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Instituto de Artes
SÃO PAULO
2019
UNESP - Universidade Estadual Paulista - “Júlio de Mesquita Filho”-
Instituto de Artes
São Paulo
2019
Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da
Unesp
CDD 794.8
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Presidente - Orientador
________________________________
________________________________
Data da Defesa:
Agradeço ao meu orientador, Dr. Milton Terumitsu Sogabe, pela atenção, parceria e
mentoria que foi essencial para a realização deste trabalho. A banca de avaliação e
qualificação, Prof. Drª. Rosangela Leote e Prof Dr. Roger Tavares e para os
suplentes Prof. Drª Julia Stateri e Prof. Dr. Agnus Valente, que partilharam de seu
conhecimento e tempo para me ajudar a construir essa pesquisa.
Aos meus pais, minha mãe Maria e meu pai João, que a vida toda me deram
carinho, apoio e compreensão. Pelos conselhos e força do meu irmão, Bruno.
Para a minha companheira Vitória, presente em todas as horas, nas alegrias e nos
momento difíceis, pelo carinho, paciência e compreensão neste período de
concentração.
Figura 1 - Sprite Sheet dos personagens de Super Mario Bros. É o componente gráfico do game.
Fonte: http://www.mariouniverse.com/sprites-nes-smb/ ....................................................................... 24
Figura 2 - Diagrama dos Jogos de Jasper Jull. (2003) ......................................................................... 27
Figura 3 - Exquisite Corpse (Cadáver esquisito), (1927), Max Ernst, André Masson e Max Morise.
Fonte: https://www.artic.edu/artworks/119116/exquisite-corpse?q=corpse.......................................... 31
Figura 4 - Pocket Chess Set (1947) Marcel Duchamp. Fonte:
http://www.artnet.com/magazineus/reviews/davis/davis11-1-05_detail.asp?picnum=6 ....................... 32
Figura 5 - Doom (1993, ID Software) .................................................................................................... 34
Figura 6 – “Ars Doom” (1995) Orhan Kipcak, Reini Urban e Curd Duca. ............................................. 34
Figura 7 - F69 (2004) Suzete Venturelli e Mario Maciel. ...................................................................... 37
Figura 8 - Super Mario Bros. (1985, Nintendo). Fonte: https://www.nintendo.pt/Jogos/NES/Super-
Mario-Bros--803853.html#Introdu__o ................................................................................................... 38
Figura 9 - Captura de tela de Super Mario Battle N. 1 (2002). Fonte: https://vimeo.com/16539686. .. 38
Figura 10 - Avaliações de “Ars Doom”. ................................................................................................. 40
Figura 11 - Imagem de divulgação de Braid (2008). Fonte: http://braid-game.com/ ............................ 44
Figura 12 - “Super Mario Clouds” (2002). Dimensões variáveis. Whitney Museum of American Art,
New York. .............................................................................................................................................. 57
Figura 13 - Cartucho modificado, parte da obra “Super Mario Clouds” (2002). ................................... 58
Figura 14 - Captura de tela de “SOD” (1992). ....................................................................................... 59
Figura 15 - Captura de tela de Wolfenstein 3D. Fonte: https://www.moddb.com/games/wolfenstein-
3d/images/wolfenstein-3d-in-game2#imagebox.................................................................................... 59
Figura 16 - Unreal Tournament 2003. Fonte: https://www.mobygames.com/game/windows/unreal-
tournament-2003/screenshots/gameShotId,924133/ ............................................................................ 60
Figura 17 - Captura de tela de “[domestic]” (2003). .............................................................................. 61
Figura 18 - Captura de tela de “Velvet-Strike” (2002). .......................................................................... 62
Figura 19 - Captura de tela de Counter-Strike. Fonte:
https://www.mobygames.com/game/windows/half-life-counter-strike/screenshots/gameShotId,65466/
............................................................................................................................................................... 62
Figura 20 - Realidades Alternativas (2006) Roger Tavares e Felipe Neves. Fonte:
https://www.slideshare.net/rogertavares/potica-e-crtica-da-web-art ..................................................... 63
Figura 21 - Captura de tela de Incidente em Varginha (1996). Fonte:
http://www.perceptum.com/screensp.htm ............................................................................................. 66
Figura 22 - Interface do engine Unity. Fonte: o autor. .......................................................................... 68
Figura 23 - Interface do engine Bitsy. Fonte: o autor. ........................................................................... 69
Figura 24 - Foto do controle Dualshock 4. Fonte: https://i.zst.com.br/images/controle-ps4-sem-fio-dual-
shock-4-sony-photo22822649-45-17-38.jpg ......................................................................................... 77
Figura 25 - Captura de tela do protótipo 1 (2017). Fonte: o autor. ....................................................... 80
Figura 26 - Captura de tela do protótipo 2 (2017), implementação de objeto interativo. Fonte: o autor.
............................................................................................................................................................... 81
Figura 27 - Captura de tela de protótipo 3 (2017), implementação de quebra cabeça: o botão a
esquerda da foto abre a porta da direita. Fonte: o autor. ..................................................................... 81
Figura 28 - Esquema de jogo - Projeto Comunicação. (2017) Fonte: o autor. ..................................... 82
Figura 29 - Primeira versão do sistema de mensagens, no protótipo 2. (2017) Fonte: o autor. .......... 83
Figura 30 - Captura de tela, cenário do protótipo 4. (2018) Fonte: O autor. ........................................ 84
Figura 31 - O jogador encontra um abismo. Fonte: O autor. ................................................................ 85
Figura 32 - O jogador descobre que há uma ponte invisível. Fonte: O autor. ...................................... 85
Figura 33 - O jogador escreve uma mensagem. Fonte: O autor. ......................................................... 86
Figura 34 - O novo jogador encontra a mensagem do jogador anterior. Fonte: O autor...................... 86
Figura 35 - Foto de divulgação do Workshop: Faça seu jogo! ............................................................. 91
Figura 36 - Captura de tela do protótipo ReError. Fonte: o autor. ........................................................ 93
Figura 37 - Esquema de jogo de ReError. Fonte: o autor. .................................................................... 93
Figura 38 - "OSS", JODI, (1998). .......................................................................................................... 95
Figura 39 - It is as if you were doing work, Pippin Barr, (2017). ........................................................... 96
Figura 40 - Captura de tela, Everything is going to be OK, Nathalie Lawhead, (2018). ....................... 97
Figura 41 - Foto do espaço de trabalho e integrantes da equipe durante a gamejam. ...................... 100
Figura 42 - Captura de tela de S.N.S. Projeto desenvolvido durante a Global Game Jam 2018. Fonte:
o autor. ................................................................................................................................................ 101
Figura 43 - Apresentação e confraternização ao final do evento. ...................................................... 102
Figura 44 - Captura de tela do game Cálice. ...................................................................................... 105
Figura 45 - Foto do evento A. MAZE Berlin 2018. Fonte:
https://www.flickr.com/photos/142469694@N08/28294301858/. ....................................................... 106
Figura 46 - Foto do evento Antifa Art & Games 2019. O Game Cálice em exibição. Fonte:
https://www.facebook.com/antifa.artandgames/ ................................................................................. 106
Figura 47 - Estatísticas de visualizações e download de Cálice. Data de registro 28/09/2019. Fonte: o
autor. ................................................................................................................................................... 107
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11
Cap. 1. Os jogos digitais. ............................................................................... 14
1.1 Jogos e Arte: expectativa e cultura........................................................ 24
1.2 Game Art. .................................................................................................. 33
1.3 Artgames, notgames e indie games. ...................................................... 44
1.4 Games alternativos e games comerciais. .............................................. 48
Cap. 2. Processos e procedimentos experimentais e acessíveis para games
alternativos. .................................................................................................... 52
2.1 Modificação como processo na Game Art. ............................................ 54
2.2 Engines – motores dos games ................................................................ 65
2.3 Comunidades e recursos para games alternativos. .............................. 71
Cap. 3. Produção de games alternativos...................................................... 74
3.1 Protótipos do “Projeto Comunicação” ................................................... 76
3.2 Gamejam como metodologia .................................................................. 89
3.2.1 FILE: Faça seu jogo - ReError .............................................................. 91
3.2.2 Global Game Jam – S.N.S. .................................................................... 99
3.3 Cálice ....................................................................................................... 103
Considerações finais ................................................................................... 108
Referências ................................................................................................... 111
Apêndice A – Entrevista Suzete Venturelli................................................. 118
11
INTRODUÇÃO
1
O termo AAA ou “triple AAA”, é usado para caracterizar os games de grande porte. Os games AAA
são aqueles que tem um alto financiamento, são desenvolvidos por estúdios grandes e são
publicados por publicadoras. Há uma discussão sobre os fatores que definem do termo AAA (LIPKIN
2013), mas essa definição é amplamente aceita na discussão games.
2
Em algumas ocasiões é utilizado a versão em inglês do termo, “Game Studies”. Nesta dissertação
vamos utilizar nossa tradução “Estudo de Jogos”.
12
3
A Palavra “Jogar” carrega um conjunto de significados, principalmente pela sua tradução em certos
idiomas. “Play”, a tradução em Inglês do “Jogar” pode significar Jogar, mas também: Tocar (um
instrumento), Brincar (como em brincar de pega-pega) ou “Atuar” (em uma peça de teatro). “Spelen”
do Holandês e ”Spiel” do Alemão também carregam estes múltiplos significados. (HUIZINGA, 2014)
Tal consideração é importante quando se trata da discussão de Homo Ludens, escrito por Johan
Huizinga e publicado em 1938 em Holandês. Aqui usamos uma edição traduzida por João Paulo
Monteiro para o português publicado no ano de 2014.
