Você está na página 1de 117

Novas Abordagens em Saúde Mental

transformando vidas de forma humana, autônoma e consciente


Sumário
1) The Hearing Voices Approach........................................................................................................................................4

2) Open Dialogue..............................................................................................................................................................16

3) The Davis Approach......................................................................................................................................................25

4) Positive Psychoterapy...................................................................................................................................................36

5) GAM (Gestão Autônoma da Medicação).....................................................................................................................50

6) Power Threat Meaning Framework..............................................................................................................................62

7) Abordagem Sistêmica Comunitária..............................................................................................................................76

8) The Green Care Approach............................................................................................................................................84

9) Wellness Recovery Action Plan...................................................................................................................................105

Novas Abordagens em Saúde Mental 2


Mas o que são Novas Abordagens em Saúde
Mental?
Novas abordagens em saúde mental representam, primeiramente, uma ruptura com abordagens historicamente
dominantes no campo da saúde mental, que, em geral, estiveram (e ainda estão) associadas à patologização e à
medicalização da existência, bem como à individualização da atenção e à padronização das técnicas. Tais abordagens
dominantes são baseadas na hierarquia arbitrária entre profissionais e “pacientes”, na qual os primeiros são vistos como
especialistas superiores e os segundos como doentes passivos. Assim, romper com essas abordagens hegemônicas
implica subverter esses princípios, com a consequente construção de alternativas a eles. Nesse sentido, novas
abordagens em saúde mental enfatizam diferentes interpretações possíveis para o sofrimento humano, a construção de
novas relações humanas baseadas no diálogo e o favorecimento do protagonismo daqueles que historicamente
ocuparam o lugar de objetos.

Vale ressaltar que para que tais novas abordagens em saúde mental não se desvirtuem de seus propósitos, não devem
somente ser “novas”, mas alcançarem “valor” na promoção de novos processos de desenvolvimento humano. Assim, o
novo não poder se limitar a uma técnica nova, mas à problematização teórica e epistemológica que fundamenta o
campo da saúde mental. Nesse processo, gera-se novos referenciais, que, por um lado, permitem explicar o sofrimento
humano de diferentes formas, dialogando com a complexidade individual e social que representam, e, por outro,
favorecem novas estratégias de ação profissional e comunitária baseadas nos saberes produzidos. Implica, nesse
sentido, que o conhecimento não se volte para a colonização do outro, de modo a oferecer respostas técnicas
conclusivas sobre o outro, mas para o favorecimento de possibilidades mediante construção conjunta de novas formas
de estar no mundo e se relacionar com a vida. Implica sair de uma lógica centrada no modelo sujeito/objeto, para
construir relações sustentadas por um modelo sujeito/sujeito.

Daniel Magalhães Goulart – Doutor em Educação pela UnB e Professor do Instituto de Psicologia da UniCEUB.

Novas Abordagens em Saúde Mental 3


Capítulo 1

The Hearing Voices Approach (Ouvir


Vozes)
Ouvir vozes em si nem sempre é Estima-se, em um estudo exibido pela Rede
Internacional de Ouvidores de Vozes, a INTERVOICE
sintoma de uma doença (2017), que em torno de 2 a 4% da população mundial
ouve vozes, e que uma em cada três dessas pessoas se
Assim como acontece com outras questões que torna um paciente psiquiátrico, tendo em vista que as
envolvem a saúde mental das pessoas, o ouvir de outras duas teriam condições de lidar bem com suas
vozes também se tornou um sinônimo de estigma experiências e de maneira tranquila.
social, visto que aquele que se autodeclarar um
ouvidor, logo pode ser taxado como louco. Segundo essas instituições e profissionais vinculados à
área da saúde mental que lida com o ouvir de vozes, a
grande diferença que existe entre frequentadores de
Mas, na realidade, nenhum caso pode ou deve ser serviços de apoio a essas experiências e os não-
tratado dessa forma. Aquilo que se vem mostrando, frequentadores é a diferente relação que esses dois
com o tempo e estudos diversos, é que existe uma grupos estabeleceram com as suas vozes.
nova forma de se pensar a experiência de se ouvir
vozes. A verdade por trás desse movimento em função das
vozes é a necessidade que se tem, por parte daqueles
Grupos de pesquisadores e instituições que tratam que sofrem com elas e dos especialistas que os auxiliam,
sobre o tema, têm unido esforços em função da de que se perceba que as vozes, na verdade, carregam
desconstrução dessa ideia de que ouvidores de vozes mensagens, como mensageiras que tem como seu
são, por exemplo, em alguma instância, principal objetivo mostrar para estas pessoas questões
esquizofrênicos. mais antigas, vividas e não resolvidas, na tentativa de se
mudar essa situação.
Baseados na concepção de que as vozes, na realidade,
Como ocorre com os traumas, as pessoas nem sempre
dizem alguma coisa sobre aquele que as ouve, esse
absorvem de maneira ideal o acontecido, e o reflexo
movimento mundial lida com o entendimento de suas
disso pode se dar de diversas formas, como também
mensagens e visa trazer autonomia para essas
pode ocorrer na forma de vozes; vozes que deprimem;
pessoas diante daquilo que experienciam.
que tiram a capacidade de viver do indivíduo.

Novas Abordagens em Saúde Mental 5


A patologização das vozes tornou-se algo comum na Assim como tem sido feito por muitos grupos e
medicina psiquiátrica do Ocidente. Nessas condições, instituições vinculadas aos indivíduos ouvidores de
as chances de se receber um diagnóstico como vozes, ensinando estes a lidar melhor com a sua própria
esquizofrênico indo a uma consulta psiquiátrica é de experiência e levando a eles autonomia diante daquilo
80% (INTERVOICE, 2017), tendo em vista a possível que vivem, um esforço cada vez maior deveria ser feito
similitude sintomática que pode ter o ouvir vozes com para que esse estigma social fosse desconstruído
um quadro de esquizofrenia. progressivamente.

Dessa maneira, os diagnósticos se tornariam ainda mais


Quem lida com esse tipo de experiência precisa de precisos, a proteção àqueles que eventualmente sofrem
apoio. A questão fundamental, e que precisa ser por conta das vozes seria maior, e estes ficariam mais
observada, é como as manifestações mentais por próximos do auxilio correto e necessário do que estão
meio das vozes se desenvolveram no indivíduo; qual nos dias de hoje.
conexão elas tem com as suas experiências passadas.
Muitos dos enganos que envolvem essas pessoas
podem ser resolvidos por esse caminho. Você pode ouvir vozes e ser
saudável: uma breve historia sobre a
Em uma pesquisa desenvolvida por quatro anos com INTERVOICE
crianças ouvidoras de vozes, Sandra Escher (2013),
doutora em psiquiatria social pela Universidade de
Maastricht, na Holanda, fez de sua tese uma prova A INTERVOICE é uma das maiores instituições
disso. responsáveis por cuidar de pessoas ouvidoras de vozes
no mundo hoje, construída de acordo com os princípios
do Movimento Internacional dos Ouvidores de Vozes
Após acompanha-las durante o período, Sandra (HVM).
assinalou que 64% das 82 crianças observadas não
apresentavam mais suas vozes, entendido que com o Desenvolveu-se na Europa, no fim da década de 80, sob
tempo teriam aprendido a lidar melhor com suas a experiência do psiquiatra Marius Romme, que se
emoções, diminuindo suas cargas de estresse. baseando

Novas Abordagens em Saúde Mental 6


em uma nova metodologia de cuidado com o deixou claro para mim que a abordagem psiquiátrica
indivíduo ouvidor, fundou a instituição. não tinha sido muito útil. Porque, como um clínico
tradicionalmente treinado, eu só estava interessado em
Tudo começou em 1987, quando Marius passou a sua experiência de audição de voz, na medida em que
conviver com a frequentadora de seu consultório diz respeito às características de uma alucinação, a fim
psiquiátrico, Patsy Hage. Um dia, em uma conversa de construir um diagnóstico em combinação com outros
entre os dois, Patsy lhe fez uma pergunta que o faria sintomas.
pensar e teria como desfecho a mudança de toda sua
concepção do que exatamente era a experiência de se Mas ela estava interessada nas vozes e no poder que
ouvir vozes. exerciam sobre ela; no estresse que ela experimentava;
naquilo que lhe diziam”.
A pergunta consistia na ideia de que se Marius
Foi então que, a fim de romper as barreiras sociais
acreditava em um Deus que nunca teria visto ou
existentes entre os próprios ouvidores, Marius resolveu
ouvido, porque este não poderia acreditar nas vozes
organizar reuniões entre os ouvidores de vozes
que ela, Patsy, realmente ouvia e que faziam morada
frequentadores de seu consultório, com o objetivo de
em sua cabeça.
deixar com que eles trocassem experiências sobre ouvir
vozes, como lidavam com elas, dentre outras coisas.
Esse teria sido o fator inicial de uma abordagem que
vem dando resultados até hoje, a saber, a de se ouvir Marius conta que todos ficaram extremamente
o que o indivíduo tem a dizer sobre suas vozes, e entusiasmados. Dali em diante, o pesquisador holandês
percebe-las como uma experiência a ser entendida percebeu que esse movimento apenas tenderia a
pelo médico e o próprio indivíduo, ao invés de taxa-la crescer, e com a ajuda de Patsy e outros pesquisadores,
diretamente como parte de um distúrbio grave como fundou a INTERVOICE.
é a esquizofrenia.
A Instituição até hoje tem como objetivo principal
Em entrevista, Marius ressaltou que: “Foi Patsy Hage
incentivar uma discussão mais ampla, com o intuito de
quem
mudar a atitude da sociedade frente a vivência de

Novas Abordagens em Saúde Mental 8


se ouvir vozes e a maneira como os ouvintes são realmente tem o poder de ajudar.”
tratados pela medicina e, especialmente, pelos
psiquiatras. Com o apoio dessa rede em todo o mundo e,
especialmente, dos ouvintes, alguns dos quais passaram
Hoje, a principal cede da instituição se localiza na longos períodos de tempo em atendimentos
Inglaterra, e tem em sua história a participação direta psiquiátricos, hoje, recuperam-se vidas, fazendo com
de Marius, que entrando em contato com seu amigo e que pessoas que antes sofriam com suas vozes, agora
então co-fundador da instituição em território sejam capazes de dizer que as ouvem, que assim mesmo
britânico, Paul Baker, levou sua ideia de mudar a vivem tranquilos e que as aceitam como parte de si
forma como a sociedade e a psiquiatria olham para os mesmos.
indivíduos ouvidores de vozes para além das fronteiras
de seu país. O sentido das vozes e o caminho
para aprender a lidar com elas
Paul (2014), em texto de sua autoria, ressalta a
trajetória do movimento até aqui e sua importância De acordo com a apostila de orientação escrita por Paul
para o reconhecimento da autonomia dos indivíduos Baker em função de seu minicurso dado no Brasil sobre
ouvidores diante de sua própria experiência: como lidar com o ouvir de vozes, existe uma forte
relação entre a história do indivíduo, as vozes que este
“Talvez estejamos chegando lá. Uma maneira ouve e a maneira como este é capaz de lidar com elas.
diferente de pensar sobre as vozes e uma nova forma
de ajudar as pessoas que lidam com elas está sendo Na medida em que os próprios ouvidores relatam
desenvolvida. Uma jornada que continua até hoje. elementos indicadores desta relação, como sua
identidade, sua história, as características de suas vozes
e o teor daquilo que escutam, fica mais simples de se
Tudo isso faz parte de uma mudança que reconhece
observar o sentido que estas vozes têm para a sua vida e
que as pessoas que ouvem vozes são os peritos da sua
para a vida de pessoas próximas a eles, como seus
própria experiência, que estão em melhor posição
familiares, que conseguem entender a recorrência de
para entender o que esta experiência significa e o que
alguns conteúdos exibidos pelas vozes.

Novas Abordagens em Saúde Mental 9


Em um processo de entrevistas/conversas, busca-se entendido que o envolvimento de familiares, amigos e
construir o mapeamento de alguns aspectos da entes queridos se faz fundamental para o fortalecimento
existência desse indivíduo, o acessar dos possíveis da esperança, do apoio e do novo sentido de vida que
gatilhos para as suas vozes e a sua cronologia, que faz fora construído pelo indivíduo.
referencia a sequência de suas aparições, visto que
algumas vezes os ouvidores relatam o ouvir de mais Trabalhar em si mesmo, em sua autoestima e
de uma voz e em momentos distintos. autoconfiança, fazendo escolhas e se tornando o
responsável por suas próprias decisões sem o advento
Resumidamente, pensam em conjunto, profissional e negativo das vozes, mas sim se apropriando de sua
ouvidor, com o objetivo de alcançar aquilo que Paul experiência auditiva como outros exemplos o fazem.
nomeia como “constructo”, que nada mais seria do
que aquilo que serve como a estrutura/alicerce das Os princípios e valores do Hearing
vozes ou, aquilo que elas querem representar quando
dialogam com o indivíduo. Por meio disso, descobre- Voices Approach
se outro elemento fundamental da análise: o código a
ser quebrado. Enquanto o HVM (Hearing Voices Movement) incorpora
pessoas com uma ampla gama de expectativas e
necessidades, existem alguns valores centrais pelos
Realizado todo esse processo, sua ultima etapa
quais os membros em geral também o aderem.
consiste em quebrar o código estabelecido pelas vozes
do indivíduo, de maneira que este, sempre em
conjunto com o profissional que o acompanha, possa O primeiro deles é a crença de que ouvir vozes é uma
enxergar a origem de suas vozes; o porquê de seu parte natural da experiência humana.
conteúdo; e entender qual poderá ser a melhor forma
para se lidar com elas dali em diante. As próprias vozes não são vistas como anormais ou
sinônimos de aberrações, mas sim conceitualizadas
Mas a ideia aqui também não consiste em fazer tudo como uma resposta significativa e interpretável das
de forma solitária, circunstâncias sociais, emocionais e / ou interpessoais
das pessoas.

Novas Abordagens em Saúde Mental 11


De acordo com essa perspectiva, a capacidade de se diante da realidade que constatações e diversos estudos
ouvir vozes existiria em todos nós. apresentam, sendo a vida positiva de muitos ouvidores o
maior reflexo disso.
Para muitos ouvintes, isso é muito mais construtivo e
empoderador do que diagnósticos baseados em O segundo deles, que diversas explicações para vozes
doenças que enfatizariam a patologia, podendo são aceitas e valorizadas; e a HVM respeita que as
induzir ao estigma, reduzir a autoestima ou mesmo pessoas possam usar essas diferentes explicações para
levar à ênfase na eliminação da experiência. entender suas vozes e experiências.

O terceiro deles, que os ouvintes são encorajados a se


Essa capacidade para que as vozes sejam escutadas apropriarem de suas vozes e experiências, definindo-as
em certas circunstâncias é confirmada por estudos para si. Os grupos de ouvidores de vozes, por exemplo,
sobre os efeitos da privação sensorial de eventos tais fornecem um espaço seguro para essa exploração. Por
como o luto, os traumas e a ingestão voluntária de isso termos remetendo ao discurso clínico podem evocar
alucinógenos. certa resistência, já que esse seria encarado como um
discurso incapacitante e potencialmente colonizador do
Da mesma forma como relatado nos estudos acima, ponto de vista dos próprios ouvidores.
as vozes são frequentemente encontradas na
experiência de pessoas em amostras coletivas, sem O quarto, por acreditarem que na maioria dos casos o
qualquer tipo de histórico vinculado a transtornos ouvir de vozes pode ser entendido e interpretado no
psiquiátricos. A esse respeito, estudos contexto de eventos da vida e de narrativas
epidemiológicos sugerem que uma minoria interpessoais das pessoas.
significativa da população já teve alguma experiência
em ouvir vozes pelo menos uma vez na vida.
Especificamente, é frequentemente relatado que as
Sob essa visão, precisaríamos parar de olhar para as vozes são precipitadas e mantidas por eventos
sinais inevitáveis ​de distúrbios psiquiátricos; essa emocionais que sobrecarregam e enfraquecem o
mentalidade precisaria ser reavaliada indivíduo, com seu conteúdo, identidade e/ou momento
de surgimento.

Novas Abordagens em Saúde Mental 12


Ferramentas como a “The Maastricht Hearing Voices representados pelas vozes é frequentemente possível,
Interview” podem ser empregadas para compreender mesmo quando as pessoas são diagnosticadas com
– e tentar resolver – os conflitos latentes que podem doenças mentais complexas ou crônicas.
estar por trás da presença das vozes.
Como consiste no respeito a diversidade de opiniões
valorizada pelo HVM, se os ouvintes optam também por
O quinto, por acreditarem que o processo de tomar medicamentos antipsicóticos para gerir ou
aceitação das vozes é mais eficaz do que erradicar as vozes, isto também é respeitado.
simplesmente tentar suprimi-las ou eliminá-las.
A medicação, no entanto, é vista apenas como uma das
Isso envolve aceitar as vozes como uma experiência muitas estratégias disponíveis. É muito importante,
real, honrar a realidade subjetiva do ouvinte e dentro dessa situação, que as pessoas recebam apoio
reconhecer que as vozes são algo com que eles – dado para tomar suas próprias decisões sobre o tratamento e
o suporte necessário – podem lidar com sucesso. tenham as informações necessárias para fazer uma
escolha consciente.
Por outro lado, poderia se pensar, por exemplo, que
ao valorizar ativamente as vozes (por exemplo, como Finalmente, entende-se o suporte coletivo como um
experiências emocionais significativas) algo contra meio frutífero de ajudar as pessoas a compreender e a
intuitivo estaria sendo feito, como no caso de alguém lidar com as suas vozes. Os grupos de suporte mútuo
que ouviria vozes angustiantes. têm uma longa associação com o HVM, com ênfase nas
prioridades do grupo, ao invés de seguir uma estrutura
predeterminada.
Mas a esse respeito, Romme e Escher propõem que as
vozes seriam tanto o “problema” quanto a “solução”:
um ataque à identidade, mas também uma tentativa Embora as vezes percebidas como marginais nos círculos
de preservá-la, articulando e incorporando a dor profissionais, essas ideias estão de acordo com
emocional. tratamentos psicossociais apoiados por muitos usuários
e suas famílias, bem como perspectivas positivas sobre o
“Decifrar” os conflitos e os problemas de vida ouvir de vozes e o impulso geral para a recuperação.

