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Santa Maria, RS
2021
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ção
Carin Cristina Dahmer
Santa Maria, RS
2021
3
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Ficha catalográfica
4
Carin Cristina Dahmer
Aprovada em
__________________________________________________________________
Marilda Oliveira de Oliveira, Dra. (UFSM)
(Presidenta, Orientadora)
__________________________________________________________________
Peter Pál Pelbert, Dr. (PUC-SP)
___________________________________________________________________
Cristian Poletti Mossi, Dr. (UFRGS)
___________________________________________________________________
Ana Maria Preve, Dra. (UDESC)
___________________________________________________________________
Marcelo Andrade Pereira, Dr. (UFSM)
___________________________________________________________________
Elaine Schmidlin, Dra. (UDESC)
____________________________________________________________________
Cláudia Ribeiro Bellochio, Dra. (UFSM)
5
agradecimentos
6
Há sem dúvida motivos para ser pessimista, contudo é tão mais necessário abrir os
olhos na noite, se deslocar sem descanso, voltar a procurar os vaga-lumes. [...] É
preciso saber que, apesar de tudo, os vaga-lumes formaram em outros lugares belas
comunidades luminosas (DIDI-HUBERMAN, 2014, p. 49-50).
7
Resumo
[Capt
ure a
Entre-tempos: des-remontagens da história da arte atenç
História da arte como agenciamentos/experimentação de tempos na educação ão
do
leitor
AUTORA: Carin Cristina Dahmer com
ORIENTADORA: Marilda Oliveira de Oliveira
uma
ótim
a
Esta tese convoca a história da arte como campo de agenciamentos/experimentaçãocitaç de
tempos na educação, de um modo geral, e das artes visuais, de modo específico, através do
ão
acionamento dos entre-tempos. Para tanto, parte de questionamentos sobre o tempo e
do
possíveis arranjos com a história e a história da arte, problematizando junto aos autores:
docu
Deleuze (2013a), Deleuze e Guattari (2005), Pelbart (2015) e Nietzsche (2003, 2014). Com Didi-
Huberman (2014, 2015, 2018), articula a história da arte à educação ao apontar o tempo como
ment
anacrônico, enquanto potência criadora, por seus restos, vestígios e lampejos. Busca operar
o ou
uma história da arte desarticulando seu tempo cronológico, história e arte, balizada pelasuse
filosofias da diferença, a partir da seguinte problemática: de que modo(s) os entre-tempos
este
podem acionar des-remontangam da história da arte na educação? Para tal, lança como
espa
método para esta investigação a noção de des-remontagem, disparando na pesquisa o
engendramento de uma história da arte por suas miudezas, propondo viabilizar açode
produção de sentidos nos meandros da história da arte. Assim, viabiliza-se a convivência para
dos
tempos pela cesura da linearidade, em proveito de experimentações possíveis entreenfat os
espaços educativos e as imagens da história da arte. izar
um
pont
Palavras-chave: Entre-tempos. História da arte. Des-remontagem. Educação. o-
chav
e.
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lugar
Abstract
9
Sumário
Referências
10
Por lampejos na história da arte
Lampejo para fazer livremente aparecerem palavras quando as palavras parecem prisioneiras
de uma situação sem saída (DIDI-HUBERMAN, 2014, p. 130).
vaga-lumes fugidios tentando se fazer tão discretos quanto possível, continuando ao mesmo
tempo a emitir seus sinais”. Nos momentos em que alguns acreditam não haver mais outros
imagens, avançando entre as molduras e seu brilho dourado, entre as dobraduras dos grossos
livros deste saber.
Ao buscar alianças entre a história da arte e o tempo, como campos que se torcidos
com certa força podem produzir uma interseção, zona de experimentação, busquei força
para produzir essa torção nas filosofias de Deleuze e Guattari. Procuro pensar junto aos
autores possibilidades de abordar este tema a partir de uma perspectiva distinta daquela que
experienciei como discente. Enquanto professora de história era considerada anacrônica,
enquanto professora de artes fui questionada sobre a validade de estudar a história da arte
de massa, do cotidiano, dos espaços urbanos, da vida, para o espaço da sala de aula. Neste
ínterim, cabe perguntar se estes desdobramentos também não poderiam mobilizar a história
da arte a ser desmontada de suas significações.
