Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
1 APRESENTAÇÃO
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
mestra, não estamos dizendo, como aponta Santos (2022, p. 39), “que as escolas
brasileiras tenham historicamente funcionado de forma adequada, incluindo
democraticamente todos os sujeitos do processo”, ao contrário, elas têm sido, por
diversos caminhos e estratégias, utilizadas para frear processos civilizatórios.
Temos plena consciência do papel que as instituições escolares muitas vezes
desenvolvem na manutenção da ordem, sobretudo por sofrerem muitas
interferências de projetos e políticas educativas estranhos à sua comunidade e
pensados por atores que pouco ou nada entendem de educação como ferramenta
de construção de uma sociedade democrática e tampouco querem que a
democracia seja um valor humano universal.
A questão a ser debatida é que a cultura militar se pauta na interdição do
debate, na supressão da diversidade e no combate à existência das diferenças, na
subjugação dos mais vulneráveis, na padronização dos corpos e comportamento
e, consequentemente, na negação do sujeito. Nesse sentido, as análises aqui feitas
não ignoram as questões e tensões presentes na escola, mas partem “da
compreensão que a chave da transformação ou da superação desta realidade está
nas lutas travadas na sociedade e na relação que esta estabelece com a escola”
(SANTOS, 2022, p. 39), o que é impedido ou bastante dificultado pela cultura
militar, seja ela implementada com a militarização estritamente compreendida
pelos militares ou, como aponta o Projeto de Nação, por meio da imposição das
normas de “disciplina, respeito, higiene, civismo e práticas pedagógicas sem que,
necessariamente, os estabelecimentos de ensino sejam transformados nesse
modelo escolar” (PROJETO DE NAÇÃO, 2022, p. 74).
Motivadas por essas questões, nosso artigo pretende discutir os processos
de militarização da escola pública, ampliando as análises para o que estamos
chamando de encarceramento destas instituições e, consequentemente, dos
processos educativos, do conhecimento e seus sujeitos. Partimos do pressuposto
de que há um projeto de longa duração em curso, que objetiva a conservação da
92
e econômica e que, portanto, visa impedir ou frear avanços que possam colocar
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
no ano 2000, 174.980 pessoas estavam nas prisões do país. Em 2011, esse
Página
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
número já alcançava quase meio milhão (471.254) e não para de crescer, como
pode ser visto na Tabela 1.
questões sociais de frente. Segundo elas, vem aumentando nos últimos anos o
Página
da sua cor/raça e apontam que, se em 2019, 87,1% dos presos tinham sua
raça/cor informada, em 2021 esse dado cai para 77,5%. Essas informações são
essenciais para o desenho de políticas públicas capazes de resolver ou minorar os
problemas relativos à população carcerária e, sobretudo, prevenir novas prisões.
Angela Davis, ao analisar o sistema prisional americano, o segundo maior
do mundo, com 1.675.400 pessoas, de acordo com os dados da World Prision
Brief, aponta que o aprisionamento e o aumento da punição são resultantes do
aumento da vigilância, fato que se reproduz no Brasil. Segundo Davis (2020, p.
39):
Além da pele alvo, o olhar do Estado brasileiro também tem idade alvo, como
demonstra o Gráfico 1. Isso nos leva a questionar se o projeto de
embranquecimento da população brasileira e dizimação do povo preto,
amplamente utilizado após a abolição da escravatura, algum dia deixou de existir.
Gráfico 1: Distribuição da população prisional de acordo com a faixa etária (Brasil – 2021) 97
Página
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
minorizadas, que costumeiramente são os maiores alvos dos grupos de ódio, como
Página
pessoas negras, mulheres e LGBTQI+. O Anuário (FBSP, 2022) aponta que entre
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Outro crescimento assustador é dos clubes de tiro no país, que cresceu 41%
em nove meses (julho de 2021 a março de 2022). De acordo com dados divulgados
pelo Correio Braziliense, o número saltou de 1.458 clubes para 2.071 (LESSA,
2022), contando inclusive com a presença de crianças nesses espaços, muitas
vezes praticando com seus (in)responsáveis.
Nesse cenário, também observamos um processo crescente de “escolas
paramilitares” que dizem ter como objetivo treinar as crianças e adolescentes para
ingressarem na carreira militar. E cabe perguntar por onde andam os órgãos de
99
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Básica apontam que o país registrou, em 2022, 2.315.616 docentes nesse nível de
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Dois anos mais tarde (2022), os militares, que estavam à frente da gestão
do país, lançaram o Projeto de Nação, que tem tido pouca visibilidade nos estudos,
mas em nossa compreensão traz elementos fundamentais para nos ajudar nessa
reflexão, inclusive o que pode ter levado à escolha da nomenclatura cívico-militar.
O documento foi lançado em fevereiro de 2022 e foi elaborado pelos militares dos
institutos General Villas Boas, Sagres e Federalistas e projeta a análise como se
estivéssemos em 2035 e o país sob o comando dos grupos militares ou seus
apoiadores. O documento aborda temas diversos, como: geopolítica mundial;
governança nacional; desenvolvimento nacional; ciência, tecnologia e educação;
saúde, segurança e defesa nacional.
No que diz respeito à educação, tema deste artigo, apresenta um projeto que
se preocupa com a educação básica, sobretudo o ensino fundamental e médio.