Novas Abordagens em Saúde Mental 14


Como consequência, elas se tornaram Referências Bibliográficas
progressivamente mais aceitas e tradicionais, como
muitos dos pressupostos básicos do HVM. Referência: INTERVOICE Brasil. “Manual – Como montar
um grupo de ouvidores de vozes”. São Paulo, 2017.
Desde as associações entre ouvir vozes e traumas; a
sugestão de que o conteúdo da voz é Referência: Baker, Paul. “Guia – Como trabalhar com
psicologicamente significativo; até a descoberta de pessoas quem ouvem vozes”. Manchester, 2014.
que maiores níveis de supressão emocional estão
associados a experiências de vozes mais frequentes e Referência: Corstens, Dirk et al. “Emerging Perspectives
problemáticas; From the Hearing Voices Movement”. Schizophrenia
Bulletin vol. 40 suppl. no. 4 pp. S285–S294, 2014.
A mudança em relação as vozes, de um sintoma
Referência: Waddingham, R., Escher, S., Dodgson,
genérico para algo a ser compreendido como uma
G.”Inner speech and narrative development in children
experiência significativa, pode direcionar á mudança
and young people who hear voices; three perspectives on
pessoal e á recuperação de vivências positivas na vida
a developmental phenomenon”. Psychosis, 5(3), pp 226-
dos ouvidores.
235, 2013.

Novas Abordagens em Saúde Mental 15


Capítulo 2

Open Dialogue (Diálogo Aberto) (Saúde


Mental em Geral)
o Projeto Nacional Finlandês de Esquizofrenia, um
O diálogo em benefício da saúde projeto que tinha como um de seus objetivos principais
mental o encontrar de novos estudos e abordagens capazes de
aprimorar os tratamentos até então desenvolvidos na
saúde mental do país.
Considerando os diversos tipos de tratamento
desenvolvidos ao longo dos anos dentro do campo da
saúde mental, o método Open Dialogue surge como Tendo terreno fértil para caminhar e como referência a
um divisor de águas no que diz respeito ao tratar da abordagem anterior criada pelo professor Yrjö Alanen na
esquizofrenia, das psicoses e de outros transtornos. década de 1960 – uma abordagem elaborada com foco
no cuidado as necessidades específicas de cada um a ser
Objetivando ser uma abordagem que prioriza o tratado – seus princípios vão sendo forjados com o
contato com o indivíduo e sua rede de apoio, não mesmo sentido.
tendo como ferramenta o uso obrigatório de
psicofármacos em seus tratamentos, seus resultados
É assim, dentro deste contexto, que o grupo de Seikkula
tornaram-se os melhores do mundo no que diz
inaugura o modelo de Diálogo Aberto na Finlândia,
respeito a saúde mental individual.
envolvendo os sistemas de apoio à saúde do cliente e
realizando, através de unidades de tratamento formadas
Nascida na Finlândia no início da década de 1980, por equipes móveis, este novo sistema de tratamento
tendo como seu principal idealizador o psicólogo centrado na família, no indivíduo e em suas redes de
clínico Jaakko Seikkula, a metodologia Open Dialogue apoio.
surge como uma forma de atenção imediata às crises
psicóticas que recorrentemente eram relatadas no
contexto de uma das principais regiões do país, A metodologia Open Dialogue teria contribuído para
conhecida como Lapônia Ocidental. uma significativa redução da incidência de casos de
esquizofrenia na província da Lapônia Ocidental, fazendo
com que o número de usuários de suas redes de apoio
Desenvolveu-se no período em que se dava mental, nessas condições, diminuísse expressivamente
com passar dos anos.

Novas Abordagens em Saúde Mental 17


No que consiste a abordagem Open tomar as decisões necessárias com base no diagnóstico
feito; e gerar um diálogo psicoterapêutico constante
Dialogue (Seikkula, 2007 apud Queiroz, 2014).

Tendo em vista a centralidade que o método dá a


A chave do tratamento estaria também em torno da
experiência do indivíduo como um todo, tem-se, em
linguagem das famílias, algo levado com seriedade pela
primeiro lugar, no diálogo e na tolerância para com o
equipe responsável, que passa a adaptar sua própria
tratado, os princípios fundamentais que norteiam
linguagem à forma de linguagem exibida por elas,
todo o tratamento.
analisando os sentidos que estas dão para o problema
encontrado, de maneira a escuta-las recorrentemente.
Seu espaço de interação terapêutica mais importante
seriam às reuniões, momentos em que por meio da
conversa coletiva entre usuário, membros de sua rede Por esse ângulo, as equipes de tratamento
de apoio e os próprios terapeutas, seriam discutidos compreenderiam as alucinações ou delírios psicóticos
os principais assuntos relacionados às dificuldades como mais uma das vozes que formam a experiência do
enfrentadas por ele e como fazer para construir algo individuo, de modo que, aparecendo ou não durante os
em prol de sua saúde e recuperação. diálogos, inicialmente, essas reações não seriam
confrontadas.

De forma transparente, as decisões e o plano de ação


seriam assim construídos na presença de todos do Os indivíduos seriam incentivados a expressá-las como
grupo. As funções das reuniões de tratamento, a cargo parte natural do processo de tratamento.
do que nos diz o próprio fundador do método, Jaakko
Seikkula, estariam baseadas em reunir informações
sobre o problema. Em curto prazo, essas concepções permitiriam aos
membros da equipe o promover de discussões reflexivas
entre si a respeito das informações ali representadas,
Outras seriam: elaborar um plano de tratamento; inclusive podendo contar com a presença de membros
da família como ouvintes/espectadores.

Novas Abordagens em Saúde Mental 18


Normalmente, como as experiências narradas pelos Um adendo importante se da ao fato de que outros
indivíduos em crise psicótica estão associadas a métodos de tratamento tradicionais e não tradicionais
situações traumáticas vividas por eles, acaba sendo podem ser úteis e ocorrerem paralelamente à terapia
em função disso que agem os terapeutas em familiar em atividade.
atendimento.
O tratamento pode ser combinado com psicoterapia
Nesses casos, a equipe de tratamento procura, então, individual, a arteterapia, a terapia ocupacional, dentre
explorar minuciosamente os pontos que estavam em outros tipos.
discussão quando as reações psicóticas ocorreram,
compreendendo que este ponto pode ter tocado em Pode acontecer também, em algumas situações de crise
experiências não verbalizadas. psicótica, do enfoque acabar sendo voltado para a
reabilitação psiquiátrica – quando já há o uso prévio da
medicação – e/ou vocacional do indivíduo.
A fala psicótica pode assumir a função de denunciar,
de maneira dramática, os conteúdos conflitantes que
circulam ou circularam no sistema familiar. Em suma, o método do Diálogo Aberto compartilha dos
objetivos construtivistas em psicoterapia no sentido de
construir um discurso não de patologia sobre os
Dado esse cenário, uma das principais funções da problemas dos pacientes, de respeitar as narrativas
equipe torna-se o auxiliar da rede familiar do pessoais do problema e atribuir importância ao contexto
indivíduo com o fim de que esta se aproprie também do tratamento (Queiroz, 2014).
do protagonismo ao redor do problema, mantendo
uma postura dialógica frente a cada forma de Essas ideias construtivistas chamam a atenção para a
expressão do indivíduo. responsabilidade dos terapeutas na co-construção do
problema e dos caminhos até sua solução, na medida
em que elaboram o tratamento.
Sempre se busca nesse sentido promover a
construção de uma nova compreensão da experiência
comum como um todo para todos. Os terapeutas construtivistas não julgam a realidade de
um usuário com base em um critério externo de

Novas Abordagens em Saúde Mental 20


objetividade, portanto compreenderiam que não há da família, ocorre na residência do paciente.
forma absoluta de psicose (Queiroz, 2014).
4) Responsabilidade. A organização da primeira reunião
fica a cargo do profissional que fez contato com a
Os 7 princípios fundamentais da família. O tratamento é deliberado nessa ocasião.
abordagem Open Dialogue
5) Continuidade do acompanhamento psicológico. Todo
o tratamento fica sob a responsabilidade da mesma
Presente hoje em diversas redes de saúde mental ao equipe, pelo tempo que for necessário, seja no setor
redor do mundo como um “approach” reconhecido ambulatorial como de internação.
internacionalmente por seus resultados, estes seriam
os 7 princípios fundamentais da abordagem Open
Da mesma forma, os representantes da rede social
Dialogue:
participam de todas as reuniões de tratamento.

1) Ajuda imediata. O primeiro encontro ocorre nas 6) Tolerância à incerteza. Para desenvolver tolerância à
primeiras 24 horas após o contato inicial e tem como incerteza na equipe e na família, um sentimento de
objetivo principal a prevenção da hospitalização. confiança é fomentado em relação ao processo como
um todo.
2) Uma perspectiva de rede social. As primeiras
reuniões podem contar com os usuários dos serviços, Em crises psicóticas, o sentimento de confiança ganha
suas famílias e outros membros importantes de sua mais força com a realização de reuniões diárias, pelo
rede social, estes últimos são convidados a oferecer menos nos primeiros 10 ou 12 dias.
apoio ao usuário e à família.
A partir disso, o agendamento das reuniões é guiado
3) Flexibilidade e mobilidade. O tratamento é pelos interesses da família. A rigor, o contrato
adaptado às necessidades específicas e cambiantes de terapêutico não é estabelecido durante o período de
cada caso e, havendo a aprovação crise, para evitar conclusões e decisões precipitadas
sobre o tratamento.

Novas Abordagens em Saúde Mental 21


7) Dialogismo. A promoção de diálogo é o foco relatou em seu artigo que, na prática, esse trabalho
primário, e o foco secundário é a promoção de representaria um significativo desafio às crenças e
mudanças no usuário ou na família. tradições de diversos tratamentos.

O diálogo é concebido como meio de fomentar o Isso porque ele consistiria em uma abordagem dialógica
protagonismo dos usuários e dos familiares nas na qual o terapeuta/profissional deve respeitar e
narrativas das suas próprias vidas ao conversarem aprender sobre os pacientes, suas experiências e
sobre seus problemas. Na conversa, novos olhares são entendimentos, considerando que isto deve ter
criados a partir da relação entre os participantes. precedência sobre sua própria compreensão (Anderson,
2002 apud Kantorski, 2017).

Dados e pesquisas sobre o método Jill Gromer, em outro estudo, este realizado pela
Universidade da Flórida, afirmou que o Diálogo Aberto
Open Dialogue teria sido associado a um melhor funcionamento social
dos indivíduos, a menores quantidades de dias dentro de
A confiabilidade que adquiriu a abordagem do Diálogo hospitais e a números menores de ocorrência de
Aberto ao longo dos anos não se deu atoa. sintomas em pessoas com um primeiro episódio de
psicose em seu histórico.

Pesquisas, dada a excelência do método, foram Estudos mais recentes teriam apontado para uma
realizadas ao redor do mundo, assim como na própria associação ainda maior do Diálogo Aberto com poucos
Finlândia, com o fim último de chegar a conclusões dias de permanência no hospital, o que mostraria uma
mais detalhadas sobre ele. evolução na abordagem e um certo refinamento dessa
prática (Gromer, 2012 apud Kantorski, 2017).
Em acompanhamento realizado na própria Lapônia
No sul da Noruega, entre 1998 e 2008, foram
Ocidental por exemplo, Harlane Anderson,
instaurados três programas para a promoção do Diálogo
psicoterapeuta americana e também escritora de
Aberto na região, tendo Jaakko Seikkula participado de
diversos livros sobre o tema,
todos eles, quais sejam:

Novas Abordagens em Saúde Mental 23


1) Ensinando a base para abrir diálogos; na intervenção imediata a crises psiquiátricas de
indivíduos no país, relatando a necessidade de uso
2) Supervisionando clinicamente terapeutas locais e mínimo de medicação e os melhores resultados
usuários de serviços de saúde mental; confirmados na Austrália desde sua incorporação ao
sistema terapêutico do país (Lakeman, 2014 apud
3) Na concepção de pesquisas e projetos. Kantorski, 2017).

Segundo a análise desses programas, os dez anos de


implementação dessas práticas dialógicas no sul da
Referências Bibliográficas
Noruega produziram resultados positivos relativos à
execução, à educação e ao aumento de pesquisas e Referência: Kantorski, Luciane P; Cardano, Mario.
projetos sobre o tema (Ulland, 2014 apud Kantorski, “Diálogo Aberto: a experiência finlandesa e suas
2017). contribuições”. Saúde Debate: Rio de Janeiro, V. 41, N.
112, P. 23-32, JAN-MAR, 2017.

Em pesquisa realizada na Polônia, constatou-se que a Referência: Kantorski, Luciane P; Cardano, Mario.
abordagem do Diálogo Aberto seria uma abordagem “Diálogo Aberto: um método para enfrentamento da
alternativa com o poder de contribuir para a redução psicose”. Expressa Extensão, ISSN 2358-8195 , v.22, n.1,
do uso de psicofármacos, constituindo-se como um p. 13-21, JAN-JUN, 2017.
recurso diferenciado em relação aos tratamentos
usuais da esquizofrenia, oferecendo grandes Referência: Queiroz, Darlan N. “Introdução da
benefícios para os seus usuários (Klapcinski; abordagem Diálogo Aberto”. 2014.
Wojtynska; Rymazewska, 2015 apud Kantorski, 2017).

E por fim, em artigo de revisão publicado por


especialistas australianos em 2014, foram apontados
resultados exitosos do tratamento com o Diálogo
Aberto

Novas Abordagens em Saúde Mental 24


Capítulo 3

The DAVIS Approach (Dislexia)


Entendendo um pouco mais sobre Como ilustração, percebemos que uma pessoa não
disléxica pronuncia mentalmente o som das palavras
a dislexia quando as lê, uma vez que a alfabetização é baseada na
fonética, entendendo seus significados por conta de seu
A dislexia enquanto um transtorno de aprendizagem som e conteúdo. Mas no caso de uma pessoa disléxica,
atinge muitas pessoas ao redor do mundo, sendo em tudo isso mudaria.
sua maioria homens. E, apesar de ser um assunto de
grande relevância, ainda se percebe que as pessoas Normalmente, os disléxicos tem uma melhor
em geral pouco sabem sobre ela. compreensão daquilo que observam quando,
simplesmente, identificam uma palavra como imagem.

A dificuldade enfrentada pelos disléxicos está, muitas Na teoria, esta capacidade é chamada de olho mental ou
vezes, relacionada ao modo como esses indivíduos epicentro da consciência visual, quando o indivíduo
constroem suas conexões com o mundo. utiliza da imaginação que tem para administrar o
conhecimento referente às coisas que percebe ao seu
Uma vez que os sistemas educacionais adotados pelas redor.
sociedades não estão preparados para integrar esses
indivíduos de maneira a adequar as escolas ás suas A história e conceituação da dislexia
necessidades, principalmente no que diz respeito à
alfabetização, essas pessoas sofrem.
Por um longo período de tempo, as manifestações e
implicações da dislexia permaneceram como um enigma
Sendo um transtorno de origem hereditária, a dislexia a ser decifrado, dada a dificuldade em percebe-las e
baseia-se na dificuldade cognitiva do indivíduo em enquadra-las, científica e socialmente, quando nada
absorver tudo aquilo que concerne ao universo da ainda havia sido constatado ao seu respeito.
leitura, visto que este não conseguiria conceituar
palavras em sua mente em função de seu Durante o final do século XIX, esse plano de fundo seria
funcionamento cerebral, que apenas captaria alterado por meio da percepção do médico William
conteúdos por meio de imagens. Morgan, que com base em seu estudo de caso do

Novas Abordagens em Saúde Mental 26


menino Percy, um garoto inglês de 14 anos, Olhando a dislexia como um dom – a
constataria características peculiares em sua cognição,
observada sua dificuldade para ler e escrever. história de Ron Davis, seu livro e sua
relação com a dislexia
Morgan teria sido a partir daí a primeira pessoa a
considerar aquilo que o neurologista alemão, Adolf Diferente das concepções tradicionais sobre a dislexia
Kussmaul, denominaria como “cegueira verbal enquanto um transtorno de aprendizagem, a forma
congênita” – a primeira designação do conceito que, como a observou Ron Davis diante de sua experiência
anos depois, se tornaria aquele que conhecemos hoje enquanto um disléxico revolucionaria sua vida e várias
como “dislexia” ou “dislexia de desenvolvimento”. das antigas formas de se pensar a respeito dela.

Desde então, até o desfecho final do termo, estudos Ele próprio, um adulto severamente disléxico,
diversos seriam realizados com o objetivo de entender descobriria como “corrigir” sua própria dislexia antes
ainda melhor sua origem, suas implicações e as mesmo de chegar a qualquer teoria sobre como ajudar
maneiras existentes para se contornar as dificuldades os outros.
apresentadas por seus portadores.
Até os 38 anos, Ron teria sempre aceitado os
A dislexia, apesar de ser um conceito singular, que pronunciamentos oficiais dos especialistas que o
define uma condição específica da cognição do diagnosticavam como mentalmente retardado e nada a
indivíduo, teria ainda suas manifestações típicas, cada mais do que isso.
qual com sua particularidade e impacto sobre as
capacidades de aprendizado do indivíduo, podendo Embora ele tivesse um QI medido de 160, ele entendia
surgir desde sua relação com a matemática até com a naquela altura de sua vida que nunca seria capaz de ler
ortografia e/ou caligrafia. ou escrever sem uma luta árdua, porque havia algo de
terrivelmente errado com seu cérebro.

No entanto, com o passar dos anos, Ron perceberia que


às vezes sua dislexia piorava.

Novas Abordagens em Saúde Mental 27


Nesse momento, ele raciocinaria que, se pudesse Ron não teria descoberto a solução para a dislexia
descobrir como piorar sua dislexia, poderia de algum naquele momento, mas ali seria o início de sua jornada.
modo topar com a chave para melhora-la. Então Ron compartilharia suas ideias com outras pessoas
e descobriria, para sua surpresa, que a maioria de seus
Sua primeira pista viria de suas obras de arte, quando amigos artistas também eram disléxicos.
Ron se daria conta de que pintando, quando ele
estava em seu melhor artístico, era o momento em Dentro desse contexto, por meio de uma abordagem de
que o pior de sua dislexia aparecia. tentativa e erro consigo mesmo e seus colegas, Ron
desenvolveria seu próprio método para ajudar os outros
a superarem sua própria dislexia.
Como conta em sua história, Ron trancar-se-ia no
quarto de hotel em que estava e praticaria piorar sua
Cerca de um ano depois, Ron abriria sua primeira clínica
dislexia, para então trabalhar em melhora-la, como se
de leitura e desenvolvimento da abordagem. Depois
em sua maior “fraqueza” tivesse encontrado sua
disso, escreveria um livro sobre ela.
maior virtude e fonte de força.