11
Creio que esta ampliação é importante para o campo de estudo e ensino a partir e
com as imagens, principalmente no caso das artes visuais. Porém, ao ser inquirida sobre a
limitação imposta pela história da arte para os espaços educativos, vi nesta abertura uma
possibilidade, um desafio, não um impedimento intransponível. Pois, como afirma Deleuze
(1965, p. 18), “a vida ativa o pensamento e o pensamento, por seu lado, afirma a vida”,
forma como a estudei, como um momento teórico, no qual era necessário estar presente em
uma sala escura, escutando, anotando, cronometrando, tanto os/as artistas, biografias, como
contextos históricos, movimentos artísticos, etc. Todo o saber e entendimento sobre a história
da arte era ali, em uma pequena sala definido, e posteriormente cobrado como apreço a uma
boa memória em uma prova. Mas mesmo assim, ‘apesar de tudo’, como escreve Didi-
Huberman (2020), tudo ainda era fascinante. Não nego que atravessei a história e me vi diante
da arte, de sua arte monumental, frente aos holofotes e suas imagens em geral, com grande
fascínio. Percebia o desalento, o tédio, a angústia ao meu redor, mas ainda assim, a história e a
arte se apresentavam para mim como uma paixão (talvez por já ter passado por tantos textos
Desse modo, o problema desta tese persiste nesta indagação: de que modo(s) os
a história da arte pode conter em si algum desarranjo, uma fissura, um resto, como afirma
Didi-Huberman (2015), que possibilite uma entrada, que permita a quem se aproxime dela a
dizer algo, produzir um pensamento, criar uma outra forma, adicionar-lhe movimentos,
Esta pesquisa pensa a educação das artes visuais com a história da arte, de forma a
questionar um modo de arranjo do tempo, a partir de Deleuze (2013a) e Pelbart (2015), para
que este possa ser abordado de maneira a deslocar sua cronologia, por um processo que
invista no acontecimento, entre-tempos (DELEUZE, GUATTARI, 2005). Assim, não apenas o
12
tempo é desencadeado de uma sucessão de presentes, mas impulsionado pelos
agenciamentos1 em que nos lançamos, pelas criações que arranjamos com ele, através de
algumas experimentações possíveis.
trânsitos possíveis com a história da arte. No decorrer do curso de História me deparei com a
disciplina de História da Arte, e nesse momento percebi que o que mais me afetava e
potencializava a pensar sobre a história, era na verdade a arte. A historiografia dos fatos e dos
arquivos tão explorada pelos historiadores não despertava tanto interesse quanto a
possibilidade de adentrar nos territórios fantasmagóricos da experimentação e da criação,
fazendo da história da arte uma ponte com o presente, em vias de criar com ela um futuro
nos espaços educativos, nos é apresentada uma história e uma história da arte que
corresponde muitas vezes a um conhecimento objetivo, morto, a ser apenas apreendido,
abordar a geografia - como um rizoma, que se pensa e se lança ´em meio` e não em começos
e fins, sempre buscando relações de vizinhança, não para definir novos conteúdos, mas
propondo a produção de outros sentidos para o que já está posto. Assim, é possível produzir
história da arte’ (2017), nos quais propus abordar a história da arte como potência na
conversa. Ao longo da tese propus que a história da arte estivesse aliada ao tempo, ao
intempestivo, aos entre-tempos, e pudesse ser problematizada no campo educacional. Assim,
parto das linhas, dos ´nós`, e das amarras que ficaram, para desdobrá-los em outros planos,
outros traços. Abordo nesta pesquisa as relações possíveis entre o tempo e a história da arte, e
suas articulações nos espaços educativos.
e Pelbart (2015), e com Deleuze e Guattari (2005), ao propor uma história da arte que ganhe
vida diante dos espaços educativos, que possa produzir sulcos e fendas em tempos sucessivos,
e vincos e brechas na cronologia. Este passado que tanto nos parece distante e morto pode
14
ser tomado por pequenos respingos, fôlegos necessários para que este conteúdo possa ser
passagem de um instante a outro, mas como acontecimento que não passa, nem cessa, mas
Para tanto, também me aproximo de Nietzsche (2003, 2014), filósofo que mobilizou o
antiquária e a história crítica, sendo as duas primeiras consideradas com menos potencial para
tornarem-se úteis à vida, ou “impulsionar a história a serviço da vida” (NIETZSCHE, 2003, p. 16).
