrumental, uma localização no mundo, de modo que controla seu
pensamento e corpo, ou melhor, transforma-o segundo a comunidade que assume. O
ritual e sua introjeção possibilitam a expressão de diferentes “selfs”, ou permite a
existência interna de novos “selfs”, expondo um comportamento diferente do que tinha
até então; durante o processo de conversão, o novo convertido renega vários hábitos e
costumes de sua vida pré-conversão e passa a viver conforme as regras sociais da nova
comunidade.
Procura-se assim constituir um novo sujeito no processo de conversão. É a busca
por afirmar-se como convertido. Não se pode neste processo confundir processo de
subjetivação com sujeito ou com indivíduo. O indivíduo é o ser em oposição ao que se
queira identificar e sua completude com os múltiplos processos bio-psico sociais. O
sujeito é sua constituição psico-social, a subjetivação são os processos pelos quais ele se
identifica com os processos sociais, culturais políticos, econômicos, religiosos etc...
estes conceitos não estão em oposição, mas podem ou não andar juntos. Touraine,
estudando Foucault, vai diferenciar indivíduo de sujeito e ator:
O sujeito não é um indivíduo concreto. Um indivíduo pode ou não se
comportar como sujeito. No centro, deve-se situar o vazio, não as normas;
portanto, o ser humano na condição de sujeito em face de si mesmo. (...)
capacidade de se olhar. (...) Se me deixo distrair, então todo o espaço interior
é preenchido. É preciso que eu me afaste de minhas atividades, de minhas
distrações, de meus deveres para definir minha relação comigo.
(TOURAINE, 2002, p. 46).

Assim o individuo onde não é senão “a unidade particular onde se misturam a


vida e o pensamento, a experiência e a consciência” (TOURAINE, 2002, p. 47). Já a
subjetivação é o desejo de se tornar completo segundo ao que aceita da realidade social
ao seu entorno. Não é uma mera imposição do mundo ao sujeito, mas sim aquilo que o
individuo assume do mundo que lhe é posto. Não se trata de uma submissão ou
domínio, mas sim do processo do individuo comparar e aceitar a ideia. A modernidade
possibilita ao sujeito uma nova liberdade de individuação, e é nela que surge a ideia de
sujeito pensante e direitos individuais, assim o sujeito se torna ator de si em seu
processo de subjetivação. Ele escolhe o que vai ser.
A subjetivação é o contrário da submissão do indivíduo a valores
transcendentes: o homem se projetava em Deus; doravante, no mundo
moderno, é ele que se torna o fundamento dos valores, já que o princípio
central da moralidade se torna liberdade, uma criatividade que é seu próprio
fim e se opõe a todas as formas de dependência. (TOURAINE, 2002. p. 222).

O processo de subjetivação de se tornar sujeito de si acontece quando o sujeito


assume aquilo que se quer rejeitar e aceitar. Não está mais ligado a uma comunidade
unitária a qual sua identidade não poderia ser separada. Por exemplo, os índios Xeta se
identificavam como Xeta antes de dar seu nome individual (RIBEIRO, 1996). Nas
sociedades pré-modernas não havia distinção clara do sujeito do seu grupo. Assim o
sujeito não se forma se não se separar da conjuntura concreta que lhe impunha uma
identidade mais baseadas em deveres do que em escolhas.
A subjetivação passa, no processo moderno, pelo individuo e não pela
instituição. Uma falha da subjetivação da AD é pretender (pelo menos do ponto de vista
do fiel comum e não dos líderes) se espelhar em uma comunidade mítica da cristandade
antiga. É comum nos cultos se referir aos tempos de Jesus, ou aos cristãos daquele
tempo como exemplo de conduta. Sua imagem mítica é ligada à era do pentecostes. Na
idade média, o sujeito era obrigado a seguir a igreja ou tribo. Na modernidade o sujeito
se individualiza, nas pós-modernidade se perde ante tantas opções e procura fazer
escolhas.
No rito assembleiano o sujeito tem que se constituir como santo em meio a um
mundo de pecados, como exemplo de conduta para seus pares e para os de fora, mas
essa tentativa de “não troca” com a sociedade exterior à comunidade religiosa não tem
sucesso. Apesar de haver uma doutrinação baseada na emoção, a instituição impõe
certas atitudes e maneiras corporais e afetivas que são culturalmente enfatizados,
desejados e incentivados pelo grupo, assim, os rituais e os costumes são os meios
escolhidos para o processo de subjetivação do fiel Assembleiano (FOUCAULT, 1987).
Porém essa subjetivação só será efetiva até que o sujeito escolha realmente pertencer à
comunidade. Mas a modernidade e seus locais de integração, como a escola,
universidade, trabalho, e até mesmo a mídia constantemente oferecem novas
possibilidades, o que pode gerar redefinições, por vezes rompimentos radicais, com
costumes arraigados e questionamentos a própria identidade. Esse constituir em si é o
alvo de todas as técnicas de subjetivação. O sujeito que passa por um processo de
assujeitamento, ao aceitar o poder forma seus processos de subjetivação, este conceito é
uma tensão de fazer a si mesmo sendo governado pelos outros, e se constitui em sua
forma de sujeito.
A noção de santidade como um modelo de sujeito e de controle que se exerce
sobre os corpos, acaba produzindo uma base para a subjetivação de sujeitos sociais
presos na malha do poder (FOUCAULT, 1987), mas apenas enquanto ele não percebe
outras imposições de poder como a mídia e a política por exemplo. Tais imposições são
eficientes até certo ponto, e assim, o que se produz são sujeitos mistos, expostos a
múltiplos círculos de poder. O modelo de santidade permite conhecer os
comportamentos e discursos em um local e contextos determinados. Mas não subsiste
em outros contextos. A santidade se liga ao aparelho de dominação religiosa, e isto
produz uma crença e um discurso no individuo que se internaliza e se naturaliza. Esta
posição só existe na medida em que é recriada e vivenciada, por isso se exige a
obrigatoriedade do culto várias vezes por semana.
Expostos a múltiplos jogos de poder, produz-se multi- possibilidades de
subjetivação, o que dá ao sujeito a possibilidade de escolha. Esses jogos fazem e
desfazem identidades, tecendo e re-tecendo os dados dos possíveis discursos que
escolhe e percebe. Agencia-se desta maneira os direitos, deveres, representações visões
de mundo e corpos. Os jovens estão sujeitos as múltiplas possibilidades de subjetivação,
pois estão expostos aos múltiplos jogos de poder na escola, faculdade, mídia etc...este
jogo permite ao sujeito enxergar um mundo maior do que lhe é apresentado e assim se
constrói novas mobilidades ideológicas. O conflito ideológico move as possibilidades
de autonomia do sujeito. Por isso, o jovem quer ao mesmo tempo se manter
assembleiano, mas quer ser também um sujeito de acordo com a cultura contemporânea.
No assembleianismo é comum a utilização da frase bíblica “nova criatura eu
sou”. Há uma constante negação da história do ser, pois quer segundo a nova aceitação
do seu grupo, ter uma vida nova. Há aspectos positivos e negativos. Entre os positivos,
está o de que essa “nova vida” pode ajudar muito na recuperação de vícios com álcool e
drogas, ao menos das suas causas sociais. Os negativos são a perseguição às outras
religiões, moral sexual exacerbada e aceitação acrítica do que é pregado em grupo.

3.2 Pensamento pentecostal no Brasil


O pentecostalismo no Brasil é brasileiríssimo, e isso não é um pleonasmo, visto
que há outras manifestações pentecostais no mundo que seguem e imitam em muito
suas igrejas de origem. Alencar (2013, introdução, s/p) afirma:
A Assembleia de Deus no Brasil é brasileira? Brasileiríssima. Ela
pode não ser “a cara” do Brasil, mas é um retrato fiel. E um dos principais. É
uma das sínteses mais próximas da realidade brasileira. Como o Brasil, é
moderna, mas conservadora; presente, mas invisível; imensa, mas
insignificante; única, mas diversifica; plural, mas sectária; rica, mas injusta;
passiva, mas festiva; feminina, mas machista; urbana, mas periférica; mística,
mas secular; carismática, mas racionalizada; fenomenológica, mas
burocrática; comunitária, mas hierarquizada; barulhenta, mas calada; omissa,
mas vibrante; sofredora, mas feliz. É brasileira.

Isso implica uma identidade própria e única, que varia na cosmovisão, nos
rituais, cânticos, formas de ser e de aparência. Seu ascetismo se constitui numa forma
única também. Há igrejas pentecostais que assumiram formas diferentes de ascetismo
no Brasil. Há uma dinâmica completamente diferente do que eram as religiões
protestantes, sobre isso:
[...] devido a esse processo de complexidade e pluralidade crescente,
bem como pelo fato de ser um fenômeno altamente dinâmico, poucos anos
depois algumas expressões do Pentecostalismo não mais cabiam dentro das
fronteiras e da identidade construída na primeira metade do século XX.
Diante desse crescimento e processo de transformações mais ou menos
aceleradas, podemos observar que nenhuma manifestação religiosa, inclusive
o Protestantismo e o Pentecostalismo, se instala e se repete em lugares
diferentes para onde é levada sem que sofra alterações, retrações e
aclimatações (BORTOLETTO, 2008, p. 706)

Entre os neopentecostais, diferente dos assembleianos tradicionais, não há


ascetismo. Ao contrário, há hedonismo consumista. É uma ética para o consumo e o
luxo, segundo a obra do pastor Silva Junior33 (2012 p. 16), “o bem é a prosperidade,
simbolismo da dádiva de Deus a todos quantos cumprem seus mandamentos, enquanto a
graça são os benefícios materiais adquiridos que ilustram o vínculo com Deus, e
consequente sinal de salvação”.
Não é o trabalho que mostra as bênçãos de Deus na ética neopentecostal, e sim a
ostentação, quanto mais rico, mais abençoado, para isso quanto mais luxo se mostrar
mais abençoado será. É comum a perversão da interpretação bíblica no meio pentecostal
de que o Deus mandou o fiel para “Comer o melhor dessa terra” 34. Ocorre que a
33
Pastor metodista. Graduado em Teologia e Pedagogia pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista da
Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), mestre em Ciências da Religião pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Umesp, doutor em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Professor
na UNIMEP.
34
Perversão já analisada por Campos (1996) sobre o que está escrito no livro de Isaias 1:19 “Se quiserdes, e
obedecerdes, comereis o melhor desta terra” se refere aos produtos agrícolas bem trabalhados para a glória de Deus.”
(BÍBLIA, Isaías 1:19).
interpretação do que seja melhor dessa terra, na ótica neopentecostal, são os produtos
mais caros, os carros de luxo, iates, belas casas e roupas de marca. É uma religião que
vai ao encontro dos ideais típicos da cultura de consumo capitalista de nossa era, cuja
valorização do aparecer rico é marcante. Sobre isso:
A sociedade capitalista se apresenta como sociedade do espetáculo.
Importa mais do que tudo a imagem, a aparência, a exibição. A ostentação do
consumo vale mais que o próprio consumo. O reino do capital fictício atinge
o máximo de amplitude ao exigir que a vida se torne ficção de vida. A
alienação do ser toma o lugar do próprio ser. A aparência se impõe por cima
da existência. Parecer é mais importante do que ser. (SILVA JÚNIOR, 2012
p. 16).

Segundo Mariano (1999), a ética neopentecostal rompe com o ascetismo e passa


ao que ele chama de “acomodação do mundo”. Mariano faz uma excelente análise do
rompimento do ascetismo e do neopentecostalismo, na verdade escreve um artigo
apenas sobre isso, do qual se destaca um excerto:
O sectarismo e o ascetismo começaram a ceder lugar à acomodação
ao mundo, acompanhando o processo de institucionalização de importantes
segmentos pentecostais. Nos EUA, este processo teve início já nos anos 50 e
60. No Brasil, ele é mais recente, principia nos anos 70 e se aprofunda com o
nascimento e crescimento do neopentecostalismo.(MARIANO, 1996, p. 27).

Nem mesmo a moral sexual típica dos crentes é totalmente preservada. Hoje,
apesar de haver um discurso contra o divórcio nas igrejas neopentecostais, ele é tolerado
(ALTIVO, 2020). Basta ver os programas televisivos da Igreja Universal, onde são cada
vez mais comuns os testemunhos de que “Deus me deu um novo amor”. Já é
amplamente criticado nas igrejas tradicionais e noticiado pelos jornais evangélicos
neopentecostais (GOSPELPRIME, 2010) a criação de sex-shop gospel e filmes pornôs
gospel, o que antes seria uma afronta à moralidade pentecostal tradicional. Há de fato
uma acomodação ao mundo na neopentecostalidade.
Já os pentecostais de primeira onda, na qual se inclui a AD são (ou eram?)
totalmente ascéticos. Porém, tem havido uma cada vez mais crescente flexibilização nos
costumes. Sobre isso afirma Mariano:
A primeira onda, chamada de pentecostalismo clássico, abrange o
período de 1910 a 1950, que vai de sua implantação no país, com a fundação
da Congregação Cristã no Brasil (em 1910, em São Paulo) e da Assembléia
de Deus (1911, Pará), até sua difusão pelo território nacional. Desde o início
estas igrejas caracterizaram-se pelo anticatolicismo, pela ênfase no dom de
línguas, por radical sectarismo e ascetismo de rejeição do mundo. Não
obstante suas oito décadas de existência, ambas mantêm bem vivos estes
traços. A Congregação Cristã mantém-se irremovível. Já a Assembléia de
Deus, desde 1989 cindida em dois blocos, mostra-se mais flexível diante das
mudanças que estão se processando no movimento pentecostal ao seu redor e
na sociedade abrangente. (1996, p.25).

Em face à cultura de massa, ao pós-modernismo e a ascensão social crescente no


Brasil, o ascetismo da AD encontrou certa flexibilidade. Hoje se faz concessões,
Mariano afirma:
Enquanto seus fiéis foram esmagadoramente pobres e estiveram
privados de bens materiais, culturais e educacionais, o sectarismo e o
ascetismo pentecostal não geraram grandes tensões internas. Mas, com a
ascensão social de parte, ainda que minoritária, dos fiéis e com o progressivo
aumento da conversão de adeptos de classe média, as tensões poderiam se
intensificar, e muito, não fosse a acomodação ao mundo ou a dessectarização
que, nas últimas duas décadas, começou a tomar corpo em diversas igrejas
pentecostais. Pois, diante da mobilidade social de parte dos fiéis, das
promessas da sociedade de consumo, dos serviços de crédito ao consumidor,
dos sedutores apelos do lazer e das opções de entretenimento criadas e
exploradas competentemente pela indústria cultural, esta religião ou se
mantinha sectária e ascética, aumentando sua defasagem em relação à
sociedade e aos interesses ideais e materiais dos crentes, ou fazia concessões.
Frente às muitas mudanças ocorridas na sociedade, sobretudo na área
comportamental, e às novas demandas do mercado religioso, várias
lideranças optaram por ajustar gradativamente sua mensagem e suas
exigências religiosas à disposição e às possibilidades de cumprimento por
parte de seus fiéis e virtuais adeptos.(1996, p.27).

