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Volume 3 - Janeiro / Dezembro de 2012

O Uso de Jogos no Ensino de Língua Estrangeira

Diogo Neves da Costa

Universidade Federal do Rio de Janeiro

diogoncosta@yahoo.com.br

Resumo

O presente trabalho tem como motivação básica expor as conclusões desenvolvidas


a partir de uma experiência qualitativa realizada ao longo de um semestre no curso
de línguas da UFRJ (CLAC), nesta foi observado como os alunos se engajavam no
processo de ensino-aprendizagem com e sem o uso de jogos dentro da sala de aula.

Para tanto as aulas foram divididas em dois momentos, no primeiro momento as


aulas eram ministradas sem o uso de jogos e no segundo momento as aulas eram
ministradas sempre acompanhadas de jogos. É importante afirmar que em ambos os
trimestres foram desenvolvidas as quatro competências básicas para aquisição de
uma segunda língua (produção oral e escrita e compreensão oral e escrita).

Para a coleta de dados utilizou-se, tanto questionários com os alunos, assim como
entrevistas coletivas e individuais, definindo as contingências sócio-histórico-
culturais desses alunos, assim como suas perspectivas das aulas, foram utilizados
ainda observações feitas pelo pesquisador/professor, realizada ao longo do
semestre através de diários de campo.

Ao final da pesquisa pode-se observar que os jogos são úteis para aumentar o
engajamento do aluno em sala de aula e por consequência torna a aula mais
dinâmica e agradável, tanto ao professor quanto ao aluno.

Palavras-Chave: Jogos, Ensino de línguas, Atos de linguagem.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação
Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ
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The Use of Games in Foreign Language Teaching


Abstract
The present work exposes the conclusions developed from a qualitative experience
conducted for one semester in the language course at UFRJ (CLAC). We observed
how students are engaged in the classroom when games were used and when not.

The class was divided into two stages, at first the class was given without the use of
games and the second time the class was given accompanied by games. It is
important to state that in both classes were developed the four basic skills to acquire
a second language

To collect data we used both questionnaires with students and interviews, defining
the socio-historical contingencies and cultural of these students, as well as their
perspectives of the classes were also observations made by the researcher /
teacher.

At the end of the research we can see that the game are useful for increasing student
engagement in the classroom and, therefore, makes the class more dynamic and
pleasing to teacher and the student.

Key Words: Games, language teaching, language acts.

Introdução

Uma mise-en-scène, essa seria uma possível forma de ver a sala de aula de língua
estrangeira. Em uma sala de aula homogênea, no que diz respeito a sua língua
materna, temos todos falantes da mesma, mas que aceitam que a sala de aula é um
microcosmo, um recorte cultural e linguístico, de outra pátria, com outra língua.

O professor, por muitas vezes, é tratado pelo aluno como um nativo daquela nova
realidade, mas não um nativo “real”, mas sim o nativo idealizado por esses alunos,
muitas vezes, para esses alunos, detentor de todo o conhecimento linguístico,
discursivo e de mundo daquela língua a ser aprendida. Cabe ao professor

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desmistificar aos poucos essa ideia do “nativo onisciente” em prol de uma


construção de uma atmosfera de ensino-aprendizagem.

Indo adiante, pensando na definição de jogos na perspectiva de Huizinga, ou seja


uma atividade voluntária, com regras bem definidas, mas obrigatórias, poderíamos
dizer que a sala de aula de língua estrangeira é por si só um jogo e como todo jogo,
para se tornar interessante deve propiciar um nível de imersão. E é neste sentido
que o lúdico, proveniente de um jogo dentro da sala de aula pode ajudar o aluno a
adquirir um maior grau de imersão, pois ainda que a sala de aula possa ser visto
como o jogo, não é certo que a haja ludicidade nela, lembrando que o jogo não
precisa necessariamente ser lúdico,

Como veremos ao longo deste trabalho o jogo dentro do espaço-temporal da aula


permite aos alunos pode permitir um maior grau de imersão, criando no aluno um
maior comprometimento com essa mise-en-scène da sala de aula.

Em suma, o objetivo do trabalho foi verificar se há alguma mudança e em qual


sentido, quando os jogos permeiam ou não as aulas de língua estrangeira. É
importante ressaltar, então, com o intuito de contextualizar a pesquisa, dividir o
presente artigo em quatro partes.