O eterno retorno proposto por Nietzsche, e posteriormente desdobrado por Deleuze (1965,
2018), apresenta a possibilidade de que o tempo possa se constituir pela diferença, onde o que
abordar a história da arte, por esta perspectiva, no campo educativo, propõe-se que não haja
mais nada a dizer sobre ela, que o passado está contado e estabelecido nos livros e nas
seleções do que pode ser relevante para o seu processo de aprendizagem, tanto dos
movimentos artísticos, como dos/das artistas. Porém, trabalho com a perspectiva de que esta
história da arte não está morta ou é imortal, pois pode ser articulada por agenciamentos que
acionamos neste processo de criação, a cada investida com suas imagens. Na medida em que
a sua morte é operada por uma narrativa objetiva, de modo muito similar sua imortalidade
esta como um saber absoluto, ambas leituras passam a ser discutidas por essa história da arte
15
que criamos a cada encontro.
Assim, a partir do que aponta Didi-Huberman (2013a), a história da arte pode ser
desencarnada de suas verdades, nomeações, representações, ao ser assombrada pelo que não
está visível na obra de arte, convocando seus intervalos, acontecimentos, como fantasmas que
Para a mobilização desta pesquisa, entre estes campos da história da arte, do tempo
noção composta por Didi-Huberman (2015, 2017, 2018), como processo de desmontagem e
remontagem das imagens, não se apresenta em suas publicações como um método, mas
adentra seus textos como noção que possibilita um processo de criação. Diante disso, tomo a
liberdade de fazer um uso diferente desta noção, e aqui a elenco como ponto nevrálgico para
esta pesquisa, pois me permite dar um uso diferente a ela, na medida em que a apresento
como método deste processo de desfazer-me e fazer-me outra com estas experimentações
com a história da arte, o tempo e a educação, permitindo que aqui se desenlace o processo
movimento, nas quais o tempo está apreendido pelo movimento, na organização sequencial
das imagens, para o caso do cinema. E as imagens-tempo (DELEUZE, 2013a) se constituem
como apresentação direta do tempo, por mostragem, sem a sequência da narrativa sucessiva,
sem as rédeas da linearidade, através de movimentos aberrantes o tempo se liberta, por uma
convivência dos tempos. Perspectivo que desta forma, os autores aqui elencados para compor
esta pesquisa, têm entendimentos diferentes sobre a utilização da palavra montagem,
16
sucessão, propondo um movimento anacrônico com relação as imagens da história da arte.
e miudezas, convido as impurezas do tempo, do que não tem lugar na sua linearidade para
habitar esta pesquisa, de modo a problematizar a relação entre educação, história da arte e
tempo.
Dessa forma, as imagens que compõem esta tese podem ser consideradas como
disparadoras da pesquisa, pois, foram capturadas nos percursos que realizei ao vagar pelas
ruas de Santa Maria (RS), ao capturar em imagens os processos de tempos coexistentes, entre-
tempos, ao estar à espreita do que poderia produzir uma conversação2 (DELEUZE, PARNET,
1998) com a pesquisa.
escombros que não habitam a linha da história da arte ocidental e hegemônica, definida e
apresentada por diferentes livros e autores/autoras. A esta recolha e seleção desses
fragmentos, há a desmontagem de sua história e de seu tempo, os intervalos não são mais
combinação, que possibilita a aliança entre detritos, restos, antes enlaçados em uma corrente,
agora são fragmentos para uma nova montagem.
2 A noção de conversa, foi proposta por Deleuze em entrevista à Parnet (1998), como função
multiplicadora de possíveis, pois dá a ver o que está entre dois, nesta relação de encontro há a criação
de um percurso ainda não vivido.
