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UNESP - Universidade Estadual Paulista - “Júlio de Mesquita Filho”

Instituto de Artes

Programa de Pós-Graduação em Artes

Mestrado em Artes Visuais

Rodrigo Dorta Marques

Games e Arte: Processos em games alternativos.

SÃO PAULO

2019
UNESP - Universidade Estadual Paulista - “Júlio de Mesquita Filho”-

Instituto de Artes

Programa de Pós-Graduação em Artes

Mestrado em Artes Visuais

Rodrigo Dorta Marques

Games e Arte: Processos em games alternativos.

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais, do Instituto de Artes, Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”,como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Artes Visuais sob a
orientação do Prof. Dr. Milton Terumitsu
Sogabe.

São Paulo

2019
Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da
Unesp

M357 Marques, Rodrigo Dorta, 1992


g Games e arte : processos em games alternativos / Rodrigo Dorta
Marques. - São Paulo, 2019.
124 f. : il. color.

Orientador: Prof. Dr. Milton Terumitsu Sogabe


Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes

1. Jogos eletrônicos - Indústria. 2. Jogos para computador -


Programação. 3. Video games. 4. Arte e tecnologia. I. Sogabe,
Milton Terumitsu. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de
Artes. III. Título.

CDD 794.8

(Laura Mariane de Andrade - CRB 8/8666)


Banca Examinadora:

________________________________

Prof. Dr. Milton Terumitsu Sogabe

Presidente - Orientador

UNESP – Instituto de Artes

________________________________

Profª. Drª. Rosangella Leote

UNESP – Instituto de Artes

________________________________

Prof. Dr. Roger Tavares

UFRN – Departamento de Artes

Data da Defesa:

São Paulo, 25, setembro de 2019


Games e Arte: Processos em games alternativos.
Resumo
Nesta pesquisa de caráter teórico-pratica, procuramos discutir os processos
do desenvolvimento de games, mais especificamente aqueles que existem em
paralelo da grande indústria de games. Para contextualizar sua linguagem
construímos um breve panorama da sua história e suas manifestações no campo da
Arte. Refletimos sobre processos utilizados na produção de games alternativos
através da modificação, subversão e apropriação de ferramentas, valores e
tecnologias dos games comerciais, através de exemplos e reflexões sobre a Game
Art e games independentes. Nossa prática utiliza esses processos e abordagens
para desenvolver uma produção de games experimentais. Foram produzidos 4
jogos, entre 2 projetos individuais e 2 coletivos.

Palavras Chave: Arte-tecnologia, Games, Game Art.


Art and Games: Processes in alternative games.
Abstract
In this theoretical-practical research, we seek to discuss the processes of
game development, more specifically those that exist in parallel to the game industry.
To contextualize its language we build a brief overview of its history and its
manifestations in the field of Art. We reflect on processes used in the production of
alternative games through modification, subversion, and appropriation of commercial
game tools, values and technologies in tandem with examples and reflection on
Game Art and independent games. Our practice uses these processes and
approaches to develop an experimental game production. Four games were made,
between 2 individual and 2 collaborative projects.

Keywords: Art-Technology, Games, Art-Games.


Agradecimentos

Agradeço ao meu orientador, Dr. Milton Terumitsu Sogabe, pela atenção, parceria e
mentoria que foi essencial para a realização deste trabalho. A banca de avaliação e
qualificação, Prof. Drª. Rosangela Leote e Prof Dr. Roger Tavares e para os
suplentes Prof. Drª Julia Stateri e Prof. Dr. Agnus Valente, que partilharam de seu
conhecimento e tempo para me ajudar a construir essa pesquisa.

Também aos membros do grupo de pesquisa, cAt (ciência/Arte/tecnologia), onde fui


muito bem recebido durante esses anos de amizade, trabalho e colaboração com
pessoas incríveis. Agradeço também aos integrantes e tutores dos grupos de
pesquisa GIIP, da UNESP e Realidades da USP, pelo trabalho incansável na
realização de pesquisas e eventos, com quem sempre aprendi muito.

Agradeço a Anita, Tatiane, Miguel e todos os educadores do SESC 24 de maio e


SESC Guarulhos pelas oportunidades de colocar em prática o que aqui pesquisei.
Aos colegas de gamejam pela parceria. Para Fernanda e Eliane do festival FILE pela
a oportunidade. A todos que acreditaram e me ajudaram nesse projeto.

Aos meus pais, minha mãe Maria e meu pai João, que a vida toda me deram
carinho, apoio e compreensão. Pelos conselhos e força do meu irmão, Bruno.

Para a minha companheira Vitória, presente em todas as horas, nas alegrias e nos
momento difíceis, pelo carinho, paciência e compreensão neste período de
concentração.

Para meus amigos pelo carinho e parceria: para Pelaes, companheiro de


apartamento no início dessa caminhada, aos amigos Caio, Felipe, Vagner, Renato.
Para Lucas pelas sinucas e conversas.

E finalmente agradeço a UNESP os servidores, alunos e professores - todos que


trabalham duro todos os dias para manter a universidade pública, gratuita e de
qualidade, muito obrigado!
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Sprite Sheet dos personagens de Super Mario Bros. É o componente gráfico do game.
Fonte: http://www.mariouniverse.com/sprites-nes-smb/ ....................................................................... 24
Figura 2 - Diagrama dos Jogos de Jasper Jull. (2003) ......................................................................... 27
Figura 3 - Exquisite Corpse (Cadáver esquisito), (1927), Max Ernst, André Masson e Max Morise.
Fonte: https://www.artic.edu/artworks/119116/exquisite-corpse?q=corpse.......................................... 31
Figura 4 - Pocket Chess Set (1947) Marcel Duchamp. Fonte:
http://www.artnet.com/magazineus/reviews/davis/davis11-1-05_detail.asp?picnum=6 ....................... 32
Figura 5 - Doom (1993, ID Software) .................................................................................................... 34
Figura 6 – “Ars Doom” (1995) Orhan Kipcak, Reini Urban e Curd Duca. ............................................. 34
Figura 7 - F69 (2004) Suzete Venturelli e Mario Maciel. ...................................................................... 37
Figura 8 - Super Mario Bros. (1985, Nintendo). Fonte: https://www.nintendo.pt/Jogos/NES/Super-
Mario-Bros--803853.html#Introdu__o ................................................................................................... 38
Figura 9 - Captura de tela de Super Mario Battle N. 1 (2002). Fonte: https://vimeo.com/16539686. .. 38
Figura 10 - Avaliações de “Ars Doom”. ................................................................................................. 40
Figura 11 - Imagem de divulgação de Braid (2008). Fonte: http://braid-game.com/ ............................ 44
Figura 12 - “Super Mario Clouds” (2002). Dimensões variáveis. Whitney Museum of American Art,
New York. .............................................................................................................................................. 57
Figura 13 - Cartucho modificado, parte da obra “Super Mario Clouds” (2002). ................................... 58
Figura 14 - Captura de tela de “SOD” (1992). ....................................................................................... 59
Figura 15 - Captura de tela de Wolfenstein 3D. Fonte: https://www.moddb.com/games/wolfenstein-
3d/images/wolfenstein-3d-in-game2#imagebox.................................................................................... 59
Figura 16 - Unreal Tournament 2003. Fonte: https://www.mobygames.com/game/windows/unreal-
tournament-2003/screenshots/gameShotId,924133/ ............................................................................ 60
Figura 17 - Captura de tela de “[domestic]” (2003). .............................................................................. 61
Figura 18 - Captura de tela de “Velvet-Strike” (2002). .......................................................................... 62
Figura 19 - Captura de tela de Counter-Strike. Fonte:
https://www.mobygames.com/game/windows/half-life-counter-strike/screenshots/gameShotId,65466/
............................................................................................................................................................... 62
Figura 20 - Realidades Alternativas (2006) Roger Tavares e Felipe Neves. Fonte:
https://www.slideshare.net/rogertavares/potica-e-crtica-da-web-art ..................................................... 63
Figura 21 - Captura de tela de Incidente em Varginha (1996). Fonte:
http://www.perceptum.com/screensp.htm ............................................................................................. 66
Figura 22 - Interface do engine Unity. Fonte: o autor. .......................................................................... 68
Figura 23 - Interface do engine Bitsy. Fonte: o autor. ........................................................................... 69
Figura 24 - Foto do controle Dualshock 4. Fonte: https://i.zst.com.br/images/controle-ps4-sem-fio-dual-
shock-4-sony-photo22822649-45-17-38.jpg ......................................................................................... 77
Figura 25 - Captura de tela do protótipo 1 (2017). Fonte: o autor. ....................................................... 80
Figura 26 - Captura de tela do protótipo 2 (2017), implementação de objeto interativo. Fonte: o autor.
............................................................................................................................................................... 81
Figura 27 - Captura de tela de protótipo 3 (2017), implementação de quebra cabeça: o botão a
esquerda da foto abre a porta da direita. Fonte: o autor. ..................................................................... 81
Figura 28 - Esquema de jogo - Projeto Comunicação. (2017) Fonte: o autor. ..................................... 82
Figura 29 - Primeira versão do sistema de mensagens, no protótipo 2. (2017) Fonte: o autor. .......... 83
Figura 30 - Captura de tela, cenário do protótipo 4. (2018) Fonte: O autor. ........................................ 84
Figura 31 - O jogador encontra um abismo. Fonte: O autor. ................................................................ 85
Figura 32 - O jogador descobre que há uma ponte invisível. Fonte: O autor. ...................................... 85
Figura 33 - O jogador escreve uma mensagem. Fonte: O autor. ......................................................... 86
Figura 34 - O novo jogador encontra a mensagem do jogador anterior. Fonte: O autor...................... 86
Figura 35 - Foto de divulgação do Workshop: Faça seu jogo! ............................................................. 91
Figura 36 - Captura de tela do protótipo ReError. Fonte: o autor. ........................................................ 93
Figura 37 - Esquema de jogo de ReError. Fonte: o autor. .................................................................... 93
Figura 38 - "OSS", JODI, (1998). .......................................................................................................... 95
Figura 39 - It is as if you were doing work, Pippin Barr, (2017). ........................................................... 96
Figura 40 - Captura de tela, Everything is going to be OK, Nathalie Lawhead, (2018). ....................... 97
Figura 41 - Foto do espaço de trabalho e integrantes da equipe durante a gamejam. ...................... 100
Figura 42 - Captura de tela de S.N.S. Projeto desenvolvido durante a Global Game Jam 2018. Fonte:
o autor. ................................................................................................................................................ 101
Figura 43 - Apresentação e confraternização ao final do evento. ...................................................... 102
Figura 44 - Captura de tela do game Cálice. ...................................................................................... 105
Figura 45 - Foto do evento A. MAZE Berlin 2018. Fonte:
https://www.flickr.com/photos/142469694@N08/28294301858/. ....................................................... 106
Figura 46 - Foto do evento Antifa Art & Games 2019. O Game Cálice em exibição. Fonte:
https://www.facebook.com/antifa.artandgames/ ................................................................................. 106
Figura 47 - Estatísticas de visualizações e download de Cálice. Data de registro 28/09/2019. Fonte: o
autor. ................................................................................................................................................... 107
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11
Cap. 1. Os jogos digitais. ............................................................................... 14
1.1 Jogos e Arte: expectativa e cultura........................................................ 24
1.2 Game Art. .................................................................................................. 33
1.3 Artgames, notgames e indie games. ...................................................... 44
1.4 Games alternativos e games comerciais. .............................................. 48
Cap. 2. Processos e procedimentos experimentais e acessíveis para games
alternativos. .................................................................................................... 52
2.1 Modificação como processo na Game Art. ............................................ 54
2.2 Engines – motores dos games ................................................................ 65
2.3 Comunidades e recursos para games alternativos. .............................. 71
Cap. 3. Produção de games alternativos...................................................... 74
3.1 Protótipos do “Projeto Comunicação” ................................................... 76
3.2 Gamejam como metodologia .................................................................. 89
3.2.1 FILE: Faça seu jogo - ReError .............................................................. 91
3.2.2 Global Game Jam – S.N.S. .................................................................... 99
3.3 Cálice ....................................................................................................... 103
Considerações finais ................................................................................... 108
Referências ................................................................................................... 111
Apêndice A – Entrevista Suzete Venturelli................................................. 118
11

INTRODUÇÃO

Com a popularização de dispositivos computacionais no início do século XXI


os jogos digitais se tornam uma popular forma de entretenimento. Assim como
outros meios digitais (as novas mídias), o game desenvolve uma linguagem própria,
que pode ser utilizada em diversos tipos de produções, que vão do game de
entretenimento comercial, as grandes produções conhecidas como AAA1, até obras
de arte contemporânea. Essa pluralidade na produção de games, também pode ser
vista na diversidade de comunidades que produzem, modificam e discutem games.
Os games alternativos, aqueles que não são parte da grande indústria, são
produzidos por todo tipo de pessoa: amadores, hobistas, iniciantes, especialistas e
por artistas. Grande parte da produção realizada por artistas é conhecida como
Game Art e esses grupos utilizam os games como meio de expressão poética.O
objetivo dessa pesquisa foi entender e praticar os processos e procedimentos
envolvidos na criação de games alternativos.
O game que surge em meados dos anos 50, se torna importante produto de
entretenimento, mas conta também com uma produção teórica e um campo próprio
de estudo. A linguagem do game se mostra como um meio único de expressão,
contando também com uma crescente popularidade, o momento atual dessa
produção é caracterizada pela sua diversidade de criadores e obras, para entender
essa popularidade é importante focar nos processos, filosofias de desenvolvimento e
recursos que permitem novas vozes produzirem games. Como metodologia,
exploramos através da reflexão teórica do campo de estudo da linguagem, chamado
de Estudo de Jogos2, pontuado com a contextualização da linguagem dos games na
Arte, entender as características dessa prática. Somado a reflexão, como parte
prática da pesquisa, apresentamos nossa produção de games, através da descrição
de experiências, metodologias e dos resultados desses projetos, com a meta de

1
O termo AAA ou “triple AAA”, é usado para caracterizar os games de grande porte. Os games AAA
são aqueles que tem um alto financiamento, são desenvolvidos por estúdios grandes e são
publicados por publicadoras. Há uma discussão sobre os fatores que definem do termo AAA (LIPKIN
2013), mas essa definição é amplamente aceita na discussão games.
2
Em algumas ocasiões é utilizado a versão em inglês do termo, “Game Studies”. Nesta dissertação
vamos utilizar nossa tradução “Estudo de Jogos”.
12

questionar e verificar alguns dos processos e valores abordados no decorrer da


pesquisa.
A pesquisa está organizada em 3 capítulos, sendo que no primeiro capítulo
discorremos sobre a história dos games, com um foco na cultura do game. Para
melhor entender o objeto game, exploramos a história dos games tanto pela visão
comercial quanto a cultural. Buscamos esse entendimento em teóricos que discutem
o game seja como artefato das mídias digitais, objeto artístico, ou como uma
linguagem própria, discorrendo sobre elementos da linguagem do game. Alguns dos
teóricos utilizados aqui são: Alan Richard da Luz, Anita Cavaleiro, Anna Anthropy,
Auriea Harvey, Janet Murray, John Sharp, Jesper Juul, Johan Huizinga, Helen
Nissenbaum, Lucia Santaella, Mario Maciel, Michäel Samyn, Mirna Feitoza, Mary
Flanagan, Roger Caillois, Roger Tavares e Suzete Venturelli.
No momento de popularização dos games como produto de entretenimento,
muitos artistas, principalmente do campo da Arte-Tecnologia, utilizam a linguagem
para a realização de obras. Aqui exploramos através de uma contextualização
histórica do game como arte, uma leitura sobre as terminologias, dos objetivos e das
comunidades para entender essa produção. Abordamos as definições, semelhanças
e diferenças do Game Art, Artgames, notgames e indie games.
No segundo capítulo, abordamos processos, técnicas e metodologias para o
desenvolvimento de games, com um foco nos games alternativos. Os processos
utilizados pelos desenvolvedores de artistas se modificam com o passar dos anos, e
pretendemos através de uma reflexão sobre as terminologias, justificativas e dos
objetivos das comunidades, entender essa produção alternativa ao mercado.
Abordamos algumas metodologias para o desenvolvimento de games como a
modificação, apropriação, uso de engines e participação em gamejams, através de
estudos de caso, que características elas trazem para a produção, com um foco na
acessibilidade, identificando como os processos do game alternativo se diferem da
produção tradicional.
No terceiro capítulo consolidamos a nossa construção teórica, buscando
questionar e verificar os conceitos e processos discutidos até então. Refletimos
sobre a nossa produção de games alternativos no decorrer da pesquisa, através de
relatos dos processos de desenvolvimento, projetos e protótipos. Em um período de
dois anos, participamos das comunidades de desenvolvedores e produzimos games
alternativos. Apresentamos o projeto Comunicação, um protótipo desenvolvido
13

durante a pesquisa, os games S.N.S., e ReError, desenvolvidos colaborativamente


durante gamejams e o game Cálice, desenvolvido individualmente. A
Multidisciplinaridade que é característica comum ao artista e pesquisador de Arte-
Tecnologia, está presente nesta pesquisa devido às competências necessárias para
a produção e reflexão sobre a linguagem do game.
14

Cap. 1. Os jogos digitais.

Este capítulo visa compreender brevemente a história do jogo digital, seu


espaço na cultura e a concepção sobre os games que temos hoje. Discorremos
também sobre o game como objeto de estudo científico, quando aparece nos
estudos dos teóricos de mídias, arte e design. Para construirmos nosso
entendimento sobre o game artístico, investigamos na história da arte os momentos
em que o jogo aparece, através de exemplos as suas relações com o sistema das
artes.
Os jogos, ou o melhor o ato de jogar3, é um elemento que sempre esteve
presente na cultura humana, não é possível estimar o ponto em que atividade lúdica
surgiu. Argumenta-se que o jogo pode até preceder a cultura, sendo elemento
necessário para a sua geração (HUIZINGA, 1938). No caso dos jogos digitais, temos
maior informação sobre sua origem, mesmo que ainda não saibamos o ponto exato
de sua criação, eles surgiram em meados dos anos 50 e ganharam uma
popularidade de massa nos anos 70, se tornando uma popular forma de
entretenimento contemporânea, parte do dia a dia de muitas pessoas.
Apresentam-se em diversos formatos, suportes e preços; em aparelhos
eletrônicos dedicados aos jogos digitais; em celulares; computadores e até mesmo
em nuvem4. De forma geral, qualquer aparelho eletrônico que possui uma tela
(display) e algum tipo de interface (input) humano máquina, provavelmente tem
suporte a algum tipo de jogo digital, seja de maneira oficial ou não5. A pluralidade de
suportes é um dos fatores que contribuíram para sua difusão e popularidade. Os
sistemas computacionais são elemento essencial para a existência do jogo, em sua

3
A Palavra “Jogar” carrega um conjunto de significados, principalmente pela sua tradução em certos
idiomas. “Play”, a tradução em Inglês do “Jogar” pode significar Jogar, mas também: Tocar (um
instrumento), Brincar (como em brincar de pega-pega) ou “Atuar” (em uma peça de teatro). “Spelen”
do Holandês e ”Spiel” do Alemão também carregam estes múltiplos significados. (HUIZINGA, 2014)
Tal consideração é importante quando se trata da discussão de Homo Ludens, escrito por Johan
Huizinga e publicado em 1938 em Holandês. Aqui usamos uma edição traduzida por João Paulo
Monteiro para o português publicado no ano de 2014.
4
Novos avanços tecnológicos permitem que games sejam jogados direto de um navegador.
Disponível em: https://www.cnet.com/how-to/google-project-stream-beta-sign-up-invites-games-
features/. Acesso em 31/10/2018.
5
It runs doom é um blog que coleciona relatos de adaptações do game Doom (ID, 1993) em diversos
dispositivos, muitos deles que não suportam games oficialmente. Disponível em:
http://itrunsdoom.tumblr.com. Acesso em 31/10/2018.
15

variação digital, eles são programas de computador, essencialmente são softwares,


portanto não é de se estranhar que os jogos digitais surgem simultaneamente com
os aparatos informáticos.
Com os desenvolvimentos na computação no final dos anos 50, surgem os
primeiros computadores com telas (displays), trazendo novas possibilidades para a
interação entre humano e máquina, a partir dessa evolução tomam formato similar
com o que conhecemos e estamos acostumados.
Os computadores até então eram máquinas grandes, caras e inacessíveis,
localizados principalmente em centros de pesquisa de universidades nos países com
grande poder econômico. Esses computadores eram desenvolvidos para o uso
bélico, pesquisas de ciências duras e como máquinas de cálculo (LUZ, 2010).
Cientistas desenvolveram os primeiros jogos digitais, muitas vezes de maneira
externa às suas pesquisas principais, como um uso alternativo para esses
computadores. A origem do jogo digital é por si só, um tópico complexo, remetendo
á várias datas dependendo do critério utilizado para definir no que consiste um jogo
digital (LUZ, 2010).
Um desses pontos de origem,o jogo digital Spacewar! (MIT, 1956)6, um
capítulo importante desta história:

E foi no MIT que apareceu um de nossos pioneiros: Steve Russel.


Membro de um clube de entusiastas em eletrônica e modelismo, ele
e seus amigos alocavam tempo livre (geralmente à noite) de um dos
computadores dos laboratórios, um TX-O que havia sido
desenvolvido para fins militares e tinha um monitor de vídeo. Em
pouco tempo Russell e seus amigos se tornaram hábeis
programadores e dominaram o equipamento. Foram seis meses de
programação até Russelll completar Spacewar! - uma batalha
espacial entre duas naves. Os jogadores, usando os desajeitados
switches do computador controlavam duas espaçonaves e podiam
atirar torpedos um no outro.[...] Apesar da controvérsia de Spacewar!
ser ou não o primeiro vídeo game, ele de fato é o primeiro jogo de
computador, o primeiro software de entretenimento. (LUZ, 2010, p.
22 - 23)

Sobre as diversas origens do game, a designer de games Anna Anthropy diz:


“É improdutivo tentar identificar o primeiro videogame – assim como muitas
invenções, diversas pessoas trabalhavam em conceitos similares ao mesmo tempo.”