O dom da dislexia – conhecendo o


Depois de três dias de prática, Ron teria chegado ao
momento em que as cartas no cartão de visitas do método de Ron Davis
quarto de hotel teriam se tornado, de repente,
legíveis para ele.
A teoria de Davis surgiu dessa abordagem inicial de
tentativa e erro, como uma forma de explicar por que
Atordoado com as letras, que eram todas do mesmo seus métodos funcionariam. Em vez de começar com
tamanho, e também com os espaços existentes entre uma teoria e usar isso como base para elaborar um
as palavras, Ron iria para uma biblioteca pública, método, Ron trabalhou de trás para frente nessa
pegaria o livro “Treasure Island” da prateleira e o leria solução.
inteiro como nunca havia feito antes, antes mesmo da
biblioteca fechar. Os disléxicos são fundamentalmente pensadores de
imagens: eles geralmente

Novas Abordagens em Saúde Mental 29


pensam em imagens mentais ao invés de usar ao contrário das maneiras verbais consideradas comuns
palavras, sentenças ou diálogos internos em suas utilizadas pelos não disléxicos.
mentes.
Por outro lado, essa habilidade poderia ser a base de um
Para Ron, ao invés de uma espécie de deficiência, essa problema também como escreve Ron – algo que
característica especial do disléxico seria um dom; algo normalmente acaba acontecendo.
mal interpretado e totalmente possível de ser
desenvolvido. Os disléxicos tendem a ter dificuldades com objetos
irreais e simbólicos, como letras e numerais. E em seus
esforços para compreende-los, ficariam bastante
No entanto, como esse tipo de pensamento seria algo
desorientados e confusos.
subliminar – mais rápido do que a pessoa poderia
estar ciente – a maioria dos disléxicos começaria não
Os erros repetidos que resultariam dessas percepções
se dando conta de que é isso que eles estariam
equivocadas devido à desorientação inevitavelmente
fazendo.
levariam a reações emocionais, frustração e a perda de
autoestima.
Os disléxicos, na ideia de Ron, ao contrário de pessoas
com graves problemas de cognição seriam, na De acordo com Ron, em um esforço para resolver esse
realidade, pessoas de cognição diferente, indivíduos dilema, cada disléxico começará a desenvolver um
que tenderiam a usar a lógica, imagens mentais e conjunto de mecanismos de enfrentamento e
estratégias de raciocínio para entender o mundo ao comportamentos compulsivos para contornar esses
seu redor. problemas.

Pensando principalmente em imagens, os disléxicos A memorização mecânica, a música do alfabeto, o


tenderiam a desenvolver imaginações únicas e a usar fazimento de seus deveres de casa por familiares, a
um processo de raciocínio baseado em imagens e escrita da caligrafia ilegível para encobrir a ortografia
sensações para resolver seus problemas, insatisfatória e o evitar de qualquer tarefa relacionada à
escola ou à leitura, são exemplos dessa realidade.

Novas Abordagens em Saúde Mental 30


Um disléxico adulto terá um repertório completo de disléxicos seria, se não o maior, um dos maiores
tais comportamentos. Agora, como nos escreve Ron, problemas existentes no que diz respeito ao entrave de
tem-se a gama completa de sintomas, características e seus desenvolvimentos.
comportamentos comumente associados à dislexia.
Ron enquadrou o passo-a-passo da trajetória dos
disléxicos em uma linha do tempo muito interessante,
Nesse sentido, o aspecto mais significativo da Teoria baseando-se em sua própria experiência de vida, no
de Ron na resolução de dislexia seria a observação de trabalho com mais de 1000 disléxicos e no dia-a-dia de
que, quando um símbolo auditivo – uma palavra – não sua instituição voltada para a mudança de
tem uma imagem mental e significado para o desenvolvimento destas pessoas.
disléxico, a desorientação e os erros são o resultado.

Seu objetivo teria sido elucidar esse processo que, de


Sendo assim, quando mostramos aos disléxicos como acordo com ele, não permitiria as pessoas disléxicas a
desligar as desorientações no momento em que atingirem todo seu potencial.
ocorrem, e depois ajudar a encontrar e dominar os
estímulos que desencadearam a desorientação, os 1) Uma criança que é potencialmente disléxica descobre
problemas de leitura, escrita e ortografia começam a como preencher mentalmente percepções fragmentárias
desaparecer. em uma idade de três meses. Este talento imaginativo
pode mais tarde produzir dislexia.

Educação x Desenvolvimento 2) Durante a primeira infância, a criança usa esse talento


Infantil: como a dislexia acontece para reconhecer objetos no ambiente e desenvolver
talentos artísticos e cinestésicos. A criança se torna um
pensador visual e conceitual.
Segundo Ron, a falta de preparo e entendimento dos
sistemas educacionais ao redor do mundo para lidar Há pouca necessidade de desenvolvimento do
com a maneira de entender o mundo dos pensamento verbal, um modo de pensar mais lento
caracterizado por um monólogo interno de palavras.

Novas Abordagens em Saúde Mental 32


Funciona bem com o mundo real, mas ver as letras mas aulas que exigem muita leitura e escrita, são
impressas de cabeça para baixo ou invertidas ou na torturas.
ordem errada torna-as menos reconhecíveis.
7) A menos que haja intervenção apropriada de alguém
4) A criança se torna cada vez mais confusa, o que que demonstre compaixão e respeito, a autoestima da
produz mais desorientação. A criança suspeita que criança disléxica sofrerá.
algo está errado. Isso é confirmado pelo professor,
pelas outras crianças da turma, pela administração da 8) Depois de escapar da escola, a pessoa começa a
escola e, eventualmente, pelos pais. superar ou contornar a “desvantagem” de ser
funcionalmente analfabeto. Os disléxicos
frequentemente se destacam no trabalho, embora sejam
Todo mundo fica chateado, então a criança funcionalmente analfabetos.
“cognitivamente desafiada” também fica chateada.
Agora podemos ver problemas de comportamento. 9) No momento em que o disléxico se torna adulto, a
incapacidade de ler e escrever bem é um segredo
vergonhoso. A pessoa está convencida de que é um sinal
5) A menos que alguém intervenha e forneça métodos
não apenas de ignorância, mas de indignidade. Essa
de aprendizado apropriados, a criança não tem
infeliz auto percepção pode tornar os disléxicos adultos
escolha a não ser lutar com a escola enquanto
secretos e hostis.
tolerável, possivelmente em uma classe de Educação
Especial ou sob a influência de drogas como Ritalina
ou Cylert. Um método revolucionário
Algo que chama a atenção quanto ao tema da dislexia e
6) Na idade de oito ou nove anos, a criança inventa
a teoria de Ron, são suas recorrentes aparições na vida
truques como a memorização, a repetição e o delegar
de mentes brilhantes da história da humanidade. Albert
para outros o fazer de leituras e escritas. Em aulas
Einstein, Thomas Edson, Charles Darwin, Leonardo da
práticas como ciência, música, arte ou loja, essa
Vinci, Muhammad Ali, Walt Disney; todos esses ícones
criança pode se sobressair,
eram disléxicos e incrivelmente geniais.

Novas Abordagens em Saúde Mental 33


O método de Ron, hoje ensinado em 44 países, é de alfabetização por meio de um programa de 30 horas.
muito simples e permitiria ao disléxico, adulto ou Depois de alguns meses de aulas em casa, a maioria
criança, através de exercícios simples, criar um pode ler, escrever e estudar normalmente.
sistema próprio de leitura. A partir daí, a criatividade e
a imaginação fariam o resto. Desconstruir a visão que eles mesmos tem de si, de que
seriam estúpidos ou atrasados, é o resultado mais
Os resultados práticos do método são extraordinários, valioso do treinamento. Focando na experiência pessoal
e levaram a que “O Dom da Dislexia” se tornasse o e em toda a capacidade que a pessoa tem para
livro mais vendido do mundo nesta área. desenvolver, Ron tem sido capaz de mudar vidas para
sempre utilizando-se de sua sabedoria e abordagem.

No livro, encontra-se o programa explicado passo-a-


passo, e também as respostas para todas as dúvidas Referências Bibliográficas
sobre a dislexia – numa linguagem clara, em letras
grandes, escrita por uma pessoa que soube tornar a Referência: Davis, Ronald D. “O Dom da Dislexia”. Rio de
dislexia um poderoso aliado. Janeiro: Editora Rocco, 2004.

Segundo Ron, restaurar a autoestima de uma pessoa Referência: Dyslexia The Gift. “Education vs Child
seria realmente uma das partes mais importantes Development”. Disponível em:
para se desconstruir a dislexia e outros problemas de <https://www.dyslexia.com/about-
aprendizagem, incluindo o DDA e a hiperatividade, dyslexia/understanding-dyslexia/education-vs-child-
que podem estar dificultando seu dia-a-dia. development/>. Acesso em: 13 de maio, 2019.

Os procedimentos descritos em “O Dom da Dislexia”


geralmente permitem que uma pessoa com
“deficiência de aprendizado” ganhe habilidades
básicas

Novas Abordagens em Saúde Mental 35


Capítulo 4

Positive Psychotherapy (Psicoterapia


Positiva) (Saúde Mental em Geral)
O conceito de Psicoterapia Positiva os contatos entre terapeuta e pessoa baseiam-se em
encontrar seus pontos fortes e ajuda-la a experimentar a
(PPT) felicidade no presente como chaves para melhorar seu
bem-estar e a saúde psicológica.
O termo psicoterapia tipicamente evoca pensamentos
A Psicoterapia Positiva baseia-se na ideia de que as
sobre tratar um distúrbio psiquiátrico – como
pessoas encontram a felicidade de várias formas, e ao
depressão, TOC ou fobia social – ou ajudar casais a
trabalhar com a felicidade inerente à vivência do
lidar com o conflito conjugal, ajudar indivíduos a
presente e de seus momentos, as ajuda a encontra-la em
superar o luto ou a superar um grande desafio da vida.
seu dia-a-dia, em seus gestos e ocasiões – mesmo que
Em outras palavras, o objetivo nesse pensamento
relacionadas às dificuldades vividas –, afastando a ideia
seria eliminar ou reduzir algo negativo.
da felicidade como algo residente apenas no passado

A Psicoterapia Positiva – muitas vezes referida como Algumas informações importantes


PPT – é uma abordagem terapêutica relativamente
nova e única, que valoriza mais a busca pelo que é sobre a abordagem
bom e positivo do que a erradicação propriamente
dita do que seria o problema ou o negativo. Historicamente, a Psicoterapia Positiva teria sido
desenvolvida com a intenção de promover a felicidade
genuína e um maior senso de bem-estar a pessoas que
Ela se esforça para ajudar o indivíduo a explorar, já eram consideradas psicologicamente saudáveis.
identificar e desenvolver seus pontos fortes – e o que
está dando certo em sua vida – em vez de dissecar e Atualmente, a Psicoterapia Positiva, quando não
"consertar" suas fraquezas e o que estaria errado ou utilizada exclusivamente, trabalha em conjunto com a
quebrado em seu mundo. Psicoterapia Tradicional em benefício de seus
participantes.
Isso não quer dizer que problemas e fraquezas não
De acordo com o pesquisador Martin Seligman – uma
sejam discutidas e exploradas dentro da abordagem.
das principais autoridades em Psicologia Positiva – a PPT
Mas não fazendo disso o foco do plano terapêutico,
tem o poder de ampliar e

Novas Abordagens em Saúde Mental 37


aprimorar o objetivo da Psicoterapia Tradicional de Martin Seligman (“Otimismo Aprendido”) e Christopher
ajustar aquilo que estaria causando problemas, ao Peterson (“A primer in Positive Psychology”) são
construir também pontes para o alcançar de frequentemente creditados como fundadores do campo
elementos genuinamente positivos da vida de cada da Psicologia Positiva, mas diversas outras figuras,
um. algumas anteriores aos dois pesquisadores citados,
tiveram sua importância à teoria e história formadora da
Em termos de debate, os céticos históricos sobre a abordagem e seus métodos como está marcado em seu
Psicologia Positiva e a eficácia do PPT e seus métodos desenvolvimento.
tendem a desconsiderá-la, afirmando que a
concentração em elementos positivos e felizes da vida Estes incluem: Carl Rogers (“Terapia Centrada no
seria algo pouco factualmente terapêutico e válido Cliente”), Abraham Maslow (“Hierarquia de
para que fosse levado em consideração como o faziam Necessidades”), Albert Bandura (“Teoria da
seus apoiadores. Aprendizagem Social”), Erich Fromm (“A Arte de Amar”),
Tayyab Rashid (“Positive Psychoterapy: Clinician
Enquanto, por outro lado, os clínicos e pesquisadores Manual”), entre outros.
historicamente implementadores da PPT em sua
prática regular argumentariam o contrário, dizendo Os três principais pressupostos da
que seus conceitos adicionariam um equilíbrio
saudável ao foco habitual em distúrbios psicológicos e Psicoterapia Positiva
ao sofrimento emocional, atribuindo à vida humana e
sua felicidade a importância que deveriam ter. De acordo com Seligman e Rashid, existiriam três
principais pressupostos que formam a base da PPT:
A Psicoterapia Positiva baseia-se nos princípios da
Psicologia Positiva. Humanísticas em sua natureza,
1) As pessoas têm um desejo inato de felicidade,
Psicoterapia Positiva e Psicologia Positiva derivam do
satisfação e crescimento pessoal. Elas não estão apenas
trabalho de vários proeminentes psicólogos e
procurando evitar aflições ou sentimentos negativos.
psicanalistas pesquisadores ao longo de muitos anos
Problemas psicológicos se desenvolvem quando não
de estudo.
conseguem crescer.

Novas Abordagens em Saúde Mental 38


2) Os pontos fortes de uma pessoa são tão reais e As pessoas que se sentem satisfeitas em cada uma
válidos quanto qualquer sintoma que estejam dessas áreas-chave da vida são muito menos
experimentando ou distúrbios que possam ter. vulneráveis ​à depressão e experimentam uma maior
sensação geral de bem-estar.
3) Uma aliança terapêutica benéfica não requer um As emoções positivas trazem muitos benefícios,
foco em fraquezas ou psicopatologias para se incluindo um clima mais positivo, maior criatividade,
desenvolver; ela pode ser formada por falar sobre os maior disposição para assumir riscos e tentar coisas
pontos fortes e recursos de um cliente também. novas, melhor saúde geral e relacionamentos mais
felizes.

Cinco fundamentos da felicidade – Elas facilitam o lidar com o desapontamento do passado,


o modelo “PERMA” de Seligman tornam mais simples a apreciação e o desfrutar do
presente, e fazem das pessoas mais otimistas sobre o
futuro que as espera.
Ao longo de sua pesquisa sobre o que torna as
pessoas felizes, Seligman identificou cinco elementos- Na PPT, os terapeutas ajudam as pessoas a
chave que passaram a ser conhecidos como o modelo desenvolverem suas emoções positivas. Isso faz com que
de bem-estar PERMA. Ele seria baseado em 5 coisas elas se sintam mais esperançosas (em vez de esperar
que desempenham um papel fundamental na que algo ruim aconteça) e permite com que olhem para
felicidade das pessoas. São elas: a própria vida sob uma perspectiva mais positiva.

• Positive Emotion (Emoções Positivas) Envolver-se com a vida é essencial para o bem-estar.
Sentar-se à margem te mantém entediado, deprimido e
• Engagement (Engajamento)
desmotivado – e reforça a tendência de se fixar no
• Relationships (Relacionamentos) passado e se preocupar com o futuro. Quando nos
• Meaning (Significado) engajamos na vida, ganhamos impulso e nos tornamos
• Accomplishment (Realização) capazes de nos concentrarmos – e de aproveitarmos –
no momento.

Novas Abordagens em Saúde Mental 40


Ao identificar nossos pontos fortes na PPT, podemos de realização, mesmo que isso não signifique que elas
começar a encontrar mais maneiras de usá-los de não cometeram erros ou deixaram de lidar com falhas ao
formas significativas e gratificantes – e de jeitos que longo do caminho.
tenham valor aos outros, por meio do trabalho, de
relacionamentos e de outros empreendimentos, por Concentrarem-se nos seus sucessos – em suas
exemplo. realizações – inspira-os a trabalhar para objetivos futuros
e a manterem-se fieis a eles, mesmo quando se torna
Significado e propósito na vida tornam-na rica e mais difícil fazê-lo.
recompensadora – fazendo-a valer a pena ser vivida.
As pessoas encontram significados para ela de muitas Sob a PPT, os terapeutas encorajam-nos a definir nossos
maneiras diferentes, incluindo família, fé, uma causa objetivos e a melhorar os traços positivos necessários
digna ou mesmo o trabalho. para alcançá-los. Eles nos ajudam a manter o foco em
nossos objetivos e encorajam-nos a celebrar todos os
nossos sucessos – mesmo que pequenos.
A Psicoterapia Positiva ajuda a identificar as coisas
que nos satisfazem e a dar significado à nossas vidas. Um forte senso de realização pessoal aumenta a
Os terapeutas que utilizam da PPT, encorajam-nos a resiliência e permite que permaneçamos no curso, não
fazer coisas que se alinham com nossos valores e a importa quão entediante ou cansativo ele seja – mesmo
encontrar pessoas que se importem com as coisas que quando os obstáculos se apresentam.
são importantes para nós.

Realizar um objetivo ou uma tarefa desafiadora é


muito gratificante – seja terminar a faculdade,
dominar uma habilidade como jogar tênis, tocar
piano, ou perder quilos indesejados.

As pessoas felizes podem olhar para a sua vida e sentir


um sentimento genuíno

Novas Abordagens em Saúde Mental 41


As três fases da Psicoterapia Técnicas Terapêuticas da PTT
Positiva Os terapeutas usam várias técnicas para incorporar os
princípios da Psicologia Positiva em seus trabalhos com
A Psicoterapia Positiva pode ser dividida em três fases os clientes. Isso inclui ajudar os clientes a:
distintas.
Incentivar a linguagem baseada na força pessoal - A
1) A primeira fase é focada em ajudar os clientes da maioria das pessoas chega à terapia esperando falar
terapia a examinar e a identificar seus pontos fortes sobre todas as coisas negativas – mágoas,
pessoais. ressentimentos, conflitos com os outros, tristeza e
perdas.

2) A segunda fase da PPT é voltada para a construção Mudar a linguagem para incorporar palavras mais
e fortalecimento das emoções positivas dos clientes, positivas ajuda a mudar o foco para coisas mais positivas
ao mesmo tempo em que os ajuda a abandonar os na vida de uma pessoa. Isso pode melhorar a capacidade
padrões de pensamento negativos e as emoções que dos clientes de reconhecer seus pontos fortes e
causam problemas em sua vida. identificar o que está funcionando em suas vidas.