4
Novos avanços tecnológicos permitem que games sejam jogados direto de um navegador.
Disponível em: https://www.cnet.com/how-to/google-project-stream-beta-sign-up-invites-games-
features/. Acesso em 31/10/2018.
5
It runs doom é um blog que coleciona relatos de adaptações do game Doom (ID, 1993) em diversos
dispositivos, muitos deles que não suportam games oficialmente. Disponível em:
http://itrunsdoom.tumblr.com. Acesso em 31/10/2018.
15
6
Devido à falta de uma padronização para a referência de games dentro da ABNT, utilizo aqui um
modelo simplificado e adaptado, tendo como referência o modelo utilizado na dissertação de
mestrado de Thais Weiller “Game Design Inteligente: Elementos de design de vídeo game, como
funcionam e como utilizá-los dentro e fora de jogos”. Ex: “Nome do Game” (Desenvolvedor, Ano).
16
por Huizinga como, por exemplo, o conceito de Círculo Mágico9, o autor expande o
nosso entendimento de jogo, classificando tipos de jogos em quatro categorias
distintas: Agon jogos de competição, Alea os jogos de sorte e azar, Mimicry jogos de
simulação e Ilinx os jogos de vertigem.
Apesar de serem publicados antes do surgimento dos jogos digitais, esses
trabalhos se tornaram base do campo chamado de Estudo de Jogos, campo que
busca entender o jogo nas suas diversas formas e aplicações. Aqui é importante
notar que nem todo estudo do jogo tem como meta abordar ao jogo digital. O Estudo
de Jogos também aborda as variações dos jogos analógicos: como os jogos de
tabuleiro, LARPing10, entre outros. Aborda todo tipo de jogo digital, incluindo aqueles
que não focam no entretenimento, como no caso dos Serious Games11. É possível
encontrar pesquisas e livros que abordam a base teórica de Huizinga e Caillois em
uma diversidade de campos de estudo, com diferentes objetivos. Por exemplo, o
conceito de Ilinx pode se referir também aos esportes, e pode ser usado para
entender questões referentes ao campo da educação física (PICCOLO, 2008). Os
jogos de azar estão em Alea, que abre mais um leque de assuntos referente a
estudos sobre apostas (CORREIA, 2015).
O Jogo é um assunto amplo, portanto nos reservamos a tratar como foco o
jogo digital e suas vertentes nesta pesquisa.
Nas décadas seguintes, nos anos 70 e 80 outros livros e pesquisas a respeito
dos jogos continuam sendo desenvolvidas. Como “The Study of Games”, publicado
em 1971 de Brian Sutton-Smith e Elliott M. Avedon e “The Grasshooper”, de 1978 do
filósofo americano Bernard Suits. Neste período, os games comerciais ganham
popularidade, evoluindo sua tecnologia a cada nova geração de consoles, com
maior capacidade computacional, permitindo maior complexidade nos games. Essa
evolução também é acompanhada pela construção de formalismos, devido à
9
Círculo Mágico: é o conceito de que no momento em que jogamos criamos uma nova realidade,
onde agimos de forma diferente do mundo real. Essa nova realidade também tem suas próprias
características que podem ser diferentes da nossa realidade.
10
LARPG é uma abreviação de “Live Action Role Playing Game”. Uma vertente do RPG em que os
jogadores atuam seus respectivos personagens, utilizando o cenário real ao seu redor como palco do
jogo.
11
Serious Games são jogos (geralmente digitais) que tem como um objetivo ir além do
entretenimento. Eles existem em diversas aplicações, utilizado pelos setores militar, governamental,
educacional, empresarial e publicitário, entre outros. (SUSI; JOHANNESSON; BACKLUND, 2007)
19
natureza do design iterativo12 dos games: os games que faziam sucesso com o
público e crítica, influenciavam o design dos próximos títulos. Apesar de esses
desenvolvedores pensarem no design dos games, ainda não havia, nos anos 80,
material em livros e cursos sobre as teorias por trás do desenvolvimento e design do
jogo digital. Os desenvolvedores de games articulavam seus pensamentos sobre
design de jogos computacionais de forma indireta, através de seus games. Chris
Crawford publica em 1982 “The Art of Computer Game Design”13, o primeiro livro
sobre a prática do game design, buscando abrir o diálogo sobre o desenvolvimento
de games (WOLF, PERON, 2003, p. 4). Crawford também publica o primeiro
Periódico sobre design de jogos computacionais, chamado ”The Journal of
Computer Game Design”14 em dezembro de 1987, além de fundar também em 1987,
em São Francisco, a Game Developers’ Conference15, conhecida também pela
abreviação GDC, que acontece anualmente. Reunindo desenvolvedores de jogos
digitais e analógicos, o evento conta com rodadas de negócios, palestras e mesas
redondas, se tornando um dos eventos mais importantes voltados aos
desenvolvedores de jogos no mundo. Nos anos seguintes, durante as décadas de
90, 00 e 10, surgem outros eventos que articulam sobre a prática de se fazer jogos,
alem de investigações sobre outros aspectos dos jogos digitais.
O Campo de Estudos de jogos é construído também pelos teóricos de novas
mídias – que vêem no game uma especificidade de imersão, autoria e interatividade,
propostas de uma forma única quando comparada a outras linguagens então
existentes, e outros formatos das novas mídias, durante a década de 70, 80 e 90.
Jannet Murray em sua obra “Hamlet on the holodeck”, de 1997 explora o impacto
das novas linguagens (internet, games e realidade virtual) no prospecto das
narrativas interativas. Segundo Murray, a forma de construir narrativas neste espaço
12
O termo design iterativo é utilizado para se referir um design que passa por ciclos de teste,
validação e se necessário reestruturação, tal filosofia de design é utilizada no desenvolvimento de
games, porém aqui usamos o termo também para se referir à iteratividade da indústria de games:
quando um game faz sucesso ao utilizar um componente de certa forma, outros games de outros
desenvolvedores apropriam e adaptam tal competente em seu game. Assim, o design iterativo ajuda
a construir um “idioma” dos games, que aqui chamamos de formalidades da linguagem/estrutura.
13
Tradução nossa: “A Arte do Design de Games Computacionais.”A primeira edição está disponível
em http://www.erasmatazz.com/library/journal-of-computer-game-design/jcgd-volume-1. Acesso em
24/07/2019.
14
Tradução nossa: “O Periódico do Design de Games Computacionais.”
15
Tradução nossa: “Conferencia dos Desenvolvedores de Games”. Apesar de hoje ser a principal
conferência sobre o assunto, Crawford não faz mais parte da direção da conferência. Revelam no
seu blog os motivos e acontecimentos que levaram a sua saída. Disponível em: <
http://www.erasmatazz.com/personal/experiences/the-computer-game-developer/> Acesso em
24/07/2019.
20
digital, hipertextual, é uma ruptura tão radical das linguagens tradicionais, como da
literatura tradicional, que é necessário abordar as novas mídias a partir de um novo
campo de estudo. Lev Manovich, importante teórico das novas mídias, comenta
sobre a visualidade e especificidade do jogo digital. Em “Navigable Space” (1998)
discorre sobre diferentes interpretações espaço virtual nos jogos computacionais,
comparando a abordagem de dois populares games da época, Doom (ID Software,
1993) e Myst (Cyan, 1993), este texto se transforma em capítulo de sua tese,
publicada como livro “The Languague of New Media”, de 2001.16
O campo não tem uma data especifica de origem, mas acaba surgindo a partir
de um processo que se inicia antes do jogo digital, com o estudo da atividade lúdica,
e ao passar do tempo gera novas discussões, envolve teóricos de outras áreas e se
torna um campo próprio, que lida com o estudo dos jogos. Mas podemos tomar
como um dos pontos de partida que ajuda a estabelecer o campo o surgimento dos
primeiros congressos, simpósios e periódicos.
O já citado “The Jornal of Computer Games Design” de 1987, é um dos
primeiros periódicos voltados para a comunidade científica. Ponto importante nessa
história é o “Computer Game Studies, Year One”17 que ocorreu no ano de 2001, que
teve como editor chefe Espen Aarseth, prolífico pesquisador de Estudo de Jogos. A
partir dos anos 2000, o campo passa por considerável expansão, com um crescente
número de teóricos colaborando com pesquisas sobre as diferentes facetas dos
jogos, muitas vezes colaborando e discutindo com os teóricos que já estavam
atuando no campo, de forma independente ou na indústria de games. Um destes
momentos é o infame debate envolvendo a Narratologia e a ludologia, o debate é
infame por dominar muito da discussão de games no período, porém é considerado
por teóricos como Gustavo Frasca (2003), Célia Pearce (2005) e Jannet Murray
(2005) como um debate infrutífero e infundado. A discussão sobre esse debate foge
do escopo do nosso trabalho, porém achamos importante o seu conhecimento, pois
é um marco importante no campo, já que o debate mobilizou uma discussão,
parcerias e até conflitos entre os pesquisadores, levando a uma auto-reflexão sobre
o campo e fortalecendo os conceitos básicos da discussão científica de jogos. Esse
16
A Discussão dos jogos digitais não foi abordada somente por pesquisadores das novas mídias – os
trabalhos aqui citados foram escolhidos a fim de brevidade do texto. Outras áreas que discutiam os
jogos digitais na mesma época, como a psicologia cognitiva, educação e teoria literária. (APPERLEY,
JAYEMANE, 2017.)
