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A Matéria Prima para a realização da Opus Magnum (Texto 3)

Psicologia e Alquimia - Por Anderson Vilhena Santoro Mariano

Já vimos nos posts anteriores que o procedimento da Opus Magnum é recolher a matéria prima e
submetê-la às etapas alquímicas, e forma que as transformações resultem na Pedra Filosofal.
Traçando um paralelo com a psicoterapia, podemos dizer que o trabalho de análise visa o Self
(equivalente à Pedra Filosofal) através do caminho de autoconhecimento. Jung dizia que mais
importante que atingir o Self, é o caminho – a Opus.
Os alquimistas encontravam a matéria prima para as suas operações na natureza. Para Jung,
nossa matéria prima é o inconsciente e tudo o que está nos fatos vividos no cotidiano – pequenos
fatos que parecem não ter importância nenhuma se transforma em um espaço onde novas
compreensões desabrocham. Por isso, devemos estar abertos ao encontro da matéria a ser
transmutada todos os dias.
Muitas vezes os alquimistas encontravam a matéria prima no lixo, no esterco, naquilo que
ninguém valorizava. Para nós, podemos dizer que a matéria prima se encontra,
predominantemente, em nossa sombra. Por isso, nosso tesouro está no escuro, e precisamos
enfrentar esse escuro para chegar ao que é mais valioso. Essa joia pode se chamar criatividade, e
em um primeiro momento podemos senti-la de forma caótica. É aquele sentimento de angústia e
desorientação, de quebrar os velhos padrões para que o novo surja… justamente dentro desse
caos está a possibilidade da transmutação.
Também podemos encontrar a matéria prima nos sonhos, pois eles nos apontam caminhos e
revelam muito do nosso ser, e em nosso corpo, como um lugar de transformações por natureza –
tudo o que vivemos e sentimos passa, necessariamente, pelo nosso corpo.
O alquimista trabalha na matéria porque supõe que ela está viva e seu trabalho é resgatar seu
espírito. Moramos em um corpo, mas muitas vezes não o habitamos. Só temos consciência do
nosso copo quando adoecemos. Precisamos habitar nosso corpo, ele é fonte de sabedoria Somos
unidade indissociável corpo/mente, mas o homem ocidental moderno está dissociado…
Para resgatar essa unidade vivenciada, precisamos realizar um trabalho de compreensão
simbólica sobre como estamos vivendo, de que forma estamos nos relacionando com nosso
corpo, com nossos sentimentos. Eu ouço o que diz meu corpo? Eu levo em consideração os meus
sentimentos? Eu dou espaço para a intuição? Ou sigo um roteiro pré-definido e conhecido para
atingir meus objetivos? Meus objetivos são meus, ou impostos por um roteiro social?
A compreensão simbólica envolve a compreensão objetiva (dada pela ciência, na forma de
teorias) e a compreensão subjetiva (a riqueza do nosso mundo interno, que é sempre singular,
único).

Para finalizar, deixo um exercício que facilita a realização do trabalho rumo a sua Pedra Filosofal,
de forma integrada (unidade corpo/mente):

Olhe para algo que tenha acontecido, acolha esse fato e descreva-o, buscando o significado dele
para você. Para isso, primeiro, entre em contato com seus sentimentos, com suas sensações. O
que você sente em relação a tal fato? como seu corpo reage? Nomeie esse sentimentos. Em
seguida, procure entendê-los em nível simbólico: o que isso significou? Em que lugar esse
acontecimento entra na sua vida? O que tudo isso diz sobre você?
Experimente fazer esse exercício e sentir que sua consciência vai se expandindo na medida em
que você acolhe de forma autêntica o que vivencia, e imprime nisso suas próprias digitais. Seu
caminho é único!
Os alquimistas realizavam seu trabalho no vaso alquímico. E nós, onde podemos realizá-lo?
Também temos nosso vaso alquímico? Quais são suas características? Essas serão as questões
apresentadas no próximo post. Até lá!

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O Vaso Alquímico (Texto 4)

Dando continuidade à série de textos sobre Alquimia e Processo de Individuação, falaremos sobre
o vaso alquímico, que era o local onde os alquimistas realizavam o seu trabalho de transmutação
da matéria – sua Opus Magnum.
Podemos relacionar esse vaso a um ambiente adequado para que o trabalho aconteça – e esse
local pode ser o ambiente terapêutico ou nosso próprio ser, dentro de nós mesmos.
Para tanto, algumas características devem ser observadas, a saber:
O vaso alquímico deve estar limpo: significa que temos que silenciar as vozes interiores, parar de
ter opinião sobre tudo, fazer julgamentos o tempo todo. Apenas observe! Olhe sem preconceito,
olhe-se sem preconceito! Tente descobrir o que está acontecendo e retire as projeções que você
coloca no mundo. É preciso que haja um espaço de silêncio interno para que o Self se manifeste.
O Ego já sabe tudo, já rotulou todas as experiências. Por isso, é preciso silêncio interior para nos
colocarmos em nosso centro e abrir espaço para o Self. Uma dica para silenciar essas vozes
internas é o trabalho corporal, como relaxamento, por exemplo.
A segunda característica a ser ressaltada: os alquimistas mantinham o vaso bem vedado.
Trazendo para a nossa situação, significa: não banalize o que você constrói em contexto
terapêutico. Em outras palavras: a compreensão que é construída na relação terapêutica, os
insights, tudo o que se nomeia em contato com os próprios sentimentos e intenções só pode ser
acompanhado por você mesmo, no passo a passo. O outro não sabe o trabalho que isso tudo dá e
muitas vezes pode descaracterizar os seus esforços, a partir de um olhar julgador, ou até
“contaminar” esse processo com projeções que não dizem respeito a você. Por isso, procure
evitar compartilhar esse processo que acontece em seu vaso alquímico (seu próprio interior),
antes de ter fechado um ciclo de compreensão. Essa é, também, uma forma de você mesmo
assumir a responsabilidade por esse trabalho interno – ninguém saberá, melhor que você, sobre
você mesmo. É um jeito de não deixar a energia do processo escapar e se dirigir para outros
focos.
Por fim, para os alquimistas, dentro do vaso, o processo acontece em três fases: Nigredo, Rubedo
e Albedo. A primeira fase (Nigredo) tem a cor negra, e significa o problema, tudo está escuro,
difícil. É a fase inicial das transformações. Em seguida, temo Albedo (branco), onde as coisas
começam a clarear, como se fosse a aurora. Aqui, a pessoa já está entrando em contato com
suas questões mais internas e trabalhando nelas. E finalizando, temos a Rubedo (vermelho),
quando atingimos o Self, quando há a transformação daquilo que foi trabalhado, de forma
autêntica – o que nos aproxima um pouco mais do Self.
Nas imagens alquímicas, muitas vezes essas cores estarão presentes, representando esse
processo de mudança da matéria e do seu próprio interior. Porém, a vida não acontece de forma
linear. Ela é mais zigue-zague do que reta ascendente. Através dessa ideia, podemos ir refinando
a percepção e ampliando a consciência. A esse movimento constante os alquimistas davam o
nome de Circulatio.
Na Circulatio, a matéria prima é submetida várias vezes a esse procedimento, iniciando e
fechando vários ciclos, como se estivesse sendo lapidada.
Uma imagem para representar esse processo é o diamente. Ele deriva do carvão, que é
submetido ao interior da terra e passa por muitas pressões por milhares de anos. O diamante é
retirado da terra em sua forma bruta e precisa se polido, lapidado – todo trabalho de elaboração
de conteúdos prórprios, que pertencem a cada um. O homem tem essa mesma natureza do
diamante – é necessário ser polido! E esse é um trabalho muito rico, fundamental – cada passo
que se dá nesse caminho, acrescente algo em seu viver.
A seguir, apresento uma sequência de imagens que ilustram o que foi dito até o momento:

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A primeira figura refere-se ao vaso alquímico no qual o alquimista, ao
mesmo tempo que trabalha para transformar a matéria prima, é transformado também. Podemos
relacionar ao processo terapêutico, no qual paciente e terapeuta são transformados a partir desse
encontro.

A imagem do vaso alquímico em forma de fonte, e a


representação do processo de Circulatio – a água cai, evapora, e cai novamente. Outros símbolos
aparecem: quatro pontos, o sol e a lua. Mas desses, falaremos mais para frente. Percebemos, por
esse imagem, que o processo é um trabalho contínuo da psique.

Na terceira imagem, temos a representação de Mercúrio, deus do


panteão romano e que quimicamente, é um elemento que não é sólido, mas também não é
líquido – representa um estado intermediário, que corresponde ao inconsciente. Mercúrio (ou
Hermes, como é conhecido na mitologia grega), é o mensageiro entre os deuses e os homens.

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Portanto, ele transita entre esses dois mundos, e nesta imagem, ele aparece fazendo o sinal de
silêncio com uma mão, enquanto segura um candelabro com a outra. Isso significa que para a
consciência se iluminar é preciso silenciar.

E a última imagem traz os quatro elementos e as


quatro funções psíquicas, como consequência do processo alquímico. Mas falaremos disso nos
próximos posts. Até lá!

A matriz de todo processo (Texto 5)


Psicologia e Alquimia
Por Anderson Vilhena Santoro Mariano
Nos posts anteriores traçamos a relação entre a Alquimia e o processo psicoterapêutico (clique
aqui para ler o post), apresentamos as características da Opus Magnum (clique aqui), a matéria
prima (clique aqui) e falamos sobre o vaso alquímico (clique aqui), local onde os alquimistas
realizavam a transmutação da matéria, que relacionamos ao ambiente terapêutico ou ao nosso
próprio ser.
Dando continuidade a esta série, gostaria de falar um pouco sobre uma questão muito
importante: o homem está muito afastado da natureza e dos próprios instintos, e por isso Jung
percebeu a relevância da Alquimia para recuperar esse contato. Para a Alquimia, a natureza é a
matriz da Opus Magnum, é o princípio feminino. Esse princípio, para Jung, corresponde ao
incosciente coletivo, onde brota a nossa cosciência.
Ao percorrermos a História da Filosofia, muito facilmente podemos encontrar a oposição entre
matéria e espírito. Mas como podemos explicar a morte sem explicação de bebes saudáveis, ou o
fato de um membro do casal morrer e logo em seguida o outro também morre? Para Jung, esses
fatos acontecem porque não há separação entre matéria e espírito, o que existe é uma falta de
conexão com a matriz, e isso resulta em uma falha psíquica.
A matriz é um princípio arquetípico que gera, nutre, acolhe e coloca o homem em contato com a
força do viver. Esse arquétipo é muito antigo e todos os seres vivos participam dele.
Jung chama nossa atenção para esse esquecimento: o homem moderno se afastou dessa matriz,
cindiu a relação entre a matéria e o espírito, relegou o corpo à segundo plano. Não estamos
falando do corpo perfeito que é buscado nas academias e através de fórmulas mágicas, tão em
pauta em nossa sociedade. Estamos falando do corpo que é nossa morada, o corpo que
habitamos e que é marcado por nossas escolhas. O corpo que é natureza, e a natureza é a mãe
de todas as coisas, e a alma do universo.
Jung nos diz que tanto a matéria, quanto o espírito, não podem ser comprovados pela ciência… a
matéria ainda é um mistério! O homem da antiguidade sabia disso e não se incomodava. A
matéria/corpo tinha uma conotação sagrada. Mas o homem moderno quer dominar o mistério e
definir a matéria a partir de explicações objetivas e comprovadas cientificamente. Acaba-se com
o mistério. Cisão entre matéria e mistério.
Contudo, o homem precisa desses dois âmbitos – o conhecido e o mistério a ser conhecido – e
poder equilibrar-se entre eles é o que torna a vida interessante. Mas a modernidade cindiu essa

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dupla e propôs explicações razoáveis para tudo. No consultório psicológico, muitas questões que
os pacientes trazem são decorrentes dessa cisão, e o que eles buscam é a responsta pronta,
organizadasm, afinal… tudo tem uma explicação!
Mas sabemos que não é bem assim, que nem tudo tem uma explicação. E ficar com essa ideia é
bem angustiante. Então, baseada no pensamento de Jung, proponho um caminho possível: uma
reaproximação com a natureza, com a nossa matriz. E a matriz se apresenta em nossos sonhos e
fantasias com uma veracidade que deve ser considerada. Precisamos fazer como os alquimistas e
transformar o conteúdo de nossa psique, a partir dos processos clínicos, em uma compreensão
mais ampla acerca de nós mesmos. Isso promove a aproximação de quem somos, ultrapassa a
cisão matéria/espírito, amplia qualquer tentativa de explicação teórica, pois abre novas
possibilidades de sentido.
É preciso acreditar que as respostas estão dentro de si mesmo, caso contrário, não compensaria
o gasto de energia buscando a cura. Infelizmente, muitas pessoas perderam essa confiança…
Vejam que interessante a figura abaixo, de M. Maier. Nela temos uma figura feminina, toda
formosa e confiante, representando a natureza e logo atrás a figura de um alquimista debilitado,
que usa uma bengala e uma lanterna e segue a natureza, que lhe abre caminhos.

Nessa figura podemos encontrar o caminho proposto acima: um contato maior com a nossa
natureza, um diálogo mais íntimo e verdadeiro com essa força que habita dentro de nós!
De que forma? Eis algumas dicas:
Conversar com um antepassado, rezar e pedir inspiração para a natureza, ouvir uma música que
lhe toque profundamente, fazer a leitura de uma poesia ou um romance, folhear um livro de arte
para apenas ver suas imagens. Estar presente, no aqui e agora, pois no cotidiano está incluído
um poder imenso de sacralidade.
Vamos nos aproximar dessa potência criativa, abrir espaço para novos sentidos, descobrir nossos
recursos de transformação e construir um caminho mais autêntico, que represente nosso viver
muito mais do que teorias prontas. Que essa natureza criativa seja nosso guia!