6
Devido à falta de uma padronização para a referência de games dentro da ABNT, utilizo aqui um
modelo simplificado e adaptado, tendo como referência o modelo utilizado na dissertação de
mestrado de Thais Weiller “Game Design Inteligente: Elementos de design de vídeo game, como
funcionam e como utilizá-los dentro e fora de jogos”. Ex: “Nome do Game” (Desenvolvedor, Ano).
16

(2013, p. 23, tradução nossa7). Após a invenção do jogo digital, rapidamente a


linguagem consolida sua forma de produção e consumo.
Os jogos digitais tomam a forma de games8: produtos de entretenimento,
voltados ao público geral e com intuito comercial. Na forma de máquinas em
espaços públicos, os coin-ops, mais conhecidos como “fliperamas” no Brasil, são
aparelhos dedicados a games, monetizados através dos créditos (moedas) que o
público insere nestas máquinas para iniciar cada sessão de jogo. A estrutura desses
games visava ser simples, com controles intuitivos para conquistar rapidamente os
jogadores. Posteriormente, são apresentados produtos na forma de consoles, uma
forma de ter jogos digitais em sua casa, sem a necessidade de pagar a cada sessão
de jogo. Os consoles são computadores de formato compacto dedicados a rodar
games, com formatos similares a aparelhos reprodutores de VHS e DVD’s e mais
disponíveis que os fliperamas, são comercializados em lojas de eletrodomésticos,
para o consumidor geral. Os computadores pessoais também rodam jogos, porém
são aparelhos de maior custo, principalmente durante os primórdios dos games,
dificultando a acessibilidade. Agora já não é necessário ir até uma casa de
fliperamas para jogar, nem inserir uma moeda no início de cada sessão de jogo, o
investimento acontece na compra do console, seus jogos e acessórios (LUZ, 2010)
na contemporaneidade é cada vez mais fácil ter acesso aos games: os celulares,
notebooks, computador e tablets todos disponibilizam uma forma ou outra de games,
que complementam as opções anteriores, que ainda existem.
Como forma de medir seu sucesso e relevância na sociedade, muito é falado
sobre sua movimentação financeira e sucesso de público. Cerca de 92% das
crianças americanas, de dois a dezessete anos, têm acesso regular a games
(BECK; WADE, 2004, P.3). A movimentação econômica e geralmente utilizada como
argumento para legitimar o game como uma linguagem “séria”, em reportagens na
mídia, noticiário e também em textos científicos. A óptica do mercado pode sim ser
uma boa maneira de ilustrar o tamanho de seu alcance e presença na sociedade,
mas não nos diz nada sobre as especificidades e qualidades da linguagem do game.
Utilizar esse critério para a seleção dos objetos de estudo, apesar de ser uma
estratégia comum quando se fala de games na imprensa, mercado e academia,
7
Original:”It’s beside the point to try to indentify the first videogame – as with most inventions, a
number of people were working along the same lines simultaneously.”
8
A partir desse ponto, optamos a nos referir a games como sinônimo de jogo digital, mais
precisamente ao jogo digital no formato como conhecemos hoje.
17

pode trazer uma parcialidade à discussão. Ao utilizar o sucesso de mercado como


principal fator, acabamos inevitavelmente focando nas grandes produções, grandes
empresas e em países ricos. O foco acaba se tornando os games comerciais
desenvolvidos com o principal objetivo ter sucesso no mercado, deixando de
considerar seu conteúdo, valores, potencialidade poética e contexto de criação.
Segundo Roger Tavares:
Uma das coisas que dificultam a nossa vida ao trabalhar
cientificamente com vídeo games, é que a maioria dos textos que
chegam até nós apresenta a sua fundamentação no fusco lucrativo
do mercado e da indústria de games. A Ciência vive, entre outras
coisas, uma eterna busca da verdade, no sentido amplo desta
palavra. O discurso da indústria é apenas um dos lados da verdade
multifacetada. Um lado que, muitas vezes, só reflete a ele mesmo.
(TAVARES, 2010, p. 6)

Este sentimento é compartilhado por outros pesquisadores e artistas. No livro


Rise of the Videogame Zinesters (2012), a designer de jogos digitais, Anna
Anthropy, traz como um dos principais problemas do game o foco nas pesquisas e
ensino na prática da indústria AAA, enfraquecendo a discussão de outras práticas e
produções alternativas. A pesquisadora Anita Cavaleiro investigou em sua
dissertação “Sobre jogos e não-jogos: um estudo sobre a curadoria de jogos digitais
experimentais” (2016) a curadoria de jogos digitais em espaços expositivos, focando
a reflexão nos games que ela chama de experimentais.
Para compreender essas questões de maneira a trazer uma reflexão
informada, dos estudos e pesquisas cientificas do games, precisamos primeiramente
entender como o campo de Estudo de Jogos surge.
Antes do jogo digital surgir, nos anos 50, o estudo da atividade lúdica já
existia. Um dos trabalhos mais importantes do campo é o livro “Homo Ludens”,
publicado em 1938 escrito pelo historiador Johan Huizinga. Neste trabalho, Huizinga
reflete sobre a atividade lúdica na história da cultura da humanidade. Além da
contextualização do jogo, Huizinga começa a pensar seus limites e características,
refletindo sobre os aspectos que tornam os jogos estruturados diferentes das
brincadeiras livres. Roger Caillois, sociólogo Francês publica em 1958 o livro “Os
Jogos e os Homens: A Máscara e a vertigem”, em que continua esse esforço.
Caillois procura definir o conceito do jogo, seguindo algumas considerações feitas
18

por Huizinga como, por exemplo, o conceito de Círculo Mágico9, o autor expande o
nosso entendimento de jogo, classificando tipos de jogos em quatro categorias
distintas: Agon jogos de competição, Alea os jogos de sorte e azar, Mimicry jogos de
simulação e Ilinx os jogos de vertigem.
Apesar de serem publicados antes do surgimento dos jogos digitais, esses
trabalhos se tornaram base do campo chamado de Estudo de Jogos, campo que
busca entender o jogo nas suas diversas formas e aplicações. Aqui é importante
notar que nem todo estudo do jogo tem como meta abordar ao jogo digital. O Estudo
de Jogos também aborda as variações dos jogos analógicos: como os jogos de
tabuleiro, LARPing10, entre outros. Aborda todo tipo de jogo digital, incluindo aqueles
que não focam no entretenimento, como no caso dos Serious Games11. É possível
encontrar pesquisas e livros que abordam a base teórica de Huizinga e Caillois em
uma diversidade de campos de estudo, com diferentes objetivos. Por exemplo, o
conceito de Ilinx pode se referir também aos esportes, e pode ser usado para
entender questões referentes ao campo da educação física (PICCOLO, 2008). Os
jogos de azar estão em Alea, que abre mais um leque de assuntos referente a
estudos sobre apostas (CORREIA, 2015).
O Jogo é um assunto amplo, portanto nos reservamos a tratar como foco o
jogo digital e suas vertentes nesta pesquisa.
Nas décadas seguintes, nos anos 70 e 80 outros livros e pesquisas a respeito
dos jogos continuam sendo desenvolvidas. Como “The Study of Games”, publicado
em 1971 de Brian Sutton-Smith e Elliott M. Avedon e “The Grasshooper”, de 1978 do
filósofo americano Bernard Suits. Neste período, os games comerciais ganham
popularidade, evoluindo sua tecnologia a cada nova geração de consoles, com
maior capacidade computacional, permitindo maior complexidade nos games. Essa
evolução também é acompanhada pela construção de formalismos, devido à

9
Círculo Mágico: é o conceito de que no momento em que jogamos criamos uma nova realidade,
onde agimos de forma diferente do mundo real. Essa nova realidade também tem suas próprias
características que podem ser diferentes da nossa realidade.
10
LARPG é uma abreviação de “Live Action Role Playing Game”. Uma vertente do RPG em que os
jogadores atuam seus respectivos personagens, utilizando o cenário real ao seu redor como palco do
jogo.
11
Serious Games são jogos (geralmente digitais) que tem como um objetivo ir além do
entretenimento. Eles existem em diversas aplicações, utilizado pelos setores militar, governamental,
educacional, empresarial e publicitário, entre outros. (SUSI; JOHANNESSON; BACKLUND, 2007)
19

natureza do design iterativo12 dos games: os games que faziam sucesso com o
público e crítica, influenciavam o design dos próximos títulos. Apesar de esses
desenvolvedores pensarem no design dos games, ainda não havia, nos anos 80,
material em livros e cursos sobre as teorias por trás do desenvolvimento e design do
jogo digital. Os desenvolvedores de games articulavam seus pensamentos sobre
design de jogos computacionais de forma indireta, através de seus games. Chris
Crawford publica em 1982 “The Art of Computer Game Design”13, o primeiro livro
sobre a prática do game design, buscando abrir o diálogo sobre o desenvolvimento
de games (WOLF, PERON, 2003, p. 4). Crawford também publica o primeiro
Periódico sobre design de jogos computacionais, chamado ”The Journal of
Computer Game Design”14 em dezembro de 1987, além de fundar também em 1987,
em São Francisco, a Game Developers’ Conference15, conhecida também pela
abreviação GDC, que acontece anualmente. Reunindo desenvolvedores de jogos
digitais e analógicos, o evento conta com rodadas de negócios, palestras e mesas
redondas, se tornando um dos eventos mais importantes voltados aos
desenvolvedores de jogos no mundo. Nos anos seguintes, durante as décadas de
90, 00 e 10, surgem outros eventos que articulam sobre a prática de se fazer jogos,
alem de investigações sobre outros aspectos dos jogos digitais.
O Campo de Estudos de jogos é construído também pelos teóricos de novas
mídias – que vêem no game uma especificidade de imersão, autoria e interatividade,
propostas de uma forma única quando comparada a outras linguagens então
existentes, e outros formatos das novas mídias, durante a década de 70, 80 e 90.
Jannet Murray em sua obra “Hamlet on the holodeck”, de 1997 explora o impacto
das novas linguagens (internet, games e realidade virtual) no prospecto das
narrativas interativas. Segundo Murray, a forma de construir narrativas neste espaço
12
O termo design iterativo é utilizado para se referir um design que passa por ciclos de teste,
validação e se necessário reestruturação, tal filosofia de design é utilizada no desenvolvimento de
games, porém aqui usamos o termo também para se referir à iteratividade da indústria de games:
quando um game faz sucesso ao utilizar um componente de certa forma, outros games de outros
desenvolvedores apropriam e adaptam tal competente em seu game. Assim, o design iterativo ajuda
a construir um “idioma” dos games, que aqui chamamos de formalidades da linguagem/estrutura.
13
Tradução nossa: “A Arte do Design de Games Computacionais.”A primeira edição está disponível
em http://www.erasmatazz.com/library/journal-of-computer-game-design/jcgd-volume-1. Acesso em
24/07/2019.
14
Tradução nossa: “O Periódico do Design de Games Computacionais.”
15
Tradução nossa: “Conferencia dos Desenvolvedores de Games”. Apesar de hoje ser a principal
conferência sobre o assunto, Crawford não faz mais parte da direção da conferência. Revelam no
seu blog os motivos e acontecimentos que levaram a sua saída. Disponível em: <
http://www.erasmatazz.com/personal/experiences/the-computer-game-developer/> Acesso em
24/07/2019.
20

digital, hipertextual, é uma ruptura tão radical das linguagens tradicionais, como da
literatura tradicional, que é necessário abordar as novas mídias a partir de um novo
campo de estudo. Lev Manovich, importante teórico das novas mídias, comenta
sobre a visualidade e especificidade do jogo digital. Em “Navigable Space” (1998)
discorre sobre diferentes interpretações espaço virtual nos jogos computacionais,
comparando a abordagem de dois populares games da época, Doom (ID Software,
1993) e Myst (Cyan, 1993), este texto se transforma em capítulo de sua tese,
publicada como livro “The Languague of New Media”, de 2001.16
O campo não tem uma data especifica de origem, mas acaba surgindo a partir
de um processo que se inicia antes do jogo digital, com o estudo da atividade lúdica,
e ao passar do tempo gera novas discussões, envolve teóricos de outras áreas e se
torna um campo próprio, que lida com o estudo dos jogos. Mas podemos tomar
como um dos pontos de partida que ajuda a estabelecer o campo o surgimento dos
primeiros congressos, simpósios e periódicos.
O já citado “The Jornal of Computer Games Design” de 1987, é um dos
primeiros periódicos voltados para a comunidade científica. Ponto importante nessa
história é o “Computer Game Studies, Year One”17 que ocorreu no ano de 2001, que
teve como editor chefe Espen Aarseth, prolífico pesquisador de Estudo de Jogos. A
partir dos anos 2000, o campo passa por considerável expansão, com um crescente
número de teóricos colaborando com pesquisas sobre as diferentes facetas dos
jogos, muitas vezes colaborando e discutindo com os teóricos que já estavam
atuando no campo, de forma independente ou na indústria de games. Um destes
momentos é o infame debate envolvendo a Narratologia e a ludologia, o debate é
infame por dominar muito da discussão de games no período, porém é considerado
por teóricos como Gustavo Frasca (2003), Célia Pearce (2005) e Jannet Murray
(2005) como um debate infrutífero e infundado. A discussão sobre esse debate foge
do escopo do nosso trabalho, porém achamos importante o seu conhecimento, pois
é um marco importante no campo, já que o debate mobilizou uma discussão,
parcerias e até conflitos entre os pesquisadores, levando a uma auto-reflexão sobre
o campo e fortalecendo os conceitos básicos da discussão científica de jogos. Esse

16
A Discussão dos jogos digitais não foi abordada somente por pesquisadores das novas mídias – os
trabalhos aqui citados foram escolhidos a fim de brevidade do texto. Outras áreas que discutiam os
jogos digitais na mesma época, como a psicologia cognitiva, educação e teoria literária. (APPERLEY,
JAYEMANE, 2017.)
17
Tradução nossa: “Estudo de Games Computacionais, ano 1.”
21

tipo de troca é marca de uma comunidade que cresce de forma saudável, marcando
um ponto a caminho da maturidade científica do campo.
O periódico “Computer Game Studies”, hoje está no volume número 1818, a
Game Developers Conference, mesmo não sendo um evento com foco científico,
acontece todo ano e possibilita discussões e disseminação técnicas e teoria da
comunidade científica através dos painéis19. Outros eventos surgiram, como as
conferencias anuais do DiGRA20 - Digital Games Research Association (Associação
internacional de pesquisa em jogos digitais) que acontece desde 2002. No Brasil,
contamos com o simpósio anual da SBGAMES, que acontece desde 2004, porém
ainda há certa escassez de eventos científicos nacionais neste campo.
A partir dos anos 2000, até os dias de hoje, o campo passa por um momento
de expansão, hoje há um escopo teórico com diferentes metodologias, abordagens e
objetivos de pesquisa, compondo o conhecimento do campo. Segundo Mary
Flanagan e Helen Nissenbaum “A geração emergente de teóricos do jogo reconhece
o papel que os jogos digitais têm enquanto artefato cultural distinto [...]” (2016, p.
20). Além dos já citados, como Jannet Murray, Espen Aarseth, Gustavo Frasca e
Célia Pearce que continuam pesquisando questões da linguagem do jogo, outros
teóricos também ajudam a construir o campo, como Alexander Galloway, Anna
Anthropy, Boonie Ruberg, Helen Nissenbaum, Ian Bogoost, Jane McGonial, Jesper
Juul, John Sharp, Mary Flanagan, Mia Consalvo, entre outros.
No Brasil, o campo de Estudo de Jogos é mais descentralizado, porém não
limitando a qualidade dos trabalhos, teóricos como Anita Cavaleiro, Lucia Santaella,
Lucia Leão, Marcus Bastos, João Ranhel, Julia Stateri, Renata Gomes, Roger
Tavares, Sérgio Nesteriuk, Silvia Laurentiz e Mirna Feitoza, entre outros, também
realizam pesquisa sobre games que pode ser considerada parte da construção de
conhecimento cientifico do Estudo de Jogos.
Em conjunto com a indústria de games e a comunidade científica, outro grupo
que aborda os games em seu trabalho. A imprensa de games, ou jornalismo de
games, surge quando os primeiros consoles chegam ao mercado, por volta do início
da década de 80. No Brasil, surgem nos anos 90 as primeiras revistas de games,

18
Disponível em http://gamestudies.org/1801/. Acesso em 26/08/2018.
19
Uma parte dos painéis é disponibilizada através do GDC Vault. Disponível em:
https://www.gdcvault.com/. Acesso 25/07/2019.
20
Disponível em: http://www.digra.org/. Acesso em 26/08/2018.
22

como a “Videogame”, “Gamers”, “Super GamePower” e “Ação Games21” de 1991


(SOBREIRA, 2017, p. 2-6), contendo informações sobre os games disponíveis, os
lançamentos, análises e guias. Assim como no Estados Unidos com as revistas
como a “Game Informer”, revista da varejista de games Gamestop, muitas dessas
publicações eram realizadas com parcerias ou financiadas pelas lojas e
distribuidoras de games. Mesmo quando esse não era o caso, o conteúdo criado
para essas revistas geralmente seguiam uma linha publicitária, as análises tinham
como objeto avaliar se o game em questão tinha qualidade como produto, focando
em qualidades como tempo de duração dos games até ser completado, fator
diversão, qualidade gráfico e de som. As prévias de games que ainda estavam em
desenvolvimento, eram peças publicitárias divulgando as inovações, qualidades e
novidades que esses games ainda não lançados pretendiam trazer para o mercado.
Essas revistas nacionais eram publicações voltadas a informar consumidores sobre
os novos produtos da indústria, além dos populares guias, conhecidos como
“detonados”, que ensinavam as melhores estratégias para vencer os desafios dos
games populares do momento22. Mesmo nas análises e em outras raras peças
críticas, a discussão sobre os games eram geralmente rasas, sem um olhar muito
crítico a linguagem.
Com a chegada da internet, no final dos anos 90, este tipo de conteúdo
acabou migrando para a rede, pela maior facilidade de acessar texto e vídeo e por
ser em grande parte gratuito (ao contrário da mídia impressa que é paga). É
importante notar que apesar do foco dos sites serem semelhante as revistas, algo
que ainda persiste em algumas publicações, hoje a imprensa (online) de games tem
um papel mais relevante na discussão crítica da linguagem. Sites como Polygon23 e
Vice Games24 (antigo Waypoint) buscam dentro do espaço da imprensa de games
promover discussões mais profundas sobre a linguagem, como por exemplo,
discutindo questões sociais, identitárias, culturais, sobre narrativa e game design,
abrangendo discussões mais variadas sobre o campo dos games, com alguns

21
Documentário realizado pela UOL sobre a história da revista Ação Games. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=zkodO_O_iEI. Acesso 20/11/18.
22
Importante notar aqui a importância dos detonados para o consumo de games no Brasil. Devido ao
fato de que os games eram produzidos principalmente nos Estados Unidos e Japão, e outros países
de primeiro mundo, grande parte desses games vinham para o Brasil em suas línguas nativas. Os
detonados muitas vezes continham traduções, auxiliando no entendimento das historias, premissas e
jogabalidade desses games para um público que não entedia Inglês ou Japonês.
23
Disponível em https://www.polygon.com/. Acesso em 20/07/19.
24
Disponível em https://www.vice.com/en_us/section/games. Acesso em 20/07/19.
23

editores que também são parte também da comunidade do estudo de jogos. No


Brasil, por exemplo, o site Start25 do portal UOL, busca além da cobertura tradicional
também trazer esse tipo de discussão mais ampla.
A partir de meados de 2005, surge um novo tipo de criador de conteúdo voltado
aos games, os youtubers e streamers. É um tipo de produção recente, que ganha
força com a maior acessibilidade a internet de alta velocidade e ferramentas de
produção de vídeos. Estes fãs de games começarem a produzir vídeos sobre os
games com o surgimento de plataformas como o Youtube, que permite qualquer
pessoa com um acesso a um computador e internet publicar vídeos na plataforma.
No caso dos streamers, a plataforma mais popular é o Twitch26, que permite a
transmissão ao vivo de jogos. Muitos desses youtubers desenvolvem vídeos sobre
aspectos de games, como análises, ensaios e montagens, os streamers adaptam
um formato interativo, em que ao mesmo tempo em que jogam transmitem a tela da
sua sessão de jogo, interagem com os inscritos, respondendo mensagens e
conversando com o público. São financiados através de anúncios inclusos nos
vídeos e streams, pelas gorjetas dos inscritos e seguidores ou via parceria com
marcas da indústria de games. Esse conteúdo existe em torno dos games, mas o
grande atrativo para o público são as personalidades que apresentam esses vídeos
e transmissões, que se tornam celebridades na internet e conquistam uma base de
fãs que os acompanham independente do game que os streamers decidem jogar e
transmitir.
Este breve capítulo pretende contextualizar os espaços culturais em que o game
aparece desde sua criação. Entre a indústria, a discussão científica, a imprensa de
games e as comunidades online que surgem através dos youtubers e streamers há
um impacto cultural que vai além da questão financeira, e consideramos essa
contribuição como a mais interessante para o entedimento de nossa pesquisa. Além
dessas comunidades, ainda há outros grupos que abordam o game, e vamos
abordar alguns desses grupos, focando naqueles que desenvolvem e produzem
games.

25
Disponível em: https://www.uol.com.br/start/. Acesso 16/11/19.
26
Disponível em: https://www.twitch.tv/. Acesso em 16/11/19.
24

1.1 Jogos e Arte: expectativa e cultura.


A terminologia acerca da produção dos jogos digitais pode parecer um pouco
confusa de início. Afinal, não há uma padronização sobre o léxico referente a essa
produção. Muitos termos em inglês se estabelecem como neologismos no Brasil,
como por exemplo, “videogame”, que pode definir tanto o aparelho hardware que
executa o programa, como o jogo digital em si, o software. Quando o assunto é
games e arte, não é diferente. Alguns termos carregam mais de um significado,
dependendo em que contexto é utilizado: no meio científico, na indústria, no campo
artístico ou na imprensa de jogos.

Game Art é um desses termos, o significado mais comum ao, pesquisar o


termo, se refere à arte que é um componente do game, como por exemplo os
sprites27 que compõem o elemento gráfico de um game 2D. Em Super Mario Bros.
(Nintendo, 1987), um game da terceira geração de consoles, o personagem principal
chamado de Mario, tem uma serie de sprites que o representam (Fig. 1).

Figura 1 - Sprite Sheet dos personagens de Super Mario Bros. É o componente gráfico do
game. Fonte: http://www.mariouniverse.com/sprites-nes-smb/

27
Sprite é um termo da computação gráfica, que se refere a imagens bidimensionais rasterizadas que
são renderizadas em uma tela. No caso dos games, os Sprites foram usados extensivamente nos
jogos das primeiras gerações de consoles, que não tinham poder de computação para realizar
renderizações tridimensionais. Apesar de algumas experimentações com vetores, o sprite está
majoritariamente presente em grande parte dos games 2D. Hoje ainda são utilizados, geralmente não
por uma necessidade técnica, mas sim por uma escolha estética e de escopo.
25

Outros componentes gráficos, como os modelos poligonais que compõe o


cenário e personagens de um jogo 3D, também podem ser referidos por gameart ou
game art. Esse termo se refere a “game” como o software, o game, e “art” como os
componentes gráficos de um game. Portanto se entende gameart como “uma arte
de um game”. Esse sentido é encontrado freqüentemente em textos técnicos e de
game design.

Mas não queremos nos referir a esse significado, mas sim do momento em
que o game aparece como artefato e linguagem no campo das Artes Visuais. O
termo Game Art, assim como em outras grafias como Gameart, Gamearte e termos
similares como Artgames, Artist Games, Artistic Games e Arthouse Games se
referem, de forma geral, a um mesmo tipo de trabalho: um trabalho artístico que
utiliza a linguagem do game e vice-versa. Para melhor esclarecer essa afirmação,
vamos buscar as definições destes termos, através de referências e exemplos tanto
no campo da arte, quanto no campo dos games.

John Sharp escreve em 2014 o livro “Works of game: On the aesthetics of


games and Art” com o objetivo de refletir e definir as diferentes produções desses
games artísticos. O autor descreve a produção desses games “de arte” dividida em
três práticas: Artgames, Game Art e Artists’ Games. Sharp afirma que existem em
conjunto com o game de entretenimento, o produto da indústria de games. Mas para
entender a discussão dessas categorias de produção, pretendemos neste
subcapítulo situar como o game é percebido pelo público: os diferentes tipos de
jogadores que engajam com os games.

Para Sharp, um elemento essencial para essa discussão é entender a


expectativa de cada comunidade e do objeto em questão. Ele utiliza o conceito de
affordances de Gibson (1977), para refletir sobre a diferença de percepção dos
games da indústria de games, da comunidade dos games alternativos e da
comunidade artística. O conceito de affordance pode ser explicado de forma
resumida, como uma soma de percepção e utilidade. Quando uma pessoa vê um
objeto, ela se lembra de outras experiências anteriores com esse objeto, ou objetos
similares, e através disso visualiza as oportunidades de uso desse objeto. Um bom
exemplo é a tesoura, um objeto com formato geral icônico, comum a diversos tipos
de tesouras, como as de costura, escritório e jardinagem, apesar de cada uma
26

dessas tesouras terem suas diferenças, adequando para cada tipo de uso
especifico, grande parte do seu formato é similar: há um cabo, em que o usuário
segura e manipula a sua lâmina para cortar outro objeto. Logo, o objeto tesoura, em
grande parte de seus modelos e variações, tem uma boa affordance para o seu uso,
pois é de fácil identificação para grande parte das pessoas, e conseqüentemente, é
de fácil uso para também um grande número de pessoas. Sharp aplica o conceito de
affordances aos games, e destaca que suas affordances se modificam de acordo
com o público.

Para a indústria de games, os games são produtos de entretenimento. Para


aqueles produzindo artgames, os games são um meio para a expressão
artística e compreensão experiencial. Para quem produz game art, os
games são uma forma de questionar, criticar e explorar potenciais
inesperados. Então, quando uma desenvolvedora de games fala de games,
ela está imaginando um potencial criativo radicalmente diferente daquele de
uma artista contemporânea. E ainda quando uma jogadora, mesmo que
tenha interesse em jogos alternativos, olha para um game, ela vê algo bem
diferente do que o público que é familiar com a arte contemporânea.
28
(SHARP, 2015, Tradução nossa )

Cada comunidade tem uma série de expectativas e critérios para julgar certo
artefato e isso pode modificar a percepção e o potencial de tal artefato quando ele
circula entre diferentes audiências. Quando falamos em comunidades, falamos não
só no público espectador, mas também nos criadores, divulgadores, curadores e
outras figuras que as constituem. Assim como podemos entender no primeiro
capítulo, existem diversas comunidades ao redor dos games, cada um com suas
características. Um game apresentado para uma comunidade que tem experiência
previa com os games, ou seja, aquele público cativo dos games comerciais,
apresenta certas affordances. Por exemplo, a expectativa que tal game seja
desafiador, divertido, tenha uma curva de aprendizado, regras consistentes e uma
condição de vitória ou derrota, como na maioria dos games de entretenimento. Já
para uma outra comunidade, como a de arte contemporânea, carrega consigo outras
affordances, como por exemplo, pode esperar um conteúdo poético ou uma
qualidade estética definida.

28 Original: “For the game industry, games are entertainment products. For those making artgames,
games are a medium for artistic expression and experiential understanding. For those making game
art, games are a means of questioning, critiquing, and exploring unexpected potentials. And so, when
a game maker speaks of games, she is often imagining a creative potential radically different from a
contemporary artist. And when a game player, even one interested in games outside the commercial
mainstream, looks at a game, she sees something quite different than a viewer familiar with the
contemporary art scene.”
27

Então para compreender as expectativas dos games, as suas affordances,


buscamos entender as definição de jogo e game, que informam a expectativa.
Buscamos na teoria dos jogos, no campo do Estudo dos Jogos, as definições que
são entendidas como as características essenciais dos jogos. O diagrama a seguir
(Fig. 2), desenvolvido por Jasper Juul (2003), busca esse objetivo. Notamos que
aqui o foco não são somente os games, mas sim todo tipo de jogo, incluindo os
jogos de mesa, cartas, esportes entre outros. Esses conceitos são construídos a
partir de uma linha histórica de pesquisas de teoria de jogos que buscam definir os
elementos e condições que compõe o jogo.