17
Tradução nossa: “Estudo de Games Computacionais, ano 1.”
21
tipo de troca é marca de uma comunidade que cresce de forma saudável, marcando
um ponto a caminho da maturidade científica do campo.
O periódico “Computer Game Studies”, hoje está no volume número 1818, a
Game Developers Conference, mesmo não sendo um evento com foco científico,
acontece todo ano e possibilita discussões e disseminação técnicas e teoria da
comunidade científica através dos painéis19. Outros eventos surgiram, como as
conferencias anuais do DiGRA20 - Digital Games Research Association (Associação
internacional de pesquisa em jogos digitais) que acontece desde 2002. No Brasil,
contamos com o simpósio anual da SBGAMES, que acontece desde 2004, porém
ainda há certa escassez de eventos científicos nacionais neste campo.
A partir dos anos 2000, até os dias de hoje, o campo passa por um momento
de expansão, hoje há um escopo teórico com diferentes metodologias, abordagens e
objetivos de pesquisa, compondo o conhecimento do campo. Segundo Mary
Flanagan e Helen Nissenbaum “A geração emergente de teóricos do jogo reconhece
o papel que os jogos digitais têm enquanto artefato cultural distinto [...]” (2016, p.
20). Além dos já citados, como Jannet Murray, Espen Aarseth, Gustavo Frasca e
Célia Pearce que continuam pesquisando questões da linguagem do jogo, outros
teóricos também ajudam a construir o campo, como Alexander Galloway, Anna
Anthropy, Boonie Ruberg, Helen Nissenbaum, Ian Bogoost, Jane McGonial, Jesper
Juul, John Sharp, Mary Flanagan, Mia Consalvo, entre outros.
No Brasil, o campo de Estudo de Jogos é mais descentralizado, porém não
limitando a qualidade dos trabalhos, teóricos como Anita Cavaleiro, Lucia Santaella,
Lucia Leão, Marcus Bastos, João Ranhel, Julia Stateri, Renata Gomes, Roger
Tavares, Sérgio Nesteriuk, Silvia Laurentiz e Mirna Feitoza, entre outros, também
realizam pesquisa sobre games que pode ser considerada parte da construção de
conhecimento cientifico do Estudo de Jogos.
Em conjunto com a indústria de games e a comunidade científica, outro grupo
que aborda os games em seu trabalho. A imprensa de games, ou jornalismo de
games, surge quando os primeiros consoles chegam ao mercado, por volta do início
da década de 80. No Brasil, surgem nos anos 90 as primeiras revistas de games,
18
Disponível em http://gamestudies.org/1801/. Acesso em 26/08/2018.
19
Uma parte dos painéis é disponibilizada através do GDC Vault. Disponível em:
https://www.gdcvault.com/. Acesso 25/07/2019.
20
Disponível em: http://www.digra.org/. Acesso em 26/08/2018.
22
21
Documentário realizado pela UOL sobre a história da revista Ação Games. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=zkodO_O_iEI. Acesso 20/11/18.
22
Importante notar aqui a importância dos detonados para o consumo de games no Brasil. Devido ao
fato de que os games eram produzidos principalmente nos Estados Unidos e Japão, e outros países
de primeiro mundo, grande parte desses games vinham para o Brasil em suas línguas nativas. Os
detonados muitas vezes continham traduções, auxiliando no entendimento das historias, premissas e
jogabalidade desses games para um público que não entedia Inglês ou Japonês.
23
Disponível em https://www.polygon.com/. Acesso em 20/07/19.
24
Disponível em https://www.vice.com/en_us/section/games. Acesso em 20/07/19.
23
25
Disponível em: https://www.uol.com.br/start/. Acesso 16/11/19.
26
Disponível em: https://www.twitch.tv/. Acesso em 16/11/19.
24
Figura 1 - Sprite Sheet dos personagens de Super Mario Bros. É o componente gráfico do
game. Fonte: http://www.mariouniverse.com/sprites-nes-smb/
27
Sprite é um termo da computação gráfica, que se refere a imagens bidimensionais rasterizadas que
são renderizadas em uma tela. No caso dos games, os Sprites foram usados extensivamente nos
jogos das primeiras gerações de consoles, que não tinham poder de computação para realizar
renderizações tridimensionais. Apesar de algumas experimentações com vetores, o sprite está
majoritariamente presente em grande parte dos games 2D. Hoje ainda são utilizados, geralmente não
por uma necessidade técnica, mas sim por uma escolha estética e de escopo.
25
Mas não queremos nos referir a esse significado, mas sim do momento em
que o game aparece como artefato e linguagem no campo das Artes Visuais. O
termo Game Art, assim como em outras grafias como Gameart, Gamearte e termos
similares como Artgames, Artist Games, Artistic Games e Arthouse Games se
referem, de forma geral, a um mesmo tipo de trabalho: um trabalho artístico que
utiliza a linguagem do game e vice-versa. Para melhor esclarecer essa afirmação,
vamos buscar as definições destes termos, através de referências e exemplos tanto
no campo da arte, quanto no campo dos games.
dessas tesouras terem suas diferenças, adequando para cada tipo de uso
especifico, grande parte do seu formato é similar: há um cabo, em que o usuário
segura e manipula a sua lâmina para cortar outro objeto. Logo, o objeto tesoura, em
grande parte de seus modelos e variações, tem uma boa affordance para o seu uso,
pois é de fácil identificação para grande parte das pessoas, e conseqüentemente, é
de fácil uso para também um grande número de pessoas. Sharp aplica o conceito de
affordances aos games, e destaca que suas affordances se modificam de acordo
com o público.
Cada comunidade tem uma série de expectativas e critérios para julgar certo
artefato e isso pode modificar a percepção e o potencial de tal artefato quando ele
circula entre diferentes audiências. Quando falamos em comunidades, falamos não
só no público espectador, mas também nos criadores, divulgadores, curadores e
outras figuras que as constituem. Assim como podemos entender no primeiro
capítulo, existem diversas comunidades ao redor dos games, cada um com suas
características. Um game apresentado para uma comunidade que tem experiência
previa com os games, ou seja, aquele público cativo dos games comerciais,
apresenta certas affordances. Por exemplo, a expectativa que tal game seja
desafiador, divertido, tenha uma curva de aprendizado, regras consistentes e uma
condição de vitória ou derrota, como na maioria dos games de entretenimento. Já
para uma outra comunidade, como a de arte contemporânea, carrega consigo outras
affordances, como por exemplo, pode esperar um conteúdo poético ou uma
qualidade estética definida.
28 Original: “For the game industry, games are entertainment products. For those making artgames,
games are a medium for artistic expression and experiential understanding. For those making game
art, games are a means of questioning, critiquing, and exploring unexpected potentials. And so, when
a game maker speaks of games, she is often imagining a creative potential radically different from a
contemporary artist. And when a game player, even one interested in games outside the commercial
mainstream, looks at a game, she sees something quite different than a viewer familiar with the
contemporary art scene.”
27
1. Regras Fixas: o jogo não pode ter suas regras alteradas a qualquer momento.
Elas são combinadas antes do jogo e seguidas durante a partida. Como exemplo
fronteiriço, é utilizado o RPG30 de papel e caneta, aonde apesar de existirem regras
gerais definidas de cada titulo, durante as partidas as regras podem ser modificadas
pelo Mestre, se ele considerar necessário. Como um tipo de atividade lúdica que não
possuí regra fixa, é exemplificado a brincadeira livre, a típica brincadeira de criança
onde as regras mudam a todo tempo.
29
Aqui utilizamos um texto complementar para ajudar a entender as definições de Juul: “O conceito
de jogo e os jogos de computador” escrito por João Ranhel (2009).
30
RPG é a abreviação de Role Playing Game, um jogo de interpretação de papeis. Ele foi
popularizado nos anos 70 com o Dungeons & Dragons (1974, TSR). A estrutura de jogo permite que
os participantes criem seus personagens, enquanto um Mestre de jogo comanda a narrativa da
partida, atuando também como um juiz. As regras e premissas principais estão contidas nos livros do
mestre, que contem as características do mundo de jogo. Os jogadores podem agir através de ações,
que são validadas ou não pelo resultado de um jogo dados, além dos atributos de seus personagens
e validadas pelo Mestre.
29
4. Esforço do Jogador: O jogo não só precisa ter uma interação, mas deve ter uma
interação significativa em que suas escolhas e ações alterem o resultado do jogo.
Um filme não é um jogo, pois o espectador não tem nenhuma ação a não ser
observar, assim como um jogo de chance como o Bingo é considerado um jogo
fronteiriço, já não há nenhum esforço do jogador na forma como os números são
sorteados, apenas contando com a sorte. Como um exemplo de um não jogo está o
“Jogo da Vida” de Conway, que apesar de contar outras características do jogo,
como regras fixas e resultado variado, não há o esforço do jogador, pois a única
ação perante a esse jogo é observar.