17
Assim, as imagens não possuem tempo cronológico, foram capturadas durante
andanças pelas zonas limítrofes da cidade, da história da arte, do tempo, e que aqui
evidenciam seu tensionamento na pesquisa, ao problematizar os tempos-espaços que me
desloco, provocando e produzindo em suas imagens rasgaduras, fissuras, sejam elas efeitos de
imagens, conversas, lascas de tinta, cadernos... Forças que me atravessam, que por variados
concerne à uma pesquisa que procura ‘pousar na vida’3. Estes arquivos-força dizem de um
tempo coexistente, flutuante, em que cada vez que retomo seus fragmentos sou lançada a um
passado que se faz outro neste ato de registrar, guardar, e dar outros sentidos a ele.
3 Esta expressão ‘pousar na vida’ esteve presente na proposição da professora Dra. Ana Maria Preve –
“Cartografias intensivas em educação: quando modos de fazer dizem de uma geografia”, durante o 14º
Encontro de Estudos e Pesquisas do Laboratório de Artes Visuais, na Universidade Federal de Santa
Maria, em 2020.
18
Desmonto imagens como arquivos
do meu mundo, desmonto
conversas em processos de me
inventar na partilha com um
coletivo, desmonto textos e
autores/as como ação de lhes
atribuir outros ânimos. Componho
um arquivo-força nos mínimos
gestos de uma vida, que se preenche
e escapa dia a dia, pelos vazios e
erros, pelas partilhas e ebulições,
para assim seguir produzindo
arquivos e ganhando força para
escrever vida em uma pesquisa.
19
A composição deste arquivo não se faz pela vontade de apreender ou reter algum
Para Dias (2014), arquivar diz respeito a experimentação de uma vida, e não a documentação
desta. Desse modo, ao atentarmos ao que escapa a este arquivo como delimitação de um
acúmulo de passado, como lugar intocado do que deve ser mantido como dado ou
informação histórica de uma sociedade, podemos dar a ver as faltas e falhas, os erros e os
fragmentos de textos, leituras, conversas, escutas, que foram durante o texto acionadas para
problematizar suas aparições. São elementos de uma realidade que se apresenta atual,
montagens de uma vida, remontagens entre os tempos que vivo.
imagens, uma vez que também se articulam a este processo de desmontar um ponto de vista
moldura, com um certo desapego, como elemento da arte com um certo peso monumental,
e que adentra a tese pela potência de seu espaço vazio, de seu avesso, perspectivo outras
montagens. Realizo a composição destas cenas, logo, também seleciono, por lentes que
limitam e direcionam, mas também recolho, elaboro uma nova cena, não tal qual um artista
que produz uma obra de arte, mas tal um vivente (AGAMBEN, 2013), constituindo um modo
de existência.
durante uma conversa com uma turma da disciplina de Práticas Educativas I, no primeiro
semestre de 2019. A disciplina ministrada pela professora Dra. Marilda Oliveira de Oliveira
procurou produzir algumas interlocuções entre imagens e textos, ao elaborar junto aos/as
estudantes diários visuais articulados a prática educativa; também procurou-se dar a conhecer
apresentou-se o modo de trabalho com as imagens a partir das apropriações. Nessa disciplina
as conversas ocorreram junto a textos sobre esses temas e com algumas experimentações,
arte e as relações que são possíveis de estabelecer com elas, seja no espaço educativo em que
curso, ao articular a imagem ao texto de forma a serem tensionadas. Para tal, o processo de
des-remontagem das imagens como agenciamento com as imagens da história da arte pode
entre imagens e apropriação, a qual pensei enredada à história da arte e seu currículo, que ao
serem compostas e decompostas por apropriações poderiam ser incorporadas por elementos
externos a suas imagens, destituída de suas prévias formulações, fabricada no cotidiano dos
21
espaços educativos. Para esse momento, tivemos como intercessor4 o texto de Chiarelli (2002)
modo que essas fossem vistas enquanto disparadoras para a criação. Dentre essas impressões
com a apropriação, como Athos Bulcão, Walmor B. Corrêa, Paulo Gaiad, Alberto da Viega
Guignard, Lela Martorano, Sherrie Levine, Rosana Paulino, entre outros; assim como algumas
imagens da história da arte que são muito difundidas nas aulas de história da arte, com os
artistas Salvador Dalí, Sandro Botticelli, Diego Velázquez, Edvard Munch, Edgar Degas, entre
outros.