A Matriz (Texto 6)
Psicologia e Alquimia
Por Anderson Vilhena Santoro Mariano
Vamos continuar essa série de textos sobre alquimia e processo de individuação. Estamos em
nosso quinto texto. Quem não leu os anteriores, os links estão abaixo:
O Caminho da Individuação e Alquimia
As características da Opus Magnum
A matéria-prima para realização da Opus Magnum
O vaso alquímico
Iremos agora falar sobre o que os alquimistas consideravam a matriz de seu trabalho e fazer a
correlação dessa ideia com a Psicologia Analítica.

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A matriz do trabalho alquímico é justamente a natureza, enquanto um princípio feminino. Jung
nos diz que o homem se afastou da natureza e dos próprios instintos ao longo do tempo, e por
isso é tão importante e urgente recuperar esse contato.E na Psicologia Analítica podemos
relacionar a natureza ao inconsciente coletivo, que é o âmbito em que brota nossa consciência.
Na história da Filosofia Ocidental a oposição entre matéria e espírito se faz presente de forma
marcante, fato que favorece esse distanciamento da matriz, a qual é vista como um princípio
arquetípico que gera, nutre, acolhe e coloca a pessoa em contato com a força do viver.
Esse arquétipo é antiquíssimo e todos os seres vivos participam dessa matriz.
Segundo Jung, quando falta conexão com a matriz arquetípica, ocorre uma falha psíquica. Como
exemplo podemos citar pessoas que são vítimas de severas depressões, e chegam a morrer.
Abaixo, uma imagem da representação do cosmo por um alquimista famoso, Robert Fludd. Nessa
representação temos os círculos externos que remetem ao céu – o mundo celestial, do espírito.
Ao centro, temos o macaco representando nosso lado instintivo e ligando esses dois âmbitos, a
figura feminina que simboliza a natureza, a mãe de todas as coisas e a alma do universo.

A seguir, vejam esse documento alquímico, repleto de símbolos que buscam compreender a
complexidade do universo – e poderíamos dizer, a complexidade de nosso incosciente! No topo, o
corpo de uma mulher, Sophia, Sabedoria. Para Jung, tanto a matéria quanto o espírito não
podem ser comprovados pela ciência. A matéria ainda é um mistério. O homem da antiguidade
sabia disso e não se incomodava, pois atribuia a essa vivência contornos sagrados. Porém, como
já foi dito, o homem moderno perdeu essa conexão, mas o mistério continua. Percebemos que o
homem tem sede dos dois lados: ele quer entender a objetividade, mas também precisa do
mistério, e o desafio é equilibrar esses dois aspectos. Muitas questões que as pessoas levam para
o consultório são decorrentes dessa cisão.

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Na próxima imagem, vemos a representação da natureza linda, formosa, caminhando com
firmeza, ainda que de forma delicada, e o alquimista a seguindo, caquético, de bengala. “Deixe
que a natureza seja seu guia”. Precisamos de uma atitude de colaboração, amizade e
reconhecimento de ambas as partes.
Transpondo isso para o contexto terapêutico, podemos pensar em nossos sonhos, naquilo que
almejamos. Quando eles brotam de um desejo verdadeiro, precisamos nos deixar guiar por essa
natureza (conexão com o sagrado) e assim como os alquimistas, transformar o que surge na
psique, a partir dos processos terapêuticos: pela palavra, pela arte, através de relaxamentos.
Fazer com que o inconsciente relaxe e apareça uma nova compreensão. Esses processos nos
ajudam na construção de sentidos para o que vivemos. Devemos acreditar que as respostas
estão dentro de nós, caso contrário nada adianta o gasto de energia na busca de uma “cura”.
Infelizmente, muitas pessoas perderam essa confiança e não acreditam mais. Temos que nos
propor, então a natureza se propõe também. Esse é um diálogo que precisa ser mantido.

A imagem a seguir, temos um detalhe do pórtico principal da Catedral de Notre Dame, em Paris.
Podemos observar a imagem de uma pessoa que tem a cabeça no céu (contato com as ideias
superiores) e os pés plantados no chão (aspecto da realidade mais concreta), fazendo a conexão
entre céu e terra. A escada se apresenta como a ordem a ser seguida. O livro, a busca pelo
conhecimento, tão almejado. O cedro simboliza o saber real, e é símbolo de poder.
Podemos fazer algumas reflexões sobre essa imagem tão simbólica: todo conhecimento nos
confere poder e deve ser bem usado. Os alquimistas alertavam que as trasnformações não
acontecima apenas nos processos externos, mas que deveriam ter uma correspondência com os
processos internos, para que houvesse um desenvolvimento, acima de tudo, ético.

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E para finalizar o texto, a última imagem na qual podemos ver o alquimista mediando a natureza
(anjo) e a tecnologia (o forno dentro da construção).

Sabemos que o homem passa por dois nascimentos: o biológico e o nascimento da consciência.
Fazer com que a luz da consciência brilhe, se expanda e seja usada de forma positiva é a Opus
Magnum de uma vida. Recebemos potências psíquicas da natureza (arquétipos), mas o que
fazemos com isso?
Perdemos a confiança nas nossas percepções, na nossa intuição. Tudo tem que ser encaixado e
categorizado. Temos um script social a ser seguido e quanto mais buscamos andar nesse trilho,
mais distantes estamos da nossa essência.
Como construir essa ponte entre o visível e o invisível? Pois precisamos dos dois, em um
equilíbrio perfeito…
Algumas dicas, apenas… há tantos caminhos quanto sua imaginação permitir!
Converse com alguém mais velho, pergunte sobre coisas da vida e escute sua sabedoria;
Peça inspiração para natureza, se conecte com ela, aprecie um lindo pôr do sol ou apenas veja as
folhas de uma árvore dançando ao vento;
Dance ao vento, ouça música que te toque a alma profundamente;
Leia poesia;
Passeie por um livro de Arte e visite museus;
Brinque com seu bichinho de estimação;
Faça a comida que você mais gosta e compartilhe com alguém querido;
Resgate rituais, eles tem o poder de acessar nossa força interior;
Conviva mais com o outro, estamos carentes de reuniões de alma;
E por fim, perceba a beleza no cotidiano, pois nele está incluído um poder imenso de sacralidade
que não nos damos conta!
Quando esquecemos de todas essas coisas, a vida vai ficando vazia.

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Os alquimistas queriam fazer justamente essa reconexão: transformar a matéria simples
(cotidiano) em ouro, desde que se veja o ouro presente nessa matéria simples!
Para você pensar:
Nós somos seres criativos, por natureza. E o que fazemos com essa potência que temos?
A criatividade que existe em nós busca sempre um caminho de expressão. De que forma estamos
dispostos a abrir esse caminho?