5. Vinculo do Jogador com o Resultado: O jogador deve ter algum vinculo, no caso
emocional, com o resultado. O jogador fica feliz ao ganhar e triste ao perder. Como
exemplo de um não jogo, novamente está o “Jogo da Vida” de Conway, já que o
espectador do jogo, não tem nenhum investimento emocional sobre o desenrolar da
“partida”.
Para entender o jogo na arte, e a affordance dos games para esse público,
investigamos alguns momentos que o jogo esteve presente como artefato, alegoria
ou componente artístico na história da arte. Um dos exemplos mais conhecidos é o
jogo dos artistas surrealistas franceses, inventado por volta de 1925, o “Cadavre
Exquis” (Cadáver esquisito).
por sua cabeça sem ver o que tinham feito anteriormente seus
companheiros. Cabe salientar que havia uma seqüência rígida a ser
respeitada: substantivo-adjetivo/advérbio-verbo-substantivo, com o
objetivo de obter o mínimo de coerência no resultado que ao final
seria lido para todos, pois os resultados totalmente absurdos e
incoerentes acabavam, de acordo com Collinet (1948), parando no
lixo. O clássico exemplo, citado anteriormente, "o cadáver delicioso
bebe vinho novo" é a forma mais conhecida[...] (PIANOWSKI, 2007)
.
Figura 3 - Exquisite Corpse (Cadáver esquisito), (1927), Max Ernst, André Masson e Max
Morise. Fonte: https://www.artic.edu/artworks/119116/exquisite-corpse?q=corpse
estrutura do jogo e do ato de jogar, que inspirou uma exposição em 1944 chamada
de “The Imagery of Chess”31, em que tem como objetivo explorar a experiência
intelectual, sensorial e estética do jogo e do ato de se jogar o xadrez. O artista se
interessou tanto pelo jogo, que passou a se dedicar mais ao xadrez do que em sua
produção artística tradicional. Para Duchamp, o jogo foi inspiração na sua produção,
mas houve também um interesse sobre suas mecânicas e dinâmicas32 que o jogo
proporcionava.
31
Tradução nossa: “As imagens do Xadrez”.
32
Utilizamos mecânicas, dinâmicas e estéticas de acordo com o framework MDA (mechanics,
dinamics and aesthetics), que propõe uma ferramenta para facilitar a pesquisa e discussão dos
elementos do jogo. De forma resumida as mecânicas são as regras, a dinâmica é o sistema de jogo e
a estética é a experiência de diversão. (HUNICKE, LEBLANC, ZUBEK, 2004)
33
33
Original: “The craft of game art is not in the traditional, functional application of the tools and
techniques for producing games, nor is it in the design of play experiences. Artists creating game art
approach games as tool sets and cultural tropes rather than as a medium or craft unto itself.”
34
Game Design se refere a especialidade do design que foca na criação de games. Aqui usado para
designar as técnicas tradicionais da produção da indústria.
35
Segundo Sharp (2015, p. 22) Ars Doom é o primeiro trabalho de Game Art, afirmação que pode ser
corroborada pela declaração de Tilman Baumgartel “A primeira tentativa por um artista de usar o jogo
digital como um meio artístico.” (CATES, 2011, p. 9). (Tradução nossa. Original “first attempt by an
artist to use a computer game as an artistic medium”).
34
Figura 6 – “Ars Doom” (1995) Orhan Kipcak, Reini Urban e Curd Duca.
Segundo Sharp “Ars Doom aponta para uma das características principais da
Game Art - a apropriação de ferramentas da indústria de games para a criação
artística”. Essa característica se dá em parte pela dificuldade técnica de
desenvolvimento das tecnologias, então a apropriação se torna uma forma prática
de criar esses trabalhos que utilizam tecnologia de ponta, como no caso a
apropriação de Doom para a obra Ars Doom. Mas a apropriação na Game Art pode
35
ser realizada por conta do potencial poético, como afirmam os artistas Suzete
Venturelli e Mario Maciel:
A poética é marcada pela reflexão com o lúdico ao simular situações
ou testar a ruptura e a descontração de modelos. Modelagens
físicas, mídias interativas, modificações randômicas, banco de dados
iconográficos, mensagens subliminares e a IA compõe essa
atmosfera virtual, na qual a revolução digital, segundo algumas
teorias, convenceu cientistas e filósofos de que vivemos um novo
tempo de arte. (VENTURELI; MACIEL, 2008, p.90)
36
Aqui a Autora utiliza o termo com a grafia “Gamearte”, porém no nosso texto utilizamos com a
grafia “Game Art”. A fim de evitar confusões, seguindo nossa referência inicial da definição de Sharp,
escolhemos utilizar o termo como “Game Art”.
36
37
Como podemos verificar nos movimentos que surgem a partir destas discussões. Um destes
movimentos, Feminist Frequency, é uma web series desenvolvida por Anita Sarkeesian, que tem
como objetivo analisar e apontar questões sociais, principalmente do sexismo, na cultura pop, com
uma grande ênfase nos games. Posteriormente se tornou uma ONG educacional que pretende dar
visibilidade para mulheres e grupos LGBT no universo cultural dos games. Dísponível em:
https://feministfrequency.com/. Acesso em 29/10/2018.
38
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa244740/suzete-venturelli. Acesso em
31/09/2019.
37
A subversão dos valores pode então ser alcançada através de alterações das
estruturas formais, outro exemplo de subversão através desse método pode ser
visto no trabalho da artista Canadense Myfanwy Ashmore, em sua obra “Super
Mario Trilogy” (2002), especificamente no primeiro trabalho da trilogia, chamado
“Mario Battle No 1.” (Fig. 9), uma modificação do game Super Mario Bros. (Fig. 8).
Neste Game Art, a artista remove diversos elementos considerados essenciais para
um game: não há nenhum obstáculo, nenhum oponente e também nenhuma
recompensa para o jogador coletar. Essencialmente é removido qualquer tipo de
recompensa e qualquer desafio do game. Segundo a artista: não há nada pra se
fazer, além de correr e pular entre os cenários e arbustos. Eventualmente o tempo
se esgota, e o jogador inevitavelmente morre. O interesse da artista é questionar de
forma poética idéias sobre falhas e o conceito de vida e morte, de forma humorística
e estilizada através da utilização da linguagem do game, o modificando e removendo
elementos formais para alcançar sua pretensão artística.
38
expectativas do game comercial tradicional, não carrega tanto peso, mas sim as
qualidades poéticas da obra.
Em nosso entendimento - a Game Art é um trabalho artístico, que se apropria
do game, seja como artefato, campo, linguagem ou como componentes para a sua
produção. Estes componentes podem ser tecnológicos como no uso da tecnologia
de Doom para “Ars Doom”, da cultura dos games, como a apropriação estrutural e
subversão de valores em “F69”, ou ambos como no caso de “Super Mario Battle N.
1”., quando a obra remove as interações do jogo original, mas se apropria de sua
tecnologia e linguagem com objetivo de expressar sua idéia de inevitabilidade em
detrimento da jogabilidade tradicional esperada. A intenção de uma expressão
conceitual, visual, cultural e crítica são colocadas acima de qualidades
tradicionalmente valorizadas nos games comerciais, como qualidade gráfica,
jogabilidade, narrativa, rigor das regras fixas, recompensas e condições de vitoria e
derrota.
A Game Art utiliza esses elementos dos jogos, mas nem toda obra da Game
Art é no final um jogo. Para entender como isso é encarado pelo público e melhor
identificar as affordances do Game Art perante as affordances do game tradicional,
buscamos relatos de recepção de um trabalho de Game Art. No site Doom World,
portal para a distribuição de modificações de Doom, há um espaço para avaliações
das modificações ali disponíveis. Na página da Game Arte39 “Ars Doom”, podemos
verificar um pouco de sua recepção (Fig. 10).
39
Disponível em: https://www.doomworld.com/idgames/themes/x-
rated/i_am_old_enough_to_look_at_this/ars_sml. Acesso 24/08/2019.
40
As salas são populadas por grandes rostos flutuantes que não te atacam. A arte é
surpreendentemente bem escolhida – os criadores sabiam das limitações da paleta
de cores de Doom. Aqui tem uma página sobre o trabalho (....) A arquitetura é legal,
porém difícil de navegar. Não há uma jogabilidade real, mas eu acho que não existia
intenção para tal. Um pouco de conteúdo rude (artístico).”
Essas reações são ótimas para exemplificar alguns pontos centrais do nosso
argumento sobre a Game Art e de como a affordance do game muda dependendo
de seu contexto.
Algumas das avaliações negativas criticam a “falta do que fazer” na Game
Art, indicando uma decepção sobre a falta do jogabilidade tradicional de Doom (que
é estruturado em fases, com obstáculos e desafios) e as positivas são de jogadores
que se surpreendem de forma positiva ao perceber que essa modificação não segue
a estrutura de um game tradicional, ficam interessados na novidade ao perceber que
a modificação subverte as interações tradicionais, pretendendo um novo objetivo, no
caso, de expressão artística. Em nossa leitura, podemos identificar esses dois tipos
de avaliações como vindos de um público de jogadores, abordando a Game Art com
as affordances de game tradicional.