fotográfico foram dispostas em cima das mesas e ofertadas por mim, a sala estava organizada
de modo a compor uma grande mesa central, para que os/as estudantes estivessem mais
próximos, junto aos fragmentos do texto abordado, aos diversos papéis, revistas e canetas.
Nessa experiência procuramos abordar com as/os estudantes algumas alianças entre imagem
possibilidade de que poderíamos nos aproximar das imagens e dos textos de modo a produzir
junto deles outras imagens e escritas, para escrever, ver e produzir variações no encontro de
uma aula. Partimos de uma conversa inicial com o texto, que os/as estudantes já haviam lido
4Segundo Deleuze (2013b), os intercessores são pontos de ebulição para a criação, necessitamos criar
nossos intercessores entre nossos encontros com outros, intercessores são múltiplos e podem ser
pessoas, coisas, plantas, leituras.
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previamente, para que pudéssemos tramar sobre alguns de seus pontos, do que cada um
conversa com a escrita nas investigações e pesquisas que os/as estudantes têm produzido. As
apropriações podem ser operadas como modo de funcionamento com as imagens, em que
variados elementos da vida adentram o campo da produção artística, elementos que antes
não compunham o escopo da produção artística agora se estabelecem como possíveis, como
por exemplo, na utilização de objetos do cotidiano, em que materiais e imagens variadas
adentram o espaço da obra de arte. Esta incorporação de elementos permite que as imagens
possam ser tecidas por recortes contemporâneos, de quem as manipula e cria no presente.
história da arte, enquanto um exercício de produzir relações entre esses tempos. Apresentei
aos/as estudantes os percursos da pesquisa que estou realizando neste momento, pensando
lancei como desafio selecionar uma imagem da história da arte para que pudessem apropriá-
23
la pelas incorporações de elementos, como recolha e produção de cada um, pela des-
muitos fragmentos, suas margens se desfaziam, permitindo com que outros elementos
também ingressassem nessas composições. Entre recortes de revistas, letras que formavam
novos sentidos e palavras, estilhaços eram remontados em uma forma disforme, que entre
história arte, e que agora era dissolvida pela criação com seus restos, suas pequenas partes,
mínimos detalhes de alguma obra de arte, que talvez não tenha relevância para uma
abordagem da análise historiográfica, mas que agora ganhava velocidade pelo que desfazia e
pensamentos em meio a escrita de uma tese, em uma conversa, diante de uma imagem
qualquer, ou ao des-remontar os modelos que parecem gerir a educação, ou uma educação,
pela criação de dobras na história da arte e na educação, que acolham variados tempos.
abordada pelo que não contempla a totalidade dos livros, pelo que lhe foge, pelos seus restos
e sobras, por uma história da arte menor. Assim como aponta Gallo (2003), a partir de uma
educação menor, que opera no cotidiano as suas pequenas resistências diante de uma história
24
da arte maior, que aqui especificamente é constituída por uma arte hegemônica ocidental. Ao
propor uma abordagem menor para a história da arte, pode-se perceber fissuras nas
representações e decalques, produzindo assim diferentes sentidos para o que vemos nas
imagens.