3) A terceira e última fase da PPT é focada nas Concentrar-se no positivo em vez do negativo - Na
relações positivas na vida dos clientes, incluindo terapia (e muitas vezes na vida) as pessoas tendem a se
formas de fortalecê-las. Esta fase também se concentrar no negativo e não no positivo.
concentra em ajudar os clientes a obter uma maior
compreensão do que dá propósito e significado à sua As pessoas que combatem a depressão são
vida. especialmente propensas a se debruçarem sobre os
aspectos negativos de suas vidas, bem como todas as
coisas negativas que aconteceram em seu passado.

Na PPT, o terapeuta se esforça para mover o foco dos

Novas Abordagens em Saúde Mental 43


clientes para o positivo – por exemplo, as coisas boas um lembrete para registrar o que estão vivenciando
que aconteceram durante o dia ou a semana. naquele momento, com ênfase no positivo.

A ideia é que esses registros (que o cliente pode


Essa mudança ajuda os clientes a desenvolverem uma expandir no final do dia) forneçam uma amostra dos
perspectiva mais equilibrada – e realista – ou seja, tipos. Em algum momento mais tarde na terapia, estes
quase sempre há algo de bom nas coisas ruins. podem ser discutidos para ver como o cliente está
progredindo.
Também permite que eles se tornem mais hábeis em
observar as coisas positivas no presente, bem como Inventário de Ações e Pontos Fortes
identificar qualquer coisa positiva que tenha saído de
uma situação ou experiência difícil no passado. Uma das principais ferramentas utilizadas na
Psicoterapia Positiva é o Inventário de Pontos Fortes
Reforçar sentimentos de esperança - Instilar um (VIA-IS). Esta ferramenta, desenvolvida por Seligman e
sentimento de esperança é um objetivo terapêutico Peterson, consiste em um questionário que permite
comum. Na PPT, os terapeutas se esforçam para determinar nossas cinco maiores forças.
encontrar maneiras de construir e fortalecer o senso
de esperança e otimismo de seus clientes. O VIA-IS pode servir como um poderoso lembrete de
que nós não somos uma depressão, transtorno bipolar,
transtorno obsessivo-compulsivo ou qualquer outro
Ajudar os clientes a reconhecer seus pontos fortes rótulo de diagnóstico depreciativo.
pode contribuir para esse objetivo, pois facilita uma
maior confiança em sua capacidade de lidar com Uma dificuldade percebida, falha pessoal ou distúrbio
problemas e desafios no futuro. psiquiátrico, não define quem somos. Este é um dos
aspectos mais fortalecedores da Psicoterapia Positiva.
Enviar lembretes - Alguns terapeutas usarão um
pager, uma mensagem de texto ou outros meios para Ela permite que você se veja como uma pessoa inteira, e
enviar ao cliente não como um indivíduo “quebrado” ou “confuso” que
precisa ser “consertado”.

Novas Abordagens em Saúde Mental 44


Identificar nossos principais pontos fortes pode ser Entrar em sintonia com uma abordagem mais acessível
incrivelmente empoderador. Isso reforça a mudança como a PTT pode fazer dela uma abordagem mais
de foco do que estaria errado para o que de fato seria confortável e agradável para as pessoas.
forte em cada um de nós.
Isso é importante porque elas estarão mais inclinadas a
(O VIA-IS está disponível on-line e é gratuito) manter o tratamento do que desistir prematuramente
devido a uma desconexão intelectual ou emocional com
o processo.
Algumas vantagens inerentes à
4) Ao contrário de alguns tipos de psicoterapia e
Psicoterapia Positiva intervenções psicológicas, não há contraindicações
importantes para a Psicoterapia Positiva. Quase todo
1) Os terapeutas que normalmente usam outros tipos mundo pode experimentar pelo menos algum benefício
de psicoterapia, podem incorporar a Psicoterapia com essa abordagem.
Positiva em sua prática como uma abordagem
complementar para tratar uma variedade de 5) Uma das críticas feitas à Psicoterapia Positiva trata
problemas emocionais e distúrbios mentais. sobre a necessidade de que mais pesquisas sejam
realizadas em relação a sua eficácia, particularmente em
indivíduos que foram diagnosticados com algum
2) Os indivíduos podem facilmente usar ferramentas distúrbio psiquiátrico.
on-line, como o Inventário de Valores em Ação e os
vários exercícios existentes, e aplicá-los No entanto, até que haja mais pesquisas baseadas em
benéficamente em suas próprias vidas. Esta pode ser evidências, a maioria concorda que existem riscos
uma ótima maneira de ajudar as pessoas que muitas mínimos para incorporar técnicas de Psicoterapia
vezes são resistentes à ideia de ir à terapia. Positiva na prática clínica regular.

Gastar pelo menos algum tempo concentrando-se em


3) Os princípios, conceitos e exercícios usados ​na PPT
eventos positivos, resultados e emoções, bem como
são relativamente fáceis de entender.
identificar, explorar e desenvolver os pontos

Novas Abordagens em Saúde Mental 46


fortes de uma pessoa, são geralmente considerados Distúrbios, condições e dificuldades
úteis, psicologicamente saudáveis ​e benéficos.
que podem se beneficiar da
No mínimo, isso provavelmente trará maior sensação Psicoterapia Positiva
de confiança quando se trata de lidar com a
adversidade. A Psicoterapia Positiva pode ser benéfica para uma
ampla gama de transtornos e dificuldades psicológicas
O processo também pode ajudar a mudar uma que levam os indivíduos a procurar ajuda profissional. A
perspectiva negativa ou pessimista para uma ênfase na identificação e promoção de forças pode ser
perspectiva mais esperançosa e positiva na maioria muito estimulante para qualquer pessoa que esteja
dos indivíduos. lutando contra algo dessa natureza. Estes incluem (mas
não estão limitados a):

A Psicoterapia Positiva, embora ainda relativamente • Depressão


nova em comparação com os tipos mais tradicionais • Ansiedade
de psicoterapia, mostra-se muito promissora. • Fobia social
• TOC
Para quem está pensando em trabalhar com um • Estresse pós-traumático e traumas não resolvidos
terapeuta, pode valer a pena considerar procurar um • Estresse crônico ou severo
psicólogo ou outro profissional de saúde mental que • Conflitos de relacionamento
incorpore os conceitos centrais e exercícios da PPT à • Dependência e recuperação
sua prática atual. • Luto e perda
• Momentos de grande transição na vida

Novas Abordagens em Saúde Mental 47


Referências Bibliográficas

Conteúdo traduzido e adaptado dos documentos:

Referência: Martin E. P. Seligman, Tayyab Rashid, and


Acacia C. Parks. “Positive Psychotherapy”.
Pennsylvania: American Psychologist, NOV, 2006.

Referência: Addiction. “Positive Psychotherapy”.


Disponível em: <https://www.addiction.com/a-
z/positive-psychotherapy/>. Acesso em: 14 de maio,
2019.

Novas Abordagens em Saúde Mental 49


Capítulo 5

GAM (Gestão Autônoma da


Medicação) (Medicamentos)
Introdução ao conceito GAM em consonância com os fundamentos da Reforma
Psiquiátrica, propõe ferramentas concretas para o
enfrentamento desse problema – de que práticas de
Desde sua instituição, o movimento pela Reforma saúde mental dependam tanto do mundo da Medicina
Psiquiátrica mundial têm conquistado grandes (da medicalização) e tão pouco do contato humano e da
avanços na saúde mental, impactando positivamente conscientização.
a vida de milhares de pessoas, como a redução de
leitos em hospitais psiquiátricos e o retorno à vida em Nesse sentido, a GAM busca que as pessoas sob o uso
comunidade de cidadãos com longo histórico de de psicofármacos sejam mais críticas em relação a
internações. utilização que fazem deles, que conheçam melhor os
medicamentos que usam cotidianamente e seus efeitos
Em processo de desinstitucionalização constante, e desejados e não desejados, por meio da instrução e do
que continua abrangendo a criação de novas formas diálogo.
de organização da atenção à saúde em vários países,
esse movimento segue valorizando a integração dos É uma abordagem que objetiva, ainda, que elas
serviços e dos usuários às suas comunidades e conheçam quais são seus direitos e que saibam que
territórios. podem decidir se aceitam ou recusam as diferentes
propostas de tratamento apresentáveis. O direito à
informação e o direito a liberdade de opinar e participar
Dentre alguns dos desafios enfrentados por esse em relação aos tratamentos tornam-se princípios
movimento, ainda se faz presente que tratamentos fundamentais da Gestão Autônoma da Medicação.
baseados em medicamentos – ou psicofármacos –
ainda sejam os mais utilizados, colocando em segundo
plano outras formas de cuidar das pessoas, baseadas A história por trás da Gestão
nas relações, no afeto e na comunicação como Autônoma da Medicação
elementos fundamentais.

A GAM começou a ser desenvolvida no Canadá, na


A Gestão Autônoma da Medicação (GAM),
cidade de Quebéc,

Novas Abordagens em Saúde Mental 51


em 1993, em um contexto onde a forma de usar os O debate também permitiu perceber que, para alcançar
medicamentos nos tratamentos em saúde mental era o melhor tratamento para cada pessoa, podiam ser
pouco ou nada criticada. Foi uma iniciativa de grupos necessárias mudanças: trocar os medicamentos,
de usuários com transtornos mentais para ajudar aumentar ou diminuir uma dosagem, ou mesmo parar
outros usuários no enfrentamento dessa situação. progressivamente com o seu uso.
Esses grupos afirmavam a importância dos diferentes
significados que a medicação podia assumir para cada Para cada pessoa, o significado do uso dos
usuário. medicamentos e seus efeitos eram diferentes, já que
essa experiência é única (singular) para cada um. Por
A GAM foi construída através de um processo coletivo isso a estratégia GAM não propõe regras fixas ou gerais:
muito participativo, com organização de grupos de reconhece sempre os caminhos singulares das pessoas.
debates entre usuários, associações de defesa dos
direitos dos usuários, profissionais das redes Uma das ferramentas da GAM, resultado de vinte anos
comunitárias de serviços alternativos em saúde de lutas dos serviços alternativos e dos grupos de
(serviços que não eram oferecidos pelo governo promoção e defesa dos direitos em saúde mental do
canadense) e pesquisadores – e atualmente, a GAM, Quebec, é o guia Gestion Autonome de la Médication de
no Quebéc, faz parte de um Plano de Ação elaborado l'Alme - Mon Guide Personel (Gestão Autônoma da
pelo governo, e sua prática é reconhecida e Medicação da Alma - Meu Guia Pessoal), elaborado em
estimulada. 2001, por pesquisadores e associações do Quebéc.

Esse Guia, escrito em francês, propunha que os usuários


A partir desses debates, constatou-se que, mesmo tivessem acesso às informações e, assim, tivessem
que muitos usuários admitissem que os melhores condições de reivindicar os seus direitos,
medicamentos ajudavam a reduzir o sofrimento, com dialogando sobre o lugar que a medicação e outras
frequência eram precisas longas peregrinações até práticas ocupavam em suas vidas.
conseguirem informações básicas sobre o seu
tratamento e a prescrição de doses mais adequadas
Além disso, propunha-se também que o usuário deixasse
ao seu caso particular.
de ser tratado como

Novas Abordagens em Saúde Mental 52


"objeto" do tratamento para ser, de fato, tratado E ela é bem diferente da chamada autogestão, em que
como "sujeito" e "pessoa de pleno direito“ do mesmo. os usuários tomam suas decisões sozinhos, sem
compartilhá-las, modificando dosagens ou parando com
O Guia GAM construído no Canadá foi adaptado para os remédios sem alguém que lhes acompanhe.
a realidade brasileira ao longo dos anos 2009 e 2011.
A adaptação buscou levar em conta o contexto Nesse sentido, quando se fala em ouvir, é ouvir mesmo,
brasileiro da Reforma Psiquiátrica e da existência do não apenas um faz de conta, um perguntar só por
Sistema Único de Saúde (SUS). Também incluiu os perguntar, e fazer no fim o que já tinha sido decidido ou
direitos dos usuários de serviços de saúde e de saúde pensado – independente da resposta. Ouvir é considerar
mental vigentes no Brasil. legítimo tudo o que o usuário tem a dizer.

A proposta da Gestão Autônoma da Medicação é


O Guia GAM brasileiro salienta que a decisão sobre o justamente que decisões dos usuários sejam aceitas
melhor tratamento se consegue a partir de uma como legítimas e que sejam conversadas e
composição entre o que os usuários sabem (baseados compartilhadas com a equipe de saúde de referência
nas suas experiências pessoais ou de grupo), o que para que possam ser analisadas coletivamente; e para
dizem os seus familiares sobre a experiência com o que tanto os usuários como a equipe, e também os
cuidado diário e o que sabem os médicos ou as familiares envolvidos, saibam dos possíveis efeitos das
equipes de referência sobre o uso das medicações. decisões e "banquem juntos" uma posição – seja a
redução ou mesmo a retirada dos medicamentos.
Os três tipos de saberes são importantes. E é a partir
do diálogo e do compartilhamento desses saberes que
poderão ser tomadas as melhores decisões a respeito
do modo de se usar os medicamentos, assim como
sobre se usa-los ou não.

Chama-se essa composição de saberes de gestão


compartilhada.

Novas Abordagens em Saúde Mental 54


Dois princípios básicos da GAM: ser considerados capazes de compartilhar as decisões
sobre o próprio tratamento, inclusive sobre o uso de
Autonomia e Cogestão seus medicamentos. Ou seja, os usuários têm que
participar da decisão de usar ou não, e de como irão
Começemos com o princípio da autonomia. O usar os medicamentos (se a decisão for essa).
movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira pensa a
autonomia não como independência (fazer ou viver Essas decisões não podem ser apenas dos profissionais
sozinho) ou individualismo (ter direitos pessoais acima da saúde responsáveis; elas têm que ser compartilhadas.
de direitos coletivos). Por isso, quando falamos de gestão autônoma, não
estamos falando de uma gestão independente da
própria vida do usuário, mas de uma cogestão, que é o
Autonomia, para esse movimento, significa estar em segundo princípio sobre o qual queremos falar: cogestão
relacionamento com os outros, e não sozinho. Para é a gestão que se faz juntos.
viver a autonomia, as pessoas têm de compartilhar,
umas com as outras, o que pensam e o que sentem, Nas nossas vidas, quando tomamos as decisões que são
ao invés de se fecharem em suas ideias e posições. fundamentais, sempre procuramos o apoio de outras
pessoas, com quem dividimos nossas preocupações e
Essa vivência vale assim, também, para os usuários dificuldades. Por que teria que ser diferente com os
em seus tratamentos: para experimentarmos a medicamentos psiquiátricos?
autonomia nos tratamentos, a gestão destes precisa
ser compartilhada entre todos aqueles que estão No dia-a-dia associamos com frequência a palavra
envolvidos. autonomia a ideias como autossuficiência, livre-arbítrio
e independência. Porém, a independência do usuário ao
tomar decisões sobre sua medicação nem sempre o leva
Por isso, os usuários devem ser considerados à melhor situação ou ao melhor resultado.
protagonistas e corresponsáveis (responsáveis junto
com os profissionais) pelo tratamento que seguem.
Um exemplo disso surge quando um usuário decide
Eles devem
sozinho parar de tomar seus medicamentos. Sem o

Novas Abordagens em Saúde Mental 55


acompanhamento de uma equipe de saúde que o os amigos, os seus colegas de trabalho, os vizinhos, e a
apoie em sua decisão, é comum que a interrupção comunidade.
abrupta do uso do medicamento desencadeie uma
crise que o faça ter que tomar uma dosagem ainda Todos irão perceber os efeitos (sejam bons ou ruins) do
maior de medicamentos do que aquela que antes já tratamento para essa pessoa, e todos poderão contribuir
tomava. de alguma maneira para ajudar em seu tratamento.

Por outro lado, considerar somente o conhecimento Quanto mais conectados a uma rede de cuidados
médico, somente o que a equipe de saúde propõe, estiverem, mais possibilidades os usuários, seus
para avaliar qual é a melhor medicação para um familiares e/ou equipe de saúde terão para administrar
usuário, é um erro. (gerir) a medicação. Juntos, podemos sempre criar e
sustentar formas de tratamento que isoladamente não
conseguiríamos.
A melhor maneira de se tomar essas decisões é
considerar não apenas o que sabem os médicos, mas Fazemos gestão autônoma quando ampliamos
também o que sabem os usuários sobre suas próprias coletivamente as possibilidades de cuidado. E é dessa
experiências com os medicamentos. forma que a GAM contribui para a realização de políticas
públicas de saúde comprometidas com o protagonismo
A GAM aposta no valor das conversas para decidir dos usuários e dos trabalhadores, com a democratização
juntos – médico e usuário – o melhor plano de dos serviços de saúde e com a melhor qualidade do
tratamento para cada um; isso é uma gestão atendimento que eles oferecem.
autônoma, ou uma cogestão.

Imaginemos uma cena onde se receitam


medicamentos; nela participam vários grupos e
pessoas: tem o usuário, o médico que prescreve, a
equipe que vai acompanhar, a família do usuário,

Novas Abordagens em Saúde Mental 57


No que consiste a Gestão sofrimento que os sintomas da doença causam; ou, se,
de maneira oposta, intensificam esse sofrimento com
Autônoma da Medicação efeitos não desejados (efeitos colaterais).

A Gestão Autônoma da Medicação (GAM) é uma É fundamental que profissionais da saúde se aproximem
estratégia pela qual aprendemos a cuidar do uso dos das vivências dos usuários; e que estes se sintam com
medicamentos, considerando seus efeitos em todos liberdade e no direito de intervir nas condições do
os aspectos da vida das pessoas que os usam. tratamento que seguem.

Foi para ajudar usuários e profissionais da saúde a


A GAM parte do reconhecimento de que cada usuário tomarem as melhores decisões a respeito de
tem uma experiência singular ao usar psicofármacos e medicamentos, de forma compartilhada e solidária, é
de que importa aumentar o poder de negociação que Guia GAM foi construído.
desse usuário com os profissionais da saúde que se
ocupam do seu tratamento – sobretudo com os
médicos, que são os que prescrevem os O Guia GAM é uma ferramenta prática e útil, que
medicamentos. oferece não só informações técnicas, mas perguntas
amplas e abertas, que remetem às experiências e aos
significados individuais de usar tal ou qual medicamento,
Ao prescrever um medicamento, o profissional tem além de outros aspectos considerados importantes para
que considerar a experiência prévia do usuário e não avaliar se o tratamento está sendo adequado.
excluir a possibilidade de diminuir doses, trocar um
medicamento por outro ou substituir o tratamento
medicamentoso por outras formas de tratar. A GAM é uma estratégia para ser praticada de forma
coletiva, em grupo, de maneira dialogada e
compartilhada – e assim deve ser também o uso do Guia
É fundamental que usuários e profissionais possam GAM. Experimentar o compartilhamento de experiências
avaliar juntos em que medida os medicamentos no grupo é um ótimo exercício para a construção de um
servem mesmo à melhoria da qualidade de vida, diálogo com os médicos e com a equipe de saúde de
reduzindo o cada usuário.