Separatio – Separar para integrar (Texto 7)


Psicologia e Alquimia
Por Anderson Vilhena Santoro Mariano
No post anterior, falamos sobre a matriz, que está relacionada ao feminino, à natureza, ao
inconsciente como essa força e geradora de vida, que temos acesso em nós, se lembrarmos de
buscar essa fonte, de nos conectarmos com ela. Hoje vamos ver uma das operações alquímicas, a
“separatio” – que quer dizer separação: é o principio masculino, o princípio do logos, do
discernimento, da discriminação
Pensando na teoria junguiana, a matriz é como se fosse um mar de forças latentes, que nada
mais é do que o incosciente coletivo. Quando nascemos, estamos mergulhados nesse mar
indiferenciado de energias, e aos poucos vamos nos diferenciando. É como se do meio desse mar
fosse surgindo uma ilha. Essa ilha é a cosciência, e o centro da ilha corresponde ao Ego.
O Ego é o princípio ativo que vai promover a diferenciação do mar original de energias. O Ego
pode ser visto como o herói que mata o dragão, que salva a donzela e enfrenta os monstros.
E o que significa tudo isso?
Nascemos imersos na matriz – que nos oferece energia, força, vida… é a mãe. Mas não podemos
ficar no colo da mãe, simplesmente. Temos que nos diferenciar e é o Ego que faz isso.
A primeira diferenciação que fazemos é dividir o mundo em dois: sujeito/objeto, dentro/fora,
bem/mal, Ego/não Ego. Polarizar é uma tarefa bem complexa.
Depois de diferenciarmos os opostos, nos identificamos com um dos polos, e o outro vai para o
incosciente.
É um ato de amadurecimento suportar todos os opostos, pois eles são as duas faces da mesma
moeda. Mas esse amadurecimento vem com o tempo, com as experiências, com nossa abertura
para o aprendizado.
Vamos observar a primeira figura:

Vemos o alquimista cortando o ovo filosáfico. O ovo é também uma imagem, um símbolo do
início, além da forma arredondada, que também é simbolica. Portanto, cortar o ovo é cortar a
unidade primordial. Antes da divisão, não há angústias, tudo é uma coisa só. Mas quando se
divide, surgem as angústias, porque nesse momento temos que nos posicionar entre os dois
polos. Por isso que essa diferenciação não é uma tarefa fácil. Viver na inconsciência original é
como aquela pessoa que não para para pensar, ela se identifica com uma leitura da realidade e
não questiona se existe outras possibilidades.ela segue a vida pela receita, pela consciência de
sua época. É uma pessoa que não cresce, não amadurece. Segue o fluxo, apenas. Ela não cortou
o ovo. O primeiro passo é separar-se dessa situação de indiferenciação. A consciência surge da
diferenciação entre os opostos.
A segunda figura apresenta o mito de criação do Egito:

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Marie Luise von Franz nos diz que
qualquer mito de criação se inicia com a separação: o céu da terra, dividir os animais, a noite do
dia. Para criar um ambiente organizado, para passar do caos ao cosmo, é necessário separar,
diferenciar as coisas. Não dá para viver em um mundo sem orientação. Essa é a primeira
operação. Na figura temos Nut (Céu) e Geb (Terra), o feminino e o masculino. Não cabe contar o
mito aqui, mas é importante dizer que ele narra a separação entre céu e terra, assim como a
mitologia grega conta a história da separação de Géia (Terra) e Urano (Céu).
O próximo passo depois da divisão em dois polos, é a divisão em quatro partes. Essa é uma
divisão arquetípica – vejam os quatro elementos (terra, fogo, água e ar). O 4 é uma ordenação
que anuncia o 5, que é o número que representa a totalidade – o quinto elemento, éter, que é a
junção dos quatros elementos.
Precisamos dividir para criarmos identidade, e só depois podermos os juntar novamente, em uma
relação madura, por exemplo, com cosciência do que é meu e o que é do outro. quando o
relacionamento, seja qual for a sua natureza, cria uma relação simbiótica (indiferenciada),
nenhum dos dois crescem. E aqui está a importância da Separatio!
Abaixo, a terceira figura:

O alquimista está fazendo um desenho. Ele busca proporções


harmoniosas, busca fugir dos extremos e chegar no centramento (que no linguagem junguiana
corresponde ao Self). O trabalho alquímico gera a beleza, a harmonia e a ética, que são virtudes
necessárias para um bem viver.
Quando usamos bem nossa energia, nos mantemos em princípio homeostático, onde as coisas
funcionam ordenadamente, tanto na psiquê quanto no corpo. Mas vivemos em uma sociedade
que transforma o ouro em chumbo, que é o contrário do trabalho alquímico – que transforma o
chumbo em ouro.
Devemos nos separar/diferenciar, mas somos seres em relação, eu só sou com o outro. Para
fazer a integração é preciso trabalhar com os opostos, trabalhar com a sombra, com tudo que
não está no consciente. Para integrar é preciso evitar a unilateralidade. E só integrando todos
esses conteúdos é que podemos amadurecer e transformar, ao longo do tempo, através das
experiências, nosso chumbo em ouro.

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Mortificatio – O que deve morrer para dar lugar ao novo (Texto 8)

Jung considerava a Alquimia muito ligada a aspectos psicológicos. Entrando nesse terreno, é
importante dizer que as convicções religiosas de Jung não estão em questão, por isso já pontuei
que o enfoque dado é o psicológico.
No mundo ocidental temos a nítida polaridade entre o bem e o mal, herdada pelas religiões
cristãs. Para Freud, a religião era algo pernicioso e comparada à neurose obsessiva. A ciência era
a última palavra e as pessoas só se apegavam à religião porque eram ainda muito infantis. A
religião consolava o homem imaturo diante de seu desejo infantil de ter uma proteção diante da
imensidão da vida. O ego não dá conta de se defender contra os impulsos obsessivos e cria
rituais para controlar a angústia – o que para Freud equivale aos rituais religiosos.
Mas da mesma forma que esses rituais não “funcionam”, não dão conta da neurose obsessiva, os
rituais religiosos também não dão conta dessa imaturidade. Ainda para Freud, o homem precisa
crescer, amadurecer e perceber o caminho da ciência como resposta.
Para Jung, essa questão assume outro contorno: ele valoriza o sagrado e o localiza em tempos
mais primordiais. O sagrado coloca o homem em contato com o sagrado arquetípico. Isso não é
uma defesa, mas um impulso natural do homem, um impulso à curiosidade, à criatividade, na
direção do Self. O ego busca experiências que o ulrtapassem – experiências numinosas. A única
experiência que ultrapassa o ego é o contato com a energia arquetípica, é a conexão com o Self.
Conectar-se ao Self faz parte do impulso natural do ser humano, e essa conexão pode se dar no
plano religioso, estético, científico.
A partir disso, Jung vai fazer uma análise da religião cristã no Ocidente. A igreja formatou o
mundo dividido em duas partes: o Bem (Cristo) e o Mal (Diabo). Essa divisão radical trouxe
enorme sofrimento para o homem cristão, pois ele é impelido a se identificar com o bem e o mal
deve ser descartado. Em termos junguianos, o equivalente do mal seria a Sombra.
Para Jung, as polaridades não são separadas, e o processo de individuação começa quando a
pessoa percebe o mal que há nela – isso significa recolher as projeções e entrar em contato com
os conteúdos da própria Sombra.
A proposta de Jung em relação ao “Mal/Sombra” é o confronte e não a repressão. E um dos
grandes problemas do homem moderno é não entrar em contato com a Sombra. E sabemos que
toda vez que o consciente reprime algo, surge uma resposta compensatória, para que se
mantenha o equilíbrio da psique. Em um nível coletivo, para Jung, essa resposta diante da
repressão imposta pelo pensamento cristão foi a Alquimia.
A Alquimia, simbolicamente, é a tentativa de trabalhar o mal, dentro do processo alquímico.
A Opus é formada por três fases – nigredo, albedo e rubedo.
Vamos falar da Nigredo nesse momento. É a fase do escuro total. Mas o alquimista não reprime
esse escuro, ele o coloca na obra para que possa transformá-lo. É entrar na noite escura e se
manter lá até que possa ter acesso à luz. Podemos perceber que os polos contrários atuam de
forma complementar, por exemplo: toda doença é um caminho para individuação, pois pode
mobilizar na pessoa uma energia muito grande em busca da vida, da superação.