A educação das artes visuais pode ser operada por desarranjos de tempos, entre-
tempos, de uma história da arte que possa ser produzida pela criação, a cada vez que uma
Para isso me aproximo da perspectiva das filosofias da diferença, ancorada pelo pós-
estruturalismo, para pensar a pesquisa a partir do movimento das forças e fluxos que
redimensionam as relações que perpassam os espaços educativos, sentindo os desvios
a noção de tempo linear que figura nas formulações históricas e na historiografia da arte.
não elabora certezas ou verdades absolutas, mas parte das fissuras do estruturalismo para
múltiplo. O autor atenta para o fato de o pós-estruturalismo ser um movimento com diversas
perspectivas e fronteiras, dentre as quais me interessa uma aproximação com as filosofias da
diferença. Peters (2000) afirma que este termo abrange os estudos de diversos filósofos ao
anunciada como potência, como variação aberta, uma vez que preza pela pluralidade do
25
pensamento (WILLIAMS, 2013). Ao obrar uma pesquisa o/a pesquisador/a, aliado às filosofias
da diferença, estará atento/a aos problemas de seu entorno e aos campos de força que
operam nessas relações, rastreará os efeitos desta diferença, as linhas que se emaranham, e
cunhará possíveis resistências diante do que tende a conter e submeter a vida.
representar verdades preestabelecidas. A pesquisa pode ser abordada mais como campo de
criação, desorganização dos modos e fórmulas que ordenam resultados científicos, sejam
modos de ser professor/a ou estudante, ou mesmo modos de escrever uma tese, que passe a
abarcar errâncias como parte dos percursos, deslocando-se entre as fronteiras de sua
composição, sem perder em rigor teórico ou metodológico, mas vibrando a cada investida
com a vida.
das relações entre história da arte, tempo e educação. Neste sentido, busquei no Banco de
Dissertações e Teses da Capes e nos repositórios das universidades consultadas, pesquisas que
selecionados nesta tese, sejam eles: Deleuze, Guattari, Nietzsche e Didi-Huberman. Para tal, os
descritores que expuseram esta busca, delimitaram teses produzidas entre os anos de 2008 a
2019, a partir das seguintes palavras: educação, história da arte, entre-tempos, tempo,
de criação e a historiografia da arte. Muitas teses de outras áreas adentraram o texto, pois
26
demonstravam aliança entre os descritores selecionados, campos como os da filosofia, das
artes, da história e da educação foram mais visualizados, e foram selecionados para compor
com a tese.
Dessa forma, algumas pesquisas adentraram esta escrita, a fim de que suas
singularidades pudessem mobilizar este estudo, algumas se relacionando à problemática do
tempo, outras a questões referentes a história e a arte. Estas pesquisas se articulam a estes
respectivos temas, e adentram o texto de forma a compor uma conversa entre os/as
autores/as, noções e experiências abordadas nesta tese, não visando a completude destas
linhas.
Esta tese procura apresentar alguns enlaces, agenciamentos e alianças com variados
tempos, ao problematizar a história da arte como conteúdo a ser fabricado nos espaços
27
28
Entre-tempos: tempo e história da arte
fragmentando o presente, este que já se foi. Ao relacionar a história da arte a um tempo não
diferentes histórias da arte e distintos tempos, que se produzem por fissuras, rasgaduras,
intervalos que acionam a produção de sentidos e não apenas a sua memorização por
repetição do mesmo, podendo acionar uma experiência talvez mais potente entre estudantes
e as imagens da arte.
e enlaçando os tempos, entre-tempos, como nos dizem Deleuze e Guattari (2005), o passado,
referem não ao tempo linear e cronológico, mas aos tempos e fragmentos que nos orbitam,
como as imagens do passado, que tendem por determinados movimentos encontrar brechas
e irromper no presente, força de ação do acontecimento que aciona essa parada, e faz o
passado retumbar no presente, como um eco que só pode ser ouvido agora, por mais que
errantes, nômades, e onde toda repetição difere por seus outros sentidos sempre desviantes,
que se produzem nas relações entre sujeitos e nas contingências do encontro. Para Deleuze e
Guattari o acontecimento arrebata o tempo, não mais como a passagem entre os instantes,
29
O entre-tempo, o acontecimento, é sempre um tempo morto, lá onde nada
se passa, uma espera infinita que já passou infinitamente, espera e reserva.