Há certas relações entre a modernidade e o pós-modernidade. Em primeiro lugar


não é fácil definir o que é modernidade, mesmo porque se vive nesse momento
histórico. Mais do que uma focalização e um ponto fixo na história a modernidade é
uma condição humana, é uma crença na certeza do cientificismo e da racionalidade, na
qual as relações sociais são mudadas. Seu termo seguido: pós-modernidade não é algo
dividido dela, é apenas a maximização do individualismo, enquanto na modernidade o
seu ápice ideológico, a focalização dos supostos direitos foram direitos políticos, hoje o
foco é o indivíduo.
Talvez a melhor definição de pós-moderno seja a de Lyotard. O pós-moderno,
como Lyotard (1984, p.28) o definiu, é "a incredulidade para com as metanarrativas”,
inclusive é uma crítica às representações religiosas. E uma maximização do projeto
moderno de independência de Deus (idem) ao home que fica individualizado na historia
e, portanto, egoísta.
A Modernidade, a princípio, é o período histórico que se estende entre fins do
século XV e os dias atuais. Contudo, além de um período histórico, a Modernidade é a
denominação de um conjunto de fenômenos sociais e é também o resultado de uma série
de eventos marcantes no mundo ocidental ocorridos nos últimos quinhentos anos.
“Mundo Ocidental” seria, neste ponto, a Europa Ocidental: Grã-Bretanha, França,
“Alemanha”, “Itália”, Áustria, Suíça, Países Baixos, Portugal e Espanha, os países com
nomes entre aspas não formavam uma única nação na época. No pós-primeira guerra os
EUA e Japão(já extremamente imerso no capitalismo cientifizado e ocidental) se tornam
parte importante do “Mundo Ocidental” (HUYSSEN, 1986).
Tecnologicamente e cientificamente, a modernidade fez o homem tornar-se
providência para si mesmo, e hoje, para acabar com a fome, as doenças, as inundações,
as epidemias, agora não recorre a Deus, como faziam seus antepassados, mas sim à
medicina, à engenharia, à indústria, etc. (MONDIN, 1980). Modernidade ao mesmo
tempo em que é um período histórico indefinido, é uma crença na certeza do
cientificismo e da racionalidade, na qual as relações sociais são mudadas.
Ter relações pautadas pela racionalidade (hegemônica no ocidente) não era uma
oferta tão ruim frente a uma ideia da idade média, de um absolutismo rigoroso e de uma
crueldade cristã que invadia e destruía reinos considerados bárbaros nas cruzadas ou
queimava mulheres por pensarem diferentes acusando-a de Bruxas. Porém o projeto da
modernidade se mostrou tão senão mais cruel do que a idade média. Temos liberdade,
porem temos outros problemas tal como: exclusão, desigualdade, fome, dentre outros. É
desta situação vivida que surgem novos problemas para as ciências humanas, com
excesso de informação e de abundancia em materiais que, no entanto não trouxeram a
plena felicidade e organização social, com a desvalorização da força de trabalho, o
excesso de produtividade e miséria, com o terror da exclusão social e dos impactos
ambientais; situações que geram insegurança e desconforto. Mas focando-se em um só
aspecto da modernidade, existe a crença inevitável de que a ciência é a única verdade.
Assim Deus, e religiões, não teriam lugar num mundo assim onde apropria
racionalidade, e suas produções, ciência e tecnologia fazem o que antes o homem
recorria as suas divindades. Se hoje o homem quer chuva em uma plantação, não mais
sacrifica uma virgem ao seu deus, mas recorrer a engenharia hidrográfica, se quer saber
se vai chover não mais consulta um oráculo e sim um moderno satélite. Há uma
impressão constante, no mundo moderno, de que a frase de Nietzsche estava correta
agora “Deus está morto”. Não há mais lugar para a metafísica. Mais do que o
racionalismo, a modernidade reduziu o homem a um conceito numérico financeiro, a
sua nova fé seria o dinheiro
Toda essa crise, não passou despercebido aos religiosos, em suas crenças
ferrenhas, cuja fé repousa sua própria identidade, Assim tal crise provocou reações dos
religiosos contra a perda dos valores religiosos que se impunham. O termo
fundamentalismo remete a fundamentos, bases teóricas de uma expressão cultural, está
correlato à crença na interpretação literal dos livros sagrados. Seus membros promovem
a compreensão literal, ou do que entendem ser literal, de sua literatura sagrada. Não
aceitam opinião diversa. Fundamentalistas são encontrados entre religiosos diversos e
pregam que os dogmas de seus livros sagrados sejam seguidos à risca ou ao menos se
auto-definem assim: como seguidores radicais do texto sagrado.
Não deveria ser tão ruim, recuperar valores religiosos tais como amor e respeito
ao próximo, solidariedade, honra (valores defendidos pela religiões monoteístas), mas
assim como aconteceu com a modernidade, isso implica em certo desastre. Isso porque
apesar de acreditar que se está sendo aplicada uma produção literal está sempre sendo
aplicada uma interpretação, e quase sempre de um interesse pessoal ou escuso de uma
pessoa ou de um grupo sobre outros.
As AD e igrejas derivadas, as quais se denominarão “igrejas pentecostais
tradicionais”, não estão isentas de mudanças diversas, não me refiro às inúmeras
adaptações que sofreram em território brasileiro desde seu nascimento 35, mas outras que
estão ocorrendo bem agora, sobretudo nos últimos anos, especialmente a partir de 2008.
As Assembleias de Deus, depois de meados da década de 1940, tem se dividido
em ministérios, que seguem mais ou menos a mesma matriz, aceitam os costumes umas
das outras, convidam pregadores umas das outras, mas não têm, na prática, diferenças
nos costumes, porém são feitos para beneficiar uma visão 36 (de poucos) ou uma família
de líderes, cuja liderança é passada de pai para filho (ALENCAR, 2005). Há mudanças
no segundo maior ministério37 das ADs. A Assembleia de Deus Ministério Madureira
tem mudado radicalmente seu costume. A veiculação, anunciado por jornais gospel de
todo o país confirma a facilmente verificável38 mudança, que afeta outras Assembleias
de Deus e igrejas, que cada vez mais rompem com tradições. A AD do Bom Retiro, com
mais de 17.000 membros, é outra que pode ser citada como exemplo (SANTOS
CORREA, 2008), embora a maioria das ADs ainda mantenha seus costumes.
Mas nem por todos esses motivos houve um rompimento total com o ascetismo.
Ainda na AD há uma grande moralidade sexual e proibições de certos confortos do
35
ALENCAR, Gedeon F. Protestantismo tupiniquim: hipóteses da (não) contribuição evangélica à cultura
brasileira. 2005
36
Por exemplo a AD Missionária tem a visão de implantar missões em vários locais do Brasil e do mundo o
vice-presidente ao contrário da maioria dos ministérios não é filho nem genro nem parente do presidente.
37
Ver mais detalhes na reportagem – “Um pastor moderno entre os radicais”, Jornal Mídia Gospel, 20 de
novembro de 2011, disponível em www.midiagospel.com.br/variedades/noticias/Assembleia-de-deus-sem-usos-e-
costumes. Acesso em 12/dez/2021.
38
Basta ir a qualquer culto.
mundo. Não se pode ainda, por exemplo, consumir álcool, mas é permitido viajar,
embora não se recomende visitas à praia, por exemplo - recomendação que não é muito
considerada pelos fiéis hoje em dia.
Na AD, ao contrário das neopentecostais, não é bem visto o acúmulo de bens ou
dinheiro, seu ascetismo difere nisso do ascetismo dos primeiros protestantes. Existe um
ascetismo, porém ele não tem relação com o espírito capitalista. Não há a noção de que
enriquecer seja pecado, porém as riquezas devem ser dadas para a obra de Deus, para
ajudar os irmãos necessitados e obras sociais da igreja. Ostentação era algo proibido.
Para membros da AD, havia certo orgulho em ser pobre, iletrado, simples, pois
havia a crença de que o Senhor revelava ao simples os seus mistérios, conceito baseado
numa interpretação do que está escrito no evangelho de Mateus 11:25 39. Havia certa
ojeriza à riqueza, sobretudo a ostensiva; havia aversão à política (ROLIM, 1985), e hoje
há cada vez mais envolvimento. Isso mudou e o motivo principal é que igrejas
neopentecostais, mas que tem o nome “Assembleia de Deus” na porta, tem entrado em
contato com grande maquinário midiático nas igrejas pentecostais tradicionais. O
discurso neopentecostal é sedutor, pois prega que o crente, antes pobre, pode e deve
ficar rico. Trata-se de uma consequência da contemporaneidade, a sedução pelo luxo e
pelo consumo (JAMESON, 1985).
O pesquisador Nanez (2007), denuncia que em nome da possibilidade de se
autoproclamar como simples, os pentecostais, especialmente na América Latina, tinham
aversão às riquezas e olhavam com desconfiança os ricos. A vida do fiel, nesse contexto,
deveria ser mais para adoração que para o trabalho, sendo às vezes o trabalho
aproximado da visão católica, visto como uma necessidade inevitável.
O controle chegava às relações conjugais, nas quais a mulher casada era proibida
de trabalhar nas ADs (FONSECA; MARIN; NASCIMENTO DE FARIAS, 2010). A
condição de pobre e iletrado ainda é, de certo modo, muito valorizada. Há uma
recuperação do espírito capitalista, o discurso neopentecostal é aceito cada vez mais
pelas igrejas tradicionais, isso faz perder aquela identidade original, como não estão
imunes às influências da cultura contemporânea, sofrem também certa uniformização
dos gostos e de discurso comum dessa era (LIPOVETSKY, 2009). E o gosto dominante
pós-queda do muro é a assunção do capitalismo e do consumo (BAUMAN, 2001).

39
“Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste
estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos simples.” (BÍBLIA, Mateus 11:25).
Do orgulho de se ter um templo humilde, feito de taipa ou madeira, seguiu-se
para os “templos-shoppings” (ALENCAR, 2013), característica que se inicia com as
neopentecostais, mas que tem se expandido para as pentecostais tradicionais. Porém, o
templo simples e pequeno das periferias ainda prevalece e a maioria dos fiéis não se
encontra nos “templos-shoppings”. Em que proporção? Digamos um empate técnico,
Alencar, (2013) analisando os números de fiéis brasileiros das ADs, mostra que em
2010, a grande maioria dos pentecostais tradicionais ainda se localizava nas periferias:
de 12,3 milhões (CENSO, 2010) de membros, 7,7 milhões se encontram espalhados nas
pequenas igrejas de periferia. Lá não há o espírito do capitalismo, mas o discurso invade
e logo o ethos mudará. Junto com o aumento do poder de compra de televisão, rádio e
computador das periferias brasileiras, chega pela máquina comunicacional o discurso da
teologia da prosperidade. Trata-se de um discurso sedutor, pois promete, como num ato
metafísico, acabar com o que o habitante da periferia mais teme nessa
contemporaneidade consumista: a pobreza.
Na pentecostalidade das periferias ainda há um grande ascetismo, que chamamos
de ascetismo comportamental brasileiro; este afeta toda a identidade do fiel, como sua
fala, passando a se comunicar com palavras bíblicas e jargões como varão (se referindo
aos irmãos homens), benção (para todos os acontecimentos bons), prova (para
acontecimentos ruins), paz do Senhor (para cumprimentos). Muda seus referenciais, crê
que tudo que acontece na vida é permitido por Deus ou tentação do diabo. Não há
separação entre vida profissional e espiritual, o trabalho e oportunidades são dados por
Deus para garantir sua sobrevivência, e assume sua identidade no trabalho. E para o que
nos interessa na presente pesquisa, muda seu senso estético de vestimenta, passa a usar
o que é considerado decente e austero: mulheres com saias e roupas que não marquem o
corpo; o homem de camisa de botões e, no culto, o terno é obrigatório. Nos templos de
periferia, é raríssimo ver alguém fora da estética conservadora tradicional, já que, para o
pentecostal, a crença está acima da instituição.
Sobre essa restrição:
Esse ascetismo reacionário ainda sobrevive em alguns círculos na
forma de tabus comunais sobre álcool, tabaco, teatro, dança, jogos, roupas
elegantes, cosméticos e itens similares. Talvez tenha havido, e haja, boas
razões para tais abstinências, em se tratando de decisão pessoa, mas tabus
comunais tendem a entorpecer a consciência, em vez de avivá-la... O
mundanismo foi definido em termos de quebras de tabus, e identificações de
consequências mais amplas com os pecados da sociedade passaram
despercebidas... O pietismo pós-moderno separa o mundo em vez de estudá-
lo e procurar mudá-lo; é hostil ao prazer, em vez de agradecido por ele,
temeroso de que o mundo adentre nossos corações montado nas costas do
prazer. (NICODEMUS, 2008, p.152).

Como se pode perceber, o ascetismo ainda é presente no meio pentecostal


tradicional. A pesquisa nesse campo se torna importante nesse momento, pois o que
passamos é justamente um período de transição. Ricardo Mariano (2008) conclui que
essa aparência é a preservação de uma identidade que visava destacar quem era santo no
mundo, mas essa identidade agora passa por mudanças que se quer aqui pesquisar.
A ADs oferece um mundo sagrado com vistas à busca de sentido emmeio a esse
mundo caótico em espeicla a juventude, dai querererm permencer assembleianos. Para
compreender o surgimento dos objetos sagrados no mundo moderno, ou seja, seu caráter
efêmero, movimentado e adequado, é necessário tomar os conceitos antropológicos de
sociedade acima do ponto de vista do debate atual, a fim de estabelecer fluidez . E a
compreensão osmótica da história e seu significado; e a capacidade de ver e ver a
emergência do mundo moderno através do movimento dialético pleno, que vai e vem da
história para formar diferentes identidades e diferentes ideias cósmicas, ainda que de
forma temporária e relacionada, mas mostrando uma exploração contínua. com
definições de existência planetária. a religião pós-moderna é eclética, heterodoxa,
vergonhosa em relação às tradições antigas, mas é a única coisa que temos para
entender o mundo religioso moderno, além dos tradicionais ritos de residência.
Antropológico, é um “ser muito humano” capaz de nos tornar solidários com a forma
como lidamos com os problemas sociais e culturais atuais. Funcionalidade, gosto e
"identidade" hedonista. Assim a vida nas ADs fornece um sentido próprio.

3.3 Música, arte e corporalidade.


As igrejas pentecostais são, normalmente, extremamente musicais, e há
intensidade na presença da arte neste meio (RIVERA, 2005), especialmente entre sua
juventude. A forma de adoração, por exemplo, é preenchida por musicalidade, além de
haver o oferecimento de festas, momentos de convivência e lazer acessível, que o poder
público não oferece. Nas músicas e nos cultos são constantes as expressões de que o
jovem, em especial o da periferia, aquele que não é aceito pela sociedade, é amado pelo
próprio Deus criador. Essa crença faz dele um convertido fiel, que inicialmente se
dispõe a assumir a identidade do grupo, mesmo com seus comportamentos típicos.
Em seu sentido estético, a juventude pentecostal recém convertida apresenta um
constante conflito com as regras que estabelecem a padronização e a norma. Mas já
existem unidades da Assembleia de Deus em que os jovens romperam com tais limites,
especialmente com relação às vestes. A CEAB já cedeu à pressão dos jovens, porém os
conflitos estéticos ainda existem. Recebem a constante orientação para não fazer
tatuagens, não usar piercings, não pintar o cabelo. Recomendações que, recentemente,
têm sido ignoradas. As tradicionais como a AD Missionária não permite este uso, salvo
quando já existia antes da conversão. No entanto, recomendam que as marcas fiquem
escondidas, com uso de camisas compridas, por exemplo.
É interessante observar que, apesar dessas questões, não há conflito entre jovens
que escolhem uma apresentação estética mais liberal e aqueles que escolhem a mais
conservadora. Especialmente porque os jovens são estimulados a trabalhar no convite a
outros jovens para conhecer sua igreja. Muitas vezes, jovens de ADs mais
conservadoras, como a Assembleia de Deus Ipiranga, são convidados a assistir cultos
das igrejas irmãs, e vice-versa; nesses encontros não há condenação estética de um ou
outro grupo, e este discurso acaba mais restrito às escolas dominicais. Porém, não sem
conflitos, assim como salienta Gomes (2007):
Ao experimentarem outras manifestações estéticas, por meio de
acessórios, roupas e intervenções no corpo, os jovens provocam um embate
com o setor da igreja que tem poder de disciplinar. Aqueles jovens que
interpretam suas práticas e construção de estilo como corretas e se vêm
estigmatizados ou mesmo excluídos se afastam da igreja, desviam-se ou,
mesmo, vão para outras igrejas que s aceitam do jeito que eles são, do modo
que se apresentam à sociedade. As modificações corporais promovidas pelos
jovens em seus corpos constituem uma tendência observada em diferentes
partes do mundo. O corpo é considerado, então, um espaço de expressão
cultural, gerador de sentidos e significados, que interage com uma
comunidade. Essa tendência permeia o cotidiano de cada jovem da nossa
pesquisa, que se dispõe a intervir e transformar-se, tendo seus corpos como
instrumento da expressão estética. O corpo modificado gera
constrangimentos e enfrentamentos de afirmação e reconhecimento e pode
torna-se um painel de diferentes combinações de experiências estéticas.
Nessa direção, constatei que as escolhas e experimentações visuais juvenis
são problemáticas constantes para muitos anciãos da igreja. Percebi, porém,
nos jovens significativas diferenças de compreensão daquelas manifestadas
pelo mundo adulto sobre as intervenções corporais. Para Josué, um jovem
pastor com 23 anos, as múltiplas formas de apresentação visual de crentes e
evangélicos jovens não lhe incomodam. (GOMES, 2007, p.3)

Ainda que permaneçam acolhidos, os jovens que transgridem as tradições


estéticas dificilmente obterão um cargo importante na igreja. Os “jovens exemplos” e
líderes de jovens estão dentro do padrão estético conservador e geralmente são casados.
Os jovens exemplos são aqueles que possuem contato estreito com os obreiros da igreja
e são chamados às reuniões. Possuem prestígio entre todos os membros da comunidade.
Equilibrando-se entre conflitos se constitui a juventude da igreja pentecostal. Trata-se de
um local que oferece uma resposta às agruras do mundo, onde se encontra acolhimento
e agrupamento, mas que também possui regras e padrões. Mesmo assim, o grupo tem
crescido. O sujeito se assujeita as regras da igreja que ao menos do discurso não aceita
as regras do mundo mas também se assujeita as regras consumistas do mundo surgindo
algo hibrido.
A conversão traz uma nova linguagem, e portanto o homem tende a ter novas
referencias de compreensão de como o mundo funciona. Uma nova linguagem tende a
trazer novas referencias de mundo, “Esta tendência é uma das características
fundamentais da linguagem (CASSIRER, 1977, p. 328)”. Assim, o indivíduo convertido
é inserido em uma outra visão de mundo, alterando seu aspecto estético e sua linguagem
na construção de uma nova identidade.
Essa nova identidade, porém, não se refere somente ao conservadorismo
tradicional. Os jovens não confessam ouvir música secular, mas confessam ouvir musica
extra harpa e da moda gospel40. Há a constante influência da explosão musical gospel,
por exemplo, como o rap gospel, que mantém a estética hip-hop comum com letras
religiosas, trazendo para a igreja novas formas de roupas, abrindo espaço para o uso de
adornos como a tatuagem, que vão assumindo o lugar que antes fora proibido. Os novos
tipos de música, normalmente chamados de louvor ou adoração, atuam também como
produtores e reprodutores da cultura evangélica – tanto quanto a tradicional Harpa
Cristã. Sobre isso, estuda Oliveira Pinto:
“É também na performance dramática e musical que encontramos a ritualização
do sagrado. Rituais fornecem elementos para se construir uma etnografia
da performance, uma etnografia que possibilita reconhecer diversos modelos de
edificação de tempo e espaço na cultura. Para oculto de louvor de uma igreja
pentecostal pude definir a trajetória da dramatização do evento através da produção
musical e cênica como representação de valores morais e religiosos.” (OLIVEIRA
PINTO, 2001, p. 230).

