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POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Políticas
Você já pensou sobre a sua importância, como cidadão, no desenvolvimento e
aprimoramento da comunidade da qual faz parte, bem como sobre o seu papel na
construção de um mundo melhor? Está consciente dos conceitos, dos fundamentos,
das diretrizes e das legislações que normatizam o convívio em grupo, bem como das
políticas públicas que conduzem os atores sociais, as instituições e o governo para
o desenvolvimento de uma sociedade com mais conhecimento, desenvolvimento
socioeconômico e cultural e justiça?

Educacionais
Esses são questionamentos muito importantes para a elaboração de uma crítica
construtiva e necessária, que pode direcionar as instituições a uma revisão de seus
conceitos e paradigmas e a novas propostas que realmente contribuam para a oferta

MIGUEL DE JESUS CASTRIANI


de projetos e planos educacionais capazes de preparar as pessoas para uma era
de conhecimento, na qual se deve imperar o espírito de solidariedade, igualdade,
fraternidade, universalidade, democracia, responsabilidade, ética e constante senso
de justiça. Miguel de Jesus Castriani
Assim, sabendo que preparar as pessoas para essa era é responsabilidade primordial
da educação, este livro convida o leitor para o estudo das políticas públicas
educacionais implementadas e desenvolvidas no Brasil, desde o ano de 1500 até a
contemporaneidade, com ênfase na análise das legislações, dos fundamentos e dos
paradigmas educacionais, dos projetos pedagógicos e das perspectivas sobre os
impasses e impactos que marcaram a história educacional do Brasil.

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6642-1

59427 9 788538 766421


Políticas Educacionais

Miguel de Jesus Castriani

IESDE BRASIL
2020
© 2020 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: donatas1205/goir/Evgeny Karandaev/Shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C349p

Castriani, Miguel de Jesus


Políticas educacionais / Miguel de Jesus Castriani. - 1. ed. - Curitiba
[PR] : IESDE, 2020.
144 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6642-1

1. Educação e Estado. 2. Políticas públicas - Brasil. 3. Planejamento


educacional - Brasil. I. Título.
CDD: 379.81
20-63815
CDU: 37.014.5(81)

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Miguel de Jesus Mestre em Educação e especialista em Pesquisa
Educacional pela Pontifícia Universidade Católica do
Castriani Paraná (PUCPR). Especialista em Direito Processual Civil
e Recursos pela Faculdade Educacional da Lapa (Fael).
Graduado em Direito pela Faculdade Dom Bosco e em
Filosofia pela PUCPR. Atuou como apresentador de
programas de entrevistas em estúdio, como docente
no ensino superior e como coordenador e gerente de
cursos de graduação e de pós-graduação. É autor de livros
didáticos para a educação básica e superior e responsável
por projetos de responsabilidade social. Como advogado,
atua na Área Cível, com escritório próprio.
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SUMÁRIO
1 Estado e políticas públicas 9
1.1 Princípios e organização do Estado 9
1.2 Sistema republicano de governo e democracia 17
1.3 Políticas públicas e educação 19

2 Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 27


2.1 A gratuidade da educação e o ensino leigo 28
2.2 A educação sob um plano nacional 34
2.3 A educação vinculada a valores cívicos e econômicos 38
2.4 O direito fundamental e universal à educação 41

3 Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 50


3.1 A educação na Colônia e a Reforma Pombalina 51
3.2 Brasil Império e a Lei n. 01/1837 55
3.3 O Decreto Educacional n. 981/1890 61
3.4 O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 65
3.5 A LDB n. 4.024/1961 69
3.6 A LDB n. 5.692/1971 74

4 Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 80


4.1 A LDB n. 9.394/1996 81
4.2 O PNE 2014-2024: Lei n. 13.005/2014 86
4.3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais 93
4.4 Políticas educacionais vigentes 101
4.5 Legislação da educação superior 108

5 Gestão da educação: limites e perspectivas 116


5.1 A construção do projeto político-pedagógico 117
5.2 Políticas de financiamento da educação 123
5.3 Avaliação Institucional 128
5.4 Perspectivas, impasses e impactos 135
APRESENTAÇÃO
Você já pensou sobre a sua importância, como cidadão, no desenvolvimento
e aprimoramento da comunidade da qual faz parte, bem como sobre o seu
papel na construção de um mundo melhor? Está consciente dos conceitos,
dos fundamentos, das diretrizes e das legislações que normatizam o convívio
em grupo, bem como das políticas públicas que conduzem os atores sociais,
as instituições e o governo para o desenvolvimento de uma sociedade com
mais conhecimento, desenvolvimento socioeconômico e cultural e justiça?
Esses são questionamentos muito importantes para a elaboração de uma
crítica construtiva e necessária, que pode direcionar as instituições a uma
revisão de seus conceitos e paradigmas e a novas propostas que realmente
contribuam para a oferta de projetos e planos educacionais capazes
de preparar as pessoas para uma era de conhecimento, na qual se deve
imperar o espírito de solidariedade, igualdade, fraternidade, universalidade,
democracia, responsabilidade, ética e constante senso de justiça.
Assim, sabendo que preparar as pessoas para essa era é responsabilidade
primordial da educação, convidamos você para o estudo que esta obra
propõe, realizando um avançado contato com as políticas públicas
educacionais implementadas e desenvolvidas no Brasil, desde o ano de
1500 até a contemporaneidade, com ênfase na análise das legislações, dos
dos projetos pedagógicos, das perspectivas, dos impasses e dos impactos
que marcaram a história educacional do Brasil.
No primeiro capítulo, desenvolvemos um estudo e uma reflexão sobre a
diversidade étnico-cultural que constitui o povo brasileiro, num paralelo com os
conceitos epistemológicos e políticos do Estado, os princípios constitucionais
que sustentam e normatizam o país, além das políticas públicas existentes e
suas funções na formação de um povo.
Já o segundo capítulo promove uma reflexão sobre o direito à educação,
presente nas Constituições que o Brasil teve e na que ainda está em vigor, com
destaque aos dispositivos legais que indicam a educação como um direito
fundamental na garantia da dignidade da pessoa humana, especificamente
para aqueles que prescrevem, para o povo brasileiro, a educação gratuita,
laica, universal e defensora de valores cívicos e econômicos.
Em seguida, no terceiro capítulo, por meio de um estudo e uma reflexão
sobre a cultura educacional já desenvolvida e a vigente, a obra tramita pelos
fundamentos políticos, econômicos e culturais que constituíram as principais
legislações sobre educação, implantadas no Brasil até a década de 1990,
visando compreender as estruturas conceituais, as funcionalidades, os
impasses e os resultados dessas no cotidiano da sociedade.
No quarto capítulo, dando continuidade aos estudos das legislações
relacionadas à educação no Brasil, o foco passa a ser a partir da década
de 1990. Isso porque, após esse momento histórico, o país já tinha uma
Constituição democrática e cidadã. Além disso, as legislações educacionais
já teriam que abranger os fundamentos de uma educação de qualidade,
universal e igualitária, que visasse à promoção da dignidade da pessoa
humana e que fosse construída, democraticamente, pelos diversos atores da
sociedade civil organizada e os governos.
Por fim, no quinto capítulo, nosso estudo volta-se para as questões
práticas do mundo escolar, especificamente para todo o processo de
construção das propostas educacionais no estabelecimento de ensino, o
projeto político-pedagógico (PPP) e a sua relação com a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) e com o Plano Nacional de Educação (PNE); também é dado
enfoque às políticas de financiamento da educação, à avaliação institucional e
aos impasses e impactos que os processos educacionais têm experimentado.
Bons estudos!
1
Estado e políticas públicas
Compreendermos que toda comunidade é formada por uma
diversidade cultural e étnica e, ainda, que é nessa comunidade que
o Estado deve exercer a sua função se faz muito importante para
iniciar nossos estudos sobre políticas públicas e, em especial, so-
bre as políticas educacionais. O Estado existe para a comunidade
e, a fim de exercer o seu trabalho, deve atuar sob os princípios
previstos na Constituição. Portanto, o Estado é uma instituição que
deve estar à serviço do seu povo.
Nessa direção, esta reflexão tramitará pelos princípios do
Estado brasileiro, pelo seu surgimento e pelos elementos que
compõem o Estado – em especial o republicano. Por último, abor-
daremos quais são os atores que participam da construção das
políticas públicas, considerando a representatividade como um
elemento essencial da democracia, em uma sociedade que tem
como objetivo maior a promoção da dignidade humana de todos
os seus membros, sem qualquer distinção.

1.1 Princípios e organização do Estado


Vídeo Para iniciarmos esta reflexão, é importante entendermos que o
tema políticas educacionais está completamente ligado às políticas pú-
blicas, as quais são o principal motivo da existência do Estado. Assim,
surgem as primeiras questões que este livro pretende elucidar: quando
surgiu o Estado, quais seriam as suas funções e como ele tem atuado
nos últimos tempos?

Primeiramente, é importante compreendermos que a palavra Esta-


do deriva, etimologicamente, do termo latino status, que significa so-
berano, forte, sedimentado. Sendo o Estado soberano, ele se constitui
como a instituição pública que existe para organizar, normatizar, aplicar

Estado e políticas públicas 9


e fiscalizar um conjunto de ações, planos, normas e regras existentes,
ou que precisam existir, na comunidade, visando ao bem público, isto
é, o bem para toda a população – inclusive para você –, que se encontra
constituída em um determinado território, buscando a cidadania e uma
vida digna. Entretanto, é importante entender que esse mesmo Estado
também pode e deve utilizar-se de um aparato policial para buscar o
equilíbrio social e o respeito às diferenças, às diversidades e às adver-
sidades, que são próprias de toda coletividade, principalmente quando
os interesses individuais se sobrepõem aos coletivos, minando a cida-
dania e o respeito às leis.
Saiba mais A partir disso, temos outro questionamento importante. Quem sur-
Cidadania vem do termo giu primeiro? O Estado ou as leis? Em sistemas democráticos, é a comu-
latino civitas e significa cidade; nidade, por meio de seus representantes locais (vereadores), regionais
portanto, cidadão seria aquele
que vive na cidade. No entanto, (deputados estaduais) e nacionais (deputados federais e senadores),
na atualidade, entende-se que faz a legislação; além disso, são essas leis que direcionam a exis-
o cidadão como aquele que
tência e o funcionamento do Estado. De modo geral, a Constituição, o
tem e vivencia o conjunto de
direitos e deveres existentes no Código Civil, o Código Penal, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei
espaço territorial em que vive, de Diretrizes e Bases da Educação, o Código Tributário, o Código de
podendo, conscientemente e
Trânsito, entre outros, devem ser produtos da comunidade, propostos
com discernimento, intervir
nesse meio, transformando-o a democraticamente e não de maneira impositiva pelo Estado. No entan-
qualquer momento. to, em alguns Estados, a produção de legislações ocorre de cima para
baixo, isto é, a comunidade somente recebe o conjunto de normas e
regras que precisa cumprir, sem ter participado de suas elaborações,
o que, numa visão moderna, deveria ser considerada uma aberração.

As maneiras como os Estados executam esses processos de elabo-


ração das leis e das políticas públicas se diferem. Em monarquias ab-
solutas, por exemplo, esse processo é imposto e as comunidades não
participam dele; já nas monarquias parlamentaristas, o parlamento é
quem faz as legislações, assim como nas repúblicas presidencialistas
ou parlamentaristas.

Naturalmente, no modelo republicano – que é a forma de governo


adotada no Brasil –, a construção da legislação e, por consequência,
das políticas de Estado é realizada pelos seus próprios cidadãos ou por
seus representantes eleitos. Portanto, o Estado, no aspecto das legis-
lações, está para colocá-las em prática, conforme o desejo de quem
as construiu. Porém, desde já se faz importante saber que o Estado se
encontra, também, nas dinâmicas de outros poderes, como no Poder

10 Políticas Educacionais
Executivo, nas prefeituras (prefeito e secretários), nos estados (gover-
nador e secretários) e na União (presidente e ministros), bem como
no Poder Judiciário, por meio de juízes, desembargadores, e ministros.
Sendo assim, o Estado é necessário para promover e regular a vida das
pessoas que vivem em coletividade.

Entretanto, ainda ficam os questionamentos: você, como cidadão, Atividade 1


tem visto o Estado dessa forma? Tem sido o Estado a instituição que, Atentamente, reflita sobre a
atuação do município onde você
de fato, promove e regula a vida da coletividade? Especificamente aí, na
domicilia e descreva sobre, pelo
sua localidade, considerando os acontecimentos envolvendo corrup- menos, três planos governamen-
ção e desrespeito a uma série de legislações, como nas questões de tais na área da Educação que
têm contribuído para uma vida
segurança nas escolas, da alimentação e do transporte escolar?
cidadã na comunidade.
Com essas primeiras reflexões, já podemos compreender o Estado
como aquele ente público que, por meio de uma série de instituições
presentes no mundo dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
– nas esferas municipais, estaduais e a federal –, age como promotor,
administrador e regulador dos interesses das coletividades que habi-
tam um determinado território, com base em políticas públicas. Porém,
não só internamente, pois é, também, o ente público que promove as
relações existentes entre suas coletividades internas e as coletividades
existentes nos demais Estados e nações.

Veja, o interessante é percebermos que a comunidade, por falta de


atenção ou de instrução, muitas vezes não sabe o quanto é importan-
te se fazer presente na constituição das funções do Estado. Por isso,
quando, em um círculo vicioso, a comunidade não se faz presente, as
políticas públicas instituídas pelo Estado não atingem as comunidades
e elas facilmente continuam sem as devidas participações nas defini-
ções das políticas públicas. Além disso, precisamos chamar a atenção
para essa ausência, que também acaba ocorrendo na definição das po-
líticas públicas educacionais – o que é muito sério. Para refletir
Você concorda que, se as
Para Aristóteles (1997), o Estado é superior ao indivíduo, porquan-
políticas públicas para a área da
to a coletividade é superior ao indivíduo e o bem comum superior educação forem programadas
ao bem particular. Unicamente, no Estado, pode-se satisfazer as ne- conforme interesses exclusivos
do governo, sem a participação
cessidades do homem, uma vez que o homem é um animal social e
da comunidade, pode-se gerar
político, não podendo realizar a sua perfeição. Sob as luzes da afirma- uma sociedade desinformada
ção de Aristóteles e dos conceitos desenvolvidos até este momento, e desqualificada para o mundo
da cidadania, da ciência e do
podemos ainda afirmar que o governo deva agir de acordo com os conhecimento? Por quê?
interesses da comunidade?

Estado e políticas públicas 11


Livro Até aqui, questões sobre cidadania já se fizeram presentes, tanto
O livro Aristóteles e a em seu aspecto conceitual quanto em sua prática; governo, Estado,
política traz uma reflexão comunidade participativa e poderes também passaram pelas nossas
muito especial sobre o
pensamento do filósofo primeiras reflexões. No entanto, faz-se necessário, agora, para desen-
Aristóteles, que se refere volvermos uma percepção e um conhecimento mais amplo, que com-
às questões da política.
preendamos como tudo isso aconteceu e nasceu, ou seja, as devidas
WOLFF, F. São Paulo: Discurso
Editorial, 1999. origens do Estado, dos governos e da vida em cidadania.

Para entendermos a origem de coisas, ideias, pessoas etc., há estu-


diosos que fazem análises de acordo com a atual situação ou realidade
desses objetos de estudo. Entretanto, desenvolver uma compreensão
só dessa forma pode incorrer em afirmações que não se traduzem em
conceitos completamente confiáveis.

Para facilitar a sua compreensão dos princípios do Estado, da estru-


tura conceitual e prática de Estado e das suas teorias, primeiramente
vamos entender o que significa o termo princípio. Etimologicamente,
significa início, causa primeira, proposições fundamentais. Princípio faz
parte da estrutura conceitual de qualquer um dos entes materiais (coi-
sas) ou imateriais (ideias). Isso porque todas as coisas e ideias têm uma
causa e/ou origem, que podem explicar a sua existência. Assim, o Esta-
do não seria diferente, pois também tem os seus princípios, enquanto
proposições fundamentais para a sua existência.

Tem sido comum, nos meios acadêmicos, que a realidade seja vista
sob as lentes da razão e da ciência; entretanto, deve ser igualmente
importante que também seja percebida sob os pressupostos da moral
e da ética, para, assim, ser compreendida em sua totalidade. Para esse
fim, um olhar voltado a todos os elementos, que compõem alguma coi-
sa ou ideia, precisa ser iniciado na origem primeira, nos princípios que
levaram à constituição dessa coisa ou ideia. No âmbito conceitual de
Estado, essa reflexão também precisa ser feita. Por isso, a primeira per-
gunta a se buscar resposta deveria ser: quais seriam os princípios que
sustentam a existência de um Estado?

Em uma primeira reflexão é importante procurarmos entender que


princípios são raízes e matizes que levam à existência do Estado. Mas,
conforme já discutimos, não existe Estado sem leis. Portanto, melhor
seria dizer, então, que princípios são as raízes que levam à construção
das leis, especificamente em relação às normas e regras que as consti-
tuem. Assim, podemos concluir que as normas e regras, que compõem
as leis, seriam os primeiros princípios de um Estado.

12 Políticas Educacionais
Em um segundo momento, na busca pela compreensão da exis-
tência dos princípios do Estado, precisamos entender que normas e
regras são feitas para pessoas que vivem em coletividade. Portanto,
não se pode pensar na existência de Estado sem compreender a im-
portância da existência da coletividade.
O Estado, entendido como ordenamento político de uma
comunidade, nasce da dissolução da comunidade primitiva
fundada sobre os laços de parentesco e da formação de co-
munidades mais amplas derivadas da união de vários grupos
familiares por razões de sobrevivência interna e externas.
(BOBBIO, 1987, p. 73)

É fato que comunidade também é um termo abstrato, consideran-


do que envolve uma somatória de indivíduos coabitando em uma
determinada localidade. Por isso, nesse caso, as raízes já compreen-
didas vêm das próprias pessoas que, com experiências históricas na
formação de suas consciências, vão definindo suas estruturas mais
firmes e os interesses que irão formar o seu comportamento em gru-
pos nas comunidades em que vivem. Em Platão (2007), registra-se um
diálogo entre Sócrates e Glauco em que podemos perceber que a lei
não visa o bem-estar absoluto de uma só classe de cidadãos, mas de
uma lei que procura promover a concórdia entre todas as classes,
seja por meio da persuasão ou coação, de modo que a todas é dado
o direito de repartir a contribuição que cada um está em condição de
trazer para a coletividade.

Naturalmente, cada sujeito, por meio de suas experiências históri-


cas, constrói a própria consciência, com os seus princípios e valores,
normas e regras. No entanto, como é de costume na vida em grupo,
essas consciências individuais são chamadas a alguns ajustes, de modo
que uma consciência individual não esteja sobreposta à consciência do
outro que habita a mesma comunidade, nascendo, assim, a regra, a
norma, a lei e os costumes para uma determinada comunidade.

Desse modo, os princípios pessoais se ajustam e formam os sociais


e comunitários. Consequentemente, princípios sociais se constituem
em princípios regadores, que sustentam as estruturas do Estado nas
suas mais diversas dimensões. Por isso, podemos afirmar, em um pri-
meiro momento, que alguns dos princípios que estruturam as dinâmi-
cas do Estado são:

Estado e políticas públicas 13


a. legal (normas e regras sociais);
b. cultural (produções literárias, artísticas, arquitetônicas, cinemato-
gráficas, pinturas, esculturas, danças etc.);
c. educacional (ensino, pesquisa e extensão, tanto nas escolas e
universidades quanto no mundo das informalidades);
d. econômico (produções industriais, agropecuárias, turísticas, co-
merciais, financeiras etc.);
e. social (relações entre os grupos e comunidades locais, regionais e
nacionais e outras nações);
f. científico (mundo das ciências, dos conhecimentos etc.).

No caso específico do Brasil, é preciso salientar que a Constituição


Federal, em seu artigo 1º (BRASIL, 1988), apresenta os princípios que
definem o Estado, a saber.

Princípio da soberania: traduz a ideia


de que o Estado tem poder soberano sobre os demais
entes e perante a comunidade internacional.

Princípio da cidadania: remete à noção de que


todos os indivíduos podem participar das decisões do Estado.

Princípios que
Princípio da dignidade da pessoa humana: compreende e
definem o Estado garante os direitos fundamentais a todos os cidadãos.

Princípio do valor social do trabalho: diz respeito à


ideia de que todos os cidadãos precisam viver seus direitos
enquanto trabalhadores.

Princípio da pluralidade política: demonstra a perspectiva


de que se deve ter a garantia da existência de variadas
ideologias e políticas.

Como podemos observar, o Estado pode muito; entretanto, mesmo


que soberano, só pode fazer o que a lei permite. Por isso, é importan-
te ficar claro que o Estado atua sob os princípios delineados, sempre

14 Políticas Educacionais
visando a uma administração pública de maneira justa e solidária, sem
preconceito de raça, gênero, origem, situação financeira, idade etc.

Nessa direção, para que a questão da soberania ocorra de modo Glossário


solidário e não seja discricionariedade do governante, a própria
discricionariedade: estar livre
Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seu artigo 37, delimita alguns de condições, sem qualquer
princípios para a Administração Pública, definindo que todo gover- limitação para poder agir.
nante precisa respeitá-la, patrociná-la e promovê-la, sob a consequên-
cia de, em caso contrário, incorrer em irresponsabilidade e ser punido Para refletir
legalmente. Esses princípios, definidos a seguir, garantem que o gover-
Sendo o Brasil uma comunidade
no aja para todos, sem qualquer distinção ou interesses pessoais. formada por grande diversidade
étnica (portugueses, africanos,
a. Princípio da legalidade: impõe que as ações e decisões dos
alemães, italianos, árabes,
agentes públicos só devem ser tomadas de acordo com o que a russos, latino-americanos, indí-
lei permite. genas, entre outros), como ser
soberano e, ao mesmo tempo,
b. Princípio da impessoalidade: determina que os atos dos agentes solidário? Reflita sobre isso pelas
públicos não podem ser guiados por interesses próprios. lentes da razão e da ética.
c. Princípio da moralidade: estabelece que as ações dos agentes
públicos devem ter como base os valores legais, éticos e de boa-fé.
d. Princípio da publicidade: determina que os atos dos agentes
públicos sejam públicos e divulgados.
e. Princípio da eficiência: impõe que os agentes públicos devam
produzir resultados com qualidade e rapidez, eficiência e
efetividade.

Podemos afirmar, portanto, que o Estado é a instituição que pro-


grama, organiza, administra e julga os interesses de uma determinada
população em um certo território, conforme o estabelecido pelas leis.
Atividade 2
Por isso, o governante – seja local, regional ou nacional – precisa ter
Considerando os atuais
competências, ser conhecido pela sua comunidade e sempre atuar sob resultados das políticas públicas
os princípios da Constituição e da Administração Pública, considerando programadas no seu município
a função que tem e que precisa exercer na comunidade. e estado, em relação à saúde
e à segurança (quantidade e
Outra questão, nessa mesma linha conceitual, é procurarmos sa- qualidade de postos de saúde
e hospitais e a presença das
ber se o governo existente em uma determinada coletividade tem le-
polícias municipal e militar),
gitimidade. Mas o que seria essa tal legitimidade? Para Weber (2004), seria possível afirmar que são
considerado um dos fundadores da sociologia, a legitimidade de um políticas realizadas por governos
competentes?
governo ocorre de acordo com três modelos, descritos a seguir.
a. Tradicional: em que se acredita que o governo deva ser como
fora no passado – provavelmente, porque as experiências do
passado foram boas e eficientes;

Estado e políticas públicas 15


b. Carismático: em que se acredita nas qualidades pessoais do
governante, como a virtuosidade e atos heroicos – que, muitas
vezes, não se traduzem em governo democrático;
c. Racional ou legal: em que se acredita que os atos do governo
estariam de acordo com as leis.

No aspecto da legitimidade, é fato que há a necessidade de o gover-


no ficar próximo de sua comunidade, uma vez que precisa saber o que
a população deseja para, então, poder atingir o bem público almejado
por todas as pessoas, de modo que essa sociedade se veja como uma
nação soberana.

Estamos, agora, ingressando em uma reflexão que inclui alguns ter-


mos que, apesar de serem bastante utilizados por todos, muitas vezes
não são compreendidos em sua totalidade. Você sabe o que significa
governo, soberania, território, população e nação? Mesmo que a
resposta a essa pergunta seja sim, vale a pena, neste momento, uma
revisão conceitual.

Governo: é a Nação/povo: População: Território: é Soberania: é o


autoridade que define quando representa todos o lugar – solo, poder indivisível,
tem como objetivo a população que habitam subsolo, águas inalienável e
administrar de um mesmo o território, territoriais, ilhas, imprescritível
e levar ao território possui, mesmo que rios, lagos, portos que o Estado tem
desenvolvimento em comum, temporariamente e mar – onde, sob de se organizar
uma determinada a legislação e ou que não um ordenamento juridicamente e
populaçã, seja ela cultura. tenham qualquer jurídico, está de fazer valer,
local, regional ou vínculo com o fixada a população em seu território,
nacional. Estado. sobre a qual o seus interesses
governo exerce nos limites e nos
seus atos. fins éticos de
convivência entre
todos.

Para continuarmos nossos estudos sobre princípios do Estado, é


importante compreendermos que o Estado é um ente que governa de
maneira soberana (elemento político-jurídico) uma população (elemen-
to humano) que habita um determinado território (elemento geográfi-
co), visando a cidadania e a construção de uma verdadeira nação.

Mas de que modo isso pode ser feito? Veja que, no caso do Brasil, a
Constituição Federal expressa, em seu artigo 3º (BRASIL, 1988), objetivos
fundamentais que precisam ser coordenados pelo governo, por meio de
suas instituições, para que exista uma verdadeira nação. São eles:

16 Políticas Educacionais
“I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”, aqui, o Estado deve
propiciar o bem-estar, a harmonia social e a qualidade de vida, garantir Para refletir
todos os meios necessários para que a comunidade viva a plena demo-
Observando a realidade na
cracia; “II – garantir o desenvolvimento nacional”, nesse caso, o governo sua comunidade, pode-se
precisa prover o bem-estar social, desenvolvendo uma série de políticas afirmar que o Estado brasileiro
tem cumprido com os seus
públicas para todas as regiões do país e tratando os iguais de maneira objetivos inscritos no artigo
igual e os desiguais de maneira especial para que atinjam o devido equi- 3º da Constituição? O governo
líbrio e cheguem à igualdade como os demais; “III – erradicar a pobreza e realmente tem sido soberano
na comunidade local e na
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, como internacional, considerando os
nos demais objetivos, aqui se buscam condições mais apropriadas à pro- últimos acontecimentos? Existe
uma nação brasileira, levando
moção da dignidade e do respeito à pessoa humana, visando à igualda-
em conta certos fatos que envol-
de de todos, tanto local quanto regional; e, por fim, “IV – promover o bem vem conflitos culturais entre as
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer regiões? E, quanto ao território,
o Brasil realmente se encontra
outras formas de discriminação”, ou seja, nesse aspecto, o governo pre-
bem definido, considerando
cisa reconhecer as possíveis condições referentes à igualdade, evitando a extensão fronteiriça que se
a discriminação e promovendo a harmonia entre as comunidades que encontra sem os adequados
controles de segurança?
compõem a sociedade e a população brasileira.

1.2 Sistema republicano de


Vídeo governo e democracia
República vem dos termos latinos res + pública, que, juntos, significam
coisa pública ou o que é comum. Por isso, república é entendida como
bem público.

Com as crescentes demandas da sociedade, hou-


ve a necessidade de um Estado liberal, democrá-
tico e social forte, que garantisse os direitos civis
de proteção à vida, à propriedade e à liberdade e
que assegurasse, a cada indivíduo, um tratamento
com respeito, independentemente de classe so-
cial, etnia, cor, gênero, raça, religião ou cultura,
em um sistema participativo quanto à definição
de políticas, instituições e do exercício da res-
ponsabilidade. Desse modo, refere-se a um
sistema comprometido
Kon
s
com o interesse público, tant
inos
Kok
kinis
com a capacidade efetiva /Sh
utte
rsto
ck
de reformar instituições e

Estado e políticas públicas 17


fazer cumprir a lei; um sistema dotado de legitimidade, sendo eficaz e
eficiente no seu desempenho; um sistema que garanta a estabilidade
e a soberania do Estado. Para Skinner (1990), a manutenção de nossas
obrigações na comunidade é indispensável para a manutenção da li-
berdade de todos que nela vivem. Entretanto, podemos ser coagidos a
virtudes e compelidos a sustentar uma liberdade que, se fosse deixada
unicamente a nosso cargo, teríamos destruído.

Todavia, é importante destacarmos que Estados republicanos se


diferenciam de um país para outro. Eles são democráticos, mas há
exemplos de países republicanos cujas ideias liberais vivenciaram, e/
ou vivenciam, conflitos endêmicos em suas dinâmicas de governo, o
que pode ser explicado pela falta de patriotismo.
O patriotismo se baseia em uma identificação com os outros em
um empreendimento particular comum. Eu não me dedico a de-
fender a liberdade de qualquer um, mas sinto o vínculo de soli-
dariedade com meus compatriotas em nosso empreendimento
comum, a expressão comum de nossa dignidade respectiva.
(TAYLOR, 1995, p. 1.888)

No Estado republicano, o bem comum está acima dos interesses


pessoais de classes e das corporações, ampliando-se no tempo; já a
liderança e/ou o governo é temporário.

O fato é que esse sistema já existe desde a idade Média e tem mais
de 2 mil anos. Entretanto, ainda carece de aperfeiçoamento para evitar
a corrupção e o desvirtuamento das ações. Segundo Mill (2006, p. 188),
o ideal seria que os servidores do Estado fossem
responsáveis pela violação de quaisquer regras, e a autoridade
administrativa central apenas supervisionaria a sua execução; e,
caso não fossem adequadamente postas em prática, apelaria ao
tribunal específico para que este fizesse cumprir a lei de forma
que se livrasse dos funcionários que não as tivessem executado
2
de acordo.
Movimento intelectual
que celebrava a razão, com Na Idade Moderna, a República se configurou nos governos pós-
independência dos poderes e -Independência dos Estados Unidos (1776) e pós-Revolução Francesa
uma fiel garantia de liberdades 2
individuais. (1789). Com influências do Iluminismo , surge uma república com as
premissas de que os governados são cidadãos e verdadeiros titulares
da soberania e de que o governo é o encarregado pela organização do

18 Políticas Educacionais
Estado e proteção do interesse público. Portanto, nesse modelo, o go-
verno deve exercer suas funções sob os fundamentos da impessoalida-
de, da prudência e da publicidade de seus atos, fazendo prevalecer o
bem público.
Atividade 3
Veja que, com base nessas premissas, podemos pensar que o me-
Acredita-se, no meio acadêmico,
lhor sistema é o republicano. No entanto, quando observamos a monar- que república e monarquia par-
quia parlamentar, há pressupostos que vêm ao encontro da república, lamentar, bem como república
como a representatividade da comunidade, a escolha do governo por parlamentar e monarquia parla-
mentar, assemelham-se numa
meio do voto direto na república presidencialista, e por meio do voto série de aspectos. Em quais
indireto na monarquia parlamentar, e a coexistência dos poderes Exe- aspectos ocorrem convergências
entre esses sistemas e formas de
cutivo, Legislativo e Judiciário, que atuam de maneira interdependente.
governo?
Por isso, é fato que nos dois sistemas há o bônus do bem público.

1.3 Políticas públicas e educação


Vídeo Sabemos que o Estado deve estar para a implementação, promo-
ção, normatização e avaliação de projetos e ações, que levem à sua
comunidade o bem público, sempre respeitando as diversidades de
raça, cor, religião, gênero e cultura dos indivíduos que a compõem.
No entanto, o Estado também está para a aplicação da ordem quando
houver qualquer forma de degeneração no cumprimento das normas
públicas pelos cidadãos, inclusive com o uso de forças policiais, caso
necessário. Isso não poderia ser diferente, considerando que o ser hu-
mano é um animal político. Segundo Aristóteles (1991, p. 3),
viver em sociedade é condição essencial para a manutenção da
vida de qualquer indivíduo. Dessa forma, estar fora de um cír-
culo social significa estar fora da condição humana, isto é, ser
algo diferente do homem, mais precisamente – uma besta ou um
deus. Sendo o homem diferente de uma besta ou de um deus,
necessita inequivocamente da política, exercer a cidadania, par-
ticipar das decisões da comunidade, a fim de que possa atingir
maior plenitude na sua vida.

Nessa direção, para que a comunidade não esteja submetida apenas


aos seus instintos de animais e tenha, também, um espírito baseado
nos fundamentos da racionalidade, o Estado deve proporcionar uma
educação que promova os elementos, procedimentos e processos que

Estado e políticas públicas 19


levem a pensamentos e ações coletivas, os quais tenham como objeti-
Para refletir
vo o bem público, com a participação dos diversos atores sociais que,
O que seriam essas tais políticas
juntos, constroem as políticas públicas, em especial as educacionais.
públicas? Você já pensou nesse
assunto? Já viveu as conse- De modo geral, políticas públicas são um conjunto de ações, metas,
quências das políticas públicas
planos e decisões, promovidas e aplicadas pelo Estado conforme as de-
programadas pelo governo do
seu estado ou da União? mandas e expectativas da sociedade civil organizada, visando alcançar
o bem-estar e o interesse público em todos os setores que abarcam a
vida dos indivíduos, tais como:
a. educação, ciência e tecnologia;
b. saúde e atendimento;
c. segurança e liberdade;
d. transporte e sistemas viários;
e. habitação e recursos hídricos;
f. lazer e esportes;
g. meio ambiente e qualidade de vida;
h. assistência social.

Mas, atenção, segundo Limongi (apud DAHL, 1997), nas sociedades


que se apresentam como plurais, nenhum grupo social deveria ter
acesso exclusivo a qualquer recurso e nem poderia garantir sua pre-
ponderância sobre os demais porque, se isso ocorresse, o resultado
seria a neutralização recíproca dos grupos.

O fato é que, mesmo tendo como objetivo o bem público, as diver-


sas áreas sofrem oposição uma das outras – um processo que pode
levar a resultados talvez não esperados e desejados pela comunidade.
Entretanto, é preciso compreender que, em um sistema plural, se acei-
tam, se toleram, se reconhecem e se promovem diversas formas de
se lidar com as diferentes posições, ideias e projetos, por serem algo
próprio da democracia.

É importante destacar, ainda, que, como são diversas as demandas,


cabe ao governo fazer as devidas seleções conforme a prioridade da
comunidade, a urgência, as condições orçamentárias e a expectativa de
resultados. Quando as coisas ocorrem dessa forma, consideramos que
o governo é de interesse público; porém, quando o governo atende de-
mandas desnecessárias para a maioria da comunidade, consideramos
que é um governo de classe.

20 Políticas Educacionais
Nas dinâmicas das políticas públicas, fazem-se presentes variados
atores que, se ausentes em determinados processos, são capazes de
prejudicar o planejamento e os resultados, os quais podem, ainda, não
alcançar sua aplicabilidade, caso sua legalidade seja questionada nos
específicos tribunais da justiça. Assim, nos processos de elaboração de
política públicas, devem-se fazer presentes alguns atores que tenham
relação direta com a localidade e a área.
a. Atores privados, que não possuem vínculo direto com a estrutura
administrativa do Estado, entre eles:

•• associações da sociedade civil organizada;


•• associação de moradores;
•• sindicatos dos trabalhadores e patronais;
•• entidades de representação empresarial;
•• centros de pesquisas e universidades;
•• imprensa;
•• organizações não governamentais.
b. Atores estatais, oriundos dos governos municipais, estaduais e o
federal, entre eles:

•• servidores públicos;
•• empregados públicos que, nos termos da Lei n. 9.962/2000,
são os ocupantes de emprego público na administração
direta, autarquias e fundações e os na administração pública
indireta, nas empresas públicas, nas sociedades de economia
mista e nas fundações públicas de direito privado – ambos
contratados sob o regime da CLT;
•• comissionados.
c. Atores políticos, que estão presentes no Estado e divididos pelos
poderes Executivo e Legislativo:

•• prefeito, secretários e vereadores;


•• governador, secretários e deputados estaduais;
•• presidente, ministros, deputados federais e senadores.
Para uma melhor compreensão sobre o tema, é importante que sai-
bamos que agente público é “todo aquele que exerce, ainda que transi-
toriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, man-

Estado e políticas públicas 21


dato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo
anterior” (BRASIL, 1992).

Outra questão que exige compreensão, quando estudamos políti-


cas públicas, é a das possíveis fases e/ou ciclos no processo de formu-
lação dos planos e ações de governo, tais como:
a. a formação da agenda em que ocorre a seleção das prioridades,
momento no qual, além dos atores específicos, também devem
fazer parte o corpo técnico da Administração Pública, porque são
eles que têm o conhecimento das ferramentas, das finanças, dos
recursos humanos etc.;
Filme
b. a formulação de políticas para encaminhamentos e as devidas
soluções dos projetos e planos escolhidos, conforme a agenda,
por meio de decretos, resoluções e leis;
c. a padronização de operações, visando à acomodação dos pontos
de conflitos, que abranjam as diferentes formas de atuação dos
atores envolvidos;
d. a execução dos planos, com controle e monitoramento das
medidas definidas – a racionalidade, o carisma, a capacidade de

O filme A árvore dos


mobilização e o espírito de unidade dos atores envolvidos – que,
tamancos desenvolve nesse momento, são ainda mais relevantes;
uma importante reflexão
sobre a situação de vida e. a avaliação nas diversas fases, visando permitir que o gestor
simples e humilde de busque ações para produzir melhores resultados;
um grupo com quatro
famílias camponesas, que f. a prestação de contas, da justificativa das ações, de responder se o
são remuneradas por processo e os procedimentos adotados foram eficientes e efetivos e
produtividade. Uma das
famílias, ao perceber que de anotar se existe alguma possibilidade de que sejam reutilizadas
o filho tem potencial, o tais informações e processos em futuras políticas públicas.
envia para uma escola,
apesar de todas as É importante destacar que, no sentido político, política pública é
dificuldades existentes.
O longa é ganhador de tudo o que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de
muitos prêmios – dentre suas ações e omissões no processo de decisão; enquanto no sentido
eles, o Palma de Ouro de
Cannes – e traz uma rele- administrativo, trata-se de um conjunto de projetos, programas e ativi-
vante visão sobre a vida dades realizadas pelo governo (AZEVEDO, 2003).
em comunidade, na qual
a ausência de políticas A política pública pode ser uma política de Estado, sendo indepen-
públicas deixa todos em
uma situação de extrema dente da vontade do governo e devendo ser implementada porque é
vulnerabilidade. amparada na Constituição – ou em uma política de governo. Daí a ne-
Direção: Ermmano Olmi. Itália; cessidade de a comunidade conhecer a Constituição, pois é nela que
França: Gaumont, 1978.
constam quais são as políticas de Estado.

