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O direito do consumidor e as

relações educacionais
Guérula Mello Viero

Introdução
Inúmeras relações são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), e as de âmbito educacional não
ficam de fora. Seja a prestação do serviço educacional em si, sejam as mensalidades, tudo o que diz respeito às
relações educacionais está protegido pelo CDC. Logo, a relação aluno-instituição de ensino está sob a regência
desse código, bem como a relação entre os profissionais da educação e os pais de estudantes. Você sabe no que
consiste a relação de consumo? Como os serviços educacionais estão inseridos nessa proteção? O que são os
serviços educacionais? A mensalidade é um contrato protegido pelo CDC? Esses e outros questionamentos é o
que você verá neste tema. Bons estudos!
Ao final desta aula, você será capaz de:
• Analisar a relação consumerista no âmbito
escolar.

Serviços educacionais
Os serviços educacionais são considerados como quaisquer outros serviços nas mais diferentes áreas. O Código
de Defesa do Consumidor (CDC) em seu art. 3º, § 2º, estabelece que serviço é “[...]qualquer atividade fornecida
no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes de relações de caráter trabalhista” (BRASIL, 1990).

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Figura 1 - O serviço educacional é regido pelo CDC
Fonte: joyfuldesigns, Shutterstock, 2020.

Para o CDC, os serviços educacionais exercem o predisposto pela legislação para integrarem o rol de serviços.
Contudo, em relação à educação, os serviços possuem algumas peculiaridades. A prestação ocorre por meio do
corpo docente, dos funcionários técnico-administrativos, das estruturas para apoio do discente, pela direção,
funcionários da limpeza etc. Ou seja, consiste em um enorme grupo de profissionais que estão direcionados a
proporcionar uma boa formação acadêmica ao educando.

FIQUE ATENTO
O serviço educacional é prestado por todas as pessoas que integram a instituição de ensino,
sejam os professores do corpo docente, os funcionários da limpeza, a direção, os auxiliares de
secretaria etc., ou seja, uma gama enorme de profissionais para proporcionar experiências
realizadoras aos educandos.

Esse tipo de serviço tem uma duração variada. Alguns alunos podem estudar a vida toda em uma mesma escola,
assim como também podem optar por trocar a cada ano. Já nas instituições de ensino superior, a média é de
quatro anos de duração da prestação de serviços.

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Código de Defesa do Consumidor (CDC)
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é o responsável por reger as relações de consumo, com normas e
princípios que englobam todos os agentes do mercado, sejam fornecedores ou consumidores. Para entendermos
como funciona a atuação do CDC no âmbito escolar, é fundamental conhecermos os elementos que compõem
uma relação de consumo.

Figura 2 - Qualquer relação de consumo é protegida pelo CDC


Fonte: Syda Productions, Shutterstock, 2020.

Dentro dos elementos que integram a relação de consumo, temos: consumidor, fornecedor, produto e serviço.
Vamos conhecer cada um deles.

Consumidor
Como estabelece o art. 2º do CDC, consumidor é “[...] toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final” (BRASIL, 1990), ou seja, é a pessoa que retira o bem do mercado e o utiliza,
que pode ser tanto pessoa física quanto pessoa jurídica.

EXEMPLO
Quando uma fábrica de automóveis adquire peças de um fabricante, ela está atuando como
consumidor nessa relação. No entanto, quando vender o automóvel, ela estará no outro polo da
relação, exercendo o papel de fornecedor. Logo, uma mesma pessoa jurídica pode estar em
dois polos distintos, dependendo da relação de consumo estabelecida.

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É importante destacar que o parágrafo único do artigo citado elenca que a coletividade de pessoas, ainda que
seja indeterminável, também são consideradas consumidores por equiparação (BRASIL, 1990). Esse artigo pode
ser combinado com o art. 17 do mesmo código, que trata sobre as vítimas de acidente de consumo, e com o art.
29, que equipara a consumidores as pessoas que forem expostas às práticas comerciais.

SAIBA MAIS
Para que você possa compreender melhor todos os direitos que o consumidor possui, a
Secretaria Nacional do Consumidor, por meio do Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor, elaborou um “Manual de Direito do Consumidor”. Vale a pena a leitura!

