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Praça da República dos meus sonhos

A estátua de Álvares de Azevedo é devorada com paciência pela paisagem


de morfina

a praça leva pontes aplicadas no centro de seu corpo e crianças brincando


na tarde de esterco
Praça da República
dos meus sonhos

onde tudo se faz febre e pombas crucificadas


onde beatificados vêm agitar as massas

onde Garcia Lorca espera seu dentista

onde conquistamos a imensa desolação


dos dias mais doces
os meninos tiveram seus testículos espetados pela multidão

lábios coagulam sem estardalhaço

os mictórios tomam um lugar na luz

e os coqueiros se fixam onde o vento


desarruma os cabelos
Delirium Tremens diante do Paraíso bundas glabras sexos de
papel
anjos deitados nos canteiros cobertos de cal água fumegante nas

privadas cérebros sulcados de acenos

os veterinários passam lentos lendo Dom Casmurro


há jovens pederastas embebidos em lilás

e putas com a noite passeando em torno de suas unhas


há uma gota de chuva na cabeleira abandonada

enquanto o sangue faz naufragar as corolas

Oh minhas visões lembranças de Rimbaud praça da República dos meus


Sonhos última sabedoria debruçada numa porta santa

O século XXI me dará razão


(se tudo não explodir antes)

Baudelaire sangrou na ponte negra do Sena.


molécula procurando a brecha do

universo & suas trezentas flores

assim é a lucidez,

o swing das Fleurs


du Mal.
completa tortura roendo a

realidade

&

l’immense gouffre.

todas as paixões / convulsões no


espelho. Baudelaire & ses fatigues

rumo à pálida estrela.

O século XXI me dará


razão, por abandonar na linguagem & na ação a
civilização cristã oriental & ocidental com sua tecnologia de extermínio
& ferro velho, seus computadores de controle, sua moral, seus poetas
babosos, seu câncer que-ninguém-descobre-a-causa, seus foguetes
nucleares caralhudos, sua explosão demográfica, seus legumes
envenenados, seu sindicato policial do crime, seus ministros gangsters,
seus gangsters ministros, seus partidos de esquerda-fascistas, suas
mulheres navi-escola, suas fardas vitoriosas, seus cassetes eletrônicos,
sua gripe espanhola, sua ordem unida, sua epidemia suicida, seus
literatos sedentários, seus leões-de-chácara da cultura, seus pró-Cuba,
seus anti-Cuba, seus capachos do PC, seus bidês da direita, seus cérebros
de água-choca, suas mumunhas sempiternas, suas xícaras de chá, seus
manuais de estéticas, sua aldeia global, seu rebanho-que-saca, suas
gaiolas, seu jardinzinhos com vidro fumê, seus sonhos paralíticos de
televisão, suas cocotas, seus rios cheio de sardinha, suas preces, suas
panquecas recheadas com desgosto, suas últimas esperanças, suas tripas,
seu luar de agosto, seus chatos, suas cidades embalsamadas, sua tristeza,
seus cretinos sorridentes, sua lepra, sua jaula, sua estrictina, seus mares
de lama, seus mananciais de desespero.

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