Figura 2 - Diagrama dos Jogos de Jasper Jull. (2003)


28

Em uma busca para definir as características básicas e essenciais para que


uma atividade lúdica seja considerada um jogo. Juul descreve essas características
e as divide em três categorias: Jogos, Jogos Fronteiriços e Não Jogos. Observando
o diagrama29, podemos listar as características básicas que definem o jogo são:

1. Regras Fixas: o jogo não pode ter suas regras alteradas a qualquer momento.
Elas são combinadas antes do jogo e seguidas durante a partida. Como exemplo
fronteiriço, é utilizado o RPG30 de papel e caneta, aonde apesar de existirem regras
gerais definidas de cada titulo, durante as partidas as regras podem ser modificadas
pelo Mestre, se ele considerar necessário. Como um tipo de atividade lúdica que não
possuí regra fixa, é exemplificado a brincadeira livre, a típica brincadeira de criança
onde as regras mudam a todo tempo.

2. Resultado Variado: Há inúmeras formas do jogo se desenrolar, não há maneira de


se prever exatamente como o jogo acontecerá. Temos como exemplo de um não
jogo que falha essa característica a ficção hipertexto, que apesar de contar com o
elemento interativo da navegação entre pontos não lineares de uma história, os
pontos em si não são dinâmicos, não permitindo um resultado variável da
experiência.

3. Valorização do resultado: Deve haver alguma qualidade de valor aos resultados,


com a possibilidade de serem positivos, negativos ou neutros para o jogador. Um
exemplo de jogo fronteiriço, que não apresenta valorização do resultado, são os
simuladores abertos, como por exemplo, nos jogos digitais, simuladores de vôo.
Nestes simuladores, não há um objetivo final definido pelo jogo, nem uma meta
definida. É fronteiriço, pois apesar da simulação em si não ter essa valorização, o
jogador pode definir metas próprias dentro dos limites da simulação. Um não jogo,
que não possui valorização do resultado é exemplificado com o exemplo “assistir a
queima de uma fogueira”.

29
Aqui utilizamos um texto complementar para ajudar a entender as definições de Juul: “O conceito
de jogo e os jogos de computador” escrito por João Ranhel (2009).
30
RPG é a abreviação de Role Playing Game, um jogo de interpretação de papeis. Ele foi
popularizado nos anos 70 com o Dungeons & Dragons (1974, TSR). A estrutura de jogo permite que
os participantes criem seus personagens, enquanto um Mestre de jogo comanda a narrativa da
partida, atuando também como um juiz. As regras e premissas principais estão contidas nos livros do
mestre, que contem as características do mundo de jogo. Os jogadores podem agir através de ações,
que são validadas ou não pelo resultado de um jogo dados, além dos atributos de seus personagens
e validadas pelo Mestre.
29

4. Esforço do Jogador: O jogo não só precisa ter uma interação, mas deve ter uma
interação significativa em que suas escolhas e ações alterem o resultado do jogo.
Um filme não é um jogo, pois o espectador não tem nenhuma ação a não ser
observar, assim como um jogo de chance como o Bingo é considerado um jogo
fronteiriço, já não há nenhum esforço do jogador na forma como os números são
sorteados, apenas contando com a sorte. Como um exemplo de um não jogo está o
“Jogo da Vida” de Conway, que apesar de contar outras características do jogo,
como regras fixas e resultado variado, não há o esforço do jogador, pois a única
ação perante a esse jogo é observar.

5. Vinculo do Jogador com o Resultado: O jogador deve ter algum vinculo, no caso
emocional, com o resultado. O jogador fica feliz ao ganhar e triste ao perder. Como
exemplo de um não jogo, novamente está o “Jogo da Vida” de Conway, já que o
espectador do jogo, não tem nenhum investimento emocional sobre o desenrolar da
“partida”.

6. Conseqüências Negociáveis: As conseqüências do jogo podem ser negociadas. É


possível jogar um jogo de azar como o jogo de cartas com conseqüências reais, com
apostas como nos cassinos, ou por diversão, entre amigos sem nenhuma
conseqüência para a vida real. Como exemplos de jogos fronteiriços, estão os jogos
de azar. Um não jogo nesse caso seria a guerra nobre, que apesar de ser visto de
certa forma como um jogo, apresenta conseqüências reais e não negociáveis, como
a perda de um território, morte ou prisão.

Essas definições são resultado de uma investigação de diversos teóricos dos


jogos, em alguns pontos pode-se entender um diálogo com as definições de
Huizinga e de Caillois citadas anteriormente, além de definições de outros autores.
Esses pontos fazem um ótimo trabalho ao delimitar o que se constitui como jogo
dentro do escopo das atividades lúdicas. Essas definições diferenciam de forma
clara o jogo estruturado da brincadeira livra, outros meios interativos e lúdicos como
a ficcção interativa.

Se observarmos o diagrama da figura 2, seus três circos classificatórios e


pensarmos na história dos jogos digitais, podemos levantar alguns questionamentos
sobre como essas definições encaixariam, afinal alguns games desafiam essas
definições. Um jogo digital que aborda uma simulação aberta pode ser não ser
30

considerado um jogo? Se observarmos a história dos games, temos alguns jogos


digitais de grande sucesso como The Sims (Maxis, 2000) que se baseiam
inteiramente nessa premissa, que é modelar uma simulação aberta da vida real,
inserindo o jogador em uma simulação em que ele tem liberdade de interferir e
modificar. Ainda que em sua natureza de simulação aberta, ele detenha outras
características como as regras fixas, resultados variáveis, esforço do jogador e
conseqüências negociáveis.

A franquia de simuladores de vôo Microsoft Flight Simulator (Microsoft, 1982),


que simula a prática da aviação, também se encaixaria nessa categoria. Segundo
essas definições, esses games, seriam jogos fronteiriços, se encaixam parcialmente
na categoria de jogo. Juul, afirma que o fato de um jogo ser considerado fronteiriço
não o descaracteriza como jogo, o mais importante é entender o porquê ele é
classificado como fronteiriço, levar em consideração suas qualidades e fazer uma
análise de caso a caso.

Essas características estão presentes na grande maioria dos games


comerciais e ajudam a construir um cânone formal da linguagem. Para o público que
consome jogos digitais de entretenimento regularmente, há uma expectativa da
presença dessas características nos games, mesmo que tal expectativa venha se
formar de maneira subconsciente. Quando falamos do público da arte e também
para outros públicos que não são consumidores regulares de games, existe uma
maior abertura a desafiar essas estruturas. Os limites dessas regras ficam claros
quando falamos dos games na arte, já que esses trabalhos que acabam desafiando
a flexibilidade desses conceitos, até mesmo gerando um questionamento se eles
são afinal, jogos ou não.

Para entender o jogo na arte, e a affordance dos games para esse público,
investigamos alguns momentos que o jogo esteve presente como artefato, alegoria
ou componente artístico na história da arte. Um dos exemplos mais conhecidos é o
jogo dos artistas surrealistas franceses, inventado por volta de 1925, o “Cadavre
Exquis” (Cadáver esquisito).

O procedimento para se jogar era muito simples, segundo Tristan


Tzara (1948), a receita para o cadavre exquis escrito era: pegar uma
folha de papel dobrada o número de vezes correspondente ao
número de participantes, na qual cada um escreveria o que passava
31

por sua cabeça sem ver o que tinham feito anteriormente seus
companheiros. Cabe salientar que havia uma seqüência rígida a ser
respeitada: substantivo-adjetivo/advérbio-verbo-substantivo, com o
objetivo de obter o mínimo de coerência no resultado que ao final
seria lido para todos, pois os resultados totalmente absurdos e
incoerentes acabavam, de acordo com Collinet (1948), parando no
lixo. O clássico exemplo, citado anteriormente, "o cadáver delicioso
bebe vinho novo" é a forma mais conhecida[...] (PIANOWSKI, 2007)

Posteriormente o jogo também ganha uma versão gráfica, em vez da


construção de uma frase, a meta é produzir um desenho. Neste exemplo (Fig. 3)
participaram os artistas Max Ernst, André Masson e Max Morise.

.
Figura 3 - Exquisite Corpse (Cadáver esquisito), (1927), Max Ernst, André Masson e Max
Morise. Fonte: https://www.artic.edu/artworks/119116/exquisite-corpse?q=corpse

Nesse jogo quem participa ativamente são os artistas, e o resultado é uma


frase, ou desenho, que o público observa, posteriormente, como obra. Aqui o jogo é
utilizado como processo da criação de uma obra. Outro exemplo dessa interseção
do game com a arte é o fascínio do artista francês Marcel Duchamp com o xadrez
(CASTLE, 2016), que foi temática de obras (Fig. 4), mas também foi um interesse na
32

estrutura do jogo e do ato de jogar, que inspirou uma exposição em 1944 chamada
de “The Imagery of Chess”31, em que tem como objetivo explorar a experiência
intelectual, sensorial e estética do jogo e do ato de se jogar o xadrez. O artista se
interessou tanto pelo jogo, que passou a se dedicar mais ao xadrez do que em sua
produção artística tradicional. Para Duchamp, o jogo foi inspiração na sua produção,
mas houve também um interesse sobre suas mecânicas e dinâmicas32 que o jogo
proporcionava.

Figura 4 - Pocket Chess Set (1947) Marcel Duchamp. Fonte:


http://www.artnet.com/magazineus/reviews/davis/davis11-1-05_detail.asp?picnum=6

Quando falamos de jogo digital na arte, não estamos falando de um fenômeno


novo, mas sim uma continuação dessa intersecção que como podemos observar
acontece antes mesmo dos jogos digitais surgirem. Existem vários tipos de jogos
digitais nas artes, que têm diferentes abordagens e qualidades. Com a ajuda de
exemplos e definições teóricas dessas produções vamos procurar entender melhor
entender suas intenções, metodologias e processos.

31
Tradução nossa: “As imagens do Xadrez”.
32
Utilizamos mecânicas, dinâmicas e estéticas de acordo com o framework MDA (mechanics,
dinamics and aesthetics), que propõe uma ferramenta para facilitar a pesquisa e discussão dos
elementos do jogo. De forma resumida as mecânicas são as regras, a dinâmica é o sistema de jogo e
a estética é a experiência de diversão. (HUNICKE, LEBLANC, ZUBEK, 2004)
33

1.2 Game Art.

A Game Art utiliza o game para a criação de um trabalho artístico, ou seja,


empresta elementos do game - ferramentas, processos, estrutura, temáticas e
elementos da cultura dos games.

A prática do fazer do Game Art não é a aquele do desenvolvimento


tradicional e funcional, das ferramentas e técnicas de produção de
games. Artistas que criam game art encaram os games mais como
ferramentas e um conjunto de tropos culturais do que como um meio
ou um fazer próprio. (SHARP, 2015, p. 14, tradução nossa33)

O artista que desenvolve uma Game Art, não está necessariamente


interessado nas dinâmicas do game comercial e nos processos de desenvolvimento
tradicional. E também não são trabalhos focados no Game Design34 e estruturas
tradicionais. O Game é pensado como ferramenta que pode ser usado, igual a
qualquer outro aspecto da cultura, para informar, inspirar ou criar arte (SHARP,
2015, p. 19) Para entendermos essa produção, observamos o primeiro trabalho de
Game Art35, “Ars Doom” (1995) (Fig. 6) criado por Orhan Kipcak, Reini Urban e Curd
Duca. O trabalho consiste em uma modificação do game Doom (1993, ID Software)
(Fig. 5). Nesse Game Art os jogadores se movimentam por uma reprodução do local
exposição do festival, o centro de exposições Brucknerhaus, do festival Ars
Electronica do ano de 1995. As ações do game base Doom, foram trocadas por
ações programadas pelos artistas, em vez de se atirar nos demônios para alcançar o
final de cada nível, como no jogo original, o jogador tem um arsenal de “críticas” que
podem ser dirigidas aos trabalhos expostos e nos artistas que caminham pelo
cenário tridimensional, além de permitir que até quatro jogadores participem em rede
simultaneamente. Segundo os artistas, um dos principais incentivos para o uso do
game Doom, foi sua tecnologia de renderização gráfica, e sua capacidade de ser
jogado por múltiplos jogadores em rede, tecnologias avançadas na época (KIPCAK,
1995).

33
Original: “The craft of game art is not in the traditional, functional application of the tools and
techniques for producing games, nor is it in the design of play experiences. Artists creating game art
approach games as tool sets and cultural tropes rather than as a medium or craft unto itself.”
34
Game Design se refere a especialidade do design que foca na criação de games. Aqui usado para
designar as técnicas tradicionais da produção da indústria.
35
Segundo Sharp (2015, p. 22) Ars Doom é o primeiro trabalho de Game Art, afirmação que pode ser
corroborada pela declaração de Tilman Baumgartel “A primeira tentativa por um artista de usar o jogo
digital como um meio artístico.” (CATES, 2011, p. 9). (Tradução nossa. Original “first attempt by an
artist to use a computer game as an artistic medium”).
34

Figura 5 - Doom (1993, ID Software)

Figura 6 – “Ars Doom” (1995) Orhan Kipcak, Reini Urban e Curd Duca.

Segundo Sharp “Ars Doom aponta para uma das características principais da
Game Art - a apropriação de ferramentas da indústria de games para a criação
artística”. Essa característica se dá em parte pela dificuldade técnica de
desenvolvimento das tecnologias, então a apropriação se torna uma forma prática
de criar esses trabalhos que utilizam tecnologia de ponta, como no caso a
apropriação de Doom para a obra Ars Doom. Mas a apropriação na Game Art pode
35

ser realizada por conta do potencial poético, como afirmam os artistas Suzete
Venturelli e Mario Maciel:
A poética é marcada pela reflexão com o lúdico ao simular situações
ou testar a ruptura e a descontração de modelos. Modelagens
físicas, mídias interativas, modificações randômicas, banco de dados
iconográficos, mensagens subliminares e a IA compõe essa
atmosfera virtual, na qual a revolução digital, segundo algumas
teorias, convenceu cientistas e filósofos de que vivemos um novo
tempo de arte. (VENTURELI; MACIEL, 2008, p.90)

Independente de a motivação ser tecnológica, poética ou ambas, observamos


que grande parte das obras de Game Art surgem a partir da metodologia da
modificação, assunto que vamos nos dedicar a discutir no capítulo 2, onde vamos
abordar os processos e procedimentos da modificação de games na elaboração de
Game Art. A artista Suzete Venturelli tem uma vasta trajetória de pesquisa e
produção dentro do campo da Arte-Tecnologia, em especial sobre a interatividade.
No livro “Imagem Interativa”, de 2008, em co-autoria com o artista Mario Maciel,
apresenta a pesquisa realizada no Laboratório de Pesquisa em Arte e Realidade
Virtual, da Universidade de Brasília, sobre o desenvolvimento de projetos de Game
Art.
Gamearte é uma pesquisa que realizamos no Laboratório de
Pesquisa em Artes e Realidade Virtual da Universidade de Brasília,
na qual procuramos, na linguagem dos jogos eletrônicos,
desenvolver uma poética artística interativa e de compartilha de
espaços virtuais em instalações e na rede mundial de computadores.
Contemplando ideais contemporâneas de intervenção no contexto
político, social e urbano, o Gamearte está apoiado em fundamentos
teóricos originados das áreas da ciência da computação, da arte e da
comunicação. (VENTURELLI; MACIEL, 2008, p. 90)36

As Game Art produzidos durante este projeto incorporam a tecnologia e


características estruturais dos games comerciais e tem como intenção contestar
alguns valores e conceitos abordados nos games em geral, com um foco no
desenvolvimento de valores poéticos.
A grande questão é que geralmente os games acabam banalizando
a violência e a morte enquanto induzem ao caos urbano para a
desorganização do sistema econômico e político vigente.
(VENTURELLI; MACIEL, 2008, p.91)

36
Aqui a Autora utiliza o termo com a grafia “Gamearte”, porém no nosso texto utilizamos com a
grafia “Game Art”. A fim de evitar confusões, seguindo nossa referência inicial da definição de Sharp,
escolhemos utilizar o termo como “Game Art”.
36

A crítica sobre os valores, como no caso da violência é geralmente voltada


aos games comerciais populares, que em sua maioria, acabam afirmando valores de
violência, competitividade, individualismo além da notável falta de sensibilidade
social e identitária da indústria dos games, como se pode ver pelo sexismo37, tanto
no ambiente de desenvolvimento quanto nos próprios games. Um dos trabalhos da
dupla é “F-69” (Fig. 7), um Game Art, segundo a enciclopédia do Itaú cultural38: “Em
2004, ao lado do artista visual Mario Maciel (1949-2009), concebe “F69”, um
gamearte que questiona os elementos clássicos dos jogos digitais, como a
competição, buscando a motivação do jogo no contexto lúdico do sexo.” A produção
se apropria da estrutura dos games para produzir questionamentos dos valores da
sociedade, como neste exemplo, em relação à sexualidade, em contraste com o
exemplo de “Ars Doom”, que tem como motivação da apropriação o fator tecnológico
dos games.
A obra se apropria da tecnologia de games, mas não é uma modificação de
um game comercial existente. A linguagem da obra também é similar aos jogos de
primeira pessoa, em sua movimentação pelo ambiente e pela forma de se interagir
com os elementos presentes. O game busca atrair o jogador através de uma
provocação, pois substituí as interações típicas de violência e conflito dos jogos de
primeira pessoa, para ações e interações de temática erótica, buscando jogar com a
expectativa do público. Então entendemos também que para se definir uma Game
Art, não é necessário se apropriar de um game comercial, pode ser também através
da apropriação de sua linguagem e estrutura, nesse caso a fim de subverter a
expectativa do interator.

37
Como podemos verificar nos movimentos que surgem a partir destas discussões. Um destes
movimentos, Feminist Frequency, é uma web series desenvolvida por Anita Sarkeesian, que tem
como objetivo analisar e apontar questões sociais, principalmente do sexismo, na cultura pop, com
uma grande ênfase nos games. Posteriormente se tornou uma ONG educacional que pretende dar
visibilidade para mulheres e grupos LGBT no universo cultural dos games. Dísponível em:
https://feministfrequency.com/. Acesso em 29/10/2018.
38
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa244740/suzete-venturelli. Acesso em
31/09/2019.
37

Figura 7 - F69 (2004) Suzete Venturelli e Mario Maciel.

A subversão dos valores pode então ser alcançada através de alterações das
estruturas formais, outro exemplo de subversão através desse método pode ser
visto no trabalho da artista Canadense Myfanwy Ashmore, em sua obra “Super
Mario Trilogy” (2002), especificamente no primeiro trabalho da trilogia, chamado
“Mario Battle No 1.” (Fig. 9), uma modificação do game Super Mario Bros. (Fig. 8).
Neste Game Art, a artista remove diversos elementos considerados essenciais para
um game: não há nenhum obstáculo, nenhum oponente e também nenhuma
recompensa para o jogador coletar. Essencialmente é removido qualquer tipo de
recompensa e qualquer desafio do game. Segundo a artista: não há nada pra se
fazer, além de correr e pular entre os cenários e arbustos. Eventualmente o tempo
se esgota, e o jogador inevitavelmente morre. O interesse da artista é questionar de
forma poética idéias sobre falhas e o conceito de vida e morte, de forma humorística
e estilizada através da utilização da linguagem do game, o modificando e removendo
elementos formais para alcançar sua pretensão artística.
38

Figura 8 - Super Mario Bros. (1985, Nintendo). Fonte:


https://www.nintendo.pt/Jogos/NES/Super-Mario-Bros--803853.html#Introdu__o

Figura 9 - Captura de tela de Super Mario Battle N. 1 (2002). Fonte: https://vimeo.com/16539686.

Essa liberdade com elementos considerados necessários para um jogo é


motivo de crítica: se a Game Art retira elementos como desafio, recompensas e
estados de derrota, ele ainda pode ser considerado um game? Nestes três
exemplos, podemos identificar que algumas das definições de Juul, enquadrariam
esses Game Art como não jogos. No caso da Game Art, como a intenção principal é
a produção de uma obra de arte, o fato de manter as todas as características e
39

expectativas do game comercial tradicional, não carrega tanto peso, mas sim as
qualidades poéticas da obra.
Em nosso entendimento - a Game Art é um trabalho artístico, que se apropria
do game, seja como artefato, campo, linguagem ou como componentes para a sua
produção. Estes componentes podem ser tecnológicos como no uso da tecnologia
de Doom para “Ars Doom”, da cultura dos games, como a apropriação estrutural e
subversão de valores em “F69”, ou ambos como no caso de “Super Mario Battle N.
1”., quando a obra remove as interações do jogo original, mas se apropria de sua
tecnologia e linguagem com objetivo de expressar sua idéia de inevitabilidade em
detrimento da jogabilidade tradicional esperada. A intenção de uma expressão
conceitual, visual, cultural e crítica são colocadas acima de qualidades
tradicionalmente valorizadas nos games comerciais, como qualidade gráfica,
jogabilidade, narrativa, rigor das regras fixas, recompensas e condições de vitoria e
derrota.
A Game Art utiliza esses elementos dos jogos, mas nem toda obra da Game
Art é no final um jogo. Para entender como isso é encarado pelo público e melhor
identificar as affordances do Game Art perante as affordances do game tradicional,
buscamos relatos de recepção de um trabalho de Game Art. No site Doom World,
portal para a distribuição de modificações de Doom, há um espaço para avaliações
das modificações ali disponíveis. Na página da Game Arte39 “Ars Doom”, podemos
verificar um pouco de sua recepção (Fig. 10).

39
Disponível em: https://www.doomworld.com/idgames/themes/x-
rated/i_am_old_enough_to_look_at_this/ars_sml. Acesso 24/08/2019.
40

Figura 10 - Avaliações de “Ars Doom”.