22 Políticas Educacionais
1.3.1 Políticas educacionais: primeiras reflexões
Política pública educacional é tudo aquilo que um governo faz ou
deixa de fazer na área da educação.
A avaliação de políticas, programas e projetos sociais e educacio-
nais foi incorporada, de fato, à agenda governamental brasileira no
início dos anos de 1990. Dentre os fatores que contribuíram para
isso destacam-se: a consolidação democrática, o ajuste econômico
e consequente redução dos recursos para a área social, as maio-
res exigências impostas pelos órgãos financiadores, especialmente
internacionais, em relação ao controle de gastos e resultados etc.
Uma dinâmica de racionalização, que incluiu a observância dos cri-
térios de eficácia, efetividade e eficiência na utilização dos recursos
financeiros, e uma preocupação crescente com passaram a envol-
ver a gestão pública brasileira. (RUS PEREZ, 2010, p. 2)

Naturalmente, as pessoas são instruídas na família, na vizinhança, na


igreja, no ambiente de trabalho, no clube, pela mídia, redes sociais etc.
Mas há ambientes específicos em que ocorre a educação para as ciências,
cultura e trabalho, com natureza formal, como a escola, a universidade e
os centros de pesquisas, articulados por estudantes, professores e pes-
quisadores, sob ações de governos municipais, estaduais ou o federal.

As políticas públicas educacionais, portanto, abarcam diversos


momentos dos cidadãos em seus processos e ambientes de ensino e
aprendizagem, com ações governamentais que programem políticas
de projetos pedagógicos, planos de ensino, estrutura física escolar,
contratação de docentes e valorização profissional, bem como uma
gestão escolar comprometida com os interesses da educação.

Por isso, faz-se necessário destacar que as políticas públicas para


a educação devem ser políticas de Estado, porque se encontram na
Constituição Federal de 1988; portanto, não dependem do querer ou
não fazer deste ou daquele governo.

Ao estudarmos os artigos 208 e 214 da Constituição Federal (BRASIL,


1988), podemos concluir que a educação é política pública por excelên-
cia, pois faz prevalecer pressupostos que navegam por outras políticas,
uma vez que:
a. é obrigatória e universal;
b. deve ter qualidade, ser efetiva e preparar para a cidadania, para
a cultura e para o mundo do trabalho;

Estado e políticas públicas 23


c. precisa ser especializada às pessoas com deficiência (PcD);
d. deve tramitar por meio de ações integradas dos poderes;
e. deve disponibilizar programas de material didático, transporte,
alimentação e assistência à saúde.
Art. 8º, §2º: Os processos de elaboração e adequação dos planos
de educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
de que trata o caput deste artigo, serão realizados com ampla
participação de representantes da comunidade educacional e da
sociedade civil. (BRASIL, 2014)

Nessa direção, visando tornar os pressupostos da Constituição apli-


cáveis, já se encontra definido na Lei n. 13.005/2014 que os atores edu-
cacionais precisam construir o plano com fundamentos sociológicos,
antropológicos, filosóficos, epistemológicos e jurídicos; caso contrário,
o plano educacional estaria incompleto e teria sua eficácia prejudicada.

Assim, na direção do que prescr3eve a lei, precisamos compreender


que a escola é para todos, que os processos educacionais precisam ser
de qualidade, que é necessário eliminar o deficit de aprendizagem, que é
preciso combater a evasão escolar, que a escola precisa ser um ambien-
te acolhedor e de excelência e que, por fim, a escola deve estar intima-
mente ligada às questões da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As comunidades vivem sob normas e regras, inscritas em costumes
e/ou em leis, não tornando possível, em nenhuma delas, que seus indi-
víduos façam somente o que querem ou deixem de fazer o que devem.
Mesmo sendo o indivíduo completamente livre, ele ainda é ordenado em
uma vida social e comunitária.
A implantação de planos, projetos e ações para o bem da comunidade
vai sempre depender de discussões e estudos com a participação de todos
ou, no mínimo, das lideranças e atores das áreas que permeiam a vida das
pessoas – como a da saúde, da segurança, do meio ambiente e, principal-
mente, da educação, porque é nessa área que se concentram as ideias e
políticas que podem contribuir para os melhores caminhos do desenvolvi-
mento da consciência coletiva, da ciência, do conhecimento e da cultura da
comunidade. Portanto, estudar esse processo é e sempre será necessário,
uma vez que a reflexão favorece a produção de novas ideias e projetos,
podendo garantir a evolução dos interesses individuais, bem como a dos
coletivos, em uma dinâmica de respeito às diferenças e às adversidades.

24 Políticas Educacionais
REFERÊNCIAS
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ARISTÓTELES. Política. 3 ed. Brasília: UNB, 1997.
AZEVEDO, S. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de implementação.
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capacitação de conselheiros municipais. Rio de Janeiro: FASE, 2003.
BRASIL. Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 3 jun. 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.
htm. Acesso em: 31 mar. 2020.
BRASIL. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 26 jun. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 31 mar. 2020.
BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5
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BOBBIO, N. Estado, governo e sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
DAHL, R. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1997.
MILL, J. S. Sobre a liberdade. Lisboa: Edições 70 LDA, 2006.
PLATÃO. A república. 2. ed. São Paulo: Escala, 2007.
RUS PEREZ, J. R. Por que pesquisar Políticas Públicas Educacionais atualmente? Educação
e sociedade, Campinas, v. 31, n. 113, out./dez. 2010. Disponível em: www.scielo.br/pdf/es/
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SKINNER, Q. The Republican Ideal of Liberty. In: BOCK, G.; SKINNER, Q.; VIROLI, M. Machiavelli
and Republicanism: Ideas in Context. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
TAYLOR, C. Philosophical Arguments. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.
WEBER, M. Economia e Sociedade: fundamentos da Sociologia compreensiva. São Paulo:
UNB, 2004.

GABARITO
1. Com exceção dos projetos pedagógicos – que são construídos pelos diversos atores
envolvidos diretamente com a educação –, a educação se encontra comprometida
com projetos, dos quais toda a comunidade é convidada a participar, voltados para
os estudantes, abordando a segurança destes enquanto se encontram nas instala-
ções da escola, a sua alimentação/merenda, bem como com o transporte escolar para
aqueles que vivem em ambiente rural. Para responder o enunciado dessa primeira
atividade, você deve analisar se isso de fato ocorre em planos e projetos do seu muni-
cípio, nessas três áreas que abarcam a educação. Os dados podem ser solicitados na
Secretaria Municipal de Educação, pois é de obrigação do município a disponibilização
de todas essas informações a todos os munícipes.

2. Primeiramente, é importante que você faça uma pesquisa sobre a formação escolar
e experiência que o prefeito e os secretários de seu município têm. Depois, pesquise
para saber quantos existem e como se encontram os postos de saúde e hospitais que
atendem a sua comunidade, bem como se a comunidade está contente com a pre-
sença das polícias municipal e militar pelos bairros. Com esses dados, você consegue
responder a essa questão. O município é obrigado a disponibilizar essas informações
a todos os munícipes.

Estado e políticas públicas 25


3. Com base nos estudos desenvolvidos neste capítulo, em relação às características do
sistema republicano e da monarquia parlamentar, há uma série de convergências,
dentre elas, o fato de a comunidade escolher os membros do parlamento, a participa-
ção do povo nas discussões sobre políticas públicas e a existência de uma interdepen-
dência entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

26 Políticas Educacionais
2
Políticas educacionais
numa perspectiva
histórico-constitucional
Compreender a educação enquanto um direito fundamental
é dar a ela todo significado para a construção da cidadania e a
promoção e garantia da dignidade do ser humano. No intuito de
atingir esses objetivos, a educação deve ser gratuita, laica, uni-
versal e defensora de valores cívicos e econômicos, de modo que
todos possam dela usufruir sem qualquer discriminação, e os go-
vernantes tenham as condições necessárias para proporcioná-la
por meio de projetos e ações construídos por toda a comuni-
dade, na forma representativa, sob as melhores estruturas e de
maneira continuada.
Por isso, este capítulo identificará os pressupostos inscritos
nas Constituições do Brasil em relação a esses elementos, para
que, assim, possamos conhecer como os processos ocorreram
e relacionaram-se na trajetória histórica da nossa educação. E,
nessa dinâmica, serão analisados dispositivos de emendas cons-
titucionais e partes de planos de ensino que têm relação com os
elementos indicados, uma vez que não seria possível analisar to-
dos os pressupostos e princípios constitucionais, neste momento.
Também, observaremos os avanços que ocorreram, bem como os
recuos que podem ser explicados pelas dinâmicas e conjunturas
políticas e sociais, em seus devidos tempos.

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 27


2.1 A gratuidade da educação e o ensino leigo
Vídeo Para iniciar esta seção, é importante compreender como fazer a lei-
tura e a interpretação de dispositivos legais. É possível ler e interpretar
uma lei da mesma maneira que uma matéria jornalística? Você sabe
como ocorre a elaboração das leis?
Segundo a literatura jurídica, esses processos devem levar em con-
ta o texto da norma (interpretação gramatical), a conexão da lei com
outras normas, princípios e costumes (interpretação sistemática), a fi-
Saiba mais nalidade da lei (interpretação teleológica) e os aspectos históricos aos
quais a lei se vincula (interpretação histórica). Agora, como o nosso
Para compreender melhor
questões referentes a direitos foco é a interpretação de dispositivos constitucionais e planos cujo
humanos e processos históricos, teor é a educação, além desses elementos, também será necessária a
há vários escritores que você
aplicação de uma metodologia própria que, segundo Maliska (2001),
pode estudar, mas, um deles é
fundamental. Norberto Bobbio considera a educação como direito de todos, dever do Estado e da
(1909-2004) é um filósofo e família, com a colaboração da sociedade, e que deve buscar o pleno
historiador do pensamento
político que ficou conhecido desenvolvimento da pessoa, bem como o preparo desta para o exer-
pela sua ampla capacidade de cício da cidadania e a qualificação para o trabalho.
escrever sob os ângulos da razão
e da liberdade. Dentre tantas Portanto, é importante sempre observarmos todos esses elemen-
obras escritas por ele sobre esse tos que são intrínsecos aos dispositivos legais sobre a educação, de
tema, Teoria da Norma Jurídica, modo que as análises sejam amplas, complexas e atinjam a totalida-
A era dos direitos e Igualdade e
liberdade são leituras que podem de da norma. Em um segundo momento, outro ponto que também
contribuir, e muito, com a precisamos compreender é a formação das declarações de direitos,
qualidade de seus estudos.
especificamente do direito à educação, sempre como resultado de
um processo histórico, de uma sucessão de fatos e acontecimentos
1
envolvendo a natureza humana, os costumes dos povos, a evolução
Segundo Norberto Bobbio (2004), do pensamento e das necessidades da comunidade e as relações
a construção histórica dos direitos
humanos se encontra dividida em com outras sociedades. Portanto, é preciso aceitar que processos
quatro etapas ou declarações: na históricos ocorrem na coletividade, independentemente dos dese-
primeira, firmaram-se os direitos jos das individualidades.
individuais, de liberdade, ou um
não agir do Estado; na segunda, De acordo com Bobbio (2004), o processo histórico para a constru-
os direitos sociais, de convivência ção dos direitos teria passado por três fases:
entre os indivíduos, ou uma ação
positiva do Estado; na terceira, a. A primeira, compreendendo o momento do respeito aos direitos
os direitos coletivos dos povos de naturais que, por natureza, são inalienáveis.
viverem em solidariedade; e, na
quarta, os direitos à biotecnologia b. A segunda, marcada pela legitimação e pelo reconhecimento
e à bioengenharia, sob a manta dos direitos naturais, expressando-se em direitos de liberdade
de uma ética universal.
e de participação da população no poder, evidentes nas
1
primeiras declarações .

28 Políticas Educacionais
c. A terceira, correspondendo à proclamação dos
direitos sociais, como o bem-estar e a igualdade

SSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS
dirigidos a todas as pessoas – o momento em
que a sociedade passou a usufruir de políticas
públicas, e, no caso, de políticas educacionais de
maneira gratuita, leiga e universal.

Bobbio (2004) chama a atenção, ainda, quanto a


uma série de elementos que precisam ser observa-
dos em relação aos direitos sociais, como a diversi-
dade de gênero e de raças, as fases da vida (infância,
adolescência, juventude, velhice), dentre outros. Dando
continuidade a essa reflexão, Boto (2005, p. 791) afirma
que as conquistas pelo direito à educação iniciam-se com
a universalização dos direitos fundamentais, a saber:
1. Direitos civis do indivíduo na sua condição de agente políti-
co [...]; 2. A necessidade de ancorar os direitos dessa liberdade
primeira em condições de políticas públicas adequadas para o
bem-estar da maioria [...]; 3. A percepção de que ser livre e ser
igual, não elimina o desejo de marcar identidades variadas e dis-
tintas especificidades humanas [...].

O fato é que, com a consolidação dos direitos civis, bem como com
a necessidade de promoção e desenvolvimento de novos direitos, a es-
cola deveria se tornar o lugar de excelência para novos conhecimentos
e aprimoramento dos já adquiridos. Por isso o direito de todos a um en-
Atividade 1
sino público ou particular de boa qualidade ter sido, nas Constituições
do Brasil, uma preocupação. Considerando que a educação
tem como pilares ser gratuita,
Entretanto, devemos pensar que não seria suficiente apenas a existência leiga e universal, e observando
de escolas; é preciso que estas se tornassem um lugar em que se escutam a realidade de seu município, é
possível afirmar que as escolas
os movimentos das ideias e dos comportamentos que ocorrem em seus próximas a você atendem
espaços, conforme Bourdieu (1982 apud BOTO, 2005, p. 788) afirmou: a todos esses pilares com a
competência esperada pela
a educação escolar exerce sobre as camadas populares níveis so- comunidade? Para responder
brepostos de violência simbólica, dado que, além de referendar à questão, você precisará
o capital cultural dos alunos pertencentes às camadas privilegia- fazer uma pesquisa no site
das da população, convence aqueles que não são herdeiros da da Secretaria de Educação ou
mesma cultura erudita de que são eles os responsáveis por seu conversar com profissionais
envolvidos na vida da escola,
próprio malogro na escola.
e/ou envolvidos nas políticas
Para entendermos um pouco mais dos padrões ideológicos, da públicas do seu município.

legitimação e do reconhecimento dos direitos expressos na primei-


ra fase (BOBBIO, 2004), é preciso voltarmos ao que Boto (2005) afirma.

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 29


Segundo a autora, no momento da legitimação e do reconhecimento,
para que o resultado seja o mais eficiente à formação dos docentes, a
definição de diretrizes para a educação, a seleção de conteúdos a serem
ensinados, os métodos que estejam em consonância com as realidades
de cada localidade e as identidades que constituem a comunidade preci-
sam se fazer presentes. Veja que o processo não é tão simples.

Indo na direção da terceira fase, Boto (2005) defende que de-


vem existir políticas educacionais que se pautem pela tolerância no
processo de encontro de culturas e convivências, de modo que haja
harmonia em todos os aspectos e sejam realmente proclamados os
direitos sociais. Assim, fechamos a interpretação sobre os processos
dos direitos que estão constituídos por três momentos: o respeito aos
direitos naturais, a legitimação desses direitos (via dispositivos legais) e
a proclamação deles na realidade das comunidades.
Glossário
A educação é um dos direitos naturais e inalienáveis. Ofertá-la de
Inalienável: aquilo que não
pode ser vendido ou cedido. maneira leiga, gratuita, universal e com excelência são alguns dos ca-
minhos para construir a cidadania, bem como para superar as possibili-
dades de discriminações existentes, especialmente em sociedades com
ampla diversidade, como é o caso da brasileira. Tendo a educação essa
excelência, já estaremos nas esferas dos direitos sociais.

Deste ponto em diante, o foco do capítulo será nos pressupostos


da educação gratuita e leiga, uma vez que são esses elementos que
podem sustentar uma política educacional promotora da universalida-
de de acesso nas escolas. Por isso, passaremos por uma análise da
trajetória histórica das Constituições brasileiras – promulgadas e ou-

Saiba mais torgadas –, especificamente em dispositivos que expressaram direitos


à educação.
Constituição promulgada é a
Constituição construída por Sendo a educação gratuita, todos têm as mesmas oportunidades
um Parlamento representativo
de acesso, e sendo leiga, uma ordem pluralista de pensamentos, cren-
da sociedade via Assembleia
Constituinte – no Brasil, foram ças e ideologias é possibilitada no ambiente escolar. Por isso, há a im-
as dos anos de 1891, 1934, 1946 portância desses dois pressupostos. Observe que Carneiro (1988, p. 35)
e 1988. Já Constituição outor-
traz uma sustentação para essa ideia quando afirma que “a gratuida-
gada é a Constituição imposta
ao povo pelo governante, sem a de do ensino público em estabelecimentos oficiais é uma questão de
participação do Parlamento – no grandíssimo alcance social. O contribuinte paga a escola, quando paga
Brasil, foram as dos anos de
1824, 1937 e 1967. seus impostos. O princípio da gratuidade do ensino decorre, assim, das
responsabilidades públicas”.

30 Políticas Educacionais
No Brasil, o direito a uma educação gratuita está garantido em dis-
positivos constitucionais em quase todas as Constituições que o país
teve (1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967) e tem (1988).

Na Constituição de 1824 (BRASIL, 1824), observamos que os direi-


tos civis e políticos e a gratuidade da instrução primária para todos
aqueles considerados cidadãos (artigo 179 caput e inciso XXXII) estão
expressos; mas, em relação à educação ser leiga ou eclesiástica, não
há referências. Entretanto, nem todas as crianças teriam tido acesso à
escola em face do número de professores atraídos pelo projeto e pela
baixa remuneração, devido à precariedade das instalações escolares
e à deficiência dos métodos aplicados ao ensino, além do fato de que
negros e escravizados alforriados não podiam estudar na escola.

Já na Constituição de 1891 (BRASIL, 1891), percebemos que houve


uma preocupação em discriminar a competência legislativa da União
e dos estados em matéria educacional, cabendo a estes legislar sobre
o ensino secundário e primário. É aqui, definitivamente, que se deter-
mina a laicização (artigo 72, § 6º) – rompendo com a adoção de uma
religião oficial do ensino nos estabelecimentos públicos –, mas não há
referência a um ensino gratuito. Por isso, podemos afirmar que houve
certo retrocesso em relação ao acesso à educação, que antes era gratuito.

Essa realidade levou a consequências muito importantes.


No artigo 70, § 1º, inciso II, ficou determinado que analfabetos – a maio-
ria constituída de filhos de escravos e de agricultores – não tivessem
direito ao voto. Além disso, as estatísticas para o ensino primário nos
primeiros 40 anos da República não foram nada promissoras. Para
Werebe (1997), durante esse período, o desenvolvimento do ensino
primário se exprime pelos seguintes números de alunos a cada mil ha-
bitantes: 18 em 1889; 41 em 1920; e 54 em 1932. Em 1890, 85% da po-
pulação brasileira era de analfabetos; 75% em 1900 e em 1920.

É nesse momento que se deflagra a Revolução de 1932 que, com


o seu desenrolar, exigiu uma rápida industrialização no país para
atender às necessidades do próprio movimento. No entanto, surgiu o
seguinte problema: onde buscar mão de obra para essa nova econo-
mia, uma vez que a urbanização ainda era incipiente e o analfabetis-
mo muito expressivo?

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 31


Se antes, na estrutura oligárquica, as necessidades de instru-
ção não eram sentidas, nem pela população nem pelos pode-
res constituídos (pelo menos em termos de propósitos reais),
a nova situação implantada na década de 30 veio modificar
profundamente o quadro das aspirações sociais, em matéria
de educação, e, em função disso, a ação do próprio Estado.
(ROMANELLI, 1999, p. 59)

Nessa circunstância, repercutiram novas propostas de políticas pú-


blicas para a educação: de um lado, discutidas por intelectuais liberais,
socialistas, comunistas (agrupados em torno do movimento conhecido
como Escola Nova); e do outro, católicos e conservadores de variadas
correntes ideológicas, dando luz à ideia da obrigatoriedade e gratui-
dade do ensino elementar para todos e de um currículo escolar laico.
Nessa direção, a Constituição de 1934 contemplou, em seus disposi-
tivos, a educação e o ensino sob um plano nacional (artigo 150), com
uma educação primária integral, gratuita e obrigatória, e a implantação
de um sistema de ensino nos Estados com previsão de recursos, de
imunidade de impostos para os estabelecimentos particulares, de auxí-
lio para alunos carentes e de obrigatoriedade de concurso para cargos
do magistério oficial (BRASIL, 1934).

Apesar de todos os esforços da Escola Nova, vem o


Curiosidade Estado Novo (1937-1946) com a Constituição de 1937. Nesta, dentre
Você observou que nas outros dispositivos, não se vislumbrava mais a exigência de um plano
Constituições anteriores a nacional de educação e não se exigia mais uma educação como direito
educação rural foi contemplada,
como fora na Constituição de de todos, apesar de instruir que o ensino primário fosse obrigatório e
1934? O fato é que o Brasil era gratuito (BRASIL, 1937).
um país eminentemente agrário,
até então, mas a economia in- Em uma interpretação normativa de outros dispositivos dessa Cons-
dustrial passou a evidenciar uma tituição, podemos concluir que, ao deixar a educação sem a mediação
preocupação do parlamento e do
do Estado quanto aos recursos – isso porque a vinculação obrigatória
governo com a formação de mão
de obra que viria a movimentar a destes para a pasta foi extinta –, o Brasil não defendeu um ensino para
nova economia. todos, concentrando seus esforços na educação profissionalizante das
classes menos favorecidas apenas pela necessidade de mão de obra.
Por isso, e por outros motivos que não pretendemos discutir neste
momento, essa Constituição representou um grande retrocesso para
a educação, o que não significa que, por meio de outros documentos,
decretos etc., não tenham ocorrido mudanças importantes na área.
Todavia, nosso objetivo é uma apreciação das questões da educação
apenas sob os dispositivos constitucionais.

32 Políticas Educacionais
Em seguida, o país estabeleceu a Constituição de 1946, na qual Livro
a educação voltou a ser definida como direito de todos, com ensino O livro Política e educação
no Brasil – o papel do
primário obrigatório e gratuito (BRASIL, 1946), e a restabelecer a vincu- Congresso Nacional na
lação de recursos para a pasta, visando à manutenção e ao desenvolvi- legislação do ensino
propõe uma reflexão
mento do ensino. Também, estados e Distrito Federal voltaram a ter a crítica sobre a política que
atribuição de organizar os seus sistemas de ensino. Por isso, segundo tem desempenhado o
Congresso Nacional nos
Saviani (2002), essa foi uma Constituição como instrumento de demo- processos legislativos
cratização da educação pela via da universalização da escola. que buscam estruturar
os princípios e as normas
Com novas correntes ideológicas sendo implantadas pelo mundo, para que definem a organi-
zação do ensino, indo
não ficar alheio a essas mudanças, o Estado brasileiro, sob o governo de além de uma análise me-
militares, impôs uma nova Constituição – a Constituição de 1967 –, con- ramente administrativa,
pedagógica e sociopolítica,
templando as ideologias relativas ao seu sistema educacional, que passou que tem prevalecido. É
a fortalecer o ensino particular em detrimento do ensino público oficial. uma obra indicada para
todos os estudantes que
buscam um entendimen-
to mais profundo das
Desde 1964, o país vivia sob governos militares e, dentre a fi- dinâmicas políticas do
losofia implantada por esses governos, buscava consolidar uma Parlamento na construção
de legislações sobre a
identidade nacional e a sua plena soberania. Por isso, foi retirado educação.
do título da Constituição de 1964 o termo Estados Unidos, o qual SAVIANI, D. 7. ed. Campinas, SP:
aparecia anteriormente nos títulos das Constituições, para que o Autores Associados, 2015.

nome oficial do Brasil não fosse confundido com o dos EUA.

Vale destacar que, nesse período em que os militares governaram o


país, foram realizados vários acordos entre o Ministério da Educação e
Cultura do Brasil (MEC) e Agência norte-americana de financiamento do
desenvolvimento no exterior, com o intuito de receber investimentos
no campo educativo, o que, para Leite (2002), teriam sido positivas. No
entanto, teriam estrangulado a escola pública e permitido a expansão
de um ensino comercializado.

Mas algo parecia fortalecer o pensamento de que ainda era possível


melhorar. A partir de 1969, duas importantes alterações na Constitui-
ção ocorreram por meio de emendas constitucionais e refletiram nos
processos educacionais. São elas:
a. Emenda Constitucional n. 1 (1969), que traz a possibilidade
de intervenção, pelo Estado, no Município, quando esse ente
federativo não tiver aplicado, em cada ano, no ensino primário,
20% da sua receita tributária, pelo menos.

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 33


Atividade 2
b. Emenda Constitucional n. 12 (1978), que alterou a Constituição
Para estudiosos da educação, a vigente, visando à garantia da educação especial e gratuita aos
Constituição de 1967 foi um re-
trocesso porque teria fortalecido deficientes.
o ensino particular mediante
Com a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), passou a ser garantida
previsão de substituição do
ensino oficial gratuito por bolsas a participação da comunidade na implementação de políticas públicas
de estudo. Na sua visão, tem tendo em vista o pleno exercício dos direitos sociais, individuais, da liber-
sentido essa crítica? Por quê?
dade, da segurança, do bem-estar, do desenvolvimento e da igualdade.

Em relação a essas proposituras democráticas, a educação passa a


ser ofertada gratuitamente e de maneira laica, abrangendo:
a. igualdade de condições para acesso e permanência na escola;
b. pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
c. coexistência de instituições públicas e privadas;
d. gratuidade do ensino público e obrigatório em estabelecimentos
oficiais.

Assim, a tramitação pelas Constituições do país, iniciando em 1824


até a que se encontra em vigor, atendeu ao objetivo de buscar como
cada uma delas promoveu a gratuidade e a laicização do ensino.

2.2 A educação sob um plano nacional


Vídeo Você sabe o que é um Plano Nacional de Educação? A resposta é sim-
ples: trata-se de um plano pensado e organizado por representantes dos
docentes, das secretarias de educação, dos sindicatos e da Associação
de Pais e Professores, objetivando um projeto para a educação que aten-
da local, regional e nacionalmente em um período decenal. Complemen-
tando esse conceito, o Conselho Nacional de Educação diz tratar-se de
“um documento-referência que contempla dimensões e problemas so-
ciais, culturais, políticos e educacionais brasileiros, embasado
PPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPP

nas lutas e proposições daqueles que defendem uma


sociedade mais justa e igualitária e, por decor-
rência, uma educação pública, gratuita,
democrática, laica e de qualidade, para
todos, em todos os ní-
veis (CNE, 1997, p. 2)”.

A discussão sobre um Plano Nacio-


nal de Educação iniciou no governo

34 Políticas Educacionais
Vargas (1930–1946), um período em que se desejava construir uma Saiba mais
forte identidade nacional. Para isso, em 1930, criou-se o Ministério O Conselho Nacional de
Secretários de Educação
dos Negócios da Educação e Saúde Pública e, em 1931, houve a
(CONSED) é uma associação de
Reforma Francisco Campos, resultando no Conselho Nacional de direito privado, sem fins lucrati-
Educação (CNE), órgão promotor da formatação do Plano Nacional, vos, criada em 1986, para fins de
reunir as Secretarias de Educação
contemplando um conjunto de metas para todo o território nacional
dos estados e do Distrito Federal,
– no início, sob duas abordagens: com a finalidade de promover a
integração das redes estaduais
a. Formação de cidadãos por meio de escolas democráticas e que de educação, intensificar a
incentivassem a formação humana e crítica dos estudantes. participação dos estados nos
Participaram, dentre outros, Fernando de Azevedo, Anísio processos das políticas nacionais
de educação e motivar a força
Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Antônio F. Almeida
colaborativa entre as unidades
Junior, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e federativas para o desenvolvi-
Cecília Meireles – os Pioneiros da Educação. mento da escola pública.

b. Ensino tradicional em que o professor era o detentor do


conhecimento. Mobilizado por D. Sebastião Leme, o grupo foi
formado por intelectuais, políticos e diplomatas ligados à Igreja
Católica.

Fruto desses embates, em 1932, foi publicado o Manifesto dos Filme


Pioneiros da Educação Nova, visando ao Plano Nacional de Educação, No documentário Era
Vargas, você poderá
de modo que abrangesse os seguintes princípios: compreender como o
poder se movimentou
a. Ser a educação pública, obrigatória, gratuita e leiga. naquele momento, como
b. Ser a educação única para toda a sociedade. Getúlio se consolidou e
que legado ele deixou.
c. Ser a educação um elemento articulado com todas as fases do
Direção: Eduardo Escorel. Brasil:
desenvolvimento da pessoa. Brasil 1500, 2011.

d. Estar a educação em consonância com as regionalidades.


e. Ser a educação funcional e de acordo com os interesses naturais
dos estudantes.

Como não poderia ser diferente, nesse contexto, foi elaborada a


Constituição do Brasil de 1934, que, em seus artigos 150 e 152, faz,
pela primeira vez, referência direta a um Plano Nacional de Educação
para o país.
Art. 150 – Compete à União:
a) fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino
de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coorde-
nar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País; [...].
Art. 152 – Compete precipuamente ao Conselho Nacional de

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 35


Educação, organizado na forma da lei, elaborar o plano nacional
de educação para ser aprovado pelo Poder Legislativo e sugerir
ao Governo as medidas que julgar necessárias para a melhor so-
lução dos problemas educativos bem como a distribuição ade-
quada dos fundos especiais. (BRASIL, 1934, grifos nossos)

O fato é que, ao final do ano de 1934, ocorreu um importante gol-


pe político no país, implantando o Estado Novo (1937-1946), cujos
poderes representativos (incluindo a Câmara Federal, na qual o PNE
se encontrava) foram fechados, engavetando os direcionamentos
do Plano Nacional de Educação que se encontrava em construção.
Infelizmente, a próxima Constituição – a de 1946 – também não fez
referência a um PNE, mas mencionou algo que conhecemos, hoje,
como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): “compete
à União: [...]; XV - legislar sobre: [...] d) diretrizes e bases da educação
nacional” (BRASIL, 1946).

O Plano Nacional de Educação voltou a ser discutido apenas nos


governo Goulart (1961-1964) com a Lei n. 4.024, que foi a primeira
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Art. 7º – O Conselho Nacional de Educação, composto pelas
Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribui-
ções normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro
de Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a par-
ticipação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional.
§ 1º – Ao Conselho Nacional de Educação, além de outras atribui-
ções que lhe forem conferidas por lei, compete:
a) subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do
Plano Nacional de Educação. (BRASIL, 1961, grifos nossos)

No entanto, todo esse progresso pretendido com um PNE, que


deveria buscar uma educação crítica e democrática, não deu certo.
Nos anos seguintes, houve um aumento da educação particular por
meio de incentivos do governo para facilitar a abertura de escolas
privadas, e a educação pública foi cada vez menos valorizada. Além
disso, eliminou-se a vinculação orçamentária que obrigava a União,
os estados e os municípios a destinarem um percentual mínimo de
recursos para a educação. No entanto, esse contexto foi favorável
para os debates sobre a unificação de metas e objetivos para a edu-
cação nacional, dando origem à LDB n. 9.394, e as questões relativas
a um PNE voltaram a ser contempladas:

36 Políticas Educacionais
Art. 9º – A União incumbir-se-á de: I - elaborar o Plano Nacional
de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios [...].
Art. 10 – Os Estados incumbir-se-ão de: [...]. III - elaborar e exe-
cutar políticas e planos educacionais, em consonância com as
diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coorde-
nando as suas ações e as dos seus Municípios;
Art. 11 – Os Municípios incumbir-se-ão de: I - organizar, manter
e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas
de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da
União e dos Estados. (BRASIL, 1996)

Desde já, é importante darmos o devido destaque para o artigo 79,


§ 2º, da atual LDB (BRASIL, 1996), uma vez que nele constam os motivos
pelos quais um Plano Nacional de Educação deve existir:
a. Fortalecimento das práticas socioculturais e da língua materna de
cada comunidade indígena.
b. Manutenção de programas para a formação de pessoal especializado,
destinado à educação escolar nas comunidades indígenas.
c. Desenvolvimento de currículos e programas específicos, neles
incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas
comunidades.
d. Elaboração e publicação, de maneira sistemática, de material
didático específico e diferenciado.

Com os atores da educação envolvidos democraticamente nos


Atividade 3
interesses da comunidade e ansiosos por políticas educacionais
que fizessem os direitos constitucionais acontecerem de verdade, Uma série de políticas
públicas, ainda vigente no
em 2001, foi aprovado e implantado o primeiro PNE por meio da Brasil, foi implantada durante o
Lei n. 10.172 (BRASIL, 2001), o qual trouxe, entre os seus objetivos, a Plano Nacional de Educação que
vigorou no período de 2001 a
necessidade de se implantar metodologias adequadas que levassem
2011. Você poderia relatar três
ao fim do analfabetismo, o atendimento escolar universal, a apli- delas e como aconteceram ou
cação de uma educação única e de qualidade, uma educação que ainda acontecem? Caso precise
pesquisar sobre o tema, navegue
não privilegiasse grupos ou classes sociais, o uso do meio ambiente
pelo documento que se encontra
de modo sustentável, uma educação humana e que estivesse em no Portal do Ministério da
sintonia com a ciência e a tecnologia, a aplicação de recursos públi- Educação, disponível em: http://
portal.mec.gov.br/arquivos/
cos para a educação, uma maior valorização dos professores, o res- pdf/L10172.pdf. Acesso em:
peito à diversidade e uma gestão mais democrática nos processos 1 jun. 2020.
educacionais.

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 37


Com essas reflexões, concluímos o quanto é importante um Plano
Nacional de Educação, pois é ele que define as diretrizes, estrutura as
ideias em projetos, identifica os meios e as formas mais adequados de
implementação dos planos de ensino para todas as regiões do país, vi-
sando à educação igualitária, universal, democrática, fraterna e voltada
para as diversidades culturais e étnicas presentes no Brasil.

2.3 A educação vinculada a valores


Vídeo cívicos e econômicos
Quando pensamos em educação pública, geralmente, concordamos
que algumas de suas funções é a promoção do espírito patriótico, a for-
mação de uma identidade nacional e o desenvolvimento de um espírito
de cidadania em que todos agem em prol do bem comum, do bem públi-
co. No entanto, nem sempre se pensou em dispositivos constitucionais
para essas garantias. Entretanto, algumas Constituições têm dispositi-
vos tratando do tema, enquanto outras se quer fazem referência a isso.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o Estado Democrático


de Direito, e é chamada de Constituição Cidadã, por promover os direi-
tos sociais como elementos estruturantes, o que, por si só, traduziu-se
na Constituição mais importante para a sociedade que o país já teve,
ainda que não revele os valores cívicos e econômicos, como afirmam
Jaccoud e Cardoso Jr (2005, p. 182):
de fato, a Constituição de 1988 lançou as bases para uma ex-
pressiva alteração da intervenção social do Estado, alargando o
arco dos direitos sociais e o campo da proteção social sob res-
ponsabilidade estatal, com impactos relevantes no que diz res-
peito ao desenho das políticas, à definição dos beneficiários e
dos benefícios.

Já em outros momentos, essa Constituição teve elementos estrutu-


rantes distintos, como os cívicos e os econômicos. O curioso é pensar
que, quando os valores cívicos e econômicos dão o tom, a liberda-
de poderia não ser uma realidade e os interesses econômicos esta-
rem sobrepostos aos demais interesses da pessoa. No entanto, isso
não pode ser uma verdade absoluta, apesar de ter certo sentido. No
caso do Brasil, nesse aspecto, é importante entender que a premissa
relativa aos valores econômicos proporciona uma compreensão do
mundo produtivo – agricultura, pecuária, comércio, indústria, serviços

38 Políticas Educacionais
etc. – enquanto garantidora e patrocinadora do desenvolvimento edu-
cacional e social e de produção e fornecimento de alimentação, saúde,
transporte, energia e habitação para toda a sociedade. Portanto, há
uma relação especial entre a economia e a educação: enquanto a pri-
meira é a base para a garantia de uma escola com toda a infraestrutura
necessária – tanto física, quanto de profissionais –, a segunda está para
o desenvolvimento das capacidades intelectuais para o trabalho, bem
como da qualificação dos trabalhadores.

Quanto à promoção dos valores cívicos nacionais por meio da edu-


cação, segundo Maia (2005), não devemos atribuir qualquer tipo de
tratamento diferenciado àqueles que não os praticam, uma vez que
em uma sociedade, como a brasileira, na qual tanto a miscigenação ét- Importante
nica quanto a cultural são grandes, precisamos louvar o civismo como Ser cívico é ter compromisso moral
forma de agregar diferenças, e não de discriminá-las. Os valores cívi- e ético com a sua sociedade; ter
conhecimento e saber respeitar os
cos devem levar ao patriotismo, mas a um patriotismo que construa símbolos nacionais – bandeira,
um nacionalismo integrativo que colabora no fortalecimento de nossa hino, armas e selo –, as datas e os
fatos que marcaram a história do
identidade nacional, tornando o país uma autêntica nação.
país; e saber deixar o sentimento
Ao analisar as Constituições brasileiras, percebemos uma vin- de patriotismo – sentimento
de pertencimento – aflorar,
culação de valores cívicos e econômicos em seus dispositivos – ora
independentemente da classe
expressos, ora subliminares –, não sendo equivocado afirmar que es- social a que pertença. E, em relação
tão mais próximos das políticas públicas direcionadas à educação, do ao pressuposto economia, estar
na Constituição é dar a devida
que a outras áreas. relevância que a produção e o
Nas duas primeiras Constituições – de 1824 e 1891 –, as questões trabalho têm no desenvolvimento
e na harmonia social.
referentes ao civismo e à economia não se encontram inscritas
expressamente em seus dispositivos, apesar de seus sentidos se faze-
rem sob alguns dispositivos, indiretamente.