Novas Abordagens em Saúde Mental 58


A função dos moderadores é muito importante para recursos para enfrentar os problemas.
isso, pois a dinâmica de um Grupo GAM – a
possibilidade de compartilhamento das experiências e O compartilhamento também seria importante para os
de protagonismo de seus participantes – depende, em próprios moderadores e outros profissionais
grande parte, da boa qualidade da sua condução. participantes, já que abriria a possibilidade de que todos
repensassem suas relações com os medicamentos,
Os moderadores dos Grupos GAM têm um papel dando a elas um novo significado.
muito importante no acolhimento dos grupos,
abraçando as experiências mais diversas, por mais Vários profissionais que participaram de Grupos GAM
difíceis, diferentes e intensas que sejam. relatam que desenvolveram uma melhor compreensão
sobre os diferentes medicamentos e, ainda, um melhor
entendimento sobre o que o uso deles significaria para
É preciso criar um ambiente de confiança e de cada usuário de psicofármacos.
abertura que possa ajudar cada participante a se
sentir à vontade no próprio grupo e para negociar o Esses profissionais contariam também sobre mudanças
seu tratamento e torná-lo mais afinado à sua própria na forma como se relacionavam com os usuários, a
situação de vida. partir da escuta de suas experiências: ficaram mais
flexíveis para ouvir sobre os medicamentos do
Daí se faz importante que se saiba que mesmo tratamento e para acolher o significado do seu uso para
perguntas simples sobre o tratamento com cada um deles.
medicamentos e seus efeitos, ou sobre o papel que
ele ocupa na vida de cada participante, podem criar
insegurança ou ansiedade nos membros do grupo.

Ao mesmo tempo, compartilhar essas questões pode


permitir que os participantes confiem mais em suas
próprias vivências e consigam valorizar suas
potencialidades e

Novas Abordagens em Saúde Mental 60


Referências Bibliográficas

Conteúdo transcrito e adaptado do documento:

Referência: GESTÃO AUTÔNOMA DA MEDICAÇÃO –


Guia de Apoio a Moderadores. Rosana Teresa Onocko
Campos; Eduardo Passos; Analice Palombini et AL.
DSC/FCM/UNICAMP; AFLORE; DP/UFF; DPP/UFRGS,
2014. Disponível em:
http://www.fcm.unicamp.br/fcm/laboratorio-saude-
coletiva-e-saudemental-interfaces

Novas Abordagens em Saúde Mental 61


Capítulo 6

Power Threat Meaning Framework


(PTM) (Saúde Mental em Geral)
Introdução ao projeto-abordagem Sempre existiram alternativas para o diagnóstico
individual como descrições e formulações de problemas
PTM e, nesse sentido, o PTM tem o potencial de levar-nos
além das hipóteses de medicalização e diagnóstico.
Em 2013, a Divisão de Psicologia Clínica da Sociedade Propõe formas alternativas de pensar sobre uma série
Britânica de Psicologia publicou uma Declaração de de questões fundamentais, incluindo:
Posição crítica a respeito de que – dentro de um
contexto de reconhecimento generalizado – os • Que tipos de quadros teóricos e pressupostos são
sistemas de classificação atuais, como DSM e ICD, apropriados para compreender o sofrimento
seriam fundamentalmente falhos. emocional, experiências incomuns e comportamentos
problemáticos e problemáticos?

A terceira recomendação do documento de • Quais métodos de pesquisa poderiam ser usados ​e o


posicionamento tratava sobre o ato de apoiar que conta como evidência?
trabalhos, em conjunto com os usuários dos serviços,
no desenvolvimento de uma abordagem multifatorial • Como os resultados da pesquisa poderiam ser
e contextual, que incorporasse fatores sociais, interpretados?
psicológicos e biológicos de cada um. Nesse sentido, o
PTM surge, como resultado de um projeto que • Qual é a relação entre sofrimento pessoal e seus
buscaria atingir a esses e a outros objetivos. contextos sociais, materiais e culturais mais amplos?

O objetivo da equipe do projeto era produzir um • Como podemos centrar as experiências vividas das
documento fundamental que estabelecesse a base pessoas e os significados que as moldam?
filosófica, teórica e empírica para tal estrutura e
descrevesse como ela poderia servir como uma • Quais novas conceituações surgem de todas essas
alternativa conceitual à classificação psiquiátrica em questões, e como todas as implicações podem ser
relação ao sofrimento emocional e comportamentos traduzidas em prática, tanto dentro como fora dos
ditos problemáticos ou perturbadores. serviços, em todos os níveis, da política individual à
política social?

Novas Abordagens em Saúde Mental 63


É essencial reconhecer que há uma gama de A estrutura do PTM (Power Threat Meaning) se baseia
pacientes, usuários de serviços, sobreviventes e de em uma variedade de modelos, práticas e tradições
pessoas lidando com diagnósticos psiquiátricos. A filosóficas, mas é mais ampla e não depende de
equipe do projeto inclui tanto sobreviventes quanto qualquer orientação teórica específica.
profissionais, e essas visões e experiências são
centrais para os argumentos da abordagem.
Em vez disso, o objetivo é informar e ampliar as
abordagens existentes, oferecendo uma perspectiva
Quaisquer que sejam as opiniões pessoais das fundamentalmente diferente sobre as origens, a
pessoas, no curto e médio prazo, os diagnósticos experiência e a expressão do sofrimento emocional e do
psiquiátricos ainda serão de certa forma necessários comportamento dito problemático.
para que se acesse alguns serviços, benefícios e assim
por diante. Mas, mesmo assim, todos temos o direito
de descrever nossas experiências da maneira que nos A abordagem PTM baseia-se nos seguintes princípios
faz mais sentido. fundamentais:

A longo prazo, esta abordagem destina-se a apoiar a • As alternativas construtivas à classificação e


construção de histórias não-diagnósticas, não- diagnóstico psiquiátrico precisam se concentrar em
culpáveis, desmistificadoras sobre força e aspectos do funcionamento humano que foram
sobrevivência, que reintegrem muitos marginalizados em estruturas teóricas derivadas do
comportamentos e reações atualmente estudo de processos corporais no mundo físico. Em
diagnosticados como sintomas de transtornos mentais particular, as alternativas devem basear-se no estudo
de volta ao intervalo da experiência humana universal. de seres humanos que se comportam
intencionalmente em contextos sociais e relacionais.

Os princípios do Power Threat • Comportamento e experiências "anormais" existem


em um continuidade com comportamentos e
Meaning (PTM) experiências "normais" e estão sujeitos a estruturas
similares de compreensão e interpretação.

Novas Abordagens em Saúde Mental 64


Estes incluem a suposição de que, a menos que haja ambientais, socioeconômicos e culturais. Não existe
evidência forte em contrário, nosso comportamento e uma "desordem" separada a ser explicada, com o
experiência podem ser vistos como respostas contexto como uma influência adicional.
inteligíveis a nossas circunstâncias atuais, história,
sistemas de crenças, cultura e capacidades corporais, Não pode haver "psiquiatria global" ou "psicologia
embora os elos entre estes nem sempre sejam óbvio global". Padrões de dificuldades emocionais e
ou direto. comportamentais sempre refletirão os discursos, normas
e expectativas sociais e culturais predominantes,
• A causalidade no sofrimento, no comportamento incluindo conceituações aceitas da personalidade.
humano, é probabilística; isto é, tem um caráter
"em média" e nunca será possível prever impactos • As teorias e julgamentos sobre identificar, explicar e
precisos. As influências causais também operam de intervir no sofrimento mental e no comportamento
maneira contingente e sinérgica, o que significa dito problemático não são isentas de valor. Isso não
que os efeitos de qualquer fator são sempre significa que outros conhecimentos úteis e confiáveis
mediados e contingentes aos outros, e que as sejam inatingíveis.
influências podem ampliar os efeitos umas das
outras. • Precisamos levar a sério o significado, a narrativa e a
experiência subjetiva. Isso envolverá um lugar central
para as narrativas de especialistas por experiência.
Experiências e expressões de sofrimento emocional Envolverá também o desenho de uma ampla gama de
são entendidas, mas não em qualquer sentido métodos de pesquisa e dará status equivalente a
simplista, como elementos causados via nossos métodos qualitativos e quantitativos, incluindo o
corpos, biologia e envolto social. testemunho de usuários de serviços / sobreviventes e
de seus próprios cuidadores.
• Os seres humanos são seres fundamentalmente
sociais, cujas experiências de angústia e
comportamento conturbado ou perturbador são
inseparáveis ​de seus contextos materiais, sociais,

Novas Abordagens em Saúde Mental 66


Características e finalidades do e epigenéticos / evolutivos na mediação e ativação
desses padrões de resposta.
PTM
• Integra fatores relacionais, sociais, culturais e
Estes princípios informam as principais características materiais como formadores de emergência,
e finalidades da Estrutura PTM, que são as seguintes: persistência, experiência e expressão desses padrões.

• Conta com a responsabilidade pelas diferenças


• Permite a identificação provisória de padrões e culturais na experiência e expressão de sofrimento.
regularidades gerais na expressão e experiência de
sofrimento e comportamento perturbado ou • Atribui um papel central ao significado pessoal,
perturbador, em oposição a mecanismos causais emergindo dos discursos e crenças sociais e culturais,
biológicos ou psicológicos específicos ligados para das condições materiais e das potencialidades
separar as categorias de transtornos. corporais.

• Atribui um papel central à agência pessoal ou à


• Mostra como esses padrões de resposta são
capacidade de exercer influência dentro em situações
evidentes em diferentes graus e em diferentes
de inevitáveis ​restrições psicossociais, biológicas e
circunstâncias para todos os indivíduos ao longo da
materiais.
vida.
• Reconhece a centralidade do contexto relacional /
• Não assume "patologia"; em vez disso, descreve os social / político nas decisões sobre o que conta como
mecanismos de enfrentamento e sobrevivência que uma necessidade ou crise de "saúde mental" em
podem ser mais ou menos funcionais como uma qualquer situação.
adaptação a conflitos e adversidades particulares
no passado e no presente. • Fornece uma base de evidências para o desenho de
padrões gerais de respostas de enfrentamento e
• Integra a influência de fatores biológicos/ genéticos sobrevivência para informar narrativas individuais /
familiares / de grupo.

Novas Abordagens em Saúde Mental 67


• Oferece maneiras alternativas de cumprir as representar para a pessoa, o grupo e a comunidade, com
funções relacionadas ao serviço, administrativas e particular referência ao sofrimento emocional, e as
de pesquisa do diagnóstico. maneiras pelas quais isso é mediado pela nossa biologia.

• Sugere usos alternativos de linguagem, enquanto 3) O papel central do SIGNIFICADO (como produzido
argumenta que não pode haver substituições de nos discursos sociais e culturais, e estimulado pelas
um para um em termos de diagnóstico atuais. respostas corporais evoluídas e adquiridas) na
modelagem da operação, experiência e expressão de
poder, ameaça e nossas respostas à ameaça.
• Inclui significados e implicações para a ação em
uma comunidade / política social / contexto 4) E como reação a todos os itens acima, a RESPOSTA À
político mais amplo. AMEÇA instruída a qual uma pessoa, família, grupo ou
comunidade, pode recorrer para garantir a sobrevivência
emocional, física, relacional e social. Estas variam desde
Um resumo esclarecido sobre a reações fisiológicas em grande parte automáticas até
abordagem ações e respostas com base linguística ou
conscientemente selecionadas.

A ampla Estrutura PTM é derivada de uma vasta gama Ao contrário do modelo biopsicossocial mais tradicional
de teorias e pesquisas, construídas e realizadas de sofrimento mental, não há suposição de patologia e
através de disciplinas e métodos bem elaborados. É os aspectos "biológicos" não são privilegiados, mas
composta por quatro aspectos inter-relacionais: constituem um nível de explicação fundamental ligado a
todos os outros.
1) O funcionamento do PODER (biológico; coercivo;
legal; econômico / material; ideológico; social / O indivíduo não existe e não pode ser entendido
cultural e interpessoal). separadamente de seus relacionamentos, comunidade e
cultura; o significado só surge quando elementos sociais,
2) A AMEAÇA que a operação negativa do poder pode culturais e biológicos se combinam; e as capacidades
biológicas

Novas Abordagens em Saúde Mental 69


não podem ser separadas do ambiente social e Um dos principais objetivos da Estrutura do PTM é
interpessoal. auxiliar a identificação provisória de padrões baseados
em evidências de situações de estresse, experiências
Dentro disso, observa-se o significado como algo incomuns e comportamentos ditos problemáticos.
intrínseco à expressão e à experiência de todas as
formas de sofrimento emocional, dando forma única Em contraste com os mecanismos causais biológicos
às respostas pessoais do indivíduo. específicos que sustentam algumas categorias de
distúrbios médicos, esses padrões são altamente
probabilísticos, com influências operando de maneira
Em resumo, a abordagem PTM, tanto para às origens contingente e sinérgica.
quanto para à manutenção da aflição, substitui a
questão centro da medicalização existente, a saber, “o No entanto, isso não significa que não existem
que está errado com você?”, por outras quatro regularidades. Pelo contrário, isso implica que essas
alinhadas com seus princípios e valores, quais sejam: regularidades não são, como na medicina,
fundamentalmente padrões na biologia, mas padrões de
• O que aconteceu com você? (como o PODER respostas de ameaças corporificadas, baseadas em
operou na sua vida?) significado, à operação negativa do poder.

A Estrutura PTM demonstra como esses padrões


• "Como isso afetou você?" (Que tipo de AMEAÇAS
probabilísticos podem ser descritos em vários níveis. Isso
isso representa?)
define o cenário para a identificação de sete Padrões
Gerais Provisórios que emergem de dentro da Estrutura
• "Que sentido você fez dela?" (Qual é o Fundamental.
SIGNIFICADO dessas situações e experiências para
você?)
Eles não são substitutos de diagnósticos, mas são
baseados em amplas regularidades que atravessam
• "O que você teve que fazer para sobreviver?" (Que grupos de diagnóstico, e que surgem de significados
tipo de RESPOSTA À AMEAÇA você está usando?) pessoais, sociais e culturais.

Novas Abordagens em Saúde Mental 70


Esses Padrões Gerais Provisórios cumprem um dos e expressões de sofrimento amplamente variáveis, sem
principais objetivos da Estrutura, que é restaurar os as posicionar como variações bizarras, primitivas, menos
vínculos entre ameaças baseadas em significado e válidas ou exóticas do paradigma diagnóstico dominante.
respostas a ameaças baseadas em significado.
Como os padrões de sofrimento emocional sempre
Essas respostas surgem das necessidades humanas serão, em certa medida, locais, no tempo e no lugar,
fundamentais a serem protegidas e valorizadas, que nunca poderá haver um léxico universal de tais padrões.
encontram um lugar no grupo social e assim por
diante, e representam as tentativas das pessoas, Mais especificamente, o Modelo PTM pode sugerir
conscientes ou não, de sobreviver aos impactos alternativas ao diagnóstico para fins de agrupamento;
negativos do poder. administração; judicialização; planejamento de serviços
e pesquisas. Pode permitir a geração e a construção de
narrativas pessoais e abrir a possibilidade de diferentes
Entendidas como "estratégias de sobrevivência" em histórias não-diagnósticas de força e sobrevivência
vez de "sintomas", elas cruzam diagnósticos, através emergirem.
de especialidades e através dos limites do que é
geralmente considerado "normal" versus "patológico". Junto a isso, oferece uma forma de cumprir, mais
Elas estão presentes em diversos pontos e, até certo eficazmente, alguns dos benefícios relatados do
medida, na vida cotidiana de todos. diagnóstico, como fornecer uma explicação, ter a aflição
validada, facilitar o contato com outras pessoas em
O Modelo PTM e os padrões derivados dele fornecem circunstâncias semelhantes, oferecer alívio da vergonha
uma nova perspectiva sobre a aplicação dos sistemas e da culpa, sugerir um caminho a seguir e transmitir
de classificação psiquiátrica ocidental às culturas não- esperança para uma mudança positiva.
ocidentais e a expressões de sofrimento, tanto ao
Reino Unido quanto ao mundo.

A Estrutura PTM prevê e permite a existência de


experiências culturais

Novas Abordagens em Saúde Mental 72


Reflexões importantes acerca de segura não poderia fornecer proteção contra todas as
ameaças, especialmente considerando um contexto mais
estigmas, dificuldades e o PTM amplo de desigualdade social.

As tendências e necessidades apresentadas neste Igualmente, muito poucas pessoas, independentemente


conteúdo são tendências e necessidades de nível do seu passado, sobreviveriam a circunstâncias como
populacional, não caminhos individuais pré- abuso doméstico, tráfico, status de refugiado, dor física
determinados, e elas descrevem riscos, não crônica e problemas de saúde, luto múltiplo, grandes
inevitabilidades. desastres naturais, guerras e assim por diante, sem
cicatrizes emocionais.

Nesse contexto, a estrutura fundamental da Quanto menores são os fatores de melhoria na vida de
abordagem tem implicações extremamente uma pessoa (por exemplo, cuidadores alternativos;
importantes para os sistemas de saúde mental e para apoio social; moradia adequada; habilidades
os serviços humanos como um todo. desenvolvidas; educação; acesso a recursos; intervenção
apropriada) menores as chances dela escapar destes
Um modelo cumulativo e sinérgico de impacto das ciclos, que envolvem sociedade e saúde mental
adversidades como o PTM não apoia a diretamente.
individualização do sofrimento, tanto medicamente
quanto psicologicamente. Em vez disso, implica a Apesar dessas constatações, é igualmente importante
necessidade de ação, principalmente através da reconhecer que cada uma dessas possibilidades também
política social, o mais cedo possível, antes que ciclos pode ser reproduzida de maneira positiva - talvez na
destrutivos sejam postos em movimento. forma de um parente carinhoso, um talento particular ou
uma mudança nas circunstâncias sociais de uma vida.
Com o tipo certo de apoio, muitas pessoas conseguiram
Embora muitas pessoas rotuladas psiquiatricamente encontrar uma saída para esses padrões destrutivos.
tenham experimentado tanto rupturas quanto formas
específicas de adversidade, até mesmo a educação A estrutura fundamental da abordagem PTM surge no
mais amorosa e contexto de impactos negativos

Novas Abordagens em Saúde Mental 73


do poder, tanto imediatos quanto mais distantes. o grau de sofrimento / dificuldade no funcionamento
Juntamente com o trabalho de muitos outros, esta experimentado por um indivíduo, família, grupo ou
análise sugere que as estruturas socioeconômicas comunidade em particular, e também como forma de
influenciam os discursos e significados sociais que alterar essa realidade.
servem e moldam os interesses de vários tipos de
poder, tanto em sua operação negativa quanto E para além de seu uso tradicional, pode também ser
positiva na saúde mental. vista como um modelo inicial no qual outros modelos e
corpos de evidências existentes podem ser acomodados.
Em todas essas situações, a angústia do indivíduo
provavelmente aumentará proporcionalmente ao grau Pode, dessa forma, servir também como um ponto de
de assimilação das normas e discursos sociais referência importante para identificar lacunas na teoria e
subjacentes, por exemplo, aqueles relacionados a prática atuais, que muitas vezes surgem da atenção
papéis de gênero ou de responsabilidade pessoal. insuficiente à operação negativa do poder e seus
significados ideológicos associados.