Primeiro pretendemos explicar brevemente o que vem a ser o projeto CLAC e quem
são esses sujeitos de pesquisa, pois acreditamos que somente ao determinar a
realidade recortada podemos tirar conclusões a seu respeito.

Em seguida cabe explicitar o teoria utilizada para analisar os dados obtidos, ou seja
explicar como observasse o discurso a partir dos atos de linguagem de Patrick
Charaudeau.

Após esse momento demonstraremos a visão do aluno quando este é exposto a um


ambiente de ensino, que priorize as quatro competências necessárias para a
aquisição da língua estrangeira (produção e compreensão escrita e produção e
compreensão oral), mas livre de jogos.

E finalmente, antes das conclusões finais, explicitaremos como os alunos percebem


um ambiente de ensino que prioriza as competências citadas através de jogos.

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Usamos como recorte uma turma de francês do Curso de Língua Aberto a


Comunidade (CLAC), projeto do departamento de letras da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). A experiência foi feita ao longo do primeiro semestre de
2009. Comecemos então explicitando o que é o projeto CLAC e o perfil desses
alunos.

O curso CLAC e os sujeitos de pesquisa

O curso de línguas aberto à comunidade (CLAC) foi criado em 1987. Esse projeto foi
idealizado com base em dois objetivos. O primeiro seria contribuir com a formação
profissional e científica dos alunos graduandos e o segundo contribuir ativamente
para o aprimoramento dos membros da comunidade a sua volta.

Entretanto, em 1996 o projeto é encerrado e reativado dois anos depois, em 1998,


passando a cobrar um taxa mínima aos alunos para que o projeto pudesse se
sustentar.

Os professores do projeto, intitulados monitores, são graduandos em formação que


já atingiram mais de 50% do curso concluído (cerca de 2 anos e meio de formação
realizada).

Esses monitores recebem uma bolsa auxílio e são orientados, através de reuniões
semanais, pelos supervisores (professores da graduação da própria instituição e
regentes do mesmo idioma que o monitor ministra no projeto). Nesta orientação a
prática pedagógica é criticamente refletida e avaliada.

As provas e os exercícios usados em aulas são elaborados e avaliados pelos grupos


de monitores com seus respectivos orientadores e há, ainda, avaliações dos
monitores, através de questionários preenchidos pelos alunos do CLAC ao longo do
semestre. Nestes, o aluno do CLAC avalia através de conceitos (péssimo, regular,
bom, ótimo) o desempenho (pontualidade, domínio da matéria ministrada, material
levado à sala de aula etc.) do monitor durante o curso.

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Ao final do ano os monitores são convidados, ainda, a apresentar alguma pesquisa


produzida junto ao seu orientador sobre algo que tenha pesquisado com base na
sua docência (Fórum CLAC).

O projeto CLAC oferece outros cursos de idiomas, tais quais: Espanhol, Alemão,
Alemão Instrumental, Árabe, Hebraico, Inglês Instrumental, Italiano, Japonês,
Oficina de Língua Portuguesa, Português Língua Estrangeira e Russo.

Segundo Zyngier (2002, p.6), no ano de reativação, 1998, o projeto CLAC possuía
10 monitores e 200 alunos, com 3 professores orientadores. Já em 2002 o CLAC
contaria com 31 professores orientadores e 182 monitores atuando em 272 turmas,
que totalizam um número de 5.440 alunos em 11 modalidades de língua, e 7
estagiários técnico-administrativos. Atualmente, em vistas somente o curso de
francês durante o primeiro semestre de 2009, o CLAC era composto de 25
monitores, cada um responsável por uma turma e 3 orientadores.

Havia, exatamente, 9 turmas de francês I, 6 turmas de francês II, 5 turmas de


francês III, 3 turmas de francês IV e 2 turmas de francês V, totalizando
aproximadamente 483 alunos de francês.

Em relação aos sujeitos de pesquisa, a partir de um questionário aplicado com a


turma que continha o seguinte conteúdo:

1 – sexo do aluno
2 - Idade
3 – Língua materna
4 – Escolaridade e local de estudo atual
5 – Estuda ou estudou língua francesa fora do CLAC
7 – Se dominam outros idiomas
8 – O que esperam da aula de francês

Podemos perceber que a classe era composta por 18 alunos e destes 12 eram do
sexo feminino e 6 do sexo masculino. 15 alunos tinham entre 18 e 30 anos, 2 alunos
entre 30 e 40 e 1 aluno entre 40 e 50. Todos eram falantes nativos do português. 15

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alunos possuíam nível superior (completo ou incompleto) e 3 alunos cursavam a


pós-graduação.