A única avaliação que parece destoar destes dois extremos é aquela de 3
estrelas, com um texto mais elaborado explicando sua avaliação. Esse usuário
aparenta ser parte do público dos games: avalia a jogabilidade com um parâmetro
de valores tradicionais e demonstra conhecimento sobre o game base Doom quando
fala sobre limitações da tecnologia da paleta de cores. Ao mesmo tempo, apresenta
um conhecimento o contexto artístico em que a Game Art foi criada, citando
entender o porque de Ars Doom não apresentar jogabilidade tradicional e
oferecendo um link com o um texto adicional com informações sobre o trabalho.
Nesta curta avaliação ele pretende fazer a difícil tarefa de avaliar o Game Art com
critérios ao mesmo tempo do público e indústria de games (entre eles a jogablidade)
e do público de arte (crítica artística) e esbarra na grande questão do Game Art.
Estas curtas avaliações apontam um dos pontos mais críticos em que se
refere aos conceitos a Game Art. Se a Game Art é o fazer de arte com o jogo digital,
quando a Game Art modifica ou remove características centrais do jogo, ela ainda é
um tipo de game? Além dessas características formais essenciais, há outras
expectativas de um bom game, como por exemplo, uma jogabilidade fluida,
progressão, uma narrativa clara e que apresenta desafios justos para o jogador
42
superar, como podemos ver nos games comerciais de sucesso. Há também outra
questão, pois há um grande público que já considera a abordagem do game
tradicional como uma abordagem artística. Trazendo outra pergunta complexa: O
game só se torna arte quando é uma Game Art?
Para ajudar a responder a esses questionamentos utilizamos um texto de
Alexander Galloway, que faz um recorte da Game Art e chama essas obras com
games de Countergaming40 (algo como contra-game) por conta dessa negação das
características estruturais, comparando com a produção de contra-cinema do
cineasta Jean Luc Godard. Galloway diz que essa produção de contra-cinema
existia a margem da grande indústria cinematográfica (no caso Hollywood) e
buscava explorar, subverter e expandir essas regras formais para expandir a
potencialidade da linguagem cinematográfica. Podemos ver que essa proposta é
similar a relação do Game Art com o game.
...artistas contemporâneos de modificação de games tendem a se
aproximar do design visual do game, ou de sua tecnologia. Mods de
jogabilidade são menos comuns e de fato a jogabilidade é
negligenciada a ponto de desaparecer desses trabalhos dos artistas.
(GALLOWAY, 2006, p. 108, tradução nossa41)
40
Notamos aqui mais um exemplo da abundancia de termos, que muitas vezes se sobrepõe. A fim do
bom andamento do texto, consideramos o countergaming como parte do Game Art.
41
Original “In other words, contemporary artist-made game mods tend to approach either the visual
design of the game or the underlying game engine. Mods of actual gameplay are less common, and in
fact gameplay is often neglected to the point of disappearance in most artist game mods.”
42
Tradução nossa, no original Galloway usa o termo “gamic action”.
43
O Game Art foi e continua sendo um importante movimento, que informa sobre o
relacionamento entre o campo da arte e a indústria dos games, principalmente na
época em que foi realizada a maior parte de sua produção (1995 a 2010), permitindo
também uma reflexão sobre os motivos e objetivos da apropriação da linguagem do
game através da crítica desses trabalhos de arte. Entendemos também que as
críticas são validas e devem ser levadas a sério quando se examina a Game Art.
Levando em consideração que esse texto foi escrito em 2006, devemos verificar se
essa afirmação de Galloway continua valida, pois atualmente a produção de games
passa por um momento de expansão, com um grande número de games lançados a
cada dia (WRIGHT, 2018). No próximo subcapítulo vamos investigar essa premissa:
games que focam na expressão poética através das mecânicas e dinâmicas do ato
de jogar.
43
Original: “So Countergaming is an unrealized Project. An independent gaming movement hás yet to
flourish, something that comes as no surprise, since it took decades for one to appear in the cinema.
But when it does, there will transform the countergaming movement, just as Godard did to the cinema,
or Deluze did to philosophy, ou Duchamp did to the art object. And more importantly, artist-made
game mods will be able to resolve the essential contradiction of their existence thus far: that they have
sought largely to remove their own gameplay and lapse back to other media entirely (animation, video,
painting). This will be a realization of countergaming as gaming, just as Godard was a realization of
countercinema as cinema.”
44
44
Mecânica – termo usado no game design para se referir a ações possíveis do jogador dentro do
mundo do game.
45
Original: “Can we create a form of digital entertainment that explicitly rejects the structure of games?
What is an interactive work of art that does not rely on competition, goals, rewards, winning or losing?”
46
Um grande problema do termo indie para se classificar games é o fato que ele
surgiu de uma co-optação de outras produções culturais. A comparação com o filme
indie e a música indie pode trazer a tona uma serie de problemas, pois cada
linguagem tem suas especificidades de produção. Um filme, mesmo que indie, tem
uma estrutura muito maior que uma banda de garagem, que produz música de forma
47
46
Publicadoras são empresas que fazem o marketing, relações públicas, divulgação e negociações
com as plataformas. Servem como ponte entre o desenvolvedor com o consumidor.
48
A discussão que trouxemos até esse momento, nos traz um panorama sobre
como são vastas as comunidades e públicos que criam, interagem e experiênciam
os jogos digitais, além de como suas affordances se modificam de grupo a grupo, de
termo a termo, nesta pluralidade. Para construir nossa contextualização do game
alternativo na cultura, a definição, comparação e exemplificação de termos se
mostra uma estratégia útil, para entender a existência do game além do produto
47
Trecho da transcrição da uma entrevista realizada pelo autor. Disponível no anexo.
49
formatos mais estabelecidos que tem maior chance de gerar lucro. Existem
exceções, como em games comerciais também conseguem inovar, como no caso do
já citado The Sims, se expressar e ajudar a avançar a linguagem, mas eles não
compõem a grande maioria dos games AAA lançados no mercado.
Na história dos Games também vemos como essa situação se modifica
dependendo da tecnologia de cada era. Nos primórdios dos games, os times de
desenvolvimento eram menores, muitas vezes eram formados por apenas um
desenvolvedor, como por exemplo, no caso game de sucesso River Raid (Activision,
1982) que foi desenvolvido por apenas uma pessoa, a designer de games Carol
Shawn. Em 1982, ano de lançamento do game, a publicadora Activision empregava
cerca de 60 funcionários (FLEMING, 2007). Hoje, a mesma empresa, Activision
Blizzard emprega cerca de 9.600 pessoas (CONDITT, 2019). Porém com o avanço
tecnológico e o aumento dos custos para se produzir um produto competitivo no
mercado, somado a necessidade de se assegurar retorno de investimentos, traz
uma homogeneização às produções blockbuster.
Games menores, com custos menores e com públicos menores têm
o luxo de poder ser mais experimentais ou bizarros do que os games
de 12 milhões de dólares, que acabam sendo mais seguros, para
garantir um retorno de investimento. Imagine o que uma indústria que
não tivesse a necessidade de criar hits para se sustentar poderia
criar. (ANTHROPY, 2012, p. 19, tradução nossa49)
49
Original: “Smaller games with smaller budgets and smaller audiences have the luxury of being more
experimental or bizarre or interesting than 12 million dollar games that need to play it as safely as
possible to ensure a return on investment. Imagine what a videogames industry that wasn’t fixated on
hit- that wasn’t required to make hits- would create.”
51
aquele que consome games alternativos. Janet Murray relata sua percepção sobre
novos gêneros jogo e experiências inovadoras.
Cada vez que os desenvolvedores criam novos gêneros para
histórias digitais ou games mais imersivos, os interatores os
experimentam e se sentem frustrados ou encantados. Muitas vezes
esses produtos trazem expectativas que ainda não podem suprir –
mais conhecimento enciclopédico, mais liberdade de navegação e
mais manipulação direta de elementos da história. (MURRAY, 1997,
p. 89 – 90, tradução nossa50)
50
Original: “Each time developers create new genres of digital stories or more immersive games,
interactors try them out and grow frustrated or enchanted. Most often these incunabular products
arouse expectations they cannot yet fulfill—for more encyclopedic coverage, for greater freedom of
navigation, for more direct manipulation of the elements of the story.”
52
51
Partindo da etimologia da palavra em inglês “machine” com “animation” temos “Machinima” –
abreviação de “machine animation”. Traduzindo para o português algo como “animação de máquina”.
Refere-se à prática de animar através de games, que muitas vezes não tem ferramentas para a
criação cinematográfica. Os curtas e longas metragens produzidos através dessa técnica são
chamados de Machinima.
55
52
Gráfico ilustrativo sobre a linhagem tecnológica dos jogos de tiro, criação colaborativa. Disponível
em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/b/b8/FPSChart.svg. Acessado em 01/05/2017.
53
Original: “As a rule, fans contented themselves with ‹new decorations› of existing structures,
whereas artists carried out very many far-reaching changes, some of which led to the games
becoming completely unplayable. Meanwhile, even the notorious ‹Shooter games, that is, the so-
called ‹first person Shooters,› put programs capable of developing three-dimensional spaces—the so-
called ‹level editors›—at the disposal of their users. Using these programs, the players could create
their own ‹levels; this was a method of keeping gamers tied longer to a particular game.”
