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Esta é a quarta parte da série de sete artigos “Alquimia, Individuação e Ourobóros”, que é
melhor compreendida se lida na ordem. Caso queira acompanhar desde o começo, leia
a parte 1, 2 e 3.
Alquimia
No post anterior, vimos que, o arquétipo de Hermes, juntamente com o simbolismo do caduceu,
serve como organizador e centralizador da psique, atuando no “caos primordial”, estruturando-o e
elevando seu potencial. Este caos primordial é análogo ao conceito de prima matéria dos alquimistas.
Ambos os conceitos se apresentam como uma fonte de energia desordenada, cuja harmonização
permite a obtenção de um potencial incalculável.
“Nasce como uma ciência natural que busca a compreensão da própria natureza a partir de uma
especulação filosófica, como se pode ver já na filosofia pré-socrática no século VI a C. É dela que
nasce o conceito de prima matéria a partir da crença de que o mundo tinha origem em uma única
substância que era subdividida nos quatro elementos terra, ar, fogo e água, os quais, segundo
diferentes recomposições faziam surgir todos os objetos físicos existentes no universo. Esta idéia, a
prima matéria, teve sua evolução chegando com Aristóteles a ser considerada como pura
potencialidade, que em seguida adquire forma, quando é atualizada na realidade.” (SANTOS,
2013)
Para Jung (2008), a manipulação da prima matéria, correspondente aos aspectos inconscientes
dissociados. O alquimista tem que realizar a Opus Alquimica, que corresponde ao processo de
individuação, transformando seus conteúdos internos e os trazendo a luz da consciência. Esse
processo acontece através de três (podem ser quatro) momentos alquímicos e psíquicos: nigredo,
albedo, rubedo. Vale a pena frisar que as metáfora alquímicas compreendem um vasto simbolismo,
que varia entre os alquimistas e pesquisadores, porém todos resultam no mesmo objetivo: a obtenção
da pedra filosofal.
“Nigredo, Albedo e Rubedo” de Thomas Norton em ‘Ordinal of Alchemy’, 1477
Dentro destes momentos, pode-se dividir a Opus em diferentes estágios, que variam dentro do
arcabouço alquímico, mas que neste trabalho, será utilizado as definições de Hauck (1999), podendo
ser resumidas em sete estágios de transformação: calcinação, dissolução, separação, conjunção,
fermentação, destilação e coagulação.
espaço.
Essas informações aparecem no sub-capítulo “O Lugar do Som Universal”. Uma frase que pode
exemplificar o amor como via de integração das polaridades é a de Nietzsche: “Aquilo que se faz por
amor está sempre além do bem e do mal”.
Hauck (1999) sincretiza o processo alquímico da conjunção da seguinte forma: “Psicologicamente,
Conjunção é usar a energia sexual dos corpos para transformação pessoal. Conjunção se ocupa no
corpo no nível do coração”
A próxima figura, é uma foto tirada no dia 06/06/2013 no Elevado Presidente Costa e Silva, São
Paulo, conhecido também como “Minhocão”:
“Mais amor por favor” (ygormarotta.com/mais-amor-por-favor)
É possível perceber inúmeras analogias com os temas tratados neste trabalho. A expressão artística
urbana expressando a angústia de uma sociedade doente, cindida. Amor e Ourobóros como
resoluções arquetípicas coletivas. Apesar de toda a fertilidade do tema social em questão, voltemos a
descrição das etapas alquímicas.
Podemos perceber, portanto, que apesar de todo o processo alquímico estar intimamente ligado ao
processo de individuação, a etapa de Conjunção é a que representa o ápice do processo, que é a
integração dos aspectos complementares.
A quinta etapa do processo alquímico descrito por Hauck, observado na imagem é a fermentação. É
a introdução de uma nova perspectiva de vida, resultado da etapa anterior – Conjunção – que é a
ascensão para um novo estado de consciência, a transição para um estado mental elevado. Nesta
etapa, existe a transição da nigredo para a leukosis, resultando no aparecimento da cauda pavonis,
metáfora para imaginação ativa e ‘coloração da vida’, alguns autores definem esse amarelamento
(leukosis) e o aparecimento da “cauda pavonis” como uma quarta etapa, entre o nigredo e albedo,
enquanto outros, definem apenas como um aspecto transitório entre estas duas etapas. Representa
psicologicamente a transição da psique para um estado mais conectado com o espírito, ou na
nomenclatura junguiana, Si-mesmo (Self).
Pavão em tecido
O penúltimo raio é análogo à etapa de destilação, ou destilatio. Neste estágio a metáfora que se
apresenta é o aumento da pureza, associado com a cor branca, ou albedo. Psicologicamente,
representa o esforço para que as impurezas do ego e do id não sejam incorporadas no último estágio.