As análises variam, entre avaliações negativas e positivas, como podemos


observar na escala de 5 estrelas. Elas acompanham um texto, através da leitura
dessas mensagens deixadas pelos avaliadores, em conjunto com a nota atribuída
podemos levantar algumas suposições para nossa reflexão.
Na primeira análise, o usuário dá 0 estrelas para o trabalho e escreve:
“pedaço de m****”, podemos entender que ele realmente não gostou de nada do
trabalho e não supriu suas expectativas. Esse fato não é surpreendente, pois se
observarmos as modificações de Doom disponíveis no site, em grande parte
pretendem expandir o game existente, mas mantendo a mesma estrutura, algo que
não é o objetivo de ”Ars Doom”. Já o segundo usuário avalia com 5 estrelas e
escreve “Se você acha que já viu de tudo, jogue isto.”. Podemos entender que houve
um estranhamento referente ao trabalho, sugerindo que esse jogador não estivesse
esperando esse uso do game base Doom, mas devido as 5 estrelas, podemos
entender que ele gostou de jogar algo fora do comum, que subverteu sua
expectativa. Outras avaliações entram dentro deste espectro, geralmente não
gostando de nada e avaliando negativamente ou se surpreendendo com um uso do
game que eles não esperavam.
O que nos chama a atenção é uma avaliação de 3 estrelas, uma nota
mediana, e o avaliador anônimo descreve os pontos negativos e positivos: “Este é o
mapa 01. É um projeto de cyber art nostálgico, dos dias do navegador Netscape 3.1.
41

As salas são populadas por grandes rostos flutuantes que não te atacam. A arte é
surpreendentemente bem escolhida – os criadores sabiam das limitações da paleta
de cores de Doom. Aqui tem uma página sobre o trabalho (....) A arquitetura é legal,
porém difícil de navegar. Não há uma jogabilidade real, mas eu acho que não existia
intenção para tal. Um pouco de conteúdo rude (artístico).”
Essas reações são ótimas para exemplificar alguns pontos centrais do nosso
argumento sobre a Game Art e de como a affordance do game muda dependendo
de seu contexto.
Algumas das avaliações negativas criticam a “falta do que fazer” na Game
Art, indicando uma decepção sobre a falta do jogabilidade tradicional de Doom (que
é estruturado em fases, com obstáculos e desafios) e as positivas são de jogadores
que se surpreendem de forma positiva ao perceber que essa modificação não segue
a estrutura de um game tradicional, ficam interessados na novidade ao perceber que
a modificação subverte as interações tradicionais, pretendendo um novo objetivo, no
caso, de expressão artística. Em nossa leitura, podemos identificar esses dois tipos
de avaliações como vindos de um público de jogadores, abordando a Game Art com
as affordances de game tradicional.
A única avaliação que parece destoar destes dois extremos é aquela de 3
estrelas, com um texto mais elaborado explicando sua avaliação. Esse usuário
aparenta ser parte do público dos games: avalia a jogabilidade com um parâmetro
de valores tradicionais e demonstra conhecimento sobre o game base Doom quando
fala sobre limitações da tecnologia da paleta de cores. Ao mesmo tempo, apresenta
um conhecimento o contexto artístico em que a Game Art foi criada, citando
entender o porque de Ars Doom não apresentar jogabilidade tradicional e
oferecendo um link com o um texto adicional com informações sobre o trabalho.
Nesta curta avaliação ele pretende fazer a difícil tarefa de avaliar o Game Art com
critérios ao mesmo tempo do público e indústria de games (entre eles a jogablidade)
e do público de arte (crítica artística) e esbarra na grande questão do Game Art.
Estas curtas avaliações apontam um dos pontos mais críticos em que se
refere aos conceitos a Game Art. Se a Game Art é o fazer de arte com o jogo digital,
quando a Game Art modifica ou remove características centrais do jogo, ela ainda é
um tipo de game? Além dessas características formais essenciais, há outras
expectativas de um bom game, como por exemplo, uma jogabilidade fluida,
progressão, uma narrativa clara e que apresenta desafios justos para o jogador
42

superar, como podemos ver nos games comerciais de sucesso. Há também outra
questão, pois há um grande público que já considera a abordagem do game
tradicional como uma abordagem artística. Trazendo outra pergunta complexa: O
game só se torna arte quando é uma Game Art?
Para ajudar a responder a esses questionamentos utilizamos um texto de
Alexander Galloway, que faz um recorte da Game Art e chama essas obras com
games de Countergaming40 (algo como contra-game) por conta dessa negação das
características estruturais, comparando com a produção de contra-cinema do
cineasta Jean Luc Godard. Galloway diz que essa produção de contra-cinema
existia a margem da grande indústria cinematográfica (no caso Hollywood) e
buscava explorar, subverter e expandir essas regras formais para expandir a
potencialidade da linguagem cinematográfica. Podemos ver que essa proposta é
similar a relação do Game Art com o game.
...artistas contemporâneos de modificação de games tendem a se
aproximar do design visual do game, ou de sua tecnologia. Mods de
jogabilidade são menos comuns e de fato a jogabilidade é
negligenciada a ponto de desaparecer desses trabalhos dos artistas.
(GALLOWAY, 2006, p. 108, tradução nossa41)

Galloway aponta que o movimento que chama de Countergaming falha pelo


fato da exploração ser superficial, focando em aspectos visuais, temáticos,
contextuais e tecnológicos do game, e não no seu diferencial, suas dinâmicas de
interação, como quando o jogador altera o mundo virtual através da sua “ação do
jogar”42, que é engajar em suas mecânicas e dinâmicas. Se a Game Art pretende ser
o game poético, elevando o potencial expressivo da sua linguagem, seus
desenvolvedores devem de fato focar na expressão poética através aspectos
específicos e únicos da linguagem e não se ancorar nas características secundárias,
como nos seus elementos visuais, narrativos e tecnológicos. Galloway finaliza seu
texto com a seguinte afirmação:
Então o countergaming é um projeto não realizado. Um movimento
independente de games ainda não floresceu, fato que não é
surprendente, afinal demorou décadas para o mesmo acontecer com
o cinema. Mas quando ele (o movimento) surgir, vai transformar o
movimento do countergaming, assim como Godard transformou o

40
Notamos aqui mais um exemplo da abundancia de termos, que muitas vezes se sobrepõe. A fim do
bom andamento do texto, consideramos o countergaming como parte do Game Art.
41
Original “In other words, contemporary artist-made game mods tend to approach either the visual
design of the game or the underlying game engine. Mods of actual gameplay are less common, and in
fact gameplay is often neglected to the point of disappearance in most artist game mods.”
42
Tradução nossa, no original Galloway usa o termo “gamic action”.
43

cinema, ou como Deluze fez para a filosofia ou Duchamp fez com o


objeto de arte. E ainda mais importante, os mods de artista poderão
resolver a principal contradição de sua existência até agora: eles
visam remover a sua principal característica, a jogabilidade e então
acabam se firmando inteiramente em outros meios (animação, vídeo,
pintura). Haverá uma realização do countergaming como game,
assim como Godard foi uma realização do contra-cinema.
(GALLOWAY, 2006, p. 126, tradução nossa43)

O Game Art foi e continua sendo um importante movimento, que informa sobre o
relacionamento entre o campo da arte e a indústria dos games, principalmente na
época em que foi realizada a maior parte de sua produção (1995 a 2010), permitindo
também uma reflexão sobre os motivos e objetivos da apropriação da linguagem do
game através da crítica desses trabalhos de arte. Entendemos também que as
críticas são validas e devem ser levadas a sério quando se examina a Game Art.
Levando em consideração que esse texto foi escrito em 2006, devemos verificar se
essa afirmação de Galloway continua valida, pois atualmente a produção de games
passa por um momento de expansão, com um grande número de games lançados a
cada dia (WRIGHT, 2018). No próximo subcapítulo vamos investigar essa premissa:
games que focam na expressão poética através das mecânicas e dinâmicas do ato
de jogar.

43
Original: “So Countergaming is an unrealized Project. An independent gaming movement hás yet to
flourish, something that comes as no surprise, since it took decades for one to appear in the cinema.
But when it does, there will transform the countergaming movement, just as Godard did to the cinema,
or Deluze did to philosophy, ou Duchamp did to the art object. And more importantly, artist-made
game mods will be able to resolve the essential contradiction of their existence thus far: that they have
sought largely to remove their own gameplay and lapse back to other media entirely (animation, video,
painting). This will be a realization of countergaming as gaming, just as Godard was a realization of
countercinema as cinema.”
44

1.3 Artgames, notgames e indie games.

A pluralidade contemporânea da produção de games garante uma maior


diversidade de valores e visões de mundo, inclusive com games que denunciam a
violência como solução, competição, jingoísmo e o sexismo problemático encontrado
em alguns games comerciais. Além dos valores e temas, a maior abertura para a
criação de games também trás diferentes perspectivas sobre o design e estrutura
dos games.
Sharp utiliza o termo Artgames para esse tipo de jogo, termo cunhado pelo
criador de jogos independente, Jason Rohrer em meados de 2005, se refere a jogos
que são criados como projetos artísticos, que não tem como foco a intenção
comercial ou de seguirem formulas tradicionais dos games comerciais, mas sim em
criar experiências poéticas através da cuidadosa construção de mecânicas e
dinâmicas expressivas, focando nas qualidades compreendidas como fundamentais
dos games. É um contraponto da abordagem do Game Art, e desafia a fala sobre a
falha do countergaming de Galloway. O Artgame busca alcançar potência poética
explorando características que são negligenciadas na Game Art, através de uma
nova interpretação do que significa o game poético. Como exemplo de um Artgame,
Sharp menciona Braid (Number None Inc, 2008) (Fig. 11), desenvolvido pelo
designer de games Jonathan Blow.

Figura 11 - Imagem de divulgação de Braid (2008). Fonte: http://braid-game.com/


45

Braid é um game de plataforma, nos moldes dos games clássicos como o já


citado Super Mario Bros., tem como sua mecânica44 principal a manipulação do
tempo. Para solucionar os quebra-cabeças e progredir no game, o jogador tem que
voltar, parar ou avançar o tempo. Além da sua inovação mecânica, o game
apresenta uma premissa narrativa em que conta a história de um relacionamento do
protagonista (Tim) com a princesa (A Princesa). Apesar de ser apresentada de
maneira abstrata, com a abertura para diversas interpretações, a história lida
diretamente com temas sobre a percepção do tempo. Sharp argumenta que essa
inovação mecânica em seu design, e a forma como ela é ligada diretamente os
elementos suplementares da estética, como a narrativa e elementos audiovisuais,
mostra como Braid difere explicitamente da forma como a linguagem do game é
abordada em relação a Game Art.
Artgames used the innate properties of games- among them
interactivity, player goals, and obstacles providing challenge for the
player- to create revealing and reflective play experiences. (SHARP,
2015, p. 12)

O contraste entre as duas propostas, da Game Art com a do Artgame, é vista


em como lidam com as características formais do game para chegar ao resultado
poético. Outros desenvolvedores, como Jason Rohrer, que cunhou o termo Artgame,
também apresentam esse procedimento para a criação de games. Não so os
adeptos do Artgame pensaram na reflexão das dinâmicas dos games como metodo
de criação, outros movientos similares como o duo Belga, “Tale of Tales”, composto
por Auriea Harvey e Michaël Samyn, que na forma de um desafio apresentam o
projeto notgames, de 2010. Com a meta de expandir a linguagem do game além das
concepções tradicionais.
Podemos criar uma forma de entretenimento digital que rejeita
explicitamente a estrutura dos games? O que é uma obra de arte
interativa que não se baseia em competição, metas, recompensas,
vitória ou derrota? (SAMYN; HARVEY, 2010, tradução nossa45)

Em especial, citam o valor da imersão, “momento em que os games te fazem


se sentir em outro lugar”, e a interpretação de que condições como a
competitividade e o desafio, entre outras características tradicionais do game
comercial, podem impedir esse potencial de imersão. De acordo com nossa leitura,

44
Mecânica – termo usado no game design para se referir a ações possíveis do jogador dentro do
mundo do game.
45
Original: “Can we create a form of digital entertainment that explicitly rejects the structure of games?
What is an interactive work of art that does not rely on competition, goals, rewards, winning or losing?”
46

apesar de pequenas diferenças na abordagem, o projeto notgames se encaixa na


mesma proposta dos Artgames como definido por Sharp e Rohrer.

Apesar de serem considerados games alternativos aos games comerciais do


mercado, estes Artgames e notgames geralmente são vendidos e consumidos nas
mesmas plataformas que os games da grande indústria, seja em consoles, celulares
ou computadores pessoais. Um termo popularmente usado para classificar esse tipo
produção, é a de game independente, também chamados de indie games. Segundo
a Anita Cavaleiro:

O termo indie é oriundo da abreviação em língua inglesa da palavra


independente foi “emprestado” da indústria cinematográfica pelos
desenvolvedores de jogos digitais. Quando falamos da produção
independente de cinema, o filme indie é aquele desvinculado de
grandes estúdios, usualmente feito com baixo orçamento e com total
liberdade criativa (IUPPA & BORST, 2010, p. 10 - 11).No universo
dos jogos digitais, indie dev – abreviação para desenvolvedor
independente – é uma nomenclatura bastante conflituosa, sendo
geralmente utilizada para designar tanto estúdios de pequeno porte
que mantêm autonomia sobre a porção criativa do desenvolvimento
de seus jogos, quanto os jogos por eles desenvolvidos. (CABRERA,
2016, p. 50)

Definir as características do game indie é uma tarefa complexa, pois há uma


discussão envolvendo diferentes pontos de vista em andamento entre a indústria de
jogos, artistas e a comunidade científica. Há uma serie de pesquisas que buscam
discutir essa questão, como a dissertação de mestrado de David Lemes pela PUC
“Games independentes: fundamentos metodológicos para criação, planejamento e
desenvolvimento de jogos digitais” de 2009.
Na verdade, game independente é um conceito amplo que pode ser
ilustrado de várias formas. Na presente pesquisa, o game
independente será tratado com um projeto a ser desenvolvido sem
aportes financeiros de grandes empresas. Independente, por assim
dizer, é um game que é desenvolvido por uma pequena equipe, ou
individualmente, por pura paixão sobre o assunto ou simplesmente
pelo fato de querer um dia ganhar dinheiro e fazer carreira na área
de criação e desenvolvimento de jogos digitais (LEMES, 2009, p. 27)

Um grande problema do termo indie para se classificar games é o fato que ele
surgiu de uma co-optação de outras produções culturais. A comparação com o filme
indie e a música indie pode trazer a tona uma serie de problemas, pois cada
linguagem tem suas especificidades de produção. Um filme, mesmo que indie, tem
uma estrutura muito maior que uma banda de garagem, que produz música de forma
47

independente, e ambas as situações diferem muito da produção independente de


games. Entendemos que essa é uma discussão complexa, merecendo pesquisas
dedicadas a examinar esse assunto a fundo, mas decidimos definir o indie para essa
pesquisa como o game que é desenvolvido com total controle criativo acerca de sua
produção, com independência financeira e que são produções não vinculadas a
grandes publicadoras46 e fabricantes de consoles.
A partir da nossa definição tanto o Game Art e os notgames, são
caracterizados como produções independentes. Há certa semelhança entre alguns
games considerados Indie, o que leva a muitos considerarem o indie como gênero
de jogo. Isso se deve pelas metodologias adotadas para produção de games
menores, já que são criados de forma independente, o foco em tecnologia de ponta
e gráficos tridimensionais complexos é deixado de lado em favor ao foco nas
dinâmicas de jogo, narrativa e gráficos 2D que acabam sendo aspectos de menor
custo de produção. O game indie é muitas vezes reconhecido pela suas escolhas
estéticas, utilizando técnicas como o pixel art, como no Super Mario Bros.. Apesar
de ser recorrente nos games indie, não são regra (existem games indie
tridimensionais ou que não utilizam a pixel art) entendemos o seu uso tanto como
método para facilitar a produção de conteúdo, games 2D geralmente são mais
rápidos de serem desenvolvidos e como forma de expressão, no apelo a nostalgia
por remeter aos games comerciais do passado (anos 80 e 90).

46
Publicadoras são empresas que fazem o marketing, relações públicas, divulgação e negociações
com as plataformas. Servem como ponte entre o desenvolvedor com o consumidor.
48

1.4 Games alternativos e games comerciais.

Entendemos que há uma abundância de termos, para identificar as


comunidades ao redor dos games, até esse momento do texto introduzimos,
definimos e exemplificamos alguns dos termos mais encontrados na discussão de
games. Ainda há uma infinidade de variações desses termos, que surgem por
fatores como a diferente nacionalidade dos teóricos e praticantes, diferentes campos
de estudo e as diferentes interpretações, filosofias e teorias sobre o game na cultura.
Porém, há uma certa sobreposição entre alguns conceitos chave. No caso da Game
Art e suas variações como Gamearte e Gameart notamos que as características e
definições são similares na maioria dos autores que as utilizam, um exemplo que
encontramos é no caso de como esses termos são utilizados por Sharp (Game Art) e
Venturelli (Gamearte). O Conceito de Countergaming de Galloway também possui
características similares ao Game Art. Entendemos também que esses movimentos
artísticos também se enquadram na definição de game indie. Isso pode nos dar a
impressão que a discussão sobre terminologias é infrutífera visto a redundância que
isso pode trazer, mas lembramos também que cada termo aqui citado tem sua
época, campo e prática. Perguntamos a Suzete Venturelli sobre qual importância
carrega a terminologia ao se discutir os games com intenções poéticas que em sua
pesquisa utiliza o termo Gamearte.
Se for escrever um texto crítico sobre o assunto com certeza vou utilizar o
termo. Depende do espaço que fomentou a proposta. Por exemplo, o
espaço expositivo que divulgou os jogos aqui no Brasil, como um campo de
conhecimento e de entretenimento, foi o Itaú Cultural, assim como, o Banco
do Brasil também. Esses espaços culturais dos bancos ficaram muito
atentos ao que estava acontecendo e abriram espaço também para essa
criação independente. Nesse período, surge o termo indie game, que não é
aquele do game comercial tradicional. O artista encontrou um espaço para
mostrar suas obras. Para muitos a arte de hoje é o game. Assim como
ocorre como o cinema, que é considerado também arte, mas nem todo o
47
cinema é arte. (VENTURELLI, 2019 )

A discussão que trouxemos até esse momento, nos traz um panorama sobre
como são vastas as comunidades e públicos que criam, interagem e experiênciam
os jogos digitais, além de como suas affordances se modificam de grupo a grupo, de
termo a termo, nesta pluralidade. Para construir nossa contextualização do game
alternativo na cultura, a definição, comparação e exemplificação de termos se
mostra uma estratégia útil, para entender a existência do game além do produto

47
Trecho da transcrição da uma entrevista realizada pelo autor. Disponível no anexo.
49

comercial tradicional. A discussão sobre terminologia pode se estender de


indefinitivamente, afinal há inúmeras modificações desses movimentos e
comunidades, que surgem a todo o momento, conectadas por interesses de nichos
específicos, tal discussão é algo que sairia de nosso escopo.
Sugerimos nessa etapa, utilizar o termo game alternativo como um guarda-
chuva para todos esses movimentos, pois tanto a Game Art, countergaming,
notgames e Indie Games compartilham o fato de existirem além da grande
indústria48.
Não focamos na discussão dos games comerciais até então, somente nos
preocupamos a definir suas características formais e exemplificar algumas de suas
qualidades, isso se da porque nosso objetivo é discutir os processos criativos
através da reflexão e produção destes games que existem em paralelo ao mercado.
Partindo desses princípios, nossa criação só pode ser classificada, devido aos
interesses poéticos, de escopo e financiamento ser de games alternativos. Diante
dos desafios tecnológicos e as demandas do mercado, produzir um game com as
mesmas qualidades do game comercial (gráficos de ponta, elevado nível de
produção, marketing, entre outras) é uma tarefa complexa, e fora da realidade de
nossa pesquisa e em grande parte, do cenário de games nacional, independente de
sua direção poética.
Mas não é só uma limitação de recursos que aponta nossa produção de
games durante essa pesquisa para o campo dos games alternativos, mas também a
liberdade criativa para experimentar com as facetas estruturais, estéticas e
contextuais dos nossos games. Por exemplo, a expectativa de duração, que é uma
affordance comum aos games AAA pelo grande público, permite focar em uma
experiência de jogo de curta duração, porém que tem intenção de inovar em algum
aspecto da linguagem do game.
Os games comerciais são relevantes, afinal foi através deles que a linguagem
do game se formalizou e popularizou, se tornando uma importante forma de
entretenimento de nossa era. Mas os desafios da indústria, como o foco comercial,
acaba dificultando a liberdade dos desenvolvedores, limitando as abordagem
possíveis, inclusive interpretações da linguagem de maneira inovadora já que os
48
Apesar dos games indie geralmente serem também comerciais, como discutimos no capitulo
anterior a liberdade criativa no caso dos indies é de controle dos desenvolvedores. Na grande
indústria, esse controle acaba ficando com os financiadores dos projetos: as publicadoras e os
acionistas.
50

formatos mais estabelecidos que tem maior chance de gerar lucro. Existem
exceções, como em games comerciais também conseguem inovar, como no caso do
já citado The Sims, se expressar e ajudar a avançar a linguagem, mas eles não
compõem a grande maioria dos games AAA lançados no mercado.
Na história dos Games também vemos como essa situação se modifica
dependendo da tecnologia de cada era. Nos primórdios dos games, os times de
desenvolvimento eram menores, muitas vezes eram formados por apenas um
desenvolvedor, como por exemplo, no caso game de sucesso River Raid (Activision,
1982) que foi desenvolvido por apenas uma pessoa, a designer de games Carol
Shawn. Em 1982, ano de lançamento do game, a publicadora Activision empregava
cerca de 60 funcionários (FLEMING, 2007). Hoje, a mesma empresa, Activision
Blizzard emprega cerca de 9.600 pessoas (CONDITT, 2019). Porém com o avanço
tecnológico e o aumento dos custos para se produzir um produto competitivo no
mercado, somado a necessidade de se assegurar retorno de investimentos, traz
uma homogeneização às produções blockbuster.
Games menores, com custos menores e com públicos menores têm
o luxo de poder ser mais experimentais ou bizarros do que os games
de 12 milhões de dólares, que acabam sendo mais seguros, para
garantir um retorno de investimento. Imagine o que uma indústria que
não tivesse a necessidade de criar hits para se sustentar poderia
criar. (ANTHROPY, 2012, p. 19, tradução nossa49)

Consideramos o game alternativo como uma variação da produção do grande


mercado e um espaço onde encontramos a mais experimentações e criatividade na
interpretação dos fundamentos dos jogos do que nos games comerciais. Importante
notar que as definições não restringem a qualidade do game: existem games que
iniciam seus projetos como games alternativos, alcançam reconhecimento do
público mais amplo, incluindo da industria se tornam sucesso no mercado. Também
existem aqueles games alternativos que não buscam inovação ou intenção poética,
principalmente no caso dos games indie já que o termo caracteriza a natureza
financeira do processo. Grande parte da produção de games alternativos é também
experimentação, nem todo game alternativo se encaixa nas definições clássicas de
jogo como as de Juul, muitas vezes causando insatisfação do público, mesmo

49
Original: “Smaller games with smaller budgets and smaller audiences have the luxury of being more
experimental or bizarre or interesting than 12 million dollar games that need to play it as safely as
possible to ensure a return on investment. Imagine what a videogames industry that wasn’t fixated on
hit- that wasn’t required to make hits- would create.”
51

aquele que consome games alternativos. Janet Murray relata sua percepção sobre
novos gêneros jogo e experiências inovadoras.
Cada vez que os desenvolvedores criam novos gêneros para
histórias digitais ou games mais imersivos, os interatores os
experimentam e se sentem frustrados ou encantados. Muitas vezes
esses produtos trazem expectativas que ainda não podem suprir –
mais conhecimento enciclopédico, mais liberdade de navegação e
mais manipulação direta de elementos da história. (MURRAY, 1997,
p. 89 – 90, tradução nossa50)

Em certo ponto a discussão sobre terminologias cessa de ser um debate


produtivo, tanto pela disputa de espaços que pode surgir, quanto pela redundância
de aproximações entre gêneros e tipos de produção. Para nossa pesquisa, esse
debate esgota sua função no momento em que conseguimos entender esse
panorama que envolve diversos fatores tanto dos criadores, como das comunidades
que formam o público. Agora que compreendemos melhor o que são, em que
contexto são produzidos e como são recebidos, podemos continuar com nosso
objetivo de discutir os processos de produção de games alternativos.

50
Original: “Each time developers create new genres of digital stories or more immersive games,
interactors try them out and grow frustrated or enchanted. Most often these incunabular products
arouse expectations they cannot yet fulfill—for more encyclopedic coverage, for greater freedom of
navigation, for more direct manipulation of the elements of the story.”
52

Cap. 2. Processos e procedimentos experimentais e acessíveis para games


alternativos.

A produção de games passa por um momento de democratização, com cada


vez mais novos criadores desenvolvendo seus próprios projetos. Algo que nem
sempre foi possível, isso devido aos conhecimentos técnicos, financeiros e de
tamanho de equipe que são necessários para a criação de um game. Os campos do
conhecimento da programação, game design, ilustrações, música e testadores
(TAVARES, 2009, p.240) formam um time de desenvolvimento tradicional. Hoje
podemos contar com a ajuda de comunidades, parcerias a distancia, ferramentas e
engines que acabam facilitando e acelerando o trabalho. A maturação das
pesquisas, no campo de Estudo de Jogos, também contribui para um maior
entendimento das características dos jogos. Mesmo que a criação de games não
tenha se tornado algo trivial, os avanços em acessibilidade das tecnologias
permitem que um maior grupo de pessoas possa criar seus próprios jogos
(ANTHROPY, 2012). E esses grupos só tendem a crescer devido a popularidade
dos games, segundo Suzete Venturelli:

Nas escolas e nas universidades, os estudantes discutem jogos com


a mesma paixão com que a geração anterior falava dos astros do
cinema hollywoodiano e das novelas. Com o apelo da inclusão digital
e as facilidades proporcionadas pelas estações gráficas, tudo indica
que um número crescente de estudantes vai preferir ser criador de
jogos a cineasta. (VENTURELLI; MACIEL, 2008, p.60)

Então essa acessibilidade aliada com o crescente interesse contribuem para


maior diversidade de desenvolvedores, trazendo também essa pluralidade de
interpretações sobre o que são os games e o que eles podem explorar. Hoje vemos
no dia a dia a linguagem dos computadores, internet e jogos digitais, contribuindo
para estabelecer a naturalidade dos meios digitais, no nosso caso jogos digitais,
como meios para a elaboração de trabalhos expressivos (UPITIS, 1998). Esses
novos criadores também convivem com os veteranos e pioneiros do
desenvolvimento de games, já que linguagem surgiu recentemente, eles estão
presentes e continuam produzindo e refletindo sobre a linguagem do game. É
comum os jogadores mais entusiastas participarem ativamente de comunidades de
discussão de games. Há também um interesse em atuarem também como
desenvolvedores em comunidades focadas em discutir o desenvolvimento,
53

metodologias, teorias dos games desenvolvendo e compartilhando seus próprios


games.
No decorrer desse capítulo vamos discutir alguns dos métodos e ferramentas
acessíveis da produção de games, que tornam a linguagem atraente a iniciantes,
artistas e curiosos aqueles que podem trazer novas perspectivas a linguagem do
game.
54

2.1 Modificação como processo na Game Art.

Ao realizar um levantamento da produção de games alternativos podemos


detectar grande número de trabalhos que se utilizam de modificações de games
como processo criativo da construção de obras de Game Art.
O coletivo JODI, em 1992, desenvolvia trabalhos de novas mídias, incluindo a
modificações de games. A obra “SOD” (1992) que consiste em uma modificação do
game Wolfenstein 3D (ID Software, 1991), transforma os corredores do castelo
nazista em que o jogo se ambienta e os soldados fardados, oponentes do jogador,
por abstrações gráficas. Explorando os padrões tridimensionais que o motor gráfico
do jogo proporciona. Outro exemplo é “Velvet-strike” (2002), de Anne-Marie
Schleiner, uma modificação do popular jogo de tiro Counter-Strike (Valve, 2000),
apropria da mecânica de ’grafite’ inclusa no popular game multi-jogador, para incluir
mensagens subversivas e anti-guerra dentro das partidas do jogo, que tem como
temática o confronto entre policiais e terroristas. Também modificando Counter-
Strike a obra “Realidades Alternativas” (2006) de Roger Tavares e Felipe Neves é
composta por três modificações que subvertem o realismo proposto pelo game.
Trabalhos como “[domestic]” (2003) de Mary Flanagan, e “Super Mario Clouds”
(2002) de Cory Arcangel, também utilizam a modificação como forma de criar
trabalhos artísticos.
Estas modificações de jogos comerciais, Mods, como são habitualmente
chamados pelas comunidades de jogadores, utilizam produtos comerciais já
existentes, os games comerciais e modificam regras, valores e visual para criar algo
novo, neste caso, trabalhos artísticos. Assim como a Machinima51, que também é
um tipo de produção poética utilizando games como meio. Com o uso de tecnologia
de ponta nos games, típico da indústria dos Games (NESTERIUK, 2009), a
modificação se mostra como uma forma de se apropriar desta tecnologia de ponta
destes softwares, sem a necessidade de desenvolver todo um game da estaca zero.

