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ARTIGO ARTICLE
na atenção primária à saúde, no SUS: oportunidades e desafios
Abstract This paper has the purpose of contrib- Resumo O texto busca contribuir para a discus-
uting to the discussion of the crossing areas be- são dos entrecruzamentos entre os campos da saú-
tween Environmental Health and Workers´ de ambiental e da saúde do trabalhador, referen-
Health, in the Brazilian context of Labor, Pro- ciada no cenário brasileiro das relações produ-
duction, Environment and Health. This paper ção/trabalho, ambiente e saúde e nas mudanças
emerges in the context of the current organiza- na organização do SUS, com destaque para o pa-
tional changes of the Brazilian National Health pel da atenção primária à saúde (APS), e se desti-
System (SUS), with a major focus on Primary na a contribuir para as discussões no processo de
Health Care, having in mind, also, the prepara- preparação da 1ª Conferência Nacional de Saúde
tion of the 1st National Environmental Health Ambiental (1ª CNSA), prevista para ser realizada
Conference (1a CNSA) to be held in December of em dezembro de 2009. São descritos, de modo sin-
2009. So, historical and conceptual aspects of those tético, aspectos históricos e conceituais desses
1
Departamento de Medicina fields are described in a summarized manner, as campos, algumas das características compartilha-
Preventiva e Social,
well as some shared features and expected actions das e as ações esperadas do sistema de saúde, com
Faculdade de Medicina,
UFMG. Av. Alfredo Balena of the Health System, with emphasis to the role of destaque para o papel da APS e a importância do
190/817, Bairro Santa Primary Health Care and to the importance of diálogo com o movimento social. Finalizando, são
Efigênia. 301130-100 Belo
the dialogue with the social movement. Finally, identificados pontos para uma agenda de traba-
Horizonte MG.
bethdias@medicina.ufmg.br some topics for a common agenda were identified lho comum.
2
Departamento de Saúde by the authors. Palavras-chave Atenção primária à saúde, Aten-
Comunitária, Centro de
Key words Primary health care, Environmental ção básica de saúde, Saúde ambiental, Saúde do
Ciências da Saúde da
Universidade Federal do health, Occupational health and workers´ health trabalhador
Ceará.
3
Centro de Pesquisas
Aggeu Magalhães, Fiocruz.
4
Superintendência de
Vigilância e Proteção da
Saúde, Secretaria de Saúde
do Estado da Bahia.
5
Coordenação Geral de
Saúde do Trabalhador,
Departamento de Saúde
Ambiental e do Trabalhador,
Secretaria de Vigilância em
Saúde, Ministério da Saúde.
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Dias EC et al.
rendo no cotidiano da vida, nos ambientes dos distintos, por vezes em outro município, muitas
processos produtivos e na dinâmica da vida das vezes distantes, como no caso dos trabalhadores
cidades e do campo27. migrantes recrutados para o corte da cana, para
Outra aproximação do tema, no âmbito da colher laranja ou café. Qual seria o limite das
saúde do trabalhador, refere-se à alternativa de ações de saúde ambiental e de saúde do traba-
se considerar as prioridades já definidas para a lhador na APS nesses casos? Como organizar o
APS, como a hipertensão, o diabetes, o atendi- cuidado de pessoas que vivem em um território e
mento de gestantes e crianças, a prevenção do trabalham em outro? Como romper com o viés
câncer de colo uterino, entre outras, para se inse- assistencial? O que fazer com as situações de ris-
rir a questão do trabalho e das relações de pro- co geradas em um território, mas cujos impac-
dução na linha de cuidado. Porém, é importante tos se fazem sentir em inúmeros outros?
lembrar que esta alternativa destaca os aspectos Outra dificuldade compartilhada com o con-
assistenciais, em detrimento das ações de vigi- junto do SUS é o gargalo no acesso aos níveis
lância e do enfoque de território. mais complexos do sistema, a exames e clínicas
Outra questão a ser considerada se refere à especializados. Se não resolvido, acarreta o des-
possibilidade de que a RENAST e em particular crédito e invalida o esforço despendido na ponta
os Cerest possam servir como referência técnica para acolher e cuidar das pessoas.