A música da igreja pentecostal é carregada de emoções, e está ligada à crença de


que a entrega musical desperta a divindade naquele que a invoca. Há a firme crença de

40
É um fenômeno religioso ligado à indústria cultural religiosa que coloca os evangélicos mais próximos do que há
de mais moderno no campo da mídia. CDs e Dvds de qualidade, programações de rádio e TV que seguem o modelo
secular, espetáculos com produção de alta tecnologia, são alguns dos aspectos que buscam mostrar às igrejas e à
sociedade em geral que é possível ser religioso e ser moderno e sintonizado com os recursos disponíveis no mundo
contemporâneo.
que “Deus habita em meio aos louvores”. A crença tem como base a Bíblia Sagrada, em
Salmos 22.3: “tu és Santo, o que habitas entre os louvores de Israel”. Deste versículo
depreende-se que o Deus habita no meio dos louvores do seu povo. Após a explosão
gospel, a música se torna foco do próprio culto, em algumas igrejas, mas também
alavanca shows, tornando-se um negocio altamente rentável para as igrejas e
instituições para-eclesiásticas (CUNHA, 2007).
Na antropologia, a etnomusicologia vem há tempos estudando seus significados
culturais (OLIVEIRA PINTO, p. 2001). A música atua como processo de
ressignificação social, capaz de gerar estruturas que vão além dos seus sentidos sonoros.
Ela reflete os anseios, sentimentos e vontades dos ouvintes, produtores e reprodutores
do som. No meio pentecostal, é comum a mensagem pregada no culto atuar junto com a
música, ter lições ou significados coesos.
Os shows são criticados pelos pentecostais tradicionais. Para eles, segundo os
relatos pesquisados “mais vale a fé que o povo sente” do que aquele que está tocando.
Este fato diz muito da diferença entre o pentecostal tradicional e o neopentecostal. Para
o primeiro, a fé é mais importante, enquanto para segundo não há dissociação da própria
presença de Deus manifesta na música. Vários relatos de curas e manifestações
espirituais ocorrem durante o período musical do culto. A emoção toma conta. A
emoção é um foco de performance que vai refletir a natureza do culto e das disposições
afetivas durante o mesmo.
Há louvores mais emotivos, por isso é comum que durante as performances
musicais haja lágrimas, abraços e outras manifestações pentecostais. O culto estará
“quente” (categoria positiva de culto pentecostal onde o Espírito Santo estaria presente,
onde Jesus batizaria com fogo) quando nos louvores ocorrem as manifestações
espirituais típicas pentecostais; e estará “frio” (valor negativo) quando não houver
manifestação do Espírito Santo, a saber, revelações, visões, falas incontroláveis em
idiomas indecifráveis, entre outras.
A parte musical do culto pentecostal revela um espaço cultural que expõe os
sentimentos e anseios das pessoas. A música é importantíssima para a avaliação de rito e
culto, pois representa o fundo cultural de uma comunidade: “através da sua performance
o acontecimento sonoro da música traz à tona fenômenos diversos, por vezes
inesperados e não necessariamente acústicos” (OLIVEIRA PINTO, 1997 p.28). Assim,
a música tem presença importantíssima no meio pentecostal e na comunidade em
estudo. Há um profundo respeito pela Harpa Cristã, tida às vezes como livro sagrado.
Todo culto nas Assembleias de Deus se inicia com, pelo menos, um hino da Harpa
Cristã. Ela está carregada de significados históricos e culturais da identidade das ADs
(CONDE, 2011).
Há ainda eventos específicos de louvores, tais como as chamadas vigílias, ou
cultos especiais de louvor e adoração, nos quais costuma haver grande manifestação
pentecostal. A música é também um instrumento de proselitismo, não há ação de culto
ao ar livre sem música, por exemplo. É comum que nas pregações se use frases como:
“este hino diz, Jesus se importa com você”, em referência ao popular hino de
Marquinhos Gomes, “Ele não desiste de você”:
“Não importa quem você é/Não importa o que você fez/Jesus conhece o seu
interior também/Quantas vezes você caiu/Tentando acertar/Mas a tristeza e o
desespero/Te fizeram chorar/ Não importa pra onde você foi/Se na escuridão da
noite/Ele apaga o seu passado/E não desiste de você/ Ele não desiste de você/Ele se
importa com você/Ele compreende o seu caminhar/Nunca vi um amor tão grande
assim.” (GOMES, 2010).
Ao oferecer uma letra assim, que afirma que o próprio Deus se preocupa com o
ouvinte e perdoa seus pecados, pessoas que estão sofrendo, seja por um luto, uma perda,
ou por condições socioeconômicas instáveis, tendem a se converter. A música per si é
carregada de emoção e assim se rompem as barreiras da mera reflexão, tornando mais
fácil o ato religioso da “entrega a Jesus”, o primeiro passo a conversão.
Ultimamente tem crescido nas igrejas pentecostais a apreciação pelos teatros
cristãos, que é outra forma de arte muito utilizada pelos jovens na igreja e faz muito
sucesso. Na CEAB, uma das comunidades em estudo, também há um trabalho
voluntário de cursos de pintura, é financiado pela igreja com vistas à complementação
de renda do público alvo.
Figura 5. Pinturas elaboradas por membros da CEAB. 2020, Acervo do autor.
A professora de Artes do ensino regular do estado de São Paulo é responsável
pelo referido projeto é a pastora presidente Anna Cristina, formada pela UNESP de
Bauru. Se antes o grupo pentecostal procurava ser reconhecido como uma massa em
irmandade, a cultura contemporânea exige a individualização. Deseja o reconhecimento
por cantar, pregar ou ensinar. Aspira pelo reconhecimento, mesmo que não tenha
consciência dessa busca. Em meio à sociedade espetacularizada, disse Debord: “Quanto
mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende
sua existência e desejo” (1997, p. 24). A Figura 5 mostra algumas produções deste
projeto.
O fiel quer ser reconhecido, e como na igreja pentecostal todos são sacerdotes 41,
há a busca constante por ganho social. Mas, com o alto crescimento das igrejas
evangélicas no Brasil, nem sempre há o reconhecimento para todos os fiéis. E então, o
sentimento de acolhida inicial pode dar lugar a um sentimento de solidão em meio ao
grupo. Para se destacar e aplacar a sensação de solitude e para apregoar certa liberdade e
posse de si mesmo, o jovem cristão se expressa em marcas corporais. Freire &
Bronsztein (2020, p.43) afirmam:

Invadidos pelo discurso da prosperidade e da liberdade, os jovens


desprezam a tradição da pureza corporal e aderem às marcas permanentes. A
cultura contemporânea está permeada de uma vontade imagética,
potencializada pela reprodutibilidade técnica das imagens que alterou as
formas de ação, o cotidiano e a sensibilidade dos homens metropolitanos
(Benjamin, 1989). Como já tem algum tempo que o ethos assembleiano
deixou de ser rural, constrói-se novo ethos em meio ao contexto urbano.
A juventude urbana é diferente e exige novas formas de ação e relacionamento
social que se expressam em seus corpos. Margulis & Urresti (1998) estudam a
juventude em meio à cultura imagética e afirmam que na cidade moderna há diversidade
em ser jovem, e que, na urbanidade, “existe um panorama sumamente variado e móbil,
que abarca seus comportamentos, referências identitárias, linguagens e formas de
sociabilidade” (MARGULIS & URRESTI 1998, p. 3).
O jovem expressa a vida urbana em toda sua plenitude. A aglomeração faz parte
de sua vida e de sua interpretação social e religiosa. Em meio à aglomeração
41
Herança do sacerdócio universal preconizado por Lutero.
homogeneizante do culto antigo, o jovem vai resistir ao anonimato e à possibilidade de
ser apenas mais um, expressando no corpo a sua busca por referenciais de identidade
diferentes de seu grupo religioso. A igreja, para o jovem, funciona como uma
comunidade de afetividade e expressão de emoção intensa, bem como sua referência de
pertencimento social. Como caos da modernidade ressoa em várias esferas, o jovem
sensível a isso vive uma relação líquida de transição, já que ambas as culturas, a
modernidade mundana e o tradicionalismo religioso, hoje se inter-relacionam.
O autor italiano Pietrocolla (1997, p.65) lembra "ser jovem é assim: mudar
muito, experimentar intensamente emoções, o que significa estar potencialmente aberto
para o mundo". Com a igreja, a juventude tem possibilidades para além da cultura do
consumo. O autor ainda afirma que
ser jovem é ser belo, forte, livre, feliz e transformador; é saber lidar
com o inesperado com rapidez e não ter ainda as marcas deixadas pelo viver;
é ter a liberdade idealizada e um poder ilimitado; isso transposto para o
mundo da cultura sugere, acima de tudo, mudança e renovação das
mercadorias. (PIETROCOLLA, 1997, p.65).

Se a religião não é uma mercadoria, hoje é tratada como tal, e na disputa pelo
mercado religioso, o protestantismo deve se reinventar em sua proposta ou perderá
espaço para outras religiões, e até outras derivações do pentecostalismo. Neste caso, ou
a Assembleia de Deus permite o uso de marcas corporais, ou perde os jovens para outras
igrejas evangélicas.

3.4. Outros rumos da identidade pentecostal – a noção de santidade


A identidade do pentecostal é levada para outros âmbitos da vida além da
religiosa. Sua santidade ou retidão não depende exclusivamente de suas práticas
litúrgicas, mas sim de todas as implicações que essa identidade traz. Ser pentecostal
significa portar uma imagem social de indivíduo cujas ações são modeladas de acordo
com suas crenças. Isto não é novo nem único na história, porém, o que ocorre é que de
fato o evangélico acredita que todos os passos da sua vida são controlados por forças
divinas, e não há papel social por meio de hipocrisia (ao menos para a maioria desses
fiéis). Todos os seus papeis sociais, compras, roupas e até alimentação 42 são resultado da
representação social do fiel.

42
Não consomem bebidas alcoólicas e nem produtos que acreditam ser “consagrados a ídolos”, em uma
leitura literal da Bíblia: “Não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (BÍBLIA, 1
Coríntios 10:21), e “não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito” (BÍBLIA,
Efésios 5:18).
Uma identidade pentecostal é, mais do que a protestante histórica e
muito mais do que a católica (fora os casos de pessoas e grupos de militância
católica), a afirmação de um modo de ser dominado pela religião. Uma
pessoa “crente” é, antes de tudo, a pessoa de um crente, e todos os outros
qualificadores de sua identidade – o local de origem no país, o grau de
instrução escolar, a profissão atual, a definição política – são secundários, ou
são reescritos, a partir da maneira como o sujeito pentecostal submete todas
as dimensões de sua ação social e representação que faz de si, através de tal
ação significativa, aos termos e símbolos de sua identidade militantemente
religiosa. (BRANDÃO, 1986, p.36).

O pentecostal, por sua noção de santidade, considera-se uma pessoa “separada


do mundo por Deus”. Suas ações se fundamentam na crença de que ações cristãs são
identificáveis por si, baseadas na honestidade, ausência de pecado, abstenção de bebidas
alcoólicas e por seguir os dez mandamentos bíblicos, atitudes que serão recompensadas
na próxima vida (na Graça, ao lado de Deus, já que o pentecostal não crê em
reencarnações) ou no episódio do que chamam de arrebatamento da igreja43.
Os pentecostais assembleianos são firmes na crença de um arrebatamento da
igreja. Segundo teólogo Jeffrey Sheller (1994, p. 62), o arrebatamento é um fato futuro
em que:
Cristo vai voltar a qualquer momento e arrebatar a Sua Igreja, sem
sinais prévios, ele iria levar consigo sua igreja para poupá-los do sofrimento
da tribulação e do domínio do anticristo, e os crentes no Senhor Jesus serão
juízes de toda humanidade ao seu lado segundo o prometido em 1 Coríntios
6:2-3.

Independente das interpretações teológicas sobre este contexto, é importante


ressaltar que essa crença é unânime a todos os assembleianos. Está inclusive descrito
nas revistas de escola Bíblica Dominical da CPAD, a Lições Bíblicas, que apesar de ser
uma edição trimestral, a cada dois anos renova o assunto a ser tratado no trimestre.
Sobre o tema arrebatamento, foi relançada no terceiro trimestre de 2010, primeiro de
2012 e mais recentemente no segundo trimestre de 2014. O mesmo ocorre com a
Editora Betel, ligada ao Ministério Madureira, que já repetiu a lição ao menos duas
vezes nos últimos quatro anos.
43
Baseados na leitura literal dos seguintes textos: “Dizemo-vos, pois, isto, pela palavra do Senhor: que nós,
os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do
céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão
primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o
Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor.” (BÍBLIA,1 Tessalonicenses 4:15-17).
E também: “Digo-vos que naquela noite estarão dois numa cama; um será tomado, e outro será deixado. Duas
estarão juntas, moendo; uma será tomada, e outra será deixada. Dois estarão no campo; um será tomado, o outro será
deixado.” (BÍBLIA, Lucas 17:34-36).
Deste modo, há a crença de que Jesus arrebatará os santos: aqueles que creem
em Cristo e vivem segundo sua palavra. Estes serão arrebatados e isso faz parte do
processo de salvação. Tal crença é fundamental para seu comportamento, pois faz com
que assuma certos valores, e até medo, baseando-se nessa perspectiva. Vale notar que
nenhum assembleiano considera que sua igreja é a única que pode salvar, mas que todas
as igrejas protestantes podem levar à salvação.
A identidade do fiel assembleiano é uma realidade ordenada pela igreja, por sua
comunidade, segundo os relatos mais à frente analisados, e segundo as observações
empreendidas no trabalho de campo, a igreja é muito mais o conjunto de laços
instituídos na comunidade religiosa do que a instituição formal. Com certeza suas
vontades, desejos, em suma, sua subjetividade é subsumida e seu self é formado pela
comunidade. Seu eu não pode ser comum, tem de ser sagrado, separado ou santo,
entendido como “sentido sagrado” descrito em Durkheim (2000). A santidade, que é a
separação do mundo, é o requisito básico para uma recompensa pós-morte, ou pós-
arrebatamento.
A santidade se constitui, de forma primária, na apresentação estética. Por isso a
escolha das roupas é tão importante para os assembleianos. O uso de terno e saia, por
exemplo, tem influência do que é decência segundo o imaginário coletivo do grupo.
Decência seria, ao mesmo tempo, asseamento, alinhamento, pudor e recato. Daí o
tradicional uso de ternos para homens, e vestidos longos para mulheres – o que
confirma, também, a leitura de gêneros da igreja.
O dever – embora não obrigação – masculino de se usar terno,
independentemente da temperatura, é uma herança anglo-saxônica. No caso
assembleiano, uma herança sueca, vinda do domínio econômico inglês pós Barão de
Mauá (SOUZA, 1997), que ditava que homens de bem deveriam usar terno, e as
mulheres, vestidos e saias que ocultassem a maior extensão de pele possível. Justificam
essa escolha na Bíblia, de diversos modos. Num país tropical como o Brasil, a
vestimenta aparentemente incompatível com o clima faz uma separação ou
diferenciação visual entre o grupo de fiéis e resto da sociedade, ou seja, tal
especificação de identidade é importante para se estabelecer como separados da
sociedade em seu entorno (WOODWARD, 2009). Essa diferenciação constrói a imagem
pela qual se identifica e partilha de uma memória, no caso, há uma leitura do grupo,
tanto interna quanto externa, que os define como únicos, embora este processo não seja,
atualmente, tão simples.
Muitos fiéis desconhecem os fundadores de sua igreja e a dominação econômica
inglesa no período de fundação das Assembleias de Deus, haja visto que a comunidade é
formada por pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade social, muitos são semi-
analfabetos. Mas o que interessa a este trabalho é que, apesar disso, em pouco tempo há
uma absorção dos costumes da comunidade religiosa, que se reflete exteriormente, seja
nos hábitos e ações, seja nas roupas, fazendo com que este grupo seja facilmente
identificado entre outros grupos sociais.
Entretanto, seus códigos de identificação parecem estar em franca
transformação nos últimos anos. Todas essas mudanças mostram que é possível existir
uma identidade instável e mutante, que entra em crise, demonstrando novas e múltiplas
possibilidades do que entendemos em nosso tipo ideal inicial. Rompe com o senso
comum do que seja um jovem evangélico e mostra a construção ainda não configurada
na história oficial, em uma construção de uma nova identidade que ainda não se sabe
como se determinará. Assim vive em um limite entre a igreja e mundo. São evangélicos,
mas não deixam de ser jovens. Roberto DaMatta (1979) observa, ao analisar a sociedade
brasileira, que sua identidade é constituída pela liminaridade, onde estão os limites que
perfazem a percepção do que somos nós, de quem são eles, de quem são os outros, mas
que ela pode também ser constituída pela permeabilidade de outros costumes, memórias
e identidades.
Ao falar de identidade, nos afastamos das características sociais e nos
concentramos nas individuais, porém, o indivíduo é constituído também sócio-
culturalmente, e essa perspectiva não pode ser descartada. Apesar de não sermos
exclusivamente culturais, não somos somente indivíduos biológicos. Lévi-Strauss
(1996, p. 102) realiza a definição crítica do conceito de identidade, afirmando que: “[...]
a identidade não corresponderia a nenhuma experiência substantiva, mas seria um foco
virtual, um esforço de construção indispensável à explicação, mas cuja existência seria
puramente teórica”. Assim, as identidades não resultam espontaneamente do
pertencimento empírico a uma cultura, há uma relação entre memória, indivíduo e a
cultura a qual pertence que constitui o ser, a identidade, a essência.
Os pentecostais Assembleianos do Brasil não possuem, como os católicos 44 ou os
batistas45, uma instituição central que lhes represente. A CGDAB, por exemplo, pouco
44
A submissão das igrejas a Roma e a Infalibilidade Papal são um dos dogmas católicos mais aceitos na
igreja católica, não há igreja oficial sem ser reconhecida pela Santa Sé. (CONTINS e GOMES, 2008).
45
A Convenção Nacional Batista em seu estatuto se dá o direito de inserir ou excluir igrejas, e interferir em
seu funcionamento. Chamo atenção para o art. 8º (as igrejas filiadas devem atender resoluções e solicitações da CBN
feitas através dos órgãos e instituições competentes). Estatuto disponível em: http://www.cbn.org.br/regimento-
representa o fiel, mas sim interesses dos pastores. Nesse sentido, aponta Gedeon de
Alencar: “E no mundo Assembleiano não existe um órgão de igrejas visando os
interesses delas” (ALENCAR,2013. p.114). Tampouco possuem homogeneidade
doutrinária, litúrgica ou mesmo de costumes e tradições capaz de ser utilizada como
senha única de identidade. Como já dito, os poucos códigos de conduta que lhes
representavam estão em profunda mutação. Sobre isso comenta Mariano:
A Assembleia de Deus, embora esteja, aos poucos, mas em flagrante
descompasso, acompanhando as transformações da sociedade, e do
movimento pentecostal, ainda consta entre as igrejas que mais interpõe
resistência às mudanças nos rígidos usos e costumes [...] Para os propósitos
expansionistas da Assembléia de Deus, esses costumes e hábitos, com status
de doutrina bíblica, estão se tornando cada vez, mas disfuncionais. Causam
tensões e disputa interna, entre a velha e as novas gerações de pastores e fiéis.
(MARIANO, 1999, p. 205).