51
Partindo da etimologia da palavra em inglês “machine” com “animation” temos “Machinima” –
abreviação de “machine animation”. Traduzindo para o português algo como “animação de máquina”.
Refere-se à prática de animar através de games, que muitas vezes não tem ferramentas para a
criação cinematográfica. Os curtas e longas metragens produzidos através dessa técnica são
chamados de Machinima.
55

Ao adentrarmos no histórico do processo de criação das Game Art aqui


citadas, observamos uma semelhança nos games que foram utilizados para a
criação dessas obras.
Algumas características dos games usados pelos artistas nos chamam a
atenção: são populares entre os consumidores (KONNIKOVA, 2013), contém
tecnologia de ponta na representação de ambientes virtuais e são games de tiro em
primeira pessoa. Apesar de serem games comerciais e protegidos pelas leis de
propriedade intelectual, são populares para modificações, algo que é encorajado
pelos desenvolvedores. Estes games dividem uma linhagem de desenvolvedores e
iterações de tecnológica52. Uma característica destes games é sua propensão à
divulgação do código base, o source code, após um período de tempo quando as
vendas diminuem, isto os torna mais atrativos a modificação, como ocorreu no caso
de Wolfenstein 3D. Já Unreal Tournament 2003 e Half-Life (Valve, 1998) dispõem de
ferramentas de modificação disponibilizadas pelos próprios desenvolvedores,
facilitando a tarefa. Essa tradição dos desenvolvedores contribuiu para a criação de
uma cultura de modificação e a criação de suas comunidades. Como indica o
seguinte trecho do texto de Tilman Baumgärtel:
Como regra, fãs se contentaram com “novas decorações” de
estruturas existentes, porém os artistas realizaram mudanças mais
drásticas, algumas delas que tornam esses games completamente
não jogáveis. Enquanto isso até os notáveis “game de tiro”, os
chamados de games de “tiro em primeira pessoa” colocavam
programas capazes de criar ambientes tridimensionais, os “editores
de níveis” a disposição de seus usuários. Utilizando esses
programas, os jogadores poderiam criar seus próprios “níveis”, esse
era um método utilizado para estender o interesse do usuário em
algum game.(BAUMGARTEL, 2004, tradução nossa53)

Essas extensões e editores disponíveis os tornam atraentes e acessíveis ao


desenvolvimento de modificações de qualquer tipo, incluindo para o
desenvolvimento de Game Art. No caso de “Velvet-strike” a obra é, então, um Mod
(Velvet-Strike) que subverte outro Mod (Counter-Strike). A situação toda só é

52
Gráfico ilustrativo sobre a linhagem tecnológica dos jogos de tiro, criação colaborativa. Disponível
em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/b/b8/FPSChart.svg. Acessado em 01/05/2017.
53
Original: “As a rule, fans contented themselves with ‹new decorations› of existing structures,
whereas artists carried out very many far-reaching changes, some of which led to the games
becoming completely unplayable. Meanwhile, even the notorious ‹Shooter games, that is, the so-
called ‹first person Shooters,› put programs capable of developing three-dimensional spaces—the so-
called ‹level editors›—at the disposal of their users. Using these programs, the players could create
their own ‹levels; this was a method of keeping gamers tied longer to a particular game.”
56

possível pela utilização de ferramentas desenvolvidas pelos produtores do game


base, Half-Life. Segundo a Artista:

A artista Annemarie Schleiner escreve: Como o MC sampler de rap,


o hacker de games opera como um hacker de cultura, que manipula
estruturas tecno-semióticas para fins diferentes, como descrito pelo
artista Brett Stalbaum, aquele que se propõe a adentrar em sistemas
culturais para fazê-los operar de uma maneira que nunca foi
premeditada.(BAUMGÄRTEL, 2004, tradução nossa54)

A história dos Mods de certa forma começa logo quando os primeiros games
foram desenvolvidos (PEPE, 2017). Porém, os games como produtos de
entretenimento comercializados, são protegidos por seus desenvolvedores e
distribuidores sob o conjunto de leis que resguardam a propriedade intelectual. A
venda e consumo de software trabalha em um conjunto de disposições legais as
quais definem sua compra e uso através de uma licença de uso, ou seja, ao comprar
um software (no caso, um game), o usuário obtém somente o direito para o uso, e
não tem, legalmente, o direito de modificá-lo, ou exibi-lo em espaços públicos entre
outras restrições. Ou seja, quando os artistas modificam os games, já estão
subvertendo seu uso previsto, e no processo, infringindo leis. Legalidade a parte, a
modificação como processo criativo sempre foi popular. Os designers e
desenvolvedores de games têm opiniões divergentes em relação a tal prática: a
argumentação contra essa prática é a impossibilidade de vender a sua criação, algo
que seria possível ao desenvolver um game próprio, além das limitações que as
modificações podem ter, herdadas do game base.
Porém, quando falamos de Game Art, a popularidade da modificação para a
construção de trabalhos nos leva a refletir sobre algumas práticas análogas a essa
apropriação e modificação a fim da concepção uma obra artística. A apropriação
como poética nos remete aos Ready-mades de Duchamp, as colagens dos
integrantes do movimento dadaísta e as apropriações de produtos de consumo, de
Andy Warhol, da Pop Art. Lidando com propriedades digitais, cultura do
compartilhamento de arquivos, técnicas e processos na rede, este tipo de produção
levanta questões pertinentes à situação atual sobre os conjuntos de leis que regem

54
Original: “[…] artist Annemarie Schleiner writes: Like the sampling rap MC, game hacker artists
operate as culture hackers who manipulate existing techno-semiotic structures towards different ends
or, as described by artist Brett Stalbaum, who endeavor to get inside cultural systems and make them
do things they were never intended to do.”
57

a propriedade intelectual e o copyright. A apropriação artística de conteúdo digital


não aconteceria se essas regras fossem seguidas a rigor por todos, impedindo a
criação de vários trabalhos artísticos.
Em Super Mario Clouds (2002) (Fig. 12), o artista norte americano Cory
Arcangel modifica um cartucho do popular game Super Mario Bros. (Fig. 8),
substituindo o conteúdo original por um chip que ele mesmo programou (Fig. 13),
com a ajuda das comunidades online de modificação de games. O artista retira
dados referentes aos personagens e aos elementos visuais do game original, e os
substitui com um chip que contém apenas os dados referentes às nuvens presentes
no cenário do game original. Quando iniciado, o game exibe na tela somente o céu e
as nuvens do cenário. A partir deste resultado, realiza uma instalação contendo o
aparelho de game, seu cartucho e uma projeção do resultado. O trabalho ainda é
composto de um diário/documentário do processo e uma série de serigrafias dos
sprites das nuvens, que vende em seu site pessoal.
Ao modificar um game que não oferece ferramentas de modificação, como no
caso da Game Art “Super Mario Clouds”, é preciso um trabalho de engenharia
reversa (Hackear), ou seja, entender como o sistema funciona, a função de cada
componente, para conseguir modificar elementos do game. Para pontuar a
importância da participação destas comunidades online, Cory Arcangel diz “Aqueles
que praticam um passatempo são os verdadeiros heróis da arte de computador
contemporânea.” (ARCANGEL, apud TRIBE; JANA, 2007, p.28)

Figura 12 - “Super Mario Clouds” (2002). Dimensões variáveis. Whitney Museum of American
Art, New York.
58

Figura 13 - Cartucho modificado, parte da obra “Super Mario Clouds” (2002).

Mark Tribe e Reena Jana elaboram no catalogo New Media Art (2007) uma
reflexão sobre a consciência política do trabalho. Apontando a naturalidade do ato
de apropriação de software e hardware na era da internet. Mesmo quando o
software não é composto de código aberto ou dispõe de ferramentas e editores para
a modificação:

Apesar de <<piratear>> jogos de vídeo poder parecer um acto


fundamentalmente subversivo, sugerindo uma atitude anti-
corporativista por parte do artista, este trabalho é mais lúdico do que
críptico. Arcangel parece levar a apropriação como algo natural,
como se a amostragem da propriedade intelectual das companhias
de jogos e outros programadores fosse o modo residual de autoria.”
(TRIBE M.; JANA R., 2007, p.28)

O coletivo JODI (ou JODI.org) apresenta um percurso de inovação na Arte-


Tecnologia e desde 1999 já produz obras em computadores e na rede, considerados
como pioneiros da new media art (novas mídias). Entre sua produção surge SOD55
(1992) (Fig. 14), os artistas apropriam e subvertem seu ambiente virtual. Torna o
game de tiro em um ambiente virtual interativo, transformando seu cenário em
formas geométricas puras e padrões pixelados, em preto e branco, para a
exploração do jogador. Uma característica interessante desse trabalho, é que ele

55
Registro em vídeo disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=eGjksSBYEgs. Acessado em
03/05/2017. O game base é Wolfenstein 3D, figura 15.
59

mantém alguns elementos de som e a lógica de jogo, então o game deve ser jogado
para permitir a exploração do cenário, porém todo aspecto visual agora é abstrato.

Figura 14 - Captura de tela de “SOD” (1992).

Figura 15 - Captura de tela de Wolfenstein 3D. Fonte:


https://www.moddb.com/games/wolfenstein-3d/images/wolfenstein-3d-in-game2#imagebox

Aqui o interesse é maior pela apropriação e pela subversão da tecnologia, a


fim de modificar sua experiência visual. Essa é uma marca registrada do coletivo
JODI em seus trabalhos, mesmo quando não envolvem games.
Outros trabalhos de Game Art se apropriam também para abordar temas
sobre política, moral e ética, através da subversão da estética e temas dos games
modificados. Mary Flanagan em “[domestic]”56 (2003) (Fig. 17) subverte o espaço

56
O game original é Unreal Tournament 2003 (Fig. 16).
60

cinza, frio e impessoal do game, a fim de criar um ambiente virtual para apresentar
uma narrativa sobre recordações da sua infância.
[...]De acordo com Flanagan [domestic] não crítica diretamente os
jogos violentos de atiradores, ou a interação dos jogadores com eles.
Flanagan pergunta: <<Podem os espaços dos jogos “high tech”,
muitas vezes violentos, frios ou impessoais, ser subvertidos para
criar uma experiência: um jogo afectivo que personaliza o espaço e
por isso o politiza? Pode a navegação num jogo 3D operar como
meio de desafiar, ou “não-jogar”, as regras convencionais de
funcionamento dos jogos de atiradores?>>[...] (FLANAGAN, M. apud
TRIBE, M.;JANA, R.; 2007, p. 44)
Apesar de o ato de se apropriar do game não ser o foco desta Game Art, mas
sim a construção de um tipo de instalação em um ambiente virtual, que traz uma
narrativa inspirada em sua infância, a artista reconhece a importância do conteúdo
original para construção de sua poética. Trata-se aqui a ocupação e modificação
deste espaço virtual como uma prática análoga à de uma instalação site-specific. A
apropriação como forma de subversão é elemento recorrente na Arte.
[domestic] funciona como instalação no ambiente virtual do motor do
jogo; Flanagan apropria-se de Unreal Tournament como um
convencional artista de instalações poderia abordar um espaço de
uma galeria e transformá-lo num trabalho de ambiente artístico
tridimensional. No caso de [domestic], Flanagan cobre as paredes do
espaço cavernoso com imagens de bosques, da casa e de
fotografias recolhidas de álbuns de família. [...] (TRIBE, M.;JANA, R.,
2007, p. 44)

Figura 16 - Unreal Tournament 2003. Fonte:


https://www.mobygames.com/game/windows/unreal-tournament-
2003/screenshots/gameShotId,924133/
61

Figura 17 - Captura de tela de “[domestic]” (2003).

Mesmo quando tênues, as modificações podem alterar de forma substancial o


modo como nós engajamos com um conteúdo. Esse cenário se mostra fértil para a
apropriação e modificação dos valores de games. Os artistas Anne-Marie Schleiner,
Joan Leandre e Brody Condon desenvolvem “Velvet-Strike”57 (Fig. 18). O trabalho
nasce em um momento conturbado, logo após os atentados de 11 de setembro nos
Estados Unidos.
Os artistas viram o jogo como uma simplista <<convergência dos
jogos de atiradores e das políticas contemporâneas para o Médio
Oriente... que deixa de fora uma série de complexidades como a
economia, a religião, a família, a alimentação, os filhos, as mulheres
e os campos de refugiados>> (TRIBE; JANNA, , 2014, p.82)

A obra “Velvet-Strike” (2002) que adiciona alguns elementos ao game, para


permitir a opção de expressar mensagens contra as políticas da guerra, através de
grafites de protesto, indo a encontro com a temática e valores apresentados no
game original.

57
Uma modificação para o popular game em rede Counter-Strike (Fig. 19).
62

Figura 18 - Captura de tela de “Velvet-Strike” (2002).

Figura 19 - Captura de tela de Counter-Strike. Fonte:


https://www.mobygames.com/game/windows/half-life-counter-
strike/screenshots/gameShotId,65466/

Além deste conteúdo modificado dentro do game, há uma série de


desdobramentos, como de registros (capturas de tela) da reação de outros
jogadores anônimos na rede e instruções para a realização de performances de
protesto dentro do game. Neste caso, não existe uma distinção direta entre o ponto
63

em que o game termina e o ponto onde a gamearte começa, já que a modificação é


sutil e ativada pelos performers.
Os Artistas brasileiros Roger Tavares e Felipe Neves em produzem em 2006
uma Game Art de modificação, também baseado no Counter-Strike. O Game Art
“Realidades Alternativas” (2006) (Fig. 20) que é composto de três momentos:
SinCity, Blind e Illusões Óticas. Em SinCity, a modificação transforma os gráficos
realistas do game base em um visual inspirado nos quadrinhos, mais
especificamente, semelhante a palleta de cores do HQ Sin City, de Frank Miller.
Blind reduz a intensidade de luz dos mapas do jogo, promovendo uma experiência
de jogo alternativa, já que os jogadores não conseguem se guiar pelo aspecto visual.
Em Ilusões Óticas, os artistas trocam os sons dos itens, armas e de outras ações,
causando uma sensação de confusão já que as ações não correspondem com os
sons.

Figura 20 - Realidades Alternativas (2006) Roger Tavares e Felipe Neves. Fonte:


https://www.slideshare.net/rogertavares/potica-e-crtica-da-web-art

No caso de “Velvet-Strike” os artistas operam dentro das limitações do


sistema fechado do game, apenas adicionando conteúdo que pode ser fruído, ou
não. O jogador atua como um participante da proposta do trabalho. Este conceito de
jogador como agente responsável pela fruição da obra já é algo discutido no Game
Art, e nos games em geral (POREMBA, 2003), mas o foco aqui é a possibilidade de
64

subverter as motivações e valores que estão presentes em no game original. Em


“Realidades Alternativas” as modificações estéticas buscaram desafiar o realismo
aparente do game original, a fim de uma diferente experiência sensória.
A modificação se mostra um procedimento versátil e acessível: dependendo
das metas do artistas e designers, as a condição de modificação pode potencializar
ainda mais a poética de seus obras. O ponto negativo é que tanto realizada com a
autorização (e incentivo) dos desenvolvedores do game base, com o uso de
ferramentas próprias e editores, tanto como de forma não-oficial através de
engenharia reversa e hacking, as modificações possuem limites, os mesmos do
game original. Os projetos dos games, muitas vezes, não levam em consideração
outro uso a não ser que o produto final idealizado pelo estúdio.
Se os games que surgem de modificações têm limitações, buscamos explorar
as motivações do uso pelos artistas, e porque não utilizam as mesmas ferramentas
que os desenvolvedores de games comerciais para criar suas tecnologias.
65

2.2 Engines – motores dos games.


Os mods, modificações de games, só são possíveis através da
disponibilização de ferramentas de edição pelos desenvolvedores, ferramentas
conhecidas como editores. Essas ferramentas permitem aos artistas ter acesso a
uma parte do conteúdo e tecnologia dos games original para modificação, além de
permitir também criar e inserir novos elementos aos projetos. Tecnicamente, os
mods também utilizam os engines58 de seus games originais, porém os editores
possuem limitações para mudanças e expansões mais profundas na lógica de jogo,
limitando o escopo dos trabalhos.

Podemos entender o porque do grande número de produções de games


alternativos é de mods, afinal o acesso as engines era até algum tempo atrás muito
restrito e sua operação muito complexa. Essa tradição de disponibilizar ferramentas
de edição dos games comerciais garantia o acesso de uma tecnologia de ponta a
um baixo custo (apenas o custo do game base), porém é uma tradição que vem
perdendo força. Uma das opções para obter essa estrutura tecnológica, é
desenvolver seu próprio engine: tarefa que requer um nível avançado de
conhecimento em programação, pois tal tarefa é de uma complexidade técnica que é
proibitiva para muitos criadores. Galloway afirma “Poucos artistas de novas mídias
constroem suas próprias engines do zero.” (GALLOWAY, 2006, p. 113, tradução
nossa59).

Para conseguir acesso a um engine, como por exemplo a Unreal Engine,


tecnologia do game Unreal Tournament 2003, citado anteriormente, a única forma
no período de 1998 até 201560 era através de acordos de licenciamento entre
desenvolvedoras e as empresas proprietárias das tecnologias. Esses acordos de
licenciamento eram voltados a estúdios de games comerciais, através de contratos
que garantiam parte dos lucros do game a ser desenvolvido, ou por um valor inicial
geralmente alto. Essa forma de venda da tecnologia tornou difícil a obtenção de
engines a muitos criadores em potencial. Um game nacional de grande destaque,
Incidente em Varginha (Perceptum, 1996) (Fig. 21) tem grande parte do seu
desenvolvimento documentado, por um de seus criadores, Marcus Cuzziol.
58
Engines são os motores dos games: um conjunto de bibliotecas e ferramentas que ajudam a
construir o código de um jogo, são de certa maneira a base de um jogo digital.
59
Original: “Few new-media artists build their own game engines from the ground up”.
60
Uma breve história da engine pode ser conferida no link https://hotgates.eu/this-is-unreal/.
66

Observando esse relato podemos entender algumas questões relacionadas a essas


dificuldades de acesso, principalmente pelos criadores nacionais.

Figura 21 - Captura de tela de Incidente em Varginha (1996). Fonte:


http://www.perceptum.com/screensp.htm

Em sua dissertação de mestrado “Games 3D: Aspectos de Desenvolvimento”


pela ECA-USP, de 2007, Cuzziol detalha sua experiência no campo, incluindo o
desenvolvimento do game Incidente em Varginha. Cuzziol afirma que começou a
programar um engine proprietária para o projeto que viria a se tornar o game
Incidente em Varginha por volta de 1994, e que se dedicara a estudar periódicos e
livros sobre computação gráfica e renderização em tempo real a fim de construir sua
base tecnológica para o desenvolvimento do game. Porém a complexidade desse
projeto causaria um aumento no tempo para a finalização do game, além de atrasar
suas metas. Levando em conta a freqüência do avanço dos hardwares gráficos da
época corria o risco de entregar um game obsoleto, pois não teria tempo de
aproveitar esse avanço tecnológico em seu próprio engine.

Era preciso escolher, mas, na época, não havia escolha possível. De


que adiantaria desenvolver um programa profissional sem conteúdo?
Ou um excelente conteúdo sem programa para exibi-lo? Assim, o
trabalho no raycaster continuou como prioridade. Entretanto, em
1996, começaram a aparecer os primeiros engines comerciais para
PC, embora sob royalties relativamente elevados. Após todo o
67

trabalho de desenvolvimento investido num raycaster61 próprio, a


decisão de abandoná-lo para adquirir um produto de mercado foi
extremamente difícil. [....] O engine escolhido foi o Acknex A3, da
Conitec Datensysteme (hoje conhecido como 3D Game). (CUZZIOL,
2007, p. 7)

A equipe então decide licenciar um engine, através de um acordo royalties


entre os desenvolvedores e a empresa que desenvolveu a tecnologia. Cuziol
complementa afirmando que em 2007, data de seu texto, já se era possível comprar
uma licença, livre de royalites, para a produção de games, citando como exemplo a
tecnologia Torque Game Engine, da empresa GarageGames, que na época custava
por volta de US$ 100,00.

Atualmente essa preocupação é bem menor, devido a uma mudança de


políticas em relação ao licenciamento e custo dos engines. Há uma variedade de
engines de alta tecnologia, disponíveis gratuitamente62, como as populares Unity e
Unreal Engine 4, além de opções de código livre como Godot e Blender. O mesmo
movimento ocorreu com as ferramentas adicionais necessários para produzir
conteúdo para games, como softwares de edição de imagens, modelagem 3D e
edição de áudio.

A barreira de acesso as tecnologias diminui significativamente, porém ainda


há a barreira do conhecimento técnico para operá-las. Afinal, as engines carregam
uma biblioteca de ferramentas e editores, porém ainda há a necessidade do
conhecimento de programação orientada a objetos para poder expandir e construir a
lógica do game. Mesmo com essas ferramentas, desenvolver um game não se torna
uma tarefa fácil, apesar de ajudarem nesse processo de democratização do
desenvolvimento. Sobre acessibilidade dos processos de desenvolvimento de
games, Lemes afirma:

...quando o assunto é o game, essa questão pode ficar um pouco


mais complicada, pois não existe a possibilidade de se criar um jogo
digital em poucos minutos e com alguns cliques do mouse. A mística
que envolve o desenvolvimento de games faz parece com que esta

61
Raycaster é uma metodologia de renderização em tempo real para gráficos tridimensionais.
62
Unity e Unreal Engine 4, engines populares atualmente, contam com versões grátis e pagas. As
versões pagas são voltadas a estúdios consolidados, porém as versões gratuitas não diferem muito
das versões pagas e nem impedem a comercialização dos games nelas criados. A maior parte das
diferenças vem de ferramentas para gerenciamento de times, claramente voltado a trabalhos de
grande escala. Geralmente possuem uma clausula de royalties em que se ultrapassado certo lucro
anual com a venda de um game feito no engine, é necessário pagar uma taxa.
68

produção digital específica seja intangível e não acessível ao grande


público e aos interessados no tema. (LEMES, 2009, p. 14)

Apesar de essa barreira diminuir cada vez mais, ela ainda existe.

Com o tempo surgiram alguns engines que focam na facilidade de uso como
seu diferencial. Por exemplo, o engine Bitsy63 (Fig. 23) que alem de apresentar uma
interface simples, não precisa de instalação, funciona diretamente do navegador de
internet, é gratuita e permite de forma rápida e fácil desenvolver pequenos games.
Em comparação com um engine como a Unity (Fig. 22), o engine Bitsy não comporta
games tão complexos, ou modificações drásticas de suas ferramentas (extensões)
como as suas contrapartidas, porém sem alcança seu objetivo de trazer um formato
de fácil compreensão para a criação de games.

Figura 22 - Interface do engine Unity. Fonte: o autor.

63
Disponível em: https://ledoux.itch.io/bitsy.
69

Figura 23 - Interface do engine Bitsy. Fonte: o autor.

Existem inúmeras outras ferramentas e engines que não foram citadas aqui, e
no futuro muitas outras serão criadas. O ponto é que as ferramentas ajudam a
consolidar uma visão criativa. Não existe uma ferramenta ou tecnologia universal e
objetivamente superior para a criação de games, porém existem aquelas adequadas
para cada visão e recursos de criador.

Mas podemos ver como as barreiras tecnológicas afetam a diversidade de


temas, estruturas e valores dos games: no momento em que se tornavam mais
acessíveis, os tipos de games produzidos também se modificam. Algo que podemos
verificar ao explorar um pouco da produção de games alternativos que discutimos
até aqui. Essa acessibilidade vai além da rapidez ou facilidade de produzir games,
tem como principal ganho a diversidade dos criadores que agora podem trabalhar
com a linguagem. Anthropy reflete sobre isso:

O problema com os videogames vem do fato de que são criados por


um grupo pequeno, insular, de pessoas. Os jogos digitais surgem de
forma geral, de uma única cultura. Quando os primeiros
computadores foram instalados nas grandes universidades e
laboratórios, apenas engenheiros tinham acesso as máquinas, o
tempo disponível e o conhecimento técnico para ensinar esses
computadores a jogar games. (ANTHROPY, 2012, p. 5-6, tradução
nossa64)

64
Original: “The problem with videogames is that they’re created by a small, insular group of people.
Digital games largely come from within a single culture. When computers were first installed in college
campuses and laboratories, only engineers had the access to the machines, the comparative leisure
time, and the technical knowledge to teach those computers to play games.”
70

No caso dos games, isso também se alinha com questões do sistema da


produção e consumo, já que engines eram anteriormente acessíveis apenas para
estúdios e grandes corporações, e eram utilizadas para produzir games comerciais.
hoje podem ser usadas por indivíduos e pequenos times com intenções diferentes á
das corporações. Segundo Anthropy um novo momento da história dos games
emerge quando essas condições se modificam.