Por exemplo: você se lembra da explosão que ocorreu na praça de alimentação do Osasco Plaza Shopping em
1996? Foram 42 pessoas mortas e 472 feridas. Todas as pessoas que foram de alguma forma prejudicadas pela
explosão foram protegidas pelo CDC, justamente por se classificarem como consumidores por equiparação.

Fornecedor
O CDC traz, em seu art. 3º, o que vem a ser um fornecedor, de forma bem abrangente, tanto no que se refere a
produtos como serviços. Assim, para a legislação, fornecedor pode ser pessoa jurídica ou física, “[...] pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.” (BRASIL, 1990).
Logo, o fornecedor é utilizado como gênero, dessa forma, integram essa classificação diversas ramificações:
montador, construtor, produtor, fabricante, importador e exportador, comerciante e até mesmo o prestador de
serviços. Essa abrangência visa proteger, de forma mais ampla, o consumidor dos abusos cometidos no mercado.
Um fornecedor deve ter como característica a habitualidade com que exerce suas atividades e seus produtos e
serviços devem estar no mercado de consumo, seja com objetivo de lucrar ou não. Mesmo que a maioria tenha
como finalidade ganhar dinheiro, é importante lembrar que entidades filantrópicas também podem oferecer
produtos e serviços, mas nesse caso, não seria com a intenção de obter lucro, mas sim garantir o sustento da
instituição.

Produtos
Há diversos produtos oferecidos no mercado. Podemos pensar em um rol: roupas, comidas, cinema, eletrônicos,
cosméticos, dentre tantos outros. Pela definição do CDC, os objetos de consumo consistem nos produtos e
serviços que forem prestados pelo fornecedor. Conforme o § 1º, do art. 3º: “[...] produto é qualquer bem, móvel
ou imóvel, material ou imaterial.” (BRASIL, 1990).

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Figura 3 - Produtos são itens oferecidos no mercado de consumo
Fonte: Shutterstock, 2019.

Mas o que vem a ser produto de bem móvel, imóvel, material ou imaterial? Os bens móveis são aqueles que
podemos carregar conosco, que são movíveis. Já os bens imóveis englobam terrenos, casas, apartamentos, que
ficam sujeitos ao contrato imobiliário ou de financiamento. Os produtos de bem material são aqueles que
podemos pegar, palpar, como uma televisão, um forno, um computador. Já os imateriais dizem respeito ao que
não é possível tocar, como um software , um investimento etc.
O CDC distingue produtos duráveis de não duráveis. Os duráveis são aqueles que não se acabam após a
utilização, como um secador de cabelos, um ferro de passar etc. Já os não duráveis se encerram com o consumo,
como alimentos, maquiagem etc.

Serviço
O conceito de serviço, conforme o CDC, especifica que deve haver uma remuneração, seja direta ou indireta, para
caracterizar a prestação de serviço. O art. 3º, § 2º do CDC dispõe: “Serviço é qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” (BRASIL, 1990).

FIQUE ATENTO
Quando se fala em remuneração indireta, quer dizer que o fornecedor está sendo beneficiado
de alguma forma. Para ficar claro: um idoso com mais de 65 anos tem direito à gratuidade no
transporte coletivo. Ele não está pagando, mas a coletividade está, logo, há uma remuneração
indireta.

No que se refere ao fornecedor mencionado no artigo, deve-se considerar, além dos produtos, as vantagens

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No que se refere ao fornecedor mencionado no artigo, deve-se considerar, além dos produtos, as vantagens
alheias ao contrato, como brindes, amostras, qualquer benefício dado a esse fornecedor que, possivelmente,
resultará em uma maior adesão e clientes e, consequentemente, remuneração.

Relação de consumo nos serviços educacionais


As relações de consumo são regidas pela Constituição Federal, pelas leis, decretos e resoluções. Todas essas
normas visam garantir segurança para os consumidores, de modo a assegurar que seus direitos sejam
efetivados.

Figura 4 - As normas procuram garantir os direitos das pessoas


Fonte: tlegend, Shutterstock, 2020.