Representa a eliminação dos sentimentalismos e emoções, ou ainda melhor, das paixões egoístas e
infantis, aspectos que na manifestação do verdadeiro Self, não são pertinentes, uma vez que se
procura um estado pleno de espiritualidade.
Gravura representando a destilação, capa do livro “O Museu Hermético” de Alexander Robb
“Seus pensamentos e sentimentos são os sentimentos e pensamentos do Universo inteiro”, Esta
declaração descreve o processo de destilação, onde [o alquimista] se tornou muito mais interessado
no bem maior do que apenas em seu próprio. É a fase de transformação onde estamos
espiritualmente e emocionalmente maduros o suficiente para fundir-nos com o inconsciente coletivo
sem sermos devastados pelo o que encontramos lá. A razão pela qual nós podemos manter o nosso
equilíbrio, depois de ter chegado à fase de destilação é que o ego não nos controla e, portanto,
podemos apreciar os mistérios do coletivo – e pessoal – material da sombra, sem a intromissão do
ego.
Destilação traz o criativo fora de nós. Ela incentiva tudo o que somos se manifestar em formas
equilibradas e serenamente poderosas. Ele anuncia a entrada da influência das forças superiores e
do equilíbrio dessas forças com os inferiores, que fornecem firmeza, tão crucial para a
totalidade”(SHANDERÁ, 2002).
O sétimo e último estágio é chamado de coagulação, ou coagulatio. Representa a ressurreição do
espírito, materializado no corpo.
“A Coagulatio é uma operação que expressa, pelas suas imagens, o processo de formação do ego e
sua ligação com os aspectos da vida, as forças ctônicas, através da vivência da carnalidade no seu
sentido mais amplo, construindo, pelas experiências, a terra onde se lastreia o ego em seu caminhar
e, logicamente, configurando, por essas mesmas vivências, a relação do eixo Ego-Self” (MASSAN,
2009, 34)
É a representação da pedra filosofal, ou Grande Pedra, antes anunciada pela coniunctio. O alquimista
adentra o estágio de rubedo, e pode “curar-se de todas as feridas e enfermidades” (HAUCK, 1999,
140). Esta etapa é utilização da libido dentro de sua forma plena, integrada com a impulsão da
consciência para os estados mais elevados do vir-a-ser.
A natureza de Buddha
Ainda para o autor, o equivalente terapêutico é fácil de ser percebido, uma vez que o paciente
transcendeu a natureza de seus dilemas e conflitos, e isso envolve uma mudança de personalidade
que vai acomodar e manter essa realização. O paciente percebe que sua vida tem sido uma imposição
que resultou numa série de problemas, e agora inicia um processo de mudança para uma sustentação
mais pertinente a sua verdadeira natureza.
Hauck (1999) define que, ao atingir este estágio, o raio de transformação se volta a terra, e é iniciado
novamente o ciclo previamente proposto, indicando que os estágios e transformações são processos
eternos e constantes, assim como a lapidação do Self, ou o processo de individuação proposto por
Jung, fazendo com que o alquimista volte à etapa de nigredo, e continue seu processo.
“Tudo o que coagula está sujeito a transformar-se. Dai decorre que após a coagulatio, os processos
de putrefactio e mortificatio se realizam também, até porque, o fim da encarnação é o desencarne,
visto que está sujeito às injunções do tempo e do espaço” (MASSAN, 2009, 27).
Percebemos que o processo alquímico é cíclico, e, assim como o processo de individuação, exige um
constante processo de atuação do indivíduo para com seus conteúdos, processo este que Jung define
acontecer por toda a vida.
A mesma metáfora pode ser utilizada para definir o Ourobóros, um processo cíclico e constante, que
representa a integração de opostos e a volta para a unidade. No capítulo seguinte iremos analisar a
figura arquetípica do Ourobóros e avaliar suas correspondências com o processo alquímico e o de
individuação.
Referências Bibliográficas:
HAMILTON, Nigel. The Alchemical Process of Transformation. Disponível
em: http://www.sufismus.ch/assets/files/omega_dream/alchemy_e.pdf. 14/05/2013
HAUCK, Dennis Willian. The Emerald Tablet: Alchemy for Personal Transformation. Arkana.
Ed.Pengun Group. 1999.
MASSAN, Francisco. Opus Alquímica e Psicoterapia. Disponível
em: www.clinicapsique.com/doc/opus.doc. 14/05/2013
RAMOS, Denise Gimenez. A Psique do Coração: Uma Leitura Analítica de seu Simbolismo. São
Paulo. Cultrix. 1990.
SANTOS, Vitor P. Calixto. Jung e a Metáfora Alquímica. Disponível
em http://www.symbolon.com.br/artigos/jungeameta.htm. 14/05/2013
SHANDERÁ, Nanci. The Alchemy in Spiritual Progress – Part 7: Distillation. Disponível
em: http://alchemylab.com/AJ3-1.htm. 14/05/2013