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O Mal na Idade Média (quando a Alquimia estava nascendo), era identificado com a matéria – “O
mundo material era o mundo do pecado”. Somos todos herdeiros do pecado original de Adçao e
Eva. Mesmo que a pessoa não acreditasse nessa história, os reflexos da mesma impactavam o
seu insconsciente, de forma que todos queriam buscar o paraíso. Nesse sentido, há um desejo de
perfeição que impede a pessoa de aceitar a parte ruim de tudo que vem com o que é bom.
E o trabalho de toda uma vida é justamente a integração dos opostos. Ora, se o mal está na
matéria, nosso corpo é a primeira relação que estabelecemos com a matéria. Portanto, isso
impacta a nossa relação com o corpo – muitas vezes, essa relação com o corpo é incosciente, há
pessoas que não habitam o corpo! E isso implica em questões emocionais, pois a dimensão
biológica do ser humano não está separada da dimensão psicológica – portanto, ter uma relação
distanciada com o nosso corpo, reflete em nossos sentimentos, nossas sensações e percepções.
Para os gregos, o mundo dos sentidos (matéria), “atrsapalhava”. Com o cristianismo, o corpo
(matéria) se transforma em fonte do pecado.
O mal está no corpo, na matéria e no modo de pensar o princípio feminino, pois é a partir do
princípio feminino que o homem se aproxima do mundo pela via do afeto, da intuição e da
imaginação. Afeto, intuição e imaginação foram reprimidos pelo modo de penar ocidental e a
Alquimia vai resgatar justamente essas três dimensões do humano. Portanto, a Alquimia é o
contraponto para se encontrar o equilibrio nesse mundo dicotomizado.
Vamos passar para a análise de algumas imagens:
Nessa figura temos um homem cortado em pedaços, o que significa que temos que temos que
separar as coisas para entendermos melhor o que está acontecendo. É um processo doloroso, de
tomada de cosciência de coisas que antes passavam despercebidas. Na figura, temos um mouro –
o escuro, o diferente. É ele que corta, esquarteja, separa. Ele é o representante da sombra, na
Alquimia. A cabeça que ele segura é dourada, resultado desse processo de iluminação. Essa é
uma imagem importante que representa o resgate de coisas inconscientes.

Na próxima figura temos a morte do rei:

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O rei velho está morrendo e o rei novo está nascendo. É preciso deixar algo morrer para deixar
nascer outra coisa, é um processo difícil, por isso muitas vezes nos agarramos ao velho, ao
conhecido, mas qe não tem mais utilidade. Isso que é velho hoje, já foi apropriado, ma a vida
mudou e requer novas percepções. Esse é o momento que pode surgir o medo de arriscar algo
novo, e isso traz sofrimento, pois não deixamos a libido fluir. O medo de mudar é a falta de
conexão com o Self. O ego se sente abandonado, sem saber o que fazer. Nesse processo,
precisamos enfrentar a morte de algo que já foi bom e que precisa mudar.
A imagem seguinte apresenta a sombra de uma figura humana, com três cores (preto, branco e
vermelho) e um anjo. A sombra é a prima matéria, aquilo que precisa ser trabalhado e passar
pelas três fases da Opus – nigredo, albedo e rubedo. O anjo representa o princípio espiritual da
Alquimia, princípio transformador. É preciso confiar que o anjo virá, na forma de intuição,
inspiração, inconsciente criativo, e ao se manifestar acontece a integração.

A Mortificatio é o afastamento do Self, a noite escura da alma, quando a pessoa não vê saída e
precisa acreditar em algo. Esse algo está dentro dela, e será constelado em uma atitude de
entrega.
Na quarta figura, temos a árvore filosófica. Aqui, temos a tarefa do alquimista que é resgatar o
espírito da natureza. Temos dois alquimistas, um vestido de vermelho e outro de branco, que

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representam as fases rubedo e albedo, respectivamente, e um ajudante, vestido de preto –
nigredo. Esse resgate é um trabalho processual e passa, necessariamente, por todas essas fases.

A quinta figura representa a brincadeira da criança, que é o momento da obra em que você já fez
tudo e o que resta é esperar as coisas acontecerem. É uma fase ligada ao feminino, à natureza
que não pode ser apressada. Todas as coisas amadurecem ao seu tempo – é assim na natureza e
é assim em nós também!

Precisamos saber esperar, descobrir uma espera que pode ser lúdica, leve. Quando sabemos que
esperamos e temos consciência do por que e para que esperamos, vivemos uma espera sábia e
preciosa. A próxima imagem nos mostra a Alquimia como uma mulher, que mantem um pé em
cada forno alquímico. Mediadora entre todos os opostos, a árvore filosófica, é Sophia, noiva dos
filósofos e alquimistas. Novamente aqui podemos observar atributos do feminino: saber esperar,
ouvir seu interior, ter calma e acolher conteúdos inconscientes.

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Na sétima figura, temos abaixo o alquimista, o forno e sua companheira. Energia masculina e
feminina consteladas para obter o equilíbrio – plano egóico. No plano superior se constela a
energia arquetípica. Temos o vaso alquímico, onde as coisas são gestadas e o sol, que representa
a consciência iluminada. E os anjos, são o princípio espiritual.