A criação de games está se transformando: pequena, pessoal e feita


pelas mãos de pessoas, invés de corporações com times, gerentes e
ferramentas de renderização. O que chamamos de videogame não é
um produto. É a criação de um autor e seu cúmplice, o jogador, é
feito a mão pelo desenvolvedor e distribuído pessoalmente ao
jogador. (ANTHROPY, 2012, p. 141, tradução nossa65)

Para os nossos projetos, resultado desse mestrado, escolhemos utilizar o


engine Unity, por alguns fatores pontuais. Um deles é o fato de ser um engine
gratuita na versão pessoal, capaz de renderizar gráficos 3D e 2D garantindo maior
versatilidade no tipo de produção, e também por ser popular na indústria e entre os
desenvolvedores de games alternativos. A popularidade garante uma grande
comunidade de usuários, garantindo um conteúdo de suporte e aprendizado:
tutoriais, vídeo aulas e fóruns de discussão.

65
Original: “This is what game creation is becoming: small, personal and made by people’s own hands
and mouths instead of by corporations with teams, managers, and software renderers. What we call a
videogame is not a product. It’s the creation of an author and her accomplice, the player; it is
handmade by the former and personally distributed to the latter.”
71

2.3 Comunidades e recursos para games alternativos.


Um dos recursos que podem auxiliar os processos de desenvolvimento são as
comunidades. Essas comunidades formam uma rede de suporte para os
desenvolvedores, amadores e curiosos. Os conhecimentos são compartilhados
através de guias, tutorais e vídeo aulas. Como disse Cory Arcangel, esse conteúdo
disponibilizado gratuitamente pelos hobistas pode ser fator essencial para um
projeto ser concluído e não ser interrompido por dificuldades técnicas e de design
que poderiam ser facilmente resolvidas.

Historicamente o conhecimento técnico sobre a prática de desenvolver games


era disponibilizado em eventos fechados, como conferências para desenvolvedores,
com ingressos de custo elevado, como no caso da GDC, a maior conferência de
desenvolvedores de games (o passe de acesso geral da edição de 2019 é de US$
2,49966). A barreira financeira também aparece com o preço proibitivo dos livros
técnicos e cursos especializados. Um obstáculo adicional a produção nacional, é o
fato de que muito do conteúdo ainda não tem versão traduzida para a língua
portuguesa. Esses conhecimentos de programação, áudio, design e narrativa que
são voltados especificamente para games foram em grande parte construídos
através da prática, afinal a indústria que começou por volta dos 70 já carrega uma
certa experiência, técnicas e metodologias para se produzir games.

Essas comunidades ganham força com a popularização da internet, como no


caso dos fóruns de discussão e redes sociais. E se observarmos a história dos
games, parece algo natural, afinal logo nos primórdios os games já eram jogados
nas redes computacionais entre universidades, antes mesmo da internet se tornar
aberta ao público geral, como na era dos games de RPG nos antigos computadores
PLATO (PEPE, 2017) desenvolvidos e jogados entre as grandes universidades. Um
dos maiores fóruns de discussão sobre o desenvolvimento de games independentes
é o TIG Source67, onde alguns dos games mais reconhecidos de desenvolvimento
independente surgiram68.

66
Informação disponível no site da GDC. Disponível em: https://www.gdconf.com/attend/passes.
Acesso 25/08/2019.
67
Disponível em: https://forums.tigsource.com/.
68
Como por exemplo, Fez (Phill Fish, 2012) importante game alternativo. Disponível em:
https://forums.tigsource.com/index.php?topic=354.0. Acesso em 31/09/2019.
72

Desta forma os tópicos se dividem entre discussões, dicas, guias e alguns


games têm seu processo de criação detalhado através de diários de
desenvolvimento. Eles servem de fonte de informações técnicas sobre as diversas
especialidades da produção de games, mas também como um ponto de encontro
virtual de criadores onde podem criar parcerias e projetos coletivos. Notamos que as
comunidades não substituem o conhecimento formal e cientifico, mas pode ser uma
introdução ao campo para os desenvolvedores profissionais e amadores, ainda mais
pelo fato de serem de acesso gratuito.

Outro obstáculo comum para os games alternativos é a sua distribuição. A


indústria usa um modelo de publicadoras, que garantem a distribuição e marketing
dos games comerciais. Esse modelo sofre um abalo quando as plataformas de
distribuição são criadas, como o Steam69, para games de computador, e as
plataformas proprietárias dos manufaturadores de console, como o Xbox Live70 e
Playstation Store71. Agora os desenvolvedores não precisam de publicadores
games, tem a opção da auto-publicação72, mas ainda sim eles passam por um
processo de veto (mais rígido no caso dos consoles). As publicadoras se adaptaram
a essa nova realidade, mas a grande diferença que isso trouxe foi aos games
alternativos foi normalização da distribuição digital de games. Hoje, com um simples
download é possível jogar alguns games que nunca conseguiriam um espaço nas
prateleiras (mesmo as digitais) através do modelo desenvolvedor-publicador. Ainda
assim, publicar um game em uma dessas plataformas, não é tarefa simples, pois as
empresas que gerem essas plataformas possuem suas especificações e regras do
que pode ser publicado ou não. Assim como a grande indústria criou suas
plataformas de distribuição digital, os grupos destas comunidades eventualmente
criam plataformas de distribuição voltadas a essa produção de games alternativos.

Os mods foram distribuídos por diversas plataformas durante os anos, através


da troca direta de arquivos nas redes BBS, fóruns e salas de chat. Por existirem a
algum tempo, muitas dessas páginas e redes são descontinuadas e novas surgem.
Os sites dedicados a modificação surgem, como o site mod DB73, que é uma dessas

69
Disponível em: https://store.steampowered.com/
70
Disponível em: https://www.xbox.com/pt-BR/live
71
Disponível em: https://store.playstation.com/pt-br/home/games
72
Termo geralmente utilizado em inglês: “Self-Publishing”.
73
Disponível em: https://www.moddb.com/
73

plataformas, que oferece sistemas para o armazenamento e divulgação de


modificações desde 2002. É considerado um dos sites mais antigos e importantes
para a divulgação de mods, precedendo até mesmo a distribuição de games
comerciais de maneira digital. Atualmente uma plataforma importante para a
distribuição de games alternativos, é a plataforma itch.io74, que permite que qualquer
pessoa publique seu game utilizando seu sistema. É possível armazenar,
disponibilizar, divulgar e até vender seu game de maneira simplificada e amigável,
sem nenhum custo75. Utilizamos essa plataforma para disponibilizar e divulgar nossa
produção de games alternativos.

74
Disponível em: https://itch.io/
75
Não há nenhum custo obrigatório, mas existe a possibilidade de doar ou reservar parte do lucro dos
seus games para o site. Algo que muitos criadores fazem para ajudar a sobrevivência da plataforma.
74

Cap. 3. Produção de games alternativos

Neste capítulo apresentamos nossa produção de games, englobando o


período de 2017 a 2019. Essa produção se caracteriza pela experimentação com a
linguagem dos games. A consideração de valores usando a heurística dos Values At
Paly de Mary Flanagan e Helen Nissembau e as considerações do framework MDA.
Utilizamos fermentas e metodologias apresentadas na pesquisa, com um foco na
adaptação às realidades do desenvolvimento de games de forma independente.
Como os games são softwares complexos, focar em uma produção de games
usando as estruturas, metodologias e técnicas tradicionais não nos permitiria
desenvolver projetos, limitando o escopo da experimentação. A heurística Values at
play (FLANAGAN; NISSENBAUM, 2016, p. 83) é uma abordagem valiosa para esse
tipo de ciclo, pois é implementada de forma rápida em projetos de games, permitindo
um melhor sucesso na expressão dos valores nos projetos. A heurística possui três
componentes:
1. Descoberta: Localizar e definir os valores relevantes para um dado projeto.
2. Implementação: Traduzir e desenvolver esses valores através de elementos
do game: mecânicas, dinâmicas e estéticas que refletem esses valores.
3. Verificação: Verificar a validade dos esforços, através de testes e re-
estruturações.
Essa heurística em conjunto com os conceitos do framework MDA (Mecânicas,
Dinâmicas e Estéticas) são a base para a construção dos projetos e reflexão poética
desses projetos. Outras técnicas de gerenciamento de projeto e game design foram
experimentadas durante esses projetos, mas geralmente não nos serviam, devido ao
escopo, tamanhos de time, disponibilidade de recursos, intenção poética e o cunho
experimental.
Inicialmente, a pesquisa prática consistia em produzir um projeto de game
alternativo, do início ao fim, completo e polido: de escopo médio, seguindo as
técnicas tradicionais do desenvolvimento de games. Logo percebemos que tal tipo
de produção seria inviável. Mas esse processo de prototipagem, criação de projeto e
reavaliação foi um pilar essencial na construção do conhecimento. O aprendizado
durante esse primeiro projeto contribuiu para o sucesso da produção dos outros
games. A partir dessa experiência modificamos certas metodologias durante o
75

processo, de acordo com a necessidade de cada projeto subseqüente.


Apresentamos uma conceitualização e nossas experiências em gamejams, e os
projetos que surgiram da participação desses eventos.
Nos seguintes subcapítulos, iremos discorrer sobre nossa produção: que
envolve games, projetos, documentos de design de games e protótipos. Buscamos
em cada subcapítulo abordar um projeto de game, e através dele abordar e
exemplificar algum aspecto da produção para Illustrar algum conceito da produção
de games alternativos.
Durante o “Projeto Comunicação” procuramos exemplificar os conceitos de
escopo e Feature Creep. Em “ReError” discutimos o impacto da escolha de
ferramentas para o andamento de cada projeto, e do repertorio da Arte Tecnologia
para informar decisões da construção de estética. Em “Cálice” o uso de uma
premissa histórica com a heurística “Values at Play” a fim de trazer uma experiência
poética através de dinâmicas de jogo e como o aprendizado dos projetos anteriores
é valiosa para os futuros projetos. Destacamos o impacto das gamejams na
produção desses games, com a participação em eventos nacionais e internacionais.
Para pontuar o papel significativo dessa metodologia na nossa produção, além dos
games, descrevemos a experiência da participação em três destes eventos, “FILE:
Faça seu jogo”, “Global Game Jam 2018” e “A. MAZE: Out of the Frame!”.
76

3.1 Protótipos do “Projeto Comunicação”


O Projeto comunicação foi o principal projeto prático durante o primeiro ano
do Mestrado. Esse projeto foi idealizado a partir de experiências pessoais da prática
de mediação em exposições de Arte Tecnologia e de experiências envolvendo
games e público. Durante o ano de 2016 foi realizado o FILE (Eletronic Language
International Festival: come cross the limit), na cidade de São Paulo. O FILE é um
importante evento anual do campo da Arte Tecnologia no brasil, organizado por
Ricardo Barreto e Paula Perissinotto. Participamos do evento como parte da equipe
de educadores, onde realizamos o trabalho de mediar a relação do público com as
obras expostas, que consistiam de instalações, animações, net-art e games. Essa
produção ocupou um espaço expositivo aberto ao público, com entrada gratuita,
localizado no Centro Cultural da FIESP em localização central na cidade de São
Paulo.

Essa experiência de mediação trouxe questões importantes para a


idealização desse projeto. Pudemos observar e conversar com um grande número
de visitantes, diversidade que a gratuidade e localização do evento pode
proporcionar, sobre a experiência com as obras ali expostas. A reação do público
com a seleção de games expostas na categoria FILE GAMES76 foi o que nos
informou revelou a importância da discussão das affordances: a reação aos games
expostos se modificava de acordo com o perfil do espectador. Para contextualizar a
exibição de games, alguns deles eram expostos em consoles Playstation 4, da Sony,
e a interface de interação desse console é o controle Dualshock 4 (Fig. 24). Outra
parte foi exposta em computadores, com o teclado e mouse como interface.

76
Lista de games expostos pode ser conferida no site oficial do evento. Disponível em:
https://file.org.br/file_sp_2016/file-sao-paulo-2016-come-cross-the-limit/. Acesso em 31/09/2019
77

Figura 24 - Foto do controle Dualshock 4. Fonte: https://i.zst.com.br/images/controle-ps4-sem-


fio-dual-shock-4-sony-photo22822649-45-17-38.jpg

Gamers experientes rapidamente se localizavam e se adaptavam aos


controles dos consoles. Alguns dos interatores que não tinham o hábito de jogar em
consoles dedicados, como o Playstation 4, se confundiam e algumas vezes se
frustravam com a complexidade exigida pra fruição destes games. Como podemos
ver na figura, o controle conta com 17 botões, 1 touchpad, 2 alavancas analógicas.
Essa complexidade se mostrou um fator intimidador para parte do público. Isso é
uma característica da linguagem dos games: eles requerem certo nível de habilidade
na interação para serem fruídos, algo que não acontece na literatura, cinema e na
música. Segundo Anthropy, esse é um ponto crucial na questão da acessibilidade do
público na linguagem do game:

Imagine introduzir alguém que nunca tenha visto um filme a trilogia


Cremaster de Matthew Barney. Há uma necessidade de destreza e
conhecimento prévio de jogabalidade para se operar um game de console
(Xbox 360), isso torna o jogar inacessível para aqueles que não são
habituados nas técnicas de se jogar games. (ANTHROPY, p. 15, tradução
77
nossa )

Em conjunto com essa barreira, pudemos observar que os games mais


estruturados nas formalidades de genêro78 também dificultavam o entendimento por

77
Original: “Imagine introducing someone who had never seen a movie before to Matthew Barney’s
Cremaster films. The amount of both manual dexterity and game-playing experience required to
operate a game designed for the Xbox 360 makes play inaccessible to those who aren’t already
grounded in the technique of playing games”. Nota de tradução: substituímos “xbox 360” por
consoles, já que os controles dos consoles mais populares possuem caracterizas similares.
78
Utilizo gênero com o significado que é utilizado na indústria de games: para definir tipos de games,
como games de ação, RPG, corrida, luta entre outros.
78

parte do público. Em uma das observações, identificamos que o game Guacamelee


(Drinkbox, 2013)79 causava muita confusão no público, pois seu design é informado
por tropos do gênero metroidvania80, com natureza semi-linear de progressão. Com
o fluxo constante de público, não era incomum a seguinte situação: um visitante
começa uma partida e após certo tempo jogando, abandona o jogo e continua sua
visita, encerando sua interação. Enquanto isso, um novo interator continua essa
mesma partida iniciada pelo primeiro visitante, e sem essas informações que o
interator anterior recebeu através dos tutoriais, da progressão do game e
conhecimento sobre o estado atual da narrativa, não conseguia prosseguir no jogo.
Esse problema se dá também pelo tempo de duração da maioria dos games
comerciais, que no caso de Guacamelee é de 6 horas81, tempo definitivamente
inviável para se passar em um game durante a visita a um festival de arte.

Em alguns dias da exposição, observamos que o game se encontrava parado


em uma cena por horas durante o período de visitação, devido a algum obstáculo
que seria trivial, afinal os interatores não possuíam as informações necessárias para
a fruição do game. Questões como essa também passam por um escrutino da
curadoria da exposição82 e pelos desenvolvedores na elaboração do design do
game, que nesse caso claramente não foi pensado para ser jogado desta maneira.

A idéia principal do nosso primeiro projeto surgiu do seguinte questionamento:


como desenvolver um game que utilize próprios elementos de sua estrutura para
produzir uma experiência única de forma comunitária do público visitante? Os games
online, em rede, nos vêm a cabeça, mas um de seus problemas é a necessidade de
uma estrutura expositiva de diversas máquinas. A intenção poética também se
modificaria, pois o game online seria uma interação imediata entra os participantes,
e gostaríamos de explorar uma interação assíncrona e anônima, para garantir uma

79
Site oficial do game. Disponível em: http://guacamelee.com/. Acesso em 20/08/2019.
80
Metroidvania é um gênero caracterizado pela sua estrutura semi-linear. Bastante popular na
história dos games, como na franquia “Metroid” (Nintendo, 1986),Para conseguir progredir no game, o
jogador precisa retornar a cenários já percorridos e explorar de forma criteriosa o cenário em busca
de habilidades e dicas de como prosseguir.
81
Informação do site “how long to beat”, plataforma que informa a media de tempo em que os
jogadores finalizam os games. Disponível em: https://howlongtobeat.com/game.php?id=4145. Acesso
em 20/08/19.
82
Para a discussão de espaços expositivos nos games, sugerimos a leitura da dissertação de
mestrado de Anita Cavaleiro pela USP, “Sobre jogos e não jogos: Um estudo sobre curadoria de
jogos digitais experimentais”, que esteve envolvida nas atividades de curadoria do FILE entre 2013 a
2015.
79

maior liberdade nas ações dos jogadores e gostaríamos de eliminar as tensões da


interatividade direta do game em rede. Esse game seria um game desenvolvido para
os espaços em que seria disponibilizado: espaço público, de preferência com acesso
livre e gratuito e com um público diverso.

Aplicando a heurística Values at play, definimos os valores de contribuição,


comunidade e acessibilidade. Depois dessa conceitualização, pensamos nas
mecânicas que refletem esses valores. Como primeiro passo para a implementação,
decidimos primeiro estudar as ferramentas e metodologias para verificar a
possibilidade da construção do trabalho. Afinal essa seria nossa primeira
experiência com a prática do desenvolvimento de games. Utilizando o engine Unity,
começamos o trabalho de desenvolvimento das mecânicas básicas do game83, e
trabalhando de forma autoral (individual).

No protótipo84 1, produzido no início de 2017 (Fig. 25), conseguimos


implementar elementos básicos de física e controlador de personagem em um
ambiente tridimensional. Decidimos pela câmera na perspectiva de primeira pessoa
e um ambiente tridimensional, pela maior imersão que essas características
proporcionam (NACKE; LINDLEY, 2008). Outro fator que influenciou essa decisão é
que muitas obras de Game Art e games comerciais utilizam essa perspectiva,
possivelmente trazendo um maior grau de familiaridade com o público e assim uma
facilidade de interação com o game85.

83
A partir desse momento, nos referimos ao Projeto Comunicação como game até o final desta
sessão.
84
Neste projeto os protótipos são iterativos – são pontos de progresso de um game.
85
Utilizamos “facilidade” neste momento do texto, pois essa era a expectativa do projeto. Essa
suposta facilidade de se controlar um game em primeira pessoa falhou em nossos processos de
verificação em outros projetos: em nossos testes com jogadores casuais, notamos uma dificuldade
em operar de forma suave os controles do game.
80

Figura 25 - Captura de tela do protótipo 1 (2017). Fonte: o autor.

Aqui o jogador já pode explorar um ambiente 3D, podendo controlar a câmera


e o movimento do personagem. O aprendizado técnico dessa primeira etapa se
constitui na familiarização com as ferramentas, introdução a programação de scripts
de extensão na linguagem de programação C # e as técnicas de implementação de
modelos 3D no engine. Neste período também aprendemos a operar ferramentas de
modelagem 3D. Durante o ano de 2017, continuamos o processo de aprendizado
tecnológico e da prototipação das estruturas que serviriam de base para nosso
game.

Prosseguindo o projeto, programamos a habilidade de interação com objetos


no ambiente, que serviria como base tecnológica para desenvolver obstáculos do
jogo (Fig. 26), que progrediu para uma base de lógica para desafios (Fig. 27), além
de continuarmos o estudo das técnicas gráficas, desenvolvimento e implementação
de sons e melhorias de código.
81

Figura 26 - Captura de tela do protótipo 2 (2017), implementação de objeto interativo. Fonte: o


autor.

Figura 27 - Captura de tela de protótipo 3 (2017), implementação de quebra cabeça: o botão a


esquerda da foto abre a porta da direita. Fonte: o autor.

Com esses primeiros protótipos, começamos a ter uma melhor visão criativa
de como o game poderia se estruturar. Então buscamos definir e formalizar as
dinâmicas e mecânicas do game. A estrutura se baseia nas seguintes premissas: Os
jogadores devem trabalhar em conjunto para resolver os desafios apresentados. Os
desafios são de lógica (como em quebra cabeças) e também espaciais
(movimentação no espaço 3D). Os jogadores podem ou não deixar mensagens, que
82

são exibidas em pontos fixos do cenário para o próximo jogador, se caso não
colaborarem o fim do jogo é inalcançável.

O game contem 3 ambientes, cada um com um conjunto de desafios que


teriam de ser resolvidos para chegar ao ambiente final, a meta do game. Para
melhor visualizar essa dinâmica, produzimos um esquema de jogo (Fig. 28).

Figura 28 - Esquema de jogo - Projeto Comunicação. (2017) Fonte: o autor.

Como esse projeto em mente, começamos a implementação do sistema de


mensagens, que permite ao jogador escrever um texto para o próximo jogador. Algo
que gostaríamos de ver no projeto é uma diversidade de mensagens. Não há um
sistema que indique a necessidade de se deixar mensagens, apenas sugestões, em
nenhum momento o jogador é obrigado a deixar uma mensagem para o próximo
interator. Da mesma maneira, as mensagens podem ser constituídas de qualquer
conteúdo. Em uma primeira versão armazenava apenas uma mensagem (Fig. 29),
que foi substituído por um sistema mais robusto que consegue lidar com diversas
mensagens, que são armazenadas no disco rígido do computador.
83

Figura 29 - Primeira versão do sistema de mensagens, no protótipo 2. (2017) Fonte: o autor.

No protótipo 4, voltamos nosso foco à estética do game. Para suplementar a


experiência das dinâmicas planejadas, decidimos produzir uma atmosfera de
isolação. A idéia é que o jogador se sinta imerso em um ambiente desconhecido,
abstrato e solitário, isso para potencializar o impacto das mensagens, produzindo
uma sensação de conforto, amparo ao se deparar com um elemento familiar das
mensagens deixadas pelos outros interatores. Para alcançar esse sentimento,
produzimos componentes audiovisuais. Desenvolvemos modelos 3D e texturas para
o ambiente, procuramos por recursos de sons das comunidades de desenvolvimento
e experimentamos diferentes modelos de terrenos e estruturas para servir de
cenário do game (Fig. 30). Essa seria a base para os 3 ambientes do game e
caracterização dos objetos existentes nesse mundo.
84

Figura 30 - Captura de tela, cenário do protótipo 4. (2018) Fonte: O autor.

Nesta etapa do protótipo 4, o projeto também implementamos um loop de jogo,


produzido seguindo nosso esquema de jogo com considerações estruturais
definidas. Com a ajuda das capturas de tela podemos descrever com maior clareza,
utilizando um cenário contendo um desafio e uma mensagem como exemplo.

1. O jogador explora o cenário, quando encontra um obstáculo. Neste caso, é


um abismo. (Fig. 32)

2. O jogador, através da experimentação descobre a solução para avançar neste


desafio. É uma ilusão de ótica, há uma ponte, mas ela parece ser invisível!
(Fig. 33)

3. O jogador escolhe colaborar com o próximo jogador, escreve e envia em uma


mensagem: “Cuidado com a ponte invisível!”. (Fig. 34)

4. A mensagem agora está salva, enviada para o próximo jogador. Nesse caso,
ela foi escrita na ponta do abismo. (Fig. 35)

5. O jogador pode continuar a jogar, encontrando novos desafios.


Eventualmente seu progresso será impossível, pois só com a informação de
um novo jogador poderá solucionar o desafio final dessa área.
85

6. Se o jogador decidir parar de jogar, um sistema detecta. Se o jogo permanece


inativo por mais de 5 minutos, o jogo se re-inicia mantendo o estado de jogo
(mensagens e desafios já superados).

7. Um novo jogador começa a jogar. Agora, através da mensagem anterior, ele


sabe como progredir.

Figura 31 - O jogador encontra um abismo. Fonte: O autor.

Figura 32 - O jogador descobre que há uma ponte invisível. Fonte: O autor.


86

Figura 33 - O jogador escreve uma mensagem. Fonte: O autor.

Figura 34 - O novo jogador encontra a mensagem do jogador anterior. Fonte: O autor.

Nesta etapa, o projeto começa a tomar forma, e pudemos testar como ele se
comportaria em um ambiente expositivo, visualizar as etapas remanescentes para o
termino de sua produção e suas qualidades estéticas, dinâmicas e mecânicas.

Em uma recapitulação do tempo investido na produção até agora, o projeto


tem a data de início o começo de 2017. O Protótipo 4, com o loop de jogo definido e
implementado, tem a data de ultima modificação em fevereiro de 2018. Foi neste
momento que buscamos repensar o desenvolvimento desse projeto. Pensando no
87

prazo de conclusão da pesquisa, e estimando um prazo de conclusão do game


verificamos que a conclusão desse projeto de game seria inviável.

Em cerca de um ano de desenvolvimento, conseguimos a chegar a um ponto


em que começávamos a ter a visão e a experiência para estimar o que seria
necessário para a produção do game. O loop básico pode ser verificado, porém o
trabalho necessário para a conclusão do game era de grande volume. Tínhamos
ainda que criar os três ambientes diferentes, produção de modelos, texturas e sons.
Inúmeros desafios ainda serem idealizados e implementados com sua lógica de
programação, além de uma etapa de teste e polimento e publicação.

