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FRENTE AMPLA

João Donato, um amoroso gênio!


Não se negava às boas causas e com a humildade dos grandes se fazia presente e as
valorizava enormemente. Agradecemos por isto!
POR   JANDIRA FEGHALI   |   26.07.2023 20H00

O cantor e compositor João Donato. Foto: Reprodução / Redes sociais

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O Brasil é um país prodigioso. 
Muitos e diversos talentos. O mais
incrível é que ao olhar, ou melhor,
ouvir de perto cada um desses
talentos, podemos encontrar um
universo inteiro, com muito a nos
ensinar. É o caso de João Donato, o
genial pianista acreano que nos
deixou, precocemente, no último dia
17, aos 88 anos.

Digo precocemente porque, apesar


da idade formalmente avançada,
Donato ainda era um menino.
Possuía uma capacidade única de
transmitir sentimentos a partir das
teclas de seu piano, de uma pureza
e transparência que só as crianças,
com suas antenas livres de
preconceitos, conseguem alcançar.
“A Rã”, “Bananeira”, “Lugar
Comum”, “Amazonas”, “A Paz”,
“Emoriô” – cada clássico que este
compositor, arranjador, produtor e
instrumentista incrível compôs traz
mensagens profundamente
alcançáveis, numa simplicidade
genial.

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Já era assim aos 8 anos, quando


compôs sua primeira música, uma
valsa chamada “Nini”, para uma
amiga pela qual se apaixonara.
Nunca quis se afastar deste
compositor-menino, que enxergava
o mundo com aqueles “olhinhos
vivos que parecem de um bicho
pequeno”, como definiu certa vez a
amiga Nara Leão. O mundo se
tornou seu quintal.

Seu e-mail

Quando cantava “Danço bolero,


danço samba, danço cha-cha-cha”
em “Nasci Para Bailar”, Nara dava a
senha de entrada para o universo de
João Donato. Sua música é um
amálgama sincopado e único do
samba brasileiro, do jazz americano
e de ritmos afro-cubanos – uma
coisa única, brasileiríssima e
sempre à frente de seu tempo. 
Pois, no início dos anos 1950, essa
“extravagância” ainda era pouco
vista. Os mais antenados, que já
anteviam o que Donato estava
construindo em seu piano nas
boates de Copacabana, trataram de
colar com ele (e ele com eles): João
Gilberto virou seu parceiro de alma
e Tom Jobim produziu seu primeiro
disco, “Chá Dançante”, ainda em
1956 – com músicas formatadas por
aquela turma nas madrugadas de
Copacabana.

Donato já exercia ali as


características tanto pessoais como
musicais que manteria por toda a
vida: a generosidade, o olhar atento
ao novo e ao diferente, a
capacidade de incluir e agregar
sempre. Foi a partir destas
características que o artista moldou,
diversificou e enriqueceu sua
música. Ao ouvi-la, podemos
imaginar uma sociedade igualmente
generosa, aberta, diversa, inclusiva
e agregadora. Estes são valores
que, por si só, bastariam para
resolver boa parte dos problemas do
mundo. E que marcaram – e
marcam até hoje – o melhor da
nossa produção cultural e artística.

Mas as coisas não acontecem do


nada, e sim como resultado de
nossas movimentações pessoais e
coletivas. Donato sempre soube
disso. Tanto que, quando a bossa
finalmente estourou, o gênio voou
para longe. Em 1959, foi para os
Estados Unidos, mas nunca andou
só. Acabou “adotado” por mestres
do jazz afrocubano, como Mongo
Santamaría e Tito Puente, que
contribuíram para encher de balanço
caribenho o seu piano.

Também conheceu e tocou, ao


longo dos anos 1960, com vários
craques do jazz americano (Stan
Kenton, Gerry Mulligan, Chet Baker,
Stan Getz, a lista é grande). Quando
voltou ao Brasil, no início dos anos
1970, todo o primeiro time, da então
já configurada MPB, fez fila para
compor, gravar e tocar com ele.
Tudo isso sem abrir mão de sua
simplicidade genial de menino.

Não se negava às boas causas e


com a humildade dos grandes se
fazia presente e as valorizava
enormemente. Agradecemos por
isto!

O que Donato sempre fez de melhor


foi amalgamar gente em torno de
sua atividade favorita, que era fazer
música. Por meio de suas misturas
musicais, sintéticas, econômicas e
irresistivelmente suingadas, ele
juntou, por toda a vida, todo tipo de
artista, dos mais velhos, como
Dorival Caymmi, aos
contemporâneos (Gal, Chico,
Martinho, Gil, Caetano, Macalé) e
aos bem mais novos, como Marcelo
D2 e Céu. E essa é outra chave
definitiva do seu universo, muito
bem resumida em seu último disco,
“Serotonina”, do ano passado: “Eu
gosto mais de sim / Do que de não”. 
Com sua amada companheira,
Ivone Belém, e com os filhos  amou,
itinerou, fez felicidade acontecer de
forma cotidiana. João Donato
abraçou o mundo. E o mundo o
abraçou de volta.

Muito obrigada por nos ensinar


tanto, João Donato.
Este texto não representa, necessariamente,
a opinião de CartaCapital.

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