É fundamental que a instituição escolar considere a construção pedagógica necessária ao desenvolvimento do


educando, respeitando aos preceitos dispostos na LDB (Lei nº 9.394/96), que prezam pela liberdade de aprender
e ensinar. Contudo, ao mesmo tempo é essencial validar os direitos inerentes a cada aluno.
Um dos pontos mais divergentes está relacionado às matrículas e mensalidades escolares, os quais são regidos
também pelo CDC. Nesse modelo de contrato de prestação e serviços, temos duas partes atuantes: de um lado a
escola, que prestará o serviço em si; de outro o aluno, que será o consumidor final.
Essa regência do CDC sobre os contratos escolares fica evidente em um parecer elaborado pela Procuradoria da
República, no Recurso Extraordinário nº 641.005/PE, o qual dispõe:

As normas protetivas do CDC desempenham relevante papel social em relação aos contratos de
prestação de serviços educacionais: a uma, por regularem serviço de utilidade pública prestado por
entidades particulares mediante autorização ou delegação do poder público; a duas, por garantirem
equilíbrio numa relação consumerista marcadamente desigual, já que firmada mediante contrato de
adesão, cujo conteúdo é preestabelecido pela instituição de ensino, por vezes impondo sanções
pedagógicas como meio coercitivo de pagamento (BRASIL, 2013).

Inclusive, a respeito das anuidades escolares, também deve-se observar a Lei n. 9.870, de 1999, que rege o

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Inclusive, a respeito das anuidades escolares, também deve-se observar a Lei nº 9.870, de 1999, que rege o
sistema de ensino sobre os valores cobrados pelas instituições. Visto ser assegurado pelo CDC, há de se
considerar que, pelos preceitos dispostos no referido código, toda a relação de consumo deve estar baseada na
transparência, harmonia, informação correta e clara, e na área educacional não pode ser diferente.

Fechamento
Neste tema, você estudou o que são os serviços escolares e quem os disponibiliza. Compreendeu como se dá a
relação de consumo; os atores envolvidos, como consumidor, fornecedor, serviços e produtos; e que cada um
tem papel fundamental nessa relação. Você também aprendeu que no âmbito escolar, assim como em qualquer
outra relação que seja regida pelo CDC, é fundamental prezar pelos preceitos elencados, como transparência,
harmonia das relações, informação adequada, clara e precisa, de modo a garantir que os direitos dos
consumidores e fornecedores sejam respeitados.

Referências
BOAVENTURA, E. Constituição e a educação brasileira. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 32, n.
127, pp. 29-42, jul./set. 1995.

BOLZAN, F. Direito do consumidor esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br


/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 jan. 2020.
Ministério da Justiça. Secretaria Nacional do Consumidor. Manual de direito do consumidor. SILVA, J.
P. (coord.). 4. ed. Brasília: Escola Nacional de Defesa do Consumidor, 2014. Disponível em: https://www.
defesadoconsumidor.gov.br/images/manuais/manual-do-direito-do-consumidor.pdf. Acesso em: 21 jan. 2020.
Ministério Público Federal. Procuradoria Geral da República. Recurso Extraordinário n. 641.005/PE. Relator:
ministro Luiz Fux. Recorrente: Ensino Superior Bureau Jurídico S/A. Recorrido: Associação de Proteção e
Assistência ao Cidadão (Aspac). Data de publicação: 14 abr. 2013. Disponível em: http://portal.stf.jus.br /
processos/downloadPeca.asp?id=2704794&ext=.pdf. Acesso em: 22 jan. 2020.
Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis
/l8078.htm. Acesso em: 21 jan. 2020.
Lei n. 9.394, de 20 de setembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /
l9394.htm. Acesso em: 21 jan. 2020.
Lei n. 9.870, de 23 de novembro de 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /
l9870.htm. Acesso em: 21 jan. 2020.
FERNANDES, A. J. S. A invenção do direito coletivo nas relações de consumo e seu impacto na teoria geral do
direito. In: MARQUES, C. L.; MIRAGEM, B.; OLIVEIRA, A. F. 25 anos do código de defesa do consumidor:
trajetória e perspectivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
HONESKO, R.; RAGAZZI, J. L. Direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2010.

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