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Lula tem diante de si um conjunto de heranças malditas legadas pelo governo anterior nas
mais diversas áreas. Na educação básica, se destacam o Novo Ensino Médio (NEM) e o
Programa de Escolas Cívico-Militares (PECIM). Os dois projetos explicitam propostas de dois
grupos, empresários e militares, para a educação pública, e têm em comum a busca pelo
controle social das camadas mais pauperizadas da sociedade, usando para isso da ética
empreendedora do neoliberalismo e do adestramento comportamental baseado na hierarquia e
disciplina.
O primeiro colégio do Sistema de Colégios Militares do Brasil (SCMB) foi criado em 1889
por dois motivos: prestar assistência aos dependes de militares mortos/machucados na Guerra
do Paraguai e a necessidade de despertar vocações, ampliando o interesse pelo recrutamento.
Nenhum dos argumentos se sustenta mais há décadas. Escolas militarizadas em parceria com a
polícia existem desde 1957. Segundo Santos (2020), existiam até 2019, 91 unidades escolares
de educação básica militarizadas em funcionamento em todo o país. Dessas 91, 15 são federais
(as do SCMB). Das 58 estaduais, 54 unidades pertencem ao organograma de uma das Polícias
Militares e quatro ao Corpo de Bombeiros Militar; e dezoito são privadas, pertencentes a
associações de militares. Mais de 70% estão no interior e nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul.
Nove (ou 15%) dessas escolas foram criadas durante os quinze anos que precederam o golpe
de 1964, dez (16,67%) durante os 21 anos do regime ditatorial e 41 (68,33%) entre 1985 e
2019 (últimos 34 anos, período de governos civis eleitos). Em arranjos mais precários do
ponto de vista normativo, Santos (2020) contabilizou, até 2019, 240 escolas públicas
militarizadas no Brasil, em sua maior parte estaduais e vinculadas às PMs.
Cerimônia de Entrega da Boina aos alunos do 6º do Ensino Fundamental no Colégio Militar de
São Paulo (Crédito: Alan Santos/PR)
A cultura escolar é de fato compartilhada entre as diferentes escolas militarizadas, mas, quanto
às demais questões, existem grandes distinções, em especial quanto aos recursos humanos e
materiais, que tornam as escolas do SCMB superiores às escolas vinculadas às polícias/corpos
de bombeiros estaduais; e estas são superiores às escolas cívico-militares oriundas do PECIM.
Em resumo, quanto mais próximo das FFAA está o público dessas escolas, maior é o volume
de verbas recebido. Especificamente quanto às escolas vinculadas ao PECIM, segundo o MEC,
cada escola receberia R$1 milhão por ano, a ser empregado majoritariamente no pagamento
dos salários de militares contratados para as escolas, que mantêm seus vencimentos como
militares acrescidos pelo adicional do PECIM. Não há aumento no investimento por aluno e,
dessa maneira, vai-se construindo um modelo militarizado perifericamente para as escolas da
periferia, onde o bônus da militarização para a comunidade (aumento orçamentário para
recursos humanos e materiais) não existe.
O investimento por aluno no SCMB é quase três vezes maior que o restante do ensino público,
militarizado ou não. Essa diferença pode ser percebida também no quadro docente, que conta
com professores com salários superiores a R$ 10 mil e programas de ascensão na carreira civil
e militar. No caso das demais escolas militarizadas, embora recebendo menos que os militares
trabalhando na mesma escola, os profissionais civis têm rendimento (recebido na forma de
gratificação) e condições de trabalho melhores que os docentes civis do restante da rede
pública. Ademais, há relatos dos docentes sobre o ambiente de constante vigilância e baixa
participação deles na gestão escolar; entretanto, defendem a que a organização e a disciplina
por parte dos estudantes é fundamental para o processo de aprendizagem (Reses, Paulo, 2019,
p.712).
A maioria dos modelos de escolas militarizadas tem duas fontes de recursos: o Ministério da
Educação/Secretaria Estadual de Educação e Ministério da Defesa/Secretarias Estaduais de
Segurança Pública. Em diversos casos, existe a cobrança de mensalidades ou taxas de
manutenção por meio de Associações de Pais, Alunos e Mestres, que financia parte das
despesas. Dessa maneira, as escolas têm características público-privadas, pois são financiadas
pelos programas governamentais por meio de recursos da educação e das corporações
militares, usam instalações prediais públicas, empregam servidores advindos das duas pastas,
mas contam com as taxas (que recebem diversos nomes) pagas pelos pais. Na prática, recursos
universais da educação pagam a maioria dos gastos com as escolas militarizadas, que cobram
taxas e reservam vagas para dependentes de militares. Além disso, embora os ônus fiquem sob
a responsabilidade das secretarias de educação, o poder, vinculado aos cargos de coordenação,
subordinam-se às secretarias de segurança.
Por fim, atenuar a violência na periferia tem sido apontado como uma motivação para a
militarização das escolas, que traria segurança para os discentes, docentes e família.
Entretanto, “é preciso considerar que a polícia que é chamada para impedir a violência na
escola é a mesma que não consegue entregar resultados à sociedade em relação às políticas
públicas de segurança para as quais ela efetivamente foi criada e existe” (Mendonça, 2019,
p.607). A violência não é criada dentro da escola, mas se reflete nela.
Os eventos de violência contra as escolas no Brasil começaram na primeira década dos anos
2000 e, até dezembro de 2022, somavam 16 ataques com 35 vítimas fatais, dos quais 4 no
segundo semestre de 2022. Em 28 de março de 2023 a professora Elisabete Tenreiro aumentou
esses tristes números, morta a facadas por um adolescente de 13 anos. A inserção de artefatos
na escola como catracas ou seguranças armados não impactou nas ameaças de atentados, pelo
contrário, tornou-os mais gravosos. O número de armas nas mãos da população civil hoje
supera em 7,5 o total de armas vinculadas às forças estatais de segurança pública. Por outro
lado, em 2021, a cada 60 minutos uma criança ou adolescente morria no Brasil em decorrência
de ferimentos por arma de fogo (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2022). No caso dos
ataques contra escolas, metade das armas vieram das casas dos atiradores (armas pertencentes
a policiais ou a membros de Clubes de Atiradores Colecionadores e Caçadores, os conhecidos
CACs), segundo o Instituto Sou da Paz.
Bibliografia
A maioria dos trabalhos acadêmicos citados compõem o dossiê sobre a militarização das
escolas públicas brasileiras, organizado por Catarina de Almeida Santos, Miriam Fábia Alves,
Marcelo Mocarzel e Sabrina Moehlecke; e publicado pela Revista Brasileira de Política e
Administração da Educação, v.35, set./dez. 2019.
SANTOS Eduardo Junio Ferreira. “Militarização das escolas públicas no Brasil: expansão,
significados e tendências”. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal de Goiás, Faculdade
de Educação (FE), Programa de Pós-Graduação em Educação, Goiânia, 442f, 2020.
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