O assembleiano e o pentecostal em geral, se formam em comunidade, já que


isolados não mantém muito tempo a noção de sua conversão, de seu novo ethos, de sua
recém adquirida identidade, pois não teria o seu espelho, o irmão de quem absorve o
modo de ser, falar e observar o mundo. A formação identitária pentecostal somente
realiza-se na sua comunidade, com seus irmãos. Isso é a criação de uma identidade que
perfaz a memória halbwachiana46, ou seja, independente de memória formal, porém rica
e multicultural, uma identidade pouco coesa, mas por isso mesmo, rica e interessante
(embora traga também riscos políticos, no caso da absorção da teologia da
prosperidade).
Sua memória é perpassada pela linguagem definida como o meio pelo qual o
grupo, ou indivíduo faz referência a si mesmo e ao mundo (VIGOTSKI, 1987).
Assume-se diferente em um processo de conversão, porém, se torna mais líquido na
contemporaneidade. Isso não significa somente a quebra da identidade e rompimento de
transmissão de memória, mas a conformação de algo novo que ainda não sabemos no
que vai se configurar. Há a vida antes da conversão, e a vida após a conversão.
Mesmo um grupo com tradição forte não está imune às mudanças impostas pela
indústria e pela urbanização. Assim, as identidades pentecostais ficam fluidas ao longo

interno. Acesso em 12/out/2019.


46
Halbwachs acredita que a memória não é um registro, mas sim uma experiência subjetiva, individual e
construída socialmente nesse sentido: “Haveria então, na base de toda lembrança, o chamado a um estado de
consciência puramente individual que - para distingui-lo das percepções onde entram elementos do pensamento social
- admitiremos que se chame intuição sensível” (HALBWACHS, 2004, p.41). Ou ainda “os quadros coletivos da
memória não se resumem em datas, nomes e fórmulas, que eles representam correntes de pensamento e de
experiência onde reencontramos nosso passado porque este foi atravessado por isso tudo (experiências individuais).”
(HALBWACHS, 2004, p.71).
história. É difícil analisar o tema porque não há mais um padrão único. As mudanças
chegam a ser radicais, como se verá mais adiante neste trabalho.
A aceitação do que parece diferente não é fácil, pois infringe regras sociais
muitos rígidas e instaura o medo pelo incerto, pelo desconhecido. A vestimenta
tradicional, por exemplo, indica a um visitante de origem conservadora que a igreja
visitada cultiva alguns dos valores que lhes são familiares. Isso o deixa seguro. Por isso,
é parte da identidade pentecostal, uma forma do grupo se sentir unido e caracterizado
como os santos em meio ao mundo pecador. Apresentar diferenças, nesse sentido,
significa infringir regras sociais já constituídas, como salienta Becker:
Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em certos momentos
e em algumas circunstâncias, impô-las. Regras sociais definem situações e
tipos de comportamentos a elas apropriados, especificando algumas ações
como “certas” e proibindo outras como “erradas”. Quando uma regra é
imposta, a pessoa que presumivelmente a infringiu pode ser vista como um
tipo especial, alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras
estipuladas pelo grupo. Essa pessoa é encarada como um outsider.
(BECKER, 2008, p. 15).

Vários eventos proporcionaram tais mudanças. A explosão gospel ocorrida na


década de 1990 (CUNHA, 2007), é um dos mais fortes exemplos. A influência histórica
das igrejas norte-americanas, cujo discurso e teologia foram alterados após os
acontecimentos de 11 setembro de 2001. Outro em 2004, quando ocorre a saída da AD
Madureira da CGADB. Também a ordenação de mulheres a partir de 2005. A crescente
influência de algumas ADs na mídia. Digno de nota também é a mudança de discurso e
grande influência teológica dos eventos promovidos pelos Gideões Missionários da
Última Hora47. Também vale lembrar a crescente influência teológica da CPAD e da
CGADB, ou seja, há novas instituições influenciando as igrejas pentecostais
tradicionais. Ironicamente, nem as transformações identitárias, nem a tradicional
santidade comportamental inclui a honestidade na política ou negócios. Sobre a
alienação política do pentecostal, explica Rolim (1985, p. 26):
Sem dúvida é esclarecedor da conduta social e religiosa do
pentecostalismo no Brasil saber que ele é herança de um tipo de religião
norte-americana, dissociada de qualquer tipo de compromisso sócio-político.
Batismo no Espírito Santo, crença no poder de Deus, crença e esperança no
milênio, cultos espontâneos e cheios de emoção, formavam um conjunto
fechado e sem abertura para o social, já no início do pentecostalismo
brasileiro. O Espírito Santificaria os crentes, o poder de Jesus curaria os
males dos brasileiros pobres. Por que então iriam eles interessar-se em mudar
47
Os Gideões Missionários da Última Hora, são na verdade um grupo que realiza o maior congresso
pentecostal no Brasil, anualmente em Balneário Camboriú –SC. Tornaram-se famosos por se posicionarem contra a
teologia da prosperidade, mas, nos últimos 15 anos, tornarem-se radicalmente a favor dessa teologia. É um congresso
que praticamente determina a cosmovisão pentecostal, pois são tidos como homens “santos e iluminados”. Não têm
nada a ver com os Gideões da Mensagem, famosos por doarem novos testamentos em hotéis e hospitais.
a nossa sociedade se tinham a Jesus como médico onipotente dos males
físicos e mentais?

Assim, o assembleiano não é mais alienado do que o trabalhador brasileiro. Mas,


trata-se de uma igreja brasileira, portadora do ethos do jeitinho brasileiro (ALENCAR,
2013). Exposto a um grande período sem informação, sem educação, tem-se a
impressão de que é alienado. Mas não é, tem apenas um modo de viver diferente. Ele,
que tem uma noção de ser, que inclui em sua visão, alma, mente, corpo e disposições,
que chama de espírito, é considerado sagrado. Nesse sentido, é oposto ao profano, que
considera o mundo ou coisas malignas: “O leitor não tardará a dar-se conta, de que o
sagrado e o profano constituem duas modalidades do ser no mundo” (ELIADE, 2000, p.
20).
Seus pecados, naturais a todo ser humano, como a inveja, a cobiça, o ciúme, a
mesquinhez, entre outros, devem ser combatidos pela leitura da Bíblia, como descrito
em Gálatas, 5:19-2248. Evidentemente, em um país sincrético e plural como o Brasil,
podem ocorrer episódios de não cumprimento desses mandamentos. Há diversos relatos
de crentes que possuem estátuas de santos em casa; casos de ira e inveja descritas na
obra de Silva (2002), por exemplo, em pregações que se alertam ad nauseam contra o
sexo mais livre, entre outros. Os desejos mais naturais do Assembleiano, não estando de
acordo com a descrição de santidade, são interpretados como desejos da carne, ou
tentação do diabo, mas são casos de exceções.
O assembleiano se crê importante também para mundo. Prega-se que são reis e
sacerdotes, que são o sal da terra, a luz do mundo. Para um povo que historicamente é
econômica e politicamente oprimido, esse discurso é fundamental para sua percepção
como cristão, e pode explicar, em parte, o crescimento pentecostal. Se sua separação do
mundo, ou separação dos prazeres da vida moderna, é requisito para sua santificação, o
pentecostal sente-se um ser sagrado: ele tem contato direto com a “matéria” mais
sagrada possível, Deus.
Para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a natureza é susceptível de
revelar-se como sacralidade cósmica. O cosmos em sua totalidade pode tornar-se uma
hierofania, “[...] O sagrado sempre se manifesta como uma realidade inteiramente
diferente das realidades naturais [...] O homem toma conhecimento do sagrado porque

48
“Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatria e feitiçaria;
ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes. Eu os
advirto, como antes já os adverti, que os que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deu s.” (BÍBLIA, Gálatas
5:19-21).
ele se manifesta” (ELIADE, 2001, p. 17). Como se creem templo do Espírito Santo,
nação santa, sacerdócio real, povo escolhido de Deus, tem de ser santos, pois acreditam
que Deus pede isso a eles.
Uma grande preocupação, sobretudo dos intelectuais, é a moral sexual nas ADs.
Notadamente rígida, a moral sexual nesta igreja é extremamente conservadora. Quando
se observa o teor de seus jornais e livros publicados por serem órgãos oficiais, fica
evidente o posicionamento dessa moral. Vários intelectuais têm pesquisado o assunto,
que é deveras interessante, embora não seja foco dessa pesquisa. A importância e
complexidade do tema abrem a possibilidade para se tornarem matéria de outras teses.
As questões assembleianas que dizem respeito aos direitos reprodutivos e
sexuais individuais, como aborto, orientação sexual, sexo homossexual, são
sumariamente negadas, assumindo o paradigma de conservar a moral familiar patriarcal
e conservadora, pautada na heterossexualidade e na subordinação feminina. Nesse
sentido diz Lisboa (2008, p. 29) sobre às religiões pentecostais:
A relação direta entre sexo, identidade de gênero, orientação sexual
e suas classificações duais, com fronteiras intransponíveis entre os sexos,
implica uma visão na qual somente é possível o exercício de práticas sexuais
heterossexuais, fora das quais se localizam no espaço da “anormalidade”,
“aberração” e/ou “pecado”. A Assembleia de Deus, por exemplo, é
paradigmática desta visão.

É certo que com acesso aos meios de educação de qualidade, o brasileiro, assim
como os assembleianos, podem a vir mudar radicalmente de ideia sobre as conquistas de
direitos humanos, e quiçá possam ser influenciados por alguns pastores militantes.
Porém, assim como esses assuntos dividem opiniões dentro da sociedade, também
dividem na igreja. Os posicionamentos nunca são unânimes.

3.5 Mudanças no ethos pentecostal


Uma das mais sóbrias descrições do ethos pentecostal está no livro de Mariano
(2010, p.205), na reprodução da fala do pastor Paulo Romeiro: “usos e costumes
também variam, esse que é o problema. Mesmo em termos de Assembleia de Deus,
depende do líder local”. Ou seja, cada comunidade terá seus próprios costumes.
A estética típica assembleiana remonta ao assembleianismo rural, segundo
Passos (2000), confirmado por Alencar (2013) e por Emilio Conde (2011). Ao passar do
rural para o urbano, a mensagem tinha de ser única, e a estética era um modo de se
colocar e até se proteger dos parâmetros sociais urbanos, que podem soar agressivos
para quem viveu no campo. Neste sentido, afirma Cipriani apud Passos:
Nesse redemoinho de transformações intensas e permanentes, a
religião pentecostal entra em cena como estratégia de solução e significação
da passagem, determinando os limites dentro do grande espaço sem limites,
restabelecendo os laços de proximidade, compondo sentidos gerais e
resistindo ou negociando com o novo. (CIPRIANI et all., in PASSOS, 2000.
p.32).
A manutenção da estética conservadora era um meio de se identificar moral e
visualmente, de manter a pureza e a decência como reação à modernização que se
evidenciava como turbilhão na cidade. As mudanças que ocorreram no Brasil a partir
dos processos de industrialização e urbanização tiveram consequências radicais sobre as
relações campo-cidade, em especial sobre os migrantes, que encontravam novos espaços
e formas de ação, resultando em novas dinâmicas (econômicas, sociais, culturais e
políticas) e funcionalidades dadas a esses recortes territoriais, atribuindo-lhes novos
significados.
Tönnies já apontava as dificuldades que uma comunidade com origem rural teria
ao passar para o meio urbano. Para ele, nesta transferência, existiria o desencadeamento
de uma ruptura na organização da comunidade (1947. p. 43). A vida eminentemente
comercial da cidade, o mercado e as estruturas de trabalho e consumo terminariam por
esmaecer os laços comunitários. O meio rural em crise dá lugar à migração urbana, e o
pentecostal será afetado de maneira sui generis nessa mudança:
As massas rurais migradas às periferias urbanas passaram por crises
em suas compreensões de mundo, formas de sobrevivência, quebra dos
sonhos e os abalos emocionais deixaram (deixam) os indivíduos anônimos
em busca de estabilidade referencial. As balizas simbólicas das origens
interioranas não mais respondem à nova situação emergente da metrópole
caótica. As crenças e significados trazidos em seu imaginário não transmitem
is condizentes aos riscos de identidade e sobrevivência do indivíduo e
coletividade. É dentro desta erosão humana, em território estranho que o
indivíduo que trouxe em si uma bagagem de crença vai recorrer ao socorro
das forças sobrenaturais na esperança de alternativas ao túnel do caos
amedrontante. Na instabilidade humana e social, o perfil cristão diferenciado
da igreja pentecostal com sua agregação solidária será a âncora, perante a
avalanche de quebra de referenciais à existência do indivíduo. (MARIANO,
1999, p. 196)
Era também um meio de se igualar entre irmãos, já que a igreja que à época
procurava a institucionalização buscava maneiras de se centralizar (ALENCAR, 2013).
As similaridades assembleianas com a cultura e moral rurais são grandes: no meio rural
há menos liberdade de vida sexual fora da monogamia; não se aceita experiência sexual,
ao menos no discurso, antes do casamento. Assim como para o assembleiano, no meio
rural há a ideia de que o indivíduo que bebe não trabalha apropriadamente no dia
seguinte, adquirindo má fama pois não contribui com o grupo, daí o indivíduo não bebe
no pentecostalismo. No pentecostalismo, chega a ser proibido. A sensualidade é mal
vista. Assim, esses valores são trazidos ao grupo e há uma divisão entre o que é
pertencer a Deus, e o que é pertencer ao e ser mundano.
Na comunidade rural, criam-se laços de solidariedade e irmandade que afetarão,
como explanado, as formas de produção e reprodução cultural do Assembleiano. Essa
expressão se manifesta nas redes de controle sobre a vida de cada membro da
comunidade. Assim, será herdada para a Assembleia de Deus a noção de irmandade e de
controle sobre o outro, o que pode ter resultados negativos. Qualquer um que saia do
ideal de santidade pode sofrer conseqüências, embora o discurso cristão seja de perdão
dos pecados. Não é comum, mas é possível que um indivíduo seja excluído da
comunidade caso transgrida os valores morais (GONDIM, 2005).
O assembleiano, muitas vezes acusado de ser “retrógrado”, na verdade reproduz
em seus atos a construção da irmandade rural. E esta é central, pois até a estrutura das
orações e comunicações se formam a partir do senso de comunidade, como aponta
Portella:
Outros aspectos que podem ser ressaltados em relação à valorização
da autonomia do indivíduo no seio da vivência comunitária pentecostal são
os das reuniões de oração e o testemunho na igreja. Em relação ao primeiro
aspecto, os adeptos do pentecostalismo costumam fazer vigílias de oração e
manhãs de jejum. Estes momentos, além do fervor e união comunitária que
gerariam, também produziriam um ambiente de igualdade e solidariedade
entre os crentes. Nas vigílias de oração os pastores, presbíteros e simples
crentes seriam todos iguais, pois toda hierarquia ficaria ausente. Nas vigílias
todos estariam a buscar o batismo ou os dons do Espírito Santo. Portanto, o
único superior, nestas ocasiões, seria o Espírito Santo, que pode se revelar a
este ou àquele, independente de postos exercidos pelos indivíduos na
comunidade.(PORTELLA, 2012. p. 15),
Martins, em sua obra Aparição do Demônio na Fábrica (2008), fala da
dificuldade de adaptação do trabalhador rural que migra para a cidade e rompe com suas
tradições. Quando este é inserido em uma sociedade que o coloca como agente da
transformação urbana, acaba teatralizando sua forma de existir; suas antigas práticas
preservam uma resistência que não aceita se reduzir à coisa. Esse trabalhador tenta
reciclá-la, reafirma e procura viver segundo modo das antigas relações sociais, num
processo em que “re-apropria-se das tradições de suas origens pré-modernas para
enfrentar a privação de história e de compreensão plena que lhe impõe a modernidade
que o minimiza e coisifica. Adere, resistindo, para viver e vencer a seu modo o mal-
estar da sociedade da incerteza.” (MARTINS, 2008, p.14).
Assim, passa a ressignificar tudo, a não aceitar tudo de modo dado,
implementando-se o germe que culminará nas diversas e complexas mudanças e
reconfigurações pentecostais e Assembleianas neste princípio de século XXI. Segundo
Hervier-Lerger (1999), o que caracteriza a religiosidade das sociedades atuais é a
dinâmica do movimento, mobilidade física e cultural e dispersão de crenças e fim das
religiosidades herdadas, assim, a identidade religiosa vem como uma busca
individualista de resposta para a necessidade de elaborar processos de identificação
mais perenes (HALL, 2005). O convertido na pós-modernidade vai buscar respostas
individuais em um mundo que não lhe faz mais sentido, quando a religião aparece
oferecendo-lhe sentido.
Hervier-Lerger aponta três formas de convertido: o indivíduo que “muda de
religião” e sai da religião tradicional de sua comunidade e de seus antepassados, pois
esta visão de mundo não lhe traz mais sentido; o indivíduo que não era religioso, e
procura uma religião em busca de sentido de forma inaugural; e o indivíduo que se re-
afilia à mesma tradição religiosa, mas transmutada ou “renovada” com um novo
discurso, muitas vezes fundamentalista, em busca de suas raízes culturais. Em todos os
tipos ocorre a imersão num “regime forte de intensidade religiosa” (HERVIER-
LERGER,1999, p. 32), um discurso de separação do mundo e de pureza espiritual,
exatamente como no pentecostalismo.
O surgimento desse tipo ideal no campo religioso é fruto da “desregulação
institucional” e tem como consequência uma característica típica da vida religiosa atual,
a possibilidade de escolha. A autora afirma que todo processo de conversão é:
“um processo de individualização, que favorece o caráter que se
tornou opcional de identificação religiosa nas sociedades modernas, e o
desejo de uma vida reorganizada, que se exprime, muitas vezes, sob uma
forma mais ou menos explícita, um protesto contra a desordem do mundo.”
(HERVIEU-LÉGER, 1999, p. 140).
O mundo caótico contemporâneo provoca a expansão do individualismo,
pluralismo, relativismo, além de crises de segurança e ressignificações de identificações
que, no campo religioso, culminam na “reativação de identidades confessionais”, e num
mergulho a um “regime intensivo de vida religiosa”. Esse mergulho vem acompanhado
da falta de questionamento típico da idade da razão e consequente aceitação, imitação e
incorporação do discurso religioso ao qual o indivíduo se converte.
Um campo é tratado na teoria bourdieusiana como uma relação em disputa entre
agentes dotados de capital cultural. O campo nesse sentido é uma noção que tem como
fundamento a disputa entre agências e agentes internos, no qual cada ponto específico
procura impor seu capital cultural em disputa com outros campos. Podem ser campo
midiáticos, científicos, econômicos, culturais, religiosos, entre outros, que por vezes se
colocam em disputa. Quando não há disputa, tornam-se misturas concêntricas. Dentro
do campo emergem atores de maior capital simbólico que conseguem impor certas por
meio da violência simbólica. Assim, o grupo naturaliza as crenças compartilhadas e não
tem a capacidade crítica de reconhecer a dominância, arbitrariedade ou a violência às
quais foi submetido pelos dominantes de capitais. Nesse sentido, Bourdieu analisa:
Em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma
configuração de relações objetivas entre posições. Essas posições são
definidas objetivamente em sua existência e nas determinações que elas
impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação (situs)
atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder
(ou de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos que estão
em jogo no campo e, ao mesmo tempo, por suas relações objetivas com
outras posições (dominação, subordinação, homologia etc.). Nas sociedades
altamente diferenciadas, o cosmos social é constituído do conjunto destes
microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços de relações objetivas
que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade especificas e irredutíveis
às que regem os outros campos. Por exemplo, o campo, artístico, o campo
religioso ou o campo econômico obedecem a lógicas diferentes. [...] Os
agentes e os grupos de agentes são assim definidos por suas posições
relativas neste espaço. Cada um deles está situado numa posição ou numa
classe precisa de posições vizinhas (isto é, numa região determinada do
espaço) e não pode ocupar realmente, mesmo que seja possível fazê-lo em
pensamento, duas regiões opostas do espaço [...]. Pode-se descrever o espaço
social como um espaço multidimensional de posições tal que toda posição
atual pode ser definida em função de um sistema multidimensional de
coordenadas, cujos valores correspondem aos valores de diferentes variáveis
pertinentes. (BOURDIEU, 1983, p. 69)