Destes alunos 17 eram estudantes da UFRJ e 1 da Unirio, 11 eram da área de


biomédicas, 3 da área de exatas e 4 de humanas. 16 nunca tiveram contato
sistemático do francês anteriormente ao CLAC, mas destes, 2 já haviam viajado
para França e outros 2 já haviam estudado francês no colégio. E 12 dominam o
inglês. 3 deles tanto o inglês quanto o espanhol. 1 o espanhol e 2 alunos não
possuíam uma primeira língua estrangeira.

Em suma, através dos dados obtidos, pudemos notar que os sujeitos possuem em
média nível universitário, tinham entre 18 e 30 anos, estudantes da própria UFRJ,
alunos de biomédicas e já dominam uma primeira língua estrangeira.

Já em relação à expectativa do aluno notamos que é possível dividi-la a partir das


quatro habilidades básicas para o aprendizado de uma língua estrangeira: produção
escrita e oral e compreensão escrita e oral:

Treze alunos disseram querer ler e escrever bem em francês ou falar e entender ou,
ainda, ambos. Três queriam aprender gramática e dois queriam aprender mais sobre
a cultura francesa.

Sendo assim sempre se buscou realizar atividades que auxiliasse no


desenvolvimento dessas competências, assim como o conhecimento sobre a cultura
francesa, atendendo a expectativa dos alunos.

A pesquisa dividiu o semestre em duas partes, com base no cronograma do curso


dado aos monitores do CLAC. A primeira parte iria até as primeiras avaliações e a
segunda até as segundas. Na primeira parte do semestre, sendo assim não houve o
uso de jogos, enquanto que na segunda sim. Vejamos a estrutura deste primeiro
período de aulas.

Cabe ainda ressaltar que a análise dos discursos dos alunos foi analisado a partir da
teoria dos atos de linguagem de Patrick Charaudeau, que exporemos a seguir.

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Atos de Linguagem

Segundo Patrick Charaudeau (2008), ao longo de sua obra, todo ato de linguagem é
constituído por dois circuitos: O circuito do fazer e do dizer. O circuito do fazer,
circuito externo, é o lugar onde se encontram os sujeitos da ação, intitulados de
Sujeito Comunicante (EUc) e sujeito Interpretante (TUi) e o circuito do dizer, circuito
interno, é o lugar onde se encontram os sujeitos da fala, Sujeito Enunciador (EUe) e
Sujeito destinatário (TUd).

E o sujeito comunicante (EUc), antes de iniciar o discurso, cria uma imagem do


destinatário (TUd) e é a partir desta imagem criada (TUd) que ele vai definir o melhor
discurso a ser enunciado para atingir seu objetivo. E TUi ao depreender o discurso
do EUe poderá aceitar ou não aceitar essa imagem criada por EUc. Ilustremos o
caso com o seguinte exemplo:

Ao tentar sair com seu carro, estacionado em uma praça qualquer, um motorista se
depara com um guardador de carro ao lado da sua porta com a mão estendida.
Nesse momento esses sujeitos adentram no “circuito” do ato comunicativo. Circuito
do fazer influência, através da noção que cada um desses sujeitos tem da
organização do real suas aços dentro do discurso que será enunciado. O motorista
(EUc), a partir de seu conhecimento de mundo, cria uma imagem de TUi. Essa
imagem é o sujeito destinatário (TUd) do discurso a ser proferido.

Para o motorista, o guardador de carro terá o papel de pedinte - A palma da mão


aberta e estendida seria a indicação cultural de alguém pedindo dinheiro, uma vez
que ele sabe que é um hábito na sua realidade cultural que um guardador de carro
se aproxime e peça dinheiro, ainda que ele não tenha “guardado o carro”, no
momento que um motorista sai do lugar estacionado. E o motorista seria o doador
em potencial do dinheiro.

Antes de enunciar o seu discurso o motorista (EUc), uma vez criada esta imagem
(TUd) desse guardador (TUi) vai enunciar o discurso que ele considerar o mais
apropriado para alcançar seu objetivo. Digamos que o objetivo do motorista seja não
dar dinheiro ao guardador, mas evitar uma frustração do mesmo com medo, outro

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conhecimento cultural que o motorista trás consigo, que o guardador haja de forma
violenta por não ganhar o dinheiro que acredita merecer.