Já com a Constituição de 1934 – considerando o momento políti-


co que o Brasil se encontrava –, essas questões aparecem no próprio
preâmbulo, afirmando que “nós, os representantes do povo brasi- Glossário
leiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembleia preâmbulo: texto preliminar
de uma constituição, formulado
Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que
pelo legislador, cuja finalidade
assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar e/ou intenção é declarar os obje-
social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte lei” tivos e os princípios que constam
no corpo dos dispositivos da lei.
(BRASIL, 1934).

Esses valores, novamente, voltam ao texto da mesma Consti-


tuição, especificamente no artigo 149:

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 39


A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela famí-
lia e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la
a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo
que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da
Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da
solidariedade humana. (BRASIL, 1934, grifos nossos)

Na Constituição de 1937, esses pressupostos também podem ser


observados no preâmbulo, que traz o seguinte texto: “o Presidente re-
solve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua
independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e
social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à
sua prosperidade” (BRASIL, 1937). Isso ainda fica evidente nos dispositi-
vos que expressam os valores cívicos e econômicos, como é o caso dos
artigos 25 e 131, os quais trazem o seguinte texto:
Art. 25 – O território nacional constituirá uma unidade do ponto
de vista alfandegário, econômico e comercial, não podendo no
seu interior estabelecer-se quaisquer barreiras alfandegárias ou
outras limitações ao tráfego, vedado assim aos Estados como
aos Municípios cobrar, sob qualquer denominação, impostos in-
terestaduais, intermunicipais, de viação ou de transporte, que
gravem ou perturbem a livre circulação de bens ou de pessoas e
dos veículos que os transportarem.
Art. 131 – A educação física, o ensino cívico e o de trabalhos
manuais serão obrigatórios em todas as escolas primárias, nor-
mais e secundárias, não podendo nenhuma escola de qualquer
desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que satisfaça
aquela exigência. (BRASIL, 1937, grifos nossos)

Quanto à Constituição de 1946, a educação era um direito de to-


dos, com ênfase em uma educação pública, gratuita e livre. Portanto,
dispositivos sobre valores cívicos, nessa lei, não se fizeram presentes.
No entanto, a questão relativa a valores econômicos está expressa –
o que pode ser justificado pelo momento de industrialização pelo qual
passava o país.
Art. 146 – A União poderá, mediante lei especial, intervir no
domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou
atividade. A intervenção terá por base o interesse público e por
limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição.
Art. 148 – A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder
econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas

40 Políticas Educacionais
individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham
por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e
aumentar arbitrariamente os lucros. (BRASIL, 1946, grifos nossos)

Em 1967, durante o regime militar, foi natural que esses dois


pressupostos se encontrassem como dispositivos na Constituição:
valores econômicos, no artigo 157, e valores cívicos inscritos como
princípio da unidade nacional, no artigo 168.
Saiba mais
Art. 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiça so-
cial, com base nos seguintes princípios: [...] V - desenvolvimento Naturalmente, você pode
econômico [...]. complementar essa reflexão
Art. 168 – A educação é direito de todos e será dada no lar e na es- estudando cada uma das Consti-
tuições do país, procurando fazer
cola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se
paralelos entre elas, identifican-
no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de do os pontos que se interligam
solidariedade humana. (BRASIL, 1967, grifos nossos) e como eles se interligam e
respondendo o porquê de cada
Pensar sob quais princípios um governo administra e desenvolve uma delas potencializar certos
os seus projetos é muito importante para entendermos a sua gestão e pressupostos e desprezar outros.
os resultados alcançados. Nessa direção, saber quais valores econômi-
cos e cívicos ou de unidade nacional constavam na Constituição e nas
principais diretrizes dos governos militares no país pode nos ajudar a
compreender por que o Brasil viveu um intenso processo de industria-
lização e forte disciplina social. E a educação confirmava esse modelo.

2.4 O direito fundamental e universal à educação


Vídeo Quando fazemos uma análise minuciosa das Constituições brasilei-
ras, é possível perceber que nem sempre a educação nelas inscritas
foi concebida como um direito de todos, com acesso democrático e
voltada para o desenvolvimento das potencialidades do estudante.
O fato é que o Estado brasileiro, por várias vezes, privilegiou modelos
de ensino impositivos, sob diretrizes autoritárias e com forte presença
disciplina; modelos que se caracterizavam pela total ausência de liber-
dade de pensamento e comportamento, além de um aprendizado sob
forte condicionamento de conteúdos que pouco significavam ao estu-
dante. Eram, afinal, projetos impostos sem a participação dos devidos
atores públicos que, hoje, na educação, agregam interesses, processos
e metodologias na definição das políticas públicas educacionais.

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 41


Na atualidade, sob valores democráticos, há o entendimento de que
a educação é essencial à vida das pessoas em sociedade, por isso o
direito a uma educação de qualidade, gratuita, leiga e universal é um
direito fundamental.

Quando se pensa em dignidade da pessoa humana, é preciso com-


preender o que ela significa, bem como ter a consciência de que só é
possível se estiver contemplada nas legislações e garantida por meio
de políticas públicas. Mais ainda, entender que atinge a todos, de manei-
ra universal, sem qualquer discriminação, sem qualquer alienabilidade e
jamais dispensável. Nessa direção, é preciso, também, saber que é a es-
cola o ente que pode e deve favorecer o conhecimento dos direitos rela-
tivos à dignidade da pessoa humana, patrociná-lo e promovê-lo para
toda a comunidade na qual está inserida, uma vez que, além de ser um
direito social, a educação é também uma condição para usufruto de to-
dos os demais direitos que toda pessoa tem enquanto cidadão.

Para José Afonso da Silva – jurista brasileiro e especialista em


Direito Constitucional –, direitos fundamentais são situações jurídi-
cas, prerrogativas e instituições que fundamentam uma convivência
digna, livre e igual de todas as pessoas.
Além de referir-se a princípios que resumem a concepção do
mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento
jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo,
aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garan-
tias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.
[...] se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana
não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive.
(SILVA, 2007, p. 178)

É fato, também, que a educação amplia a qualidade de vida da pessoa,


dá a ela condições técnicas e intelectuais para o acesso ao mundo do
trabalho e fornece as chances e as oportunidades para que a pessoa
não sofra processos de desigualdade e exclusão. Mais ain-
da, com mais educação, as pessoas também se
LLLL

tornam mais críticas para reconhecer e exi-


L
LLLL
LLL

gir ações do Estado na proteção e garantia


LLLL
LLLL

de todos os seus direitos fundamentais. Por


LLLL

isso, é certo pensar que a Constituição deve


inscrever os princípios, indicar as diretrizes e
coordenar as estruturas em que a sociedade

42 Políticas Educacionais
e todas as suas instituições devem caminhar, de modo que os direitos Atividade 4
fundamentais estejam expressos e constem todos os mecanismos para Considerando a realidade de
nossas escolas públicas, você
as devidas promoções, ampliações e garantias.
conhece uma ideia ou um proje-
Precisamos compreender, nessa direção, que, quando a to que tenha surgido dos meios
acadêmicos, das faculdades ou
Constituição expressa o princípio do direito fundamental e universal
das próprias escolas para resolver
à educação, ela está se propondo a garantir uma educação de quali- demandas relativas à infraestru-
dade, gratuita, democrática e solidária, promotora de cultura, diversi- tura, às vagas, à aprendizagem,
à remuneração dos profissionais?
dade, conhecimento, ciência e artes. E, assim acontecendo, o Estado, Se sim, tal ideia e/ou projeto
como o guardião da Constituição, estará cumprindo a sua responsabi- resultou em algo prático para a
lidade de ser a instituição que coordena a construção de uma socie- sua comunidade ou se encontra
em trâmite? Para responder
dade igualitária, instruída na ciência, na cultura, e no bem público e à questão, acesse os sites da
comum; uma sociedade em que os direitos são realidade para todos, Sociedade Civil Organizada, ou
entre em contato com a coorde-
sem qualquer discriminação.
nação dessas instituições para se
Quanto ao direito universal à educação, primeiro se faz importante inteirar sobre tais demandas.
entender que a educação é a ferramenta da inclusão de todos no de-
senvolvimento de uma nação; é a ferramenta que concretiza o pleno
desenvolvimento da pessoa, o preparo para a cidadania e a quali-
ficação para o mundo do trabalho, e fortalece todos os demais

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direitos como fundamentais. Por isso, é importante que a edu-
cação seja universal, isto é, um direito para todos, sem qual-
quer discriminação.

De acordo com Raposo (2005, p. 2),


na verdade, é a própria Constituição Federal que a enun-
cia como direito de todos, dever do Estado e da família,
com a tríplice função de garantir a realização plena do
ser humano, inseri-lo no contexto do Estado Democrá-
tico e qualificá-lo para o mundo do trabalho. A um só
tempo, a educação representa tanto mecanismo de desenvolvi-
mento pessoal do indivíduo, como da própria sociedade em que
ele se insere.

Tramitando pelas Constituições, podemos observar que a de 1824


delimita poucos direitos fundamentais, no entanto, ainda assim, eles
são expressivos para aquele momento, considerando que a sociedade
era, basicamente, agrária e escravocrata. Por outro lado, é importante
entendermos que direitos inscritos nessa Constituição foram semen-
tes para o desenvolvimento da sociedade nas décadas seguintes e, em
específico, para a libertação dos escravos e a proclamação da repú-
blica, a saber: igualdade e liberdade de ação, liberdade de expressão,

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 43


liberdade religiosa e de profissão, inviolabilidade do lar, presunção de
inocência, dentre outros previstos no artigo 179 (BRASIL, 1824).

O direito universal à educação, como um direito fundamental, não


se encontra expresso nessa Constituição. No entanto, quando ela
menciona a possibilidade de o Estado garantir a instrução primária, de
maneira gratuita, há um indicativo de que já se pensava no assunto.
De qualquer forma, não podemos dizer que a educação tenha sido um
dos direitos fundamentais dos cidadãos durante o Império brasileiro,
mesmo porque os escravos não tinham acesso, pois não eram conside-
rados cidadãos. Entretanto, não podemos desprezar que importantes
mudanças ocorreram a partir de então, como foi o caso da Proclama-
ção da República, seis décadas depois.

Quando analisamos a Constituição de 1891, com relação aos


direitos fundamentais, percebemos, rapidamente, que ela é uma
garantia das liberdades individuais, como as inscritas no artigo 72
(BRASIL, 1891):
a. Liberdade de ação e de todos perante a lei.
b. Liberdade religiosa e liberdade de associação.
c. Inviolabilidade do lar e da correspondência.
d. Liberdade de expressão e de profissão.
e. Direito de propriedade.
f. Presunção de inocência.

Entretanto, como podemos perceber, o direito fundamental e uni-


versal à educação não se encontra expresso nos dispositivos, apesar
de ter sido essa Constituição construída com base em intensos debates
sobre civilização, moralidade, modernidade e educação, porque seria
uma instituição fundamental para moralizar e civilizar a população do
país e estabelecer uma ordem social necessária ao progresso. Apesar
de tanto empenho, infelizmente, tal Constituição ainda não vislumbra-
va a gratuidade e a universalidade, ficando determinado apenas que a
oferta de educação seja descentralizada entre a União (ensino superior
e secundário) e os estados (ensino primário e profissionalizante), e que
o ensino seja leigo, quando ministrado em estabelecimentos públicos
(§ 6º do artigo 72).

Perceba que se trata de uma contradição ter tantos direitos fun-


damentais, mas não constar o direito à educação. Entretanto, mesmo

44 Políticas Educacionais
não presente nos dispositivos legais, a sociedade evolui sob a pressão
das novas circunstâncias que vive, como a chegada dos imigrantes
europeus e a Primeira Guerra Mundial. E, dentre as novas exigências
circunstanciais, a escola iniciou um processo de abertura ao acesso
educacional de todas as crianças em idade escolar.

Na Constituição de 1934, já era possível observar a organização da


educação sob um plano nacional, a criação de sistemas educativos nos
estados e a destinação de recursos para a sua manutenção e o seu de-
senvolvimento. De modo geral, essa Constituição introduziu os direitos
sociais, econômicos e culturais, com destaque para o direito universal à
educação que se expressou no artigo 149 com a confirmação de que a
educação era um direito de todos; no artigo 150 quando o documento
afirma que ela é obrigatória, integral e gratuita no ensino primário; e no
153 ao garantir que deveria ser leiga (BRASIL, 1934).

Devemos destacar, ainda, que os direitos fundamentais foram mui-


to bem expressos nessa Constituição (BRASIL, 1934), sendo, por isso,
possível concluir que havia uma preocupação, como um todo, com:
a. Igualdade perante a lei.
b. Liberdade de ação e de todos perante a lei.
c. Liberdade de expressão, de profissão, de associação.
d. Inviolabilidade da correspondência e do lar.
e. Direito de propriedade.
f. Liberdade religiosa.
g. Presunção de inocência.

Conforme o Brasil ia ampliando o seu relacionamento político com


outros Estados – que foi o que começou a ocorrer a partir do início da
década de 1930 –, ele foi modernizando a cultura de suas leis, o proces-
so do seu ensino e o desenvolvimento da sua produção e das ciências,
em geral, o que, naturalmente, foi muito positivo e será percebido na
trajetória de sua história.

Na Constituição de 1937 (BRASIL, 1937), ainda que o direito funda-


mental e universal à educação tenha sido garantido pelo dispositivo de
n. 130, podemos concluir que houve uma grande irresponsabilidade
da sociedade em permitir a preservação apenas da obrigatoriedade e
da gratuidade do ensino primário, considerando o momento histórico
pelo qual o Brasil e o mundo passavam.

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 45


Já na Constituição de 1946 (BRASIL, 1946), a educação pública ficou
garantida como direito de todos, a ser dada no lar e na escola, ins-
pirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade hu-
mana (artigo 166) e definida com princípios de obrigatoriedade e
gratuidade (artigo 168). Esses são os reflexos dos direitos e das ga-
rantias fundamentais, conforme artigo 141, exatamente como na
Constituição democrática de 1934 (BRASIL, 1934):
a. Igualdade perante a lei.
b. Liberdade de ação e de todos perante a lei.
c. Liberdade de expressão, de profissão, de associação.
d. Inviolabilidade da correspondência e do lar.
e. Direito de propriedade.
f. Liberdade religiosa.
g. Presunção de inocência.

Por isso, segundo Raposo (2005, p. 2), a Constituição de 1946 é mar-


cada pelo resgate de princípios das Constituições de 1891 e 1934. Para
o autor, “a educação volta a ser definida como direito de todos, pre-
valece a ideia de educação pública, a despeito de franqueada à livre
iniciativa. São definidos princípios norteadores do ensino, entre eles
ensino primário obrigatório e gratuito, liberdade de cátedra”. Portanto,
se considerarmos essa reflexão de Raposo (2005) e o dispositivo n. 116,
o qual afirma ser a educação um direito de todos, podemos concluir
que o direito fundamental e universal à educação, nessa Constituição,
se fez garantido.

Em 1967, teremos uma Constituição (BRASIL, 1967) que, basicamen-


te, não introduziu modificações substanciais ao direito à educação.
No entanto, a Emenda Constitucional n. 1/1969 trouxe a possibilidade
da intervenção do Estado no município que não atendesse ou não cum-
prisse a aplicação anual de 20% da receita tributária no ensino funda-
mental. No entanto, fortaleceu o ensino privado, mediante previsão de
meios de substituição do ensino oficial gratuito por bolsas de estudo,
bem como limitou a liberdade acadêmica e reduziu o percentual de re-
cursos vinculados para a manutenção e o desenvolvimento do ensino
(BRASIL, 1969).

O grande diferencial nessa Constituição, quando comparada com


as demais no relativo ao direito fundamental e universal à educação,

46 Políticas Educacionais
é que a de 1988 passou a garantir, também, o acesso ao ensino fun-
damental àqueles que passaram da idade própria de cursá-lo, além da
universalização do ensino médio, do direito de jovens e adultos a
serem alfabetizados, do direito da educação infantil e do aces-
so a creches e pré-escolas (conforme Emendas Constitu-
cionais n. 14/1996 e n. 53/2006). Ainda, persistiram, nos
mandamentos educacionais, a gratuidade universal da
educação superior pública. Portanto, o direito
fundamental e universal à educação ficou as-
segurado, de maneira indiscriminada, como
pressuposto para a efetivação do Estado
Democrático de Direito.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reflexão desenvolvida neste capítulo nos leva a concluir que as leis
são elaboradas de acordo com o contexto no qual a sociedade se en-
contra, e não poderia ser de outra forma. No entanto, percebemos que
há momentos na história nos quais não ocorre essa completa interação,
principalmente durante governos não representativos, ou mesmo duran-
te governos cujos interesses de certos grupos ou de determinadas classes
sociais são privilegiados. Nesse sentido, a educação deve ser um direito
fundamental para todas as pessoas, proporcionada de maneira gratui-
ta, universal, leiga e sem qualquer discriminação, pois é ela que tem os
pressupostos e as diretrizes necessários para levar o povo ao pleno de-
senvolvimento em todos os seus aspectos culturais, econômicos, sociais e
políticos, objetivando a igualdade e a construção da cidadania.

REFERÊNCIAS
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br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso: 23 abr. 2020.

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 47


BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1937). Diário Oficial da União, Poder
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48 Políticas Educacionais
GABARITO
1. É possível responder a essa questão realizando uma entrevista com um profissional
da educação de seu município ou fazendo uma consulta/busca nas redes sociais.
No entanto, é público e notório o conhecimento e a informação de que não há escolas
gratuitas suficientes para todos os alunos que precisam, bem como para todas as
fases escolares, além de que há escolas nas quais prevalecem certas ideologias reli-
giosas, quando a educação deveria ser leiga.

2. Uma Constituição que tem para a educação pressupostos e diretrizes de fortalecimen-


to do ensino particular, em detrimento do ensino público, gratuito e universal, está re-
trocedendo, tendo em vista que tais direitos já eram garantidos anterior. Percebemos
que a educação é um direito fundamental e, como tal, não poderia estar à mercê do
mercado particular de ensino, mas, sim, garantido na Magna Carta.

3. Ao fazer a busca sobre diretrizes que foram e/ou estão sendo contempladas na co-
munidade, é interessante observarmos o que previu o PNE entre os anos 2001-2011
e compará-los. Para isso, é importante destacar que o Plano Nacional buscou privile-
giar o fim do analfabetismo, a oferta de educação escolar para todos, uma educação
ofertada em escola única, uma escola que também preparasse para o mercado de
trabalho, um ensino humano, mas que, também, considerasse a ciência e a tecnologia
como essenciais para o desenvolvimento da comunidade, a aplicação de recursos fi-
nanceiros suficientes para manter a estrutura física, bem como de recursos humanos
para uma escola de qualidade, uma escola que promovesse o respeito à diversidade
e uma escola com gestão democrática da educação. Assim, cite apenas três dessas
diretrizes que você sabe que foram contempladas em seu município, indicando de
que forma você teria sido beneficiado por elas.

4. Para responder essa questão, é necessário pesquisar em sites da Sociedade


Civil Organizada, especificamente de sindicatos dos professores e patronais, de
universidades e redes de ensino, ou, ainda, realizar uma entrevista com gestores e/ou
coordenadores de escolas para saber quais projetos têm surgido de meios acadêmi-
cos, faculdades e escolas que colaboraram para resolver problemas relativos à in-
fraestrutura, à falta de vagas, ao déficit de aprendizagem e à baixa remuneração dos
docentes.
Esperamos que você registre que: a) empresas têm disponibilizado o EJA para os seus
funcionários em horários de trabalho; b) há escolas que, além do currículo escolar
com as disciplinas obrigatórias e diversificadas, também oferecem aulas práticas pre-
parativas, no contraturno, para o mercado de trabalho, especificamente para certas
áreas da indústria automotiva; c) há escolas nas quais, mesmo sendo particulares,
seus diretores e coordenadores são escolhidos por meio da Associação de Pais e Mes-
tres, bem como pelos alunos, em eleição direta.

Políticas educacionais numa perspectiva histórico-constitucional 49


3
Legislação educacional no
Brasil: do século XV até 1990
A cultura vigente em uma sociedade democrática geralmente
determina quais demandas e diretrizes o Estado, bem como o seu
governante, deve eleger, na direção de seu desenvolvimento e sua
cidadania, em uma perspectiva em que os anseios e as políticas
públicas nascem da própria realidade. Entretanto, muitas vezes, é
o governante quem determina quais demandas e diretrizes serão
eleitas em um processo impositivo, sem a participação da socieda-
de civil organizada, o que pode nos levar a concluir que políticas
públicas – especificamente as educacionais – podem persistir e ter
as devidas importâncias que merecem conforme os vieses ideo-
lógicos vão se alternando no poder. Assim, são os objetivos deste
capítulo identificar e analisar os fundamentos políticos, econômi-
cos e culturais que constituíram as principais legislações sobre a
educação – implantadas no Brasil até a década de 1990 –, a fim de
compreender as suas estruturas conceituais, suas funcionalidades,
seus impasses e os seus resultados no cotidiano da sociedade e,
em específico, dos diversos atores da educação – alunos, famílias
e professores.
Nessa direção, serão apreciados alguns dos processos educa-
cionais que ocorreram no Brasil durante o período colonial, em
especial a reforma implantada pelo Primeiro Ministro de Portugal,
Sebastião José de Carvalho e Melo (1750-1777), a Reforma
Pombalina; durante o período imperial brasileiro, com destaque à
Lei n. 01/1837 e ao Decreto Educacional (BRASIL, 1890) (Reforma
Benjamin Constant); e, durante o primeiro século da República bra-
sileira (até a década de 1990), com destaque para o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, de 1932, e para as Leis de Diretrizes
e Bases (LDB) de 1961 e 1971.

50 Políticas Educacionais
3.1 A educação na Colônia e a
Vídeo Reforma Pombalina
Para pensar o Brasil, inicialmente, é necessário compreendermos
que o país foi uma colônia de Portugal, do século XV ao ano de 1822,
quando se tornou independente do país europeu. No início desse pro-
cesso, visando povoar e administrar o imenso território da colônia, o
rei português D. João III (1502-1557) dividiu a terra em quinze capita-
nias hereditárias, entregando-as para doze nobres portugueses de sua
confiança, os chamados donatários. Nesse período, a economia era de
exploração, a colônia servia a sua metrópole com as suas riquezas por
meio do trabalho escravizado do indígena e, um pouco depois, do ne-
gro traficado de algumas regiões da África.

No início, tudo parecia ir muito bem, porque os donatários podiam


praticar a escravização – inclusive, sem a oposição da Igreja Católica
–, cobrar tributos e doar lotes de terras não cultivadas – as chamadas
sesmarias. De toda a riqueza que se produzia, 10% era enviada para
a metrópole em forma de dízimo. No entanto, esse sistema não se
perpetuou, e em 1548 foi instituída a figura de um Governo Geral,
a fim de centralizar, administrar, restabelecer o poder e reforçar a
colonização. Foram governos com grande autoridade e que, para
realizar seu trabalho, contavam com ouvidor-mor (para assuntos
judiciais), provedor-mor (para questões financeiras), alcaide-mor (para
funções de organização, administração e defesa militar) e capitão-mor
(para questões jurídicas e de defesa) – um sistema de governo que só
foi extinto em 1808, com a chegada da Família Real ao Brasil. Dentre os
governos-gerais, destacaram-se Thomé de Souza (1549-1553), Duarte
da Costa (1553-1558) e Mem de Sá (1558-1572).

Em parte do período colonial, a relação entre a Metrópole e a Igreja


Católica foi bastante amistosa, o que contribuiu para a presença de
ordens religiosas no Brasil, com destaque para a Companhia de Jesus,
criada em 1534 pelo espanhol Inácio de Loyola, com o objetivo de com-
bater o protestantismo que se difundia pela Europa, bem como con-
verter os habitantes primitivos das colônias à fé católica, por meio da
catequese nos aldeamentos.

Apesar de combater a escravização de indígenas, a Companhia de


Jesus apoiava a escravização do negro. Essa parece ter sido uma im-

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 51


portante contradição da Igreja, não é? O fato é que, no processo de
catequização, uma educação formal bastante discriminatória acabou
ganhando espaço: aos índios, ensinavam rudimentos da língua e ofí-
cios; aos brancos libertos, rudimentos da escrita, da leitura e ofícios;
aos filhos da elite da época, ensinos superiores; já aos escravizados
negros e alforriados, apenas os ofícios. Foi nessa direção que a Com-
panhia de Jesus cumpriu o seu papel ao promover o ensino da tradi-
ção, das normas e dos ofícios do europeu sobre os nativos e negros
escravizados, e a instrução escolar para a elite. Uma escolarização para
funções da estrutura do Estado, e da Igreja em si, ficou reservada ape-
nas para a elite que complementava os seus estudos na Faculdade de
Coimbra. Quanto à educação feminina, vale destacar que era eminen-
temente formal/instrumental para as coisas da casa, da moral e das
questões religiosas.

Podemos, então, perceber que, na colônia, o ensino da época se


voltou aos processos da catequização, dos ofícios, das primeiras letras
e cálculo, da construção dos primeiros colégios, da instalação das
missões e do apogeu da Companhia de Jesus.
O processo de colonização abarca, de forma articulada mas
não homogênea ou harmônica, antes dialeticamente, esses
três movimentos representados pela colonização propriamente
dita, ou seja, a posse e exploração da terra subjugando os seus
habitantes; a educação enquanto aculturação, isto é, a inculcação
nos colonizadores das práticas, técnicas, símbolos e valores
próprios dos colonizadores; e a catequese entendida como a
difusão e conversão dos colonizados à religião dos colonizadores.
(SAVIANI, 2011, p. 29)

É possível destacar, nesse processo educativo, a liderança dos jesuí-


tas Padre Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, que instituíram, na
colônia, uma metodologia que levava à prática de uma disciplina moral
e intelectual e, depois, a uma conversão aos princípios do cristianismo.
Com esse objetivo, utilizavam a reapresentação teatral para explorar e
desenvolver temas da religião dando destaque à luta existente entre o
bem e o mal.

Foi nessa direção que a Companhia de Jesus, aproveitando-se


das experiências que tinha com seus colégios em Roma, constituiu o
Ratio Studiorum, um plano de estudos que consistia em preparar os
jesuítas de todos os lugares, visando unificar seus desempenhos e

52 Políticas Educacionais
metodologias relativas a todos os campos das atividades pedagógicas
que se estenderam de 1599 até o ano de 1759. Saiba mais
No ano de 1759, a Companhia de Jesus perdeu o seu status quando O Ratio atque
Marquês de Pombal, o então Secretário de Estado dos Negócios Interio- Institutio Studiorum Societatis
Iesu (Plano e Organização de
res do Reino – durante o reinado de D. José I –, deu início a um processo Estudos da Companhia de
de secularização do ensino que ficaria sob a responsabilidade direta da Jesus) se constituiu de um
Coroa Portuguesa: foi reformulado o currículo das escolas e da facul- código de leis que tinha por
finalidade ordenar as atividades
dade de Coimbra, alinhando-o às mudanças promovidas pelas luzes e e os métodos de avaliação nas
pelo saber científico da filosofia iluminista – uma corrente filosófica escolas jesuítas, preceituando
uma educação para as virtudes
do século XVII que negava a origem divina dos reis, ignorava qualquer
evangélicas, para os bons
crença que fosse contrária à evidência científica, pregava o liberalismo costumes e hábitos saudáveis,
econômico e a liberdade de expressão. Teve entre os seus represen- detalhando as modalidades
curriculares, o processo de
tantes, René Descartes (1596-1650), Montesquieu (1689-1755), Jean-Ja-
admissão, o acompanhamento
cques Rousseau (1712-1778) e Luís António Verney (1713-1792). e promoção dos estudantes,
os métodos de ensino e de
A ideia, então, era a implantação de uma educação pública, de um aprendizagem, as condutas
ensino que deixasse de ser exclusivamente confessional e que tivesse e posturas respeitosas dos
seus fundamentos tanto nos princípios clássicos quanto nas ideias dos professores e estudantes, os
textos indicados para estudos
enciclopedistas franceses; que além do ensino do latim e do português, como Aristóteles, Cícero, São
também outras línguas modernas fizessem parte do currículo escolar. Tomás de Aquino, e outros
greco-romanos. Também
Nessa direção, por meio do Alvará de 1759 (PORTUGAL, 2020), Pombal
indicava a variedade dos
implanta as seguintes medidas: exercícios e atividades escolares,
a frequência e seriedade dos
•• Expulsão da Companhia de Jesus, do Brasil e de Portugal.
exercícios, a hierarquia e as
•• Inutilização de qualquer metodologia de ensino dos jesuítas, em subordinações.
escolas brasileiras e portuguesas.
•• Implantação de escolas primárias e secundárias sob a docência
laica.
•• Implantação do latim, do grego e da retórica, nos currículos.
•• Fiscalização e orientação do ensino por meio da figura do diretor
de estudos, o que antes era feito por membros eclesiásticos.

Ainda, é importante destacar que, por meio de atos administrativos


do governo português – em específico pelo Alvará de 1771 (PORTUGAL,
2020) –, houve a transferência de toda a estrutura do ensino para o
Estado, que passa a administrá-lo, colocando fim ao controle absoluto
que os jesuítas tinham sobre o processo educacional. O método de en-
sino de Pombal consistia, basicamente, no ensino de língua portuguesa,
latim, grego e hebraico, línguas modernas, retórica, poesia portuguesa,

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 53


filosofia, metafísica, lógica, física, ética, medicina, jurisprudência/moral,
teologia, direito econômico, além da complementação dos estudos de
gramática, latim, retórica, filosofia, medicina, direito, teologia e estudo
das mulheres, que
eram ministrados, considerando duas faixas etárias, distinguin-
do o nível de maturidade das alunas: a primeira envolvia crianças
de 06 a 12 anos de idade, sendo esse momento propício à for-
mação da razão, do caráter, da consciência e dos bons hábitos
das alunas; já a segunda envolvia crianças a partir dos 12 anos
de idade. Esta era considerada uma fase de transição, posto que
a menina precisasse ser cuidada com muita simpatia, pois era o
momento em que se aprendia a ordenar os impulsos e as vonta-
des. (SANTOS, 2011, p. 199)

Além disso, precisamos observar que não é possível pensar o bri-


lhantismo das ideias de Marquês de Pombal sem os fundamentos que
ele buscou em Luís António Verney. O valor que cada um deles tem, na
História, dependeu da relação que existiu entre os dois; caso não exis-
tisse um dos dois, o outro talvez nada significasse.
Luís António Verney é um pedagogo e, enquanto pedagogo, ‘um
iluminista’ na medida em que o iluminismo é uma forma de pen-
sar comum de homens que, em atitudes diversas de pensamen-
to, procuram fazer da cultura um instrumento do progresso e
da perfeição das sociedades e dos homens. Em Verney [...] há
a consciência da necessidade do desdobramento de uma tare-
fa pedagógica, realizando na ordem prática as diretrizes que o
conhecimento das realidades portuguesas e das conquistas re-
centes da cultura impunham como propósito preliminar de uma
política destinada a ‘iluminar’ verdadeiramente a nação lusitana.
(CARVALHO, 1978, p. 61-62)

Apesar de o desejo de mudanças ser grande – como pretendia


Pombal –, o ensino continuou com velhos vícios, como:
•• A formação para certos cargos governamentais, jurídicos ou le-
gislativos, bem como negócios de família, precisava de uma esco-
la nos velhos moldes, inclusive com continuidade de estudos em
Coimbra – exclusivamente para os meninos.
•• As meninas continuaram a receber uma educação para o lar –
aprender a cuidar dos filhos, do marido, dos espaços da casa,
além de ter bons costumes, costurar e bordar. Em busca de uma
educação ilibada, muitas jovens foram encaminhadas para con-
ventos ou internatos, onde aprendiam a doutrina religiosa, os

54 Políticas Educacionais
afazeres domésticos, a educação do corpo e o controle dos dese-
jos mundanos por meio da castidade, que precisava ser mantida
até o casamento.

Para alguns estudiosos, como Azevedo (1976), as reformas pomba-


linas nunca conseguiram, como pretendido, ser implantadas de fato,
porque entre o ano de 1759 e a transplantação da corte portuguesa
para o Brasil em 1808, nenhuma organização institucional educacio-
nal substituiu o sistema educacional da Companhia de Jesus, que havia
sido expulsa.

3.2 Brasil Império e a Lei n. 01/1837


Vídeo Dando continuidade aos estudos sobre importantes legislações
educacionais do país, nesta seção, adentramos no período histórico
que se situa entre 7 de setembro de 1822 (Independência do Brasil)
e 15 de novembro de 1889 (Proclamação da República). Entretanto, é
importante destacarmos que o processo da independência foi iniciado
antes, em 1808, na chegada da Família Real portuguesa que por aqui
implantou muitas transformações que iriam contribuir essencialmente
com todo o processo da independência, a saber:
•• No campo das artes, foram criados o Museu Nacional, o Teatro
Real de São João, o Jardim Botânico, o Museu Real, a Real Aca-
demia de Pintura e Escultura, além de ter promovido a vinda da
Missão Artística Francesa.
•• No campo das relações políticas e econômicas, houve a aber-
tura dos portos às nações amigas, a criação da imprensa régia, a
fundação do Banco do Brasil, a instalação da Real Fábrica de Pól-
vora, pavimentação de ruas do Rio de Janeiro, além da elevação
da colônia à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves.
•• No campo da educação, foram criadas as escolas de cirurgia e
anatomia em Salvador e no Rio de janeiro, a Academia da Guarda
Marinha no Rio de Janeiro, a Academia Real Militar (Engenharia)
no Rio de Janeiro, o Curso de Agricultura, o Observatório Astronô-
mico, a Biblioteca Real e a Escola Real de Artes.

Tudo parecia correr bem para Família Real portuguesa, que se en-
contrava no Brasil, bem como para os habitantes, devido à nova per-
cepção e visão do mundo e aos novos costumes e benfeitorias que

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 55


usufruíam. Entretanto, no ano de 1820, deu-se início à Revolução Libe-
ral do Porto e a burguesia portuguesa passou a exigir o urgente retorno
da Família Real como forma de conter esse movimento, bem como a
revogação de uma série de medidas de liberdade econômica na qual o
Brasil vivia. Foi sob essa situação e essas expectativas que os brasilei-
ros perceberam que havia grande possibilidade de o Brasil voltar a ser
recolonizado, impedindo o desenvolvimento que estava em curso. E foi
o que ocorreu, após um forte desgaste nas relações entre Brasil e Por-
tugal, houve a independência do país sob a liderança de Dom Pedro. A
partir de então, Dom Pedro foi coroado imperador do Brasil sob o título
de Dom Pedro I.

Nos primeiros dois anos pós-independência, contemplavam-se in-


fluências liberais propagadas por ideias iluministas de então; mas, na
elaboração da primeira Constituição em 1824, o que se observou foi a
presença de dispositivos mais para civilizar e controlar – forte defesa
do Estado e do rei –, do que para a cidadania.

Especificamente no artigo n. 178 (BRASIL, 1824), é possível observar


essa omissão para as questões da cidadania, pois no dispositivo consta
que só seria constitucional o que dissesse respeito aos limites e às atri-
buições dos poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos
cidadãos, e tudo o que não fosse constitucional poderia ser alterado
sem as formalidades referidas pelas legislaturas ordinárias.

Para Holanda (1995, p. 160), isso pode ser explicado da seguinte


forma:
Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de aco-
modá-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os
mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da
luta da burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incor-
porar à situação tradicional, ao menos como fachada ou decora-
ção externa.

Como se pode observar na Constituição de então, além dos pode-


res Executivo, Legislativo e Judiciário – raízes do iluminismo –, o Estado
se constituiu de um quarto poder, o Moderador. Este poder atribuía
direitos absolutos, invioláveis e sagrados, de modo que o imperador
pudesse interferir nos outros três poderes como se supremo fosse. E,
quanto à elite, basta lembrarmos que essa primeira Constituição ficou
apelidada de Constituição da Mandioca, devido a uma série de funda-

56 Políticas Educacionais
mentos nela presentes que mantinham relação direta com a realidade
dos ricos produtores desse produto agrícola – o mais importante culti- Saiba mais
vado em nossas terras. Privilégios de classes: para
ser senador, requeria-se que
A participação no exercício do poder só era possível para aqueles tivesse de rendimento anual por
bem próximos do rei, os cidadãos ativos, ou fazendeiros de plantações bens, indústria, comércio, ou
empregos, a soma de 800mil réis
de mandiocas, excluindo os demais populares de qualquer interlocução
(art. 45), ficando excluídos de
com o Estado e com a busca do desenvolvimento da cidadania. votar nas Assembleias Paroquiais
Portanto, tal Constituição se valeu para criar uma sociedade com os que não tivessem de renda
líquida anual 100 mil réis por
direitos apenas para aqueles que tinham renda, para uma elite agrário- bens de raiz, indústria, comércio,
-exportadora mantida por escravizados e pessoas sem renda. Uma ou empregos (art. 92). Quanto a
sociedade constitucionalmente pensada para os de primeira classe, serem eleitores, poderiam ser e
votar na eleição dos deputados,
com liberdade, e os de segunda classe sem qualquer liberdade. senadores, e membros dos
conselhos de província todos os
Portanto, a sociedade brasileira, nos primeiros tempos do Império,
que podem votar na Assembleia
caminhava sob costumes, políticas, culturas e, especificamente, sob uma Paroquial (art. 94), com exceção
educação que se revestiria de intensos processos de exclusão, conforme dos que não tiverem de renda
líquida anual de 200 mil réis
comenta Cury (2014, p. 25): (art. 94) (BRASIL, 1824).
À época da Independência, por exclusão socioétnica, 40% dos ha-
bitantes não tinham acesso à educação como também não eram
considerados cidadãos. Se a isso ajuntarmos as mulheres, que,
pela concepção organicista da época, se limitavam a uma cida-
dania passiva, então o universo dos não cidadãos ou cidadãos
imperfeitos sobe consideravelmente.