Cada campo busca manter o status quo. A disputa, então, dinamiza o campo. O
ciclo de tentativa de manutenção e de interferência do novo é que altera o campo
original. Cada campo tenta reproduzir as regras do jogo, ganhando quem interferir mais.
O Cosmo social, ou o conjunto dos campos, são espaços relativamente dotados de
autonomia e de relações bem claras internas aos pertencentes ao campo. Assim, não se
assume as regras e lógicas de outro campo a não ser na disputa. Em cada campo, há
interesses e ideias compartilhados pelos agentes e acordos com os campos externos. Os
agentes interessados na disputa assumem o ideário de um campo ou outro.
No campo religioso, ocorre uma disputa com aquilo que não é religioso, ou com
aquilo que é “do mundo”. É a partir da conversão que o fiel se insere no campo
religioso, se identificando enquanto pertencente àquele campo e em oposição/disputa
com o mundo. Ora disputam com eles, ora o assumem como, por exemplo, a fácil
aceitação de tecnologia.
Ocorre a secularização, que é o processo em que se busca compreender o mundo
não mais pela lente dos mitos e da religião, mas pela razão. É difícil determinar quando
iniciou o processo de secularização da sociedade. O consenso entre pesquisadores é de
que ele sempre existiu, desde o início da razão, ainda na era platônica, para explicar os
fatos e situações cotidianos da sociedade. O processo de secularização não tem uma
linearidade no tempo, mas pode ser percebido em diversos momentos da história.
Segundo Martino (2003), as religiões estão modernizando-se, adequando-se a alguns
elementos, abrindo mão de outros, em uma relação de “dupla troca”, como forma de
sobrevivência, para assim prosseguir na sociedade. Ele acredita que ocorre na atualidade
o esvaziamento do sentido religioso tal como era conhecido, o que não impede que
novas formas de compreensão e prática da religião possam surgir e se firmar. Para o
autor, “a religião acompanha as sociedades em mudança modificando-se
concomitantemente e adaptando-se às necessidades onde quer que estejam”
(MARTINO, 2003, p. 50-51).
A secularização ocorre nas ADs de várias maneiras, sobretudo na racionalização
da administração dos bens da igreja, mas também no jeito de ministar o culto, de se
portar com as pessoas e isso afeta os meios jovens que trazem meios seculares para os
ritos religiosos, como rock gospel, hip hop, dentre outros ritmos musicais cuja aparência
é acompanhada pelo meio secular e não pelo meio religioso.
A disputa de bens simbólicos é internalizada nas igrejas assembleianas por
diversas ideias empregadas nos cultos e produtos culturais como EBD, livros e estudos e
canais midiáticos. As igrejas empenham-se em agenciar os bens simbólicos a fim de
ressignificá-los, dando-lhes novos usos. O agenciamento é realizado, dentre outras
formas, por meio das estratégias, estabelecendo ligações entre esse universo e os outros
e a possibilidade de circulação de pessoas. Ao aceitar pessoas, assumem a disputa em
um novo campo simbólico. Porém, ao assumir um campo novo, no caso a cultura
midiática, ela pode vir carregada de ideais e modos de ser estranhos ao campo original,
no caso às ADs. O uso de marcas corporais é um deles; os valores de
moda ,apresentados pela mídia, também. Trata-se de uma disputa que o campo da
tradição religiosa assembleiana tem perdido para a cultura contemporânea.
A conversão acarreta inúmeras mudanças, indica o rompimento com hábitos
sociais e culturais que podem estar profundamente enraizados. Ao assumir os modos do
grupo, seus costumes, práticas, chegando à mudança de pensamento e autonegação de
si, ou melhor, de seu passado, o novo convertido assume consigo uma identidade
diferente. Tal fenômeno não aparece só na religião, mas sim em todo grupo, onde há um
interesse ou necessidade de justificar atos, seus costumes ou crenças (FREEMAN,
1993).
Na religião, há um conjunto de hábitos passados do grupo para o indivíduo.
Desdobra-se a partir da inserção-conversão do fiel ao grupo, que ao exteriorizar certos
comportamentos se identifica como fiel. Assumem uma mimese da comunidade, a
identidade do outro que já é convertido. Segundo Taussig (1993), a imitação é a
natureza que a cultura usa para criar uma segunda natureza: é a faculdade de copiar,
imitar, fazer modelos, explorar a diferença, submeter-se e tornar-se outro. A imitação é
uma capacidade típica de rompimento com uma identidade antiga. Taussig afirma:

A maravilha da mimese está na cópia utilizando o caráter e poder do


original, até o ponto em que a representação pode até assumir esse caráter e
esse poder. Em outro idioma, é “mágica simpática”, e seria tão necessária
para o processo de conhecimento quanto é necessária para a construção e
subseqüente naturalização das identidades.(1993, p. 19).

Taussig analisa a obra de Walter Benjamin, uma vez que esse autor declara a
mimese com uma alta faculdade estética do homem, não só presente na arte, mas na
convivência, na troca de ideias, no diálogo com a alteridade, na capacidade primitiva,
uma vez que o indivíduo é símio e essa palavra vem de símile, ou seja, similar, que
entende a capacidade biológica de imitação. Benjamim anuncia que a mimese ressurge
na sociedade industrial porque a falta de identidades fixas gera a busca incessante por
modelos aos quais as pessoas possam seguir. O pentecostalismo é uma reação a essa
falta de identidade que oferece às pessoas as respostas que querem ouvir.

Figuras 6 e 7: Maressa Pacondo. A jovem na casa do Hip-Hop e indo para o culto de


jovens na Comunidade Abba, no dia 06/08/2019. No detalhe, o piercing no nariz. Nota-se
também a ausência de diferença entre a roupa usada na igreja e no passeio. Acervo do autor.

Assim, assumir um visual único demonstra não só uma assunção de identidade


estética, mas sim uma história social.
Visa também demonstrar se separar do mundo. É comum que nas pregações os
pastores falem sobre as roupas adequadas ao uso dos “santos”, usando o versículo de 2
Reis 1:7 a 9, para aceitar que um profeta de Deus (todos os crentes) se reconhece pela
roupa49. Desse modo, assumem uma roupa como forma de identidade religiosa,
demonstrando o que creem ser santidade.
A santidade é a crença fundamental do assembleiano. Não desejam ter a
aparência do mal, uma referência direta ao versículo de 1 Tessalonicenses 5:22-23 50, que
visa dar instruções de santidade, inclusive sobre o corpo. Assim, não aceitam nada
diferente. Por isso a resistência em aceitar o uso de marcas corporais. Há resistência a
qualquer item de moda que os afaste do ideal de santidade e aproxime da concepção do
que é mundano. Esse relato é constantemente confirmado por fiéis, como ressalta a
jovem vendedora e estudante de publicidade Maressa Cristina Pacondo51:
“Que nem eu falei, nasci em berço cristão, aprendi muita coisa, porém, do
mesmo modo que eu fui mudando meus conceitos, meus pais foram acompanhando do
mesmo jeito. Então acho que Jesus é muito além do que meu externo. Entendeu? Jesus
vai muito, muito além do tipo de roupa que eu uso, do piercing no meu nariz, da minha
tatuagem.”
Assim, o discurso atual é de que a santidade é mais relevante que as concepções
morais da igreja. A expressão usada por Maressa, “nascer em berço Cristão”, significa
que toda sua família já era evangélica e que ela frequenta a igreja desde o seu
nascimento, sem nunca ter saído dela. Vencer os velhos costumes é uma luta, que é
vencida com a apropriação de novos discursos. Um deles se reflete na ideia
contemporânea, amplamente divulgada em púlpitos pelo Brasil, de que “Deus não se
importa com a aparência”.
D: [...] a igreja hoje ela tá muito, na minha visão, né, pessoas que conversam
comigo que tem a mesma visão que eu... que a igreja hoje ela ta muito suja, ela tá muito
poluída, né, os cristãos tão preocupados em agradar o pastor, os líderes, do que agradar
a Deus... e isso aí ta estragando a igreja... isso aí ta afastando muitas pessoas da igreja...

49
“Então o rei lhes inquiriu: “Qual era a aparência do homem que vos encontrou e vos transmitiu estas
palavras?”E eles lhes explicaram: “Era um homem que usava vestes de pêlos e tinha um cinto de couro. Então ele
prontamente exclamou: “É Elias, o profeta de Tisbé!” (BÍBLIA, 2ª Reis 1:7-8)
50
Abstende-vos de toda a aparência do mal. 23 E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o
vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso SENHOR Jesus
Cristo (BÍBLIA,1ª Tessalonicenses5:22-23.
51
Maressa tem 18 anos, vendedora e estudante de publicidade. Frequentou a Assembleia de Deus Abba
durante toda a vida, e mudou de igreja por mudança de bairro. O depoimento foi concedido ao autor em 01/08/2019,
na cidade de Bauru, na Casa do Hip-hop de Bauru, onde a jovem ministra curso de dança de rua.
entendeu? É o que eu falo, eu não sou desviado... as pessoas falam que esse cara é
desviado... não, eu não sou desviado...né? Ser desviado é estar fora do caminho de
Deus, não (inaudível) do caminho da igreja... as vezes assim, eu falo ó, não to indo na
igreja, mas o meu caminho continua no Senhor, entendeu? Não quer dizer que a igreja
que ta me fazendo ficar fora do caminho... eu já fiquei fora da igreja dois anos, e
continuei no caminho do Senhor, entendeu? Continuei usando, fazendo as mesmas
coisas que eu fazia...orando, lendo, jejuando, tentando sentir/na verdade, sentindo a
presença de Deus, sentindo o Espírito Santo ni mim, sem ir na igreja...cê entendeu?...
Em relação à tatuagem também, converso muito com aluno crente aqui dentro, falei pra
você, tenho muito aluno crente aqui dentro, e eles também vêem em mim uma pessoa
diferente. Porque quando eu falo de Deus, na verdade eu acho que essa é minha missão
né? É falar de Deus da forma que eu falo. E viver da/ mostrar pra eles como eu vivo
bem dessa forma, e como eu sou abençoado dessa forma.
P: E aí eles falam assim “ah, queria fazer, mas o pastor não permite”, você já
ouviu muito isso?
D: Sim! Eu vejo isso (inaudível) e falo que... eles não têm que pensar dessa
forma não. Tem que pensar da forma que eu penso, que se Deus não tocou no coração
dele, que se não incomode ele pra ele não fazer, não faça. Se for pra mostrar pro pastor
“ah, não vou fazer tatuagem porque meu pastor não vai gostar”, então, ele tá no
caminho errado, já, porque tá querendo agradar ao pastor dele e não a Deus.”
(FLORETTI, Depoimento oral, 2019)

O interlocutor Lennon Floretti, em entrevista para essa pesquisa, confirma que,


atualmente, os jovens da igreja não se importam muito com regras sobre o uso de
tatuagem. Apesar de relatar ter vivido preconceito, o jovem se define como abençoado,
ou seja, não importa para a construção de sua identidade religiosa, em seus discursos, o
uso de marcas corporais permanentes.
O amor à dança de rua, expressa por Maressa, e o culto ao corpo, expresso por
Floretti, refletem a ora disputa/aceitação de campos que antes eram proibidos e agora
são aceitos no florescer de um novo assembleianismo. Antigamente, não era aceito
qualquer esporte dentro das ADs e muito menos dança de rua assim como a prática de
ouvir RAP. São campos em disputa e em aceitação por parte de muitos fiéis e da igreja
em si.
A identidade pentecostal assembleiana é marcada pela emoção. A emoção de
acreditar estar perto de Deus, em contato direto, de crer e observar milagres, faz a com
que sua identidade seja alterada e transformada pela emoção 52. Corten (1996), no livro
Os pobres e o Espírito Santo, afirma que o pentecostalismo tem como característica
fundamental a emoção. A própria teologia perde campo para a “experiência emotiva
partilhada” (1999, p. 15) pelos fiéis. Há constante apelo à “experiência emotiva”, que é
individual, e há emoções compartilhadas de alegria, de consolo, de tristeza pelo quadro
do mundo, nos cultos.
Apesar das vicissitudes do cotidiano, o culto possibilita uma fuga de suas
dificuldades e inquietações, e isso é expresso com grande entusiasmo cultual e cultural.
Apesar de serem majoritariamente pessoas que viveram ou vivem em situação de
vulnerabilidade social e/ou econômica, na miséria, na doença e em ambientes repletos
de violência, no culto fortalecem suas identidades com intensa alegria de estarem vivas.
O crente ideal não participa do processo capitalista de competição; ao contrário,
se constroem forças comunitárias de solidariedade em que, segundo Corten, “doam-se
roupas e alimentação, acham-se empregos para os mais necessitados e convidam-se
regularmente os irmãos esmagados pela pobreza para jantar em sua casa” (1999, p.
120). Alfabetiza-se, ensina-se desde música até dar nó em gravata, a cozinhar, com atos
permeados por grande alegria. Assim, a emoção é partilhada e há cura emocional. O
estudioso, filósofo, teólogo e também pastor assembleiano Cleiton Pommeraning
(2012), analisando a questão da emoção na AD, descreve:

A superexcitação religiosa muitas vezes é confundida com o êxtase,


sua diferenciação se dá pelo fato do primeiro ser marcado pela
superficialidade, cujos resultados sempre serão subjetivos, enquanto no
êxtase o resultado tem a ver com o poder revelador daquilo que preocupa
ultimamente. Neste caso o que se manifesta são os sentimentos mais
interiores que extravasam em expressões orais e corporais. Do ponto de vista
psicológico este estado também é necessário e aponta para um caráter
curativo de traumas. Emoção e êxtase são estados psicológicos relativamente
dependentes entre si. Ambos poderão ser oriundos da oralidade ou conduzir a
ela. Mas parece que ambas estão em um estágio intermediário entre a
oralidade produzida pelo outro (o pastor, profeta ou cantor), que “mexe” com
as emoções do ouvinte, que por conseguinte se expressa oralmente,
obviamente, através da glossolalia, da oração, do cântico, dando ‘glórias’,
etc. O pentecostalismo é conhecido como a religião da emoção. Esta
característica é oriunda da contribuição wesleyana a este movimento
religioso.” (POMMERANING, 2013, p. 25).