A vergonha é uma emoção social e, embora um


diagnóstico psiquiátrico seja às vezes aceito como Referência Bibliográfica
proteção da vergonha para suas ações, ela também
pode ser experimentada como abreviação de um Conteúdo traduzido e adaptado do documento:
julgamento comunitário de: "Você é um membro falho
e inaceitável do grupo social". O diagnóstico pode, Referência: Johnstone, L. & Boyle, M. with Cromby, J.,
assim, definir o cenário para perpetuar o ciclo de Dillon, J., Harper, D., Kinderman, P., Longden, E., Pilgrim,
traumatismo, discriminação e exclusão social. D. & Read, J. (2018). The Power Threat Meaning
Framework: Overview. Leicester: British Psychological
Society.
A estrutura da abordagem PTM pode ser usada em
combinação com uma lista de "fatores de melhoria",
como uma lista de verificação rápida para sugerir uma
maneira de entender e validar

Novas Abordagens em Saúde Mental 75


Capítulo 7

Abordagem Sistêmica Comunitária


(Saúde Mental em Geral)
No que consiste a Abordagem interesse em aplicar a Abordagem Sistêmica Comunitária
como uma política pública capaz de revigorar e melhorar
Sistêmica Comunitária vidas.

A Abordagem Sistêmica Comunitária foi constituída Os três pilares da ASC


para expor, a princípio, às pessoas da grande área de
Bom Jardim, região de Fortaleza/CE, novas Autopoiese comunitária – processo evolutivo de
possibilidades de superação da pobreza e de autogeração, autorregulação e auto-organização do
conquista de uma saúde e vida dignas. sistema comunitário. Oferece oportunidade para que a
própria comunidade seja protagonista do processo de
A abordagem se desenvolveu por meio da união de transformação social e cultural do contexto onde está
saberes comunitários e científicos, colocados em inserida.
prática através de atividades sociais que promoveriam
seus objetivos. É uma abordagem de impacto múltiplo Trofolaxe humana – aquecimento da comunicação
e que aborda o ser humano como um todo, intrapessoal (consigo mesmo), interpessoal (com o
conectando-o a comunidade e ao seu meio ambiente próximo) e transpessoal (com o transcendente),
de maneira responsável e transformadora. continuada e geradora de novas soluções de problemas
pessoais e comunitários. O fortalecimento de laços
Em menos de duas décadas, essa tecnologia afetivos e sociais entre as pessoas e a comunidade
socioterapêutica já transformou e melhorou milhares oferece novos caminhos de cura integrados à evolução
de vidas na área de Bom Jardim, em Fortaleza, e em biopsicossocioespiritual.
Maracanaú e Pacatuba, com os índios Pitaguary,
através de diversas atividades e projetos Sintropia – É uma tendência natural para o
desenvolvidos por seus coordenadores e parceiros. autoaperfeiçoamento. Através do campo organizacional
comunitário, acontece o fenômeno da emergência
Reconhecida internacionalmente, a Bolívia, por sintrópica, revelando novas informações até então
exemplo, manifestou presentes no nível inconsciente pessoal ou coletivo
possibilitando a melhor solução da questão.

Novas Abordagens em Saúde Mental 77


As ferramentas da ASC assumirem um lugar apropriado na construção de uma
sociedade mais justa e unida.

1) Terapia da Autoestima. A Terapia da Autoestima Esta forma de terapia baseia-se no princípio da


tem por objetivo desenvolver a comunicação circularidade, em que não há vítimas e nem
intrapessoal e interpessoal das pessoas, fortalecendo perpetradores, porque todos compartilham da
a autonomia, a dignidade e a sabedoria de cada uma, responsabilidade. Hoje, existe uma rede de grupos de
algo que seria encarado pelos criadores do método Terapia Comunitária que atende milhares de pessoas
como um promovedor natural de cidadania ativa e todos os meses em todo o Brasil.
positiva.
3) Projeto “Sim para a Vida”. O Projeto “Sim para a
A autoestima de uma pessoa ajuda-a a desenvolver Vida” trabalha com a Abordagem Sistêmica Comunitária
novas habilidades para cuidar de si mesma, assumir para atender crianças em situação de alto risco de vida,
seu lugar de direito dentro da família, tornar-se um evitando sua exposição inicial às drogas, à violência e a
membro capacitado e engajado da sociedade e violações de direitos humanos, buscando desenvolver
transformar positivamente seu relacionamento com a seus sensos de agência como cidadãos.
Mãe Terra. Através de várias técnicas, dinâmicas e
terapias complementares, cada participante melhora O Projeto oferece oportunidades para os jovens
sua autoestima, despertando seu potencial criativo e estimularem suas múltiplas inteligências através do
participativo. envolvimento em atividades artísticas, esportivas e de
lazer.

Ele estimula o desenvolvimento integral das dimensões


2) Terapia Comunitária. Nos grupos de Terapia
biopsicossocial-espirituais de cada pessoa e foi
Comunitária, os participantes coletivamente
amplamente reconhecido por seu impacto pela
desenvolvem suas habilidades para melhor gerenciar
Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD).
e resolver seus problemas assumindo o papel de um
verdadeiro protagonista em suas vidas. Além disso,
A União Européia, a CBM International e a Universidade
encorajam os participantes a
Federal do Ceará são parceiros valiosos deste Projeto.

Novas Abordagens em Saúde Mental 78


4) Centro de Atenção Psicossocial de Bom Jardim A residência oferece aos seus membros cuidados através
(CAPS). O CAPS é co-administrado pela organização de diversas atividades terapêuticas, que os estimulam a
implementadora da abordagem e pela Secretaria perceber que é possível reconectar-se com sua realidade
Municipal de Saúde e contribui para a Abordagem social e cultural e integrar-se a sua comunidade. A
Sistêmica Comunitária, oferecendo tratamentos para residência terapêutica também é co-administrada pela
pessoas com transtornos psicológicos e apoio familiar. organização participante e pela Secretaria Municipal de
Saúde de Fortaleza.
Com o objetivo de promover o cuidado e a integração
social, os CAPS desenvolveram-se como alternativas à 6) Jardim Comunitário. O Jardim Comunitário oferece à
internação psiquiátrica e são resultado do processo comunidade o contato com a terra, revivendo raízes
continuo de participação ativa da comunidade na culturais, estimulando a comunhão entre a natureza e os
sociedade e de corresponsabilidade nas políticas seres humanos e proporcionando uma perspectiva
públicas. pedagógica transformadora.

Este programa baseia-se no conhecimento existente da


5) Residências Terapêuticas. Em funcionamento comunidade de agricultura e jardinagem, a fim de
desde 2011, as residências terapêuticas atendem ensinar a todos os membros da comunidade as
pacientes de hospitais psiquiátricos institucionalizados habilidades necessárias para cuidar da terra. No jardim,
por pelo menos três anos e que não têm mais contato a comunidade desenvolve atividades de terapia
com suas famílias. ocupacional e Farmácia Viva, nas quais produz xaropes
medicinais, sabonetes e xampus.

Os moradores são acolhidos em uma nova casa onde, A Comunidade Garden, como é chamada, é parceira do
com o apoio de cuidadores comunitários certificados Departamento de Farmácia da Universidade Federal do
na Abordagem Sistêmica Comunitária, encontram a Ceará (UFC) no cultivo da lippia alba (erva cidreira), que
oportunidade de fazer laços e formar amizades com é o principal ingrediente dos medicamentos anti-
seus cuidadores, seus vizinhos e a comunidade em ansiedade naturais. Isso proporciona às pessoas uma
geral. medicação alternativa para evitar a dependência
potencial de drogas ansiolíticas.

Novas Abordagens em Saúde Mental 80


7) AME House. A AME House (Arte, Música e treina os membros da comunidade como chefs
Performance) abre portas para pessoas com maior e profissionais, promovendo o objetivo de criar
menor inclinação para formas criativas de expressão. oportunidades de inclusão socioeconômica e o
Em 2008, a AME House foi designada pelo Ministério desenvolvimento de múltiplas inteligências para os
Federal da Cultura como um marco cultural. membros da comunidade.

A Casa integra o Centro de Leitura de Intercâmbio de A Escola de Artes Culinárias baseia-se na


Conhecimento (Troca de Saberes) e proporciona à sustentabilidade e se utiliza de fontes alternativas de
comunidade de Bom Jardim um espaço dinâmico de energia, como energia solar e hídrica, para sustentar a
encontro, escuta, cidadania, lazer e cultura. produção agroecológica de vegetais, frutas, aves, peixes
e ovos orgânicos.
Oficinas de artesanato, digitação, violão, bateria,
piano, flauta, percussão, violino, cardmaking orgânico, Principais desafios para a
pintura, mosaicos, teatro, cinema e ferramentas
audiovisuais são oferecidos regularmente. Abordagem Sistêmica Comunitária
• Estigma e desafios ideológicos
A AME House oferece terapia de arte para membros
da região da Grande Fortaleza, bem como um • Resistência à mudança do paradigma de ideias e
alinhamento com o CAPS da Comunidade Bom Jardim. abordagens tradicionais aos tratamentos de saúde
O objetivo da AME House é expandir as múltiplas mental
inteligências dos membros da comunidade e
aumentar seu senso de agência e autoestima através • Estereótipos e crenças negativas comuns na
do desenvolvimento de habilidades comercializáveis. comunidade relacionadas à saúde mental

8) Escola de Artes Culinárias. A Escola de Artes • Situação política e questões governamentais que
Culinárias ​ reduzem o orçamento disponível para projetos
comunitários de saúde mental.

Novas Abordagens em Saúde Mental 81


• Fundamentalismo religioso; atitudes Há planos para expandi-la, seu treinamento e
estigmatizantes em relação a pessoas com certificação, nacional e internacionalmente, para
problemas de saúde mental são amplamente fortalecer o combate às desigualdades e a melhoria de
difundidas e comumente mantidas, especialmente ofertas em saúde e autonomia para outras regiões do
sobre as causas de problemas de saúde mental, Brasil e outros países da América Latina, da África e da
como a possessão demoníaca ou espiritual. Ásia.

Continuação dos Projetos e difusão Referências Bibliográficas


da Abordagem Sistêmica Conteúdo traduzido e adaptado dos documentos:
Comunitária Referência: MHIN. “Community Systemic Approach”.
Disponível em:
<https://www.mhinnovation.net/innovations/communit
A tecnologia sócioterapêutica da Abordagem y-systemic-approach-abordagem-sist%C3%AAmica-
Sistêmica Comunitária pode ser replicada em muitas comunit%C3%A1ria?qt content_innovation=1#qt-
outras instituições de saúde mental que se content_innovation>. Acesso em: 10 de junho, 2019.
concentram na criação de inclusão social e
empoderamento. Referência: MSMC. “Abordagem Sistêmica Comunitária”.
Disponível em:
<https://msmc.org.br/projeto/abordagem-sistemica-
Essa abordagem foi desenvolvida como um rompedor comunitaria>. Acesso em: 11 de junho, 2019.
de paradigmas na comunidade e foi formalmente
incorporada pelo Departamento de Saúde Mental do
governo municipal de Fortaleza por meio do uso de
vários grupos sócioterapêuticos integrativos e da
certificação de profissionais de saúde mental nessa
abordagem.

Novas Abordagens em Saúde Mental 83


Capítulo 8

The Green Care Approach (Cuidado


Verde) (Saúde Mental em Geral)
Uma breve história sobre solidariamente cuidados pelos residentes. Bloor (1988)
descreveu isso como o primeiro exemplo de uma
abordagens baseadas na natureza e "Comunidade Terapêutica".
bem-estar Este era um ambiente agrícola rural, e a principal
atividade de trabalho para todos era trabalhar na terra.
Usar a natureza para nutrir uma boa saúde não é uma Uma variedade de estruturas e procedimentos estava
ideia nova. Prisões, hospitais, mosteiros e igrejas têm em vigor para cuidar desses indivíduos no contexto das
sido historicamente associados a diferentes espaços famílias locais e da vida mais ampla da aldeia.
terapêuticos ao ar livre. Frumkin (2001) aponta que
“os hospitais têm tradicionalmente jardins como um A tradição de cuidar dessa forma ainda continua na
complemento à recuperação e cura”. cidade original de Geel, a 60 km a nordeste de Bruxelas,
na atual Bélgica (ver Roosens, 1979, 2008). A literatura
Durante a Idade Média, muitos hospitais e mosteiros contém várias referências e observações sobre os
que cuidavam dos doentes incorporavam benefícios mentais da agricultura.
tradicionalmente pátios com arcadas para fornecer
abrigo externo a pacientes e criavam belos jardins ao Por exemplo, Benjamin Rush, um médico americano do
seu redor (Bird, 2007; Nightingale, 1860, 1996; início do século XIX, é muitas vezes creditado como
Gerlach-Spriggs et al, 1998). sendo o "pai" da moderna horticultura terapêutica
através de suas aparentes observações de que trabalhar
na fazenda de asilos era algo benéfico.
Os primeiros "programas de cuidados" reconhecíveis
que usaram o que pode ser chamado de "princípios Observações mais detalhadas e completas podem ser
do cuidado verde" foram em Geel, na Flandres, no encontradas nos registros dos antigos asilos vitorianos, a
século XIII. Aqui, os "peregrinos mentalmente maioria dos quais tinha suas próprias fazendas e hortas
angustiados" vinham para rezar no santuário de Santa comerciais. O trabalho na fazenda foi considerado uma
Dympna e ficavam numa "aldeia terapêutica" onde maneira útil de manter os pacientes longe de prejuízos e
eles eram de proporcionar-lhes um passatempo interessante.

Novas Abordagens em Saúde Mental 85


O próprio ar fresco era (e ainda é) considerado visto que o trabalho de jardinagem era visto como uma
"terapêutico". Por exemplo, em seus estudos sobre forma de ajudar as pessoas que estavam se recuperando
saúde mental e o “trabalho da natureza”, isto é, sobre de lesões físicas a se fortalecerem e reconstituírem
jardinagem e manutenção de terras, Parr (2007) cita o ossos e músculos danificados.
relatório anual do Nottingham Borough Asylum de
1881: À medida que a medicina e os cuidados de reabilitação
se desenvolviam, a jardinagem era usada para "tratar"
“Descobrimos que os pacientes obtêm mais não apenas os feridos fisicamente, mas também aqueles
benefícios do emprego em jardins do que em com problemas de saúde mental e dificuldades de
qualquer outro lugar, e isso é natural, porque eles têm aprendizagem. Tornou-se uma das "atividades
a vantagem do ar fresco, bem como da específicas" da terapia ocupacional como a disciplina
ocupação.”(Nottingham Borough Asylum, 1881, p. 11, desenvolvida nos anos 50 e 60 e ainda hoje é usada.
citado por Parr, 2007, p. 542)
Durante a década de 1940, várias comunidades
terapêuticas foram estabelecidas em ambientes rurais,
O tratamento da tuberculose durante os séculos XVIII onde os benefícios da natureza eram reconhecidos como
e XIX também invocou o uso de ar fresco e luz solar parte integrante da experiência terapêutica. As
como agentes curativos (Bird, 2007). Os típicos asilos comunidades terapêuticas (CTs) são programas de
vitorianos incluíam recursos de design externos e tratamento baseados em grupos (isto é, proporcionando
áreas para lazer, campos esportivos, campos de psicoterapia de grupo) que surgiram pela primeira vez no
cultivo e, às vezes, fazendas. Um ethos de regimes de Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial e agora
asilos apresentavam exercícios e trabalhos fora de existem numa variedade de contextos.
casa, permanecendo assim até meados do século XX
(Bird, 2007). Um ponto importante a se destacar diz respeito a queda
de interesse pela uso terapêutico da natureza e
Na mesma linha, hospitais para dificuldades físicas agricultura durante as décadas de 1950 e 60, quando
mais gerais também seriam projetados com o tempo fazendas e jardins hospitalares do Reino Unido seriam
com base nestas estruturas e abordagens, fechados por causa de mudanças na política de saúde e
pela

Novas Abordagens em Saúde Mental 86


inquietude quanto aos hospitais que operavam feitas entre o Green Care e outras atividades que as
grandes fazendas, ao passo em que se utilizavam de pessoas realizam no ambiente natural (caminhada,
pacientes como trabalho não remunerado canoagem, mountain bike e assim por diante) é que o
Green Care é destinado a fornecer uma gama (às vezes
Passada essa fase, o interesse pelo potencial específica) de benefícios para determinados grupos de
terapêutico do ambiente natural somente cresceu e o clientes.
uso de atividades baseadas na natureza como uma
forma de intervenção para promover a saúde e o Outras atividades dentro da natureza podem contribuir
bem-estar também, mas agora como uma variedade para a saúde e o bem-estar das pessoas de uma maneira
de abordagens que se desenvolveriam sob o guarda- geral, mas mesmo que sejam organizadas, pode haver
chuva do Green Care Approach. pouca ou nenhuma ênfase nos resultados terapêuticos a
serem obtidos. Quando essas atividades se concentram
em ajudar as pessoas vulneráveis ​a alcançarem
O que é particularmente interessante é que essas resultados específicos, elas passam para os domínios do
abordagens fornecem serviços para os mesmos Green Care.
grupos de clientes que as antigas fazendas
hospitalares e asilares e hortas comerciais, ou seja,
O cuidado verde em todas as suas formas se concentra
aquelas com problemas de saúde mental e
em fornecer benefícios baseados na natureza para vários
dificuldades de aprendizagem. No entanto, a base de
grupos de pessoas vulneráveis ​ou socialmente excluídas.
clientes também se ampliou para incluir quase todos
Há, no entanto, diferenças no nível de "cuidado"
os grupos vulneráveis ​e excluídos.
fornecido por diferentes opções de cuidados com a
saúde.
O conceito de “cuidar” para o
Alguns funcionam como programas de terapia
Green Care Approach estruturada (por exemplo, terapia horticultural e terapia
assistida por animais) com objetivos claramente
Uma das distinções que geralmente podem ser definidos e orientados para o paciente, enquanto outros
buscam oferecer benefícios mais amplos.