56
A história dos Mods de certa forma começa logo quando os primeiros games
foram desenvolvidos (PEPE, 2017). Porém, os games como produtos de
entretenimento comercializados, são protegidos por seus desenvolvedores e
distribuidores sob o conjunto de leis que resguardam a propriedade intelectual. A
venda e consumo de software trabalha em um conjunto de disposições legais as
quais definem sua compra e uso através de uma licença de uso, ou seja, ao comprar
um software (no caso, um game), o usuário obtém somente o direito para o uso, e
não tem, legalmente, o direito de modificá-lo, ou exibi-lo em espaços públicos entre
outras restrições. Ou seja, quando os artistas modificam os games, já estão
subvertendo seu uso previsto, e no processo, infringindo leis. Legalidade a parte, a
modificação como processo criativo sempre foi popular. Os designers e
desenvolvedores de games têm opiniões divergentes em relação a tal prática: a
argumentação contra essa prática é a impossibilidade de vender a sua criação, algo
que seria possível ao desenvolver um game próprio, além das limitações que as
modificações podem ter, herdadas do game base.
Porém, quando falamos de Game Art, a popularidade da modificação para a
construção de trabalhos nos leva a refletir sobre algumas práticas análogas a essa
apropriação e modificação a fim da concepção uma obra artística. A apropriação
como poética nos remete aos Ready-mades de Duchamp, as colagens dos
integrantes do movimento dadaísta e as apropriações de produtos de consumo, de
Andy Warhol, da Pop Art. Lidando com propriedades digitais, cultura do
compartilhamento de arquivos, técnicas e processos na rede, este tipo de produção
levanta questões pertinentes à situação atual sobre os conjuntos de leis que regem
54
Original: “[…] artist Annemarie Schleiner writes: Like the sampling rap MC, game hacker artists
operate as culture hackers who manipulate existing techno-semiotic structures towards different ends
or, as described by artist Brett Stalbaum, who endeavor to get inside cultural systems and make them
do things they were never intended to do.”
57
Figura 12 - “Super Mario Clouds” (2002). Dimensões variáveis. Whitney Museum of American
Art, New York.
58
Mark Tribe e Reena Jana elaboram no catalogo New Media Art (2007) uma
reflexão sobre a consciência política do trabalho. Apontando a naturalidade do ato
de apropriação de software e hardware na era da internet. Mesmo quando o
software não é composto de código aberto ou dispõe de ferramentas e editores para
a modificação:
55
Registro em vídeo disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=eGjksSBYEgs. Acessado em
03/05/2017. O game base é Wolfenstein 3D, figura 15.
59
mantém alguns elementos de som e a lógica de jogo, então o game deve ser jogado
para permitir a exploração do cenário, porém todo aspecto visual agora é abstrato.
56
O game original é Unreal Tournament 2003 (Fig. 16).
60
cinza, frio e impessoal do game, a fim de criar um ambiente virtual para apresentar
uma narrativa sobre recordações da sua infância.
[...]De acordo com Flanagan [domestic] não crítica diretamente os
jogos violentos de atiradores, ou a interação dos jogadores com eles.
Flanagan pergunta: <<Podem os espaços dos jogos “high tech”,
muitas vezes violentos, frios ou impessoais, ser subvertidos para
criar uma experiência: um jogo afectivo que personaliza o espaço e
por isso o politiza? Pode a navegação num jogo 3D operar como
meio de desafiar, ou “não-jogar”, as regras convencionais de
funcionamento dos jogos de atiradores?>>[...] (FLANAGAN, M. apud
TRIBE, M.;JANA, R.; 2007, p. 44)
Apesar de o ato de se apropriar do game não ser o foco desta Game Art, mas
sim a construção de um tipo de instalação em um ambiente virtual, que traz uma
narrativa inspirada em sua infância, a artista reconhece a importância do conteúdo
original para construção de sua poética. Trata-se aqui a ocupação e modificação
deste espaço virtual como uma prática análoga à de uma instalação site-specific. A
apropriação como forma de subversão é elemento recorrente na Arte.
[domestic] funciona como instalação no ambiente virtual do motor do
jogo; Flanagan apropria-se de Unreal Tournament como um
convencional artista de instalações poderia abordar um espaço de
uma galeria e transformá-lo num trabalho de ambiente artístico
tridimensional. No caso de [domestic], Flanagan cobre as paredes do
espaço cavernoso com imagens de bosques, da casa e de
fotografias recolhidas de álbuns de família. [...] (TRIBE, M.;JANA, R.,
2007, p. 44)
57
Uma modificação para o popular game em rede Counter-Strike (Fig. 19).
62
61
Raycaster é uma metodologia de renderização em tempo real para gráficos tridimensionais.
62
Unity e Unreal Engine 4, engines populares atualmente, contam com versões grátis e pagas. As
versões pagas são voltadas a estúdios consolidados, porém as versões gratuitas não diferem muito
das versões pagas e nem impedem a comercialização dos games nelas criados. A maior parte das
diferenças vem de ferramentas para gerenciamento de times, claramente voltado a trabalhos de
grande escala. Geralmente possuem uma clausula de royalties em que se ultrapassado certo lucro
anual com a venda de um game feito no engine, é necessário pagar uma taxa.
68
Apesar de essa barreira diminuir cada vez mais, ela ainda existe.
Com o tempo surgiram alguns engines que focam na facilidade de uso como
seu diferencial. Por exemplo, o engine Bitsy63 (Fig. 23) que alem de apresentar uma
interface simples, não precisa de instalação, funciona diretamente do navegador de
internet, é gratuita e permite de forma rápida e fácil desenvolver pequenos games.
Em comparação com um engine como a Unity (Fig. 22), o engine Bitsy não comporta
games tão complexos, ou modificações drásticas de suas ferramentas (extensões)
como as suas contrapartidas, porém sem alcança seu objetivo de trazer um formato
de fácil compreensão para a criação de games.
63
Disponível em: https://ledoux.itch.io/bitsy.
69
Existem inúmeras outras ferramentas e engines que não foram citadas aqui, e
no futuro muitas outras serão criadas. O ponto é que as ferramentas ajudam a
consolidar uma visão criativa. Não existe uma ferramenta ou tecnologia universal e
objetivamente superior para a criação de games, porém existem aquelas adequadas
para cada visão e recursos de criador.
64
Original: “The problem with videogames is that they’re created by a small, insular group of people.
Digital games largely come from within a single culture. When computers were first installed in college
campuses and laboratories, only engineers had the access to the machines, the comparative leisure
time, and the technical knowledge to teach those computers to play games.”
70
65
Original: “This is what game creation is becoming: small, personal and made by people’s own hands
and mouths instead of by corporations with teams, managers, and software renderers. What we call a
videogame is not a product. It’s the creation of an author and her accomplice, the player; it is
handmade by the former and personally distributed to the latter.”
71
66
Informação disponível no site da GDC. Disponível em: https://www.gdconf.com/attend/passes.
Acesso 25/08/2019.
67
Disponível em: https://forums.tigsource.com/.
68
Como por exemplo, Fez (Phill Fish, 2012) importante game alternativo. Disponível em:
https://forums.tigsource.com/index.php?topic=354.0. Acesso em 31/09/2019.
72
69
Disponível em: https://store.steampowered.com/
70
Disponível em: https://www.xbox.com/pt-BR/live
71
Disponível em: https://store.playstation.com/pt-br/home/games
72
Termo geralmente utilizado em inglês: “Self-Publishing”.
73
Disponível em: https://www.moddb.com/
73
74
Disponível em: https://itch.io/
75
Não há nenhum custo obrigatório, mas existe a possibilidade de doar ou reservar parte do lucro dos
seus games para o site. Algo que muitos criadores fazem para ajudar a sobrevivência da plataforma.
74
76
Lista de games expostos pode ser conferida no site oficial do evento. Disponível em:
https://file.org.br/file_sp_2016/file-sao-paulo-2016-come-cross-the-limit/. Acesso em 31/09/2019
77
77
Original: “Imagine introducing someone who had never seen a movie before to Matthew Barney’s
Cremaster films. The amount of both manual dexterity and game-playing experience required to
operate a game designed for the Xbox 360 makes play inaccessible to those who aren’t already
grounded in the technique of playing games”. Nota de tradução: substituímos “xbox 360” por
consoles, já que os controles dos consoles mais populares possuem caracterizas similares.
78
Utilizo gênero com o significado que é utilizado na indústria de games: para definir tipos de games,
como games de ação, RPG, corrida, luta entre outros.
78
79
Site oficial do game. Disponível em: http://guacamelee.com/. Acesso em 20/08/2019.
80
Metroidvania é um gênero caracterizado pela sua estrutura semi-linear. Bastante popular na
história dos games, como na franquia “Metroid” (Nintendo, 1986),Para conseguir progredir no game, o
jogador precisa retornar a cenários já percorridos e explorar de forma criteriosa o cenário em busca
de habilidades e dicas de como prosseguir.
81
Informação do site “how long to beat”, plataforma que informa a media de tempo em que os
jogadores finalizam os games. Disponível em: https://howlongtobeat.com/game.php?id=4145. Acesso
em 20/08/19.
82
Para a discussão de espaços expositivos nos games, sugerimos a leitura da dissertação de
mestrado de Anita Cavaleiro pela USP, “Sobre jogos e não jogos: Um estudo sobre curadoria de
jogos digitais experimentais”, que esteve envolvida nas atividades de curadoria do FILE entre 2013 a
2015.
79
83
A partir desse momento, nos referimos ao Projeto Comunicação como game até o final desta
sessão.