para ações de saúde do trabalhador e de saúde A integralidade do cuidado também não está
ambiental na atenção primária à saúde. Entre- resolvida. Apesar dos esforços, nos níveis federal
tanto, para que isto ocorra, é necessário revisar o e estadual do SUS, de descentralizar as ações de
papel desses centros de referência, uma vez que vigilância de modo a serem assumidas na capila-
estudo recente de acompanhamento do desen- ridade da rede, no mundo real da APS, predomi-
volvimento da RENAST, em Minas Gerais26, nam as ações assistenciais.
mostrou que muitas vezes a articulação com a Como efetivar a vigilância? Como lidar com
APS, mediada pela qualificação das equipes, tem os interesses econômicos poderosos da grande
servido apenas para ampliar a demanda do Ce- empresa que polui e degrada a saúde da popula-
rest sem efetivamente incorporar a APS como ção e o ambiente e simultaneamente com a fragi-
porta de entrada do sistema. lidade do despreparo técnico das equipes, a falta
Finalizando essas reflexões, é importante des- de suporte laboratorial e de referência dos níveis
tacar questões que necessitam ser valorizadas e mais complexos do sistema e de suporte social?
discutidas na agenda dos técnicos, gestores e do Como utilizar melhor os instrumentos existen-
controle social do SUS, ao se propor o desen- tes, por exemplo, a informação sobre a ocupa-
volvimento de ações de saúde do trabalhador e ção, preenchida pelo ACS na Ficha A da APS,
de saúde ambiental na APS, como por exemplo, para as ações de vigilância epidemiológica?
a sobrecarga das equipes da APS. Observa-se que No plano da gestão, como superar as dificul-
os ACS e os profissionais das equipes da APS já dades, frequentemente relatadas pelas equipes,
executam atividades no campo da saúde ambi- decorrentes das prescrições centralizadas e vincu-
ental e de saúde do trabalhador. Assim, o desafio ladas a metas a serem cumpridas e ao financia-
seria a requalificação dessas ações, na perspecti- mento, pelos níveis federal e estadual, que des-
va das relações produção/trabalho-ambiente e consideram a realidade local? Como trabalhar em
saúde. Para isto, é essencial sensibilizá-los e pre- equipe se o cafezinho dos ACS é espacialmente e
pará-los para reconhecer os processos produti- qualitativamente separado dos médicos e enfer-
vos que ocorrem no seu território e suas reper- meiros? Como capacitar os profissionais da APS
cussões sobre o viver e o adoecer das pessoas. para desenvolver ações de saúde do trabalhador,
Também, é importante rever o conceito ope- se eles não conseguem encaminhar suas próprias
racional de território, de modo a contemplar demandas por contratos justos e condições de
questões como a contiguidade das exposições aos trabalhos adequadas e com menos adoecimento?
fatores de risco, a mobilidade das pessoas que São questões importantes para a agenda de
circulam seja para trabalhar ou por outros mo- trabalho da 1ª Conferência Nacional de Saúde
tivos. Se é mais fácil pensar a organização das Ambiental (1ª CNSA), convocada por decreto
ações de saúde ambiental e saúde do trabalha- presidencial publicado em 14 de maio de 2009,
dor na APS considerando as atividades produti- que tem por objetivo definir “diretrizes para polí-
vas domiciliares, ou de “fundo de quintal”, ela se ticas públicas integradas no campo da saúde am-
torna complexa quando se trata propor o cuida- biental, a partir da atuação transversal e interse-
do de trabalhadores que trabalham em locais torial dos vários atores envolvidos com o tema”.
2069
Colaboradores
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ações de saúde do trabalhador no SUS: a estratégia Aprovado em 14/08/2009
da RENAST. Cien Saude Colet 2005; 10(4):817-828. Versão final apresentada em 08/09/2009