Sendo assim, o motorista chega à conclusão que a melhor forma é enunciar um


discurso, que mostre uma aproximação (através de uma linguagem que ele julga
mais próxima ao guardador) seja:

- Pó Mermão! Nem vai rolar, foi mal mesmo, mas da próxima com certeza eu
reforço seu conceito, valeu?

No momento em que o motorista enuncia esse discurso passamos ao circuito do


Dizer, no qual ele passa a ser o EUe do discurso.

Digamos agora que o guardador na verdade estivesse apenas com a palma da mão
estendida, pois havia sentido alguns pingos de chuva e queria verificar se realmente
estava chovendo, de tal forma que o guardador se sente ofendido, ou seja, rejeita a
imagem que EUc (o motorista) tinha dele (TUi), que era de um homem que pedia
dinheiro.

Gerando, a partir disso, uma reação contrária àquela que o motorista esperava. Pois
não era intenção do motorista criar qualquer tipo de mal estar para com o guardador.

Acreditamos então ser possível, no momento que o professor (EUc) cria dois moldes
de aula diferentes, a partir de dois sujeitos idealizados (TUd), que preferem aulas
com ou sem jogos, perceber com quais desses sujeitos o aluno se identifica mais
(TUi). Vejamos então como se deu o ensino de línguas sem jogos.

O ensino sem jogos

As aulas discorriam sem muitas mudanças em sua estrutura. Ministradas numa terça
e quinta feira. Na terça feira um áudio era apresentado para trabalhar a habilidade
de compreensão oral (em geral do próprio livro didático adotado), em seguida era
levantada uma discussão sobre o assunto do áudio (produção oral). Esse áudio dizia
respeito a uma realidade cultural francesa (fazer compras, pegar uma condução,
tirar dinheiro do banco etc).

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O áudio, em seguida, era fornecido em sua forma transcrita, no qual os alunos se


revezavam para lê-lo em voz alta, e a partir desse texto era trabalhado o conteúdo
gramatical exigido pelo cronograma.

Na quinta feira um segundo texto sobre o mesmo tema era fornecido – se na terça
trabalhava-se a forma de comprar na quinta podia-se trabalhar uma reportagem
sobre a diminuição do poder de compra dos franceses -. Os alunos liam o texto
praticando sua habilidade de compreensão escrita, o texto era discutido em sala e,
finalmente, eles produziam um texto sobre o tema (produção escrita), geralmente
para casa.

As aulas transcorreram sem maiores problemas ou reclamações por parte dos


alunos, entretanto notou-se que os alunos não se sentiam motivados a participar
ativamente da aula. A maioria dos alunos não entregava os exercícios propostos
para casa e era necessária a intervenção do professor para que alguns alunos se
pronunciassem oralmente durante as aulas.

Dos 18 alunos, 3 faltavam com constância (dentro do limite de número de faltas


permitido) e conversavam bastante durante o momento em que deveria haver
silêncio para desenvolvimento da habilidade de produção, compreensão escrita e
resolução dos exercícios.

Pode-se levantar a hipótese de que por serem estudantes de nível superior, faixa
etária superior aos 18 anos já deviam ter passado por experiências semelhantes de
sala de aula, não sendo um “choque” esse tipo de experiência.

A primeira avaliação (dos alunos e pelos alunos)

Corrigida a primeira avaliação notamos que houve um alto grau de aproveitamento


da turma, como se pode observar através das notas da primeira prova:

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Alu A B C D E F G H I J L M N O P Q R S
no

M.1 8, 8, 7, 7, 9, 8, 1 8, 7, 9, 9, 8 7, 9 8, 9, 7, 8
6 4 8 4 1 7 0 9 8 1 2 4 5 3 4

M.2 7 5, 6, 7 X X 9, 9, 8, 8, 9, 7, 4, 4, 5, 1 9, 9,
6 5 8 7 8 9 7 7 9 9 3 0 5 5

M.1 = Média 1 M.2 = Média 2

Cabe explicar que no projeto CLAC a média 1 é a soma feita a partir da prova escrita
e escuta e a média 2 é a soma a partir da prova oral mais conceito.