Novas Abordagens em Saúde Mental 88


No entanto, estes também são destinados a grupos e educação ou oportunidades de emprego para vários
indivíduos específicos, em vez de participantes grupos vulneráveis.
ocasionais que podem não ter consciência da intenção
"terapêutica". A essência do Green Care e suas
Ostensivamente, o mesmo meio ou ambiente pode
dimensões “comuns” e “naturais”
ser usado tanto para as terapias específicas quanto
para a promoção de objetivos mais amplos. As intervenções do Green Care, como por exemplo, a
agricultura de cuidado e a horticultura terapêutica,
permitem com que os clientes participem de atividades
A terapia assistida por animais, por exemplo, usa o que sejam significativas e produtivas para eles, e que
contato com animais como uma ferramenta para o tenham muitos atributos em comum com um emprego
terapeuta trabalhar com clientes individuais e abordar remunerado. Estes incluiriam a atividade física, uma
áreas específicas de dificuldade, enquanto fazendas rotina diária, interações sociais, oportunidades e assim
de cuidados usam animais no ambiente agrícola para por diante.
obter benefícios mais amplos resultantes da ocupação
significativa, de oportunidades para cuidar e de Poder-se-ia argumentar que muitas formas de emprego
outros. protegido em fábricas ou oficinas proporcionariam os
mesmos benefícios que o Green Care, embora em um
ambiente diferente.
O ambiente natural pode ser usado para fornecer
muitos aspectos diferentes e às vezes específicos de
No entanto, Sempik et al (2005) mostraram que a
"cuidado".
horticultura social e terapêutica (HTS) permite com que
os clientes, acima de tudo, sejam produtivos em um
Neste sentido, a palavra "cuidado" no Green Care é ambiente isento de pressões, podendo desenvolver um
tomada em seu sentido mais amplo, isto é, senso de identidade e competência em torno daquilo
compreendendo elementos de saúde, reabilitação que realizam, além de criarem conexões mais profundas
social, com outras pessoas participando das atividades ao seu
lado, dentre outras coisas.

Novas Abordagens em Saúde Mental 89


Nesse sentido, as atividades e processos dentro do As dimensões “comuns” do Green
Green Care podem ser categorizados como aqueles
que são "comuns", isto é, que ocorrem em comum Care
com outras circunstâncias e abordagens e não
envolvem necessariamente ou requerem um
• Desenvolvimento de rotina diária e estrutura
ambiente natural, e aqueles que são “naturais”, isto é,
que envolvem ambientes e técnicas envolvendo a
• Participação na produção por meio de atividades
natureza e possuem particularidades em relação a
significativas (mas não em ambiente pressionado)
outros métodos e abordagens.

Dentro do Green Care, esses "processos comuns" • Interação social e oportunidades de contato social
podem ocorrer ou serem expressos no contexto de
componentes ou ambientes naturais - plantas, animais • Trabalhar com os outros para um propósito comum
e paisagens. Pensa-se que o pano de fundo de uma
dimensão natural para uma atividade comum confere • Oportunidades de envolvimento e de “ter uma
benefícios adicionais. palavra a dizer” no desenvolvimento de atividades

Mas a natureza não é apenas um pano de fundo em • Desenvolvimento de habilidades, competência e


muitas formas de tratamento do Green Care - é um identidade; e o desenvolvimento da autoestima e da
ingrediente essencial. A agricultura e a horticultura estima dos outros
exigem que os participantes se envolvam ativamente
com o ambiente natural. Sem isso, essas atividades • Oportunidades de realizar atividade física
não seriam possíveis.
• Associação com trabalho, recebimento ocasional de
A necessidade de interagir com a natureza e moldá-la pagamento nominal ou despesas
(como todas essas atividades fazem invariavelmente)
distingue atividades como a agricultura daquelas que • Possíveis oportunidades de emprego remunerado
usam o ambiente natural apenas como pano de
fundo. • Acesso potencial a produtos das fazendas ou da horta

Novas Abordagens em Saúde Mental 91


As dimensões “naturais” do Green • Ser governado pelas necessidades do meio ambiente
através da necessidade de plantar ou colher em
Care momentos apropriados - o ambiente exige o trabalho

• Senso de conexão com a natureza, possivelmente


As ferramentas terapêuticas do
satisfazendo uma necessidade espiritual Green Care Approach

• Visão da natureza como inerentemente pacífica, 1) Care Farming (Agricultura de Cuidado)


algo a exercer um efeito calmante

• Senso de bem-estar através da crença de que a A Care Farming pode ser definida como o uso de
natureza e o ar fresco são inerentemente saudáveis fazendas comerciais e paisagens agrícolas como base
para promover a saúde mental e física, através de
atividades agrícolas normais (Hassink, 2003; Hassink e
• Amor pela natureza ao se envolver com ele sem van Dijk, 2007; Hine et al, 2008), e é um movimento
grande esforço crescente para fornecer benefícios de saúde, sociais ou
educacionais, através da agricultura, para uma ampla
• Oportunidade para nutrir plantas e animais e a gama de pessoas.
satisfação que se segue
Estes podem incluir aqueles com necessidades médicas,
• Proteger a natureza - cumprimento do desejo de psicológicas ou sociais definidas (por exemplo, pacientes
proteger o meio ambiente de danos causados por psiquiátricos, pessoas que sofrem de depressão, pessoas
pesticidas e outros produtos químicos com dificuldades de aprendizagem, pessoas com
histórico de drogas, jovens ou idosos insatisfeitos), bem
• Trabalhando em conjunto com a natureza para como aqueles que sofrem os efeitos do trabalho -
mantê-la ou melhorá-lo relacionados com stress ou problemas de saúde
decorrentes da obesidade.

Novas Abordagens em Saúde Mental 92


A agricultura de cuidado é, portanto, uma parceria Para algumas fazendas de cuidado, é a notável ausência
entre agricultores, provedores de saúde e assistência dos elementos “cuidado” ou “institucional” e a presença
social e participantes. Todas as fazendas de assistência de uma fazenda comercial com o agricultor, a família do
oferecem alguns elementos de "agricultura" em agricultor e a equipe, que são os constituintes da
diferentes graus, seja em culturas, horticultura, reabilitação social bem-sucedida dos participantes
pecuária, uso de máquinas ou manejo florestal. (Hassink e cols. , 2007).

Da mesma forma, todas as fazendas de cuidado No entanto, a situação em outras fazendas de cuidado
oferecem algum elemento de "cuidado", seja de pode ser mais "cuidadosa" e "cuidadora", orientada com
saúde, assistência social ou benefícios educacionais. o elemento agrícola presente principalmente para
produzir benefícios para os clientes, e não para a
produção agrícola comercial.
Muitas fazendas de cuidado oferecem contato
terapêutico com o gado agrícola, mas algumas 2) Animais e o Green Care
fornecem terapia específica assistida por animais.
Intervenções Assistidas por Animais (IAA) é o termo
Muitas fazendas oferecem participação no cultivo de geral usado para uma variedade de maneiras de se
plantações, saladas ou vegetais, por exemplo, mas utilizar animais na reabilitação ou assistência social de
algumas também oferecem terapia hortícola. seres humanos (Kruger e Serpell, 2006). Isso poderia
envolver terapia pura ou incluir os animais em várias
atividades.
A distinção entre projetos de horticultura social e
terapêutica e fazendas de cuidados é que os projetos
Terapia Assistida por Animais (TAA) é o termo usado para
de terapia hortícola não costumam enfocar
uma intervenção dirigida a um objetivo em que um
principalmente atividades de produção comercial, ao
animal que satisfaz certos critérios é parte integrante do
passo que muitas fazendas de assistência se
processo de tratamento de um cliente humano em
concentram principalmente na produção em nível
particular, um processo que é dirigido, documentado e
comercial.
avaliado por profissionais.

Novas Abordagens em Saúde Mental 94


Atividades Assistidas por Animais (AAA) são usadas contra respostas ao estresse e a doenças, algo
para um serviço menos controlado, que pode ter um possivelmente derivado não apenas das relações
efeito terapêutico, mas que não é uma terapia humanas, mas também de relações entre ser humano e
verdadeira em um sentido estrito. Tanto pessoas da animal.
área da saúde quanto pessoas comuns podem estar
envolvidos nessas atividades. De acordo com McNicholas e Collis (2006), o apoio social
de animais de estimação pode ser um substituto para a
O papel terapêutico dos animais de companhia está falta de apoio humano, fornecendo uma liberação das
bem estabelecido para pessoas fisicamente doentes, obrigações de relacionamento, reforçando a
pessoas com transtornos psicológicos, pessoas reorganização, restabelecendo rotinas e
emocionalmente perturbadas, prisioneiros, viciados “complementando” o suporte humano existente. Este e
em drogas, idosos e crianças. outros estudos demonstraram a robustez dos efeitos dos
animais de companhia também como catalisadores da
interação social entre as pessoas.
A evidência foi revisada recentemente por Fine
(2006). O contato com animais de companhia está
Durante as últimas décadas, dentro do conceito de
associado a mudanças positivas na função
Green Care, o papel terapêutico de cavalos e animais de
cardiovascular e na concentração de vários
fazenda tem sido amplamente implementado para
neurotransmissores, na redução de distúrbios
pessoas com problemas físicos, psicológicos ou sociais
psicossomáticos e aflições e a um número menor de
(Bokkers, 2006). Intervenções Assistidas por Animais em
visitas por ano de idosos ao médico.
fazendas podem ser oferecidas como um serviço
especializado ou como parte de um serviço mais amplo
Hipotetiza-se que o apoio social (definido por Cobb com trabalho ou atividades variadas na fazenda.
(1976)) como um relacionamento interpessoal que
leva a uma “crença por parte da pessoa de que ela é
As pessoas podem cuidar e montar cavalos ou burros, ou
cuidada, amada, estimada e membra de uma rede de
trabalhar com gado, ovelhas, cabras, coelhos,
obrigações mútuas” (p. 300), agiria como um
porquinhos-da-índia ou galinhas. Muitas vezes, cães ou
amortecedor
gatos estão presentes nas fazendas, e os clientes

Novas Abordagens em Saúde Mental 95


normalmente preferem interagir com eles. No A Horticultura, em muitas formas diferentes, tem sido
entanto, os efeitos na saúde de Intervenções usada como terapia ou como coadjuvante de terapias no
Assistidas por Animais com animais de fazenda ainda tratamento de doenças.
não são bem documentados.
Também tem sido utilizada para alcançar benefícios
Pesquisas têm sido feitas em crianças interagindo com sociais e psicológicos para indivíduos e comunidades
vacas na Fazenda Educacional Green Chimneys desfavorecidas e promover a saúde e o bem-estar físico
(Mallon, 1994), em surdos e/ou pessoas com e psicológico dessas pessoas.
múltiplas deficiências interagindo com cabras (Scholl,
2003; Scholl et al, 2008), e em pessoas que montam a Horticultura e Jardinagem ainda são usadas por muitos
cavalo (Fitzpatrick e Tebay, 1997). O único ensaio terapeutas ocupacionais para promover o
clínico randomizado e controlado com animais de desenvolvimento de habilidades motoras e também para
criação foi realizado em pacientes psiquiátricos que desenvolver habilidades sociais e proporcionar
trabalham com vacas leiteiras (Berget, 2006). oportunidades sociais, particularmente para aqueles
com problemas de saúde mental. Juntamente com o uso
da horticultura em terapia ocupacional, as práticas de
Constata-se, apesar disso, que animais podem afetar
"Terapia Hortícola" e "Horticultura Terapêutica" (ver
positivamente a saúde física/fisiológica humana em
Sempik et al, 2003) seriam igualmente desenvolvidas.
duas direções, ambas envolvendo componentes
psicológicos: (i) estimulando o exercício e a condição
física, resultando também em redução do estresse e Essas abordagens têm formato e estrutura reconhecidos,
em aumento do bem-estar mental e (ii) estimulando pedagogia e, em alguns países (por exemplo, os EUA),
mecanismos psicológicos, levando por sua vez, para uma organização profissional.
uma melhorara na proteção contra doenças
psicossomáticas e aflições. Os termos "Terapia Hortícola" e "Horticultura
Terapêutica" são frequentemente usados ​na literatura,
às vezes alternadamente, para descrever o processo de
3) Horticultura e Terapia interação entre o indivíduo e as plantas ou jardins que,
na maioria dos casos,

Novas Abordagens em Saúde Mental 97


são facilitados por um profissional treinado. (HST) tornou-se amplamente utilizado (particularmente
no Reino Unido), uma vez que as interações sociais, os
A instituição de caridade britânica Thrive usa as resultados e as oportunidades são uma parte importante
seguintes definições de Terapia Hortícola e das atividades e processos dos projetos de hortas
Horticultura Terapêutica, que foram acordadas por terapêuticas.
profissionais britânicos em uma conferência sobre
Desenvolvimento Profissional realizada em setembro 4) Ecotherapy (Terapia Ecológica)
de 1999:
A Ecoterapia como uma abordagem tem sido proposta
como uma forma de prática desde meados dos anos 90
“Terapia Hortícola é o uso de plantas por um (Roszak, 1995; Clinebell, 1996; Burns, 1998). George W.
profissional treinado como meio pelo qual certas Burns, um psicólogo clínico e hipnoterapeuta
metas clinicamente definidas podem ser cumpridas. E australiano, desenvolveu o que chamou de
a Horticultura Terapêutica é o processo pelo qual os "Ecopsicoterapia" e "Terapia Guiada pela Natureza".
indivíduos podem desenvolver o bem-estar usando
plantas e Horticultura. Isto é conseguido através do Sua principal tese expressava que uma relação positiva
envolvimento ativo ou passivo.”(Growth Point, 1999, com o mundo natural é o caminho da saúde e que as
p. 4) pessoas que procuram ajuda se beneficiam ao serem
guiadas (com a ajuda do terapeuta e dos exercícios
baseados na natureza) para tal relacionamento.
A distinção é que a Terapia Hortícola tem um objetivo
clínico pré-definido semelhante ao encontrado na Desde os anos 90, no entanto, Burns (2009), juntamente
Terapia Ocupacional, enquanto a Horticultura com outros (Buzzell e Chalquist, 2009; Fisher, 2009)
Terapêutica é direcionada para melhorar o bem-estar reconheceram o contexto social da Ecoterapia.
do indivíduo de forma mais generalizada.

Burns (2009) afirma que a Ecoterapia “se encaixa na


Recentemente, o termo "Horticultura Social e definição de uma abordagem de “terceira onda”, na
Terapêutica" medida em que é uma terapia mais baseada

Novas Abordagens em Saúde Mental 98


em soluções” (p. 95). Isso também se refletiria em Os poderosos efeitos dessa dimensão irradiam do
pesquisas adicionais sobre as aplicações da "microcosmo" pessoal para o "macrocosmo" exterior
Ecoterapia, tanto na prática quanto na educação dos parâmetros sociais. A Ecoterapia traz à luz ao
(Burls e Caan, 2005; Burls, 2007) e em uma descrição esclarecimento de que a natureza não apenas nos ajuda
de um modelo contemporâneo de Ecoterapia para o a encontrar um equilíbrio biopsicológico saudável, mas
século XXI (Burls, 2008) desenvolvido. que a saúde de nosso ecossistema é um elemento
inextricável de nossa comunidade e sistema social.
A Ecoterapia contemporânea pode ser descrita como
um modelo de terapia bastante desenvolvido em A prática ecoterapêutica não pode, portanto, contornar
padrões ecológicos e que adota uma abordagem de as questões sociais, nem pode contornar as questões de
“saúde do ecossistema” com um foco amplo para a saúde pública e da política. Espaços e projetos
transdisciplinaridade. ecoterapêuticos também podem ser usados ​pela
comunidade em benefício do público em geral e do
ecossistema; eles também ajudam o público a se
Ela enfatizaria atitudes sociais, bem como pesquisas e reconectar com a natureza e podem levar a mudanças
atividades que implicam um elemento de comportamentais e sociais.
reciprocidade entre o humano e a natureza, e que
promovem ações positivas sobre o meio ambiente
que melhoram o bem-estar da comunidade. Os espaços ecoterapêuticos são, portanto, espaços
multifuncionais. Embora a Ecoterapia tenha suas origens
legítimas na Ecopsicologia, ela se encaixa melhor dentro
O estrutura da Ecoterapia contemporânea delineia do conceito mais radical de Eco-saúde. A estrutura da
dois níveis de envolvimento: o nível micro do processo Eco-saúde visa obter consenso e cooperação entre todas
terapêutico e o nível macro dos processos sociais mais as partes interessadas, promovendo abordagens que são
amplos. Esse processo implicaria em uma visão de si menos dispendiosas do que muitos tratamentos médicos
como parte de um "todo maior", que os indivíduos ou intervenções de atenção primária à saúde (Lebel,
passam a apreciar e a cultivar, gerando reciprocidade 2003) e que influenciam o amplo espectro de sistemas
em relação ao ecossistema. sociais, desde moradores da comunidade até
fabricantes,

Novas Abordagens em Saúde Mental 100


sobre o valor da saúde do ecossistema como um fator e bem-estar através da imersão em ambientes naturais
crucial na saúde pública. mais selvagens.

A Ecoterapia contemporânea pode, portanto, ser Embora o termo "Terapia da Natureza Selvagem" seja
definida como um termo genérico para todos os um conceito relativamente novo na Europa, ele existe
métodos baseados na natureza, visando o nos EUA há muitos anos. Múltiplas definições evoluíram
restabelecimento do bem-estar recíproco humano e à medida que o conceito ganhou popularidade, mas
ecossistêmico; uma abordagem transdisciplinar e todas reconhecem um processo terapêutico que é
ecossistêmica voltada para o aprimoramento inerente às expedições ambiente selvagem (Peacock et
colaborativo da saúde física, psicológica e social das al, 2008).
pessoas, comunidades e ecossistemas. Esses
resultados são alcançados através do Davis-Berman e Berman (1994) inicialmente definiram a
desenvolvimento de uma relação pessoal e coletiva Terapia da Natureza Selvagem como: “o uso de técnicas
próxima com o ecossistema natural. de terapia tradicionais, especialmente para terapias de
grupo, em ambientes externos, utilizando atividades de
aventura ao ar livre e outras atividades para o
5) Wilderness Therapy (Terapia da Natureza desenvolvimento do crescimento pessoal” (p. 13). Em
Selvagem) anos um pouco mais recentes, Connor (2007) forneceu
uma definição mais concisa, afirmando que a TNS seria
“um programa experiencial que ocorre em um ambiente
Virar-se para a natureza e sua configuração selvagem selvagem ou remoto ao ar livre”.
para oportunidades de crescimento da consciência
pessoal e da realização de mudanças pessoais não é Oferecida por profissionais devidamente especializados
uma ideia nova; o processo existe nas culturas da saúde mental, a Terapia da Natureza Selvagem é uma
humanas há milhares de anos. No entanto, em intervenção de tratamento emergente que usa uma
tempos mais recentes, áreas ao ar livre tem sido cada abordagem sistemática para trabalhar em grande parte
vez mais utilizadas para fornecer uma gama de com adolescentes vivenciando problemas
oportunidades de desenvolvimento pessoal comportamentais.