Esse projeto foi essencial para realizarmos que as metodologias de produção


em que esse game foi idealizado não é um modelo de trabalho compatível para a
nossas realidade naquele momento já que ainda não possuímos experiências com
esse tipo de processo. Esse projeto pode parecer pequeno se comparado com os
grandes games comerciais, mas a realidade é que seu escopo era muito grande
para nossos recursos. Esse tipo de erro de calculo sobre o tamanho dos projetos em
é um acontecimento muito conhecido dos desenvolvedores, o chamdo de “scope
creep”. É um fenômeno freqüente aos desenvolvedores iniciantes, como no nosso
caso, como podemos verificar neste artigo de Thais Weiller “Pense pequeno e
termine essa droga desse jogo”:

Isso mostra o quanto reduzir o escopo do seu jogo não só é


importante para de fato completar o projeto, mas também indica o
quão frequentemente desenvolvedores, mesmo os experientes, não
acabam caindo nessa armadilha de acreditar que possuem um
projeto "simples" nas mãos mas acabam subestimando-os.
(WEILLER, 2017)

Os fatores que causaram nosso erro de escopo foram a falta de um projeto


definido do início, pulamos a etapa de “pré-produção”, e já que começamos direto
com a prototipagem, mesmo antes de pensar as mecânicas. Somado ao fato de
nenhum tipo de documento de design, o esquema de jogo aqui apresentado e suas
dinâmicas foram pensados e colocados no papel alguns meses depois do início do
projeto. A falta do conhecimento técnico também impactou o progresso, o tempo de
implementação de cada mecânicas foi grande, como por exemplo, a habilidade de
interação com objetos do cenário (Fig. 26) levou cerca de um mês de trabalho para
ser concluída; o sistema de mensagens (Fig. 29 e Fig. 34) levou cerca de três
88

meses. Isso foi causado por falta de conhecimento dos componentes da ferramenta,
nosso processo era ordenado da seguinte forma: idealização da mecânica, pesquisa
de recursos necessários (os processos e metodologias), estudo destes recursos e
só então a programação. Mas gostaríamos de notar que não consideramos essa
experiência como tempo perdido: todos os conhecimentos obtidos aqui foram
aprimorados e utilizados nos projetos seguintes.

Após nossa reavaliação, decidimos com pesar, abandonar esse projeto. Os


interesses criativos em explorar o potencial dos games alternativos continuaram,
através de desenvolvimento de games menores, mais focados e com projetos mais
bem definidos. Uma das estratégias que tornaram possível essa produção
subseqüente foi a participação em gamejams, experiência que descrevemos no
próximo momento dessa dissertação.
89

3.2 Gamejam como metodologia


Gamejams são eventos de desenvolvimento de games que propõem o
desenvolvimento de um game em um curto período de tempo (normalmente de 48 a
78 horas), com uma temática definida pelos organizadores. Ainda há discussões
sobre a definição exata do que consiste uma gamejam, pois elas variam em temas,
regras e formatos (KULTIMA, 2015).
As gamejams ganharam grande popularidade entre os desenvolvedores de
games, devido ao seu impacto em aprendizado, resultados rápidos e capacidade de
movimentar as comunidades de desenvolvedores. Tradicionalmente, focam em
games digitais, mas existem gamejams com diversas propostas como, por exemplo,
games de tabuleiro e localização de games, este último sendo a pratica de tradução,
adaptação e contextualização cultural para o país destino da tradução (COLETTI;
MOTTA, 2013).
Dentro do cenário da arte contemporânea, no campo da arte-tecnologia,
podemos encontrar eventos com filosofias similares a das gamejams como parte de
eventos científicos, encontros, exposição e em festivais como acontece no festival
FILE, Ars Eletronica, ARTECH e SIGGRAPH, que oferecem workshops, grupos de
trabalho e vivências artísticas de curta duração. A principal diferença destes eventos
com as gamejams é o foco no desenvolvimento de jogos, analógicos e digitais e a
prática comum de imersão total no evento, ocupando e trabalhando em um espaço
compartilhado ao longo de toda a duração do evento (tradicionalmente 48 horas).
Sair de uma gamejam com um protótipo, obra, projeto ou game acaba sendo
uma das maiores atrações para a participação nesses eventos. Muitos dos
participantes mencionam esse fator como a principal motivação, seja a fim de
desenvolver um portfólio, ou apenas para realização pessoal de produzir seu próprio
game. Buscamos utilizar esse tipo de evento como metodologia de produção, mas
não excluir a prática fora desses eventos. A participação em gamejams também não
garante um game pronto, muitas vezes resulta em um protótipo ou projeto, que pode
no futuro se tornar um game. Em “ReError” e “Cálice” utilizamos os eventos como
ponto de partida, já que em ambos os casos o trabalhou continuou após o termino
do evento.
O resultado rápido tem também seu lado negativo. Por exemplo, ao produzir o
game “Cálice”, um projeto de duração de um mês, nós comparamos o resultado por
90

tempo, devido a rapidez de se ver resultados dos outros trabalhos resultantes das
gamejams, que se concretizaram de forma mais eficiente e rápida. No caso o
“ReError” e “S.N.S”., foram desenvolvidos em períodos muito menores. Esta
expectativa de retorno por tempo de produção pode ser negativa.
Desenvolvimento de games costuma ser um processo lento, como por
exemplo, grandes produções do mercado, levam de dois ou mais anos de
produção86. Para uma produção experimental, os processos costumam ser mais
curtos, porém ter a visão e resistência para trabalhar em projetos de longo prazo
parece ser uma característica essencial de quem deseja e pretende produzir
qualquer tipo de game.

86
GTA V (Rockstar, 2013) levou cerca de 5 anos, da concepção a finalização. Disponível em:
https://web.archive.org/web/20131005065349/http://www.develop-online.net/studio-profile/inside-
rockstar-north-part-1-the-vision/0183989. Acesso 01/11/19.
91

3.2.1 FILE: Faça seu jogo - ReError

Durante o festival FILE 2017, de 18 a 20 de julho de 2017, aconteceu o


workshop “Faça seu jogo!” (Fig. 35), ministrado por Thais Weiller, Danilo Dias
(Joymasher) e Gabriel Camelo (Birdo), veteranos da indústria de games no Brasil.
Este workshop seguiu uma estrutura de três encontros, sendo um período de aula
expositiva e dois períodos de gamejam. Convidei dois integrantes do grupo de
pesquisa do qual participo (cAt - UNESP), com o intuito de desenvolver um trabalho
artístico. Neste game o grupo consistiu com minha participação, e do Prof. Dr. Fabio
FON e a pesquisadora Soraya Braz. A divisão de tarefas ocorreu de forma livre, com
todos integrantes participando de todos os componentes do desenvolvimento.

Figura 35 - Foto de divulgação do Workshop: Faça seu jogo!

Gabriel Camelo expôs e comandou a parte técnica, nos explicando conceitos


de programação orientada a objetos, enquanto Thais Weiller compartilhou sua
experiência como game designer e produtora de games. Danilo Dias, artista do
estúdio, demonstrou seu fluxo de trabalho e técnicas. Apesar de não ser
“oficialmente” uma gamejam, trabalhamos seguindo um tema definido pelos
ministrantes, em um período de tempo pré-definido (18 horas), com a proposta de
criar um game, portanto uma estrutura tradicional de gamejam. Durante o evento
produzimos um GDD (Game Design Document), que é um documento base, que
serve como um projeto de desenvolvimento de um game. O GDD é para o
92

desenvolvimento de games o mesmo que um projeto é para uma pesquisa científica.


Ele serve como um guia, definindo o escopo, mecânicas, funções entre outras
informações sobre o game a ser desenvolvido. A fim de síntese, nas próximas
menções a este documento no decorrer da dissertação, nos referimos a ele como
GDD.
Devido o foco no aprendizado da programação orientada a objetos para
games, proposta da oficina, muitas equipes não conseguiram produzir um protótipo
até o fim dos encontros, incluindo nossa equipe. Este é um aspecto de gamejams
que não é sempre exposto: muitas vezes, deixar de terminar um projeto pode ser
uma experiência tão construtiva quanto finalizar um protótipo. Normalmente, nestes
ambientes, há uma troca de conhecimento não só entre a equipe, mas também com
os outros participantes e organizadores, que geralmente são compostos de
especialistas variados. A utilização do software proposto pelo ministrante, P5 js. que
é um software derivado do Processing, muito popular entre os artistas multimídia, se
apresentou um desafio, já que nossa experiência anterior era de desenvolvimento
com outras ferramentas.
Como conteúdo expositivo nos foi apresentado ma oficina metodologias de
produção, além de introduzir conhecimentos de lógica de programação para games.
Mesmo em um ambiente de aprendizado, como o foco na produção de um game, os
desafios técnicos nos impediram de desenvolver um game, ou protótipo, durante o
evento. Apesar desta dificuldade, produzimos um projeto de game, um GDD, mas
posteriormente desenvolvemos um protótipo jogável do gamearte.
ReError87 (Fig. 36) é o nome do game idealizado por nosso grupo, resultante
da participação desse evento. O game lida com a idéia de sistemas computacionais
e as interfaces que são relacionadas com esse tipo de aparato técnico. O jogador
tem a tarefa de iniciar um sistema operacional ficcional, em uma linguagem abstrata,
resolvendo desafios de lógica.
De acordo com nosso GDD: O jogador tem 1 minuto para iniciar o sistema
operacional. Mas terá que descobrir como, através de pistas e bugs dados pelo
“sistema”. Deve usar o teclado, cujas teclas não são indicadas diretamente, mas sim,
com pistas ou adivinhação quais são as teclas ativadoras, em outro momento há um
enigma com caixas selecionáveis. Na fase space invader (apropriado do jogo da

87
O gamearte está disponível em https://rdmgames.itch.io/file-jam para PC (Windows) e navegador.
93

TAITO, 1978) também não há pistas para a solução, mas por convenção, apostando
na familiaridade do jogador com as mecânicas de outro game. Caso o jogador falhe
em algum desafio, o sistema reinicia e ele é convidado a tentar novamente (Fig. 37).
Pretendemos evocar um resgate de memória muscular (do jogo clássico) e
experiências de operação de sistemas computacionais e programas obtusos.

Figura 36 - Captura de tela do protótipo ReError. Fonte: o autor.

Figura 37 - Esquema de jogo de ReError. Fonte: o autor.


94

Durante o game, todo o texto utilizado em nosso sistema imaginário é


aleatório, com caracteres Unicode, promovendo confusão ao jogador. Essa decisão
busca trazer uma sensação de estranhamento para o jogador, como se ele estivesse
tentando ler uma linguagem que não compreende. Essa sensação só é rompida com
pequenas dicas escondidas no texto, na primeira etapa a solução está descrita no
texto, porém não é claro a primeira vista.
No campo da arte simular o funcionamento de um sistema operacional, de
uma interface gráfica, para criar uma ligação de familiaridade do jogador com a
interface do game, se apresenta como uma possibilidade popular entre os artistas
digitais. Podemos argumentar que um dos motivos é que muitos desses artistas
passam uma parte considerável do processo de desenvolvimento, criando e
produzindo enquanto operam em algum sistema com interface gráfica. Buscamos
inspiração nesses trabalhos para desenvolver a estética e as mecânicas do nosso
game.
Como exemplo, trabalhos como do coletivo artístico JODI em OSS (2002)
(Fig. 38) e do artista Pippin Barr em “It is as if you were doing work” (2017) (Fig. 39)
e “Everything is going to be ok” (2018) da artista Nathalie Lawhead.
Em OSS, o coletivo JODI propõe uma apropriação do sistema e interface do
computador pessoal do espectador, transformando a interface gráfica do usuário.
Esse trabalho não é um game, mas apresenta alguns elementos interativos. O
trabalho funciona como um “vírus” que se apossa de seu computador, e
automaticamente constroem padrões gráficos, utilizando elementos do sistema e
área de trabalho do computador, como janelas e menus dos programas (FON,
2007). Lembrando o funcionamento dos ransomware, um tipo de vírus de
computador que seqüestra o controle da máquina, geralmente utilizado para
extorquir um resgate em dinheiro da vítima.
95

Figura 38 - "OSS", JODI, (1998).

No game alternativo “It is as if you were doing work”, o artista Pippin Barr
descreve sua obra em seu website. Segundo o artista, a obra explora a premissa de
um futuro próximo, em que os robôs já executam todo o trabalho necessário para o
bem estar da humanidade, criando então um inesperado bloco de tempo ocioso para
os trabalhadores do mundo. A fim de resolver esse “vazio” deixado pela ausência do
trabalho na vida das pessoas, o game convida o jogador a participar de uma
simulação de trabalho, mesmo o trabalho já não sendo necessário.
Questionando nossa idéia de trabalho e produtividade, o jogador é desafiado
a cumprir tarefas, como preencher e enviar emails, fechar janelas que surgem, e
clicar em caixas de diálogo, simulando de forma satírica um estereótipo de um
trabalho contemporâneo de escritório. O Artista utiliza senso comum de uma
“interface de trabalho”, criando um falso sistema operacional que remete a sistemas
reais, familiares aos usuários de computadores, procurando simular um computador
qualquer de escritório.
96

Figura 39 - It is as if you were doing work, Pippin Barr, (2017).

A desenvolvedora de games Nathalie Lawhead acredita que estamos apenas


iniciando a investigação e exploração sobre o potencial narrativo, estético,
expressivo e emergente na produção digital de games. Em “Everything is going to be
OK”. (Fig. 40), Lawhead descreve seu trabalho como “labirintos de vinhetas em um
desktop, poesia, games estranhos e espaços digitais quebrados”. Em sua página na
plataforma “Itch.io”, que é uma plataforma online para games independentes, a
artista declara:
Eu chamo o trabalho de zine interativa, pois ela é quebrada,
dolorosa, maravilhosamente terrível e profunda em um nível muito
pessoal. Nada sobre isso é ficção, mesmo com temas abstratos o
suficiente para qualquer um poder se aproximar e se identificar. É um
“game” muito pessoal, e eu vejo isso como algo diferente de um
game. Através do desenvolvimento eu estive lutando com a
categorização de “game”, e a com a toxicidade que chamar algo
como isto de “game” pode causar, algo que eu documentei
extensivamente... Como resultado, eu sinto que chamar trabalhos
como esse de “game” pode trazer mais pontos negativos do que
benefícios. (LAWHEAD, 2018, tradução nossa88)

O trabalho apresenta, através de botões em formato de ícones, as partes que


constroem sua narrativa, e através da navegação da interface, desorganizada e
caótica, cenas interativas expõem pequenas histórias que compõe o todo. Utilizando

88
Original: “I call it an interactive zine because it's broken, painful, beautifully terrible, and profound on
a very personal level. Nothing about this is fiction, although the themes are abstract enough so that
anyone can approach it and find it relatable. It is a very personal "game", and I view it as something
other than a game. Through-ought development I had been struggling with the "game" label, and
toxicity that calling something like this "game" brings in, which I documented extensively… As a result,
I feel like calling work like this a game might do it more harm than good.”
97

o simulacro de um sistema operacional e programas imaginários para desenvolver


um trabalho sobre a própria experiência da artista com depressão e outras aflições
psicológicas.

Figura 40 - Captura de tela, Everything is going to be OK, Nathalie Lawhead, (2018).

Notamos uma preocupação de Lawhead com a terminologia e definição do


trabalho como game, optando não por chamar o trabalho de nenhuma variação do
termo game, mas sim de zine interativa: De acordo com a artista, a escolha parte de
suas experiências com esse tipo de trabalho pessoal, como em zines, e com a
experiência dos games comerciais. A Artista tem vasta experiência na produção de
games, de forma comercial e de games alternativos, fato que informa seu
conhecimento da linguagem do game. Zine é uma publicação pessoal, não oficial,
em formato de revista, muito popular nos movimentos que não são legitimados pelos
meios tradicionais, como os games alternativos. Essas discussões retomam as
nossas observações sobre os grupos que desenvolvem games alternativos, já que a
artista não se identificou com nenhum dos grupos existentes, procurando enquadrar
sua produção em outra classificação (aquela dos games tradicionais). A obra fez
parte da seleção de trabalhos do FILE 2018, na categoria de “Media Art”.
Os criadores aqui apresentados se apoiam nessa relação para desenvolver a
ressignificação desses espaços digitais para explorar questões como: relação de
trabalho e lazer, o sistema operacional como um ambiente digital pessoal e como
um suporte estético. Em nossa produção, propomos uma relação de mistério,
quando um ruído (linguagem desconhecida, não conhecimento de suas regras e
parâmetros) impede a colaboração entre humano e interface, impedindo acesso ao
98

sistema tecnológico. Buscamos ligar essas considerações estéticas com as


qualidades mecânicas do game Re-Error, aliando a abstração visual com a natureza
abstrata de nossos objetivos e mecânicas.
Ele não foi exposto em nenhum evento, e como não pudemos terminar no
período do workshop, também não foi jogado pelos participantes ali presentes. O
game está disponível em sua página da plataforma itch.io, através das ferramentas
de análise de público, detectamos 29 jogadores totais. Em alguns momentos,
convidamos amigos e familiares para jogar. Observando essas experiências
verificamos um sucesso em produzir uma sensação de frustração e confusão com o
nosso sistema ficcional, algo que, como descrevemos aqui, foi pensado como
proposta ou seja, o objetivo foi atingido. Já que o tempo de jogo é curto, e cada
sessão falha rapidamente se re-inicia, isso pode facilitar as tentativas subseqüentes
dos interatores.
Mas, podemos continuar a refinar as mecânicas, e adicionar novas “etapas”,
os níveis, para capitalizar na expressão de valores. Como um ponto negativo,
identificamos a dificuldade de alguns níveis, principalmente o primeiro, que apesar
de conter algumas dicas sobre que ação o jogador deve realizar para avançar, elas
passaram despercebidas por grande parte dos jogadores que observamos.
99

3.2.2 Global Game Jam – S.N.S.

Global Game Jam é a maior gamejam do mundo que acontece em locais


físicos.89 O evento promove anualmente um fim de semana de celebração e criação
de games em escala global, como critério que os participantes se reúnam em um
espaço físico para desenvolver um game em 48 horas, de acordo com o tema
escolhido pelos organizadores.
Qualquer instituição pode receber o evento. Porém, é necessário um cadastro
prévio e garantir uma estrutura básica para os participantes. No Brasil,
universidades, empresas e outras instituições oferecerem espaço para a realização
deste evento. A universidade PUC-PR hospeda a Global Game Jam Curitiba, que
neste ano recebeu 474 pessoas inscritas, se tornando a 4º maior sede da Global
Game Jam90. Em 2018, 48 locais receberam o evento - na cidade de São Paulo, o
Instituo Goethe, unidades da USP, SESC Belenzinho e diversas empresas e
estúdios se tornaram sedes para o evento.
Participamos no evento pela sede do Virgo Game Studio (Fig. 41), um estúdio
veterano no cenário de games nacional, situado na cidade de São Paulo. Sua
produção é composta principalmente por games educativos e/ou games de impacto
social. Este fator também foi importante para a escolha do local: games sérios e
educativos possuem uma camada complexa de desenvolvimento, além de questões
do game design tradicional.
Na comunicação da organização da Global Game Jam, ponto de partida para
início do evento, exibida simultaneamente em todas as sedes, foi definido o tema
Transmissão91. Uma camada adicional de temática foi proposto por nossos anfitriões
do estúdio, apresentando o desafio de desenvolver um game (ou jogo de tabuleiro)
com potencial educativo e impacto social.

89
Segundo web site oficial. Disponível em: https://globalgamejam.org/about. Acesso em 31/03/2018.
90
Informações disponíveis no website do evento. Disponível em: http://www.ggjcwb.com/. Acesso em
31/03/2018.
91
Original: Transmission. Vídeo de apresentação da GGJ 2018 disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=3Roxls_2W2M. Acesso em 28/03/2018.
100

Figura 41 - Foto do espaço de trabalho e integrantes da equipe durante a gamejam.

Foram formadas diversas equipes, nossa equipe foi composta principalmente


por estudantes e particantes de Game Design: Altivo Ovando Neto (Melies), Caio
Tessarolo Uliana (Melies), Nicolas Dutra Rocha (Melies), Victor Barbosa de Moura
Ferreira (Anhembi Morumbi), Felipe Costa (Independente) e o autor, Rodrigo Dorta
Marques (UNESP).
Desenvolvemos o jogo S.N.S., devido ao número de integrantes, foi possível dividir
os membros focando em suas especialidades, no caso do autor, a escolha foi
participar com a modelagem e texturização 3D.
Na primeira etapa discutimos sobre nosso projeto, definindo temática,
mecânicas, ambientação, enredo e som. A partir destas conversas geramos um
GDD e foi sugerida entre a equipe uma metodologia no estilo SCRUM92, que foi meu
primeiro contato essa técnica em prática. Partimos para o desenvolvimento.
Discutimos valores, componentes e características que gostaríamos de serem
representadas no projeto. Considerando que no grupo havia estudantes do game
design, as ferramentas teóricas e o conhecimento técnico da área foram utilizados,
facilitando a definição de metodologias do projeto. Da mesma forma, o tamanho da
equipe garantiu algumas interpretações divergentes sobre os objetivos do game, o
que gerou um saudável debate sobre o projeto.

92
SCRUM é uma metodologia ágil de desenvolvimento e gestão de projetos. O projeto é dividido em
etapas chamadas sprints e para completar cada sprint é necessário solucionar todos os problemas
definidos nestes blocos.
101

S.N.S.93 (Fig. 42) é um game sobre a censura, ambientado durante a ditadura


militar brasileira. O jogador é um oficial do regime militar que tem como tarefa vetar
ou liberar notícias para a imprensa. A proposta do game é trabalhar a interpretação
de texto e fatos históricos. Nossa interpretação do tema “Transmissão” é pensar o
ruído (no caso a censura) na comunicação. O objetivo principal do game pode ser
decidido pelo jogador: atuar a favor do regime, compactuando com a censura em
prol de um ganho pessoal, ou atuar a favor da sociedade, permitindo que
informações relevantes serem expostas, arriscando sua vida no processo. As
repercussões das decisões dos jogadores, informariam o público do terror da
repressão e intimidação do regime.

Figura 42 - Captura de tela de S.N.S. Projeto desenvolvido durante a Global Game Jam 2018.
Fonte: o autor.

O game propõe um comentário histórico que, apesar da apresentação leve,


contextualiza as realidades da ditadura em uma rotina diária do personagem
principal. Sua mecânica sugere uma camada de interpretação de texto, o que
representa um potencial educativo. O esquema de jogo é simples, a notícia é
apresentada e o jogador decide aprovar, ou vetar, clicando nos carimbos
correspondentes.

93
O game está disponível em https://rdmgames.itch.io/sns- para PC (Windows) e navegador.
102

Ao final do evento ocorreu um momento de apresentação dos projetos entre


todos os participantes (Fig. 43). Jogamos os games de todas as equipes, e pudemos
trocar conhecimento sobre os desafios e soluções encontradas durante o
desenvolvimento. Considero positiva a experiência: as discussões sobre o conceito
de game, impacto social e experiências poéticas trouxe novas perspectivas para a
pesquisa; todos os integrantes conseguiram se articular e opinar sobre o
desenvolvimento.
O game ficou disponibilizado na plataforma itch.io, registrando 28 jogadores
no total. No final do evento, ficaram faltando alguns elementos essenciais no game,
como toda parte evolvendo as repercussões. Então refletimos que o game não
conseguiu passar, através de suas mecânicas, os valores definidos no GDD, mas
que há um potencial para isto quando for completo.

Figura 43 - Apresentação e confraternização ao final do evento.