E para fechar esse post, deixo alguns conselhos dos alquimistas, para lidar com o nigredo, a
Sombra. Lembrando! O processo de individuação começa com o enfrentamento da Sombra.
PACIÊNCIA
Jung diz para termos cuidado com o que abandonamos, pois o que abandonamos se torna
desumano. Podemos exemplificar pontuando a repressão, que é uma forma de não lidar com o
que incomoda. Se eu não acolho um conteúdo, ele é reprimido e vai apodrecendo dentro de mim.
Tudo tem que ser transformado dentro de nós, mas temos que ter paciência, pois esse é um
processo que demora… enquanto não trabalhamos nossos conteúdos reprimidos, ficamos reféns
deles.
AMPLIAR OS PONTOS POSITIVOS PARA LIDAR COM O MAL
É o trabalho oposto. Se ficamos olhando muito para o mal, podemos ser engolidos por ele,
porque o mal é fascinante, simplesmente porque são coisas que temos dentro de nós e
precisamos trabalhar com elas.
Uma forma de trabalhar esse contraponto é através do trabalho corporal – relaxamento, por
exemplo: leva a pessoa para um outro lado, mais sutil, mais criativo. Abre-se uma porta para um
sopro de ar fresco entrar. Não é nada racional, mas a pessoa já fica diferente. Só pela palavra,
falar sobre, falar, falar… muitas vezes não é alcançado o mesmo resultado que pode ser
alcançado com um relaxamento e um trabalho arteterapêutico, por exemplo. Ao ficar só na fala,

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corre-se o risco de reforçar o logos, o discurso racional, e não entrar, de fato, em contato com
aquilo que é importante.
PERCEBER A UNILATERALIDADE
Quando a reação emocional for exacerbada, apontar isso. O mesmo deve acontecer com a
racionalidade. Perceber esse desequilíbrio já é uma possibilidade de mudança.
IDENTIFICAR AS VOZES SABOTADORAS
Os mitos e os contos de fadas falam muito desse aspecto (as irmãs invejosas da Cinderela ou da
Psique, por exemplo). Para crescer, a consciência tem que ver as coisas, tem que enfrentar os
desafios. Por outro lado, existem as vozes sabotadoras: “Ah! Mas isso você não vai conseguir!”
Sempre existe um lado que puxa para trás. Existem as vozes prudentes, que são a nossa
intuição, mas existem as outras que constituem o nosso movimento de autosabotagem. Saber
diferenciar tudo isso é um trabalho imenso! Cada um precisa perceber que está dentro de si a
condição de crescimento, independente das condições favoráveis ou desfavoráveis que o meio
externo pode oferecer. Cabe a cada um aprender a lidar com essas condições da melhor maneira
possível!
E por fim, NÃO DESANIMAR COM OS RETROCESSOS, afinal, nosso caminho não é uma linha
reta, e sim uma jornada cheia de curvas, altos e baixos, desafios que nos ajudam a crescer e
descobrir os caminhos para a nossa transformação interna. É realmente um belo trabalho!

Operações Alquímicas – Coagulatio e a função Sensação


Neste texto, começarei a falar das operações alquímicas traçando uma correspondência com as
funções psicológicas descritas por Jung em sua tipologia. O processo de individuação pode ser
considerado como uma busca pela integração das quatro funções (Sentimento, Pensamento,
Sensação e Intuição), para se chegar ao centro – Self, ou à Pedra Filosofal.
Sabemos que a energia psíquica atua de forma polarizada. Se ela está concentrada em uma
função, a oposta ficará em falta. Para trabalhar esse equilíbrio em um processo arteterapêutico,
propomos atividades que se relacionem inicialmente com a função principal, indo em direção às
funções complementares até chegar na função inferior.
vamos começar falando sobre a função Sensação (relacionada à operação alquímica Coagulatio):
a sensação tem um aspecto instintivo básico. Em nosso desenvolvimento, começamos a entrar
em contato com o mundo através de nossas sensações: tocar, cheirar, ouvir, ver, sentir o gosto…
essa é a maneira de nos conectarmos com a realidade, e depende apenas de nossa energia vital.
O mundo é concreto, é material, objetivo. Como consequência, o ser humano desenvolve a
capacidade de agir de forma prática. O excesso de praticidade pode conduzir alguém a um
materialismo absurdo! Todo mundo conhece pessoas assim, imagino! Já quem não tem a função
sensação bem desenvolvida pode encontrar dificuldade em tomar decisões, em encarnar em uma
ação, está sempre na dúvida.
Os sentidos estão ligados a aspectos simbólicos:
Visão: percepção visual, registro de objetos para que cada um possa se situar no mundo / Ver:
compreender além das aparências – capacidade de ver subjetivamente. “Olha para mim enquanto
estou falando” – a importância do olhar. Os olhos como janelas da alma. O terceiro olho: visão
que transcendeu a dualidade.
Audição: registro de sons e ruídos do mundo – entender e prestar atenção. Falar é escutar a si
mesmo (e essa ideia ganha um destaque fundamental no âmbito psicoterapêutico) / escuta
interna, fala compreensiva que atinge o outro, mas também a si mesmo. “Falar no deserto”: fala
que não é ouvida, não há retorno da escuta do outro. “Falar demais, sem dizer nada”.
Valorizamos muito a palavra, o que nos leva a discussões cada vez mais complexas, pois “é
bonito falar difícil!”. O que percebemos é um vazio nas falas prolixas, na escrita acadêmica…

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precisamos desenvolver a escuta e para isso é necessário abrir espaço para o silêncio, pois nossa
sociedade anda barulhenta, ruidosa. Ninguém ouve nada!
Paladar: encontramos muitos significados simbólicos para o doce, o amargo… enfim, experiências
doces são sempre as mais gostosas! São aqueles momentos em que desfrutamos de algo
desesado, suave, delicado. Já as experiências amargas estão relacionadas a lembranças
dolorosas. E quando “engolimos sapo”! É uma experiência nada agradável, de difícil digestão.
Olfato: é uma sensação muito remota, ligada a uma parte muito primitiva do cérebro. Quando
desconfiamos de algo, costumamos dizer: “Algo não cheira bem!”. “Ter olfato aguçado” –
capacidade de sentir, intuir algo. A intimidade sexual passa pelo cheiro do corpo da outra pessoa.
Tato: ligado à sensibilidade tátil, afeto, carinho, criatividade, habilidade de manusear as coisas
com precisão. Existe o toque de cura e também aqueles que tem o “dedo verde” (pessoas que
sabem cuidar muito bem das plantas).
Podemos perceber que atribuímos muitos significados simbólicos aos nossos sentidos.
E os nossos sentidos, enquanto função sensação, estão ligados à Coagulatio, pois esta consiste
em tornar algo líquido ou gasoso em sólido (matéria, mundo concreto, elemento terra). Aprender
a lidar com a matéria é fundamental. É importante sabermos materializar nossos planos, realizar
nossos sonhos, torná-los sólidos e presentes em nossa vida. Jung usa uma expressão
interessante, nesse sentido, ele diz que o arquétipo quer viver, quer tomar forma no mundo,
precisa coagular!
E como concretizar ações no mundo, de forma equilibrada? Como adaptar nossos sonhos a uma
possibilidade prática, sem perder o sentimento envolvida nisso?
Nossa civilização é super materialista, mas não sabe lidar com a matéria! Percebemos um
desequílibrio absurso! O apego às aparências – do corpo ideal, da vida ideal, a busca em ter cada
vez mais, ter posse das coisas, e nesse movimento, a chance de alguém se ver perdido é muito
grande. Outro ponto importante diz respeito a assumir a responsabilidade pelos próprios atos – o
que muitos não conseguem fazer! A Coagulatio diz sobre agir e ser responsavel por essa ação.
Quando isso não acontece, a pessoa fica sem raiz, não tem uma base sólida para se apoiar, falta
chão, falta terra!
Quando uma pessoa vive só em função de atender suas necessidades materiais ela se torna
embrutecida. Temos que trabalhar com as outras funções (pensamento, sentimento e intuição),
para trazer o equilíbrio na dinâmica existencial dessa pessoa e o acesso mais profundo ao seu
incosciente. Vamos observar algumas imagens sobre essa temática. A primeira é a Venus de
Willendorf.