52
Ao longo da pesquisa, foi possível testemunhar teólogos afirmarem que isso é ruim. Não vejo como,
acredito que um culto deva, sim, ser visceral e emocional.
Assim, se dá a identidade pela emoção, ou seja, é assim que o evangélico
pentecostal constitui sua forma cultural e sua identidade cultural, por meio de um
tremendo emocionalismo. Encontrar a Deus e ao seu irmão tem sempre uma intensa
carga emocional para esses fiéis, e suas relações sócio-culturais e históricas serão, dessa
forma, sempre emocionais. Para apontá-las, é necessário antes mostrar alguns dos
costumes e práticas que as Assembleias de Deus tradicionalmente estabeleciam.
Evidentemente, outra forma de institucionalização foi dada bem antes na década
de 1950, com a chegada do deuteropentecostalismo (MARIANO, 1999), que passou a
disputar espaço com o pentecostalismo assembleiano. Os oriundos das igrejas
protestantes históricas e renovadas, bem como do pentecostalismo clássico, adotaram
ritmos musicais, vestuário, comportamentos e estilos de vida similares aos seus pares
não evangélicos, subvertendo o padrão estético que boa parte dos pentecostais adotava,
como a Assembleia de Deus ainda faz. Enfatizavam a cura divina em grandes comícios,
e propunham certa liberdade estética, mas não sexual. Apostavam em uma forma muito
atrativa, sobretudo para os jovens. Há um forte apelo emocional também no
deuteropentecostalismo, algo que o Assembleianismo precisava incorporar. Porém, até a
década de 1990, a emoção escolhida era o medo, uma das mais poderosas para controle
social (DELUMEU, 1978). Mas, hoderniamente, a emoção é a promessa de felicidade, e
com uso de técnicas propagandísticas (CORREA, 2013).
Decididos a não se entregar, os assembleianos demonizavam os
deuteropentecostais e reforçavam os ideários de vestimenta santa típica do meio rural.
Conservavam os costumes morais rígidos e impunham grande controle social aos seus
membros. Nessa segunda fase, a AD mais conservadora chegava a ser o Ministério
Madureira - ironicamente, o mais libertário, em costumes e estética, nos dias de hoje.
A ideia era a construção de uma identidade única, mas as diferenças doutrinárias
dividiram ainda mais os fiéis. De todo modo, essa quebra talvez seja a responsável pela
facilidade de aceitação de novas e diversas formas de cristandade nos dias atuais. Hoje,
o trânsito entre igrejas é grande, não há mais monopólio da salvação entre cristãos. Mas
há, ainda, intensa concorrência e disputa pelo mercado religioso.
Esses são tempos que Da Costa e Cozzer (2019) descrevem como um maremoto
varrendo o pensamento ocidental, minando a própria ideia de verdade absoluta. Da sala
de aula à televisão e até mesmo às igrejas, as instituições estão perguntando ao público
o que eles acham que a verdade deve ser e como deve ser; e, então, comercializam seus
produtos de acordo com os caprichos do mundo. É a primeira vez que as pessoas podem
“não saber” e são obrigadas pela sociedade. O símbolo dessa época poderia facilmente
ser a corda elástica. É uma queda livre em nada apenas por fazer isso.
Talvez a melhor definição de pós-moderno seja a de Lyotard. O pós-moderno,
como Lyotard (1984, p.28) o definiu, é "a incredulidade para com as metanarrativas”,
inclusive é uma crítica às representações religiosas. E uma maximização do projeto
moderno de independência de Deus (idem) ao homem que fica individualizado na
história e, portanto, egoísta.
A Modernidade, a princípio, é o período histórico que se estende entre fins do
século XV e os dias atuais. Contudo, além de um período histórico, a Modernidade é a
denominação de um conjunto de fenômenos sociais e é também o resultado de uma série
de eventos marcantes no mundo ocidental ocorridos nos últimos quinhentos anos.
“Mundo Ocidental” seria, neste ponto, a Europa Ocidental: Grã-Bretanha, França,
“Alemanha”, “Itália”, Áustria, Suíça, Países Baixos, Portugal e Espanha, os países com
nomes entre aspas não formavam uma única nação na época. No pós-primeira guerra os
EUA e Japão(já extremamente imerso no capitalismo cientifizado e ocidental) se tornam
parte importante do “Mundo Ocidental” (HUYSSEN, 1986).
Tecnologicamente e cientificamente, a modernidade fez o homem tornar-se
providência para si mesmo, e hoje, para acabar com a fome, as doenças, as inundações,
as epidemias, agora não recorre a Deus, como faziam seus antepassados, mas sim à
medicina, à engenharia, à indústria, etc. (MONDIN, 1980). Modernidade ao mesmo
tempo em que é um período histórico indefinido, é uma crença na certeza do
cientificismo e da racionalidade, na qual as relações sociais são mudadas.
Ter relações pautadas pela racionalidade (hegemônica no ocidente) não era uma
oferta tão ruim frente a uma ideia da idade média, de um absolutismo rigoroso e de uma
crueldade cristã que invadia e destruía reinos considerados bárbaros nas cruzadas ou
queimava mulheres por pensarem diferentes acusando-a de Bruxas. Porém o projeto da
modernidade se mostrou tão senão mais cruel do que a idade média. Temos liberdade,
porem temos outros problemas tal como: exclusão, desigualdade, fome, dentre outros. É
desta situação vivida que surgem novos problemas para as ciências humanas, com
excesso de informação e de abundancia em materiais que, no entanto não trouxeram a
plena felicidade e organização social, com a desvalorização da força de trabalho, o
excesso de produtividade e miséria, com o terror da exclusão social e dos impactos
ambientais; situações que geram insegurança e desconforto. Mas focando-se em um só
aspecto da modernidade, existe a crença inevitável de que a ciência é a única verdade.
Assim Deus, e religiões, não teriam lugar num mundo assim onde apropria
racionalidade, e suas produções, ciência e tecnologia fazem o que antes o homem
recorria as suas divindades. Se hoje o homem quer chuva em uma plantação, não mais
sacrifica uma virgem ao seu deus, mas recorrer a engenharia hidrográfica, se quer saber
se vai chover não mais consulta um oráculo e sim um moderno satélite. Há uma
impressão constante, no mundo moderno, de que a frase de Nietzsche estava correta
agora “Deus está morto”. Não há mais lugar para a metafísica. Mais do que o
racionalismo, a modernidade reduziu o homem a um conceito numérico financeiro, a
sua nova fé seria o dinheiro
Toda essa crise, não passou despercebido aos religiosos, em suas crenças ferrenhas, cuja
fé repousa sua própria identidade, Assim tal crise provocou reações dos religiosos
contra a perda dos valores religiosos que se impunham. O termo fundamentalismo
remete a fundamentos, bases teóricas de uma expressão cultural, está correlato à crença
na interpretação literal dos livros sagrados. Seus membros promovem a compreensão
literal, ou do que entendem ser literal, de sua literatura sagrada. Não aceitam opinião
diversa. Fundamentalistas são encontrados entre religiosos diversos e pregam que os
dogmas de seus livros sagrados sejam seguidos à risca ou ao menos se auto-definem
assim: como seguidores radicais do texto sagrado.

Aceitando ou não, quer queiramos acreditar ou não, vivemos em um mundo pós-


moderno. Gonçalves (2010), nascido na Índia, observou: “O que está acontecendo no
Ocidente com o surgimento do pós-modernismo é apenas o que tem acontecido em
grande parte da Ásia por séculos, mas sob diferentes aspectos. Assim, a tarefa
gigantesca diante dos como teólogos pentecostais é abordar toda a questão da
espiritualidade pentecostal no contexto atual de um mundo pós-moderno.
Busca-se compreender o pensamento e as expressões pós-modernas. Será feita
uma tentativa de determinar se o pós-modernismo influenciou a espiritualidade
pentecostal como fez com a moda, literatura, arte, arquitetura, televisão e cultura. Em
seguida, examina a extensão dessa influência para ver como os teólogos pentecostais
devem olhar para essa influência – como uma ameaça ou uma oportunidade.
Em meio ao caos da pós – modernidade a assembeleia de Deus oferece um
terreno firme de repostas prontas e acabadas daí seu crescimento.

3.6 Reflexão sobre espiritualidade na Idade Moderna e Contemporânea


“Espiritualidade” é um termo relativamente novo para muitos crentes
pentecostais que sempre estiveram mais preocupados com todo o conceito de “ser
espiritual”. A espiritualidade cristã tem seu centro de gravidade na relação pessoal com
Jesus Cristo. Ribeiro e Da Silva (2011) citaram: “A verdadeira espiritualidade envolve a
entrega de nós mesmos àquele que adoramos e adoramos (Romanos 12:1:2)”. Portanto,
a espiritualidade é a entrega de nós mesmos a Deus por meio de nossas crenças e
atitudes emocionais, o que acaba influenciando nossas ações e valores. Outro tema
igualmente difícil de debater, mas essencial para este trabalho, é o de modernidade.
Mais difícil ainda é o de pós-modernidade, ou contemporaneidade. Não cabe a este
trabalho avaliar conjectura da linguagem usada para a condição contemporânea, haja
vista que os autores variam nas denominações: Pós-Modernidade (J.-F. Lyotard);
Hipermodernidade, Era do Vazio (G. Lipovetsky,); Neomodernidade (S. P. Rouanet);
Modernidade Reflexiva (U. Beck)53. O que se sabe é que não é uma fase de certezas
como em outras eras. Assim diz Usher e Edwards:
Talvez tudo o que possamos dizer com algum grau de segurança é o que o
pós-moderno não é. Certamente não é um termo que designa uma teoria
sistemática ou uma filosofia compreensiva. Nem se refere a um sistema de
ideias ou conceitos no sentido convencional; nem é uma palavra que denota
um movimento social ou cultural unificado. Tudo o que podemos dizer é que
ele é complexo e multiforme, que resiste a uma explanação redutiva e
simplista. (USHER & EDWARDS, 1994, p.7).

Giddens (2002) observa que vivemos uma época marcada pela perda das
orientações fixas e pela sensação de que não compreendemos plenamente os eventos
sociais. Essa era é marcada por transformações e instabilidades sociais e culturais e as
relações sociais transformou também a percepção dos indivíduos no que se refere à fé.

A modernidade, pode-se dizer, rompe o referencial protetor da pequena


comunidade e da tradição, substituindo-as por organizações muito maiores e
impessoais. O indivíduo se sente privado e só num mundo em que lhe falta o
apoio psicológico e o sentido de segurança oferecidos em ambientes mais
tradicionais. (GIDDENS, 2002: 38).

A fé, segundo Giddens (1991), passa a ser dada ao sistema perito (não mais à
divindade) e, portanto, a religião não responde ao anseio humano: a ciência responde
aos anseios do indivíduo. Mas todos esses fatos históricos geram uma crise, pois o
projeto moderno falha em sua promessa de dar ao indivíduo as prometidas liberdades,
igualdade e fraternidade. Não há liberdade, a não ser para consumir o que a

53
Não são citações apenas críticos da modernidade.
comunicação de massa lhe impõe; não há igualdade e sim concentração de renda; a
fraternidade é um valor perdido junto com as tradições religiosas, o individualismo é o
que pauta as relações.
Aliada a toda manutenção de conhecimento único, surge a ideia de que
conhecimento é poder, e que esse poder foi jungido ao capital, ou seja, a ciência foi
submetida ao interesse do capital, sendo assim o poder referido por Marcuse (1967), o
próprio capital. Para entender o triunfo do capital sobre os valores religiosos, houve
antes um triunfo da comunicação que trouxe e confirmou a modernidade e propôs sua
própria crise (BOLAÑO, 1998). Desde o processo de secularização característico da
modernidade, a religião não detém as únicas explicações sobre a vida e o universo. Os
referenciais logicamente construídos, tais como o socialismo, o corpus filosófico e a
própria ciência também perdem o monopólio explicativo, e não há referenciais fixos e
imutáveis ao ser humano. O homem se encontraria, como afirma Hinkelammert (2008),
num labirinto, sem direção fixa, numa multiplicidade de opções sem referenciais.
A mentalidade puramente racional faz com que nos distanciemos do próximo, do
meio ambiente e dos sentimentos. A modernidade trouxe uma nova consciência do
sentido histórico, uma nova representação da temporalidade e, com ela, o mundo se
fragmentou em valores distintos. O espírito capitalista é moderno, desencantado,
secularizado, racional. A modernidade é o desenvolvimento do processo de progresso,
da razão, da utopia prometida e não conseguida.
A criação do Estado moderno estava subjugada a esse ideal, pensava-se que os
homens racionalmente iriam se entregar a um estado racional e ordeiro e que todos os
conflitos do homem estariam acabados. Iria ser uma era de ouro para a humanidade.
Prometia-se a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Ledo engano, o projeto moderno
em sua estrutura política falha fragorosamente.
O projeto do Estado racional falha. Vivemos uma era de incertezas e riscos. De
certo modo há inúmeras explicações para o fracasso do projeto moderno, das quais
destacamos a posição de Bruno Latour. Para criticar a analise de mundo até então feita,
Latour critica os paradigmas pelos quais houve a compreensão da situação do mundo.
Para ele, o mundo deve ser tratado como um conjunto de “redes” que atravessam esses
três paradigmas - “objetivista”, “sociologizante” e “semiótico” - pois, não sendo apenas
de natureza objetiva, social ou discursiva, são ao mesmo tempo reais, coletivas e
discursivas. (LATOUR, 1994, p. 12).
O que Latour quer dizer é que os problemas da humanidade não podem ser
simplesmente compreendidos por um paradigma ou pensamento racional. É na realidade
cotidiana que devemos ver as explicações das falhas da modernidade e, sobretudo do
Estado moderno que pretendia estar sob construção da racionalidade cientifica. A
modernidade e sua única fonte de verdade: a ciência está limitada a vários fatores,
porém foi extremamente influente no projeto moderno. Contudo, “A ciência visa o
controle dos objetos e das coisas e não busca o puro conhecimento, pois sua finalidade
está embotada pelo poder assim ela tira algumas coisas do campo de visão (LATOUR,
1994, p. 62)”. A ciência diz o que é ou não é verdade, o que ou não legitimo discutir.
Westhelle (1992, p. 266) pergunta: "porque não discutir alquimia, astrologia, a
benzedura ou mesmo a existência de Deus?".
Westhelle (1992, p.267) citando Latour faz a pergunta: “Que sociedade é esta
onde uma formula matemática tem mais credibilidade do que qualquer outra coisa: o
senso comum, outros sentidos além da visão, uma autoridade política ou mesmo as
escrituras?”.
Essa fórmula matemática-física-química teria poder de supostamente explicar o
universo, mas não tem, falhou em vários momentos, na pretensa função de dar sentido à
vida, em explicar as sensações e memórias íntimas que um cheiro pode trazer, em
explicar o amor, e falhou, no sentido moriniano, em seu próprio projeto, uma vez que as
ciências naturais enfrentam agora uma crise em si mesmas. O que libertaria, polui e
mata o planeta.
Nessa crítica ao progresso que produz morte, Benjamin (1989) ao mesmo tempo
critica a guerra, a tecnologia que a potencializa e que o significado de que o progresso
seja a própria técnica. Neste sentido, este suposto progresso, para Benjamin, é falho,
pois só gera morte e vidas sacrificáveis. A ideia de progresso tem a ver com melhora no
tempo. Para Benjamin (1989) o caminho escolhido pela humanidade não leva à
melhora. O futuro reserva o pior. Assim, o progresso que rege a humanidade é também
fruto de uma relação temporal não sagrada. Agamben também diz que os tempos atuais
são marcados por um tipo de relação particular com o tempo.
A contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com o próprio
tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais
precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma
dissociação e um anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente
com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são
contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não
podem manter fixo o olhar sobre ela (AGAMBEN, 2009. p.59).
Recorre-se à figura do jogo de xadrez: não percebemos onde jogamos. Só
quem está de fora percebe melhor. A competitividade da vida contemporânea cega cada
indivíduo para seu próximo.
O homem está privado do próprio senso ou o arbítrio, não escolhe, e lhe é
imposto o jeito de andar, de vestir, de amar e de consumir - e ele assiste a tudo com o
fastio da vida que sonha burguesa. Entediados vemos pela televisão um mundo matrix,
uma nova caverna do mito platônico que acreditamos ser verdade. O homem que
procura repostas não as encontra. Ele procura o dinheiro. Nesse sentido, ainda
Agamben:
Isso significa que o contemporâneo não é apenas aquele que, percebendo o
escuro do presente, nele apreende a resoluta luz; é também aquele que
dividindo e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e de colocá-
lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história,
de ‘citá-la’ segundo uma necessidade que não provém do seu arbítrio, mas de
uma exigência à qual ele não pode responder. É como se aquela invisível luz,
que é o escuro do presente, projetasse a sua sombra sobre o passado, e este,
tocado por esse facho de sombra, adquirisse a capacidade de responder às
trevas do agora. (AGAMBEN, 1996. p.72).

Assim estamos em um período que se reconfigura em múltiplas escolhas


identitárias. Não necessariamente ruim como apregoava Benjamin, mas repleto de
incertezas. Agora o futuro está em aberto, não está dado.
Faustino (2011) divide apropriadamente a espiritualidade cristã em duas grandes
trajetórias que ele chama de “espiritualidade ascética” e “espiritualidade pentecostal”. 10