É importante destacar, também, que essa realidade impediu de


todas as formas que leis necessárias para a promoção dos direitos
fundamentais e da construção da nação e da cidadania fossem de-
senvolvidas – e, isso, por quase todo o período imperial –, ou seja: por
mais de 60 anos. O que pode levar à conclusão de que a sociedade
viveu um grande atraso, se comparada com outras colônias que adqui-
riram suas independências no mesmo período, com manutenção da
pobreza, e a imobilidade social patrocinada pela elite e legalizada pela
própria Constituição,
Predominaram atividades econômicas primário-exportadoras,
durante os primeiros quatro séculos de sua existência (XVI a XIX),
o exercício do trabalho esteve submetido à intensa desvaloriza-
ção, identificada pela imposição do trabalho forçoso e do geno-
cídio indígena, pela escravidão e barbárie de negros e ainda pelo
sistema de colonato depreciativo a europeus e asiáticos migran-
tes. Nessa fase do país, a questão social não apareceu concreta-
mente como um problema à nação [...]. (POCHMANN, 2004. p. 7)

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 57


É fato que a legislatura de 1826, entendendo ser importante pensar
uma educação para o país, promoveu uma série de debates sobre a
educação popular. E, em 15 de outubro de 1827, a Assembleia Legisla-
tiva instituiu uma lei sobre a instrução pública nacional, estabelecendo
escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares popu-
losos. No entanto, havia a instrução primária gratuita somente para
os cidadãos – aqueles com rendas – levando ou mantendo uma reali-
dade nada promissora na visão iluminista: relatórios para o período de
1827 a 1836 mostravam percentual baixíssimo de alunos matriculados.
E logo surgiram argumentos que explicavam esses números: professo-
res desleixados, alunos vadios, administração e fiscalização municipais
ineficientes, ausência de recursos materiais, falta de cuidados e ma-
nutenção de edifícios públicos, falta de livros didáticos, baixo salário
dos professores, conteúdos dissociados da realidade dos estudantes,
métodos de ensino inadequados, dentre outros.

Nessa dinâmica, para reverter esses dados, políticas educacionais


foram implantadas em várias províncias do Brasil: criação de escolas
normais em Minas Gerais (1835), Rio de Janeiro (1835), Bahia (1836),
São Paulo (1846); criação do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, a ca-
pital, em 1837, para atender a aristocracia; criação de alguns colégios
Curiosidade
religiosos; criação de cursos de magistério em nível secundário, exclu-
O Colégio Pedro II do Rio de
sivamente para meninos. Mas somente em 1837 houve a reforma da
Janeiro adotava o modelo dos
Liceus da França, com um instrução primária na província do Rio de Janeiro, que ainda manteve
currículo que possuía forte absurdos, como proibir a frequência à escola daqueles que sofressem
ênfase humanista: grego,
retórica e poética, desenho, de moléstias contagiosas, dos escravizados e dos africanos, ainda que
música, latim, filosofia, inglês, livres e libertos.
francês, matemática, geografia,
história, zoologia, mineralogia, Vale destacar que, apesar de a instrução primária ser negada aos es-
geometria, astronomia, com um cravizados sem instituições públicas, há relatos de que não havia impe-
plano de estudos conforme o
dimento para que estudassem em estabelecimentos particulares – o que
modelo da Europa e dos Estados
Unidos. O curso compunha-se teria sido proporcionado em muitas fazendas que precisavam de mão
de sete anos de duração (os de obra especializada. Também se sabe que padres ensinavam a religião
demais colégios eram de 4 anos)
e, para isso, proporcionavam a instrução, bem como teriam ocorrido ins-
e quando o estudante concluía,
recebia o título de Bacharel em truções de maneira informal por meio de observação durante as aulas
Letras e, com esse título, era em que as sinhás-moças recebiam de seus professores particulares.
dispensado dos exames para o
ingresso no ensino superior em Voltando um pouco na história, em 11 de agosto de 1827 foram cria-
qualquer faculdade do Império. dos os cursos de ciências jurídicas e sociais em São Paulo e Olinda.

58 Políticas Educacionais
E no dia 15 de outubro do mesmo ano foi criada a primeira lei de ensi-
no público que determinou, além de diretrizes para a educação mascu-
lina, a criação de escolas de primeiras letras e o ensino primário para
as meninas – mas somente em cidades, vilas ou povoados populosos,
com o intuito de criar uma rede escolar no Brasil, além de constituir as
diretrizes sobre a formação e contratação de professores.

Ocorre que, no dia 7 de abril de 1831, Dom Pedro I abdicou de seu


trono e o país passou a ser governado por regentes, mudando, em
parte, os cursos que o país começava a trilhar, especificamente na
área da educação. A partir de então, uma Regência Trina Provisória
assumiu o governo. No entanto, por meio de Ato da Assembleia, pouco
tempo depois, no dia 17 de junho de 1831, a Regência Trina Provisória
foi substituída por uma Regência Trina Permanente, que governou o
país até o ano de 1835, tendo como ministro da Justiça o Padre Diogo
Antônio Feijó – um ferrenho perseguidor dos representantes de
quaisquer ameaças à ordem nacional.

Para proteger a ordem, Feijó instituiu a Guarda Nacional, controlada


pelas elites locais, levando à ascensão de políticos latifundiários que
asseguraram seus interesses particulares. Assim, Feijó e o governo
trino foram obrigados a conceder algumas exigências liberais e, em
1834, via Ato Adicional, foram promovidas importantes reformas que
visaram atender exigências liberais, entre elas, a de que a próxima
regência deveria ser comandada por um único regente. Nessa
direção, Diogo Feijó foi o primeiro regente uno. A partir de então, as
Assembleias Provinciais passaram a ter outras e novas competências,
que, até então, eram somente da Assembleia Geral e do Governo
Geral (BRASIL, 1834).

Assim, é fato que o Ato Institucional de 1834 descentralizou


a administração, com bastante liberdade para as províncias.
Entretanto, esse ato não se aplicou à sede do governo geral, que se
encontrava instalada na província do Rio de Janeiro, cujos processos
políticos e administrativos continuaram sob a exclusiva atuação de
sua Assembleia Provincial. E, como a sede do Brasil se encontrava
nessa província, naturalmente, as demais províncias buscavam copiar
seus bons exemplos e resultados, algumas diretrizes centrais, além
de que as Assembleias Provinciais não podiam legislar sobre certos

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 59


objetos que não estivessem compreendidos no ato, como era o caso
da educação (BRASIL, 1824). Por isso, como foi na província do Rio de
Janeiro a elaboração e aprovação da Lei n. 1, de 1837 que, por ser uma
lei que tratava da instrução primária e as demais províncias deveriam
segui-la, optamos pela sua apreciação nesta seção. Analisando tal lei
(BRASIL, 1837), ela não nos parece ter trazido grandes novidades, se
comparada com a Constituição do Brasil de então. No entanto, sendo
uma lei considerada relevante para aquele momento, é importante
nos voltarmos para algumas de suas diretrizes:
•• Para as escolas públicas de instrução primária, seriam três
classes de ensino na seguinte sequência: 1ª – Leitura, escrita,
gramática, aritmética, moral, religião do Estado; 2ª – Geometria
teórica e prática; e 3ª – Geografia.
•• Para as meninas, eram ensinadas as casses 1 e 3, além de costu-
ra, bordado e outros assuntos para o lar. A elas não era ofertada
a 2ª classe, em que se ensinava Geometria teórica e prática.
•• As pessoas que padecessem de doenças contagiosas, os escravi-
zados e os africanos, mesmo que fossem livres ou tivessem sido
libertos, estavam proibidos de frequentar tais escolas.
•• Quanto à direção escolar, havia, na capital da província, um en-
carregado de todas as escolas de instrução primária; para ajudá-
-lo, havia um inspetor escolar em cada município.
•• A docência só poderia ser exercida por pessoas habilitadas, e
quando isso não se fazia possível, poderia ser exercida tempora-
riamente por pessoas idôneas.
•• Para lecionar em escolas particulares, os professores eram
obrigados a solicitar autorização do presidente da província por
meio de requerimentos com atestados de boa moral, analisados
pelo pároco do seu domicílio e pelo inspetor do seu respectivo
município.
•• A aposentadoria docente se adquiria com vinte anos de traba-
lho, cujo valor seria igual ao do último salário. Entretanto, se o
presidente da província julgasse necessário, o docente poderia
continuar lecionando, recebendo gratificações.
•• Todas as escolas públicas e particulares estavam obrigadas a for-
necer aos inspetores as informações e os mapas dos aprendiza-
dos de cada aluno.

60 Políticas Educacionais
Como podemos observar na estrutura da Lei n. 1, de 1837, a preo-
cupação era com a não dissolução do ordenamento político do Estado
e da situação que era interessante para a aristocracia. Os liberais pro-
duziram uma legislação educacional que não moveu as discriminações
e não resolveu a falta de estrutura e financiamento público de então.
Portanto, uma educação imperial sem qualquer importância, e que iria
perdurar até o ano de 1890.

3.3 O Decreto Educacional n. 981/1890


Vídeo Sabemos que políticas públicas sempre foram agendas de candida-
tos a governos, e questões relativas à educação sempre fizeram parte
dessas políticas. O tema sempre se fez presente durante o Primeiro Im-
pério, as Regências e o Segundo Império, bem como na República. Espe-
cialmente na República, por ser um sistema político em que os princípios
da igualdade, da fraternidade e da solidariedade, bem como a ideia de
que o bem público deve dirigir as ações do Estado, de seus governos e da
comunidade, a busca e promoção de uma educação universal, gratuita e
leiga se fizeram mais fortes e atuantes. Por isso, já em 1890, um ano
após a Proclamação da República, com o Decreto Educacional n. 981 no-
vas diretrizes foram dadas para o ensino no país.
•• Tudo começou com o Decreto n. 346 de 1890,
Saiba mais
logo após a Proclamação da República. Por
meio desse decreto foi criada a Secretaria de Disciplinas para a escola primá-
ria, de acordo com os graus:
Estado dos Negócios da Instrução Pública, Cor-
Leitura e escrita (1º), Caligrafia
reios e Telégrafos, e Benjamin Constant foi no- (2º), Língua Portuguesa (1º/2º),
meado titular. Assim que assumiu, pretendeu Língua Francesa (2º), Contar e
reformar toda a instrução pública, a começar calcular (1º), Aritmética (1º/2º),
Sistema métrico/Geometria
com a Instrução Pública Primária e Secundária
(1º), Geografia e Trigonometria
do Distrito Federal. E em 8 de novembro de (2º), Elementos de Geografia
1890, publicou o Decreto n. 981, que adotava e História – especialmente
do Brasil – (1º/2º), Ciências
os princípios e as diretrizes para a educação
Físicas e História Natural (1º/2º),
(BRASIL, 1890), fazendo prevalecer um ensino Educação Moral e Cívica (1º),
gratuito, livre e leigo em todos os graus. Direito e Economia Política
(2º), Desenho (1º), Topografia
s. Mais ainda: um ensino primário que fosse tam- (2º), Música (1º/2º), Ginástica
bém uma ponte para o ensino superior, além da (1º/2º), Agronomia (1º), Traba-
lhos manuais para meninos e de
ideia de que se deveria dar maior atenção ao ensi- agulha para meninas (1º/2º).
no científico em contraponto à orientação literária,

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 61


que, em sua avaliação, impedia o avanço da educação no país. Há de se
destacar que o fato que mais preocupava Constant era saber que as es-
colas públicas, de então, eram frequentadas basicamente pelos filhos
de famílias de classe média, e que filhos da aristocracia eram educados
por preceptores, estrangeiros ou em escolas privadas.

Dando início ao processo de transformação nos processos educacio-


nais, o decreto – conhecido como Reforma Benjamin Constant –, dividiu
a instrução primária escolar em duas categorias: escola primária de 1º
grau, dos 7 aos 13 anos; e escola primária de 2º grau, dos 13 aos 15 anos
– com uma aprendizagem intuitiva e uso de livro apenas como auxiliar.
Nesse aspecto, as experiências dos estudantes eram muito valorizadas,
o que deve ter se traduzido como algo muito positivo e que contribuiu
para que os estudantes gostassem muito da escola.

Na sequência, o ensino secundário integral, com duração de sete


anos, de modo integral e com a obrigatoriedade de estudos das se-
guintes disciplinas: Português, Latim, Grego, Francês, Inglês, Alemão,
Matemática, Astronomia, Física, Química, História, Biologia, Sociologia
e Moral, Geografia, Literatura, Desenho, Ginástica, e Música.

Como se pode observar, o enciclopedismo se fazia presente no


currículo, mas, como o Brasil tinha aderido às ideias defendidas
pelo Positivismo de Auguste Comte – que se encontram no slogan
Ordem e Progresso da bandeira do país –, as ciências ficaram muito
bem constituídas na relação das disciplinas a serem ofertadas: Ma-
temática/Aritmética/Álgebra, Geometria, Trigonometria/Geometria/
Cálculo, Mecânica, Astronomia, Física, Química, Biologia/Zoologia e
Sociologia e moral. Quanto a Sociologia, é importante destacar que
Comte a considerava uma ciência essencial na compreensão do
mundo – por isso era considerado o pai dessa ciência – e, por isso,
era uma disciplina ofertada no término do ensino secundário e nas
escolas normais.

Outras características muito importantes, e que vêm ao encontro


das ideias positivistas, são as relativas aos tipos de avaliações às quais
os estudantes estariam submetidos em suas fases escolares:
•• Exame de suficiência, que ocorria perante uma comissão, para as
matérias que tinham continuidade no ano seguinte (prova oral).
•• Exames finais, que ocorriam perante uma comissão, para as ma-
térias que não tinham continuidade (prova escrita e oral), e prova
prática para algumas das disciplinas.

62 Políticas Educacionais
•• Exame de madureza, também perante uma comissão, era prestado
no fim do curso integral e destinado a verificar se o aluno tinha a cul-
tura intelectual necessária. Isso acontecia porque o aluno aprovado
nesse exame teria direito à matrícula em qualquer dos cursos supe-
riores de caráter federal, e aquele que conseguisse dois terços da
nota recebia prontamente o título de bacharel em Ciências e Letras.

Outro elemento muito importante da Reforma de Benjamin Cons-


tant – e que tinha fundamentos no Positivismo – era a questão do mé-
rito moral e intelectual, bem como do curriculum vitae do estudante
durante os processos de avaliação que davam muita importância para
as características moralizadoras e meritocráticas da pessoa. E, nessa di-
reção, como recompensa, além dos títulos recebidos, os três melhores
estudantes recebiam prêmios em solenidade com a presença do minis-
tro da Instrução Pública, do inspetor geral, do conselho de diretor, dos
reitores, dos vice-reitores e dos professores, além de terem suas foto-
grafias expostas em galerias, por terem demonstrado talento, amor ao
trabalho, procedimentos exemplares e virtudes.

É importante destacar que o país vivia sob as ideias positivistas e


que, dentre outras diretrizes, entendia que o ensino deveria ser livre,
sem obrigatoriedade, sem privilégio, deixando que a família escolhesse
o melhor para os seus filhos. Portanto, permitia que:
•• instituições particulares ministrassem ensino primário e secun-
dário, desde que sob condições de moralidade, higiene e estatís-
tica, bem como sob inspeções de autoridades sobre os espaços,
metodologias, programas de ensino, livros e professores;
•• os alunos tivessem sua educação ministrada em casa, sob a vigi-
lância dos pais e sem a necessidade de inspeções.

Há estudiosos que afirmam ter existido uma grande contradição na


Reforma Benjamin Constant. Para uns, porque a educação proposta
jamais poderia estar aliada ao Positivismo de Comte, simplesmente
porque, para essa linha de pensamento, o Estado não deve se envolver
na educação infanto-juvenil, uma vez que a educação deve ser de livre
iniciativa da família, nunca obrigatória e sequer regulada por qualquer
instituição; para outros, apesar de tanto discurso e letra de lei, faltaram
professores preparados sob os fundamentos comteanos, e isso invia-
bilizou a abordagem educacional.

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 63


Em outra direção, a reforma já teria nascido fadada a um fracasso,
quando se propôs a uma relação com as ideias positivistas: segundo
Arantes (1988) e Alonso (1995), os positivistas no Brasil já tinham se dis-
tanciado da raiz teórica dessa filosofia quando passaram a promover
um discurso crítico aos cafeicultores, à camada média urbana letrada,
aos militares que conviviam com o escravismo e ao latifúndio. Mas isso
não poderia ter ocorrido, e eram essas classes que ganhavam lugar no
cenário nacional e que passavam a ambicionar a criação de um regime
que atendesse a seus interesses, visando um projeto civilizador moder-
no, entendido como sendo a república, em desfavor da monarquia.

Ao analisar as principais características da Reforma Educacional de


Benjamin Constant, bem como alguns dos fundamentos do Positivis-
mo, pudemos perceber a grande contradição, uma vez que pretendia-
-se uma convivência do latifúndio escravagista das últimas décadas
do século XIX com os ideais republicanos de liberdade, igualdade e
fraternidade, além de buscar construir uma sociedade moderna, com
uma educação científica e a presença do enciclopedismo, sem alterar
as estruturas sociais, as quais faziam parte de uma sociedade que
vivia essa realidade:
•• Segundo um censo de 1920, 69,7% da população economicamen-
te ativa vivia da agricultura, ou seja, a velha sociedade agrária
continuou, com vínculos empregatícios contaminados por dívidas
impossíveis de serem pagas, configurando situações que beira-
vam novos modelos de escravidão, além de terem jornadas de
trabalho de 17 horas ininterruptas.
•• Uma grande massa de trabalhadores passou a se acumular nas
cidades, vendendo suas forças de trabalho a preços absoluta-
mente indignos, uma vez que não tinham qualquer formação es-
colar para ocuparem as vagas disponíveis. Segundo o censo, a
população economicamente ativa era composta de apenas 16,5%
para serviços e 13,8% para uma insipiente indústria de fiação e
tecelagem, de bebidas, de roupas, de sapatos e de alimentos (ins-
taladas apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo).
•• Ex-escravizados passaram a exercer extensas jornadas de trabalho
doméstico não remunerado, em troca de um lugar para morar.
•• Migrantes europeus seduzidos por promessas, e sem qualquer
lei que lhes garantisse algum direito por aqui, ou viviam em con-
dições parecidas com as dos ex-escravizados – atendendo aos in-

64 Políticas Educacionais
teresses da burguesia cafeeira –, ou passavam a viver em lugares
muito distantes dos centros das cidades, abandonados à própria
sorte, vivendo apenas com o que conseguissem produzir.

Portanto, mais uma vez, como nas demais legislações educacionais


anteriores, podemos observar que na Reforma Benjamin Constant os
fundamentos e as diretrizes educacionais se encontravam dissociadas
das necessidades da realidade da sociedade: ao observarmos quais
disciplinas eram estudadas, bem como as formas de exames e premia-
ções, fica difícil entender tal situação.

3.4 O Manifesto dos Pioneiros da


Vídeo Educação Nova de 1932
Você consegue acreditar que, depois de passadas quatro décadas
da Reforma Benjamin Constant, os problemas nacionais continuavam
graves, e a educação não achava o seu caminho? A economia também
se encontrava fragmentada e desarticulada sem a solidez e a visão
global necessárias. O fato é que se exigia, para o país, uma urgente e
profunda reconstrução, considerando que os ares republicanos muda-
vam o mundo na direção da liberdade, da democracia, da igualdade, da
educação gratuita, leiga e universal, mas que por aqui não conseguiu
fincar seus fundamentos. Apesar de boas intenções e uma legislação
educacional ousada, o senso comum havia se instalado em todas as
instâncias da vida pública e privada, é como se o empirismo estreito
dirigisse as análises dos problemas pedagógicos, com ausência total
de uma cultura universitária. Por isso, havia a urgência de romper com
um modelo educacional que construía uma autonomia isolada, indivi-
dualista e que premiava somente os melhores em um quadro rígido da
vida social.

Na realidade, havia poucas escolas para o país, bem como não ha-
via tratamento científico dos problemas escolares no relativo a gestão,
planos de ensino, formação docente, recursos etc. Mais ainda: sobre o
que se tinha, não se vislumbrava um olhar com qualidade em relação
aos aspectos filosóficos e sociais, ou em relação aos aspectos técnico-
-científicos dos métodos utilizados.

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 65


Foi nessa circunstância que, em 1932, construiu-se o documento
conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova por um
grupo de vinte e seis educadores e intelectuais, visando um quadro
cognitivo-científico e social para o sistema educacional de toda a Fe-
deração, projetando a responsabilidade do Estado para com a educa-
ção pública.

Veja que, primeiramente, o manifesto tratou de fazer um diagnósti-


co do sistema nacional de educação, bem como legitimou um planeja-
mento com organização sistêmica, normativa e centralizada, com base
na ciência, e não no empirismo que vigorava; e, na sequência, propôs a
defesa de princípios que levassem a sociedade brasileira a uma moder-
nização por meio de um Plano Nacional de Educação que contemplasse
a educação pública (que não se subordinasse a interesses transitórios
de governos e partidos), a educação laica (com ambiente acima de cren-
ças e alheio a todo o dogmatismo sectário), a educação gratuita (até
os 18 anos de idade, a todos que tivessem vontade e estivessem em
condições de recebê-la) e a educação obrigatória e universal (em todos
os graus para todas as regiões geográficas), em um modelo de escola
única, constituído sob a internalização de valores e práticas necessários
para o desenvolvimento, a modernização e a industrialização da nação.

O fato é que não havia qualquer motivo para, na década de 1930, o


país ainda continuar sob um programa de educação fixado em diretri-
zes que o isolavam de um ambiente que se industrializava em todo o
mundo, e requeria novos valores e novas iniciativas que fizessem circular
novas ideias e aspirações. Por isso a importância e necessidade de um
documento público que indicasse os fundamentos e as diretrizes para
uma renovação educacional, de modo que a pessoa e a sua relação com
o meio social fossem promovidos, e a solidariedade, a cooperação, o res-
peito, as práticas da justiça e a disciplina se fizessem presentes.

Naturalmente, para essa educação almejada pelo Grupo dos Pio-


neiros, a autonomia técnica, administrativa e econômica (com fundos
escolares ou fundos especiais, constituídos de uma percentagem sobre
as rendas arrecadadas pela União, pelos estados e pelos municípios)
também se fazia nos debates, de modo que a educação não ficasse,
mais uma vez, subordinada aos interesses de classes que assumem o
governo, e nem aos interesses de quaisquer legislações que possam se
colocar à frente dos princípios constitucionais – a Magna Carta.

66 Políticas Educacionais
Outro fator importante que esteve nos estudos do grupo foi a ques-
tão da unidade federativa, mas descentralizada sob diretrizes de um
plano comum, de modo que o Ministério da Educação pudesse execu-
tar as orientações da função educacional, promovendo o intercâmbio
pedagógico com os estados e municípios em um regime de intercâm-
bio, solidariedade e cooperação. Saiba mais

Ao apreciar o documento original do Manifesto dos Pioneiros da Foram pioneiros da Educação


Nova:
Educação Nova (TEIXEIRA, 1984), dentre outras ideias e diretrizes ins-
Fernando de Azevedo, Afrânio
critas, destacamos algumas devido à relevância que tiveram e à atuali- Peixoto, Antônio de Sampaio
dade que têm. Dória, Anísio Spínola Teixeira,
Manuel Bergström Lourenço
•• Nenhum dos problemas nacionais sobreleva ao da educação, e Filho, Roquette Pinto, J. G. Frota
o Estado é que deve reconhecer e proclamar a educação como Pessoa, Júlio de Mesquita Filho,
Raul Briquet, Mario Casassanta,
uma função social pública e realizá-la com autonomia técni-
Carlos Delgado de Carvalho,
ca, administrativa e econômica, com a cooperação das demais Antônio Ferreira de Almeida
instituições. Jr., José Paranhos Fontenelle,
Roldão Lopes de Barros, Noemy
•• A solução dos problemas escolares, econômicos e produtivos M. da Silveira, Hermes Lima,
está nos planos político-sociais – por isso, da importância de um Attilio Vivacqua, Francisco
sistema educacional que ocorra pela ação extensa e intensiva Venâncio Filho, Paulo Maranhão,
Cecília Meireles, Edgar Sussekind
da escola sobre o indivíduo e dele sobre si mesmo, e de uma de Mendonça, Armanda Álvaro
constante e contínua reação a uma estrutura educacional artifi- Alberto, Garcia de Resende,
cial e verbalista. Nóbrega da Cunha, Paschoal
Lemme e Raul Gomes.
•• A educação deve desenvolver a capacidade vital do ser huma-
no, proporcionando uma ininterrupta série de esforços criativos
que levem à formação da personalidade integral do estudante
e ao desenvolvimento de suas faculdades produtoras e criado-
ras, visando ao aprendizado para o trabalho, à solidariedade, à
cooperação, à consciência, e ao espírito de justiça, por serem os
grandes valores permanentes.
•• A unidade educativa será a força viva, o espírito, o ânimo nacional
que, por meio de intercâmbio, produzirá os maiores resultados
com as menores despesas e os menores esforços.
•• O Estado, em nome da escola leiga, gratuita e universal, não pode
permitir que classes mais privilegiadas assegurem uma educação
só para si, uma vez que a escola precisa ser comum e igual.
•• Pela relevância na construção da cultura e dos valores sociais,
os educadores precisam ter aspirações e responsabilidades, bem
como trabalharem cientificamente os métodos e fins da educa-
ção que desenvolvem.

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 67


•• A formação dos professores é o meio que a sociedade tem para
elevar a cultura, a vida sentimental comum e um vigoroso espírito
nas aspirações e nos ideais de todos – por isso, a importância de
todo os professores serem formados sobre a base de uma edu-
cação geral comum.
•• A escola primária deve articular-se rigorosamente com a
educação secundária unificada, para abrir acesso às escolas ou
institutos superiores – por isso, a importância de que a escola
reúna em torno de si as famílias, estimulando e aproveitando
as iniciativas dos pais em favor da educação, desde a pré-escola
até a universidade, uma vez que a escola é um órgão vivo, no
conjunto das instituições necessárias à vida, de conformidade
com os interesses e as alegrias profundas da natureza de cada
fase da vida escolar da pessoa.
•• Além da oferta de faculdades de Engenharia, Medicina e Direi-
to, também há a oferta de cursos de Ciências Sociais e Econô-
micas, Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais, e de Fiosofia e
Letras, como forma de combater o senso comum, o ceticismo,
a falta de crítica, a indiferença ou a neutralidade no terreno
das ideias, a ignorância e a tendência fácil de substituir os prin-
cípios pelo paradoxo.

É importante sabermos que muitas das ideias do Manifesto dos


Pioneiros da Educação Nova constaram como dispositivos da Cons-
tituição do Brasil de 1934. E, felizmente, marcas do manifesto foram
Atividade 1 inscritas em uma série de governos locais. No Distrito Federal, por
Até a década de 1940, no Brasil, exemplo, Anísio Spínola Teixeira – um dos Pioneiros da Educação
os cursos de Medicina, Direito e Nova – era o secretário da Educação e, por conta de seu cargo, in-
Engenharia eram direcionados
exclusivamente para os filhos troduziu várias reformas no sistema educacional, como a criação
da aristocracia – aqueles que da Universidade do Distrito Federal; a criação, em São Paulo, da Fa-
tinham grandes recursos para culdade de Filosofia, Ciências e Letras, e a Universidade São Paulo.
pagá-los; e, para os filhos das
demais classes sociais, eram Além disso, no Rio de Janeiro, em Pernambuco e outros estados,
disponibilizadas as vagas houve mudanças inspiradas nos princípios do manifesto.
existentes de cursos de Filosofia,
Ciências e Letras, voltados para No entanto, em 1937, o Brasil, com a implantação do Estado Novo,
a docência. Considerando isso, passou por mudanças ideológicas e políticas. Quase todo o trabalho e
na atualidade, quais seriam os
cursos que essas mesmas classes
os projetos dos Pioneiros foram perdidos, suspensos ou cancelados,
sociais frequentam? E por que uma vez que o sistema educacional passou a ser utilizado mais como
essas classes sociais frequentam ferramenta para divulgação da política ditatorial do governo, do que
esses cursos?
para a função social que tinha. Entretanto, não se pode deixar de dar a

68 Políticas Educacionais
devida importância ao Movimento dos Pioneiros da Educação Nova de
1932, pois, por meio dele, algumas mudanças conceituais e estruturais
no campo da educação ocorreram na sociedade brasileira, se perpe-
tuaram nas décadas seguintes e são apreciadas em todos os espaços
educacionais na atualidade.

3.5 A LDB n. 4.024/1961


Vídeo Com o fim do Estado Novo, no ano de 1946, um novo governo se
instalou no país, e uma nova Constituição foi promulgada, em 18 de
setembro do mesmo ano. Com a Constituição de 1946, a educação
volta a ser definida como direito de todos, com ensino primário obriga-
tório e gratuito. Além disso, houve o restabelecimento da vinculação de
recursos para a pasta da educação, visando à manutenção e ao desen-
volvimento do ensino, e os estados e o Distrito Federal voltaram a ter a
atribuição de organizar os seus sistemas de ensino.

Com a Constituição de 1946, alguns dos ideais do


Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 Livro

foram reintroduzidos. Foi com base nessa Constitui- Carlos Roberto Jamil Cury
é um filósofo brasileiro
ção que se pensou na elaboração de uma Lei de Di- que foi membro do
retrizes e Bases (LDB), conforme seu artigo 5º, inciso Conselho Federal de
Educação e do Conselho
XV, letra “d”, a saber: “Compete à União: XV - legislar Estadual de Educação de
sobre: d) diretrizes e bases da educação nacional” Minas Gerais e presidente
do CAPES, o que dá gran-
(BRASIL, 1946). Assim, conforme previsto, no gover- de credibilidade a suas
no de João Belchior Marques Goulart (1961-1964), o obras e, em especial, para
o livro Educação e direito
país construiu a sua primeira LDB (BRASIL, 1961) – à educação do Brasil: um
uma lei que construiu um Plano Nacional de Educa- histórico pelas Constitui-
ções, que procura verificar
ção (PNE) para a sociedade brasileira. e analisar como o ensino
e o direito à educação
É importante destacarmos, desde já, que a LDB se encontram presentes
teve a sua tramitação política iniciada no ano de nas Constituições e nas
demais legislações que
1947 e se estendeu até o ano de 1961. O fato é que o constituíram os funda-
processo conciliatório relacionado aos princípios de mentos e as diretrizes
das políticas educacionais
liberdade, solidariedade e preservação dos direitos no país. É uma obra que
e deveres individuais, da família, das instituições so- complementa os estudos
desenvolvidos neste
ciais e do Estado, só foi possível a partir do fim do capítulo.
Estado Novo, em 1946. Além disso, a luta entre os li- CURY, C. R. J. Belo Horizonte: Mazza
berais escolanovistas que defendiam a escola públi- Edições, 2014.

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 69


ca e a centralização do processo educativo pela União, com o grupo dos
tradicionais católicos, cujo interesse era uma escola privada tradicional,
sem a interferência do Estado, arrastou-se até os anos de 1960. Foi com
essa dinâmica que se culminou uma legislação de espírito conciliador,
inclusive que faz referências à possibilidade de a educação ser oferta-
da em estabelecimentos de ensino público e em estabelecimentos de
ensino particular.

Outra mudança muito importante, que ficou inscrita nos disposi-


tivos da LDB, é a que se refere à instalação dos Conselhos Estaduais
de Educação, bem como do Conselho Federal de Educação (instalados
a partir de 1962), com atribuições que refletiam os ideais do ensino
público, do processo democrático, do bem comum, e outros. O fato é
que tais conselhos significaram a descentralização da organização do
ensino, no país, com competências inimagináveis até então, como:
Decidir sobre o funcionamento dos estabelecimentos isolados
de ensino superior, federais e particulares, decidir sobre o reco-
nhecimento das universidades, indicar as disciplinas obrigatórias
para os sistemas de ensino médio e estabelecer a duração e o
currículo mínimo dos cursos de ensino superior, promover sin-
dicâncias em quaisquer estabelecimentos de ensino, sugerir me-
didas para organização e funcionamento do sistema federal de
ensino, promover e divulgar estudos sobre os sistemas estaduais
de ensino, adotar ou propor modificações e medidas que visem à
expansão e ao aperfeiçoamento do ensino, manter intercâmbio
com os conselhos estaduais de educação; analisar anualmente
as estatísticas do ensino e os dados complementares. (BRASIL,
1961, art. 9º)

Mudança expressiva também ocorreu quanto ao currículo escolar:


a. O currículo passou a ser composto de disciplinas obrigatórias,
complementares, optativas e de práticas educativas.
b. Ao Conselho Federal de Educação, ficou a incumbência de
definir as disciplinas obrigatórias e as optativas, bem como
indicar quais seriam as obrigatórias. Quanto às optativas, seriam
indicadas (e não definidas) pelo Conselho Estadual de Educação,
com base em uma lista definida pelo Conselho Federal, ficando
para as unidades de ensino as devidas escolhas, baseando-se em
suas culturas, necessidades e peculiaridades locais e regionais.
As complementares e as de práticas educativas ficaram para
os estabelecimentos de ensino escolherem.

70 Políticas Educacionais
Mudanças interessantes para aquele momento, não é mesmo?
De uma forma geral, essas primeiras e importantes alterações nos
processos educacionais traduziam as correntes democráticas que se
constituíam nas principais nações republicanas, e o Brasil não poderia
ter se mantido omisso a esses movimentos. Por isso, houve uma LDB
refletindo esse momento. Ao analisar tal legislação (BRASIL, 1961),
ainda são observados fundamentos e diretrizes muito importantes,
que precisam ser destacados, por exemplo:
•• A educação deve ser inspirada nos princípios de liberdade e nos
ideais de solidariedade, visando à dignidade da pessoa humana,
bem como à unidade nacional.
•• A educação é um direito de todos – até mesmo para os excepcio-
nais que deveriam ser enquadrados no sistema geral de educa-
ção – com oferta tanto em escola pública quanto em particular
e/ou no próprio lar, com ensino primário obrigatório, ofertado
em escola pública e gratuita, inclusive com escolas maternais e
jardins de infâncias para os menores de sete anos.
•• A oferta de ensino técnico, por meio de cursos industriais, agríco-
las e comerciais, é um direito da comunidade – o que traz a ideia
de uma cooperação entre a escola formal e os meios produtivos.
•• O ensino superior está para formar para a pesquisa, para o de-
senvolvimento das ciências, letras e artes, e para a profissionaliza-
ção, os cursos não podem ter menos de quatro anos de duração,
com controle de frequência dos estudantes e dos programas de
ensino – o que leva à ideia de disciplina e inspeção.
•• A Educação Física é obrigatória nos cursos primários e secundá-
rios, bem como nos cursos superiores de predominância esporti-
vas – o que remete à ideia de preocupação com a saúde do corpo.
•• O Ensino Religioso é de matrícula facultativa – o que remete à
liberdade religiosa.
•• Nos estabelecimentos oficiais de ensino médio e superior deve
ser recusada a matrícula ao aluno reprovado mais de uma vez em
qualquer série ou conjunto de disciplinas – o que remete à ideia
de intensa disciplina nos ambientes escolares.

Quanto à estrutura do ensino, visando atender aos fundamentos e


às diretrizes da lei, ficou assim definida:

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 71


•• Educação de grau primário: dividido em ensino pré-primário
(maternal e jardim de infância), ofertado aos menores de 7 anos
de idade; e ensino primário, ofertado a partir dos 7 anos, voltado
para o desenvolvimento do raciocínio e das atividades de ex-
pressão da criança, e a sua integração no meio físico e social, com
duração de quatro anos.
•• Educação de grau médio: com as seguintes opções, ensino mé-
dio (ginasial com duração de quatro anos e colegial com duração
de três anos); ensino secundário (com uma variedade de currí-
culos); ensino técnico (industrial, agrícola ou comercial); e ma-
gistério (curso de formação para a docência no ensino primário),
sob um conjunto de disciplinas assim distribuídas:

•• Obrigatórias: Português, História, Geografia, Matemática,


Ciências.
•• Optativas para o ginasial: Línguas Estrangeiras Modernas, Música,
Artes Industriais, Técnicas Comerciais, Técnicas Agrícolas.
•• Optativas para o colegial: Línguas Estrangeiras Modernas,
Grego, Desenho, Mineralogia e Geologia, Estudos Sociais,
Psicologia, Lógica, Literatura, Introdução às Artes, Direito
Usual, Elementos de Economia, Noções de Contabilidade,
Noções de Biblioteconomia, Puericultura, Higiene e Dietética.
•• Complementares do sistema federal para o ginasial e colegial:
Desenho, Organização Social e Política Brasileira, Desenho
e uma língua estrangeira moderna, uma língua clássica e
uma língua estrangeira moderna, duas línguas estrangeiras
modernas, uma língua estrangeira moderna e Filosofia, Física,
Química e Biologia.
•• Sistemas estaduais: nesse caso, seriam as indicadas pelos
Conselhos Estaduais, e como práticas educativas para o
ginasial e colegial: Educação Física, mais uma à escolha da
escola podendo ser Educação Cívica, Educação Artística,
Educação Doméstica, Artes Femininas, Artes Industriais ou
outras indicadas pela instituição.
A formação de professores e orientadores para o ensino médio era
feita nas faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, e a de professores
de disciplinas específicas de ensino médio técnico em cursos especiais
de educação técnica.

72 Políticas Educacionais
Educação de grau superior: com a oferta de cursos de gradua- Atenção
ção, pós-graduação, especialização, aperfeiçoamento e extensão, mi- Só levava o título de
nistrados em estabelecimentos, agrupados ou não em universidades, universidade a reunião, sob
administração comum, de cinco
com a cooperação de institutos de pesquisa e centros de treinamento ou mais estabelecimentos de
profissional. ensino superior.