Este tempo morto não sucede ao que acontece, coexiste com o instante ou o
tempo do acidente, mas como a imensidade do tempo vazio [...] Todos os
entre-tempos se superpõem, enquanto que os tempos se sucedem
(DELEUZE; GUATTARI, 2005, p. 187-188).
do tempo, daquele que passa, que se incide sobre o presente, ao propor que o acontecimento
não passe, que mate todas as verdades e representações sobre o tempo e a história que nele
se insere. Propondo no constante movimento, a percepção de que esse estará sempre
engendrando um tempo porvir, como campo do devir, de acontecimentos que escapam a
um lampejo de variação, “pode ser que nada mude ou pareça mudar na história, mas tudo
134), tanto que nele podemos envelhecer e rejuvenescer na coexistência dos tempos. A esse
porvir5 não se espera o que virá no futuro, mas diz respeito ao devir, do que se está a se fazer
neste momento, ‘infinito agora’. Se tomada por entre-tempos, devires, a história da arte nunca
estará encerrada, ela será sempre outra a cada virada, a cada lance destes entre-tempos.
Pois, devires, segundo Deleuze e Parnet (1998, p. 10), são constituídos pela relação
neste meio, “Devir é jamais imitar, nem fazer como, nem ajustar-se a um modelo, seja ele de
diferença, “[...] a diferença nem mesmo é o ser, pois ela se confunde com devir; e tampouco se
reduz ao ente, pois devir não vai de um ente a outro, mas se cumpre entre” (ZOURABICHVILI,
2016, p. 112).
diversas.
tempo desencadeia o tempo de uma série de presentes consecutivos, onde há uma ruptura
ao abrir as temporalidades à coexistência das forças, assim, não são elementos fragmentados
de tempos que pertencem ao passado, ao presente, ou ao futuro, de uma linha que foi
forjada, uma vez que se aliam na convivência dos tempos que existe neste espaço do
intervalo, entre-tempos.
O que vivo ao experienciar o agora, engloba também o que passou e o por vir, e
neste intervalo entre os tempos, que surge uma ampliação do campo, “pura cesura insistente,
diferença entre duas dimensões inconciliáveis do tempo que nos torna idiotas. É o
32
Se o passado está passando agora enquanto escrevo, assim como
o presente e o por vir, logo só o encarnamos no acontecimento, no intervalo
entre as temporalidades.
33
Assim, questiono: como as fissuras entre-tempos podem abrir possibilidades para
O que acontece neste intervalo não pertence a uma única temporalidade, “portanto,
é preciso dar conta da possibilidade própria do acontecimento como tal: não da nova situação
pois não pode ser definido e balizado, é posto na suspensão de suas certezas.
Visuais. Suas representações muitas vezes já estão postas à mesa, o desafio se constituiu em
uma aproximação com estas imagens sem apontar de antemão a estas análises de obras de
arte, em que apontamos os detalhes, os saberes e os signos que devem saber sobre elas, um
colocamos em suspensão suas certezas, para aqueles/aquelas que já conheciam sua análise
iconográfica, o desafio posto foi pensar de modo a produzir com aquela imagem uma nova
articulação, que não corresponde a sua identificação na linha do tempo, sua autoria, mas que
diz respeito a cada um. Estas imagens quando vazias de suas significações e definições, ao
não abordarmos a história da arte como imagem reconhecível e apenas identificável, ela pode
imagem do passado agora produz um lampejo neste instante, evento que acontece ao não
34
dizermos tudo, ao não entregamos as representações destas imagens como um arquivo a ser
com eles possamos tramar relações múltiplas e produzir sentidos. São os fantasmas que Didi-
história da arte.
Para Tuinen e Zepke (2017, p. 9, tradução nossa) a história da arte como disciplina
pode estar conectada com uma operação de representação, “uma relação quase científica em
que a história da arte mapeia as coordenadas da arte dentro do que se supõe ser um plano
suas formulações qualquer relação entre imagem e vida que seja produtiva, como a criação de
Assim, o que procuro problematizar neste ponto é: que tempo tem se enredado na
história da arte? Há um tempo que delimita uma ordem sucessiva para o que nos acontece,
mas pode haver também tempos arranjados de outros modos. Talvez, o tempo possa se
produção da história da arte, ao passo que questiono o que podemos produzir com a
educação, pela relação entre história da arte e criação, ao ser tomada por lampejos. Do
mesmo modo como a problematização desta criação abarca relações distintas e possíveis
entre a história da arte e o tempo inscrito em entre-tempos, fora da linha do tempo,
desviando do que os livros, principalmente os livros que adentram a história da arte nas
6“[...] a quasi-scientific relation in which art history maps the co-ordinates of art within is assumed to be a
common plane of reference” (TUINEN, ZELPKE, 2017, p. 9).