103

3.3 Cálice

A. MAZE94 é um festival internacional de games, focado na exibição e


celebração de games, experiências interativas experimentais, gamearte e trabalhos
multidisciplinares. Tem se tornado um dos principais eventos mundiais de games,
gamearte e experiências interativas em geral. Sua organização conta com
professores, artistas, desenvolvedores e pesquisadores de diversas áreas, unindo-
os pelo interesse e trabalho no campo dos games em geral.
O festival, que tem sua edição principal em Berlim na Alemanha hospeda
atividades com a intenção de estimular a cena de games experimentais. Além de
prêmios, exposições, comunicações e eventos de networking, a partir de 2016
também hospedam uma gamejam anual online para estimular novos criadores,
especialmente grupos pouco representados no cenário internacional como minorias
sociais e de países emergentes. A gamejam de 2018 foi intitulada “Out of the frame!”
propõe o ano de 1968 como tema.95 O posicionamento experimental do festival, e
seu foco na geração de visibilidade para os criadores e artistas é um atrativo para a
participação.
Participando deste evento, de forma individual, pudemos nos concentrar em
aspectos que deixamos de lado nos projetos anteriores de gamejam, como em
polimento visual, certificação de qualidade e mecânicas mais avançadas.
Gostaríamos de notar que o aprendizado durante o “Projeto Comunicação” informou
muito das decisões de design desse game, pois com o conhecimento prático
adquirido podemos estimar e planejar o game com mais clareza. Em 2019,
realizamos atualizações em que adicionamos suporte para controle, otimizações
gráficas e inteligência artificial aprimorada. Outra diferença dos projetos anteriores, é
que essa gamejam teve duração de um mês. O desenvolvimento foi individual e
consideramos esse o game mais complexo a ser concluído durante a pesquisa,
mesmo sendo resultado de uma participação de gamejam.
Partindo da temática definida pelo evento, o tema “ano de 1968”, verificamos
que na história nacional o fato de foi um ano marcado por protestos e organizações

94
Disponível em: https://amaze-berlin.de/. Acesso 25/08/2019.
95
De acordo com a página do evento, o ano de 1968 foi um ano substancial nas questões políticas,
incluindo a popularização de movimentos sociais de foco anticapitalista, anti imperialista, racial,
feminismo e dos direitos humanos.
104

contra o regime militar no Brasil. Em dezembro de 1968, foi assinado o ato


institucional número cinco (AI-5), o mais severos dos atos do regime militar que teve
início em 1964. O ano de 1968 marcou o início de um período conhecido como anos
de chumbo, o auge da repressão militar no Brasil. Esses fatos históricos foram o
ponto de partida para idealização do game.
Cálice96 (Fig. 44) é um game que se passa no Brasil, em 1968, onde o
personagem principal é um estudante que tem como objetivo protestar contra a
repressão militar. Tendo uma perspectiva em primeira pessoa, a mecânica principal
é remover a propaganda e descaracterizar as manifestações a favor do regime97. Ao
redor de um quarteirão da cidade de São Paulo, policiais militares patrulham as ruas
à procura do jogador que deve passar despercebido.
As mecânicas do jogo foram pensadas para tornar o jogador vulnerável, em
fazê-lo se sentir em um ambiente hostil. Para alcançar essa reação dos jogadores,
investimos em uma estética opressora: desenvolvemos uma ambientação à noite,
em um cenário com cores frias, onde apenas os guardas militares populam a cidade.
Na dinâmica de jogo, o jogador não tem ferramentas e armas para enfrentar os
guardas que patrulham a cidade, como na maioria dos jogos de primeira pessoa,
impedindo a possibilidade do confronto direto. O interator assume um controle com a
perspectiva de primeira pessoa, com a mecânica principal sendo a movimentação
furtiva para chegar em seu objetivo. Além da movimentação, o jogador tem as
ações possíveis de intervenção nas propagandas do governo e simpatizantes. O
objetivo é remover todas as propagandas do regime e “atropelar”98 as pichações
favoráveis a ditadura.
Achamos importante retratar o fato histórico das manifestações dos
apoiadores da ditadura e a truculência da policia militar, reforçamos essa
representação através de mecânicas: quando o policial te identifica, o jogador é
agredido e falha. Após a falha é exibido algum fato histórico sobre a repressão99 e o
game recomeça. Apesar da temática seria, buscamos trazer valores positivos sobre

96
O gamearte está disponível em https://rdmgames.itch.io/calice para PC (Windows).
97
C.C.C. é protagonista de protestos e agressões, principalmente durante o ano de 1968. Seus alvos
eram de setores que protestavam e denunciava o regime. Um dos acontecimentos mais marcantes
envolvendo o comando, A Batalha de Maria Antônia, entre estudantes da USP e do comando,
composto majoritariamente por estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie. (BRASIL,
Clarissa. 2010. 124 p.)
98
Atropelar é uma gíria de artistas de rua para o ato de se pintar por cima de outra pichação.
99
Esses fatos foram retirados do portal “Memórias da Ditadura”. Disponível em:
http://memoriasdaditadura.org.br/
105

o otimismo e o valor das ações de resistência em tempos difíceis. É importante


desenvolver um trabalho com esse tipo de proposta, pois o mercado de games ainda
é dominado pelo eixo norte americano e europeu, e com a garantia de exibição em
evento internacional, consideramos uma boa oportunidade para expressar nossos
valores e convicções. E ao falarmos sobre nossa história em um game, produzimos
um sentimento de pertencimento, tanto aos jogadores como aos produtores de
países emergentes.

Figura 44 - Captura de tela do game Cálice.

O game ficou disposto como parte da mostra do evento A. MAZE Berlin (Fig.
45), edição de 2018, que aconteceu do dia 25 ao dia 29 de abril de 2018. O game
também foi exibido na mostra Antifa Art & Games 2019 (Fig. 46), selecionado
através da curadoria de Simona Maiorano, desenvolvedora de games e
organizadora de eventos para a comunidade de desenvolvedores na região de Bari
no sul da Itália. O evento ocorreu nos dias 24 e 25 de maio de 2019, e teve como
temática de seleção games que abordam o confronto ao fascismo – ideal para o
game Cálice.
106

Figura 45 - Foto do evento A. MAZE Berlin 2018. Fonte:


https://www.flickr.com/photos/142469694@N08/28294301858/.

Figura 46 - Foto do evento Antifa Art & Games 2019. O Game Cálice em exibição. Fonte:
https://www.facebook.com/antifa.artandgames/
107

Infelizmente, não pudemos comparecer nesses eventos devido sua natureza


internacional, e os dispêndios que isso acarreta ao participante, mas podemos
verificar um pouco da recepção através das estatísticas da sua página na plataforma
itch.io (Fig. 47), com cerca de 41 downloads e 149 visualizações, o game foi
disponibilizado gratuitamente e divulgado em grupos de desenvolvimento. Através
de nossos dados, foi o game com maior público que desenvolvemos. Isso pode ser
reflexo da maior atenção para os aspectos estéticos e de polimento desse projeto.
Disponibilizamos o game pra amigos e familiares, onde podemos verificar alguns
valores: a sensação de vulnerabilidade dos jogadores, e os valores sobre o
momento histórico. Mas notamos como ponto negativo certa dificuldade de operação
dos controles pelos jogadores casuais, levando a uma reflexão sobre nossas
constatações sobre acessibilidade das dinâmicas do game em primeira pessoa.

Figura 47 - Estatísticas de visualizações e download de Cálice. Data de registro 28/09/2019.


Fonte: o autor.
108

Considerações finais

Um dos grandes desafios de se falar de games é a freqüência e a rapidez em


que a linguagem se modifica, fato que é ligado a sua natureza tecnológica e
comercial. Hoje a indústria de games passa por uma nova mudança – com os
mercados emergentes como o da China. Consumindo cada vez mais games. Devido
a sua população expressiva, acaba influenciando o mercado e a linguagem do
design de games, com suas preferências de plataforma e de gêneros. Essa rapidez
e freqüência também é reflexo dos tempos atuais. Aqui listamos alguns
acontecimentos expressivos ligados a cultura dos games que surgiram durante o
período de elaboração dessa pesquisa: a popularização das microtransações e os
debates sobre a sua regularização governamental, o debate sobre a violência nos
games que ressurgiu ao redor das tragédias dos atiradores, como aconteceu em
2019 no Brasil, em Suzano, e as campanhas de assédio moral e sexual que
surgiram a partir de comunidades de jogadores e desenvolvedores100. Existe muito a
ser debatido sobre o assunto do game e gostaríamos de pensar que essa pesquisa
contribui em algum aspecto com esse debate.

O campo de Estudo dos Jogos, que hoje conta com uma variedade de temas
abordados, não discutem só a natureza do jogo digital, mas também debatem temas
como as culturas que surgem e geram a partir do game, como o debate sobre a
toxicidade das comunidades dos games online. O campo ainda passa por um longo
processo de estruturação – há poucos programas de pós-graduação com foco nesse
campo, dificultando o financiamento e disponibilidade de espaços para a discussão.
No Brasil contamos com um crescente número de cursos superiores de games,
como o bacharelado de Design de Games da Anhembi Morumbi, em São Paulo, e o
evento SBGAMES, na sua 15º edição, de acontecimento anual, que contribui para o
fomento da área, mas ainda carecemos de espaços para o estudo e discussão de
certos aspectos da linguagem.

Entendemos que o game alternativo é um tema ainda emergente dentro da


discussão maior de games, mas também vemos a importância de se falar dos

100
Gamergate, é um movimento de extrema-direita focado em assedio e ameças, direcionado
principalmente as mulheres da industria. Mais informações disponíveis em:
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/08/22/O-Gamergate-5-anos-depois.-E-seu-papel-para-
a-extrema-direita. Acesso 28/08/2019.
109

processos, procedimentos e a produção alternativa. Identificamos também essa


abordagem como uma tendência na produção teórica recente do campo de Estudo
de Jogos. O próximo livro, previsto para setembro de 2019, do importante teórico do
campo Jesper Juul, tem o titulo de “Handmade Pixels”101, ou “pixel feito a mão”, o
autor investiga exatamente esse tipo de produção independente, criativa, pessoal e
experimental, em sua busca por autenticidade dentro da cultura dos games. A dupla
de teóricos do game Brendan Keogh e Benjamin Nicoll publicam em 2019 o livro
“The Unity Game Engine and the Circuits of Cultural Software”102 discutem
exatamente o impacto cultural do uso predominante de engines nos processos,
procedimentos, design e linguagem do game.

É esse espírito experimental que buscamos refletir também na nossa


produção prática, apesar dos problemas e dificuldades encontrados, com um foco
em uma expressão de valores. Essa produção não é vista por nós como um objetivo
final, mas sim um processo, para aprender e refletir sobre a produção de games
cada vez mai informada pela teoria e experiência prática.

Um aspecto que encontramos dificuldade na pesquisa foi na questão da


recepção: não encontramos muito espaços para divulgar e exibir nossos games. Os
espaços nacionais, como no BIG e SB Games, tem o foco nos games
independentes, mas não nos experimentais. E em muitos casos, contam com um
investimento financeiro necessário para expor um game. Alguns espaços de Arte
são abertos a esse tipo de trabalho, na linguagem do game, geralmente naqueles
pautados pela Arte-Tecnologia, como o FILE e Itáu Cultural, mas ainda possuem
barreiras que os tornam de difícil acesso. Como um plano de ação para continuar
essa pesquisa, talvez o foco mais interessante seja exatamente os problemas e
questões das dinâmicas de exposição e divulgação de games alternativos.

Em algumas oportunidades, realizamos cursos de desenvolvimento com foco


na acessibilidade: um foi realizado em 2018, no SESC 24 de maio com o título
“Desenvolvimento descomplicado de games”, composto de 8 encontros de 3 horas e
“Desenvolvimento de Games com Linguagem Visual” no SESC Guarulhos,

101
Livro a ser lançado em Setembro de 2019. Disponível em:
https://mitpress.mit.edu/books/handmade-pixels. Acesso 31/08/2019.
102
Disponível em: https://www.palgrave.com/gp/book/9783030250119#aboutBook. Acesso em
31/08/2019.
110

composto de 4 encontros de 3 horas. Nestes cursos a meta foi repassar um pouco


do conhecimento obtido durante essa pesquisa, permitindo curiosos e iniciantes a
criarem seus próprios games.

Como uma consideração final, esperamos que esse entusiasmo ao redor dos
games, com a criação e popularização de cursos superiores sobre a produção e
desenvolvimento de games se reflita em uma aumento na produção de games e
produção científica desse campo, o Estudo de Jogos, no Brasil. Editais do governo
hoje financiam as produções, de estúdios brasileiros, através do órgão
governamental ANCINE, esperamos que o reconhecimento e aumento dessa
produção venha de alguma forma a potencializar a produção nacional e a pesquisa
científica dos games, e tragam com isso, novas vozes na criação e discussão de
games.
111

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118

Apêndice A – Entrevista Suzete Venturelli


São Paulo, 19 de fevereiro de 2018

Suzete Venturelli é Pesquisadora, Artista e Professora. Atualmente é professora


titula da Universidade de Brasília (UNB) e Professora da Universidade Anhembi
Morumbim (UAM). Realizou pós-doutorado na Universidade de São Paulo, Escola
de Comunicação e Artes (2014); doutorado em Artes e Ciências da Arte, na
Universidade Sorbonne Paris I (1988), orientação Bernard Teyssèdre; Mestrado em
Esthétique et Science de l'Art DEA. Université Paris 1 Pantheon Sorbonne, PARIS
1, França (1982) e mestrado (DEA) em Histoire et Civilisations - Université
Montpellier III - Paul Valery, França, intitulada Candido Portinari: 1903-1962 (1981).
Graduada em Licenciatura em desenho e plástica, Universidade Mackenzie em São
Paulo (1978). Suzete Venturelli é importante nome na pesquisa da Gamearte no
Brasil, sendo autora de diversos Gameartes e de artigos, textos e Livros sobre o
assunto.

Rodrigo Dorta: Gostaria de perguntar sobre seu trabalho e pesquisa sobre


games e arte, especificamente sobre a terminologia e o conceito da gamearte.
Em seu livro “Imagem Interativa” (MACIEL;VENTURELLI, 2008), também a
partir de trabalhos que se baseiam em suas escrita, como por exemplo, os
artigos e a dissertação da pesquisadora Anelise Witt (2013), o termo gamearte
é sempre usado quando se refere a games em artísticos.

Suzete Venturelli: Além de gamearte, utilizamos também para definir os games


artísticos o termo indie game. O indie game mesmo sendo produzidos por empresas
comerciais, também podem apresentar na sua narrativa, estética e conceito,
algumas questões diferentes, que os games comerciais não abordam. Por exemplo,
na inovação, criatividade e nas novas maneiras propostas de interação do jogador
com o jogo. O indie game e a gamearte, nesse contexto, se aproximam. Avalio que o
indie game tenha uma narrativa e regras mais tradicionais, enquanto que a produção
de gamearte apresenta maior liberdade na criação.

R.D.: Em um trecho do livro imagem interativa você escreve “Gamearte é uma


pesquisa que realizamos no Laboratório de Pesquisa em Arte e Realidade
119

Virtual da universidade de Brasília, na qual procuramos na linguagem dos


jogos eletrônicos desenvolver uma poética artística interativa e de
compartilhamento de espaços virtuais em instalações e na rede mundial de
computadores”. Outro trecho no site da enciclopédia do Itaú Cultural, referindo
a uma obra sua: “F69, um gamearte que questiona elementos clássicos dos
jogos eletrônicos, como a competição, buscando a motivação no contexto
lúdico do sexo”.

S.V.: Neste caso, o segundo texto é específico desse gamearte (F69).

R.D.: Tendo estes textos em mente, ao pesquisar estou tendo uma dificuldade
de compreender o termo gamearte dentro dessa dinâmica das categorias de
games. Entendi o termo gamearte como um projeto, não como uma categoria.
Afinal o termo mais fala sobre um tipo de produção ou como um projeto?

S.V.: A produção é considerada uma das categorias da arte computacional. A


gamearte produzida de modo transdisciplinar, pois o desenvolvedor artista tem que
trabalhar com a matemática, e outros assuntos que são específicos da área das
ciências duras, oriundos principalmente da ciência da computação. A conexão com a
arte computacional é bem forte, por essas razões. Como produção artística, a
gamearte abriu espaço recentemente e se estabeleceu, pois o meio da arte já
aceitou como produto cultural, com valor e reconhecimento do público. Se há
reconhecimento do público, do meio artístico e se há uma definição, então é arte. O
texto da pesquisadora Silvia Laurentiz que fala sobre a diferença de gamearte e a
arte do game, também busca esclarecer as diferenças da relação da arte com os
jogos. Esse texto é bem didático e mostra que a arte do game é na qual o artista ou
designer vai colaborar com a produção, no cenário e modelagem 3D. Não se
envolve tanto na narrativa, no roteiro. Ou seja, o artista designer participa de um
mecanismo, de um sistema mais abrangente, similar ao sistema de produção que
está no cinema. Nesta cadeia de produção industrial, cada um tem uma função
específica embora seja um trabalho coletivo. Enquanto o game de arte (gamearte) já
tem outra proposta. Você trabalha com programadores, ou desenvolve sua própria
linguagem, mas os objetivos são outros. Na minha avaliação, a gamearte se envolve
com alguns aspectos da vida social, questionam valores e a ética. A gamearte é
uma produção cultural que crítica a sociedade e comportamentos. A gamearte tem
120

característica crítica e pode ser ativista, em alguns casos. Nas artes plásticas, isso
ocorreu em outros trabalhos e movimentos artísticos. Por exemplo, na pop art, o
trabalho estava voltado diretamente para a crítica do consumo, a indústria e alguns
artistas e designers, se utilizavam da linguagem para um tipo de produção engajada
nas questões sociais da época.

R.D.: Como você chegou na gamearte, quando começou esse projeto?

S.V.: Esse projeto começou com a pratica da performance, nos anos 1980. Um dos
conceitos principais na performance é o conceito de jogo, do lúdico. A ideia do jogo
na performance, se estabelece com o espectador a partir de uma ação, que se
estabelece no tempo e não pela matéria. Nesse tipo de obra, ocorre uma interação,
não era ainda a interatividade pela máquina, mas uma interação na qual algumas
questões do lúdico, do jogo da performance aconteciam. Essa proposta foi
acompanhando meu trabalho, e as novas tecnologias foram agregadas, pois
possibilitou atingir outros objetivos, como o surgimento da obra a partir da presença
do outro com a sua participação. Assim como em um game, se não há jogador, o
jogo não acontece.

A interatividade mediada pela máquina passou a ocupar um espaço importante nos


meus trabalhos. Na França nos anos 1980, antes da internet e do videotexto, surgiu
um sistema bem primário de transmissão de informação, que já despertava a
curiosidade dos artistas que se interessavam pelos meios de comunicação como
recurso para interagir com um público maior. O sistema denominado Minitel103,
permitia estabelecer trocas de mensagens e acesso a informações, como em um
jogo de envio de mensagens. Então a própria tecnologia abriu espaço para que se
explorasse a possibilidade da criação de mundos virtuais em conexão. Julio Plaza
escreveu um livro importante na época intitulado “Videografia em Videotexto” (1986).
Com o desenvolvimento das tecnologias de computação aliadas às tecnologias da
comunicação, foi possível a concretização e visualização de mundos e jogos virtuais,
inspirando a literatura, como no romance “Neuromancer” (1984) de William Gibson.

103
Reportagem da BCC sobre o Minitel: <<https://www.bbc.com/news/magazine-18610692>>.
Acesso em 16/05/2019.
121

Novas linguagens se estabelecem no campo da ciência da computação. Quando eu


fui elaborar um trabalho para a internet, tive que aprender o HTML104, logo em
seguida em 1997 surge a VRML, para ambientes virtuais, essa linguagem me
permitia criação e a simulação de ambientes. Essa linguagem trouxe um interesse
especial na possibilidade de provocar a interatividade em mundos virtuais, outras
realidades que não dependiam de espaços físicos. Tudo isso possibilitou o alcance
de pessoas à distância e de culturas diferentes. Surgiram outras discussões como a
possibilidade de assumirmos diferentes identidades, outros gêneros ou
comportamentos e aparências de outras espécies. Tudo isso foi muito revolucionário
naquele momento, graças à criatividade dos artistas/designers e dos avanços da
computação gráfica.

R.D.: O jogo também te pede para performar.

S.V.: Concordo. Você é um ator, ou melhor, um interator, termo que é muito utilizado
para definir o papel da pessoa que interage nas obras. Também recorro ao termo
interagente, para a pessoa que age dentro de um sistema, que é complexo,
emergente, pois não é um sistema fechado. A linguagem do jogo também permite
isso. Fiquei interessada nesse recurso, porque no jogo você pode ter várias pessoas
participando simultaneamente num determinado sistema. A obra tem como
característica ser multidirecional, criando várias situações de emergência inéditas, a
cada processo de interação.

R.D.: Nos trabalhos de fora do Brasil como Velvet-Strike (Anne-Marie


Schleiner, Joan Leandre, Brody Condon, 2002) e [domestic] (Mary Flanagan,
2003), por exemplo, buscam a mesma filosofia de produção, mas muitas vezes
não usam o termo “gamearte”, você acha muito importante o uso do termo
para definir essa produção de jogos artísticos?

S.V.: Neste caso, dependerá da crítica do meio artístico. Se eu for escrever um texto
crítico sobre o assunto com certeza vou utilizar o termo. Depende do espaço que
fomentou a proposta. Por exemplo, o espaço expositivo que divulgou os jogos aqui
no Brasil, como um campo de conhecimento e de entretenimento, foi o Itaú Cultural,
assim como, o Banco do Brasil também. Esses espaços culturais dos bancos

104
HTML – linguagem de programação para web.
122

ficaram muito atentos ao que estava acontecendo e abriram espaço também para
essa criação independente. Nesse período, surge o termo indie game, que não é
aquele do game comercial tradicional. O artista encontrou um espaço para mostrar
suas obras. Para muitos a arte de hoje é o game. Assim como ocorre como o
cinema, que é considerado também arte, mas nem todo o cinema é arte. Um
exemplo de cinema arte é da produção de Matthew Barney que é um artista,
cineasta, escultor, pintor e também trabalha com jogos.

Certos termos caem em desuso e isso é outra questão. Em alguns momentos um


conceito é questionado e não se mantém, porque a própria produção deixa de ser
apreciada pelo meio e pelo público. O conceito pode ficar datado, marca um
momento da produção cultural de uma sociedade, como ocorreu com a arte
moderna, a arte concreta e o neoconcretismo. Até a arte contemporânea foi datada
pelos historiadores da arte, pois começou em 1970. Como um exemplo, surgiu o
termo pós-digital, como citado por Milton Sogabe. O pós-digital significa que a
tecnologia está em tudo. Nesse caso, a linguagem do vídeo game também está
incorporada na arte. A arte foi gamificada? Como é que a arte hoje é percebida pelo
público? Ela nasce junto com a tecnologia digital? São inseparáveis nesse
momento? Estamos ainda pensando nessa situação.

A gamearte como termo ainda continua, ainda é pesquisada. Ela não fica só no
ambiente digital, ela também vai para objetos, se estende pela cidade.

R.D.: No livro imagem interativa você fala sobre os games que quando
abordados por agentes culturais, podem trazer novas abordagens, inovações
para a linguagem. Acrescenta que estas inovações podem ser absorvidas pela
indústria. Esse livro é de 2008, então falando do hoje, 2019, pesquisando a
gamearte e indie game, tive a impressão que esses trabalhos de gamearte, e
suas inovações, produzidos em meados dos anos 2000 e um pouco antes
foram absorvidos pela indústria.

Talvez pela indústria e a apropriação do game indie, que apesar de não ser a
grande indústria, caminha cada dia mais pro comercial, pro interesse
mercadológico. Muitos aspectos que hoje são considerados como
características próprias do indie game são similares às características da
produção de gamearte. Você concorda com essa colocação?
123

S.V.: É uma coisa a ser pensada, pois a relação e fronteiras entre a pesquisa e o
entretenimento no caso dos games é bem sútil. Por exemplo, quando estudei na
Suíça em 1997, em um laboratório havia uma pesquisa de game, cujo resultado foi
adquirido pela Sony105. Essa empresa fez um equipamento, um brinquedo
eletrônico, específico para a proposta no qual o público entrava dentro e provocava
sensações físicas. Ele da uma sensação de estar dentro de um jogo, que na
verdade era uma animação, onde há vários cubos de gelo que descem de uma
montanha, como em um tobogã, a pessoa se movimenta com uma cadeira que vibra
e sacode para os lados. A pesquisa foi comprada pela indústria. Era uma pesquisa
inovadora, que insere o observador dentro de um mundo virtual, embora seja tele-
imersivo, em função do movimento, barulho, música e som passa a sensação ao
público de ser um cubo de gelo, ou seja, tem muita pesquisa para ser feita nesse
sentido.

Ficamos com a sensação que sabemos tudo, e que nada mais há para inovar.
Entretanto, hoje apresentei um vídeo para meus alunos, sobre a cor luz e pude
mostrar como muita coisa ainda temos para pesquisar sobre o assunto. Dentre os
assuntos, a cor luz nos games pode vir a ser uma pesquisa muito atual, ainda pouco
trabalhada. Como na pesquisa do artista daltônico Neil Harbisson, que desenvolveu
em conjunto com outros pesquisadores um sistema que ele implantou em si para
poder ouvir a cor. Ele é um ciborgue, na fotografia de seu passaporte ele aparece
com essa prótese, formada por uma câmera e suporte. A câmera digitaliza a cor
percebida e transmite a informação para seu cérebro, um trabalho pioneiro e único.
A incorporação pela indústria do entretenimento é mais aceita e natural atualmente
do que há 11 anos, quando achávamos que só a gamearte criticava valores pré-
concebidos e reacionários. Atualmente, o entretenimento também tem uma visão
crítica da sociedade, e levanta questões pertinentes, avançando na abertura de
espaços e empreendedorismos de outros grupos, democratizando o espaço de
trabalho.

R.D.: Além do indie game, ainda temos as grandes produções de games,


algumas não são muito criticas de problemas sociais ou interesse poético.

105
Sony é a fabricante do console Playstation, que desde sua primeira versão lançada em 1994 é um
dos mais populares aparelhos dedicados a jogos e a Sony por sua vez uma das maiores empresas
do ramo. Disponível em: https://www.playstation.com/en-au/explore/ps4/playstation-through-the-
years/. Acesso em 16/05/2019.
124

S.V.: Sim, concordo, pois ainda existe produção industrial de entretenimento, que
mantém o status quo no qual a situação não apresenta diversidade, mas mantém o
preconceito e aquela tradição de violência e competição.

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