Ao observarmos tal proposta, pode parecer que tudo era ideal. No


entanto, o que de fato ocorreu foi uma expressiva desorganização em
todo o processo devido à forte influência de instituições ideológicas na
determinação da práxis histórica das bases curriculares da educação.
Ainda: os Conselhos Estaduais, bem como o Federal, deixaram todo
o trabalho de organização do currículo e dos conteúdos das discipli-
nas para os estabelecimentos escolares e seus professores; a introdu-
ção das disciplinas optativas levou à expressiva perda de emprego de
docentes de tais áreas porque passaram a depender da existência de
estabelecimentos de ensino que as adotassem. Além disso, o ensino
pré-primário pouco atendeu à demanda.

Podemos pensar que essa situação fez com que boa parte da edu-
cação se desenvolvesse sob um vazio de conteúdo, por estar revestida
por um mercado de livros didáticos que decidia o quê e como ensinar,
bem como por uma educação mais voltada à massificação de métodos
em que se formava a pessoa para viver em uma sociedade de consu-
mo. Isso não foi bom para o desenvolvimento da sociedade e para o
conhecimento, conforme afirma Frigotto (2010, p. 20):
A educação no Brasil, particularmente nas décadas de 1960 e
1970, de prática social que se define pelo desenvolvimento de
conhecimentos, habilidades, atitudes, concepções de valores ar-
ticulados às necessidades e interesses das diferentes classes e
grupos sociais, foi reduzida, pelo economicismo, a mero fator de Atividade 2
produção – “capital humano”.
A LDB (BRASIL, 1961) propôs
Resumindo, a prática da proposta resultou em uma educação de uma educação inspirada nos
princípios de liberdade e nos
grau primário à qual a escola se voltou mais para construir hábitos ideais de solidariedade, visando
de consumo; em uma educação de grau médio, em que a ideia era à dignidade da pessoa humana.
habilitar o estudante para uma variedade de trabalho oferecido para No entanto, quando percebemos
que no final da década de 1960
atender exclusivamente aos interesses daqueles que detinham e domi- ela serviu mais para qualificar
navam os meios de produção – é fato que alunos das classes subalter- o jovem para o exercício de
profissões liberais com uma
nas não conseguiram competir por meio dos exames vestibulares no
formação reprodutivista, o
mesmo nível que os alunos dos estabelecimentos particulares, ficando que podemos afirmar sobre os
para aqueles apenas cursos não buscados pela elite; e, em uma edu- princípios da lei?

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 73


cação de grau superior, que se centrou mais em buscar qualificar o
jovem para o exercício de profissões liberais que se fundamentavam
em teorias reprodutivistas.

O fato é que a formação do pensamento escolar brasileiro não conse-


guiu, com essa LDB, desvincular-se de um contexto industrial, comercial,
e exportador, presente em uma sociedade de ampla diversidade cultural
e que se urbanizava. Por isso, não se pode negar que havia duas escolas:
uma para os pobres que iam para as cidades, e outra para a elite urbana
que se encontrava satisfeita com a situação que vivia.

3.6 A LDB n. 5.692/1971


Vídeo Se considerarmos certas questões políticas, sociais e econômicas
vivenciadas no Brasil durante a década de 1960, é possível compreen-
der o motivo de ocorrer, apenas 10 anos após a LDB de 1961, outra
reforma na educação, com a LDB de 1971.

Com a revolução de 1964, e com uma economia pautada na indus-


trialização sob um modelo desenvolvimentista adotado pelos militares
a partir daquele momento histórico, a educação passou a ser conside-
rada um campo de maior relevância das políticas para as necessárias
adequações e mudanças que se instalavam no país. Novas tecnologias
passaram a fazer parte das rotinas nos processos produtivos e, para
isso, novas demandas de recursos humanos especializados passaram a
1
ser exigidos no mercado de trabalho. Por isso, passou a ser necessária
O Taylorismo é uma teoria
uma educação que se voltasse mais para a formação de mão de obra
criada pelo engenheiro
Frederick Winslow Taylor nas diversas categorias ocupacionais decorrentes do processo. Assim,
(EUA, 1856-1915) que, na com o objetivo de dar conta dessa nova realidade, vislumbrava-se uma
obra intitulada Os princípios 1
educação mais tecnicista, na linha taylorista .
da Administração Científica,
constatou a importância de a Como primeiros passos para essa mudança ideológica-produtiva,
gestão saber organizar o sistema
produtivo via hierarquização das bem como metodológica, os governos militares passaram a buscar
pessoas e sistematização das acordos que contribuíssem o mais rápido possível com as adequa-
atividades, de modo que cada ções que se exigiam. Foi nessa direção que 12 acordos/projetos fo-
trabalhador desenvolva uma
atividade específica conforme o ram assinados com os Estados Unidos, envolvendo todo o sistema
seu perfil, sendo monitorado o de ensino (primário, secundário, superior e técnico) – os chamados
tempo que gasta na realização
acordos MEC-USAID (Ministério da Educação e Cultura e a Agency for
de suas tarefas. Só com base em
tal metodologia seria possível International Development dos Estados Unidos).
premiar e compensar cada um
pela sua capacidade produtiva.
Na prática, os acordos envolveram uma assessoria para treinamen-
to de pessoal docente e técnico, para planejamento do ensino curricu-

74 Políticas Educacionais
lar em uma linha de maior racionalidade e técnica, para a construção
de planos que promovessem um maior relacionamento de conteúdos
entre os diversos graus do ensino, visando à obrigatoriedade do ensino
da língua inglesa, desde a primeira série do primário, e uma reforma
no ensino brasileiro que garantisse a sua adequação aos desígnios e
interesses da economia internacional, sobretudo aos interesses das
grandes corporações norte-americanas.
Dentre os doze acordos assinados, quatro, explicitamente, men-
cionavam o ensino médio (ou ensino secundário), entretanto,
todos contemplavam medidas que, de alguma forma, abrangiam
esse nível de ensino, uma vez que eles, embora implicassem assis-
tência a setores específicos, possuíam uma estrutura única, per-
ceptível através de aspectos comuns. (ROMANELLI, 1985, p. 213)

Foi nessa dinâmica política que em 1971 foi publicada a segunda Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a de n. 5.692, uma lei com
importantes diretrizes para a estrutura do ensino, bem como para os
currículos (BRASIL, 1971)
•• Uniu a escola primária com o ginasial, e denominou esse período
como primeiro grau (com 8 anos de duração), revestindo esse
período de aspecto técnico, principalmente nas suas séries finais,
eliminando o exame de admissão que conferia acesso entre
esses níveis.
•• Denominou o colegial como segundo grau.
•• Dividiu o currículo em duas partes: educação geral e ensino pro-
fissionalizante, com um núcleo de matérias comuns obrigatórias
(indicadas pelo Conselho Federal de Educação), e uma parte di-
versificada a ser escolhida pelo estabelecimento escolar com base
em uma lista relacionada pelo Conselho Estadual de Educação.

Quanto às disciplinas para o núcleo comum, o Conselho Federal


de Educação estabeleceu: Comunicação e Expressão (Língua Portugue-
sa), Estudos Sociais (Geografia, História e Organização Social e Política
Brasileira), Ciências (Matemática e Ciências Físicas e Biológicas), Educa-
ção Física, Educação Artística, Educação Moral e Cívica, Programas de
Saúde e Ensino Religioso (facultativo) (BRASIL, 1971). Com relação às
profissionalizantes, também foi o Conselho Federal de Educação que
estabeleceu que Ciências Físicas e Biológicas pudessem ser desmem-
bradas em disciplinas instrumentais como Física, Química e Biologia.
Por fim, as disciplinas da parte diversificada eram indicadas pelos

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 75


Conselhos Estaduais, mas escolhidas pelos estabelecimentos escola-
res, como Iniciação à Agricultura, Oficina Rural, Desenho Técnico e Jar-
Filme
dinagem, Floricultura, Práticas de Comércio, Datilografia, Decoração do
O filme Além da sala de
Lar, Práticas de Escritório, Noções Contábeis e Fiscais.
aula – baseado em fatos
reais – conta a trajetória
Entretanto, as mudanças não pararam aí: alguns dispositivos da
de uma professora, que
desde pequena desejava LDB (BRASIL, 1971) precisam ser destacados pela relevância que tive-
lecionar. Também mostra
ram para o ensino a partir da década de 1970, bem como para a política
como a sua profissão se
mostrou difícil já em seu e economia do período:
primeiro trabalho do-
cente, quando precisou •• Ensino de 1º grau obrigatório com 8 anos de duração (dos 7 aos
superar seus medos e 14 anos), 720 horas anuais de atividades e ano letivo de 180 dias.
preconceitos para traba-
lhar com crianças de rua, •• Ensino de 2º grau, com 3 ou 4 anos de duração, e, no mínimo,
em uma sala improvisada
2.200 horas de trabalho escolar efetivo.
de um abrigo. É um filme
que demonstra dilemas e •• Ensino supletivo abrangendo a leitura, a escrita, a matemática e
dificuldades vividos pelo
profissional da educação,
a formação profissional, destinada para adolescentes e adultos
bem como dificuldades que não a tenham seguido ou concluído na idade própria.
que grande parcela da
população estudantil tem •• Educação a distância como possibilidade para ofertar a modalida-
para ter acesso à escola. de do ensino supletivo.
Apesar de ser um filme
americano, ele nos con- •• Liberdade para a oferta do ensino experimental.
duz a pensar as seme-
lhanças existentes com •• Empresas comerciais, industriais e agrícolas ficaram obrigadas a
a realidade escolar do manter o ensino de 1º grau gratuito para seus empregados, além
Brasil em vários de seus
momentos históricos.
do ensino dos filhos deles.

Direção: Jeff Bleckner. CBS: EUA, •• Educação na zona rural com a possibilidade de o estabelecimento
2011. organizar os períodos letivos, com prescrição de férias nas épo-
cas do plantio e da colheita de safras.
•• Tratamento especial para alunos que apresentem deficiências
físicas ou mentais, para os que se encontrem em atraso con-
siderável em relação à idade regular de matrícula e para os
superdotados.
•• Inclusão da Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação
Artística, e programas de saúde como matérias obrigatórias do
currículo, além do Ensino Religioso facultativo.
•• Preponderância dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos
na avaliação do aproveitamento escolar, a ser expressa em notas
ou menções.
•• Aprovação de alunos com frequência inferior a 75%, desde que
tenham tido aproveitamento superior a 80%.

76 Políticas Educacionais
•• Uma educação básica (1º e 2º graus) com objetivos voltados
para o desenvolvimento das potencialidades da pessoa, visando
à autorrealização, à qualificação para o trabalho, à cidadania
consciente, e ao nacionalismo integrativo.
•• Educação como dever da União, dos estados, do Distrito Federal,
dos territórios, dos municípios, das empresas, da família e da co-
munidade em geral.
•• Possibilidade de os estudantes estudarem o 2º grau na rede pri-
vada por sistema de bolsas com restituição.
•• Formação do professor para o ensino de 1° grau, da 1ª à 4ª sé-
rie, em habilitação específica do 2° grau (magistério) e formação
preferencial dos especialistas da educação em curso superior de
graduação ou pós-graduação, além da formação de administra-
dores, planejadores, orientadores, inspetores, supervisores e de-
mais especialistas em curso superior de graduação, com duração
plena ou curta, ou de pós-graduação.
•• Obrigação do registro profissional para o profissional de magisté-
rio ou especialidade pedagógica.

Entretanto, apesar de toda uma preocupação que parece ter exis-


tido nos fundamentos da LDB de 1971, não aconteceram muitas
mudanças concretas. Uma vez que as desigualdades regionais eram
expressivas, cada estado e suas unidades se organizaram de maneiras
muito distintas, existiam grandes dificuldades das escolas e dos gover-
nos na implantação do ensino profissionalizante devido ao alto gasto Atividade 3
na aquisição de equipamentos, além de que os alunos e suas famílias Uma das características da LDB
não desejavam cursos profissionalizantes, uma vez que o desejo mes- de 1971 instituiu que poderia ser
mo era ingressar em uma universidade. Verbas/recursos insuficientes, concedida a aprovação para alu-
nos com frequência escolar infe-
insuficiência de docentes especializados nas disciplinas profissionali- rior a 75%, desde que tivessem
zantes, o acesso de egressos do 2º grau ao ensino superior passou a ser tido aproveitamento superior
mais difícil por falta de cultura geral e naturalmente a grande camada a 80% na aprendizagem. Você
concorda com essa norma para
não passava no vestibular, que selecionava basicamente aqueles que estudantes que utilizam-se do
tinham cursado escolas de educação geral, geralmente particulares. EaD? Disserte sobre.

Outra questão que amarga a interpretação dessa lei foi o ideal de


profissionalização para todos os estudantes e em todas as escolas no
no seio social, levando à desativação de várias redes de escolas sob o
argumento de que estariam ofertando cursos profissionalizantes quan-
do os que as procuravam desejavam uma educação enciclopédica, já
que estavam intencionados em ingressar em uma universidade –
e curso profissionalizante não preparava para esse ingresso.

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 77


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi possível observar, estruturas sociais desorganizadas, políticas pú-
blicas incoerentes, e luta entre classes sociais são elementos presentes nos
processos históricos. E, no caso do Brasil, quando buscamos identificar as suas
políticas públicas e, em especial as políticas educacionais, percebemos que
desde o século XV, até a década de 1990, quase tudo transcorreu com difi-
culdades, sem os resultados almejados pela sociedade, o que, naturalmente,
pode ser compreendido em parte se considerarmos a nossa formação históri-
ca e a nossa diversidade étnica e cultural.

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GABARITO
1. Cada estudante pode ter uma percepção diferente sobre um mesmo tema, conside-
rando que cada um tem critérios próprios para seus argumentos e observações. No
entanto, nessa questão podemos observar que ainda é um fato que os cursos de Me-
dicina, Engenharia e Direito são os mais frequentados pelas classes sociais mais abas-
tadas – uma realidade que pode ser explicada pelos altos valores das mensalidades,
bem como pela necessidade de dar continuidade, aos negócios de família. Entretanto,
por uma série de políticas públicas existentes, na atualidade esses cursos podem ser
acessados por pessoas das mais variadas classes sociais existentes no país.

2. A LDB n. 4.024/1961, na prática, serviu mais para fomentar uma educação do jovem
para o exercício de profissões liberais reprodutivistas, o que infelizmente ficou muito
distante da ideia de uma educação inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais
de solidariedade. O fato é que tal lei quis materializar as ideias dos escolanovistas da
década de 1930, mas sua implantação e aplicação se deu apenas na década de 1960,
quando as necessidades do país eram absolutamente outras.

3. Naturalmente, cada pessoa tem características próprias, acionadas quando há experi-


mentação ou contato com as diversas normas e regras sociais da comunidade da qual
são membros. E, no relativo aos estudos, cada um tem, também, as suas metodologias
e os seus jeitos para realizá-los. Por isso, há teóricos que acreditam que a escola de-
veria avaliar a aprendizagem, e não a quantidade de horas que o estudante esteve no
ambiente da escola na qual está matriculado. Por isso, da validade e da aceitação dos
estudos no formato EaD, na atualidade.

Legislação educacional no Brasil: do século XV até 1990 79


4
Planejamento educacional
e sistemas de ensino,
a partir de 1996
Na atualidade, o Brasil ainda passa por alguns dilemas na área
da educação. No entanto, podemos compreender que já houve um
importante caminho trilhado na direção de uma educação de qua-
lidade, universal e igualitária, construída democraticamente pelos
atores da sociedade civil organizada e governos, que vai em dire-
ção da promoção da dignidade do ser humano e da formação da
cidadania do povo brasileiro. Para isso, muitos se empreenderam
em debates e estudos sobre as estruturas conceituais de educa-
ção, finalidades, níveis, formas de financiamentos, valorização dos
profissionais da educação etc., resultando na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB).
Como a educação se encontra atrelada aos interesses da nação
e ao seu desenvolvimento social, econômico e cultural – elementos
que se alteram conforme as dinâmicas da sociedade, que é com-
plexa por participar de relações com a comunidade internacional
–, importantes projetos, documentos e políticas foram sendo cons-
truídos a partir dessa LDB. Assim, entre os anos 1997 e 2000 foram
implantados os Parâmetros Curriculares Nacionais – conforme
previsto na Constituição e na LDB (BRASIL, 1996). Na sequência,
por meio da Lei n. 13.005, foi aprovado o Plano Nacional de
Educação para o decênio 2014/2024, visando à promoção de po-
líticas públicas educacionais.
Sob essa dinâmica histórica, a sociedade pode se valer de uma
infinidade de programas, como o Programa Brasil Alfabetizado,
o Pronatec, o Programa Caminho da Escola, o Fundeb, o Reuni,
dentre muitos outros. No ensino superior, além de os indicati-

80 Políticas Educacionais
vos previstos na LDB e no Plano Nacional de Educação, há outras
legislações e projetos específicos quanto à regulação, avaliação de
cursos e de instituições, avaliação dos estudantes, financiamento
dos estudantes, oferta na forma EaD etc. Assim, com este capítulo
pretendemos refletir sobre o planejamento educacional e os sis-
temas de ensino a partir de 1996, considerando esse um período
com expressivo número de projetos e legislações sobre o tema,
bem como o momento histórico em que a educação teve mais len-
tes sociais e parlamentares sobre si mesma.

4.1 A LDB n. 9.394/1996


Vídeo A Constituição Federal (BRASIL, 1988) tem uma série de dispositivos
relativos à educação e ao ensino, em especifico o artigo 6º – que diz ser a
educação um direito social –, o 22 – que afirma ser competência da União
legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional –, o 205 – que diz
ser a educação um direito de todos, dever do Estado e da família –, e o 206
– que indica os princípios da igualdade, da liberdade, da gratuidade, da
pluralidade de ideias, da gestão democrática, da qualidade nos processos
e nos conteúdos, além da valorização da docência como seus elementos
fundamentais e norteadores.

Assim, sob essa direção constitucional, de 1988 a 1996, foram promo-


vidos diversos debates e estudos na sociedade civil organizada, bem como
nas esferas do Poder Executivo e Legislativo que levaram a duas propostas
para uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
a. Primeira proposta: conhecida como Projeto Jorge Hage Sobrinho
(magistrado e professor), foi construída a partir de discussões de
movimentos sociais organizados via Fórum Nacional em Defesa
da Escola Pública (FNDEP).
b. Segunda proposta: elaborada pelos senadores Darcy Ribeiro
(antropólogo e escritor), Maurício José Corrêa (magistrado e
jurista) e Marco Antônio de Oliveira Maciel (advogado e professor),
em consonância com as ideias defendidas pelo Ministério da
Educação e Cultura, é uma proposta que trazia o pensamento do
Congresso Nacional e do Poder Executivo central.

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 81


A diferença essencial entre uma proposta e outra estava em como
deveria ser o controle do sistema de ensino: na primeira, o controle de-
veria ser realizado pela própria sociedade; enquanto na segunda, pelo
próprio governo. Naturalmente, como podemos perceber, foi a proposta
dos senadores a contemplada, tanto que a Lei n. 9.394/1996 ficou conhe-
cida como Lei Darcy Ribeiro. Isso ocorreu no governo de Fernando Hen-
rique Cardoso, sendo o ministro da Educação o professor Paulo Renato
de Souza.

É uma lei ampla, constituída por 92 artigos – distribuídos por nove


títulos –, que conceituou a educação sob o espectro constitucional em
relação aos seus princípios e fins. Apresenta, detalhadamente, a orga-
nização, os níveis e as modalidades de ensino, contemplando os di-
reitos, deveres e valorização dos seus profissionais. Além disso, a lei
inscreveu diretrizes sobre os recursos para a oferta e promoção da
educação, bem como para o desenvolvimento das pesquisas. De modo
geral, transitando pelos títulos e seus dispositivos, vislumbra-se uma
legislação que pretende garantir a toda a população uma educação
gratuita, de qualidade, com valorização dos profissionais da educação,
assim como inscrevendo como dever do Estado a disponibilidade dos
recursos necessários.

A LDB (BRASIL, 1996), em seu Título I, conduz a ideia de que a educação


deve abranger uma série de processos formativos vinculados ao mundo
do trabalho e à cidadania, que podem ser possíveis no ambiente familiar,
na comunidade, e especificamente nas instituições de ensino – lugar do
conhecimento formal organizado, aprimorado e experimentado.

Quanto ao Título II, a lei explicita a liberdade e a solidariedade


como sendo seus grandes pilares, devendo estar sempre sob os prin-
cípios da gratuidade, qualidade, igualdade, liberdade, pluralidade,
respeito à diversidade étnico-cultural, participação democrática e
valorização do seu profissional, com a possibilidade da existência da
escola pública e da privada.

Para a sua efetivação, a lei garante a educação básica (pré-escola,


ensino fundamental e ensino médio). Essa garantia também se estende
para aqueles que não concluíram seus estudos na idade certa, o aten-
dimento especializado e gratuito para pessoas com deficiência (PcD),
indígenas e quilombolas, da mesma maneira a oferta de ensino regular
noturno (Título III).

82 Políticas Educacionais
Quanto à organização da educação, ela está dividida entre os entes
federativos. Segundo o Título IV, cabe à União: a elaboração do Plano
Nacional e as competências e diretrizes da educação – com a colabora-
ção de outros entes; assistência técnica e financeira aos demais entes;
no ensino superior, baixar as normas gerais relativas a avaliação, auto-
rização, reconhecimento, credenciamento, supervisão e avaliação dos
cursos (os mantidos pela União e os pela iniciativa privada).

Segundo a LDB (BRASIL, 1996), aos estados e ao Distrito Federal cabe


organizar seus sistemas de ensino em consonância com as diretrizes e
com os planos nacionais de educação, autorizar, reconhecer, credenciar,
supervisionar e avaliar os cursos superiores de seus sistemas de ensino
(bem como de ensino superior ofertado por seus municípios), além de
fiscalizar e acompanhar as instituições de ensino fundamental e médio
(públicas e privadas), assegurando o ensino dessas etapas.

É obrigação dos municípios: organizar seus sistemas de ensino em


consonância com as diretrizes e plano nacional e estadual, autorizar,
credenciar e supervisionar os estabelecimentos de seus sistemas de
ensino (públicos e privados), oferecer a educação infantil e, com priori-
dade, o ensino fundamental.

Já os estabelecimentos de ensino devem administrar os currículos,


metodologias e recursos humanos com a melhor qualidade de gestão, ar-
ticulando o processo com a comunidade. E, por último, cabe aos docentes
cumprir o plano de trabalho bem como participar de sua elaboração, exe-
cutando o seu trabalho sob a melhor metodologia, gestão e competência.

Quanto aos níveis e modalidades de educação e ensino, o Título V


afirma serem dois: a educação básica – que contempla a educação in-
fantil, o ensino fundamental e o ensino médio – e a educação superior.

Sendo que, na educação básica, o ensino infantil (em creches e


pré-escolas), que deve ser disponibilizado de maneira gratuita, mesmo
não sendo obrigatório, tem como finalidade o desenvolvimento integral
da criança em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social; já no
ensino fundamental, que deve ser disponibilizado de maneira gratuita e
obrigatória, tem como finalidade desenvolver a capacidade de aprender,
a compreensão do ambiente, o fortalecimento dos vínculos familiares,
a promoção dos laços de solidariedade e de tolerância recíproca. E, por
fim, o ensino médio, com a finalidade de desenvolver o estudante para
uma cidadania, para o mundo do trabalho e para estudos posteriores.

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 83


As matrizes curriculares presentes nas propostas pedagógicas devem
promover o exigido pela Base Nacional Comum Curricular, que com-
preende linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias,
ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais apli-
cadas. É importante destacarmos, ainda, que se faz necessário que na
matriz curricular do estabelecimento tenha uma base diversificada, que
atenda às características regionais e locais da comunidade e à oferta da
educação profissional técnica de nível médio que, além da formação ge-
ral do estudante, também o prepara para o trabalho.

É interessante observarmos que essa LDB se reservou o direito


de proporcionar uma educação diferenciada aos trabalhadores, para
atender, naturalmente, as exigências e as normas da produção capital
do momento. Por isso, além de uma educação de formação geral/inte-
lectual, também há a oferta de uma educação para o trabalho manual,
conforme destaca Saviani (2011, p. 9):
composto de uma base comum, para todos, bifurcando-se em
caminhos diversificados, de acordo com as potencialidades dos
educandos para, de um lado, prosseguir rumo à formação de
nível superior e, de outro, voltando-se para a capacitação técni-
ca, as atividades industriais, agrícolas, comerciais que exigiriam,
quando muito, estudos de nível médio. Uma para formar o di-
rigente, outra, nos limites da formação de mão de obra para o
conhecimento das regras de escolha dos dirigentes.

É importante ressaltarmos, também, que a oferta da educação de


jovens e adultos destina-se para os maiores de 15 anos, no ensino fun-
damental, e para os maiores de 18 anos, no ensino médio, e é articulada
preferencialmente em cursos de educação profissional e tecnológica
de formação inicial e continuada, bem como para uma formação pro-
fissional técnica de nível médio e de educação especial, voltada para
pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou
altas habilidades (superdotadas).

A educação superior nas modalidades de cursos de extensão, se-


quenciais, graduação e de pós-graduação (especialização, aperfeiçoa-
mento, mestrado, doutorado) pode ser ofertada pelas instituições de
ensino superior (IES), públicas ou privadas, desde que os cursos este-
jam credenciados, autorizados e reconhecidos pelo devido órgão com-
petente, como o MEC (para as instituições sob a jurisdição federal) e
pelas Secretarias de Educação (para as instituições sob a jurisdição dos

84 Políticas Educacionais
estados). Como finalidades para a educação superior estão o estímulo
da criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e reflexi-
vo do estudante, assim como o aprimoramento do conhecimento dos
problemas do mundo – sempre buscando formar o discente para uma
participação ativa no desenvolvimento da sociedade.

Curso sequencial Curso de graduação

Para ingressar no curso sequencial, Assim como no curso sequencial, para


o estudante deve ter concluído o ter acesso à graduação, o aluno deve
ensino médio, ou equivalente, além de ter o ensino médio concluído e ser
atender aos requisitos exigidos pelo classificado no processo seletivo.
estabelecimento que deseja ingressar.

Curso de pós-graduação Curso de extensão

Para cursar uma pós-graduação é Para cursar, basta atender aos requisi-
necessário que o estudante já tenha, tos exigidos pelo estabelecimento de
pelo menos, uma graduação concluída, ensino.
além de atender aos requisitos exigidos
pelo estabelecimento de ensino.

Os profissionais da educação são todos aqueles que estão direta-


mente envolvidos com as questões da educação, especificamente, den-
tro dos estabelecimentos de ensino, da mesma maneira que aqueles
da comunidade que têm alguma participação na vida escolar. Segundo
o Título VI, podem ser destacados como esses profissionais, portanto,
os docentes, os portadores de diplomas para administração, planeja-
mento, supervisão, inspeção e orientação educacional e os trabalhado-
res da educação portadores de diploma de curso técnico ou superior.

Quanto aos recursos financeiros para a educação, consta no Título


VII que devem se originar de receitas de impostos próprios dos entes
federativos (nunca menos que 18%, da União e, 25% para os estados,
Distrito Federal e municípios), transferências, incentivos fiscais, salário
educação, dentre outros. Importante destacar que os recursos são vol-
tados para a remuneração e o aperfeiçoamento dos profissionais da
educação, bolsas de estudos, infraestrutura, levantamentos estatísti-
cos, pesquisas, aquisição de materiais didáticos, transporte escolar –
tudo sob a aprovação de órgãos fiscalizadores.

E, por último, os Títulos VIII e IX trazem algumas disposições transi-


tórias e gerais em relação aos povos indígenas, à educação a distância
e ao Plano Nacional de Educação.

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 85


Considerando os dispositivos dessa lei e a sua similaridade com a
Constituição Federal de 1988, não podemos deixar de tecer e promo-
ver todos os elogios possíveis para uma série de políticas públicas que
foram implantadas a partir de então, como a criação do Fundeb (Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valoriza-
ção do Profissionais da Educação), do ENEM (Exame Nacional do Ensino
Médio), do Prouni (Programa Universidade para Todos), dentre outros,
com o objetivo de promover o acesso ao ensino superior.

No entanto, continua uma luta entre os interesses públicos e pri-


vados; a educação não se firmou em seus fundamentos e finalidades;
resultados observados na aprendizagem não vêm ao encontro do que
a lei prevê; há uma série de emendas e programas legislativos visando
ao seu redirecionamento, que deixam dúvidas sobre interesses envol-
vidos; representantes dos profissionais da educação não chegam a um
denominador comum; entre outros.

Entretanto, a busca por uma educação de qualidade é incansável,


tanto é que em 2017 foi aprovada a Lei n. 13.415 (BRASIL, 2017c), que
trouxe uma série de importantes alterações na LDB (BRASIL, 1996) para
melhorar todo o processo, e uma contextualização do aprendizado
para todos os níveis da educação – necessária para que o Plano Nacio-
nal de Educação 2014-2024 tivesse efetividade.

4.2 O PNE 2014-2024: Lei n. 13.005/2014


Vídeo Conforme previsto no artigo 214 da Constituição Federal (BRASIL,
1988), “a lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração
decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação
em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estra-
tégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvi-
mento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades [...]”.
Glossário Sobre o mesmo tema, a LDB (BRASIL, 1996), em seu artigo 9º, afirma
decenal: vigência de 10 anos que é função da União a elaboração do PNE, entretanto isso deve ser
feito em colaboração com os estados, municípios e o Distrito Federal.
Tal plano deve conduzir ao fim do analfabetismo, a um atendimento
escolar de qualidade para todos, com formação humanística, científica,
tecnológica e para o trabalho.

Foi nessa direção que, em 9 de janeiro de 2001, foi aprovado o pri-


meiro PNE, a Lei n. 10.172 (BRASIL, 2001a), que deveria ter vigorado até o

86 Políticas Educacionais
ano de 2011 – no entanto, foi estendida até 2014, porque somente em 25
de junho de 2014 foi aprovado o atual PNE, Lei n. 13.005 (BRASIL, 2014).

Uma pergunta que podemos nos fazer é: por que existiu essa lacuna
entre o fim que era previsto do primeiro PNE e a publicação do segundo?
O fato é que em dezembro de 2010, como se era de esperar, foi enca-
minhado ao Congresso Nacional um projeto de lei relativo ao PNE 2011-
2020. Contudo, esse projeto não contemplava um do dos lados do tripé
desejado pelos atores sociais da educação: o diagnóstico da realidade,
do tripé diagnóstico-diretrizes-metas. Assim, a questão foi levada a
debate. Após a tramitação na Câmara Federal, a redação foi remetida
ao Senado no dia 25 de outubro. Nesse mesmo ano, o projeto tramitou
pelas Comissões de Assuntos Econômicos (CAE), Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJ) e de Educação (CE), que, finalmente, elaborou um PNE
substituto que retornou à Câmara em 2 de janeiro de 2014. Com a apro-
vação desse projeto pela Comissão Especial, em 3 de junho de 2014, a
versão final foi aprovada pelo Plenário, culminando a Lei n. 13.005/2014.

O interessante é que o PNE contou com a participação de represen-


tantes dos poderes executivo das três esferas, do Congresso Nacional,
da Conferência Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), da
comunidade educacional, de algumas entidades científicas, de redes de
movimentos e da sociedade civil vinculada ao setor privado, o que re-
presentou avanços para a sociedade que sempre almejou uma educa-
ção voltada para a formação de pessoas éticas, solidárias, respeitosas
com a diversidade étnico-cultural, cidadãs e preparadas para o merca-
do de trabalho.

Na dinâmica da construção de um plano de educação faz-se


necessário o desenvolvimento de um diagnóstico, com as devidas dire-
trizes e metas que, no caso do PNE 2014 - 2024, aparecem contempladas.
Também é importante destacar, desde já, que os projetos pedagógicos
dos estados, Distrito Federal, municípios, tal como das instituição de
educação básica mantidas pela União, precisam estar em consonância
com o PNE, uma vez que todo projeto pedagógico é objeto de monitora-
mento, por meio de avaliações realizadas pelo MEC, pelas Comissões de
Educação da Câmara e do Senado, pelo Conselho Nacional de Educação,
pelo Fórum Nacional de Educação e pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), objetivando produzir indi-
cadores do rendimento escolar e de avaliação institucional.

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 87


a. Quanto à educação infantil, consta na meta 1 do PNE (BRASIL,
2014) que ela deve ser universalizada para crianças de 4 a 5 anos
(pré-escola) até o ano de 2016, e que ao menos 50% das crianças
de até 3 anos deverão ser atendidas em creches até 2024.
Análise: segundo o Observatório do Plano Nacional de Educa-
ção - OPNE (TODOS..., 2020), conforme IBGE/PNADC, 93,8% das
crianças se encontravam matriculadas na pré-escola até o ano
de 2016; e, em abril de 2020, apenas 35,6% das crianças até os 3
anos de idade estavam sendo atendidas em creches.

b. Quanto ao ensino fundamental, a meta 2 (BRASIL, 2014) prevê


a sua universalização para a população de 6 a 14 anos, de modo
que no último ano da vigência do PNE 95% dos alunos concluam
essa etapa na idade recomendada.
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020, 98%
da população de 6 a 14 anos se encontrava matriculada nesse
nível, todavia, apenas 78,4% teriam concluído esse nível de en-
sino na idade correta, o que pode significar certa dificuldade em
atingir os 95% em 2024.

c. Quanto ao ensino médio, a meta 3 (BRASIL, 2014) previu que


toda a população de 15 a 17 anos tenha o atendimento desse
nível de ensino até o ano de 2016 e que até o final do PNE exista
uma taxa líquida de matrículas de 85%.
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), a universalidade que de-
veria ter sido atingida em 2016 não ocorreu, sendo que apenas 92,5%
da população de 15 a 17 anos se encontrava matriculada; quanto à
taxa de matrículas, em abril de 2020 se encontrava em 71,1%.

d. Quanto à educação inclusiva, a meta 4 (BRASIL, 2014)


estabelece que até 2024 o atendimento deveria ser universal
para a população de 4 a 17 anos, preferencialmente na rede
regular de ensino, além disso, também garante salas de recursos
multifuncionais e serviços especializados.
Análise: segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica (TODOS...,
2019, p. 46), a inclusão de alunos com deficiência “passou de 46,8%,
em 2007, para 85,9%, em 2018. Entre 2017 e 2018, o crescimento
foi de 17,4 pontos percentuais na Educação Infantil, 10,9 pontos no
Ensino Fundamental e 23,4 percentuais no Ensino Médio”.

88 Políticas Educacionais
e. Quanto à alfabetização, a meta 5 (BRASIL, 2014) estabelece que
todas as crianças devem estar alfabetizadas no máximo até o
final do 3º ano do ensino fundamental.
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020, é
possível afirmar que apenas 45,3% dos estudantes matriculados
até o 3º ano apresentaram aprendizagem adequada em leitura, e
66,1%, aprendizagem adequada em escrita.

f. Quanto à educação integral, é prevista pela meta 6 em, pelo


menos, 50% das escolas públicas, atendendo a, no mínimo, 25%
dos alunos da educação básica até 2024.
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020, ha-
via 15,5% de matrículas em escola pública em tempo integral.

g. Quanto à qualidade da educação, a meta 7 estabelece melhorias


a serem alcançadas relativas ao fluxo escolar e da aprendizagem,
de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb):

IDEB 2015 2017 2019 2021


Anos iniciais do ensino fundamental 5,2 5,5 5,7 6,0
Anos finais do ensino fundamental 4,7 5,0 5,2 5,5
Ensino médio 4,3 4,7 5,0 5,2

Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020 o


IDEB para os anos iniciais do ensino fundamental se encontrava
em 5,8 – o que estaria na meta –, enquanto para os anos finais do
ensino fundamental estava em 4,6 – bem abaixo da meta.

h. Quanto à escolaridade média da população, a meta 8 (BRASIL,


2014) prevê um mínimo de 12 anos de estudos para a população
de 18 a 29 anos – do campo, da região de menor escolaridade e
dos 25% mais pobres –, além de propor igualar a escolaridade
média entre negros e não-negros declarados, até 2024.
Análise: segundo o OPNE (TODOS...,2020), a escolaridade da
população se encontra em 10 anos; isso nos leva a pensar ser
possível em 2024 atingir a meta. Quanto a atingir essa meta
para os mais pobres dessa população, os dados apontam 10,2
anos de escolaridade.

i. Quanto à alfabetização de jovens e adultos, a meta 9 (BRASIL,


2014) prevê erradicar o analfabetismo para a população com 15 anos
ou mais e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional até 2024.
Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 89
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020),em abril de 2020 os dados
apontam que 93,4% têm sido contemplado; quanto à redução na taxa
de analfabetismo, até esta mesma data foi de apenas de 29%.

j. Quanto à EJA e à educação profissional, a meta 10 (BRASIL,


2014) prevê um alinhamento de 25% das matrículas da EJA com o
ensino fundamental e médio, até 2024.
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020,
0,5% dos matriculados na EJA do ensino fundamental e 3% dos
matriculados na EJA do ensino médio estariam integrados à
educação profissional.

k. Quanto à educação profissional, a meta 11 (BRASIL, 2014)


estabelece triplicar as matrículas no ensino médio, sendo 50%
dessa expansão em estabelecimentos públicos.
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020, cons-
tam 1.791.806 matriculados em educação profissional técnica,
sendo 82,2% em estabelecimentos da rede pública.

l. Quanto à educação superior, a meta 12 prevê para até 2024 um


crescimento de 50% na taxa de matrículas, compreendida entre a
faixa etária de 18 a 24 anos, devendo 40% dessa expansão ocorrer no
segmento público.

Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020,


44,4% da população de 18 a 24 anos se encontrava matriculada
na educação superior e, entre esses, 21,5% em instituições públi-
cas. Entretanto, nesse aspecto é preciso destacar que há políticas
para a ampliação do Fundo de Financiamento ao Estudante do
Ensino Superior (FIES) e do Programa Universidade para Todos
(PROUNI) – que muito podem contribuir.

m. Quanto à titulação de professores da educação superior, a


meta 13 prevê ampliar em 75% o número de mestres e doutores,
sendo, no total, um mínimo de 35% de doutores, até 2024.
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020,
82,2% dos docentes eram mestres e doutores e, desse total, 43%
tinham doutorado.

n. Quanto a pós-graduação em nível stricto sensu, a meta 14


estabelece elevar, até 2024, para 60 mil mestres e 25 mil doutores
o quadro de titulação de professores.

90 Políticas Educacionais
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020, ha-
via 64.432 mestres titulados e 22.901 doutores titulados.

o. Quanto à formação de professores, a meta 15 (BRASIL, 2020)


prevê para o prazo de um ano a implantação de uma política
nacional de modo que, até 2024, todos os professores da
educação básica sejam graduados no ensino superior e aqueles
que atuam nas séries finais do ensino fundamental e médio
tenham formação específica nas áreas em que atuam.
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020,
79,9% dos professores da educação básica tinham curso superior
e apenas 56,8% que atuam nas séries finais do ensino fundamen-
tal e do médio tinham formação específica nas áreas que atuam.

p. Quanto à formação continuada e pós-graduação de professores,


a meta 16 (BRASIL, 2020) estabelece, até 2024, que 50% dos
professores da educação básica devam ter pós-graduação e que
100% desses docentes tenham curso de formação continuada.
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020,
46,2% dos professores da educação básica tinham pós-graduação
e apenas 35,7% com formação continuada.

q. Quanto à valorização dos profissionais da educação básica da


rede pública, a meta 17 previu a equiparação salarial até 2020,
com outros profissionais que possuem escolaridade equivalente.
Análise: segundo o OPNE (TODOS..., 2020), em abril de 2020,
apenas 71,7% dos professores da educação básica tinham rendi-
mento médio comparado com os demais profissionais de mesma
escolaridade, deixando claro que a meta não foi alcançada.

r. Quanto ao plano de carreira docente para a educação básica


e ensino superior públicos, a meta 18 (BRASIL, 2014) buscou
garantir a existência de um plano até o ano de 2016 cujo piso
salarial estivesse de acordo com os termos definidos no artigo
206, Inciso VIII da Constituição Federal.
Análise: segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica
(TODOS..., 2019, p. 113), “(dois anos após do ano limite de 2016),
em 2018, o rendimento médio dos professores da educação bási-
ca correspondia a 69,8% do salário médio dos profissionais com
curso superior”.

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 91


s. Quanto à gestão democrática da educação das escolas
públicas, a meta 19 previu assegurar até o ano de 2016 condições
que envolvessem critérios técnicos de mérito e desempenho,
bem como de consultas à comunidade.
Análise: segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica
(TODOS..., 2019, p. 116),

em 2017, 7,8% dos estabelecimentos públicos de ensino não


apresentavam Conselho Escolar. Em 61,8% dos conselhos, havia
participação de todos os atores envolvidos no processo de en-
sino e aprendizagem (professores, funcionários, alunos e pais);
nos demais, a representação é menor, especialmente pela au-
sência do corpo discente.

t. Quanto ao financiamento da educação, a meta 20 prevê ampliar


o investimento público no equivalente a 10% do PIB, até 2024.
Análise: segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica
(TODOS..., 2019, p. 118), “dados evidenciam a estagnação dos in-
vestimentos em relação ao PIB na educação básica desde 2012;
apenas na educação superior houve aumento de 0,2 percentuais
do PIB entre 2014 e 2015, contribuindo para que o gasto público
total passasse de 6,0% para 6,2% do PIB, nesse período”.
Atividade 1
O Plano Nacional de Educação Apesar de uma série de esforços de todos os atores educacionais envol-
2014-2024 é composto de 20 vidos com as metas do PNE e alguns bons resultados, há críticos que afir-
metas a serem alcançadas,
dentre elas, a que trata da mam que a educação não vai bem, mas não se sabe identificar o porquê.
valorização e reconhecimento Dentre eles, destaca-se Cara (apud ESTEVES, 2019, p. 2) – coordenador-geral
dos profissionais da educação. da Campanha Nacional pelo Direito à Educação – que afirma que:
Sabendo que esses profissionais
são essenciais para a construção o balanço das metas pelo Plano Nacional de Educação mostra
do conhecimento e da cidadania, que [...] o plano foi completamente escanteado. E a crise econô-
você saberia informar qual é mica não explica totalmente o problema. Porque perante a crise
a política educacional do seu
você tem que ser mais cirúrgico na sua tomada de decisão, e no
município para o atendimento
dessa meta? Para resolver essa Brasil, essa decisão vem secundarizando o direito à educação,
questão, você pode fazer uma desde o Brasil Império. Mas o que é patente é que após a Cons-
entrevista com o atual gestor da tituição de 1988 [...] reduziram a ação da União em relação ao
Secretaria de Educação, ou com direito à educação. [...] Então, o resultado é que as metas estão
o Sindicado dos Professores,
estagnadas, asfixiadas em termos de recursos.
ou mesmo acessar os dados
da Secretaria Municipal de No entanto, não podemos deixar de destacar que a Lei n. 12.858/2013
Educação, via site.
(BRASIL, 2013) estabelece que 75% dos royalties – tributos pagos ao go-
verno federal pelas empresas que exploram petróleo como compen-

92 Políticas Educacionais
sação por possíveis danos ambientais causados pela extração – e 50%
do Fundo Social do Pré-Sal são para a educação básica pública, o que
significa um importantíssimo e expressivo recurso que pode promover
mudanças profundas em toda a estrutura da educação, em todo o país,
e que pode garantir o sucesso do PNE.

4.3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais


Vídeo Concomitante à construção da Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional, a comunidade educacional brasileira participou ativa-
mente de debates e estudos em muitos eventos locais e mundiais de
temas relativos à educação, para a construção de legislações e políticas
educacionais que atendessem às necessidades de formação humanís-
tica, cidadã e para o trabalho, e que estivem em consonância com os
princípios da Constituição.

Nessa dinâmica, a partir de um conjunto de propostas publicado em


outubro de 1995 pela Fundação Carlos Chagas – que trouxe a análise
dos currículos implementados nos últimos dez anos em capitais e no
Distrito Federal –, a Secretaria de Educação Fundamental do Ministério
de Educação e do Desporto organizou um grupo constituído por atores
educacionais, nacionais e internacionais, para elaborar uma proposta
que servisse de referência nacional, resultando na construção de uma
versão dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para os anos ini-
ciais do ensino fundamental, que foi submetida a mais de 700 parece-
res de secretários de educação – estaduais e municipais –, de técnicos e
especialistas, de professores de universidades públicas e particulares,
de sindicatos e de organizações, entre outros.

Assim, em 1997, foram aprovados os PCNs para 1ª a 4ª séries do


ensino fundamental (BRASIL, 1997) e, sob o mesmo processo, inicia-
ram-se os trabalhos para a elaboração dos PCNs para os anos finais do
ensino fundamental (BRASIL, 1998) – em apenas um ano, com 335 pa-
receres, esse PCN foi aprovado. Nessa mesma direção, a Secretaria de
Ensino Fundamental do Ministério da Educação e do Desporto também
produziu e distribuiu o Referencial Curricular Nacional para Educação
Infantil e o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas.

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 93


Quanto aos PCNs para o ensino médio,o processo foi muito pare-
cido: tendo em vista uma proposta interdisciplinar e contextualizada,
com a participação de professores e técnicos de diferentes níveis, de
técnicos da Secretaria de Educação Média e Tecnológica e de professo-
res de várias universidades do país em áreas diversas de conhecimen-
tos, os trabalhos foram concluídos em 2000 (BRASIL, 2000).

É importante destacarmos que os Parâmetros Curriculares Nacionais


são apenas referências de objetivos, conteúdos e didáticas para o ensino
fundamental e médio, elaboradas pelo governo federal, sem qualquer
obrigatoriedade ou vinculação para os demais entes da Federação. Toda-
via, têm o importante objetivo de garantir a toda a população estudantil,
independentemente de sua localidade ou condições socioeconômicas,
o direito de conhecer e usufruir os conhecimentos reconhecidos pela
comunidade educacional como necessários para o acesso a todo co-
nhecimento, formação para o trabalho e exercício da cidadania em sua
plenitude. Foi assim, então, que, de forma democrática e universal, as
propostas curriculares dos estados, dos municípios e das escolas inte-
grantes dos sistemas de ensino, passaram a ter uma fonte para buscar
os fundamentos e processos para as suas propostas curriculares.

A partir dessas observações, passaremos a apreciar cada um desses


PCNs, considerando as suas estruturas no ensino fundamental e no
ensino médio.

Quadro 1
Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental
Ensino Fundamental (EF)
EF I – 1º ao 5º ano EF II – 6º ao 9º ano
Língua Portuguesa Língua Portuguesa
Parâmetros Curriculares Nacionais

Matemática Matemática
Ciências Naturais Ciências Naturais
História e Geografia Geografia
Arte Arte
Educação Física Educação Física
Ética História
Meio Ambiente Língua estrangeira
Temas transversais

Saúde Saúde
transversais

Pluralidade Cultural Pluralidade Cultural


Temas

Meio Ambiente
Orientação Sexual
Orientação Sexual

Fonte: Brasil, 1998.

94 Políticas Educacionais
Quadro 2
Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio

Ensino Médio (EM)


Língua Portuguesa

Língua Estrangeira Moderna


Parâmetros Curriculares Nacionais

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias Educação Física

Arte

Informática

Biologia

Ciências da Natureza, Matemática e suas Física


Tecnologias Química

Matemática

História

Geografia
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Sociologia, Antropologia e Política

Filosofia

Fonte: Brasil, 2000.

Ao apreciar as competências e habilidades esperadas por cada um


desses componentes curriculares, para as crianças e adolescentes,
compreendemos que todas, de forma interdisciplinar, objetivam a for-
mação da personalidade da pessoa, participação social efetiva, aquisi-
ção e construção de conhecimentos, preparo para o trabalho, vida em
solidariedade, e construção da cidadania.

Para uma melhor compreensão das competências e habilidades a se-


rem desenvolvidos pelos componentes curriculares, buscamos avaliar,
nos três PCNs, aquelas entendidas como centrais. São elas:

Língua Portuguesa

Ensino fundamental I e II Ensino médio


Desenvolver a capacidade do uso da Saber aplicar a língua, articular as dife-
linguagem e suas formas de registro, renças e semelhanças das linguagens
compreender os textos orais e escritos, oral e escrita, considerar a língua como
melhorar as relações pessoais, valorizar fonte de acordos e condutas e enten-
as variedades da língua e a linguagem der os impactos das tecnologias da
do próprio grupo. comunicação e da informação.

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 95


Matemática

Ensino fundamental I e II Ensino médio


Identificar os conhecimentos matemáti- Ler e interpretar textos matemáticos,
cos, fazer observações sistemáticas de exprimir-se na linguagem matemática,
aspectos quantitativos e qualitativos, saber interpretar problemas e formular
resolver situações-problemas, estabe- hipóteses, utilizar formas de raciocínios
lecer conexões entre temas matemá- e validar conjecturas e relacionar a his-
ticos de diferentes campos e construir tória da matemática com a evolução da
conhecimentos. humanidade.

Ciências Naturais
Ensino fundamental I e II
Compreender a natureza como um todo, formular questões sobre a natureza, com-
preender a ciência como um processo de produção de conhecimento, diagnosticar e
propor soluções para problemas e compreender a saúde pessoal, social e ambiental.

Biologia
Ensino médio
Descrever processos do ambiente, utilizar códigos da biologia, relacionar fenômenos e
fatos em biologia, estabelecer relações entre parte e o todo, reconhecer o ser huma-
no como transformador e julgar ações de intervenção e preservação da vida.

Física
Ensino médio
Compreender enunciados e códigos físicos elaborando sínteses estruturadas, conhe-
cer e utilizar conceitos físicos, reconhecer a física como construção humana, estabele-
cer relações entre a física e outras formas de expressões e emitir juízos de valor.

Química
Ensino médio
Descrever transformações químicas, utilizar conceitos e fatos químicos, reconhecer
aspectos químicos na interação individual e coletiva, reconhecer a importância da quí-
mica no sistema produtivo e os seus limites éticos e morais.

96 Políticas Educacionais
História

Ensino fundamental I e II Ensino médio


Identificar o grupo e suas relações, or- Conhecer e criticar fontes documentais,
ganizar repertórios histórico-culturais, produzir textos analíticos, relativizar
reconhecer mudanças e permanências, as concepções de tempo, estabelecer
utilizar métodos de pesquisas, identi- relações entre continuidade e per-
ficar documentos históricos e fontes manência, ruptura e transformações
de informação e questionar a própria e atuar com crítica sobre a memória
realidade. social instituída.

Geografia

Ensino fundamental I e II Ensino médio


Conhecer o espaço, identificar e avaliar Interpretar os códigos da geografia,
as ações dos seres humanos, com- reconhecer os fenômenos espaciais,
preender a espacialidade e temporali- elaborar investigações, analisar as rela-
dade, utilizar procedimentos de pesqui- ções entre preservação e degradação
sas, fazer leitura da paisagem, valorizar da vida e analisar o impacto das trans-
o patrimônio sociocultural e melhorias formações naturais, sociais, econômi-
nas condições de vida. cas, culturais e políticas.

Sociologia, Antropologia e Política


Ensino médio
Analisar discursos e produzir crítica, construir instrumentos para uma compreensão
da vida, compreender manifestações culturais de etnias e segmentos sociais, com-
preender as transformações no mundo do trabalho para a cidadania plena.

Filosofia
Ensino médio
Ler textos filosóficos de diferentes estruturas e registros, ler criticamente o pensamen-
to construído, articular e contextualizar conhecimentos filosóficos e diferentes conteú-
dos e contextualizar conhecimentos filosóficos em sua origem e nos diversos planos.

Arte

Ensino fundamental I e II Ensino médio


Expressar-se em artes, interagir com Realizar produções artísticas, apreciar
materiais variados, edificar uma relação as diferentes formas, processos e
com a produção artística, compreender produtos da arte, conhecer os critérios
a arte como fato histórico, organizar culturalmente construídos para a arte,
informações sobre arte e construir analisar, respeitar e preservar as diver-
uma relação de autoconfiança com a sas manifestações de arte e construir a
produção artística. cidadania a partir da arte.

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 97


Informática
Ensino médio
Construir protótipos de sistemas automatizados, reconhecer novas ferramentas de
aprendizagem, identificar equipamentos de informática, compreender conceitos com-
putacionais e de rede e reconhecer o papel da informática na organização da vida.

Educação Física

Ensino fundamental I e II Ensino médio


Participar de atividades corporais, Demonstrar autonomia nas atividades
adotar atitudes de respeito mútuo corporais, assumir práticas de ativida-
reconhecendo a pluralidade de mani- des físicas, reconhecer a convivência,
festações, solucionar problemas de or- compreender o funcionamento do
dem corporal e conhecer a diversidade organismo humano, refletindo sobre a
de padrões de saúde, beleza e estética cultura corporal,e compreender as ma-
corporal. nifestações da cultura corporal.

Língua Estrangeira

Ensino fundamental II Ensino médio


Identificar as línguas estrangeiras que Conhecer e utilizar línguas estrangei-
cooperam nos sistemas de comunica- ras, utilizar as estratégias verbais e
ção, reconhecer no estudo de línguas não verbais, compreender a relação
estrangeiras o acesso a bens culturais existente entre a língua e os aspectos
da humanidade, construir conhecimen- sociais e culturais, analisar os recursos
to sistêmico e consciência linguística da linguagem verbal e distinguir as va-
e valorizar a leitura como fonte de riantes linguísticas.
1 informação.

É previsto para o ensino


fundamental o desenvolvi- Ética (Tema transversal )
1

mento de alguns conteúdos


voltados exclusivamente para a Ensino fundamental I
construção da realidade social Compreender o conceito de justiça, adotar atitudes de respeito pelas diferenças,
do estudante, e de seus direitos e compreender a vida escolar como participação, valorizar o diálogo e construir uma
responsabilidades, como pessoas imagem positiva de si.
e membros da comunidade.
Como tais conteúdos podem ser
desenvolvidos dentro das demais
disciplinas, ou mesmo por meio Meio Ambiente (Tema transversal)
de atividades complementares,
que são entendidos como temas Ensino fundamental I e II
transversais. No entanto, se for Conhecer e compreender criticamente noções relacionadas ao meio ambiente, adotar
desejo do estabelecimento de posturas ambientalmente sustentáveis, perceber, apreciar e valorizar a diversidade
ensino, podem ficar na matriz natural e sociocultural e identificar-se como parte integrante.
curricular como disciplinas.

98 Políticas Educacionais
Saúde (Tema transversal)
Ensino fundamental I e II
Compreender a saúde como um direito de todos e de cidadania, conhecer e utilizar
formas de intervenção individual e coletiva no aprimoramento da saúde, adotar hábi-
tos de autocuidado e responsabilizar-se pela própria saúde. Atividade 2
Considerando os Parâmetros
Curriculares Nacionais para
Pluralidade Cultural (Tema transversal) a educação infantil, o ensino
fundamental e o médio, assim
Ensino fundamental I e II como os seus componentes
Compreender e se posicionar de maneira crítica na diversidade, conhecer e valorizar curriculares específicos, com
a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, perceber-se como integrante, co- base nos estudos e nas reflexões
nhecer, cuidar e utilizar-se das diferentes linguagens culturais e questionar a realidade. desenvolvidas, quais seriam
os componentes curriculares
que objetivam a formação da
cidadania?
Orientação Sexual (Tema transversal)
Para responder a esta questão,
Ensino fundamental I e II faz-se necessário compreender
Respeitar a diversidade, conhecer o próprio corpo, identificar e expressar os próprios
o que é a cidadania, e analisar
sentimentos, desenvolver a consciência crítica de respeito às individualidades e procu-
as competências e habilidades
rar orientações adequadas relativas à sexualidade.
esperadas por cada um dos
componentes curriculares.

4.3.1 Base Nacional Comum Curricular Leitura


A BNCC é um documento
É importante destacarmos que – conforme previsto na meta 7 do construído pelo MEC, em
parceria com o Consed
Plano Nacional de Educação – a Secretaria de Educação Básica do MEC, e a União Nacional dos
em conjunto com uma infinidade de outros atores da comunidade Dirigentes Municipais
de Educação (Undime),
educacional, iniciou o processo da elaboração de uma Base Nacional visando à delimitação e à
Comum Curricular (BNCC), um documento em que constam com- definição das compe-
tências e habilidades a
petências, habilidades e aprendizagens para todos os estudantes do serem desenvolvidas e
país, independente dos lugares onde vivem, estudam e suas condições promovidas durante as
etapas e modalidades
socioeconômicas. da educação básica, em
conformidade com os
Assim, em 2017, a BNCC ficou pronta e, a partir de então, o Con- direitos fundamentais
selho Nacional de Educação – conforme previsto na Lei n. 9.131/1995 previstos na Constituição
Federal, na LDB e no PNE.
(BRASIL, 1995) – passou a estudá-la e apreciá-la por meio de audiências No site, o documento
públicas de caráter consultivo, uma vez que tal documento se propu- está dividido em abas,
de modo a proporcionar
nha a abranger necessidades, interesses, etnias e aspectos culturais da facilidade e rapidez no
pluralidade de regiões que o país comporta, em busca da construção acesso, indo direto ao
tema que você desejar.
de uma norma nacional.
Disponível em: http://basenacional-
Nessa direção, em dezembro de 2017, foi homologada a BNCC para comum.mec.gov.br/abase/. Acesso
em: 26 maio 2020.
a educação infantil e o ensino fundamental e, em dezembro de 2018,

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 99


foi homologada a BNCC para o ensino médio. Com a BNCC normatiza-
da, o país todo sabe quais competências, habilidades e aprendizagens
devem ser proporcionadas e desenvolvidas para toda a educação bá-
sica. Desse modo, os PCNs – que até então eram apenas referências
para a construção dos currículos escolares – foram normatizados num
novo documento intitulado Base Nacional Comum Curricular (BRASIL,
2017-2018), de aplicação obrigatória. No entanto, é preciso destacar
que a BNCC, dentre outras mudanças muito importantes, preservou as
diretrizes dos PCNs e promoveu algumas adequações nas nomenclatu-
ras e nos currículos:

Educação infantil

Com implantação prevista para todas as escolas até 2020, sua finalidade é a de promover a formação
humana integral da criança por meio do brincar, participar, explorar, expressar, conhecer-se,
experimentar e aprender as relações e importâncias que têm o eu, o outro e nós / corpo, gesto e
movimentos / traços, sons, cores e formas / a escuta, fala, pensamento, e imaginação / espaços, tempos,
quantidades, relações e transformações, bem como formação para uma atuação justa, democrática,
inclusiva e de harmoniosa convivência.

Ensino fundamental

Ficou definida a sua implantação em todas as escolas até 2020, sob a expectativa de a alfabetização
ocorrer durante os 1º e 2º anos. Esse nível ficou dividido entre as áreas de linguagens, matemática,
ciências da natureza, ciências humanas e ensino religioso, com competências específicas para cada um
dos componentes dentro dessas áreas.

Ensino médio

Língua Portuguesa e Matemática passaram a ser ofertadas nas três séries, tendo como foco o
protagonismo e a autonomia do jovem e o mundo do trabalho, além da existência de um constante
diálogo das competências e habilidades com a educação integral. Nesse nível, o ensino ficou dividido nas
seguintes áreas do conhecimento: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências
da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas.

Como podemos observar, quanto a diretrizes para uma efetiva edu-


cação escolar de qualidade para a população estudantil, com a BNCC o
país fica bem estruturado. Porém, é preciso saber se em cada estabe-
lecimento de ensino a base realmente acontece como o previsto e se
a comunidade participa, ou não, da construção das políticas educacio-
nais previstas.

100 Políticas Educacionais


4.4 Políticas educacionais vigentes
Vídeo Sabemos que políticas educacionais são projetos, planos, progra-
mas e ações voltados para a formação escolar da população, para as
pesquisas e construção de conhecimentos, para a formação para o
mundo do trabalho e cidadania, elaborados pela sociedade civil orga-
nizada, bem como pelos governos federal, estaduais e municipais, em
consonância com os dispositivos constitucionais, com a LDB (BRASIL,
1996) e com a Base Nacional Comum Curricular. Entretanto, omissões
dos governos com relação à educação podem ser consideradas políti-
cas – e merecem especial atenção dos agentes da educação –, confor-
me afirma Teixeira (2002, p. 2):
são, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formu-
ladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamento)
que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de
recursos. [...]. Devem ser consideradas também as “não ações”,
as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois re-
presentam opções e orientações dos que ocupam cargos.

Dentre as políticas públicas educacionais implantadas a partir de


1996, destacamos algumas voltadas para o ensino e a pesquisa, para o
atendimento especializado de alunos com deficiência e/ou residentes
no campo e/ou prisioneiros e/ou fora da idade própria, para a valori-
zação do magistério e outras relativas a recursos etc., que iremos deli-
near nesta obra.

Programa da Escola Básica Ideal

Pela Portaria do MEC n. 3.670/2003 (BRASIL, 2003), sob a coorde-


nação da Secretaria Executiva do Ministério da Educação e participa-
ção do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), foi
institucionalizado de abrangência nacional, numa parceria com os go-
vernos federal, estaduais e municipais. Esse programa visa assegurar
infra-estrutura física, imobiliários, utensílios, equipamentos, materiais
didático-pedagógicos, bem como atendimento por todos os programas
do MEC aos estabelecimentos de ensino:

Programa Brasil Alfabetizado

Em 2004, foi implantado um programa de apoio técnico e financeiro


voltado para a alfabetização de jovens fora da idade própria, adultos e
idosos, para todas as regiões do país, no entanto, quando implantado,

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 101


foi indicado prioritariamente para os municípios que tinham alta taxa
de analfabetismo. Para essa população, visando auxiliá-la em relação
ao transporte escolar, pela Lei n. 10.880/2004 (BRASIL, 2004b), foi ins-
tituído o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE),
bem como o de apoio aos sistemas de ensino no atendimento à edu-
cação de jovens e adultos. Três anos depois, , todo o programa foi
reorganizado, dando origem ao Programa Brasil Alfabetizado, preten-
dendo à universalização do atendimento da alfabetização de jovens e
adultos, com 15 anos ou mais, já que até então o atendimento tinha
uma conotação prioritária.

Programa Caminho da Escola

O programa Caminho da Escola, instituído pelo Decreto n. 6.768/2009


(BRASIL, 2009), é um programa que se volta para a garantia do trans-
porte escolar para alunos das zonas rurais e ribeirinhas que dele pre-
cisam. E, normatizando esse benefício, o decreto estabelece as formas
para a aquisição, renovação, padronização e ampliação da frota de veí-
culos que farão o transporte desses estudantes.

Programa Valorização e Formação de Professores e Trabalhadores


da Educação Básica

Para atender a meta 17 do PNE 2014-2024, o Decreto n. 8.752/2016


(BRASIL, 2016) veio para instituir a política nacional de formação dos
profissionais da educação com diretrizes para uma formação de quali-
dade, com gestão democrática, carreira valorizada e bem remunerada.
É uma preocupação que precisa ser atendida, uma vez que as Diretrizes
Nacionais do Conselho Nacional de Educação e a BNCC preveem a pro-
moção dessas diretrizes e, quando da avaliação institucional, a valori-
zação e formação dos professores é um dos itens a ser apreciado pelos
avaliadores, como prescreve o artigo 1º, parágrafo 3º. Mais ainda: o
decreto afirma, no artigo 2º, inciso IX, que a formação dos profissio-
nais da educação deve ter como princípios políticas contínuas de in-
centivo à progressão na carreira e a indicação de procedimentos que
levem à melhoria das condições de remuneração e garantias dignas de
trabalho.

Veja que, quanto à forma para essa valorização, o mesmo de-


creto determina que deve existir, efetivamente, uma “cooperação
com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nos processos de
ingresso e fortalecimento dos planos de carreira, melhoria da remu-

102 Políticas Educacionais


neração e das condições de trabalho, valorização profissional e do
espaço escolar” (BRASIL, 2016).

Contudo, questões referentes à valorização dos profissionais da


educação já ocorrem há muito tempo, especificamente a partir do mo-
mento que o tema foi regulamentado pela Lei n. 11.494 (BRASIL, 2007c),
com os fundos previstos até o dia 31 de dezembro de 2020. Nessa le-
gislação consta que 20% dos recursos das fontes de receita dos Fundos
previstas no seu artigo 3º, dentre outras fontes acrescidas posterior-
mente, serão destinadas à Manutenção e Desenvolvimento da Educa-
ção Básica e Valorização dos Profissionais da Educação; e, segundo o
artigo 22, “pelo menos 60% (sessenta por cento) dos recursos anuais to-
tais dos Fundos serão destinados ao pagamento da remuneração dos
profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na
rede pública”. Quanto às fontes de receitas dos fundos (artigo 3º), são:
ITCMD, ICMS, IPVA, parcela do produto da arrecadação do im-
posto que a União eventualmente instituir [...], parcela do pro-
duto da arrecadação do ITR, relativamente a imóveis situados
nos Municípios, parcela do produto da arrecadação do imposto
sobre renda e proventos de qualquer natureza e do IPI devida ao
Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, parcela
do produto da arrecadação do imposto sobre renda e proventos
de qualquer natureza e do IPI, parcela do produto da arrecada-
ção do IPI devida aos Estados e ao Distrito Federal, receitas da
dívida ativa tributária relativa aos impostos previstos, bem como
juros e multas eventualmente incidentes. (BRASIL, 2007c)

Programa Benefício de Prestação Continuada na Escola

Por meio do Decreto n. 6.214/2007 (BRASIL, 2007b), envolvendo o


MEC, o Ministério da Saúde e do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, e os municípios,
estados e Distrito Federal, o Estado brasileiro regulamentou o Bene-
fício de Prestação Continuada ao estudante com deficiência (que tem
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade
de condições com as demais pessoas – artigo 4º) e à pessoa com 65
anos ou mais, desde que esteja estudando e comprove não possuir
recursos e nem de tê-lo provido por sua família. A proteção de que
trata o programa visa à concessão de um salário mínimo mensal para
que essa população possa enfrentar melhor a pobreza e ter alguma

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 103


garantia de proteção social, criando condições para uma autonomia,
participação social e emancipação. É importante destacarmos também
que esse programa possibilita a formação de gestores para a educação
inclusiva e para a acessibilidade. Portanto, é um programa social que se
volta para uma população muito vulnerável e que também frequenta
os estabelecimentos de ensino e outros espaços de educação.

Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego


- PRONATEC

Em 2011, por meio da Lei n. 12.513/2011 (BRASIL, 2011), foi criado


o PRONATEC, com a finalidade de ampliar a oferta de cursos de edu-
cação profissional e educação tecnológica, gratuitamente e a distân-
cia, nas redes federal e estaduais, destinado a: alunos matriculados no
ensino médio regular ou na EJA, trabalhadores em geral, beneficiários
dos programas federais de transferência de renda e alunos egressos
do ensino médio de escolas públicas. Para a efetividade do programa,
firmaram-se parcerias com instituições da rede federal de educação
profissional, científica e tecnológica, com instituições de educação pro-
fissional e tecnológica das redes estaduais, municipais e do Distrito Fe-
deral, com instituições dos serviços nacionais de aprendizagem e com
instituições privadas de ensino.

É importante destacar que o programa se volta para a dis-


ponibilização de apoio financeiro ao estudante por meio de
Bolsa-Formação Estudante, Bolsa-Formação Trabalhador, bem como
para o financiamento da educação profissional e tecnológica, apoio
técnico e estímulo para uma maior expansão de oferta de vagas para
as pessoas com deficiência – apoios muito bem-vindos para todos
aqueles que precisam. Porém, quando se faz uma avaliação dos resul-
tados desse programa, a percepção não é muito animadora: segundo
um relatório construído pela Comissão da Educação, Cultura e Esporte
do Senado Federal (BRASIL, 2017a), no ano de 2017:
•• houve falhas na fiscalização, regulação, acompanhamento e exe-
cução dos cursos ofertados;
•• os cursos ofertados eram de baixa complexidade tecnológica;
•• o programa favoreceu mais a rede privada;
•• professores que trabalharam nos cursos tiveram grandes dificul-
dades em receber seus salários;

104 Políticas Educacionais


•• por não ter sido exigida a prestação de contas ao MEC pelo rol
das instituições de ensino participantes, os dados registrados so-
bre o programa não são confiáveis;
•• até 70% dos alunos abandonaram os estudos;
•• pessoas que fizeram os cursos ofertados têm tido as mesmas
chances de vagas no mercado de trabalho que têm os que não
o fizeram; e,
•• o programa dificilmente atingirá 5,2 milhões de alunos matricu-
lados – conforme previsto –, considerando que em 2017 havia
apenas 1,7 milhão.

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego é


bastante amplo e, naturalmente necessário e muito importante para
a população estudantil do Brasil, considerando o perfil socioeconômi-
co da maioria da população. Todavia, é um programa que precisa ser
continuamente aprimorado, considerando adversidades próprias do
mundo do trabalho.

Programa Universidade para Todos - PROUNI

Por meio da Lei n. 11.096/2005 (BRASIL, 2005), foi instituído o


PROUNI, que era destinado à concessão de bolsas de estudo integrais
ou parciais de 50%, ou de 25%, para estudantes de cursos de gradua-
ção e sequenciais, de formação específica, em instituições privadas de
ensino superior, com ou sem fins lucrativos, voltado para estudantes
que tenham cursado todo o seu ensino médio em rede pública, ou
como bolsista em rede privada, para pessoas com deficiência, para os
que obtiverem boa pontuação no ENEM (Exame Nacional do Ensino
Médio) e, também, para o professor de rede pública que queira cur-
sar licenciatura e pedagogia. Quanto às empresas participantes, como
contraprestações, ficariam isentas na vigência do termo da adesão dos
seguintes impostos e contribuições (art. 8º):
•• Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas;
•• Contribuição Social sobre o Lucro Líquido; e,
•• Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social.

Podemos afirmar que o PROUNI é uma política pública educacional


de grande relevância, considerando as dificuldades que muitos estu-
dantes têm de acessar a educação superior, por não conseguirem nota
suficiente nos exames de acesso às vagas nas instituições públicas, ou

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 105


não terem condições econômicas para cursarem em instituições pri-
vadas. No entanto, é importante considerarmos que há uma série de
problemas envolvendo esse programa, e que precisa ter as devidas
considerações, como as apontadas por Almeida et al. (2012, p. 899):
quanto à efetiva democratização de acesso ao ensino] [...] o en-
sino superior se abriu na realidade a estratos sociais e a públicos
menos tradicionais neste nível de ensino; contudo, permanecem
acentuadas assimetrias sociais nas instituições e nos cursos a
que se tem acesso, ao mesmo tempo em que a permanência e
abandono também se diferenciam socialmente em termos das
respectivas taxas de incidência. Estes fenômenos têm causas di-
versas, não sendo possível ilibar as próprias instituições de ensi-
no superior de responsabilidades nesse cenário.

Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das


Universidades Federais - REUNI

Conforme previsto na LDB (BRASIL, 1996) e sob uma série de estu-


dos e debates sobre a educação superior, via Decreto n. 6.096/2007
(BRASIL, 2007a), foi instituído o REUNI, com o objetivo de criar condi-
ções relativas à estrutura física e de recursos humanos para amplia-
ção do acesso e permanência na educação superior. Como diretrizes,
o programa busca a diminuição das taxas de evasão escolar, apoio à
mobilidade estudantil pelas diversas instituições de ensino superior no
país, reestudos da estrutura acadêmica, maior número de modalida-
des de cursos de graduação, aumento e apoio às políticas de inclusão e
assistência estudantil e uma articulação mais organizada e com signifi-
cado entre a educação básica e a educação superior.

Com o objetivo de dar conhecimento sobre os resultados dos di-


versos processos de expansão ocorridos nos últimos dez anos por
meio do REUNI, um Relatório da Comissão, constituída pela Portaria
do MEC n. 126/2012 (BRASIL, 2012), concluiu ser uma política pública
educacional que muito tem contribuído com o ensino superior, cujos
resultados podem ser quantificados e apreciados pela comunidade,
em geral, a saber:
Esta fase [...], por meio do Reuni, trouxe um expressivo cresci-
mento não somente das universidades federais, mas também de
campus no interior do país. De 2003 a 2010, houve um salto de 45
para 59 universidades federais [...]; e de 148 campi para 274 cam-
pus/unidades [...] A interiorização também proporcionou uma
expansão no país quando se elevou o número de municípios

106 Políticas Educacionais


atendidos por universidades federais de 114 para 272 [...]. Ainda
no âmbito da integração e do desenvolvimento regional, des-
tacam-se a criação de 47 novos campi no período entre 2011 e
2014 e os processos em tramitação no Congresso Nacional dos
projetos de lei que criam outras quatro universidades: Universi-
dade Federal do Sul da Bahia [...], Universidade Federal do Oeste
da Bahia [...], Universidade Federal do Cariri [...] e Universidade
Federal do Sul e Sudeste do Pará [...] (BRASIL, 2012).

Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES

Pela Lei n. 10.260/2001 (BRASIL, 2001b), foi criado o FIES como pro-
grama do governo para financiar, em até 100%, cursos de educação
profissional, técnicos e tecnológicos, cursos de graduação, mestrado e
doutorado não gratuitos, com avaliação positiva – na graduação, com
conceito igual ou maior a 3 (no Sistema Nacional de Avaliação da Edu-
cação Superior - Sinaes) e para mestrado e doutorado, aos que obe-
decerem aos padrões de qualidade propostos pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Para participar,
o estudante precisa atender a alguns critérios: renda per capta familiar
de até três salários mínimos para estudantes de todo o Brasil e renda
per capita familiar de até cinco salários mínimos para estudantes das re-
giões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Desde 2010, passou a ser exigido
do estudante a participação em qualquer edição do ENEM, não tendo
zerado a redação e tendo feito uma pontuação mínima de 450 pontos
na prova. Há de se destacar que, como não se trata de uma bolsa de
estudo, mas sim um financiamento, ao concluir o curso, inicia-se a fase
Glossário
de amortização.
amortização: redução de uma
Quanto às receitas do FIES, estão previstas no artigo 2º da Lei dívida.
n. 10.260/2001 (BRASIL, 2001b); dentre elas, as dotações orçamentárias
consignadas ao MEC, os encargos e sanções contratualmente cobrados
nos financiamentos concedidos ao amparo dessa lei, multas decorren-
tes de sanções aplicadas por descumprimento dos preceitos dessa lei e
demais normas que regulamentam o FIES, os encargos e sanções con-
tratualmente cobrados nos financiamentos concedidos no âmbito do
Programa de Crédito Educativo, rendimento de aplicações financeiras
sobre suas disponibilidades e receitas patrimoniais.

É importante salientarmos que, mesmo sendo um programa muito


bem delineado e avaliado pela população estudantil, seus resultados

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 107


não têm sido os melhores, conforme Diagnóstico FIES, do Ministério da
Fazenda (BRASIL, 2014b, p. 5):
Livro no entanto, vale ressaltar que o Fies não tem sido eficaz no cum-
A obra Políticas e gestão primento da meta do Plano Nacional da Educação (PNE). Uma
da educação: desafios
das metas do PNE é elevar a taxa bruta de matrícula no ensino
em tempos de mudanças
apresenta uma profunda superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de
reflexão sobre as relações 18 a 24 anos, sendo que pelo menos 40% das novas matrículas
entre Estado e a sociedade devem ocorrer nas IES públicas. O que aconteceu é que o núme-
a respeito de temas como
políticas públicas, gestão
ro de financiamentos concedidos pelo Fies ultrapassou o total de
e avaliação educacionais, novas matrículas no segmento privado, o que significa que parte
democratização do direito dos alunos já matriculados em IES privadas passou a ser financia-
à escolarização, demo-
dos pelo programa, conforme apontado na tabela abaixo.
cracia representativa e
participação ativa. É uma
obra indicada para todos
Assim como outras políticas públicas educacionais, o FIES tem sido
os profissionais que atuam de grande relevância para a educação superior, considerando que
nos espaços da educação,
bem como para todo pen-
sem esse apoio, possivelmente um expressivo número de pessoas
sador e pesquisador. interessadas em cursar ensino superior estivessem fora das faculda-
MARTINS, A. M. et al. Campinas, SP: des e universidades. Por isso, é um programa que merece os devidos
Autores Associados, 2013.
valores da comunidade.

