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ANOTACÕES DE LEITURA

EDINGER, Edward. ANATOMIA DA PSIQUE. O Simbolismo Alquímico na


Psicoterapia.
São Paulo: Cultrix, 2017
Nery Reiner

Prefácio

A descoberta junguiana da realidade da psique mostra um caminho para nova


abordagem do material tradicional. A alquimia, a astrologia e a filosofia pré-
socrática, podem ser compreendidos hoje, como a fenomenologia da psique
objetiva.
A obra Anatomia da Psique de Edinger, procura elucidar determinados modos
ou categorias experimentais do processo de individuação, manifestos no
simbolismo alquímico. Os dados usados para amplificação, servem para ilustrar
padrões e regularidades da psique objetiva, isto é, imagens arquetípicas de
transformação. O autor apresenta uma organização de fatos psíquicos cuja base
é o método de Jung.
Esses fatos formam uma anatomia da psique e também uma embriologia,
porque lidamos com um processo de desenvolvimento e transformação. As
imagens alquímicas são muito importantes porque nos fornecem uma base
objetiva para abordagens de sonhos e de outros materiais inconscientes.

I. Introdução

O processo de psicoterapia traz à tona acontecimentos misteriosas e abissais.


O paciente e o terapeuta podem facilmente perder o sentido de direção. Um
velho ditado diz: “ Dissolve a matéria em sua própria água”. É o que fazemos
quando tentamos compreender o processo da psicoterapia em termos de
alquimia. Jung afirmou que o simbolismo alquímico é, em parte, um produto da
psique inconsciente. Essa teia de imagens é de fato “a própria água da psique”,
disse Jung. No final de Mysterium Coniunctionis, Jung apresenta um significado
da alquimia: “...todo o processo alquímico ... pode muito bem representar o processo de
individuação”.1 Portanto, as imagens alquímicas descrevem o processo profundo
de psicoterapia que é idêntico ao que Jung chama de individuação.
Psicoterapia, etimologicamente, vem da palavra grega therapeuein significa
curar. Antigamente, significava serviço aos deuses. Por isso, a cura se dava num
contexto sagrado. Os terapeutas professavam uma arte medicinal mais eficaz
porque, não curavam só o corpo, como os outros médicos, mas também a alma
que se encontrava sob o jugo de moléstias quase incuráveis, provocadas pelos
prazeres e apetites, temores e sofrimentos, pelas paixões e vícios. Por isso,
Psicoterapia significa serviços à psique.
A alquimia é muito valiosa para a Psicoterapia porque suas imagens concretizam
as experiências de transformação pelas quais passam o ser humano durante as
sessões de Psicoterapia.
Para o alquimista, o superior e o inferior, assim como o interior e o exterior
estavam ligados por vínculos e identidades ocultos. Os versos alquímicos dizem:

“Céu em cima
Céu embaixo
Estrelas em cima
Estrelas embaixo
Tudo o que está em cima
Também está embaixo
Percebe-o
E rejubila-te”.2
Os planetas no céu correspondem aos metais na terra:
Sol = Ouro
Lua = Prata
Mercúrio = Mercúrio
Vênus = Cobre
Marte = Ferro
Júpiter = Estanho

1 JUNG, C. Psychology and Alchemy, pgs 345 ss.


2 JUNG, C. The Practice of Psychotherapy. CW 16, pg. 384.
Saturno = Chumbo
À medida que os planetas giram ao redor da Terra, derramam nela seus metais.
Em termos psicológicos podemos entender essa imagem como uma referência
aos componentes arquetípicos do ego. Os elementos empregados na
construção do ego são qualidades divinas roubadas aos deuses ou produtos do
desmembramentos de uma divindade -- representantes terrenos de princípios
transpessoais.

A OPUS3

A imagem central da alquimia é a ideia da opus. O alquimista, na antiguidade,


sentia-se comprometido com um trabalho sagrado: a busca do valor supremo e
essencial.
Todos os que seguirem essa arte precisam ter uma alma paciente, laboriosa e
corajosa. Como a opus é considerada um trabalho sagrado, requer uma atitude
religiosa. Há uma necessidade de uma cuidadosa consciência de nível
transpessoal da psique, isto é, devemos estar orientados para o Si-mesmo e não
para o ego. Todos os que pretendem encontrar a Pedra Filosofal, devem
começar com um fragmento seu. Nos textos antigos sobre a Alquimia, fica claro
que o ser humano tem que ter o dom que lhe é dado por Deus. Não basta só
querer.
A opus requer um trabalho individual e solitário. Pelo seu caráter secreto, o
segredo alquímico tinha sua divulgação proibida, como os segredos Eleusinos,
porque um segredo que pode ser revelado não é segredo. A opus alquímica era
considerada como um processo iniciado pela natureza, mas que precisa da arte
e do esforço consciente de um ser humano para ser efetuada. A natureza oferece
a matéria à Arte. A Arte, por sua vez, oferece à natureza os instrumentos e
métodos apropriados para que a natureza produza novas formas. A Pedra
Filosofal só pode ser levada à sua forma própria através da Arte. A forma é, por
outro lado, da natureza. É verdade que os textos alquímicos são difíceis,
complexos, confusos e até mesmo caóticos, mas o esquema básico da opus é
simples. É o seguinte: o objetivo é criar uma substância transcendente e