Novas Abordagens em Saúde Mental 101


Embora este não seja o único grupo que pode se ou em configurações terapêuticas.
beneficiar da TNS, ela é mais utilizada com esse viés
para ajudá-los a lidar com problemas emocionais, de Os principais fatores terapêuticos emergentes de várias
adaptação, dependência ou psicológicos (Hobbs e revisões da literatura sobre a Terapia da Natureza
Shelton, 1972; Bandoroff, 1989; Russell, 1999; Russell Selvagem (Hans, 2000; Wilson e Lipsey, 2000; Russell e
e Phillips-Miller, 2002; Caulkins et al, 2006; Russell, Phillips-Miller, 2002; Russell, 2006b) que facilitam uma
2006a; Bettmann, 2007). mudança comportamental positiva incluem o
desenvolvimento pessoal e interpessoal do indivíduo, a
Os programas normalmente oferecem exercícios reestruturação das relações construídas pelos jovens e
saudáveis ​e dieta através de caminhadas e atividade reduzidas taxas de reincidência.
física, sessões de terapia individual e em grupo,
educacionais, habilidades primitivas, convivência em Os programas de TNS facilitam o autoconhecimento, a
grupo com colegas, oportunidades para o trabalho comunicação, a cooperação e a contribuição para o bem-
individual e treinamentos de liderança e reflexão, estar do grupo, permitindo com que os participantes
assim como os desafios inerentes da vida nesses descubram o que consideram importante para si
ambientes. mesmos (Connor, 2007). A participação na TNS também
ajuda a lidar com comportamentos problemáticos,
promovendo a responsabilidade pessoal e social, e
A justificativa para as intervenções em ambientes proporcionando a oportunidade para o crescimento
naturais mais selvagens envolve separar os emocional (Russell, 1999).
participantes das influências negativas diárias e
colocá-los em ambientes externos seguros e
organizados.

Gastar tempo em um ambiente natural permite que


os participantes acessem aspectos de si mesmos que
podem guia-los em um desenvolvimento pessoal mais
convencional

Novas Abordagens em Saúde Mental 103


Referências Bibliográficas

Conteúdo traduzido e adaptado do documento:

Referência: Sempik, J., Hine, R. and Wilcox, D. eds.


Green Care: A Conceptual Framework, A Report of the
Working Group on the Health Benefits of Green Care.
COST Action 866, Green Care in Agriculture,
Loughborough: Centre for Child and Family Research,
Loughborough University. 2010

Novas Abordagens em Saúde Mental 104


Capítulo 9

Wellness Recovery Action Plan


(WRAP) (Saúde Mental em Geral)
Um pequeno resumo sobre a A história por trás do
WRAP desenvolvimento da WRAP

O Wellness Recovery Action Plan ou WRAP®, é um O Wellness Recovery Action Plan (WRAP®) foi
processo de prevenção e bem-estar autonomamente desenvolvido por pessoas que viviam com uma
construído e que qualquer pessoa pode usar para variedade de dificuldades no que diz respeito a saúde
desenvolver seu bem-estar e fazer de sua vida algo mental e que estavam trabalhando duro para se
que gostaria que ela fosse. Foi desenvolvido em 1997 sentirem melhor e continuarem com suas vidas. Em
por um grupo de pessoas que procuravam maneiras 1997, diversos indivíduos que haviam passado por sérios
de superar seus próprios problemas de saúde mental transtornos mentais reuniram-se no norte de Vermont
e seguir em frente para realizar seus sonhos e para uma reunião de oito dias destinada a iniciar
objetivos de vida. diálogos sobre como melhorar sua saúde mental e
emocional.

Atualmente é usado extensivamente por pessoas em Muitos dos participantes da conferência foram
todos os tipos de circunstâncias, e por sistemas de residentes de hospitais psiquiátricos estatais em vários
saúde e saúde mental em todo o mundo para tratar períodos de suas vidas. Eles se reuniram para discutir
de todos os tipos de problemas físicos, mentais e de estratégias práticas para recuperar e sustentar seu
vida. O WRAP foi estudado extensivamente em próprio bem-estar. Eles não sabiam disso na época, mas
projetos de pesquisa rigorosos e está listado no esse grupo de exploradores estava abrindo caminho para
Registro Nacional de Programas e Práticas Baseados um novo movimento internacional de autoajuda para o
em Evidência (EUA). bem-estar e a recuperação de outras pessoas.

Uma das principais líderes entre os corajosos pioneiros


no encontro de Vermont foi Mary Ellen Copeland, uma
mulher que lutava contra ansiedade, depressão e
mudanças extremas de

Novas Abordagens em Saúde Mental 106


humor que a levaram a experimentar diferentes resultados por meio da atenção generalizada, algo que
formas de isolamento social, dificuldades econômicas resultaria em um convite para liderar um retiro de apoio
e repetidas hospitalizações. de oito dias em Vermont que estava destinado a fazer
história.
Buscando restaurar sua saúde e recuperar sua vida
natural, Mary Ellen ficou desiludida com a instituição Mary Ellen ajudou seus companheiros de viagem na
psiquiátrica da época e seu relacionamento com o conferência de Vermont a usarem de sua própria
tratamento focado em medicações que priorizavam o experiência orgânica para identificarem que tipos de
gerenciamento de seu transtorno, ao invés de facilitar estratégias funcionavam para eles, a fim de prevenir
seu retorno à saúde plena. Ela começou sua própria colapsos emocionais e mentais e manter uma saúde
jornada em busca do encontrar de estratégias de mental positiva e duradoura.
recuperação, conduzindo uma pesquisa com seus
pares sobre o assunto. No entanto, um dos participantes - uma mulher
chamada Jess Parker - levantou-se e disse: “Tudo isso é
A pesquisa envolveu 125 entrevistados. Através das bom, mas não tenho ideia de como organizar essas
respostas da pesquisa, Mary Ellen identificou cinco ferramentas e estratégias em minha vida”. Mary Ellen e
conceitos-chave para a recuperação (Esperança, Jane Winterling, uma colega que também estava
Responsabilidade Pessoal, Educação, Autonomia e participando da reunião, sentiram-se desafiadas a
Apoio), juntamente com “truques” para se sentir responder à observação de Jess.
melhor, que mais tarde seriam chamados de
ferramentas de bem-estar.
Nesse sentido, Jane e Mary Ellen trabalharam juntas
Ela começou a facilitar grupos de apoio de colegas para desenvolver um sistema simples para organizar um
com outras pessoas procurando maneiras de plano pessoal de ação de recuperação de bem-estar.
conquistar melhoras consistentes. Em 1997, a Apresentaram-no ao grupo e todos ficaram
pesquisa e a facilitação de Mary Ellen estavam entusiasmados com o conceito de “WRAP”. Eles
gerando grandes deixaram o encontro com um espírito renovado de
esperança e otimismo.

Novas Abordagens em Saúde Mental 107


Mary Ellen foi para casa da conferência de Vermont e Durante o início, Mary Ellen Copeland alcançou milhões
começou a usar um WRAP para apoiar seu próprio de pessoas através dos seus livros e palestras,
regime de bem-estar. capacitando homens e mulheres de comunidades
diversas e de todas as classes sociais para usar o WRAP®
Ela ficou impressionada com o poder do WRAP em para as suas próprias aventuras pessoais de recuperação.
ajudá-la a antecipar e lidar com o estresse e as
dificuldades inevitáveis ​da vida, a permanecer Agora, o WRAP® está sendo utilizado em programas
centrada e a se concentrar em atitudes e atividades formais e informais de recuperação em todos os 50
positivas. Sendo uma professora natural e estados dos EUA e em vários países do mundo. O
comunicadora, Mary Ellen foi inspirada a compartilhar WRAP® está sendo implementado por departamentos de
seu presente com o mundo. saúde comportamental, agências de saúde mental,
programas de tratamento de vícios, bem como uma
Em 1997, ela escreveu seu primeiro livro sobre WRAP, série de outros grupos de recuperação nos Estados
que rapidamente ganhou popularidade nos Estados Unidos e em todo o mundo.
Unidos e em todo o mundo. Mary Ellen começou a
compartilhar o WRAP com outras pessoas que
estavam enfrentando uma ampla gama de desafios No que consiste a WRAP e quais são
emocionais, físicos e de saúde mental. seus métodos?

Ela passou a orientar colegas na facilitação de


workshops sobre o WRAP. Em seguida, desenvolveu “Este [WRAP®] mudou minha vida completamente. Eu
uma avaliação a respeito do que teria constituído um costumava pensar em mim como essa pessoa
workshop WRAP de sucesso e estabeleceu uma lista "mentalmente doente". Agora sou uma pessoa que sabe
de valores e práticas não negociáveis ​para os cuidar de mim mesma e me ajudar em tempos difíceis.
Facilitadores WRAP. Esses valores e práticas formaram Se estou me sentindo mal ou tendo dificuldades, eu ajo.
a base da atual prática baseada em evidências do E há tantas coisas simples e seguras que posso fazer. ”
WRAP®. (uma praticante do Wellness Recovery Action Plan).

Novas Abordagens em Saúde Mental 109


Os programas de autogerenciamento de doenças para que ajuda as pessoas a:
indivíduos com condições médicas crônicas, como
artrite, diabetes, câncer e asma, têm sido 1) Diminuir e prevenir sentimentos e comportamentos
reconhecidos como um componente importante da intrusivos ou perturbadores;
assistência médica centrada no paciente por muitos
anos (Institute of Medicine, 2001). 2) Aumentar o empoderamento pessoal;

Duas décadas de estudos e pesquisas validaram o fato 3) Melhorar a qualidade de vida;


de que um número significativo de pessoas com
problemas de saúde mental e desafios com vícios 4) Alcançar seus próprios objetivos e sonhos.
também foram capazes de autogerenciar suas
condições com resultados positivos (Onken, Craig,
Ridgway, et al. ., 2007). Trabalhar com um WRAP® pode ajudar as pessoas a
monitorararem sentimentos e comportamentos
desconfortáveis ​e angustiantes e, por meio de respostas
Intervenções e práticas específicas foram planejadas, reduzir, modificar ou eliminar esses
desenvolvidas para promover a recuperação sentimentos. Um WRAP® também inclui planos de
autogerida (Bodenheimer e Lorig et al., 2002). O respostas para outros, quando um indivíduo não pode
WRAP® é provavelmente a prática de autogestão mais tomar decisões, cuidar de si próprio e/ou manter-se
difundida nos Estados Unidos (Roberts & Wolfson, seguro.
2004), e seu uso por indivíduos e sistemas de saúde
está aumentando em todo o mundo (Copeland, Cook,
& Razzano, 2010).
A pessoa que experimenta desafios de saúde é quem
desenvolve um WRAP® pessoal. A pessoa pode escolher
O WRAP® é um sistema de autogerenciamento e que os apoiadores e/ou profissionais de saúde o ajudem
recuperação construído para pessoas que lidam com a criar o WRAP®, mas o indivíduo permanece no
diversos desafios de saúde física e mental. O WRAP® é controle do processo (Copeland, Mary Ellen, PhD, Plano
uma abordagem de bem-estar e recuperação de Ação de Recuperação de Bem-Estar, 2011).

Novas Abordagens em Saúde Mental 110


Os indivíduos aprendem a usar o WRAP® através de Conceitos e valores chave WRAP® são ilustrados através
um processo de grupo orientado pelo suporte em de exemplos das vidas dos co-facilitadores e
pares e que progride em três fases distintas: participantes. Os participantes do WRAP® criam um
sistema de recuperação personalizado de ferramentas de
bem-estar e planos de ação para alcançar uma visão de
1) Uma sessão introdutória baseada no suporte em bem-estar autodirigida, apesar dos desafios diários da
pares, na qual os participantes aprendem sobre o vida. Os participantes são encorajados e, quando
WRAP® e se envolvem; possível, levados a continuar nas reuniões após o
período formal de 8 a 12 semanas e a apoiarem-se
2) Sessões de desenvolvimento WRAP® de oito a mutuamente na utilização e revisão contínua dos seus
doze semanas, conduzidas por especialistas do planos WRAP®.
suporte em pares, com aproximadamente duas horas
de duração; O WRAP® de uma pessoa é uma ferramenta que pode
ser usada pelo resto da vida, e um grupo WRAP®
voluntário pode ser um recurso de suporte de longo
3) Contato direto com grupos WRAP® voluntários em prazo para garantir que esse valioso e personalizado
andamento que facilitam o apoio em pares. O único sistema de recuperação permaneça afiado e útil para
critério para o envolvimento em qualquer grupo construir uma saúde saudável e vida bem sucedida na
WRAP® é que a pessoa esteja disposta a participar. comunidade.

Grupos formais WRAP® tipicamente variam em


O WRAP como uma prática baseada
tamanho de 10 a 15 participantes e são liderados por em evidências
dois co-facilitadores treinados em suporte em pares e
que usam o WRAP para sua própria recuperação. A Uma prática baseada em evidências é uma intervenção
informação é entregue e as habilidades são que se provou eficaz através de ensaios clínicos
desenvolvidas através de palestras, discussões e controlados e randomizados, constituindo um desenho
exercícios individuais e em grupo. de pesquisa rigoroso.

Novas Abordagens em Saúde Mental 112


Um estudo randomizado e controlado é um indivíduos que participaram de grupos WRAP® de alta
delineamento de estudo que atribui aleatoriamente fidelidade, liderados pelo suporte em pares em seis
participantes a um grupo experimental ou a um grupo comunidades de Ohio, relataram reduções de ansiedade
controle. e sintomas da depressão; sentimentos aumentados de
esperança; e melhora na qualidade de vida global,
Como o estudo é realizado, a única diferença esperada comparado ao grupo controle.
entre os grupos controle e experimental é a variável
de desfecho que está sendo estudada (SAMHSA, Um total de 519 indivíduos foram envolvidos no estudo,
2002). e os resultados foram avaliados no final do tratamento e
em um seguimento de 6 meses usando uma análise de
regressão aleatória de efeitos mistos com intenção de
O WRAP® foi reconhecido pela Administração de tratar. Os investigadores da UIC tomaram muito cuidado
Serviços de Saúde Mental e Abuso de Substâncias dos para garantir que as intervenções WRAP® em estudo
Estados Unidos (SAMHSA) como uma prática baseada fossem rigorosamente respeitadas pelos padrões de
em evidências e listado no Registro Nacional de fidelidade estabelecidos por Mary Ellen Copeland e pelo
Programas e Práticas Baseadas em Evidências Copeland Center for Wellness and Recovery.
(SAMSHA, 2010).
Os grupos WRAP® baseados em Ohio, no estudo, foram
Pesquisadores do Departamento de Psiquiatria da todos conduzidos durante um período de 8 semanas e
Universidade de Illinois em Chicago (UIC) divulgaram reuniram-se durante 2,5 horas todas as semanas.
recentemente os resultados de um teste de controle
randomizado em 2012 que demonstrou resultados Os colegas em recuperação que foram treinados pelo
significativamente positivos para indivíduos com Copeland Center como Facilitadores do Nível Avançado
transtornos mentais graves e persistentes que WRAP® lideraram os grupos WRAP® e seguiram um
participam de grupos WRAP®. currículo altamente padronizado desenhado por Mary
Ellen Copeland.
Os resultados da pesquisa do estudo da UIC revelaram
que As saídas curriculares foram altamente desencorajadas,

Novas Abordagens em Saúde Mental 113


e os facilitadores do suporte em pares usaram o As evidências demonstram claramente que o WRAP®
Manual de Facilitadores aprovado pelo Copeland pode melhorar as habilidades de autogerenciamento e
Center e outros materiais protegidos por direitos suporte em pares de indivíduos que batalham contra
autorais desenvolvidos por Mary Ellen Copeland uma série de dificuldades de saúde mental e
(Cook, Copeland, & Floyd, et al., 2012). comportamentais (Fukui, 2011).

O estudo de Ohio é apenas um exemplo de uma base Descobertas similares confirmando a eficácia do WRAP®
crescente de evidências para o WRAP® que foi foram relatadas em estudos e pesquisas que
estabelecida como resultado da replicação examinaram a participação de pessoas em grupos
disseminada da prática em comunidades nos Estados WRAP® no Canadá (Allot, et al. 2002); China (Zhang, et
Unidos e ao redor do mundo nas últimas duas al. 2007); Minnesota, EUA (Buffington, 2003); Irlanda
décadas. (Higgins et al. 2010); Kansas, EUA (Starnino, et al. 2010);
Nova Zelândia (Doughty, et al. 2008); Escócia (Centro
Escocês de Pesquisa Social & Pratt, R., 2010); e o Reino
O WRAP® provou ser uma prática eficaz para apoiar a Unido (Davidson, 2005).
recuperação e a realização de desafios para que se
conquiste uma saúde mental positiva, se desconstrua
vícios e outros desafios de saúde diagnosticáveis.
Referências Bibliográficas
Outro estudo conduzido pela Universidade de Illinois
Conteúdo traduzido e adaptado do documento:
em 2009 descobriu que indivíduos com distúrbios de
saúde comportamental que participaram em grupos
Referência: Copeland Center for Wellness & Recovery.
WRAP® em Minnesota e Vermont demonstraram
“The Way WRAP Works”. EUA. 2014.
maior esperança, maior consciência a respeito dos
desencadeantes de seus sintomas, sistemas de apoio
social fortalecidos e uma aumento na capacidade de
assumir a responsabilidade por seu próprio bem-estar
(Cook, Copeland, & Corey, et al. 2010).

Novas Abordagens em Saúde Mental 115


SAIBA MAIS SOBRE O CENAT

• Site _____________________________ https://www.cenatcursos.com.br/

• Eventos _________________________ https://www.sympla.com.br/cenat

• Artigos e Notícias __________________ https://blog.cenatcursos.com.br/

• Facebook __________________ https://www.facebook.com/cenatcursos/

• Youtube
https://www.youtube.com/channel/UCWxHnmzMVCUJIzTzm0aitMg

Você também pode gostar