Nota-se que as menores notas são encontradas na média 2, deve-se ao fato que,
por não entregarem os trabalhos propostos, os alunos acabavam por não obter
notas satisfatórias em relação ao conceito. Entretanto, a princípio, a ausência de
jogos não comprometia de forma exponencial o desempenho dos alunos.

Passada a primeira prova, foi pedido a outro monitor que conhecia parte dos alunos
que compunham essa turma (pois foi seu monitor no semestre passado) que
sondasse o que os alunos achavam da aula ministrada até então. Essas perguntas
foram feitas de forma informal durante os momentos anteriores e posteriores à prova
oral, que é ministrada por outro monitor que não o regente da turma, nem todos os
alunos foram questionados. 12 alunos foram questionados.

Segundo o monitor as respostas foram unânimes: a aula era boa, mas muito
“parada”. Ou seja, apesar da aula propiciar o uso das quatro competências e o
aproveitamento da turma ser alto não havia um bom nível de aceitação da aula.
Supõe-se que não havia um alto grau de imersão da turma, o que explicava o uso da
língua materna com constância durante as aulas.

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O ensino com jogos

Na segunda parte do período, a estratégia foi modificada. Apesar de continuar a


trabalhar com o material didático exigido pelo curso, em cada aula foi inserido um
jogo diferente. Esses jogos trabalhariam uma ou mais habilidades em língua
estrangeira, conteúdos gramaticais ou questões culturais.

Contudo, antes de adentrar nas aulas com jogos é importante ressaltar qual é o
conceito de jogo no presente trabalho. Seguimos, aqui, a perspectiva de Huizinga
(1938) quando ele afirma que o jogo é:

Uma atividade ou ocupação voluntária exercida dentro de certos e


determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente
consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotadas de um fim em si
mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma
consciência de ser diferente de “vida cotidiana”. (HUIZINGA: 2008 P.33)

Cabe apenas ressaltar que Huizinga não diferencia jogo de lúdico. Observa-se isso
quando em capítulos intitulados “Formas lúdicas da filosofia” ou “Formas lúdicas da
poesia” o autor usa o termo jogo como sinônimo do lúdico. Mas, ao mesmo tempo,
diz que o jogo pode ser sério.

Em cada aula tentou-se propor um jogo diferente que trabalhasse as diversas


habilidades para desenvolvimento da língua estrangeira, sem, contudo, esquecer o
cronograma do curso. Vejamos então os jogos utilizados, as habilidades trabalhadas
e como os alunos encararam essa nova realidade que ocorreu entre o dia 21 de abril
e 4 de julho:

No dia 21 e 23/4 não foram utilizados jogos. No primeiro dia comentou-se sobre as
provas e no segundo foi apresentado aos alunos um musical francês “Notre Dame
de Paris” visando “desanuviar” o clima pós prova, apresentando um pouco da cultura
francesa e discutindo o que eles conheciam da história do livro de Victor Hugo.

28/4 - Foi usado o jogo “Blá-Blá”. Esse é um jogo de recontar a história. É dado a
cada aluno um texto que servia de diretriz para se contar uma história, durante a
história o aluno era obrigado a utilizar palavras-chaves e os alunos que ouviam a

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história deveriam, em seguida, adivinhar quais eram as palavras “intrusas”. Exemplo


de texto:

“Outro dia um amigo seu se sentiu mal na aula, pouco antes da


prova. Ninguém acreditou nele. Isso acabou mal! Peixe
– Teatro”

30/4 - Devido ao feriado de páscoa a maioria dos alunos avisara que não iria à aula
(somente três alunos compareceram), sendo assim, foi reservada uma televisão e o
professor levou um DVD e o karaokê do musical que os alunos haviam assistido na
aula retrasada. Além do caráter lúdico foi possível trabalhar a pronúncia dos alunos,
motivados inclusive pela pontuação final após cada música.

05/5 – Boxe argumentatif: Os alunos foram divididos em duplas, trios etc. Uma
situação é dada (um casal discute onde passar as férias, como usar a herança que
um tio deixou etc). O objetivo do jogo é argumentar e defender o ponto de vista. No
final os alunos elegem quem usou argumentos mais convincentes e por que.

07/5 – Histoire reécrite: O início da narrativa é sugerido. Os alunos começam a


desenvolver a história, passado pouco tempo, o professor pede para que os alunos
troquem as folhas entre si, cada aluno continua a história do outro. Ao final cada
aluno lê a história que sobrou em suas mãos.