Essa é uma imagem arquetípica, ligada à terra, à fertilidade (destaque para os seios e quadris),
conexão com os instintos, reprodução e preservação da vida, em um sentido bem concreto. Mas a

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fertilidade não é só biológica, é simbólica também – de que forma utilizamos nossa criatividade
em prol da evolução humana?
A próxima figura é uma escultura do artista Aristide Maillol, La Rivière,contemporâneo de Rodin.

Ele retrata o peso do corpo feminino, que chega a ter características quase masculinas. É uma
figura fort, que se faz presente, necessariamente.
Outras obras de arte que retratam a operação Coagulatio, a função sensação e o elemento terra
são as naturezas mortas.

E na próxima figura, temos uma gravura egípcia que enaltece o ato da agricultura.

Sabemos que a agricultura foi um imenso avanço para a nossa humanidade, que deixou de ser
nômade, para se estabelecer na terra e formar as primeiras grandes civilizações. Cultivar a terra
também pode ser entendido simbolicamente – como cultivamos a nossa própria terra? Como
trabalhamos para realizar os nossos planos, para nossos sonhos desabrocharem?

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A imagem seguinte é de Gustave Courbet, e mostra duas moças, uma mais relaxada, entregue à
terra. Nos faz pensar na importância de abandonar-se a terra, sentir o chão, pisar firme, ter
segurança, e simplesmente se entregar ao ciclo da vida que ela nos oferece.

No quadro a seguir temos As Banhistas, de Jean-Auguste Renoir.

Reparem nas formas arredondadas do feminino, que hoje é execrado em prol de uma estética
totalmente anti-natural. Também temos o peso como característica forte nessa pintura.
Degas era um pintor que retratava cenas do cotidiano. No quadro abaixo, temos uma passadeira
que parece estar totalmente integrada ao seu trabalho, sem sofrimento. Parece estar em paz
consigo mesma, em seu cotidiano. O elemento terra relaciona-se à capacidade de trazer o prazer
nas pequenas coisas, a entrega, a alegria, a presença relaxada.

Enfim, a operação Coagulatio nos convida a entrar na dimensão da matéria e sentir que ela é
animada pelo nosso espírito. Assim, podemos sentir o nossos corpo energético, pois somos luz

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como as estrelas. Não somos matéria opaca, não somos algo morto. É a vivência que temos, em
alguns momentos da vida, que nos faz sentirmos preciosos.
Portanto, Coagulatio se relaciona com concretizar, realizar, tornar algo sólido.

Operações Alquímicas – Solutio e a função Sentimento (texto 10)


Dando continuidade à série de textos sobre a relação entre as operações alquímicas e as funções
psicológicas, propostas por Jung, falaremos agora sobre a Solutio, que corresponde ao elemento
água, função psíquica sentimento e princípio arquetípico é Eros.
Nesse texto, trago um pouco a contribuição do pensamento taoísta (pensamento filosófico
chinês), pois a água é um elemento importante para essa filosofia. Através da observação da
natureza, os chineses criaram um sistema complexo de pensamento e modo de viver de forma
que houvesse harmonia entre homem e natureza, ou seja, os taoístas viviam em harmonia com a
mãe natureza.
A operação Solutio representa dissolução, significa dissolver algo. A água vai amaciar a terra.
Estamos falando sobre transformação da matéria. Pensando simbolicamente, as sensações
(elemento terra) que nos afeta devem ser complementadas pelos sentimentos (elemento água), e
o sentimento é uma função de valoração, ou seja, preciso saber se eu gosto ou não de algo.
Descobrir o que gostamos nem sempre é fácil… mas é fundamental, pois descobrir toda nossa
potencialidade nos possibilita fazer as coisas de uma maneira melhor. A função sentimento sendo
utilizada de forma introvertida esclarece o que estamos sentindo. Portanto, a função sentimento é
um processo psíquico destinado a elaborar nossas emoções, nossos afetos. Nos auxilia a lidar
com nossos próprios sentimentos, e por isso é muito importante desenvolver essa função.
Identificar o sentimento presente, através da auto-observação, é o primeiro passo para
elaborarmos uma situação, para que não fiquemos presos no lugar de vítimas dos próprios
sentimentos.
Podemos perceber que em nossa sociedade os sentimentos são vistos de forma desvalorizada,
pois se enfatiza o aspecto de “sentimentalismo”, o que é importante é ser racional, ser prático e
objetivo, ser sentimental “não pega bem”. Porém, esse é um modo equivocado de entender e
lidar com os sentimentos, pois não entrando em contato com os sentimentos, eles ficam
inconscientes e dessa forma eles atuam enquanto sintomas, sem crivos, sem elaboração.
Somos confrontados, o tempo todo, com questões de valores, que exigem uma postura diante
dessas questões. Tendo noção de como cada situação nos afeta, temos a possibilidade de
elaborar esses afetos e entender quais são os nossos valores. Quanto mais nos conhecemos,
mais harmonicamente vivemos em relação ao nosso meio.
É importante ressaltar que a função sentimento é uma função racional, pois está pautada em
regras próprias que promovem uma avaliação racional do mundo, a partir de seu valores. Não é
instintiva, nem sensitiva e tampouco intelectual. É a razão do coração!
A função sentimento está ligada ao prazer e alegria de viver. Quem é pobre na função
sentimento, não consegue usufruir da alegria de viver, e a felicidade está nas pequenas coisas,
nas descobertas do cotidiano encontramos alegrias que nos alimenta, e nos fortalecem.
O elemento água, ligado á função sentimento, está relacionado ao dar e receber, que é a base do
amor, Eros, da vida. Mas precisamos pensar na dinâmica das águas… o rio pode transbordar ou
secar. O mar pode estar calmo ou se transformar em um tsunami. Assim é com os nossos
sentimentos. Se uma pessoa entra em uma relação simbiótica, ela corre o risco de perder-se –
pode se afogar dentro do outro, e em outras situações, pode perder-se dentro de si mesma.
Por isso, a importância de reconhecer e acolher nossos sentimentos, nomeá-los. Aqui, podemos
perceber a importância de trabalharmos com as outras funções, para trazer equilíbrio quando a
função sentimento estiver muito em desarmonia. Podemos trabalhar a função sensação, pela
operação Coagulatio – força de Ego, centramento, levar a pessoa a enraizar-se em sua própria
vida. E a função intuição, correspondente à operação Sublimatio(falaremos dela em um texto

