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Perifa Connection/Divulgação
O investimento público em arte é uma forma barata e simples de difundir e trazer respeito
internacional para a cultura de um país. Você pode até não gostar dos Estados Unidos,
mas com certeza respeita a trajetória do rap e paga por (ou conhece quem paga) shows
e demais produtos do hip hop.
Além de elevar a economia nacional, o funk tem potencial de ser um porta-voz direto das
favelas e das periferias para o planeta, e de reduzir desigualdades. Esse movimento
artístico permite que vidas negras sejam resgatadas de muitas ameaças do racismo
estrutural e que consigam transformar suas dificuldades em arte, renda e inspiração para
que novas gerações não precisem passar por dificuldades na busca por valorização.
Mesmo com o potencial do funk, uma minoria branca ainda decide qual tipo de conteúdo
merece ser consumido e o que deve ser marginalizado no Brasil. Há ódio contra qualquer
produção cultural que envolva negritude e que venha da favela.
As atitudes racistas se atualizam com a sociedade. Apesar de ser crime, o racismo ainda
se reproduz de diversas formas, como a falta de saneamento básico, as barreiras de
acesso à educação, segurança, saúde e moradia e a tentativa de impedir as
manifestações artísticas da favela.
De acordo com o conceito da necropolítica, essas exclusões são formas de nos matar.
Tudo isso, dentro dessa estrutura racista, será levado em consideração na tomada de
decisões judiciais com a visão do homem branco.
A própria família Bolsonaro é uma das que mais critica as medidas de isolamento em meio
ao avanço do coronavírus. Se o crime de infração das medidas sanitárias valesse para
todos, muita gente estaria neste barco, inclusive o próprio presidente. Sabemos o critério.
O mesmo vale para a imputação de crime de associação ao tráfico.
Em 2019, o DJ Rennan da Penha também foi acusado e preso sem provas, condenado
em segunda instância a mais de 6 anos em regime fechado e libertado somente depois
de sete meses, por decisão do STF. Todo o argumento de incriminação é tendencioso.
“Falar de um preto que está subindo é fácil. Difícil é você falar de um filho de deputado
que está promovendo aglomeração, festinhas e drogas”, afirmou Negão da BL à Record,
no início de março.
Querem silenciar o jovem favelado, que usa o funk como ferramenta de ascensão social.
O funk tem servido como ferramenta de denúncia contra a violência policial em meio a
“guerra” às drogas e a outras formas de opressão. A música “Rap do Silva” é um ótimo
exemplo: “era só mais um Silva que a estrela não brilha/ ele era funkeiro, mas era pai de
família.”
A música dialoga com a realidade do favelado que depois de um dia exaustivo só quer se
divertir e esquecer dos problemas. Como a demanda por cuidados com a saúde mental é
alta e pouco suprida entre essa parcela da população, o funk também serve como forma
de lazer e de fuga da realidade dura.
Vivemos num país em que 75% dos mortos pela polícia são negros, de acordo com
relatório produzido pela Rede de Observatórios da Segurança, grupo de estudos sobre
violência nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pernambuco.
O funk “Rap do Silva” nos mostra que, mesmo tentando viver, muitos ainda acabam tendo
o mesmo fim do Silva da música. João Pedro, Ágatha, Miguel, Maria Eduarda, Amarildo,
Anderson, Marielle, Emily e Rebecca… Todos são “Silva”.
Por isso, gritamos: nunca fomos só mais um Silva. O funk é porta-voz da nossa realidade
e não pode ser apagado e esquecido. Pelo contrário, deveria se tornar oficialmente
patrimônio cultural brasileiro, porque já ocupou todos os setores sociais.
A igualdade já deveria existir, mas nossa cultura ainda incomoda muita gente. Em 2017,
uma sugestão de lei para criminalizar o funk teve 21.985 assinaturas em apoio. O projeto
foi rejeitado pelo Senado.
Esse tipo de visão de que o funk atenta contra a família é preocupante porque mostra
como os nossos corpos são marginalizados e objetificados. O rebolado, por exemplo, é
uma expressão natural de comunicação trazida pelos povos escravizados de diversas
regiões africanas.
Existe toda uma arte produzida em cima do funk. Nossa cultura é rica. Aceitar o funk é
compreender a sua narrativa. A luta contra a base racista que estrutura o nosso país é
grande e a favela se manterá erguida para poder se orgulhar “e ter a consciência que o
pobre tem seu lugar”.
Juam Ferreira
Professor de programação e robótica, poeta, integrante do MNU (Movimento Negro
Unificado), do Movimenta Caxias, do Voz da Baixada e do Quilombo Moderno