12/5 – Mots-cloisés: Palavra cruzada em francês. Dividiu-se a sala em grupos. O


grupo da vez escolhia uma pergunta e a respondia. Quem acertasse maior número
de perguntas ganhava o jogo.

14/5 – Scotland Yard: O grupo ganha um cartão que narra uma história de algum
crime. Os alunos vestem o personagem do detetive e precisam colher pistas que são
adquiridas ao entrar nos imóveis que permeiam o tabuleiro. Ao final os grupos
deduzem a solução do crime. O primeiro a deduzir corretamente a solução ganha o
jogo.

19/5 – Histoire racontée: Sentado em circulo o professor começa uma narrativa. O


professor para a narrativa no meio e pede para o aluno ao lado continuar. O aluno

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toma à narrativa, em seguida outro aluno e outro até que a história volte ao
professor, podendo ter outras rodadas ou não.

21 e 26/5 – Allibi: Um crime ocorreu ontem. O culpado se encontra dentro da sala.


Divididos em trios supõe-se que cada trio estava junto no momento do crime. Eles
combinam um álibi. O professor pede que dois dos alunos esperem do lado de fora.
O aluno que fica em sala é interrogado pela classe sobre seu dia de ontem. Acabado
isto se pede que outro aluno entre em classe. O interrogado deve permanecer
calado. O novo aluno é interrogado através das mesmas perguntas. No final discute-
se se o álibi dos alunos era convincente ou não.

28/5 – Você conhece a França? : Jogo de perguntas e repostas sobre a cultura


francesa. O grupo que marcar mais pontos ganha o jogo.

02/6 – Traduzindo: Divide-se a sala em grupo. O professor dá uma frase em francês


ou português e pede que o grupo traduza a frase. Marca ponto as traduções
corretas, sendo discutido porque tal tradução não pode ser considerada plausível ou
não. O objetivo do jogo era fazer os alunos compreenderem a relação respectiva das
estruturas em português e em francês. Principalmente em relação aos tempos
verbais (condicionais) e preposições.

04/6 – Vrai ou Faux: Foi dado aos alunos 6 parágrafos de jornais que discorria sobre
curiosidades (A mesa de jantar desaparece na Grã-Bretanha, Ceia de natal será
descontada do salário, Uma bebida de 950 dólares). Os alunos liam as notícias e
discutiam se ela era verdadeira ou falsa e por que.

09/6 – Interdit: É dada uma palavra a cada aluno. Ele deve explicar aos alunos qual
é a palavra sem utilizar os nomes “proibidos”. Exemplo: SEPTEMBRE – mois,
rentrée des classes, août, automne, octobre (Setembro – mês, volta às aulas,
agosto, outono, outubro).

16/6 – Tu ne peux pas répondre oui ou non (Você não pode dizer sim ou não): Um
aluno faz perguntas a outro aluno. O outro deve usar diversas estruturas para
responder às perguntas, mas nunca “sim” ou “não”. Os que usarem são eliminados.
O ultimo a restar é o ganhador

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18/6 - Guerra de conhecimento: Os alunos se dividem em grupos e elaboram


questões sobre o conteúdo já dado no semestre, em seguida eles fazem perguntas
para o grupo adversário. Os que acertarem o maior número de respostas ganham o
jogo.

A segunda avaliação (dos alunos e pelos alunos)

Passada algumas aulas (26/05), o professor reservou os dez minutos finais de sua
aula para perguntar aos alunos qual o modelo de aula que mais lhe agradavam, pois
era possível voltar ao modelo antigo de aulas se preferissem. Sem exceção, todos
disseram preferir o novo modelo.

A justificativa dos alunos era que as aulas tinham se tornado mais dinâmicas e
agradáveis. Observemos as médias da segunda prova para podemos tirar algumas
conclusões:

Alun A B C D E F G H I J L M N O P Q R S
o

M.1 9, 6, 9, 9, 9, x 9, 8, 7, 9, 9, 9, 7, 9 8, 9, 6, X
1 4 2 7 5 6 9 5 1 2 7 4 8 6 8

M.2 7, 7, 7, 8, 8, X 9, 9, 9, 8, 9, 9, 6, 4, 8, 8, 9, X
8 8 8 4 6 4 7 5 9 7 3 0 9 1 2 0

Uma vez que a média geral da turma já era alta, não houve muitas mudanças no
desempenho da turma, com exceção da nota de conceito, uma vez que os alunos se
mostraram mais dedicados às aulas.