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mais adiante) auxilia a pessoa a sair do pântano (água estagnada) e subir, ou seja,
simbolicamente ver sua situação de forma mais ampla.
Segundo o Taoísmo, “a água segue o caminho mais fácil, a natureza não gasta energia à toa”. E o
caminho mais fácil nem sempre é o mais curto. A água contorna a pedra. Como trazer essa
flexibilidade para nosso dia a dia?
“Todo rio caminha para o mar”. Esse é o objetivo, e se ele tiver que dar várias voltas para
chegar, ok, mas o rio nunca se desconecta de seu objetivo final. Quantas vezes perdemos
conexão com aquilo que é importante para nós? E a função sentimento nos diz sobre aquilo que é
mais importante para cada um, para não perder tempo com besteira. A função sentimento nos
ajuda a discernir o que é importante em nossa vida.
Outro ponto que o pensamento taoísta nos oferece é o seguinte: “a água preenche todos os
buracos, para continuar seguindo.” Quantas vezes entramos em depressão e acumulamos energia
nesse buraco que nos escondemos, e ficamos parados, estagnados. O importante é entendermos
o que está acontecendo, por que o mundo perdeu a graça? É preciso olhar para dentro, nomear
os sentimentos e ter forças para continuar seguindo.
“Ao fluir, a água beneficia todas as coisas ao seu redor”. Deixar os sentimentos fluírem é trazer
harmonia para nossa vida. E os sentimentos só podem fluir na medida em que os reconhecemos.
Para manter esse fluxo, é importante praticar o desapego em algumas situações. É preciso liberar
para ter fluidez. Apego significa estagnação. Apego a sentimentos, apego a relações, apego a
situações, que já não fazem mais sentido, que precisam ser elaborados, para que se siga em
frente. E também existe o apego a coisas boas, mas que ao fixarmos nessa situação, nos
acomodamos e não abrimos espaço ao novo, ficamos na zona de conforto. Ter a função
sentimento bem trabalhada ajuda a pessoa a passar por todas as situações.
E por fim, outro pensamento taoísta: “você passa, como passam as águas”. Esse pensamento nos
traz a sensação de unicidade, sentimento de compaixão, sentimento que nos une a todos os
outros seres do planeta. Passaremos, agora, para os comentários de algumas imagens, para
ilustrar o que foi dito acima.

Imagem 1 – Taj Mahal, Índia


Exemplo de algo grandioso que se constrói como forma de elaborar uma perda. O imperador
Shah Jahan mandou construir esse monumento acima do túmulo de sua esposa, Aryumand Banu
Begam e assim o Taj Mahal ficou conhecido como a maior prova de amor do mundo.

Imagem 2 – Ariadne dormindo


Através dessa escultura greco-romana, podemos sentir a fluidez (qualidade da água) nas formas
da imagem, na roupa de Ariadne. Estar em paz com seus próprios sentimentos, poder relaxar,
estar nesse estado permite a entrega. Podemos trabalhar a fluidez da água pelo relaxamento das
articulações e relaxamento muscular.

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Imagem 3 – O nascimento de Afrodite
Afrodite está saindo da água e temos novamente a fluidez das roupas, a simplicidade e a beleza
da escultura nos remete a essa sensação de fluidez. A beleza nasce do sentimento, porque
quando encontramos beleza em algo, despertamos amor por esse algo. Beleza e Amor estão
juntos,

Imagem 4 – Papiro egípcio


A imagem mostra o julgamento da pessoa que morreu, para saber se ela vai ou não para o céu.
De um lado da balança temos uma pena e do outro, o coração da pessoa. O coração tem que ser
mais leve que a pena, caso contrário, não pode passar para o outro lado. Aqui já vemos a
importância da elaboração dos sentimentos, para que o coração – sede dos sentimentos – possa
ser leve, tenha leveza e fluidez. não podemos passar de um estágio para outro se não tivermos
elaborado os nossos sentimentos.

Imagem 5 – Quadro do pintor alemão Menzel, século XIX


É um quadro que não tem nada de importante representado, mas conseguimos captar uma
atmosfera de descanso, serenidade, paz, que os sentimentos bem trabalhados produzem essas
atmosferas dentro de nós. Trabalhar os sentimentos significa produzir, com mais frequência,
estados interiores harmoniosos, produzir esse clima de paz e tranquilidade.

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Imagem 6 – Monet, pintor francês, séc XIX
Monet pintou muito bem as águas, a luz refletida nas águas, nos passando a sensação de
serenidade, harmonia que brota, espontaneamente, das águas. Aspecto de harmonia com a
natureza, por isso é tão agradável ver a obra desse pintor.

Imagem 7 – Renoir, pintor francês, séc. XIX


As Banhistas. “Perto de muita água, tudo é feliz” – frase de Guimarães Rosa, em “Grande
sertões, veredas”.

Imagem 8 – Batismo pela água


Quadro simbólico. O batismo é um ritual simbólico que lava os seus pecados e faz você renascer.
É como chegar de um dia de trabalho, e tomar um belo banho revigorante! Purificação,
renascimento. Restauração dos sentimentos, através desse processo de se lavar e fazer a energia
fluir novamente, O batismo é um ritual arquetípico, como mostrará a próxima imagem.

Imagem 9 – Varanasi, cidade sagrada na Índia

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As pessoas se banham no rio todos os dias de manhã, ao nascer do sol. Motivo religioso – ao
banhar-se no rio, estão se livrando de todos os pecados e se purificando.

Imagem 10 – quadro de W. Blake, pintor e escritor


inglês do séc XVIII
Adão e Eva, em um estado de sentimento que não é positivo, pois eles estão em um estado de
indiferenciação, presos em uma redoma. Paixões mal resolvidas, que criam situações negativas.
Sentimentos mal trabalhados impedem que a pessoa veja os perigos a sua volta.

Imagem 11 – Quadro Fovista


Uso da cor e da forma intensa; Na vida real,a paisagem não é essa. mas o pintor não está
pintando como ele vê e sim como ele sente. Muitas vezes, os sentimentos colorem as situações
de uma outra maneira.

Imagem 12 – A cigana, de Henri Manguin

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Não existe uma mulher com essas cores, mas a representação dos sentimentos permite essa
liberdade. A fluidez dos sentimentos!

Imagem 13 – Picasso, autorretrato da fase azul


Fase azul, época em que estava muito deprimido, início da sua carreira. Expressão bem
introspectiva, diferente do futuro Picasso. Os nossos sentimentos vão mudando ao longo da vida.
Nada é estático, tudo pode ser movimento.

Imagem 14 – A passagem do Estige


Rio Estige, da mitologia, leva as almas para o reino dos mortos. No I Ching existe uma frase que
diz o seguinte: “Atravessar a grande água”, que significa: atravessar o inconsciente (grande
água), porque a água é um dos símbolos do inconsciente. Atravessar a água pode ser assustar.
Enfrentar a travessia do inconsciente representa atravessar o desconhecido.

Assim, terminamos a apresentação da operação Solutio, ligada à função sentimento e elemento


água. Como anda as águas em sua vida? você está trabalhando os seus sentimentos, para
manter a fluidez que é sinônimo de saúde?

https://espacocuidar.com.br/blog/psicologia-e-alquimia/

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