84
Neste projeto os protótipos são iterativos – são pontos de progresso de um game.
85
Utilizamos “facilidade” neste momento do texto, pois essa era a expectativa do projeto. Essa
suposta facilidade de se controlar um game em primeira pessoa falhou em nossos processos de
verificação em outros projetos: em nossos testes com jogadores casuais, notamos uma dificuldade
em operar de forma suave os controles do game.
80
Com esses primeiros protótipos, começamos a ter uma melhor visão criativa
de como o game poderia se estruturar. Então buscamos definir e formalizar as
dinâmicas e mecânicas do game. A estrutura se baseia nas seguintes premissas: Os
jogadores devem trabalhar em conjunto para resolver os desafios apresentados. Os
desafios são de lógica (como em quebra cabeças) e também espaciais
(movimentação no espaço 3D). Os jogadores podem ou não deixar mensagens, que
82
são exibidas em pontos fixos do cenário para o próximo jogador, se caso não
colaborarem o fim do jogo é inalcançável.
4. A mensagem agora está salva, enviada para o próximo jogador. Nesse caso,
ela foi escrita na ponta do abismo. (Fig. 35)
Nesta etapa, o projeto começa a tomar forma, e pudemos testar como ele se
comportaria em um ambiente expositivo, visualizar as etapas remanescentes para o
termino de sua produção e suas qualidades estéticas, dinâmicas e mecânicas.
meses. Isso foi causado por falta de conhecimento dos componentes da ferramenta,
nosso processo era ordenado da seguinte forma: idealização da mecânica, pesquisa
de recursos necessários (os processos e metodologias), estudo destes recursos e
só então a programação. Mas gostaríamos de notar que não consideramos essa
experiência como tempo perdido: todos os conhecimentos obtidos aqui foram
aprimorados e utilizados nos projetos seguintes.
tempo, devido a rapidez de se ver resultados dos outros trabalhos resultantes das
gamejams, que se concretizaram de forma mais eficiente e rápida. No caso o
“ReError” e “S.N.S”., foram desenvolvidos em períodos muito menores. Esta
expectativa de retorno por tempo de produção pode ser negativa.
Desenvolvimento de games costuma ser um processo lento, como por
exemplo, grandes produções do mercado, levam de dois ou mais anos de
produção86. Para uma produção experimental, os processos costumam ser mais
curtos, porém ter a visão e resistência para trabalhar em projetos de longo prazo
parece ser uma característica essencial de quem deseja e pretende produzir
qualquer tipo de game.
86
GTA V (Rockstar, 2013) levou cerca de 5 anos, da concepção a finalização. Disponível em:
https://web.archive.org/web/20131005065349/http://www.develop-online.net/studio-profile/inside-
rockstar-north-part-1-the-vision/0183989. Acesso 01/11/19.
91
87
O gamearte está disponível em https://rdmgames.itch.io/file-jam para PC (Windows) e navegador.
93
TAITO, 1978) também não há pistas para a solução, mas por convenção, apostando
na familiaridade do jogador com as mecânicas de outro game. Caso o jogador falhe
em algum desafio, o sistema reinicia e ele é convidado a tentar novamente (Fig. 37).
Pretendemos evocar um resgate de memória muscular (do jogo clássico) e
experiências de operação de sistemas computacionais e programas obtusos.
No game alternativo “It is as if you were doing work”, o artista Pippin Barr
descreve sua obra em seu website. Segundo o artista, a obra explora a premissa de
um futuro próximo, em que os robôs já executam todo o trabalho necessário para o
bem estar da humanidade, criando então um inesperado bloco de tempo ocioso para
os trabalhadores do mundo. A fim de resolver esse “vazio” deixado pela ausência do
trabalho na vida das pessoas, o game convida o jogador a participar de uma
simulação de trabalho, mesmo o trabalho já não sendo necessário.
Questionando nossa idéia de trabalho e produtividade, o jogador é desafiado
a cumprir tarefas, como preencher e enviar emails, fechar janelas que surgem, e
clicar em caixas de diálogo, simulando de forma satírica um estereótipo de um
trabalho contemporâneo de escritório. O Artista utiliza senso comum de uma
“interface de trabalho”, criando um falso sistema operacional que remete a sistemas
reais, familiares aos usuários de computadores, procurando simular um computador
qualquer de escritório.
96
88
Original: “I call it an interactive zine because it's broken, painful, beautifully terrible, and profound on
a very personal level. Nothing about this is fiction, although the themes are abstract enough so that
anyone can approach it and find it relatable. It is a very personal "game", and I view it as something
other than a game. Through-ought development I had been struggling with the "game" label, and
toxicity that calling something like this "game" brings in, which I documented extensively… As a result,
I feel like calling work like this a game might do it more harm than good.”
97
89
Segundo web site oficial. Disponível em: https://globalgamejam.org/about. Acesso em 31/03/2018.
90
Informações disponíveis no website do evento. Disponível em: http://www.ggjcwb.com/. Acesso em
31/03/2018.
91
Original: Transmission. Vídeo de apresentação da GGJ 2018 disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=3Roxls_2W2M. Acesso em 28/03/2018.
100
92
SCRUM é uma metodologia ágil de desenvolvimento e gestão de projetos. O projeto é dividido em
etapas chamadas sprints e para completar cada sprint é necessário solucionar todos os problemas
definidos nestes blocos.
101
Figura 42 - Captura de tela de S.N.S. Projeto desenvolvido durante a Global Game Jam 2018.
Fonte: o autor.
93
O game está disponível em https://rdmgames.itch.io/sns- para PC (Windows) e navegador.
102
3.3 Cálice
94
Disponível em: https://amaze-berlin.de/. Acesso 25/08/2019.
95
De acordo com a página do evento, o ano de 1968 foi um ano substancial nas questões políticas,
incluindo a popularização de movimentos sociais de foco anticapitalista, anti imperialista, racial,
feminismo e dos direitos humanos.
104
96
O gamearte está disponível em https://rdmgames.itch.io/calice para PC (Windows).
97
C.C.C. é protagonista de protestos e agressões, principalmente durante o ano de 1968. Seus alvos
eram de setores que protestavam e denunciava o regime. Um dos acontecimentos mais marcantes
envolvendo o comando, A Batalha de Maria Antônia, entre estudantes da USP e do comando,
composto majoritariamente por estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie. (BRASIL,
Clarissa. 2010. 124 p.)
98
Atropelar é uma gíria de artistas de rua para o ato de se pintar por cima de outra pichação.
99
Esses fatos foram retirados do portal “Memórias da Ditadura”. Disponível em:
http://memoriasdaditadura.org.br/
105
O game ficou disposto como parte da mostra do evento A. MAZE Berlin (Fig.
45), edição de 2018, que aconteceu do dia 25 ao dia 29 de abril de 2018. O game
também foi exibido na mostra Antifa Art & Games 2019 (Fig. 46), selecionado
através da curadoria de Simona Maiorano, desenvolvedora de games e
organizadora de eventos para a comunidade de desenvolvedores na região de Bari
no sul da Itália. O evento ocorreu nos dias 24 e 25 de maio de 2019, e teve como
temática de seleção games que abordam o confronto ao fascismo – ideal para o
game Cálice.
106
Figura 46 - Foto do evento Antifa Art & Games 2019. O Game Cálice em exibição. Fonte:
https://www.facebook.com/antifa.artandgames/
107
Considerações finais
O campo de Estudo dos Jogos, que hoje conta com uma variedade de temas
abordados, não discutem só a natureza do jogo digital, mas também debatem temas
como as culturas que surgem e geram a partir do game, como o debate sobre a
toxicidade das comunidades dos games online. O campo ainda passa por um longo
processo de estruturação – há poucos programas de pós-graduação com foco nesse
campo, dificultando o financiamento e disponibilidade de espaços para a discussão.
No Brasil contamos com um crescente número de cursos superiores de games,
como o bacharelado de Design de Games da Anhembi Morumbi, em São Paulo, e o
evento SBGAMES, na sua 15º edição, de acontecimento anual, que contribui para o
fomento da área, mas ainda carecemos de espaços para o estudo e discussão de
certos aspectos da linguagem.
100
Gamergate, é um movimento de extrema-direita focado em assedio e ameças, direcionado
principalmente as mulheres da industria. Mais informações disponíveis em:
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/08/22/O-Gamergate-5-anos-depois.-E-seu-papel-para-
a-extrema-direita. Acesso 28/08/2019.
109
101
Livro a ser lançado em Setembro de 2019. Disponível em:
https://mitpress.mit.edu/books/handmade-pixels. Acesso 31/08/2019.
102
Disponível em: https://www.palgrave.com/gp/book/9783030250119#aboutBook. Acesso em
31/08/2019.
110
Como uma consideração final, esperamos que esse entusiasmo ao redor dos
games, com a criação e popularização de cursos superiores sobre a produção e
desenvolvimento de games se reflita em uma aumento na produção de games e
produção científica desse campo, o Estudo de Jogos, no Brasil. Editais do governo
hoje financiam as produções, de estúdios brasileiros, através do órgão
governamental ANCINE, esperamos que o reconhecimento e aumento dessa
produção venha de alguma forma a potencializar a produção nacional e a pesquisa
científica dos games, e tragam com isso, novas vozes na criação e discussão de
games.