Dos 16 que terminaram o curso, 8 aumentaram sua “média1”, 2 a mantiveram e 6 a


diminuíram. Em relação a “média2”, 9 a melhoraram e 7 a diminuíram, mas as
quedas são muito inferiores em relação aos avanços.

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Observações gerais ao longo do curso e conclusões finais

Durante as aulas ministradas é importante ressaltar que os jogos dentro da sala de


aula propiciaram um maior nível de imersão, que segundo Kirner & Tori, (2004 p.6)
está ligado ao sentimento de estar dentro do ambiente.

Se, estar numa sala de língua estrangeira propicia uma “imersão física” os jogos
permitiram que os alunos tivessem uma imersão mental, ou seja, passaram por um
estado de profundo envolvimento real (SHERMAN & CRAIG, 2006 p.9).

Os jogos permitiram ainda uma maior interação entre os alunos e, inclusive uma
maior cooperação entre si para desenvolver o aprendizado, pois aprender o
conteúdo das aulas estava intimamente ligado ao sucesso (vitória) nos jogos e
quando alunos de níveis diferentes estavam no mesmo grupo, os alunos com
maiores dificuldades foram prontamente ajudados pelos os com menores
dificuldades, mesmo que sobre o intuito de evitar “perder” o jogo.

Outra característica interessante sobre os jogos é que ele criou uma “expectativa”
dos alunos durante as aulas, tentado adivinhar o que fariam de “diferente” na aula,
qual seria o jogo, fazendo-os mais atentos ao longo do curso.

Os alunos se tornaram mais participativos, seja sugerindo que determinado jogo


fosse incluído na aula, pedindo uma segunda rodada do jogo ou para termina-lo
após a primeira rodada e discutindo as modificações das regras iniciais jogo.

O ato de jogar em língua estrangeira se mostrou por si só, já trabalhar as


habilidades necessárias ao aluno para se comunicar nesta língua e foi possível
incluir os jogos sem comprometer o cronograma.

Percebeu-se que, conforme o desenvolvimento do curso, os alunos mais “tímidos”


ousaram “arriscar” mais durante os exercícios, entretanto não se pode dizer se foi
devido ao próprio ato de jogar ou se foi devido aos jogos criarem uma maior
interação da turma como um todo. E, os alunos, em geral, motivados pelo espírito de
competitividade, sentiram menos vergonha de tirar as dúvidas. Inclusive durante as
aulas, uma vez que entender a matéria ajudaria a ter mais desenvoltura no momento
dos jogos.
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Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ
Volume 3 - Janeiro / Dezembro de 2012

Uma vez que a média da turma já era alta o uso de jogos não alterou a média da
turma substancialmente, entretanto as aulas tornaram-se mais dinâmicas e
prazerosas tanto para os alunos quanto para o professor.

Referências

AZEVEDO, Edione Trindade de, ZYNGIER Sonia. Projeto Clac: Reflexão, Prática
E Construção Do Saber. Disponível na Internet via WWW. URL:
www.prac.ufpb.br/anais/Icbeu_anais/anais/educacao/clac.pdf. Consultado em
08/03/2010

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O Professor Pesquisador: Introdução à


Pesquisa Qualitativa. São Paulo: Parábola Editorial, 2008

HUIZINGA, Johann. Homo Ludens. Perspectiva: São Paulo, 1999

KIRNER, C.; TORI, R. Editores (2004). Realidade Virtual: Conceitos e


Tendências. São Paulo, Livro do Pré Simpósio SVR.

RODRIGUES, Sonia. Roleplaying game e a pedagogia da imaginação no Brasil.


Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2004.

SHERMAN, Willian R. CRAIG. Alan B. Understanding Virtual Reality: interface,


application and design. San Francisco(CA): Elsevier, 2006.

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Sobre o Autor

Diogo Neves da Costa

Doutorando em Estudos Linguísticos neolatinos, opção


língua francesa, pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro e Mestre, também pela UFRJ. Atualmente
desenvolve pesquisas sobre ensino a distância e jogos.
Trabalhou em cursos de idiomas e atualmente leciona
em empresas como Peugeot e Eletrobrás. E-mail:
diogoncosta@yahoo.com.br

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