Segundo ele, a espiritualidade ascética se concentra nas disciplinas espirituais que são o
modo progressivo e de treinamento da espiritualidade. Ele encontra apoio bíblico em
passagens como 1 Coríntios 9:24-27. Esse tipo de espiritualidade causará crescimento
espiritual, mas em um processo gradual.
A segunda trajetória que ele chama de “espiritualidade pentecostal” enfatiza a
espiritualidade que cresce por meio da obra do Santo Spirit. Ele usa Gálatas 3:2-3 e 5
para definir esse grupo que é sintetizado pelo “batismo do Espírito Santo”, que não é um
estágio progressivo, mas um salto para uma nova dimensão. É o crescimento espiritual
por meio do contato com Deus que está experimentando Deus.
A espiritualidade pentecostal tem sustentado por todos esses anos as doutrinas e
princípios ortodoxos básicos da fé. O principal ponto de distinção é que o pentecostal
acredita que Deus continua a trabalhar na igreja por meios sobrenaturais. No entanto,
existem valores específicos que moldam a espiritualidade pentecostal. Gandra e
Westphal (2013) em seu artigo isolam cinco valores implícitos que regem a
espiritualidade pentecostal. São eles: 1) A máxima importância da experiência
individual; 2) A importância do falado (oralidade); 3) A autoestima recai sobre a
espontaneidade; 4) Uma tendência de outro mundo em que o eterno, o “lá em cima” no
céu é mais real do que o presente; e 5) A autoridade da Bíblia como base do que se deve
experimentar.
Guerra (2014) sente que muito poucas pessoas apreciam a base filosófica da
visão de mundo pós-moderna simplesmente porque é todo o conjunto de “dados” que
explica o que significa ser humano, “dados” que não precisam de explicação ou
justificação porque esse é apenas o caminho. coisas são. As sugestões a seguir são uma
tentativa de estimular o pensamento e não pretendem ser definitivas. É, afinal, uma
cultura em estado de “devir”, de fluxo, inconformidade, ambiguidade e contradição.
A esperança foi destruída. Agora, como o monstro de Frankenstein, ele ameaça
se voltar contra seu criador e causar devastação global por meio de desastre ecológico
ou holocausto nuclear/biológico/químico nas mãos de algum louco e Deus me livre
mesmo por falha técnica dos sistemas de controle. Assim, o modernismo e o mito do
progresso científico estão mortos ou, pelo menos, em seus estágios finais, mas não há
nada que o substitua. Não se sabe o que está por vir, apenas que será a visão de mundo
que substituirá o modernismo. Até que se venha saber exatamente que forma ela tomará,
pode-se chamá-la de pós-modernismo por enquanto.
Como o nome indica, o pós-modernismo é algo que vem depois do modernismo.
De Morais (2010, p. 45) coloca: “Se a modernidade é um período caracterizado por uma
visão de mundo que agora está terminando, então o que quer que venha a seguir no
tempo pode ser plausivelmente chamado de pós-modernidade”. É o reconhecimento de
que o modernismo seguiu seu curso e que uma mudança está ocorrendo no pensamento
e nas crenças de nossa geração atual. Toda a visão de mundo pós-moderna é baseada no
fracasso do modernismo. O intelecto é substituído pela vontade, a razão pela emoção, a
moral pelo relativismo, a realidade pela construção social.
Para um pós-moderno, o conhecimento é incerto. Portanto, abandona totalmente
o fundacionalismo que é a ideia de que o conhecimento pode ser erguido em algum
tipo de fundamento de primeiros princípios indubitáveis. Não admira que negue a
estrutura da razão na modernidade. O objetivo do pós-modernismo é prescindir de
estruturas. O antifundacionalismo também clama que a história é dissolvida. Não há
distinção entre verdade e ficção. Como não há verdade objetiva, a história pode ser
reescrita para as necessidades de um determinado grupo (por exemplo, em favor de
mulheres, homossexuais, negros e outras vítimas de opressão). Não há abordagem
mental ou espiritual transcendente à Razão Pura ou Realidade, nem há uma essência
interna imutável dentro do indivíduo isenta da lei física. Isso é o que se chamaria de
presunção naturalista básica do antifundacionalismo.
Segundo De Oliveira (2015), o modernismo como explicação do que significa
ser humano (visão de mundo, “grande história” ou metanarrativa) tem se mostrado
inerentemente violento, como todas as outras metanarrativas Essa é a essência do
desconstrucionismo – derrubar pretensas grandes histórias (visões de mundo com
pretensões universalistas), muitas vezes ouvindo os entendimentos locais da verdade das
comunidades minoritárias. A única esperança, então, é desconstruir e rejeitar todas as
grandes histórias, uma vez que são todas opressivas. É opressivo porque a cultura define
a linguagem e as culturas são opressivas, portanto a linguagem é opressiva. Guerra
(2014) sente que muito poucas pessoas apreciam a base filosófica da visão de mundo
pós-moderna simplesmente porque é todo o conjunto de “dados” que explica o que
significa ser humano, “dados” que não precisam de explicação ou justificação porque
esse é apenas o caminho. coisas são. As sugestões a seguir são uma tentativa de
estimular o pensamento e não pretendem ser definitivas. É, afinal, uma cultura em
estado de “devir”, de fluxo, inconformidade, ambiguidade e contradição.
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Para um pós-moderno, o conhecimento é incerto. Portanto, abandona totalmente
o fundacionalismo que é a ideia de que o conhecimento pode ser erguido em algum
tipo de fundamento de primeiros princípios indubitáveis. Não admira que negue a
estrutura da razão na modernidade. O objetivo do pós-modernismo é prescindir de
estruturas. O antifundacionalismo também clama que a história é dissolvida. Não há
distinção entre verdade e ficção. Como não há verdade objetiva, a história pode ser
reescrita para as necessidades de um determinado grupo (por exemplo, em favor de
mulheres, homossexuais, negros e outras vítimas de opressão). Não há abordagem
mental ou espiritual transcendente à Razão Pura ou Realidade, nem há uma essência
interna imutável dentro do indivíduo isenta da lei física. Isso é o que se chamaria de
presunção naturalista básica do antifundacionalismo.
Segundo De Oliveira (2015), o modernismo como explicação do que significa
ser humano (visão de mundo, “grande história” ou metanarrativa) tem se mostrado
inerentemente violento, como todas as outras metanarrativas Essa é a essência do
desconstrucionismo – derrubar pretensas grandes histórias (visões de mundo com
pretensões universalistas), muitas vezes ouvindo os entendimentos locais da verdade das
comunidades minoritárias. A única esperança, então, é desconstruir e rejeitar todas as
grandes histórias, uma vez que são todas opressivas. É opressivo porque a cultura define
a linguagem e as culturas são opressivas, portanto a linguagem é opressiva.
Na linguagem de Nietzsche, a cultura é definida como “vontade de poder”. Na
linguagem de Marx, a cultura é um mero “conflito de classes”. Na linguagem de Freud,
cultura é “repressão sexual”. Na linguagem feminista, a cultura é reduzida ao conflito de
gênero. Em suma, pois uma linguagem pós-moderna não revela o significado, apenas
constrói o significado. Para colocar nas palavras de Dias (2011, p. 45), “Palavras
significam apenas o que desejamos que elas signifiquem”. Portanto, o objetivo dos pós-
modernistas é desconstruir a linguagem e, em última análise, a verdade. A
desconstrução é feita, em primeiro lugar, analisando as metáforas inerentes à linguagem
científica e, em segundo lugar, interrogando o texto para desvendar sua agenda política
ou sexual oculta.
Barroso (2019) ao discutir este tópico em seu artigo diz que a verdade
absoluta não existe “lá fora” no mundo esperando para ser descoberta. A “verdade”
como percebida por cada comunidade humana é a interpretação do mundo. Se a
“verdade” não existe fora da consciência humana, seria melhor insistir que nenhuma
versão da verdade é inerentemente melhor do que qualquer outra. Nenhum sistema de
crença tem superioridade. O pós-modernismo é, portanto, inerentemente pluralista.
Logo, se esta começando a ver isso nas pessoas ao nosso redor. Por exemplo, um
político quebra sua promessa sem qualquer vergonha, um juiz constrói novos princípios
legais que refletem as modas atuais e um jornalista escreve histórias tendenciosas –
histórias que as pessoas querem ouvir em vez de registrar a verdade e um professor
oferece processos e experiências em vez de conhecimento. Algumas pessoas se opõem
ao aborto e ainda afirmam ser “pró escolha”, algumas pessoas afirmam ser “cristãs” em
seu pensamento e também aceitam a ideia de reencarnação, etc. Este é o efeito do pós-
modernismo. Sem qualquer ordem ou verdade absoluta, as pessoas são livres para
acreditar no que quiserem, quer se encaixe com outras crenças ou não.
Os pós-modernistas rejeitam a conexão entre pensamento e verdade. Em
um mundo pós-moderno, as pessoas querem pensar menos e sentir mais. A vida da
mente tem novos modelos. O novo modelo é o capacete de realidade virtual. Maravilhas
tecnológicas como televisão, cinemas, vídeos e computadores tornaram-se realidades e
nenhum estado de existência tipifica melhor o pós-modernismo do que a “realidade
virtual”.
É um estado de estar informado, mas desconectado; de poder sem as
dificuldades de enfrentar os outros cara a cara. Da Silva (2008) escreve sobre as
maravilhas tecnológicas que são “feitas por pessoas que tendem a não se conhecer para
pessoas que não conhecem e provavelmente nunca conhecerão”. De fato, para um pós-
modernista, “toda realidade é realidade virtual”. Como a existência não tem sentido e
não estamos ligados à história ou seus valores por nenhuma verdade vinculante,
ninguém pode ter certeza de onde a realidade e a não-realidade começam e terminam.
De Oliveira e Rocha (2018, p. 10) escreveram: “Se alguém não tem base para julgar,
então a realidade desmorona, a fantasia é indistinguível da realidade; não há valor para
o indivíduo humano, e certo e errado não têm significado”.
A tecnologia pode ser uma bênção ou uma maldição. Nesse sentido, está se
tornando uma maldição. Sousa (2020) chamou esse controle tecnológico de
“Tecnopólio – a submissão de todas as formas de vida cultural à soberania da técnica e
da tecnologia”. Na mesma linha de Carvalho (2018), lamenta a tomada de nossa
sociedade por um meio tão sem valor: “Quando a informação é transmitida pelo
ciberespaço, o meio molda a mensagem, o mensageiro e o receptor. Isso molda toda a
cultura.”
Em vista do fato de que quem somos é criado pela experiência de vida, faria
todo o sentido para mim agora assumir o controle de minha identidade e fazer de “eu” o
que eu quiser ser. Segundo Follis e Malheiros (2022), o caso exemplar é uma gama de
identidades ou performances é fornecido por Madonna que desenha uma multiplicidade
de representação, desde material, através da criadora de sua própria sexualidade, à
vulnerabilidade de Monroe.
Com a ênfase na sociedade, o pós-modernismo também nega que os humanos
sejam a coisa mais importante do mundo. A exaltação das pessoas pelo humanismo
secular não tem lugar no pensamento pós-moderno. Antes de aplaudirmos a morte do
humanismo secular nas mãos do pós-modernismo, devemos perceber que os pós-
modernistas negam que um ser humano tenha qualquer significado especial. As pessoas
não são melhores ou mais importantes do que qualquer outra coisa no mundo. É aqui
que os modernos direitos dos animais e os movimentos ecológicos ganharam força. Os
humanos são apenas mais um ser vivo no planeta, não mais nobre e sem mais “direitos”
do que corujas malhadas ou pinheiros.
Assim, os humanos são insignificantes. Talvez se possa ver onde isso está indo.
Se a vida humana não é mais valiosa do que qualquer outra vida, então não pode haver
nada de errado com infanticídio, aborto ou qualquer outro meio de controle
populacional. Mesmo a chamada limpeza étnica de Hitler e, mais recentemente, na
Bósnia, não seria errada para o pós-modernista.
Segundo Otto (2007), o sagrado é aquilo que dá sentido à vida das pessoas. Mas
o que é afinal esse sagrado? Como é esse sagrado que foge de toda e qualquer
racionalidade? De acordo com o autor,
Conceitualmente, mistério designa nada mais que o oculto, ou seja, o não
evidente, não apreendido, não entendido, não cotidiano, nem familiar, sem designá-lo
mais precisamente segundo seu atributo. Mas o sentido intencionado é algo positivo por
excelência. Seu aspecto positivo é experimentado exclusivamente em sentimentos. E
esses sentimentos podemos explicitá-los em formulações sugestivas [...] O atributo
tremendum é, para começar, uma caracterização positiva do que estamos tratando. O
termo latino tremor em si significa apenas medo ou temor – sentimento natural
bastante conhecido [...] Em algumas línguas existem expressões que designam exclusiva
e preponderantemente esse temor, que é mais que temor. Por exemplo, hiqdish =
santificar, em hebraico. Santificar algo em seu coração significa distingui-lo por
sentimento de receio peculiar, que não deve ser confundido com outros receios,
significa valorizá-lo pela categoria do luminoso. (OTTO, 2007, p.45).
De modo geral, os cristãos são avisados por seus líderes a não tatuar os corpos
uma vez que este é o templo do Espírito Santo, um templo sagrado e que deve ser
deixado limpo sem mácula.
Ao afirmarmos que Deus é criador e um apreciador da arte, da beleza, os
religiosos em geral afirmam que Deus menospreza esta expressão artística. Pecado ou
não, manifestação artística, paganismo o que quer que seja não podemos nos esquecer
de que independente de qualquer coisa, Deus nos ama incondicionalmente e que não
será uma tatuagem que nos afastará deste amor.
Assim, o que deve comandar nossa mente é o bom senso, devem-se ponderar os
prós e contras de se realizar uma tatuagem não apenas os aspectos religiosos mas
também aspectos sociais, pessoais (futuros arrependimentos), exemplos para os filhos...
o que realmente precisa ser feito é um trabalho de conscientização dos membros mais
preconceituosos a buscarem sabedoria para superar suas opiniões e medos afim de
aprenderem a ver as pessoas como Deus as vê.
Ao que tudo indica, conforme o tempo passa, a prática da tatuagem não apenas
tem se popularizado entre pessoas das mais variadas idades e gêneros como também
tem apresentado indícios de que ela veio para ficar. Em muitas situações as pessoas se
tatuaram em um momento específico de sua vida e que agora devido a questões
financeiras, pois a remoção da tatuagem além de ser um método caro é extremamente
dolorido não deve ser um impeditivo de recebimento de visitas ou de novos membros. A
igreja deve estar preparada para isso.
Jesus andava e comia com todo tipo de pessoas e pecadores e nem por isso
foram por Ele condenados, ao contrário, Cristo supria suas necessidades espirituais e
deixava de lado o velho ser humano para amar e respeitar ao novo ser humano renascido
do perdão, assim nós devemos receber os tatuados com o mesmo amor e altruísmo que
Cristo recebia aos pecadores. Se estas pessoas forem alcançadas pela Graça Redentora
de Cristo, elas devem ser integradas à sociedade eclesiástica.
Aprender a ver através das tatuagens um ser humano criado à imagem e
semelhança de Deus como uma obra de arte, enxergar uma alma que vale muito mais do
que o mero legalismo religioso, esta deve ser a meta de vida do cristão.
-
Logo, se esta começando a ver isso nas pessoas ao nosso redor. Por exemplo, um
político quebra sua promessa sem qualquer vergonha, um juiz constrói novos princípios
legais que refletem as modas atuais e um jornalista escreve histórias tendenciosas –
histórias que as pessoas querem ouvir em vez de registrar a verdade e um professor
oferece processos e experiências em vez de conhecimento. Algumas pessoas se opõem
ao aborto e ainda afirmam ser “pró escolha”, algumas pessoas afirmam ser “cristãs” em
seu pensamento e também aceitam a ideia de reencarnação, etc. Este é o efeito do pós-
modernismo. Sem qualquer ordem ou verdade absoluta, as pessoas são livres para
acreditar no que quiserem, quer se encaixe com outras crenças ou não.
É um estado de estar informado, mas desconectado; de poder sem as
dificuldades de enfrentar os outros cara a cara. Da Silva (2008) escreve sobre as
maravilhas tecnológicas que são “feitas por pessoas que tendem a não se conhecer para
pessoas que não conhecem e provavelmente nunca conhecerão”. De fato, para um pós-
modernista, “toda realidade é realidade virtual”. Como a existência não tem sentido e
não estamos ligados à história ou seus valores por nenhuma verdade vinculante,
ninguém pode ter certeza de onde a realidade e a não-realidade começam e terminam.
De Oliveira e Rocha (2018, p. 10) escreveram: “Se alguém não tem base para julgar,
então a realidade desmorona, a fantasia é indistinguível da realidade; não há valor para
o indivíduo humano, e certo e errado não têm significado”.
-
Segundo Otto (2007), o sagrado é aquilo que dá sentido à vida das pessoas. Mas
o que é afinal esse sagrado? Como é esse sagrado que foge de toda e qualquer
racionalidade? De acordo com o autor,
Conceitualmente, mistério designa nada mais que o oculto, ou seja, o não
evidente, não apreendido, não entendido, não cotidiano, nem familiar, sem
designá-lo mais precisamente segundo seu atributo. Mas o sentido
intencionado é algo positivo por excelência. Seu aspecto positivo é
experimentado exclusivamente em sentimentos. E esses sentimentos
podemos explicitá-los em formulações sugestivas [...] O atributo tremendum
é, para começar, uma caracterização positiva do que estamos tratando. O
termo latino tremor em si significa apenas medo ou temor – sentimento
natural bastante conhecido [...] Em algumas línguas existem expressões que
designam exclusiva e preponderantemente esse temor, que é mais que temor.
Por exemplo, hiqdish = santificar, em hebraico. Santificar algo em seu
coração significa distingui-lo por sentimento de receio peculiar, que não deve
ser confundido com outros receios, significa valorizá-lo pela categoria do
luminoso. (OTTO, 2007, p.45).

3.7 Juventude na assembleia de Deus


Na maioria das Assembleias de Deus, aos sábados acontece o grande culto dos
jovens. Os jovens pentecostais têm diversos aspectos de identidade em comum, embora
seja difícil encontrar homogeneidade. Mesmo nas ADs brasileiras, que segundo Alencar
(2013) demonstram um tipo de comportamento mais rígido, seria difícil encontrar um
padrão de comportamento absolutamente homogêneo. Um jovem de 18 anos tem
comportamento diferente de uns 25 anos, assim como dois adolescentes da mesma idade
e sexo, mas residentes em regiões distintas. Um jovem do rico interior de São Paulo,
como da cidade de Bauru, por exemplo, tem acesso a inúmeras culturas, possibilidades
de lazer, escolas e universidades. Dadas essas condições, propõe-se aqui que para o
indivíduo ainda em formação, nesta localização geográfica, seja difícil manter-se num
grupo de comportamento padronizado. É bom lembrar que a comunidade em estudo se
localiza num bairro de periferia, portanto, há aspectos socioeconômicos também
importantes.
O conceito juventude é produto da sociedade mercantilista que dava fim à idade
média (ARIES, 1981)54. Dado o âmbito de expansão industrial do período, havia o
54
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Trad. Dora Flaksman. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1981, 2ª edição, p. 42. Inexistia a idéia da adolescência associada à puberdade. Adolescentes - vivendo uma
fase intermediária - caracterizados pela alegria de viver, espontaneidade e força física são imagens do século XX
interesse de que se trabalhasse cada vez mais cedo. O conceito de juventude como
conhecemos hoje, foi constituído a partir dos anos 1950, com o estabelecimento da
cultura juvenil: “A cultura juvenil tornou-se dominante nas economias de mercado
desenvolvidas,” (HOBSBAWM, 1995, p. 320). Neste período, é tecida uma identidade
própria em torno dessa fase da vida humana, jamais vista na história.
Os jovens de periferia, onde se concentra grande parte população assembleiana,
muitas vezes se encontram em situação de vulnerabilidade social. Há a questão da
violência, associada à dificuldade de acesso a emprego, estudo, saúde. Decidir-se pelo
pentecostalismo durante a juventude pode ser um desafio. A juventude, para o brasileiro
médio, costuma ser permeada pela liberdade sexual, pelo consumo de bebidas
alcoólicas, frequência a festas noturnas, e, em alguns casos, até pelo uso de
entorpecentes. Para os pentecostais, tudo isso pertence ao “mundo”, mas não aos que se
afirmam separados para estar na igreja. A fim de evitar o acesso a tais comportamentos,
as igrejas estabelecem uma rígida rede de controle.
Os jovens da igreja precisam sentir que algumas das atividades são direcionadas
somente a eles, de forma a diferenciar os anos de mocidade dos anos da vida adulta.
Assim, em cada igreja, há um núcleo específico para os jovens. Eles são organizados e
postos sob a liderança de um casal, também jovem, civil e religiosamente em
matrimônio, que é trocado de tempos em tempos conforme a comunidade. São
responsáveis por diversos eventos festivos, e pelo acolhimento de jovens recém-
chegados, bem como por evangelismos noturnos e em escolas. Formam os grupos
musicais e as frentes de evangelismo na comunidade. São bem treinados para o
proselitismo.
Trata-se de um núcleo muito importante, aquele mais arregimentou fiéis dentro
das ADs nos últimos anos. Difundem entre os jovens “do mundo” a ideia de que a
pentecostalidade oferece base social, moral e filosófica sólida, diferente das incertezas e
perigos existentes fora da igreja. Esta oferece aceitação, negação ao preconceito de raça
e de classe social, acolhimento comunitário e respostas prontas para questionamentos
comuns à juventude.
A vida sexual do jovem é muito controlada, até vigiada, não sendo permitida até
o casamento. Os limites são constantemente reafirmados, tanto pelos mais velhos

ainda que viessem sendo construídas desde o século XVIII. O conscrito do século XVIII seria o precursor dessa
imagem: "Os jovens que quiserem partilhar da reputação que este belo corpo adquiriu poderão dirigir-se a M.
D’Albuan ... Eles [os recrutadores] recompensarão aqueles que lhes trouxeram belos homens" (Ariès, 1981, p. 46).
quanto pelos colegas de mocidade. O discurso evangélico no Brasil propaga esses
controles em cada igreja. Há uma campanha na CEAB feita por uma liderança do
“Ministério Eu Escolhi Esperar” (grande grupo interdenominacional e internacional,
cuja finalidade é promover a espera pelo sexo após o casamento heterossexual, e tem
hoje mais de 2 milhões de seguidores no Facebook) em que todos os jovens usam as
pulseiras com os dizeres “eu resolvi esperar”. Essa escolha é vista como um
compromisso com Jesus, de aguardar pelo casamento para que se tenham relações
sexuais.
Embora o namoro entre jovens da igreja seja estimulado, como um
compromisso, é também rigidamente controlado. Com toda essa opressão, ocorre um
fenômeno comum às igrejas pentecostais, o casamento precoce – casam-se assim que
atingem a maioridade, ainda que em condições financeiras precárias.
A sexualidade fluida típica de nosso tempo não é aceita, ao menos no discurso,
entre os jovens Assembleianos, é o que mostra o estudo de Paz Alves:
Há reconhecimento de que o sexo é bom e dá prazer, o que não é
condenável, desde que dentro de um contexto apropriado para sua realização.
Sua concretização prematura traz prejuízos ao/a jovem, que então passa a
viver em prostituição, perdendo, acima de tudo, o elo com a divindade. Neste
sentido, o zelo com o corpo representa acima de tudo, um cuidado especial
com o “templo do espírito”, ao passo que usufruir dos prazeres que a
sexualidade propicia fora das normas prescritas representa a quebra do elo
espiritual d e de toda a comunidade. (PAZ ALVES, 2011, p. 89).