4.5 Legislação da educação superior


Vídeo Conhecer e compreender a legislação da educação superior é muito
importante. Entretanto, por ser um tema muito amplo, por isso citare-
mos aqui apenas as legislações federais mais contemporâneas.

Princípios e finalidades da educação superior

Segundo a LDB, a educação superior tem princípios que precisam


ser inscritos em todas as propostas de ensino dos estabelecimentos.
O artigo 3º traz destaque para a igualdade de acesso, a gratuidade do
ensino público, a valorização do docente, a prática da gestão demo-
crática e garantia de qualidade, com liberdade de pensamento, con-
vivência com pluralidades de ideias e respeito às diferenças. Noutra
linha, indica a importância da coexistência de instituições de ensino
– tanto públicas, quanto das privadas. As finalidades da educação
superior apresentam-se no artigo 43 e, dentre elas, destacam-se:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito
científico e do pensamento reflexivo; [...] III - incentivar o trabalho
de pesquisa e investigação [...]; IV - promover a divulgação de
conhecimentos culturais, científicos e técnicos [...]; V - suscitar o
desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional

108 Políticas Educacionais


e possibilitar a correspondente concretização, integrando os co-
nhecimentos [...]; VI - estimular o conhecimento dos problemas
do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, pres-
tar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta
uma relação de reciprocidade; VII - promover a extensão, aberta
à participação da população [...].

Ao apreciar tais princípios e finalidades, podemos observar uma


amplitude que atinge as várias faces de uma educação democrática e
de qualidade, o respeito e a valorização da pessoa enquanto estudante,
as relações entre as culturas, a valorização do profissional da educação
e uma implícita relação entre aprender, ser, conviver e conhecer.

Regulação de instituições da educação superior

Segundo os artigos 15, 16 e 17, do Decreto n. 9.235, de 15 de dezem-


bro de 2017 (BRASIL, 2017b), são credenciadas para a oferta de cursos
superiores de graduação e de pós-graduação as instituições de ensino de
acordo com a seguinte organização:
•• Faculdade: instituição que oferta curso de graduação numa área
específica e depende de autorização prévia do MEC. A alteração
para centro universitário pode ser requerida quando fizer seu re-
credenciamento, atendendo aos critérios exigidos.
•• Centro universitário: instituição que oferta atividades de ensi-
no, pesquisa e extensão em uma ou mais áreas do conhecimento
(humanas, biológicas, jurídicas e exatas) e independe de autori-
zação para funcionamento, devendo apenas informar os cursos
criados para a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação
Superior do Ministério da Educação. Entretanto, a autorização
de funcionamento para esse tipo de instituição vai depender se
possui 1/5 de seus docentes em regime de tempo integral, 1/3
de seus docentes como mestre ou doutor; se tem no mínimo 8
cursos reconhecidos, se possui programa de extensão nas áreas
do conhecimento abrangidas por seus cursos de graduação e
programa de iniciação científica, se obteve Conceito Institucional
maior ou igual a 4 na avaliação externa, e se não foi penalizada
em processo administrativo de supervisão nos últimos dois anos.
•• Universidade: instituição que oferta atividades de ensino, pes-
quisa e extensão em todas as áreas de conhecimento (humanas,
biológicas, jurídicas e exatas) e independe de autorização para
funcionamento, devendo apenas informar os cursos criados para

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 109


a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do
Ministério da Educação. Aqui também há uma série de critérios
que precisam ser contemplados para adquirir a autorização para
este tipo de instituição: deve possuir 1/3 do corpo docente em
regime de tempo integral, e 1/3 com titulação de mestrado ou
doutorado; ter, no mínimo 60% de seus cursos de graduação com
conceito satisfatório na avaliação externa, possuir programa de
extensão nas áreas do conhecimento abrangidas por seus cur-
sos de graduação, ter programa de iniciação científica, ter obtido
Conceito Institucional maior ou igual a 4 na avaliação externa,
oferecer regularmente quatro cursos de mestrado e dois de dou-
torado reconhecidos, e não ter sido penalizada em processo ad-
ministrativo de supervisão nos últimos dois anos.

Segundo o senso da educação superior, realizado em 2018 pelo


Inep, a situação quanto às suas instituições de ensino (IE) é a seguinte:
Das 2.448 IES brasileiras, 82,5% são faculdades. As 199 univer-
sidades existentes no Brasil equivalem a 8,1% do total de IES.
Por outro lado, 53,6% das matrículas da educação superior estão
concentradas nas universidades. Apesar do alto número de fa-
culdades, nelas estão matriculados apenas 1/4 dos estudantes.
Em 2017, 35.380 cursos de graduação e 63 cursos sequenciais
foram ofertados [...]. Dois terços das IES oferecem 100 ou mais
cursos de graduação e 26,7% das IES ofertam até dois cursos de
graduação. Em média, as IES oferecem 14 cursos de graduação;
92% dos cursos de graduação nas universidades são na modali-
dade presencial. O grau acadêmico predominante dos cursos de
graduação é o bacharelado (58,7%) (DADOS..., 2018).

Credenciamento e recredenciamento de instituições para a


educação superior

Esses processos estão normatizados no Decreto n. 9.235, de 15 de


dezembro de 2017 (BRASIL, 2017b).
•• Quanto ao credenciamento de uma instituição privada, segundo
o artigo 18, fica condicionada a edição prévia de ato do Ministério
da Educação, e será acompanhado do ato de autorização para a
oferta de, no mínimo, um curso superior de graduação;
•• Quanto ao recredenciamento, segundo o artigo 25, o pedido é
protocolado junto à Secretaria de Regulação e Supervisão da Edu-
cação Superior do Ministério da Educação, e ocorre quando há
pedido de credenciamento para nova modalidade.

110 Políticas Educacionais


Autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento
de cursos da educação superior

É importante destacar que os cursos superiores precisam ser au-


torizados pelos órgãos competentes, caso contrário, não terão valida-
de. Para isso, segundo o Decreto n. 9.235, de 15 de dezembro de 2017
(BRASIL, 2017b), a oferta de cursos de graduação em faculdades depen-
de de autorização prévia do Ministério da Educação e, se for em univer-
sidades e ou centro universitários, segundo o artigo 40, deverão apenas
informar à Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior.
Em relação ao reconhecimento e registro, encontram-se inscritas, no ar-
tigo 45, as condições necessárias à validade nacional e à busca pelo re-
conhecimento, que deve ocorrer no período compreendido entre 50% e
75% do curso integralizado. Contudo, a validade desse reconhecimento
geralmente não é superior a cinco anos. Por isso, as instituições devem
solicitar com a devida antecedência ao SESU/MEC, a constituição de Co-
missão de Avaliação, para a devida renovação do reconhecimento.

Encerramento da oferta de cursos e descredenciamento de ins-


tituições de educação superior

Esse tema também se encontra previsto no Decreto n. 9.235/2017


(BRASIL, 2017b). Nele consta que, além de outros processos, para
ocorrer o encerramento de cursos e descredenciamento da instituição,
a mantenedora deve vedar ingresso de novos estudantes, entregar os
registros e documentos acadêmicos aos estudantes, promover a oferta
final de disciplinas e a transferência de estudantes.

Avaliação da educação superior – Sinaes

Visando melhorar o mérito e a qualidade, assim como orientar a ex-


pansão e promover a responsabilidade social da instituição de ensino
superior, pela Lei n. 10.861, de 14 de abril de 2004 (BRASIL, 2004a) – com-
plementada pelo Decreto n. 9.235, de 15 de dezembro de 2017 (BRASIL,
2017b) – ficou instituído o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (Sinaes). Esse sistema – coordenado e supervisionado pela Co-
missão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) – com-
preende a avaliação das instituições, a avaliação dos cursos superiores e
a avaliação do desempenho dos estudantes, que ocorre por meio de uma
auto-avaliação, de uma avaliação externa, e do Exame Nacional de Desem-
penho Estudantil (Enade), tudo buscando medir como se encontra o en-
sino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, a gestão, o corpo

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 111


Atividade 3 docente e as instalações da instituição. Todo o resultado dessa avaliação
Relativo ao Exame Nacional de é utilizado pela própria instituição a fim de aprimorar seus serviços e con-
Desempenho Estudantil (Enade),
teúdos, além de subsídios para os atos regulatórios de recredenciamento
todos os estudantes de cursos
superiores ingressantes (que da instituição e renovação de reconhecimento de cursos.
tiverem concluído até 25%
Educação superior na forma EaD
da carga horária mínima do
currículo) e concluintes (que A educação a distância no ensino superior está regulada no Decreto
tiverem concluído mais de 80%
da carga horária mínima do n. 9.057, de 25 de maio de 2017 (BRASIL, 2017a), que regulamentou o
currículo) estão habilitados e são artigo 80 da LDB, em que se afirma que “o Poder Público incentivará o
obrigados a participar – a não desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em
ser que sejam legalmente ou por
situações atípicas dispensados. todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”
Como você compreendeu nos (BRASIL, 1996). Nessa direção, com esse decreto, a educação superior
estudos, esse exame tem uma
pode ser ofertada na modalidade a distância nos termos da legislação
finalidade essencial e precisa
ser respeitado pelos estudantes. em vigor e das normas específicas expedidas pelo Ministério da Educa-
Pergunta-se: considerando a ção, sendo submetida aos ditames do Sinaes (Lei n. 10.861/2004, que
sua experiência ou experiências
de outros estudantes que já
foi complementado pelo Decreto n. 9.235/2017), e todas as demais le-
o realizaram, você tem uma gislações já delineadas nesses estudos.
percepção positiva ou negativa
desse exame? Por quê? A EaD ocorre na forma semipresencial – em que parte das aulas
ocorre presencialmente, parte em ambiente virtual – e totalmente a
distância. Pode atender cursos de bacharelado, licenciatura e cursos
superiores de tecnologia. Os diplomas têm a mesma validade no mer-
cado quanto os emitidos pelo formato presencial, desde que a institui-
ção esteja completamente legalizada. Rotineiramente, conforme artigo
4 do Decreto n. 9.057/2017, o processo ocorre da seguinte forma:
as atividades presenciais, como tutorias, avaliações, estágios,
práticas profissionais e de laboratório e defesa de trabalhos,
previstas nos projetos pedagógicos ou de desenvolvimento da
instituição de ensino e do curso, serão realizadas na sede da
instituição de ensino, nos polos de educação a distância ou em
ambiente profissional, conforme as Diretrizes Curriculares Na-
cionais (BRASIL, 2017a).

Conforme destacado, fica a seu critério o interesse em ampliar os


estudos relativo às legislações para a educação superior, considerando
a gama de legislações existentes. No entanto, as legislações delineadas
nesta seção são suficientes para você compreender o processo que en-
volve os principais temas.

112 Políticas Educacionais


CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cultura da pesquisa e das reflexões deve ser o foco do estudante,
considerando a importância e responsabilidade que deve ter no desen-
volvimento dos conhecimentos necessários para o aprimoramento da
cultura, das ciências e da cidadania em sua comunidade – uma realidade
cuja maior responsabilidade é da própria escola. Nessa direção, uma in-
serção pelos temas da educação a partir do ano de 1996 pode fornecer
as dinâmicas para se entender e compreender as circunstâncias em que
a comunidade estudantil se encontra.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, L. et al. Democratização do acesso e do sucesso no ensino superior: uma
reflexão a partir das realidades de Portugal e do Brasil. Revista da Avaliação da Educação
Superior, Sorocaba, SP, v. 17, n. 3, p. 899-920, nov. 2012. Disponível em: http://www.scielo.
br/pdf/aval/v17n3/a14v17n3.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2018.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF10518_
versaofinal_site.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF,
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Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 113


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BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
5ª a 8ª séries. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
pnaes/195-secretarias-112877938/seb-educacao-basica-2007048997/12657-parametros-
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114 Políticas Educacionais


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KUENZER, A. Z.; GRABOWSKI, G. Educação Profissional: desafios para a construção de um
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SAVIANI, N. Escola e luta de classes na concepção marxista de educação. Revista Germinal:
marxismo e educação em debate. v. 3, n. 1, p. 09-14, 2011. Disponível em: https://portalseer.
ufba.br/index.php/revistagerminal/article/view/9489/6913. Acesso em: 27 maio 2020.
TEIXEIRA, E. C. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na Transformação
da Realidade. Revista Políticas Públicas, 2002. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/
dados/cursos/aatr2/a_pdf/03_aatr_pp_papel.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
TODOS pela educação. Anuário Brasileiro da Educação Básica: Educação Especial e Inclusiva.
São Paulo: Editora Moderna, 2019. Disponível em: https://www.todospelaeducacao.org.
br/_uploads/_posts/302.pdf. Acesso em: 27 maio 2020.
TODOS pela educação. Observatório do Plano Nacional de Educação – OPNE, 2018. Página inicial.
Disponível em: https://www.observatoriodopne.org.br/home. Acesso em: 27 maio 2020.

GABARITO
1. Para saber se a meta do Plano Nacional de Educação 2014-2024 relativa à valorização
e reconhecimento dos profissionais da educação tem sido promovida pelas políticas
educacionais no município onde reside, você pode fazer uma pesquisa direta no site
da Secretaria Municipal de Educação, no site do Sindicato dos Professores ou mesmo
fazer uma entrevista com os gestores desses órgãos. No entanto, é consenso entre os
profissionais da educação de que não são valorizados pelo governo, tampouco pela
sociedade.

2. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental e médio elencam


a formação e desenvolvimento da cidadania para quase todos os componentes cur-
riculares. No entanto, especificamente, podemos identificar essa competência e habi-
lidade nos componentes: Língua Portuguesa, Sociologia, Antropologia e Política, Arte,
Saúde, Filosofia e História.

3. Quanto ao Exame Nacional de Desempenho Estudantil, sabe-se que os estudantes


têm realizado, considerando ser uma atividade obrigatória, uma vez que, caso não
o faça, seu diploma de conclusão de curso não é emitido. No entanto, a emissão do
diploma independe da nota que o estudante tira nessa avaliação. Por isso, significativa
parcela da população estudantil do ensino superior assinala qualquer opção de res-
posta, ou mesmo deixa o tempo mínimo passar para entregar a avaliação incompleta,
não dando a devida importância para essa avaliação.

Planejamento educacional e sistemas de ensino, a partir de 1996 115


5
Gestão da educação:
limites e perspectivas
As políticas públicas educacionais devem ser implementadas
nos estabelecimentos de ensino para os quais elas foram instituí-
das por meio de uma gestão democrática, tanto nas escolas pú-
blicas quanto nas particulares, em um processo no qual deve ser
elaborado o projeto político-pedagógico (PPP), visando atender aos
postulados da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), do Plano
Nacional de Educação (PNE) vigente, bem como às necessidades
socioculturais da comunidade; desse modo, a gestão deve se man-
ter atenta às políticas de financiamento da educação existentes e
dar sustentabilidade à consecução do PPP.
No entanto, mesmo sob uma expectativa positiva sobre os resul-
tados almejados do PPP – o que é de se esperar –, nem sempre os
objetivos e as finalidades pretendidas são alcançadas, considerando
as adversidades, que são comuns nas dinâmicas do cotidiano so-
cial, as quais podem levar a certos impasses e impactar a todos ou
a uma significativa parte dos processos educacionais. Assim, para
fazer frente – quando necessário – à organização desses modelos
e redirecionamentos de perspectivas, aos gestores e governos são
disponibilizados instrumentos, como questionário, entrevista, ob-
servação, portfólio, estudo em seminários, pesquisa em arquivos,
análise de documentos, relatório etc. Esses instrumentos devem
estar direcionados à coleta de dados e às informações relativas à
instituição, em seus aspectos estruturais e de gestão, programas pe-
dagógicos e de aprendizagem, projetos de responsabilidade social,
realidade sociocultural e econômica da comunidade em que se situa
o estabelecimento de ensino, assim como outros elementos que cir-
cunstanciam a vida escolar. Isso pode contribuir para a construção
de um PPP que seja, de fato, efetivo no que se pretende atingir.

116 Políticas Educacionais


Sabemos que a escola, a faculdade, o centro universitário e a
universidade são os locais onde se deve ocorrer a educação formal
por excelência. Por isso, visando compreender os fundamentos e as
funcionalidades da gestão educacional, este capítulo tem o objetivo
de proporcionar estudos e reflexões que possam colaborar com
uma visão ampla e consciente acerca dos campos em que a gestão
escolar deve atuar democraticamente. Essa competente execução e
o aprimoramento para uma educação de qualidade dependem de
contínuas avaliações e tomada de decisões, considerando que as le-
gislações e o PPP, por si só, nem sempre podem fazer acontecer o
que representam e o que se propõem, principalmente se não houver
a atuação efetiva dos atores educacionais por meio do gestor escolar.

5.1 A construção do projeto político-pedagógico


Vídeo Com a Constituição Federal de 1988, os princípios e fundamentos para
ações e controles das esferas da vida da sociedade foram garantidos
(BRASIL, 1988). Levando em consideração que a educação está entre essas
esferas – sendo considerada a mais importante para uma série de estu-
diosos –, foi revestida pelo princípio da gestão democrática, conforme o
artigo n. 206 da Magna Carta, no qual afirma-se que os atores da educação
devem participar ativamente das políticas públicas educacionais, realizan-
do estudos e debates em relação à apresentação de propostas, projetos e
planos para a construção de uma estrutura de qualidade, tanto no campo
pedagógico quanto no seu aspecto físico, podendo levar toda a comunida-
de, de maneira aglutinadora, ao seu mais amplo desenvolvimento.

Nessa direção, sob os fundamentos da solidariedade, da cidadania e


da humanidade, por meio do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pú-
blica, do qual participaram entidades nacionais, uma série de cinco Con-
gressos Nacionais de Educação (Coned) foi realizada nos anos de 1996,
1997, 1999, 2002 e 2004, buscando divulgar e introduzir o pensamento e
a ação da gestão democrática de ensino nos âmbitos público e particular,
garantindo a autonomia de cada estabelecimento de ensino na organiza-
ção, elaboração e execução de suas propostas pedagógicas, conferidas
em seu PPP. O fato é que a autonomia e a gestão democrática no ensino

Gestão da educação: limites e perspectivas 117


já eram normas, conforme a LDB (BRASIL, 1996c), mas era preciso trazer
tais temas para a vida escolar, no concreto:
os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e
as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar
e executar sua proposta pedagógica; [...] os docentes incumbir-
-se-ão de: I - participar da elaboração da proposta pedagógica
do estabelecimento de ensino. II - elaborar e cumprir plano de
trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de
ensino. [...] Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão
democrática do ensino público na educação básica, de acordo
com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades
escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Veja que, conforme o artigo 12 da LDB, ficou instituído que o es-


tabelecimento de ensino é o responsável por elaborar e executar a
sua proposta pedagógica, respeitando as normas que são comuns ao
sistema de ensino, como a BNCC, e as outras normas pertinentes ao
tema. Entretanto, é muito importante ter a compreensão de que uma
proposta pedagógica é um documento que formaliza a direção que
o estabelecimento escolar – gestores, professores, alunos, familiares
e outros membros da comunidade adjacente – vai seguir, ao optar
pela execução de um modelo de ideias e procedimentos que envolve,
além dos princípios e diretrizes legais e pedagógicas, a missão esco-
lar, dados e informações dos estudantes e de seus familiares, formas
de relações entre família e escola, tecnologias de comunicação, me-
todologias de aplicação e avaliação do ensino, processos da gestão,
origens e destinos dos recursos financeiros, momentos e prazos das
realizações das atividades, eventos escolares, projetos de responsabi-
lidade social (envolvendo a comunidade), dentre outros, todos sob o
valor da identidade da escola e, também, da comunidade.

Se focarmos nos termos projeto, político e pedagógico, quais são


nossos primeiros pensamentos? Essa é uma reflexão que precisamos
fazer, a fim de que não se reste qualquer dúvida em relação ao signifi-
cado e à importância de um PPP.

118 Políticas Educacionais


O termo projeto significa que é um documento que visa à organização
de técnicas e procedimentos propostos para desenvolver e promover
os objetivos, as finalidades e os métodos que se pretendem utilizar para
efetivar uma proposta. No caso de um PPP, sempre se deve considerar
os interesses e as necessidades da comunidade onde o estabelecimento
escolar está circunscrito. Portanto, projeto está relacionado a uma rotina
de estratégias, por meio da qual se almeja atingir algum objetivo que foi
entendido como necessário.

O vocábulo político é utilizado porque o documento destina-se à organização


de princípios e fundamentos que possam promover a formação de pessoas
cidadãs, conscientes e engajadas na coletividade. Portanto, o PPP está
voltado para o campo da moral e da ética, numa relação que prima por uma
sintonia com a função social, que se pretende atingir na unidade escolar e
na comunidade onde esse estabelecimento está inserido.

Por fim, a palavra pedagógica é usada porque o documento, enquanto PPP,


visa à organização dos processos do ensino, da aprendizagem, da avaliação,
da pesquisa e da extensão. Isso ocorre por meio de métodos, técnicas e
estratégias específicas para cada componente curricular e deve estar, ainda,
de acordo com os perfis existentes na comunidade escolar interna.

Nessas três esferas, portanto, podemos perceber que o PPP tem a


função de conduzir a ideia de planos, os quais contemplam uma so-
matória de princípios e fundamentos, com a indicação das devidas es-
tratégias e com a organização que o estabelecimento escolar define
para atingir determinados objetivos, almejados tanto pela comunida-
de interna quanto pela externa; portanto, projeto é o que se pretende
atingir, “o que lança para adiante”, conforme afirma Veiga (1995, p. 5).
Assim, um projeto não tem o intuito de rever ou de propor algo para
uma situação emergencial; mas, sim, de realizar uma ação intencional,
que relaciona a realidade existente num determinado estabelecimen-
to escolar com as possibilidades de sua superação ou aprimoramento,
ambos permeados por uma política pensada por todos os atores da
comunidade escolar. De acordo com Veiga (2003, p. 275),

Gestão da educação: limites e perspectivas 119


inovação e projeto político-pedagógico estão articulados, inte-
grando o processo com o produto, porque o resultado final não
é só um processo consolidado de inovação metodológica no inte-
rior de um projeto político pedagógico, construído, desenvolvido
e avaliado coletivamente, mas é um produto inovador que pro-
vocaria também rupturas epistemológicas. Não podemos sepa-
rar processo de produto.

Ainda assim, é natural a possibilidade de o projeto sofrer alguma rup-


tura com a realidade da comunidade para qual sua aplicação é planeja-
da, uma vez que projeto é um “lançar-se” para algo desconhecido. Então,
sendo algo desconhecido, não se pode prever qual será o resultado.
Gadotti (1998, p. 19) vem ao encontro dessa reflexão quando afirma que:
todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para
o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável
para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar
uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto
contém de estado melhor do que o presente. Um projeto edu-
cativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas
rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação
possível, comprometendo seus atores e autores.

Mas, na prática, como é construído um PPP? De maneira geral,


esse documento precisa contemplar uma série de itens e partes
preestabelecidas, o que não significa que seja proibido acrescentar
outros se a comunidade escolar desejar. Entre os aspectos necessá-
rios a todo PPP, estão:
•• Introdução: é a parte do documento que deve constar a apre-
sentação e justificativa do PPP, bem como a metodologia utiliza-
da na elaboração deste.
•• Marco situacional: é a seção do documento na qual devem ser
apresentadas as informações sobre o estabelecimento escolar,
entre elas: identificação/CNPJ, endereço, mantenedora, atos le-
gais de criação e normatização; história; objetivos; modalidades
e níveis de ensino ofertados; currículo; número de alunos e de
turmas; taxas de aprovação e reprovação; médias das notas; sis-
tema de avaliação; recursos humanos disponíveis, como gestor,
coordenadores, quadro de professores por componente curricu-
lar, quadro de funcionários; organização física do espaço, com-
preendendo salas, laboratórios, espaços desportivos, biblioteca,
banheiros, cozinha, depósitos, secretaria; equipamentos para o

120 Políticas Educacionais


ensino e para as rotinas administrativas; recursos financeiros; e,
por fim, características socioeconômicas e culturais da comuni-
dade escolar.
•• Marco conceitual: é a parte do documento que deve expor os
dados sobre o estabelecimento escolar, por exemplo: filosofia,
missão, crenças, valores e princípios da instituição; concepções
promovidas e difundidas sobre pessoa humana, sociedade, edu-
cação, cidadania, conhecimento, cultura, trabalho, ciência, ten-
dências pedagógicas; e valores que a escola espera construir, com
o apoio aglutinador da comunidade interna (professores, alunos
e funcionários) e externa (famílias e outros entes circunscritos).
•• Marco operacional: nessa área do documento devem constar as Atividade 1
formas e os procedimentos adotados pela gestão na realização O projeto político-pedagógico
do marco conceitual; as funções e atribuições do gestor, dos coor- (PPP) é um documento que
denadores, do corpo docente e dos técnico-administrativos; o pa- norteia todo o trabalho escolar
interno e delineia a relação
pel dos estudantes no ambiente escolar, bem como no seio da
da escola com a comunidade
sua família e comunidade; formas e modelos de avaliações; tipos onde está situada. Assim, como
de estágios (se existentes); política de formação continuada para o toda a população estudantil é
o foco desse documento, seria
corpo docente e técnico-administrativo; processos de inclusão dos
muito importante que ele fosse
estudantes, professores, funcionários e familiares; tecnologias de conhecido e estudado por ela.
informação e comunicação social, tanto para os estudantes quan- Pensando nisso, analise o PPP
de uma instituição de ensino em
to para os professores e familiares; convênios e parcerias e suas fi-
que você tenha estudado. Liste
nalidades (se existentes); instâncias colegiadas, como a associação as propostas e a real efetividade
de pais e mestres, conselho escolar, conselho de classe, grêmio que esse PPP teve ou tem.
estudantil, dentre outros; projetos extracurriculares; e, por fim, O documento pode ser
encontrado no site da instituição
formas de avaliação, revisão e reorganização do PPP.
escolhida, uma vez que o PPP
•• Considerações: é o item em que se devem constar os procedi- deve estar disponibilizado para
mentos transitórios ao PPP, o cronograma de reestudo e a reor- o público. Caso ele não conste
no site, você pode entrar em
ganização do documento. contato com a instituição e
•• Referências: reúne todas as fontes utilizadas na construção do PPP. requerê-lo.

Além do PPP, os órgãos normativos dos estabelecimentos de ensino,


como as Secretarias Municipais e Estaduais de Educação e o Ministério
da Educação, sugerem – sem obrigatoriedade – a entrega do Plano de
Trabalho Docente (PTD). Esse documento deve informar, por turma, o
total de aulas (bimestral, trimestral, semestral ou anual), os conteúdos
a serem trabalhados com os objetivos/metodologias de cada aula, as
formas e a quantidade de avaliações e referenciais a serem utilizados –
isso, conforme previsto na LDB n. 9.394, em seu artigo n. 13, que afirma

Gestão da educação: limites e perspectivas 121


que os “docentes incumbir-se-ão de: II- elaborar e cumprir o plano de
trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensi-
no; [...]” (BRASIL, 1996c).

Naturalmente, é necessário compreendermos que o PPP é construí-


do democraticamente e, por isso, quando formatado, deve se tornar
público, de modo que possa ser consultado pelos membros da comuni-
dade e pelos órgãos públicos de normatização, fiscalização e avaliação.
Nessa direção, a gestão escolar precisa atuar sempre sob as normas e
leis educacionais pertinentes, acompanhando constantemente o tra-
balho realizado pelos recursos internos (professores, técnicos admi-
nistrativos e de TI, estagiários, coordenadores, corpo discente, dentre
outros) e dando atenção redobrada à avaliação da comunidade exter-
na (familiares, outros membros da comunidade, órgãos públicos etc.),
além de precisar ter um eficiente cuidado com os recursos materiais,
patrimoniais, físicos e financeiros. Ainda, o gestor não pode esquecer
que as mudanças ocorrem e, com isso, torna-se necessário melhorar as
práticas, promover e aprimorar as metodologias, implementar projetos
e definir, constantemente, as metas, além de realizar eficientes formas
de comunicação com toda a comunidade, controlando a dinâmica re-
lativa aos dados dos alunos (matrículas e documentos), às suas apren-
dizagens (notas, frequência), à transferência e ao remanejamento, aos
diários dos professores, à carga horária, aos conteúdos desenvolvidos,
às atividades extraclasse, entre outros.

É fato que toda a dinâmica da gestão democrática escolar pode ser


facilmente visualizada não somente na ação do corpo docente e discen-
te, como também do corpo técnico administrativo, tanto pela comuni-
dade interna como pela externa. Por isso, contínuas avaliações sobre os
sujeitos, as estruturas e as tecnologias de informação da escola devem
ser realizadas, uma vez que, por meio dessas avaliações, o gestor conse-
gue medir o domínio que o docente tem do conteúdo desenvolvido em
sala de aula, a eficiência da metodologia e das ferramentas pedagógicas
utilizadas, as formas de planejamento, a qualidade do relacionamento
da escola com os seus alunos, professores, funcionários e familiares, a
qualidade e efetividade das reuniões pedagógicas e escolares e, ainda,
se a instituição tem atingido os seus objetivos conforme previsto.

Portanto, uma gestão democrática exige muito trabalho e compro-


metimento de toda comunidade escolar. Desse modo, sendo o PPP algo
que tudo prevê, ele se torna um documento essencial para a eficiência

122 Políticas Educacionais


e funcionalidade do trabalho escolar, para o desenvolvimento de uma
responsável cidadania na comunidade, além do aprendizado e desenvol-
vimento dos diversos conhecimentos científicos, filosóficos, teológicos
e empíricos e seus significados – todos necessários para a formação de
homens e mulheres.

5.2 Políticas de financiamento da educação


Vídeo O PNE 2014-2024, em sua meta n. 20, (BRASIL, 2014) prevê ampliar
o investimento público em educação no equivalente a 10% do Produto
Interno Bruno (PIB) até o ano de 2024. Mas já se tornaram públicos os
dados que “evidenciam a estagnação dos investimentos em relação ao
PIB na Educação Básica desde 2012, e na Educação Superior houve au-
mento de 0,2% do PIB entre 2014 e 2015, contribuindo para que o gasto
público total passasse de 6,0% para apenas 6,2% do PIB, nesse período”
(TODOS..., 2019a, p. 118). No entanto, se a educação é vista como di-
reito fundamental e direito social – conforme estabelece a Constituição
Federal (BRASIL, 1988) – e, se há políticas para o financiamento dessa
educação, toda a comunidade cidadã precisa ficar mais atenta a essas
obrigações dos governos, exigindo as devidas aplicações, mesmo que
se façam necessários os movimentos de pressão da comunidade civil
organizada ou o ingresso de ações junto aos tribunais.

Com essas primeiras considerações, precisamos procurar entender


a que tipo de educação a sociedade brasileira pretende ter acesso, já
que é um direito fundamental e social. Para Moran et al. (2000, p. 14),
muitas são as variáveis necessárias para uma educação de qualidade, a
qual acredita-se ser a almejada pela nossa sociedade:
uma organização inovadora, aberta, dinâmica, com um projeto
pedagógico coerente, alerto, participativo; com infraestrutura
adequada, atualizada, confortável; com tecnologias acessíveis,
rápidas e renovadas. Uma organização que congregue docentes
bem preparados intelectual, emocional, comunicacional e eti-
camente; bem remunerados, motivados e com boas condições
profissionais, onde haja circunstâncias favoráveis a uma relação
efetiva com alunos que facilite conhecê-los, acompanhá-los e
orientá-los.

Nessa direção, podemos nos perguntar: como poderemos ofertar


essa educação de qualidade, que também deve ser pública, gratuita e
para todos – inclusive para aqueles que se encontram fora da idade pró-

Gestão da educação: limites e perspectivas 123


pria, residentes em outros países ou pessoas com deficiência –, com os
seus profissionais valorizados, conforme previsto no artigo 206 da Cons-
tituição Federal (BRASIL, 1988), se não houver uma política pública, rela-
tiva aos recursos, que ofereça as condições necessárias? Ou até mesmo
se houver tal política, mas ela não for implementada?

A própria Constituição Federal indica quais são as fontes e como


elas devem ser utilizadas na Manutenção e Desenvolvimento do En-
sino (MDE):
a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Es-
tados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento,
no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida
a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvi-
Saiba mais mento do ensino. [...]. § 4º Os programas suplementares de ali-
mentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão
O que são impostos, taxas e
contribuições de melhoria? financiados com recursos provenientes de contribuições sociais
Impostos, taxas e contribui- e outros recursos orçamentários. § 5º A educação básica pública
ções constituem os tributos terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social
previstos pela Constituição do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.
Federal (BRASIL, 1988) e pelo § 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribui-
Código Tributário Nacional (CTN) ção social do salário-educação serão distribuídas proporcional-
(BRASIL, 1966).
mente ao número de alunos matriculados na educação básica
Os impostos são cobrados
nas respectivas redes públicas de ensino. (BRASIL, 1988, art. 212)
pelos entes da Federação (União,
estados, Distrito Federal, e Podemos observar que as fontes de recursos são amplas e, se apli-
municípios) e direcionados às
políticas públicas, como é o caso cadas sob uma gestão responsável, crê-se que não haveria quaisquer
da educação. Taxas também problemas em relação à estrutura necessária para a oferta de uma edu-
são cobradas pelos entes da
cação de qualidade: mínimo de 18% da receita de impostos da União e
Federação, mas por meio da
prestação de serviços públicos 25% da receita de impostos dos estados, Distrito Federal e municípios,
específicos, como é o caso do incluindo as transferências entre esferas de governo e a suplementa-
fornecimento de declarações,
ção para a educação básica – o salário-educação. No entanto, é preciso
da emissão de passaportes etc.
Contribuição de melhoria é considerar que, quando se faz a partilha no sistema tributário (artigos
cobrada por qualquer um dos 157 a 162 da Constituição), a União tem ficado com, aproximadamente,
entes da Federação, no âmbito
de suas respectivas atribuições, 70% dos tributos, os estados com 25% e os municípios com 5%, com
para fazer face ao custo de obras pequenas alterações para cima ou para baixo nesses percentuais. Por
públicas que também levam à isso, alguns impasses no relativo aos recursos para a educação podem
valorização de imóvel privado
ser explicados por meio desse processo.
beneficiário.
É importante destacar, ainda, que a Emenda n. 14 (BRASIL, 1996b)
alterou o artigo n. 211 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), determi-
nando uma expressiva responsabilidade à União quanto ao financia-
mento do ensino, a saber:

124 Políticas Educacionais


a União organizará o sistema federal de ensino e financiará as
instituições de ensino públicas, federais e exercerá, em matéria
educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garan-
tir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo
de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira
aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios.

Outra questão a ser destacada é a referente aos recursos exclusivos


para a valorização dos profissionais da educação. O tema se encontra
regulamentado pela Lei n. 11.494 (BRASIL, 2007a) com a previsão de
fundos até o dia 31 de dezembro de 2020; entretanto, em maio de 2020,
já havia um movimento no Congresso Nacional para o seu reestudo,
pois, caso não fosse renovado, poderiam ocorrer grandes problemas
com a educação, uma vez que estados e municípios não têm autono-
mia de recursos para custear toda essa área (até a publicação desta
obra, não se sabe se esse reestudo ocorreu). Essa legislação prevê, em
seu artigo 3º, que 20% de uma série de fontes devem ser destinados
à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica e à valoriza-
ção dos profissionais da educação – o que se espera que seja mantido
ou aumentado –, com destaque ao Imposto sobre Transmissão Causa
Mortis e Doação (ITCMD), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS), Imposto sobre Propriedade de Veículos (IPVA), Impos-
to sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), entre outros.

De maneira geral, os recursos previstos no FUNDEB apresentam as


seguintes características:
•• são destinados aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios
que oferecem educação básica;
•• a distribuição é automática e direcionada à conta desses gover-
nos, sem a necessidade de se estabelecer convênios;
•• o valor da distribuição depende do número de matrículas nas es-
colas, fornecido pelo censo escolar, que é realizado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP/MEC);
•• quando os valores distribuídos não atingem o mínimo por aluno,
a União tem a responsabilidade de fazer a complementação – o
que tem ocorrido com bastante frequência;
•• os valores recebidos devem ser utilizados para o pagamento dos
salários dos docentes e gestores, bem como de cursos de forma-

Gestão da educação: limites e perspectivas 125


ção continuada, na compra de equipamentos e na construção e
manutenção de escolas;
•• o controle social desses recursos é feito por meio de uma gestão
democrática na escola, assim como a publicização de seu uso.

O interessante é que, mesmo com todos esses recursos, pela


quantidade de problemas que existem nas escolas busca-se a sua
ampliação. Noutra direção, concluiu-se que faltam recursos simples-
mente porque as gestões não têm sido eficientes – o que se pode
observar analisando os dados publicados no Portal da Transparência,
da Controladoria Geral da União – e porque parte desses recursos
estaria sendo utilizado para o pagamento de aposentadorias e pen-
sões de profissionais da área. Na realidade, apesar das ferramentas
de organização e controle desses recursos existirem, como é o caso
dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CACS), do Pro-
grama Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Programa Nacio-
nal de Apoio ao Transporte do Escolar (PNAT) e do Programa de Apoio
aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e
Adultos, elas parecem não dar conta de um acompanhamento mais
preciso e contínuo de todo o processo.