111
Referências
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Disponível em: http://www.gamestudies.org/0101/editorial.html. Acesso em
17/07/2014.
BECK, John C. WADE, Mitchell. GOT GAME: How the gamer generation is
reshaping business forever. Boston: Harvard Business School Press, 2004.
BARR, Pippin. It is as if you were doing work. Website do artista. Disponível em:
http://www.pippinbarr.com/games/2017/07/03/it-is-as-if-you-were-doing-work.html.
Acesso em 31/03/2018.
CASTLE, Jack. “Finding the right move”: Marcel Duchamp and his passion for
chess. Disponível em: https://www.christies.com/features/Marcel-Duchamp-his-pipe-
and-his-passion-for-chess-7301-1.aspx. Acesso em 26/08/19.
CATES, Jon. Running and Gunning in the Gallery: Art Mods, Art Institutions,
and the Artists Who Destroy Them. In: From Diverson to Subversion: Games,
Play, and Twentieth-Century Art, 2011. Disponível em:
http://artgamestudies.org/RunningAndGunning.pdf. Acesso em 26/08/19.
CONDITT, Jessica. Activision Blizzard lays off nearly 800 employes after
‘record’ 2018. 2019. Disponível em:
https://www.engadget.com/2019/02/12/activision-blizzard-layoffs-800-employees-
record-2018/. Acesso em 30/08/2019.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Perspectiva, 2014.
JUUL, Jesper. The game, the Player, the World: looking for a Heart of
Gameness. In: Level Up: Digital Games Research Conference Proceedings. 2003.
P. 30 – 46.
MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge: The MIT Press, 2001.
Disponível em: https://dss-edit.com/plu/Manovich-
Lev_The_Language_of_the_New_Media.pdf. Acesso em 19/10/2018.
SHARP, John. Works of game: On the aesthetics of games and art. London: MIT
Press, 2015.
TAVARES, Roger. Prefácio. In: LUZ, Alan Richard. Vídeo Games: História,
linguagem e expressão gráfica. Do nascimento à consolidação do vídeo game
como linguagem. São Paulo: Edgar Blucher, 2010.
TRIBE, Mark. JANA, Reena. New Media Art. Portugal: Taschen. 2007.
WEILLER, Thaís A. Pense pequeno e termina essa droga desse jogo. Disponível
em: https://medium.com/game-start/pense-pequeno-5494654bfedd. Acesso em
31/08/2019.
WOLF, Mark J.P; PERRON, Bernard. The Video Game Theory Reader. New York:
Routledge, 2003.
WRIGHT, Steven. There are too many video games. What now?. Polygon.
Disponível em: https://www.polygon.com/2018/9/28/17911372/there-are-too-many-
video-games-what-now-indiepocalypse. Acesso em 26/08/2019.
Websites
R.D.: Tendo estes textos em mente, ao pesquisar estou tendo uma dificuldade
de compreender o termo gamearte dentro dessa dinâmica das categorias de
games. Entendi o termo gamearte como um projeto, não como uma categoria.
Afinal o termo mais fala sobre um tipo de produção ou como um projeto?
característica crítica e pode ser ativista, em alguns casos. Nas artes plásticas, isso
ocorreu em outros trabalhos e movimentos artísticos. Por exemplo, na pop art, o
trabalho estava voltado diretamente para a crítica do consumo, a indústria e alguns
artistas e designers, se utilizavam da linguagem para um tipo de produção engajada
nas questões sociais da época.
S.V.: Esse projeto começou com a pratica da performance, nos anos 1980. Um dos
conceitos principais na performance é o conceito de jogo, do lúdico. A ideia do jogo
na performance, se estabelece com o espectador a partir de uma ação, que se
estabelece no tempo e não pela matéria. Nesse tipo de obra, ocorre uma interação,
não era ainda a interatividade pela máquina, mas uma interação na qual algumas
questões do lúdico, do jogo da performance aconteciam. Essa proposta foi
acompanhando meu trabalho, e as novas tecnologias foram agregadas, pois
possibilitou atingir outros objetivos, como o surgimento da obra a partir da presença
do outro com a sua participação. Assim como em um game, se não há jogador, o
jogo não acontece.
103
Reportagem da BCC sobre o Minitel: <<https://www.bbc.com/news/magazine-18610692>>.
Acesso em 16/05/2019.
121
S.V.: Concordo. Você é um ator, ou melhor, um interator, termo que é muito utilizado
para definir o papel da pessoa que interage nas obras. Também recorro ao termo
interagente, para a pessoa que age dentro de um sistema, que é complexo,
emergente, pois não é um sistema fechado. A linguagem do jogo também permite
isso. Fiquei interessada nesse recurso, porque no jogo você pode ter várias pessoas
participando simultaneamente num determinado sistema. A obra tem como
característica ser multidirecional, criando várias situações de emergência inéditas, a
cada processo de interação.
S.V.: Neste caso, dependerá da crítica do meio artístico. Se eu for escrever um texto
crítico sobre o assunto com certeza vou utilizar o termo. Depende do espaço que
fomentou a proposta. Por exemplo, o espaço expositivo que divulgou os jogos aqui
no Brasil, como um campo de conhecimento e de entretenimento, foi o Itaú Cultural,
assim como, o Banco do Brasil também. Esses espaços culturais dos bancos
104
HTML – linguagem de programação para web.
122
ficaram muito atentos ao que estava acontecendo e abriram espaço também para
essa criação independente. Nesse período, surge o termo indie game, que não é
aquele do game comercial tradicional. O artista encontrou um espaço para mostrar
suas obras. Para muitos a arte de hoje é o game. Assim como ocorre como o
cinema, que é considerado também arte, mas nem todo o cinema é arte. Um
exemplo de cinema arte é da produção de Matthew Barney que é um artista,
cineasta, escultor, pintor e também trabalha com jogos.
A gamearte como termo ainda continua, ainda é pesquisada. Ela não fica só no
ambiente digital, ela também vai para objetos, se estende pela cidade.
R.D.: No livro imagem interativa você fala sobre os games que quando
abordados por agentes culturais, podem trazer novas abordagens, inovações
para a linguagem. Acrescenta que estas inovações podem ser absorvidas pela
indústria. Esse livro é de 2008, então falando do hoje, 2019, pesquisando a
gamearte e indie game, tive a impressão que esses trabalhos de gamearte, e
suas inovações, produzidos em meados dos anos 2000 e um pouco antes
foram absorvidos pela indústria.
Talvez pela indústria e a apropriação do game indie, que apesar de não ser a
grande indústria, caminha cada dia mais pro comercial, pro interesse
mercadológico. Muitos aspectos que hoje são considerados como
características próprias do indie game são similares às características da
produção de gamearte. Você concorda com essa colocação?
123
S.V.: É uma coisa a ser pensada, pois a relação e fronteiras entre a pesquisa e o
entretenimento no caso dos games é bem sútil. Por exemplo, quando estudei na
Suíça em 1997, em um laboratório havia uma pesquisa de game, cujo resultado foi
adquirido pela Sony105. Essa empresa fez um equipamento, um brinquedo
eletrônico, específico para a proposta no qual o público entrava dentro e provocava
sensações físicas. Ele da uma sensação de estar dentro de um jogo, que na
verdade era uma animação, onde há vários cubos de gelo que descem de uma
montanha, como em um tobogã, a pessoa se movimenta com uma cadeira que vibra
e sacode para os lados. A pesquisa foi comprada pela indústria. Era uma pesquisa
inovadora, que insere o observador dentro de um mundo virtual, embora seja tele-
imersivo, em função do movimento, barulho, música e som passa a sensação ao
público de ser um cubo de gelo, ou seja, tem muita pesquisa para ser feita nesse
sentido.
Ficamos com a sensação que sabemos tudo, e que nada mais há para inovar.
Entretanto, hoje apresentei um vídeo para meus alunos, sobre a cor luz e pude
mostrar como muita coisa ainda temos para pesquisar sobre o assunto. Dentre os
assuntos, a cor luz nos games pode vir a ser uma pesquisa muito atual, ainda pouco
trabalhada. Como na pesquisa do artista daltônico Neil Harbisson, que desenvolveu
em conjunto com outros pesquisadores um sistema que ele implantou em si para
poder ouvir a cor. Ele é um ciborgue, na fotografia de seu passaporte ele aparece
com essa prótese, formada por uma câmera e suporte. A câmera digitaliza a cor
percebida e transmite a informação para seu cérebro, um trabalho pioneiro e único.
A incorporação pela indústria do entretenimento é mais aceita e natural atualmente
do que há 11 anos, quando achávamos que só a gamearte criticava valores pré-
concebidos e reacionários. Atualmente, o entretenimento também tem uma visão
crítica da sociedade, e levanta questões pertinentes, avançando na abertura de
espaços e empreendedorismos de outros grupos, democratizando o espaço de
trabalho.
105
Sony é a fabricante do console Playstation, que desde sua primeira versão lançada em 1994 é um
dos mais populares aparelhos dedicados a jogos e a Sony por sua vez uma das maiores empresas
do ramo. Disponível em: https://www.playstation.com/en-au/explore/ps4/playstation-through-the-
years/. Acesso em 16/05/2019.
124
S.V.: Sim, concordo, pois ainda existe produção industrial de entretenimento, que
mantém o status quo no qual a situação não apresenta diversidade, mas mantém o
preconceito e aquela tradição de violência e competição.