A mesma pesquisa mostra que há exceções e violações das regras rígidas nesse
contexto, porém, o pensamento predominante é a conservação sexual e virgindade antes
do casamento. Após o matrimônio o sexo é permitido, e atualmente, estimulado entre
cônjuges.
Em Geertz (1978), a religião é um sistema de significados que estabelece uma
relação fundamental entre um estilo de vida particular e uma metafísica específica
(visão de mundo). O pentecostalismo atrai muitos jovens, mesmo aqueles com origens
familiares de outras religiões, justamente por oferecer um estilo de vida pautado numa
visão simples, e ao mesmo tempo, rígida de organização do mundo e das relações
sociais.
Em um período onde as instituições públicas, a família, a política, não oferecem
respostas convincentes e estão em crise (BECKER,), os jovens encontram um lugar que
lhe oferece um tratamento diferente das incertezas geradas pela modernidade. Na igreja,
encontram a rara essência comunitária em oposição ao individualismo contemporâneo:
um abraço, compreensão, ouvidos dispostos e atentos de outros jovens, e
principalmente, um agrupamento social coeso, em que há preocupação, aceitabilidade e
amor entre os pares.
Em excelente ensaio, Paz Alves (2011) mostra algo interessante:
Ser jovem no contexto pentecostal da Assembleia de Deus, no caso
que apresentaremos aqui, implica em seguir um caminho que contraria, em
princípio, o que é vivenciado pelos/as demais jovens em sociedade. Tal
afiliação representa, provenha-se ou não de berço evangélico, a escolha por
uma distinção (Bourdieu, 2007), que se atrelada a uma vivência religiosa que
implica em seguir padrões de conduta que remetem a uma separação da
sociedade inclusiva – “do mundo secular” –, particularmente de determinados
elementos “perigosos” desta, vistos como nocivos à vida cristã. Por fim,
exige-se um disciplinamento da mente e do corpo, de modo que em cada
gesto, na forma de vestir e de falar, se demonstre que se trata de alguém
“separado do mundo”. A percepção do “ser diferente” apresenta distintos
acentos, destacando-se a noção de separação “do mundo”, vista como algo
positivo e superior ao que vivenciam os/as demais jovens, com a contínua
afirmação que se é “normal” apesar da diferença. De qualquer forma,
também se vivenciam situações e conflitos comuns aos jovens de hoje, já que
também se comunga, num amplo sentido, de uma realidade similar enquanto
juventude. Ambigüidades e ambivalências são apreendidas nas falas dos/as
interlocutores/as, conforme demonstraremos ao longo do trabalho. (2011,
p.84).
Assim se consolida a identidade jovem nas Assembleias de Deus. Sobretudo, há
um grupo coeso de amizades confiáveis. Claro que em todo contato humano pode haver
falhas, conflitos, mas há um discurso dominante de que o jovem será aceito e amado
incondicionalmente. A aceitabilidade para o jovem assembleiano, conclui-se, figura
como parte importante de sua construção identitária, em que ele observa a possibilidade
de “ganho social”.
O conceito de ganho social foi elaborado a partir dos estudos de Frost e Hoebel
(2006) que apresentaram, de forma subjacente à discussão central de busca de
reconhecimento, uma preocupação com o indivíduo e a perspectiva de agregação de
valor social. Deste modo, neste trabalho, o conceito de ganho social é compreendido
como um conjunto de aspectos que favorecem o reconhecimento e a identidade de um
grupo, em todo seu feitio: como membro, indivíduo, profissional, e como cidadão
política e socialmente determinado. Neste sentido, não é somente a perspectiva do
desenvolvimento do sujeito que conta, mas a sua inserção no grupo social e os impactos
que, por meio dele, o grupo pode auferir.
O ganho social evangélico visa um reconhecimento social da comunidade. Por
exemplo, um cantor, um presbítero ou um pastor tem grande reconhecimento dentro do
grupo, bem como os músicos, obreiros, dentre outros. Quando o fiel sabe que é visto na
comunidade, cria-se a cultura do reconhecimento. Alencar exemplifica:
O ganho social que as Marias e os Raimundos, gente semianalfabeta
ou analfabeta, têm ao falar ou cantar em um culto público e, principalmente,
ao “ar livre” com uma multidão de ouvintes, é incalculável. Este substrato da
sociedade que nunca teve nome, oportunidade, não tem significação nem
posição social, mas ao “ar livre143”, em público, fala, canta, dá testemunho e
prega. Com um livro na mão – livro: sinal de “gente de letra” – na rua da sua
casa, na feira, no mercado, na praça, em qualquer pedaço de calçada, ele tem
voz e vez. Sintomaticamente, como ainda hoje é frisado nas ADs, “os irmãos
e irmãs têm oportunidade”. Faz-se uma leitura bíblica e, depois, em alto e
bom som (não existia aparelho de som eletrônico na época) proclama sua
verdade. “Voz” que adquiriu somente porque virou crente! “Oportunidade”
que tem porque prega! (ALENCAR, 2013, p.85).

Rolim aponta como o crente se sente ao ser reconhecido em sua comunidade


(ROLIM, 1985, p.42):
Estas faixas pobres, com muito escassas possibilidades de melhoria
de vida e com praticamente nenhuma participação nos cultos católicos
oficiais, encontraram nas celebrações deste ramo pentecostal momentos
propiciadores de espontaneidade e liberdade religiosa. No liminar da segunda
década do século, o pobre começa a ter vez, numa presença ativa, em templos
que ele mesmo ajudou construir, e que os considera seus.
De origem pobre - ainda que hoje essa situação tenha se alterado nas capitais e
grandes cidades - as ADs criaram uma cultura de presença ativa, em lugares onde seus
membros sentem-se à vontade. Embora este sentimento esteja historicamente permeado
por controle social e repressão moral, o fato de constituir uma comunidade, cooperar
com ela, seja com dízimo, seja com a tremenda participação típica de uma solidariedade
mecânica, faz com que o assembleiano se sinta integrado à comunidade. Tal fato explica
o motivo pelo qual aceitam as conservadoras regras de vestimenta: porque ao se
identificar como crentes, aceitam as imposições culturais que os façam parecer
conectados ao grupo, ou seja, estabelecem-se laços comunitários e de solidariedade
muito fortes. É comum, por exemplo, que a igreja auxilie os membros em dificuldades
financeiras, mesmo naquelas que não se entregaram totalmente à teologia da
prosperidade.
É preciso lembrar que a comunidade assembleiana formada pela igreja já não
existe no modelo dado por Nisbet (1967), embora muito dela ainda permaneça. Veja-se
a seguinte definição:
Comunidade é uma fusão de sentimentos e pensamentos, de tradição
e compromisso, de adesão e volição. Pode ser encontrado em, ou expressar
simbolicamente, localidade, religião, nação, raça, idade, ocupação ou
cruzada. Seu arquétipo, tanto historicamente e simbolicamente, é a família, e
em quase todo tipo de verdadeira comunidade a nomenclatura da família é
importante. Fundamentais para a força do vínculo da comunidade é a antítese
verdadeira ou imaginada formada no mesmo tecido social, pelas relações
não-comunais de concorrência ou conflito, utilidade ou aceitação contratual.
Estes, por sua relativa impessoalidade e anonimato, destacam os laços
pessoais estreitos da comunidade. (NISBET, 1967, p. 48) Tradução livre do
autor.

As igrejas assembleianas têm, ao menos no discurso, a forma de uma “família


ampliada”. Os fiéis referem-se uns aos outros como “irmãos”, filhos de um só pai. O
pastor é uma importante figura paterna, de autoridade, auxílio e cuidado, e essa imagem
forte é intencionalmente construída. A igreja luta fortemente (e politicamente) pela
manutenção da família patriarcal baseada em sua crença judaico-cristã em que a mulher
deve, numa família, ser submissa ao homem. Para a igreja, a manutenção do modelo
patriarcal protege os laços familiares tradicionais. Assim se formam fortes laços sociais
e de solidariedade, transmitidos desde muito cedo para a juventude assembleiana por
meio do discurso, dos estudos bíblicos para jovens, e da forte carga de proselitismo
promovida pela ideia de aceitação irrestrita.
Mas essa comunidade religiosa tão firmemente fundamentada em laços
tradicionais transita em diferentes esferas sociais. Há a já mencionada cultura midiática
contemporânea, por exemplo, que revela e incita valores e posses opostas aos
ensinamentos da igreja. A estrutura comunitária, então, passa por ruídos que a
desestabiliza. Bauman (2001) lembra que a unidade de uma comunidade está ligada ao
fluxo de informações estabelecido entre insiders e outsiders. Assim, essa antiga unidade
que formava uma estrutura social coesa não se sustentará, quando o equilíbrio
comunicativo entre insiders X outsiders for afetado. A antiga estabilidade interna vai se
liquefazer, tornando-se difícil compreender o que vem de dentro e o que vem de fora da
comunidade. A estrutura começa a se quebrar “quando o equilíbrio entre a comunicação
‘de dentro’ e ‘de fora’, antes inclinado para o interior, começa a mudar, embaçando a
distinção entre ‘nós’ e ‘eles’”. (BAUMAN, 2001, p. 18).
Por isso, um assembleiano jovem que usa marcas corporais demonstra a
aceitação da cultura contemporânea exterior à igreja, como afirma Oliveira:

Nas suas andanças pela cidade, os corpos e sua aparência assumem


importância vital: reconhecimento, singularidade e pertencimento encontram
nos estilos corporais seus principais pontos de referência. A moda e o corpo,
especialmente nas culturas juvenis, apresentam-se como peças-chave nas
construções identitárias. A produção de uma alteridade juvenil passa
inevitavelmente pela opção, pela estética grupal, e pela reinvenção do corpo
como território radical para a reinvenção de si mesmo. (2007, p. 77).
Para Lísias Negrão (2008), a diversidade religiosa na América Latina possibilita
a idealização e popularização de uma religiosidade mais pessoal, algo que chama de
“religião mística”, isto é, um modo de se praticar a religiosidade anti-institucionalizada,
que extravasa as fronteiras das igrejas. O mesmo autor, em outro ensaio, afirma: “é sinal
dos tempos pós-modernos em que se acentua o caráter subjetivo da experiência religiosa
e agrava-se a crise das instituições tradicionais produtoras de sentido” (NEGRÃO,
2009, p. 35). Ele teoriza sobre a midiatização e pós-modernidade no campo religioso,
que gera certo distanciamento dos fiéis que mantém tacitamente as tradições e
sacramentos eclesiais. O processo levaria ainda à elaboração de pactos religiosos
individualizados: pessoais, diferenciados e solitários, produtos do egoísmo típico de
nosso tempo.
Atualmente, aqueles que são excessivamente cobrados ou controlados por uma
religião terminam por deixá-la. Mas, acostumados ao exercício da espiritualidade,
juntam-se à massa dos desigrejados, pessoas que creem em Deus e praticam as regras
bíblicas, mas não frequentam uma igreja por terem experimentado decepções ou
repressões. Podem ainda frequentar uma igreja diferente: a disputa por fiéis permite que
existam para todos os gostos. Sobre isso, diz Negrão: “Além disso, os que retornam o
fazem sem maior fidelidade à ortodoxia, ou mesmo sem nenhuma vinculação ou
compromisso institucional. Criticam aspectos da doutrina da igreja, vista por eles como
autoritária e dogmática” (NEGRÃO, 2008, p. 127).
A religiosidade pentecostal contemporânea, por fim, assim como as demais
relações culturais e sociais, estabelece formas de ação alinhadas com a estrutura liberal
de nosso tempo. Entretanto, para além do discurso individualista do “quero ser eu
mesmo” apregoado pelos jovens, existem formas de egoísmo derivadas do fato de que
ninguém mais quer efetivamente cumprir as regras de sua comunidade. Sua acolhida é
interessante, mas até o limite da satisfação individual. Assim, usar tatuagem numa
instituição que a nega significa não cumprir com a fidelidade do pacto que unia aquele
grupo. Ou seja, a referida liberdade se traduz em ausência de responsabilidade com os
laços comunitários, separando vínculos, dividindo o grupo. Nesse sentido, diz Bauman,
O tipo de incerteza, de obscuros medos e premonições em relação ao futuro que
assombram os homens e mulheres no ambiente fluído e em perpétua transformação em
que as regras do jogo mudam no meio da partida sem qualquer aviso ou padrão legível,
não une os sofredores: “antes os divide e os separa”. (BAUMAN, 2001, p. 48).
A vida racionalizada do tempo presente não comercializa apenas produtos, mas
também ideias, símbolos, e a própria cultura religiosa, fazendo com que haja egoísmos.
Assim, o jovem não se vê com vínculos permanentes, tudo lhe parece possível construir,
separar ou reconstruir. Sua liberdade em relação aos laços sociais encontra expressão no
corpo. Se quer usar marcas corporais, vai usar. Não se importa com o julgamento da
comunidade, e se concentra em sua satisfação pessoal e momentânea. Assim analisa
Lucien Goldmann:
A vida econômica assume o aspecto do egoísmo racional do homo
oeconomicus, da busca exclusiva do máximo de lucros, sem qualquer
preocupação pelos problemas da relação humana com outrem e, sobretudo
sem qualquer consideração pelo todo. Nessa perspectiva os outros homens
tornar-se-ão, para o vendedor e o comprador, objetos semelhantes aos outros
objetos, simples meios que lhes permite a realização de seus interesses e cuja
qualidade humana única e importante será a capacidade para concluírem
contrato e engendrarem as obrigações constrangedoras.
(GOLDMANN, 1967, p.178).
Entre os jovens, percebe-se a utilização de frases de efeito como “Mais
Cristo e menos religião”, “Menos religiosidade e mais Deus” e outras parecidas –
inclusive dentro das igrejas. Assim procuram mais liberdade e menos compromisso com
as instituições. É um discurso que surge para justificar a liberdade de ser jovem. O
jovem Lennon Floretti, em depoimento (2019) confirma tal posição, ao ser indagado do
motivo pelo qual as igrejas proibiam o uso de marcas corporais. Ele é veemente ao
afirmar que o que vale é agradar a Deus, e não à religião:
Pesquisador: Essa é uma questão de religião mesmo né, religião que tem essas.
essas coisas...
Lennon: é, religiosidade.
P: Religiosidade...
L: O homem criou a religiosidade hoje, que estragou na verdade totalmente a
visão, né, o que ta sendo passado na Bíblia, na verdade. Na minha visão. Por isso que
eu, eu tenho esse pensamento. As pessoas elas... vou falar de novo, os crentes , né, eles
tão mais preocupados hoje em agradar os pastores né, em aparecer na igreja, em querer
ser o santo da igreja, né? E na verdade não é essa nossa intenção, nossa intenção é
agradar a Deus, somente a Deus.
Esse discurso libertário, cada vez mais frequente, isenta o fiel de qualquer
obrigação com o grupo e coopera para a busca de uma identidade individual, porém ao
aparecer mais pessoas com marcas, como algo pessoal, ressoa na comunidade. É um
fenômeno já analisado por Pierucci:
Nas sociedades pós-tradicionais decaem as filiações tradicionais. Os
indivíduos tendem, nessas formações sociais, a se desencaixar de seus antigos
laços, por mais confortáveis que antes eles pudessem parecer. Desencadeia-se
um processo de desfiliação, em que as pertenças sociais e culturais dos
indivíduos, inclusive as religiosas, tornam-se opcionais. (PIERUCCI, 2004,
p. 14)
Há de se lembrar de que o jovem contemporâneo tem uma identidade cada vez
mais fluida, complexa, que é expressa na corporalidade, como na escolha das roupas por
exemplo. Nesse trânsito entre a igreja e o “mundo” emerge um jovem híbrido, inserido
em ambientes racionais e emocionais, em que existe a igreja, mas há também a escola, a
praça, a comunidade, o hip-hop, a televisão... Fatores múltiplos que o levam a adquirir
valores diferentes, e às vezes até opostos, aos do grupo religioso.
A tensão entre essas esferas pode fazê-lo rejeitar o aspecto emocional da
comunidade religiosa, e surge alguém dotado de independência, vontade e pujança
particulares. Decide sozinho o que fazer, onde, com quem, e como quer viver, seja em
grupos, pares, bandos, turmas, guetos. Mas não cogita, aparentemente, abandonar o
forte sentimento religioso.

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