Outro fundo muito importante para a educação é o Fundo Nacional


de Desenvolvimento da Educação (FNDE), criado pelo Decreto-Lei n. 872
(BRASIL, 1969) – decreto que fez uma alteração na Lei n. 5.537 (BRASIL,
1968), que havia criado o Indep. Quanto aos recursos que o FNDE
possui para fazer frente aos seus compromissos, têm-se:
a) recursos orçamentários que lhe forem consignados; b) re-
cursos provenientes de incentivos fiscais; c) vinte por cento do
Fundo Especial da Loteria Federa; d) trinta por cento da receita
líquida da Loteria Esportiva Federal; e) recursos provenientes do
salário-educação; f) as quantias transferidas pelo Banco do Bra-
sil S.A., mediante ordem dos Governos dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, como contrapartida da assistência fi-
nanceira da União; g) as quantias recolhidas pela PETROBRÁS, na
forma e para os fins previstos na redação dada pelo Decreto-lei
n. 523, de 8 de abril de 1969; h) recursos decorrentes de restitui-
ções relativas às execuções do programa e projetos financeiros
sob a condição de reembolso; i) receitas patrimoniais; j) doações
e legados; l) juros bancários de suas contas; e, m) recursos de
outras fontes. (BRASIL, 1968)

126 Políticas Educacionais


O salário-educação ao qual o FNDE se refere se encontra previsto
no artigo n. 212, parágrafo 5º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988),
e foi normatizado primeiro pelo Decreto n. 87.043 (BRASIL 1982) e, de-
pois, pelo Decreto n. 6.003 (BRASIL, 2006). A contribuição tem como
base 2,5% sobre o total da remuneração paga ou creditada, a qualquer
título, aos segurados empregados, e 0,8% sobre o valor comercial dos
produtos rurais previstos no artigo 15, parágrafo 1º, da Lei Comple-
mentar n. 11 (BRASIL, 1971), sob a arrecadação e fiscalização da Secre-
taria da Receita Previdenciária.

Entretanto, pelo Decreto n. 6.003 (BRASIL, 2006), encontram-se isen-


tos do recolhimento da contribuição social do salário-educação expres-
siva quantidade de fontes geradoras – o que leva o montante a ficar
pouco expressivo. Entre essas fontes, citamos:
•• a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios e suas res-
pectivas autarquias e fundações;
•• as instituições públicas de ensino de qualquer grau;
•• as escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, devida-
mente registradas e reconhecidas pelo competente órgão de
educação, que atendam ao disposto no inciso II do artigo 55 da
Lei n. 8.212 (BRASIL, 1991);
•• as organizações de fins culturais que, para esse fim, vierem a ser
definidas em regulamento;
•• as organizações hospitalares e de assistência social, desde que
atendam, cumulativamente, aos requisitos estabelecidos nos in-
cisos I a V, do artigo 55, da Lei n. 8.212 (BRASIL, 1991).

Ainda é preciso destacar que, conforme artigo 4º da Lei n. 5.537 (BRA-


SIL, 1968), o FNDE possui outras verbas que vêm do Programa Dinheiro
Direto na Escola, do Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Pro-
grama Brasil Alfabetizado, do Programa Apoio ao Atendimento à Educa-
ção de Jovens e Adultos e do Programa Nacional de Apoio ao Transporte
Escolar.

Como podemos observar, as fontes e os recursos para o financia-


mento da educação são amplos, mas a comunidade não vê os resulta-
dos que gostaria. Por isso, buscando mais transparência no uso desses
recursos públicos, bem como uma melhoria da qualidade educativa, di-
versos setores apartidários da sociedade têm estudado o tema; dentre

Gestão da educação: limites e perspectivas 127


esses setores, está o Todos pela Educação, que apresentou propostas
para um aprimoramento nos mecanismos que envolve o financiamen-
to da educação básica. Para ele, faz-se necessário a:
elevação do patamar mínimo de valor Aluno/Ano do País em 50%.
Redução de 46% da desigualdade entre os entes federativos no
que tange à disponibilidade de recursos financeiros para a Edu-
cação Básica. Uso mais eficiente das transferências de recursos
do Governo Federal para Estados e Municípios. Redes de ensino
com maior incentivo para aprimorarem a gestão dos recursos
e melhorarem os resultados educacionais. Maior accountability
(prestação de contas) com os gastos educacionais (transparên-
cia, comparabilidade e controle social). (TODOS..., 2019b, p. 116)

Felizmente, esse tema continua no epicentro de estudos e debates


na comunidade escolar, o que pode colaborar, essencialmente, com a
identificação de uma melhor metodologia para enfrentar essa realida-
de ampla e complexa, de modo que, responsavelmente, ocorra o apri-
moramento das políticas públicas e do controle do uso dos recursos
públicos voltados para o financiamento da educação.

5.3 Avaliação Institucional


Vídeo A avaliação é um processo que precisa ser visto como natural, uma
vez que observar, analisar e criticar uma evolução ou um fracasso está
na essência das ideias, das pessoas e das suas comunidades, das coisas
e das instituições. Desse modo, isso não seria diferente nas instituições
de ensino, tanto públicas quanto particulares, em todos os seus níveis
e modalidades. Mas o que seria, na prática, a avaliação?

Primeiramente é importante conhecer o seu significado etimológico:


avaliação tem origem latina e é uma somatória de a + valere, que signi-
fica atribuir valor e mérito a algo. Essa visão vem ao encontro do que
Casali (2007, p. 13) defende: “há valores para um sujeito, há valores
para uma cultura, há valores para a humanidade. O singular, o parcial,
o universal. A avaliação é uma medida e uma referência de valor para
um, ou dois, ou os três âmbitos”. Nessa mesma direção, porém no cam-
po da educação, Haddad (2008, p. 11) afirma que:
todo processo educacional reclama avaliação. Não há professor
que não submeta seus alunos a avaliação. A avaliação do aluno
individualmente considerado tem como objetivo a verificação

128 Políticas Educacionais


da aquisição de competências e habilidades que preparam uma
subjetividade, na relação dialógica com outra, para se apropriar
criticamente de conhecimentos cada vez mais complexos. Caso
bem diferente é o da avaliação da instituição de ensino. Nesta, o
objetivo é verificar se os elementos que compõem a escola estão
estruturados para a oferta da educação de qualidade.

Mas o que observar e interpretar no campo da educação? Para


Figari (1996), é preciso medir e examinar os sistemas educacionais (ma-
croestruturas), os estabelecimentos de ensino (mesoestruturas) e as
próprias salas de aula (microestruturas). Em outra direção, podemos
nos perguntar: para que avaliar? O fato é que há uma série de razões
que fundamentam a importância e a necessidade de avaliação, medin-
do e examinando as esferas que compõem e circundam o objeto nesse
momento. No caso do estabelecimento escolar, segundo Rocha (1999),
as razões para esse processo seriam de quatro ordens:
•• Socioeconômica: identifica e analisa quais recursos financeiros
se encontram disponíveis e, havendo deficiência de recursos,
busca as devidas complementações, de modo que o estabeleci-
mento tenha as condições mínimas e necessárias – ou seja,
infraestrutura, equipamentos, corpo funcional etc. – para a oferta
de uma educação de qualidade e efetiva.
•• Político-administrativa: mede e examina alguns aspectos, como
a autonomia e a qualidade da gestão do estabelecimento, o resul-
tado do ensino e da aprendizagem para o próprio estudante, no
que se refere à sua formação e ao seu ingresso no mercado de
trabalho, e a efetividade e eficácia do trabalho desenvolvido pela
comunidade interna.
•• Científica e pedagógica: conhece e compreende os sucessos
e os fracassos do estabelecimento escolar no relativo aos pro-
gramas de ensino e de avaliação, às pedagogias e aos processos
disciplinares e ao reconhecimento pela comunidade interna e
externa, visando fortalecer a ideia de que a escola também é res-
ponsável pelas inovações exigidas não somente em seu próprio
espaço, mas também nos espaços adjacentes.
•• Legal: verifica se o estabelecimento cumpre com as normatiza-
ções previstas nas diversas legislações educacionais, em especi-
fico às da LDB n. 9.394 (BRASIL, 1996c), no referente à qualidade
do ensino ofertado, à cooperação com os demais sistemas, à par-
ticipação nos processos de avaliação institucional, entre outros.

Gestão da educação: limites e perspectivas 129


De modo geral, os atores envolvidos no processo da educação – como
o governo, os alunos e seus familiares, o corpo docente e técnico ad-
ministrativo do estabelecimento escolar, a comunidade adjacente da
Site escola e a mídia – fazem, continuamente, avaliações dos estabeleci-
Você pode acompanhar mentos de ensino; entretanto, essas avaliações são realizadas com
a situação da educação, base apenas no que é facilmente observado, e não do experimentado e
no Brasil por meio do
site Todos pela Educação, examinado sob as técnicas científicas e ferramentas mais apropriadas.
na página Cenários da
Educação, para, assim,
Em relação à educação superior, foi criado, por meio da Lei
aprimorar seus conheci- n. 9.131, de 24 de novembro (BRASIL, 1995), o sistema de avaliação do
mentos, sua capacidade e
suas habilidades.
ensino superior brasileiro; pelo Decreto n. 2.026, de 10 de outubro de
Todos pela Educação é 1996 (já revogado), substituído pelo Decreto n. 9.235, de 15 de dezem-
uma organização com-
posta por 32 setores da
bro de 2017, foram estabelecidos os procedimentos para a avaliação
sociedade brasileira, com dos cursos e das instituições do ensino superior.
mais de 200 represen-
tantes, entre fundadores, Entretanto, visando melhorar o mérito e a qualidade da educação,
mantenedores (como
Gerdau, Fundação
bem como orientar a expansão e promover a responsabilidade social
Lemann, Instituto Penín- das instituições de ensino superior, pela Lei n. 10.861 (BRASIL, 2004),
sula, Fundação Bradesco,
Fundação Educar DPas-
complementada pelo Decreto n. 9.235 (BRASIL, 2017), foi instituído o
choal) e parceiros (como Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), utiliza-
Microsoft, Instituto Ayrton
Senna, Fundação Victor
do na atualidade. É um programa coordenado e supervisionado pela
Civita, Editora Moderna), Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes), que
relacionados à educação
básica. Os seus principais
compreende a avaliação das instituições, dos cursos superiores e o de-
objetivos são: monitorar e sempenho dos estudantes, que ocorre por meio de dois momentos:
analisar indicadores edu-
cacionais oficiais, inserir o a. Autoavaliação da instituição, que é conduzida internamente por
tema educação na mídia
uma Comissão Própria de Avaliação (CPA), mas orientada por
e incentivar a mobilização
do governo, da sociedade diretrizes e roteiros da Conaes.
civil e da iniciativa privada
na promoção de uma
b. Avaliação externa, conduzida por comissões designadas pelo
educação de qualidade. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP), com base em um documento elaborado pelo
Disponível em: https://www.
todospelaeducacao.org.br/pag/ estabelecimento de ensino constando dados e informações
cenarios-da-educacao. Acesso em: referentes a cinco eixos e dez dimensões, a saber:
28 maio 2020.
1. Planejamento e Avaliação Institucional (planejamento e
avaliação);
2. Desenvolvimento Institucional (missão e plano de
desenvolvimento institucional - PDI, e responsabilidade social
da instituição);
3. Políticas Acadêmicas (políticas para o ensino, a pesquisa
e a extensão, comunicação com a sociedade, e política de
atendimento aos discentes);

130 Políticas Educacionais


4. Políticas de Gestão (políticas de pessoal, organização e gestão
da instituição, e sustentabilidade financeira);
5. Infraestrutura Física (infraestrutura física).

É importante destacarmos que, tanto para a autoavaliação quanto Saiba mais


para a avaliação externa, o resultado do Exame Nacional de Avaliação Instrumento de avaliação
de Desempenho dos Estudantes (Enade) também é considerado, in- institucional externa
ternamente, um medidor da qualidade do ensino ofertado e um fator O instrumento para a avaliação
institucional externa, tanto para
para a implementação de novas políticas, visando aprimorar os servi-
curso presencial quanto a distân-
ços e conteúdos; já externamente, é visto como subsídio para os atos cia, contempla cinco eixos e dez
regulatórios de recredenciamento da instituição, como renovação de dimensões. Conhecê-lo e saber
aplicá-lo é muito importante
reconhecimento de cursos e como fator de apreciação pela comuni-
para todos os estudantes, uma
dade, a qual busca uma instituição de ensino superior que esteja total- vez que podem, em algum
mente legalizada e com as qualidades desejadas. Portanto, a educação momento, ser chamados para a
superior está em constante medição pelos devidos órgãos normatiza- sua aplicação. É um documento
elaborado pelo INEP/MEC e
dores e por toda a sociedade – o que, apesar de ser muito positivo, está à disposição de todos os
ainda pode ser aprimorado. interessados no pdf disponível
em: http://download.inep.
No relativo à educação básica, a avaliação institucional ocorre gov.br/educacao_superior/
desde a década de 1990. No entanto, também visando atender à LDB avaliacao_institucional/
n. 9.394 (BRASIL, 1996c), após uma série de reestruturações e adapta- instrumentos/2017/IES_recre-
denciamento.pdf. Acesso em: 29
ções, por meio do Decreto n. 9.432 (BRASIL, 2018), foi regulamentada a maio 2020.
Política Nacional de Avaliação e Exames da Educação Básica para adap-
tar toda a proposta educacional, conforme o vigente Plano Nacional
de Educação (PNE). Por esse decreto e por meio de uma série de ferra-
mentas e instrumentos avaliativos, busca-se diagnosticar e verificar as
condições e a qualidade da educação básica (educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio), examinar as competências e as habili-
dades dos estudantes e oferecer subsídios e aprimoramento para a
progressão de todos os elementos que compreendem esse nível edu-
cacional. Integram essa política (BRASIL, 2018): “I - o Sistema de Avalia-
ção da Educação Básica - SAEB; II - o Exame Nacional para Certificação
de Competências de Jovens e Adultos - Encceja; e, III - o Exame Nacional
do Ensino Médio - Enem”.
No referente ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB),
segundo o Decreto n. 9.432 (BRASIL, 2018), trata-se de um conjunto
de avaliações externas, aplicado anualmente para todos os anos e
séries, a partir do 2º ano do ensino fundamental (até então, somente
2º, 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio par-
ticipavam). É organizado e aplicado pelo INEP, em cooperação com os
estados, o Distrito Federal e os municípios, buscando uma coleta de

Gestão da educação: limites e perspectivas 131


dados das escolas públicas e das particulares, visando a uma medição
e a um exame das competências e habilidades esperadas dos estu-
dantes, de acordo com o previsto na BNCC e nas correspondentes
diretrizes curriculares nacionais:
I - A produção de indicadores educacionais para o Brasil [...]; II - o
monitoramento e a avaliação da eficiência, da eficácia e da efe-
tividade da aplicação dos recursos públicos [...];III - a disponi-
bilidade de informações relevantes [...]; IV - a implementação
gradual de aperfeiçoamentos e inovações nos processos de
avaliação e exames [...]; V - a difusão, com transparência e de
fácil acesso, para toda a sociedade, de diagnósticos e pesqui-
sas sobre o sistema de educação básica [...]; VI - sua utilização
como mecanismo único, alternativo ou complementar para
acesso à educação superior [...];VII - a avaliação anual da edu-
cação básica [...]; VIII - a realização de devolutivas pedagógicas
tempestivas; e IX - o acesso a programas governamentais de
financiamento ou apoio ao estudante da educação superior.
(BRASIL, 2018, art. 9).

Já a educação infantil passou, em 2019, a fazer parte do SAEB, com


o objetivo de atender ao Plano Nacional de Educação e às Diretrizes
Curriculares Nacionais.
Quanto ao ensino fundamental, em atendimento ao Pacto Nacio-
nal pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), ao Plano Nacional de
Educação e às Diretrizes Curriculares Nacionais previstas na BNCC, en-
contram-se implantadas as seguintes avaliações:

Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) –


Provinha Brasil
Instituída pela Portaria do MEC n. 10 (BRASIL, 2007b) e estruturada pelo INEP, é aplicada para a
medição do desempenho dos estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental de escolas públicas,
no relativo ao desempenho desses em leitura, matemática e escrita – a adesão é opcional.

Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC) –


Prova Brasil
Instituída pela Portaria do MEC n. 69 (BRASIL, 2005) e estruturada pelo Inep, é aplicada aos estudantes
de escolas públicas do 5º e 9º ano, visando medir o desempenho em Língua Portuguesa, com foco na
leitura; em Matemática, com foco na resolução de problemas; nas Ciências Humanas e nas Ciências da
Natureza, além do preenchimento de um questionário socioeconômico. Nessa avaliação, professores e
diretores dos estabelecimentos também preenchem um questionário para coletar dados demográficos,
perfil profissional e condições de trabalho. A adesão é feita pelas secretarias estaduais e municipais de
educação; mas algumas escolas não participam por questão de logística e custos, e a participação do
estudante não é obrigatória.

132 Políticas Educacionais


Quanto ao ensino médio, foi instituído o Exame Nacional do En-
sino Médio (ENEM), que busca medir as competências e habilidades
esperadas ao final da educação básica, de acordo com a BNCC e com
as correspondentes diretrizes curriculares nacionais previstas, deven-
do ocorrer, de maneira seriada e obrigatória, nas três séries do ensino
médio a partir do segundo semestre de 2022 (até então, não é obriga-
tório e ocorre apenas na 3ª série). Além desses aspectos, o exame visa:
I - A constituição de parâmetros para a autoavaliação do par-
ticipante, com vistas à continuidade de sua formação e a sua
inserção no mercado de trabalho; II - a criação de referência
nacional para o aperfeiçoamento dos currículos do ensino
médio; III - a utilização do Exame como mecanismo único, alter-
nativo ou complementar para acesso à educação superior [...];
IV - o acesso a programas governamentais de financiamento ou
apoio ao estudante da educação superior; V - a seleção para
ingresso nos diferentes setores do mundo do trabalho; e VI - o
desenvolvimento de estudos e indicadores sobre a educação
brasileira. (BRASIL, 2018)

É importante destacar que os resultados obtidos no ENEM também


são utilizados para o estudante ter acesso a alguns programas, como:
Programa Universidade para Todos (PROUNI), Sistema de Seleção Uni-
ficado (SISU), Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), dentre outros,
sendo utilizados internamente, por instituições de ensino superior pri-
vadas, para a oferta de bolsas de estudos.

Quanto aos jovens e adultos que frequentam a escola e que estejam


fora da idade própria, foi criado, pela Portaria do MEC n. 77 (BRASIL,
2002), o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens
e Adultos (Encceja), com o intuito de examinar suas competências e
habilidades conforme previsto na BNCC e nas diretrizes curriculares
nacionais. Esse exame também é aplicado, para os mesmos fins, em
pessoas privadas de liberdade e naquelas que residem no exterior.

De maneira geral, tanto na educação superior quanto na educação


básica, pode-se esperar que a avaliação institucional pretenda a me-
dição e o exame dos mesmos aspectos, embora de formas diferentes.
Assim, a reflexão de Alaiz, Gois e Gonçalves (2003) leva a seis dimen-
sões a serem observadas pelos diversos instrumentos aplicados:

Gestão da educação: limites e perspectivas 133


1. Contexto externo do estabelecimento educacional: a
caracterização socioeconômica e cultural das famílias e dos
alunos, além da expectativas das famílias e da comunidade sobre
suas percepções acerca da escola.

Atividade 2 2. Contexto interno do estabelecimento escolar: história,


recursos físicos, estrutura curricular e corpo docente e
Sabe-se que a Política Nacional
de Avaliação e Exames da educa- técnico-administrativo.
ção básica compreende o SAEB, 3. Organização e gestão: a proposta política-pedagógica, bem como
o Encceja e o ENEM, visando
medir e examinar a eficácia de as dinâmicas de sua execução e avaliação pelas comunidades
suas propostas pedagógicas, internas e externas.
bem como a eficiência da gestão
dos estabelecimentos escolares.
4. Ensino e aprendizagem: as categorias que têm relação com o
Assim, compreendendo a impor- que acontece na sala de aula.
tância do resultado obtido com 5. Cultura escolar: as categorias relacionadas à identidade do
a aplicação desses instrumentos,
estabelecimento, ao nível democrático de participação dos
escolha uma escola, acesse o
site https://qedu.org.br/sobre/ professores, aos alunos e à comunidade, à motivação do corpo
dados-disponiveis ou http:// funcional e à relação do estabelecimento com a comunidade
sistemasprovabrasil.inep.gov.br/
adjacente.
provaBrasilResultados/ e faça
uma tabela com os resultados 6. Processos educacionais: a estatística do aprendizado nos
da Prova Brasil e do ENEM. Por registros da secretaria escolar, os dados das avaliações do SAEB,
fim, com os resultados obtidos,
realize uma análise crítica sobre Encceja e ENEM, a participação dos estudantes em olimpíadas e
a realidade observada. eventos de responsabilidade social, entre outros.

Agora, fica a pergunta: com os resultados dessas avaliações institu-


cionais, faz-se o quê? Em um primeiro momento, em nome do princípio
da publicidade, toda a comunidade precisa ter conhecimento da reali-
dade por meio dos dados trabalhados e analisados e com uma lingua-
gem que seja possível a sua apreciação por todo e qualquer cidadão,
para fins de legitimação do processo avaliativo; depois, elaboram-se os
específicos planos de correção, os redirecionamentos pedagógicos e
de intervenção internos e aqueles que envolvem medidas de correções
indicadas ou obrigadas pelos órgãos públicos governamentais nas de-
vidas esferas municipal, estadual e federal.

É fato que os desafios vividos pela sociedade têm ecoado nas es-
feras de seus processos educacionais escolares: quando a sociedade
está bem, é porque a educação está bem, e quando a sociedade sofre,
é resultado da educação que se é oferecida. Portanto, é consenso que
a educação faz parte das dinâmicas das realidades sociais e precisa dar

134 Políticas Educacionais


conta de seus objetivos e de suas responsabilidades. Nessa direção,
Dias Sobrinho (2002, p. 14-15) pontua que a educação deve se voltar a
produção da alta tecnologia, formação de mão-de-obra de alto
nível, treinamento para atendimento de demandas imediatas
do mundo do trabalho, formação qualificada para ocupações de
tipo novo, formação para a inovação, preservação e desenvolvi-
mento da alta cultura, recuperação da cultura popular, educação
continuada, formação para o empreendedorismo, promoção da
cidadania e da consciência de nacionalidade, inserção no mundo
globalizado e compreensão das transformações transnacionais
[...] e tantas outras exigências carregadas de urgências e, em
todo caso, de difíceis respostas.

Entretanto, devemos destacar a importância e responsabilidade


que devem ter os atores envolvidos no processo avaliativo (alunos,
gestores, professores e outros) ao agir com as devidas responsabili-
dades no momento de fornecer dados e informações requeridas nos
instrumentos; caso contrário, os resultados avaliativos estariam disso-
nantes da realidade. Portanto, as competências e sensibilidades devem
ser acionadas, já os dados e as informações precisam ser precisos e
coerentes, estando diretamente relacionados com o objetivo buscado.
Assim, antes da aplicação de qualquer um dos instrumentos relativos
à avaliação institucional, há a necessidade de ampla divulgação do pro-
cesso e de esclarecimentos sobre como proceder, preencher e registrar
os dados buscados.

5.4 Perspectivas, impasses e impactos


Vídeo Projetos e planos são propostas que, metodologicamente organiza-
das, buscam alcançar objetivos para atender a determinadas demandas
de uma instituição, seja no âmbito interno ou na sua relação com a co-
munidade externa. Portanto, apontam para algo no futuro, para algu-
ma possibilidade que, para ser realizada, sabemos que dependerá da
concretização de certos procedimentos e fases anteriores ao resultado
ou produto esperado. Assim, projetos e planos podem ficar apenas no
campo de um querer ou uma perspectiva, sem se concretizarem, caso
seus elaboradores, gestores ou governos não deem os encaminha-
mentos adequados para a sua consecução.

Gestão da educação: limites e perspectivas 135


Nessa mesma direção estão as legislações, elas também apresen-
tam princípios, valores e normas que devem ser aplicados e obede-
cidos pelos específicos atores sociais que com elas se relacionam. No
entanto, a sua eficácia vai depender de como tais atores sociais as con-
templam e se deixam guiar por elas, uma vez que a pessoa pode fazer
tudo o que a lei não proíbe. Logo, é sob essa concepção, presente nas
políticas públicas voltadas para a educação, que surgem impasses que,
não resolvidos, levam a importantes impactos sobre a comunidade a
qual são dirigidas. Se as legislações existem, mas não se operam, e se
projetos e planos existem, mas não são implementados, tudo fica no
campo apenas das perspectivas. É de praxe buscar culpados entre os
gestores e professores, nos projetos educacionais, familiares, na mídia etc.

Em outra direção, é fato que os governos estão submetidos a parâ-


metros constitucionais em suas ações, não podendo ultrapassar certos
limites, também se sabe que esses mesmos governos atuam confor-
me as mudanças socioeconômicas e culturais vão ocorrendo, sem que
possam executar quaisquer interferências. Por isso, nem tudo pode ser
culpa dos governos, quando certas políticas educacionais não aconte-
cem conforme o previsto no PPP do estabelecimento de ensino.

Quanto à comunidade, também vivem sob os ventos que sopram


em todas as direções, seja local, regional, nacional ou internacional;
e, por isso, seus desejos, necessidades e demandas estão sempre em
transformação. Desse modo, há a necessidade de se compreender que
as perspectivas da sociedade, referentes às políticas públicas educacio-
nais, podem ficar condicionadas a uma dinâmica nem sempre possível
de controle. É por isso que é compreensível, até certo ponto, aceitar o
histórico das políticas públicas educacionais no Brasil. Vejamos:
•• houve projetos e planos que foram elaborados, inclusive com a par-
ticipação democrática dos atores sociais envolvidos com o tema,
mas que ficaram apenas no campo das intenções políticas – o que
pode ser explicado pela demora na formalização dos documentos
e pela natural e consequente descontinuidade dos governos;
•• houve projetos e planos que foram implantados, mas que não pro-
duziram os resultados esperados, o que pode ser explicado pela
dissociação existente entre as diretrizes e objetivos almejados, a exis-
tência de gestores incapazes, ou recursos financeiros insuficientes;

136 Políticas Educacionais


•• houve projetos e planos que foram aplicados, mas apenas parcial-
mente. Também podem ser explicados pela falta de recursos, ou
mesmo pela ausência de gestão especializada para as propostas;
•• houve projetos e planos que realmente produziram os resultados
esperados, com excelência, inclusive, com grande aceitação da
comunidade e sob importantes elogios da comunidade nacional
e internacional.

De modo geral, estudos e estatísticas têm demonstrado significati-


vas reformas e mudanças em todos os níveis da educação brasileira,
tanto na básica quanto no ensino superior. É fato que houve amplia-
ção no acesso, na permanência, nas titulações dos profissionais da
educação, no número de horas em ambiente escolar, na melhoria da
infraestrutura física e de equipamentos, no apoio ao estudante, na ges-
tão da escola, na implantação de políticas afirmativas, dentre outros.
Contudo, também é fato que o número de alunos que não chegam a
completar doze anos de estudos é alto, o desempenho do estudante
tem sido ruim quando se consideram a Provinha Brasil, a Prova Brasil,
o ENEM e outras avaliações; os cursos de formação de professores so-
frem com falta de qualidade em seus programas e estágios, o que tem
levado à precarização e proletarização do trabalho docente; a indiscipli-
na escolar se faz fortemente presente gerando muita violência; a forma
como se identificam e elegem os gestores educacionais pode não estar
ocorrendo conforme os fundamentos de uma gestão democrática etc.
Entretanto, parece que o que falta, mesmo, é a compreensão do que
realmente deva ser a educação e, nessa direção, Hannoun (1998, p. 43)
afirma que:
a reflexão e a ação educacionais pressupõem o real funda-
mento de afirmação referente, por um lado do homem como
humanidade e como pessoa, e, por outro, ao processo de
ensino-aprendizagem. No plano fundamental, o conceito de
educação só é aceitável se a humanidade for possível obreira da
felicidade e se a imagem do homem por formar-se for moral e
socialmente positiva, enfim, se a pessoa humana for perfectível
e capaz de liberdade. No plano instrumental, no âmbito escolar,
vimos que o processo ensino-aprendizagem pressupõe sua pró-
pria eficiência e o valor positivo de suas finalidades, estruturas,
conteúdos e métodos.

Gestão da educação: limites e perspectivas 137


São públicos e conhecidos, portanto, os importantes impasses exis-
tentes no mundo da educação quanto a projetos, gestão, recursos finan-
ceiros, metodologias de ensino, formação do estudante e sua preparação
para o mercado de trabalho, valorização dos profissionais da educação,
bem como é sabido os impactos que essa realidade tem causado, como
é o caso da desconsideração dos governos e da própria comunidade es-
tudantil e familiar quanto ao valor dos profissionais da educação e da
própria escola. Entretanto, há uma série de outros fatores e elementos
próprios do mundo da educação escolar que precisam ser considerados
para que haja uma visão mais coerente da realidade.

Uma questão de relevância que tem contribuído muito com os


atuais impasses e impactos na educação é referente às linhas ideoló-
gicas que os projetos e planos têm representado. Em cada momento
histórico, devido à evolução do pensamento e da humanidade, novas
diretrizes e pressupostos vão se fazendo necessários. E, nessa direção,
tudo pode e deve mudar, considerando que homens e mulheres preci-
sam estar em sintonia com seu tempo.

Uma segunda questão que permeia o tema é referente à diversi-


dade de governos que assumem a administração pública, quando se
vive em um sistema republicano. Há governos que pensam a educação
como elementos que constroem a sociedade e governos que enten-
dem que a educação deve estar a serviço dos interesses da sociedade.
Assim, fica um vai e vem nos processos. No entanto, isso é entendido
como normal dentro do conceito da evolução social.

A terceira questão tem relação direta com a formação e valorização


dos profissionais da educação, em específico quanto aos gestores, tan-
to pelos governos quanto pela própria comunidade. Para Gatti (2013,
p. 58-59), isso pode ser explicado da seguinte forma:
a) há uma grande dissonância entre os Projetos Pedagógicos dos
cursos e a estrutura do conjunto de disciplinas e suas ementas
[...]; b) o currículo proposto pelos cursos de formação de profes-
sores tem uma característica fragmentária [...]; c) a proporção de
horas dedicadas às disciplinas referentes à formação profissional
docente, nas licenciaturas em pedagogia fica em torno de 30%,
ficando 70% para outros tipos de matéria ou atividade [...]; d) na
análise das ementas das disciplinas de formação profissional
(metodologias e práticas de ensino, por exemplo) também predo-
minam apenas referenciais teóricos sem associação com práticas
educativas [...]; e) o currículo da educação básica praticamente

138 Políticas Educacionais


não aparece nas formações propostas; f) raras instituições espe-
cificam em que consistem os estágios e sob que forma de orien-
tação, acompanhamento e avaliação são realizados; g) a questão
das práticas, exigidas pelas diretrizes curriculares dos cursos,
mostra-se problemática [...]; h) um grupo considerável de matri-
zes curriculares apresenta disciplinas pouco específicas quanto
a seus nomes e, com ementas bastante ligeiras, encontrando-se
também redundâncias de conteúdo [...]; i) aparecem nos currí-
culos muitas horas dedicadas a atividades complementares, se-
minários ou atividades culturais etc., que ficam sem nenhuma Livro
especificação [...].); e j) uma parte dessas licenciaturas promove O livro Educação: certezas
especialização precoce em aspectos que poderiam ser abordados e apostas desenvolve uma
reflexão muito interes-
em especializações ou pós-graduação, ou que, claramente, visam sante, e até curiosa,
à formação de outro profissional que não o professor. sobre a educação com
perspectivas filosófica,
Já a quarta questão que tem envolvido as políticas, independente de científica e prática,
indicando que o ser
qual seja o governo, é a presença de tecnologias como meio para a pro-
humano é sempre um ser
dução de conhecimentos, bem como para a divulgação e promoção, de futuro e, assim sendo,
é preciso apostar nela.
em específico, da informática e da internet fazendo parte das rotinas,
Mais ainda, a educação
tanto de sociedades mais complexas como nas mais simples. E é fato é a responsável, por
excelência, pelo preparo
que as crianças e os jovens se adaptam com muito mais facilidade a
das pessoas para a auto-
esses novos meios, se comparados com a população mais adulta, sig- nomia sobre si mesmas,
bem como por todas as
nificando certos impactos nos resultados de aprendizagem e desenvol-
possíveis responsabili-
vimento de ciências. dades que precisamos
ter ao executar qualquer
Nessa dinâmica, ainda é preciso compreender que a informatiza- ato que tenha relação
com o outro. Por fim, a
ção dos processos da educação tem reservado para as máquinas e
obra aponta uma grande
equipamentos uma série de tarefas e procedimentos educacionais, o preocupação com o
profissional da educação,
que pode ser positivo, por um lado, se considerarmos que sobra mais
uma vez que, segundo o
tempo para a mente pensar, mas, por outro, pode não ser interessante, autor, é esse profissional
quem dirige a construção
porque o estudante executa menos. Delors (1998, p. 14-15) compreen-
da pessoa de amanhã, e,
de essa questão e dá uma sugestão interessante: para isso, precisa ter todo
o entusiasmo e respon-
a tensão entre tradição e modernidade está relacionada com sabilidades necessários.
a mesma problemática: adaptar-se sem se negar a si mesmo, É uma leitura importan-
construir sua autonomia em dialética com a liberdade e a evolu- tíssima para profissionais,
e futuros profissionais, da
ção do outro, além de manter sob controle o progresso científico.
educação.
Com este espírito é que se deve enfrentar o desafio instigante
HANNOUN, H. São Paulo: UNESP, 1998.
das novas tecnologias da informação.

Sob essa e outras preocupações, visando repensar a educação


e redirecionar os seus objetivos, entre os anos de 1992 e 1996, uma
Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, da Unesco,
presidida pelo francês Jacques Lucien Jean Delors, construiu um rela-

Gestão da educação: limites e perspectivas 139


tório, intitulado Educação, um tesouro a descobrir, em que se indicou
a necessidade de a educação explorar quatro pilares – aprender a co-
nhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser –, com o
objetivo de propor uma lógica vivente dentro dos processos educacio-
nais, uma vez que estaríamos na era do conhecimento, não devendo a
Atividade 3
escola, portanto, ser o espaço reprodutivista, subordinado aos mode-
Na década de 1990, a Unesco, los de produção. Nessa direção, para compreender esses pilares e seus
por meio de uma Comissão
Internacional sobre Educação significados, Delors (1998, p. 90-101) afirma que:
para o século XXI, construiu Aprender a conhecer: tipo de aprendizagem que visa não tanto
um relatório com destaque
à aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes
para uma educação que
devesse contemplar o aprender o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento pode ser
a conhecer, a fazer, a conviver e considerado, simultaneamente, como um meio e como uma fina-
a ser – documento de grande lidade da vida humana. Aprender a fazer: ação que está estreita-
relevância para a educação mun- mente ligada à questão da formação profissional como ensinar o
dial. Entretanto, já se passaram aluno a por em prática os seus conhecimentos e, também, como
duas décadas e outros estudos
adaptar a educação ao trabalho futuro quando não se pode pre-
já foram realizados pela Unesco.
Pensando nisso, acesse https:// ver qual será a sua evolução. [...] Aprender a conviver: apren-
unesdoc.unesco.org/about e der a viver juntos, aprender a viver com os outros. Parece, pois,
localize o documento intitulado que a educação deve utilizar duas vias complementares. Num
Repensar a Educação – rumo primeiro nível, a descoberta progressiva do outro. Num segundo
a um bem comum mundial, do
nível, e ao longo de toda a vida, a participação em projetos co-
ano de 2016. Após encontrar o
texto, identifique seus principais muns, que parece ser um método eficaz para evitar ou resolver
pontos e destaques, fazendo, na conflitos latentes.[ ...] Aprender a ser: a educação é, antes de
medida do possível, uma análise qualquer coisa, uma viagem interior, cujas etapas correspondem
crítica sobre o material. às da maturação contínua da personalidade. Na hipótese de uma
experiência profissional de sucesso, a educação como meio para
tal realização é, ao mesmo tempo, um processo individualizado e
uma construção social interativa.

Não resta dúvida para a comunidade educacional de que as pro-


postas da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, da
Unesco, são importantíssimas para uma verdadeira educação e uma
educação de qualidade. Por isso, os diversos atores da educação, em
específico os docentes e gestores, deveriam buscar a implementação
de seus projetos educacionais nessas propostas. Preparar o estudante
para saber conhecer, saber fazer, saber conviver e saber a ser é tudo
que as instituições de ensino poderiam fazer neste mundo globalizado,
de modo que todos pudessem ter os conhecimentos necessários para
uma vida digna, respeitando as diversidades, com habilidades para re-
solver as adversidades, como cidadãos conscientes e pessoas harmôni-
cas em suas estruturas de saúde física e emocional.

140 Políticas Educacionais


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Projetos e planos sempre podem trazer possibilidades de impasses e
impactos sobre o meio em que são implementados, e não seria diferente
para os projetos pedagógicos no mundo da educação. Nesse capítulo,
pudemos conhecer um pouco mais sobre os fundamentos e as funciona-
lidades da gestão educacional e tivemos uma perspectiva maior sobre a
atuação da gestão escolar relativo ao PPP e às legislações educacio-
nais vigentes.

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Gestão da educação: limites e perspectivas 141


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VEIGA, I. P. A. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas:
Papirus, 1995.

GABARITO
1. O projeto político-pedagógico (PPP) precisa contemplar o marco situacional, o marco
conceitual e o marco operacional, além de contar com uma introdução, considerações
e as referências usadas para sua elaboração. No entanto, não há qualquer problema
se a instituição de ensino distribuir essas informações em ordem diferente.

2. A partir da localização dos dados da instituição escolhida, é só construir uma tabela


com as informações sobre a Prova Brasil e o ENEM e, depois, fazer a análise crítica
sobre a realidade observada pelas pontuações registradas.

3. Repensar a Educação: rumo a um bem comum mundial é um documento que desen-


volve uma série de elementos que pretendem construir e promover uma educação
que considere o desenvolvimento humano, que respeite o meio ambiente de maneira
sustentável e o direito de todos à educação, que promova o uso do conhecimento,
entre outros.

Gestão da educação: limites e perspectivas 143


POLÍTICAS EDUCACIONAIS
Políticas
Educacionais
MIGUEL DE JESUS CASTRIANI
Miguel de Jesus Castriani

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6642-1

59427 9 788538 766421

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