Endossa a narrativa de que as escolas se constituem como espaço de
ideologização. Um dos trechos do documento afirma que
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
devem executar nas escolas, o que os estudantes podem aprender e o que nossas
universidades têm que ofertar no processo de formação, melhor dizendo, de
formatação ou de-formação dos professores.
Como esperado, o documento ressalta a importância de divulgar as
vantagens e disseminar o modelo das escolas cívico-militares, no “tocante às
normas de disciplina, respeito, higiene, civismo e práticas pedagógicas sem que,
necessariamente, os estabelecimentos de ensino sejam transformados nesse
modelo escolar” (PROJETO DE NAÇÃO, 2022, p. 74). Assim, a proposta dos
militares para expandir a sua base de influência na sociedade se fundamenta em
ampliar a concepção das escolas cívico-militares, sem necessariamente ter a
polícia ou os militares na escola, uma vez que esse modelo tem uma limitação
prática, pois não teríamos militares para todas as escolas.
E é justamente aqui que temos uma das maiores contribuições do projeto
para enriquecer o nosso debate: não precisamos mandar a polícia para a escola,
mas podemos trabalhar para que cada vez mais a lógica militarizada se imponha
e a escola seja uma instituição encarcerada, pautada no modelo de disciplina, de
respeito (entendendo respeito como obediência irrestrita às regras criadas
verticalmente) e na lógica da higienização. Acompanhando as experiências de
militarização que estão em curso no Brasil, podemos dizer que higienização e
exclusão já constituem práticas nas escolas militarizadas (ALVES; FERREIRA,
2020). Ou seja, trabalhamos para encarcerar as escolas sem os profissionais do
cárcere.
Um outro aspecto importante, destacado em vários trechos do Projeto, diz
respeito à importância de se constituir uma sociedade conservadora:
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
O trecho revela como vai sendo criado um conjunto de elementos para falar
da importância da polícia e dos militares, apresentados como verdadeiros
guardiões da moral, dos bons costumes, da retidão no trato com a coisa pública,
como se corrupção não fizesse parte da lógica militar. Aqui não poderíamos deixar
de aludir ao vínculo militar do ex-presidente da República e do ministro da Saúde,
que fizeram uma gestão genocida durante a pandemia da covid-19 e decretaram
sigilo de 100 anos sobre as suas contas, as suas práticas e tudo que fizeram.
Mas o documento, ao discutir o Tema 10: Corrupção no Brasil, é enfático
em afirmar que o combate à corrupção no Brasil se deve em boa parte como
resultado do aperfeiçoamento do modelo público e privado, bem como na ênfase
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
jovens são ameaças às instituições que a eles deveriam pertencer? Nas quais eles
deveriam se desenvolver? Esses são alguns dos elementos para pensarmos por
Página
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
que a lógica da militarização está indo além das próprias escolas militarizadas.
Levar os profissionais da segurança para dentro das instituições é a declaração
mais contundente que as nossas crianças, adolescentes e jovens se constituem
em ameaça às instituições educativas.
Mas temos outros mecanismos que endossam a lógica de que os
profissionais da educação são uma ameaça para a escola e consequentemente
para a nossa sociedade. Não basta só encarcerar nas unidades prisionais, estamos
indo além e transformando as instituições que deveriam ser educativas em
unidades prisionais de alguma forma, em unidades de encarceramento.
O pesquisador Sultan Barakat diz que “hoje em dia, guerras são travadas
não em trincheiras e campos de batalhas, mas em salas de estar, escolas e
supermercados” (GRAHAM, 2016, p. 10). Essa afirmativa nos ajuda a refletir como
essa lógica de militarização está pautada na construção do medo, da insegurança
e justifica o fato de que a polícia e as forças de segurança atuem para a
preservação de um grupo pequeno e ao mesmo tempo representem uma ameaça
para a maioria da população.
A construção da narrativa do medo e da insegurança tem sido utilizada para
a militarização da vida social, das nossas escolas e para a guerra travada no
Brasil, em nome do combate ao tráfico de drogas. Mas, objetivamente, é a
população preta e pobre do país que tem sofrido os efeitos perversos dessa lógica,
pagando o pedágio com as suas vidas.
A afirmação de Teixeira – de que a “escola é uma comunidade com seus
membros, seus interesses, seu governo. Se esse governo não for um modelo de
governo democrático está claro que a escola não formará para a democracia”
(TEIXEIRA, 2006, p. 258) – contribui para retomar o papel da escola na construção
de uma sociedade democrática. Não qualquer escola, mas a escola pública na
perspectiva anisiana e freiriana, uma escola governada por educadores
109
REFERÊNCIAS
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma Pedagogia da pergunta. 11. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2021.
LAGRECA, A.; BARROS, B.; SENNES, I. As 820 mil vidas sob a tutela do Estado.
In: FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de
Segurança Pública. 2022. São Paulo. Anais [...]. São Paulo: FBSP, 2022.
Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=5. Acesso em: fev. 2023.
MARTINS, J.; LAGRECA, A.; BUENO, S. Feminicídios caem, mas outras formas
de violência contra meninas e mulheres crescem em 2021. In: FÓRUM
BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança
Pública. 2022. São Paulo. Anais [...]. São Paulo: FBSP, 2022. Disponível em:
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-
2022.pdf?v=5. Acesso em: fev. 2023.
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698
Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
112
Página
Revista Educere Et Educare, Vol. 18, N. 47, Dossiê AnpedSul 2023. Ahead of Print.
DOI: 10.48075/educare.v18i47.30698