3 Opus (latim) = trabalho. Plural = Ópera.


miraculosa, simbolizada pela Pedra Filosofal, como o Elixir da Vida ou um
remédio universal. Como descobri-los?
Primeiro: descobrir a chamada prima matéria.
Segundo: submetê-la a uma série de operações que a transformarão na Pedra
Filosofal.

A PRIMA MATÉRIA

O termo prima matéria remonta aos filósofos pré-socráticos. Esses filósofos


antigos estavam presos a uma imagem arquetípica segundo a qual, o mundo
teria sido gerado de uma matéria única original chamada primeira matéria. Tales
dizia que era a água. Anaximandro a chamava de apeiron. Anaxímenes dava-
lhe o nome de ar. Heráclito a chamava de fogo. Na realidade, o mundo é uma
multiplicidade. Dessa maneira, essa ideia deve ser uma projeção psíquica.
Imaginavam os filósofos antigos que a primeira matéria havia passado por um
processo de diferenciação, por meio da qual fora decomposta em quatro
elementos: terra, ar, água e fogo. Pensavam esses filósofos que esses quatro
elementos se combinaram em diferentes proporções para formarem todos os
objetos físicos do mundo.
A prima matéria teria uma estrutura quádrupla, uma cruz que representa os
quatro elementos, dois grupos contrários.

TERRA

FOGO ÀGUA

AR
Psicologicamente, esta imagem corresponde à criação do ego a partir do
inconsciente indiferenciado através de um processo de discriminação das quatro
funções:

Pensamento
Sentimento
Sensação
Intuição

Para Aristóteles, a prima matéria ficaria entre a distinção de matéria e forma. A


prima matéria é o nome desse poder indeterminado da mudança. O problema da
descoberta da prima matéria corresponde ao problema da descoberta da
psicoterapia:

1. Ela é ubíqua. Está em toda parte do cotidiano. O material psicoterapêutico


também está em toda parte.
2. A prima matéria tem uma aparência exterior desagradável. Por isso é
desprezada, rejeitada, atirada ao lixo. Psicologicamente a prima matéria está na
sombra, parte da personalidade considerada desprezível. Os aspectos mais
dolorosos de nós mesmos precisam ser trabalhados, trazidos à luz.
3. Multiplicidade. Tem tantos nomes quantas são as coisas, mas é, ao
mesmo tempo, uma.
A psicoterapia torna a pessoa consciente de sua condição fragmentada,
desconectada. Aos poucos esses fragmentos vão sendo identificados como
partes de um todo. Ex: Os dedos (fragmentos) fazem parte de um todo (a mão).
4. A prima matéria é indiferenciada, sem fronteiras, limites ou forma definida.
Isso corresponde a uma experiência do inconsciente, que expõe o ego ao infinito,
o apeiron. É como o caos que precedeu a operação do Logos criador do mundo.
Trata-se do medo da falta de fronteiras, que leva a pessoa a contentar-se com
os limites do ego que tem, em vez de arriscar-se a cair no infinito ao tentar
ampliá-las.

AS OPERAÇÕES
Para organizar o caos da alquimia é preciso concentrar a atenção nas principais
operações alquímicas. Descoberta a prima matéria, devemos submetê-la a uma
série de procedimentos alquímicos a fim de transformá-la na Pedra Filosofal.
Todo o conjunto de imagens alquímicas pode ser organizado, em torno dessas
operações. Muitas imagens mitológicas, religiosas e folclóricas giram em torno
delas, já que vêm da mesma fonte: a psique arquetípica. O autor considera sete
operações como as principais componentes da transformação alquímica:

1. Cacinatio .................Fogo
2. Solutio ....................Água
3. Coagulatio ..............Terra
4. Sublimatio .............. Ar
5. Mortificatio
6. Separatio
7. Coniunctio

Cada uma dessas operações é o centro de um elaborado sistema de símbolos.


Esses símbolos de transformação compõem o principal conteúdo de todos os
produtos culturais. Eles fornecem as categorias básicas para a compreensão da
vida da psique, ilustrando toda a gama de experiências que constituem a
individuação.

FIM

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