35
universidades, já estabelecem como conhecimentos constituídos, para a partir deles, com este
saber, fabricar, engendrar uma via de produção que não se estabeleça pela repetição, mas
pela diferença. Que a história da arte, o tempo e a educação possam acolher a diferença.
Para isso, também Zourabichvili (2016, p. 101), a partir da leitura de Deleuze e Guattari,
propõe um afrouxamento do tempo regular, possibilitando uma abertura à coexistência, à
meio a outro, de uma periodicidade a outra: crescer, partir, apaixonar-se, deixar de amar... É
cronológico.
A partir da leitura de Deleuze, Zourabichvili (2016) afirma então que nos relacionamos
com o tempo de formas diferentes, dependendo da linha variável em que nos encontramos
em cada intervalo, podendo ser a linha do hábito, de uma temporalidade dócil e regulada; do
devir, da constatação do acontecimento; e do acaso, que expõe tudo ao devir e sua afirmação.
“No acontecimento, os diferentes momentos do tempo não são sucessivos, mas simultâneos”
36
modo que, o que para um é passado, para outro é presente, para um terceiro é futuro – mas é
o mesmo acontecimento”. A história da arte pode ser tomada na educação por essa
perspectiva da coexistência e simultaneidade de tempos, em que se permite “dado presente,
não esgotá-lo nele mesmo, encontrar nele o acontecimento pelo qual ele se comunica com
outros presentes em outros mundos” (PELBART, 2000, p. 90). Desse modo, o tempo se
relaciona mais com uma noção que procura pensa-lo a partir de um “manuseio móvel da
estrutura temporal” (CHEREM, 2009, p. 154), que permita o movimento em suas estruturas, em
encadeamento do tempo, instituiu um método de pesquisa para esta tese. Este processo de
des-remontagem diz respeito a uma experimentação com a imagem, e com a própria escrita
de uma pesquisa, na medida em que procura estabelecer laços, criar relações entre diferentes
na vida, ao tornar visível o que foi possível realizar neste arranjo aqui apresentado, não como
metodologia, que delimita regras e procedimentos a serem seguidos, mas como modo de
operação, corte e remontagem, entre muitas linhas de tempo, imagens, pensamento.
Por estas rupturas na linha do tempo, Zourabichvili (2016, p. 106) propõe que aja um
desarticulação desta linha do tempo faça com que a sua sucessão seja “substituída pela ideia
de um tempo que prossegue em intensidade, por um aumento do número de suas
passa entre duas dimensões, e apresenta intensidades diferentes dependendo de sua cesura
no tempo.
Nesse sentido, “o tempo é a intensidade dos corpos” (p. 107), que adentram uma
37
determinada dimensão do tempo a partir de suas intensidades, de forma que “a sucessão não
Algumas aberturas no tempo são forjadas a revelia de quem a vive, outras necessitam
de tempo e espera, nestes dias que seguem a escrita da tese também há a inclusão de um
outro tempo nesta pesquisa, vivemos um momento de cuidado, atenção, escuta. Ao menos
vivo em meio a tempos que irrompem por algum atravessamento, não é o relógio que
controla a sua passagem, mas parece que a morte, a cura, o contato marcam a passagem do
tempo, em que em algum momento algo afeta e irrompe no transcorrer do dia. Vivo e
vivemos esta experiência de vida e de morte em meio a escrita de uma tese, de uma pesquisa,
de proposições que se referem ao tempo, a história, a arte e a educação, vivemos uma
pandemia e nossa percepção do tempo também mudou, pelo menos para mim e talvez para
outros/outras.
O tempo que vivo parece extremamente individualizado pelos números diários de suas
mortes, mas seu atravessamento em nossas vidas é coletivo, escrevo desse modo sem autoria,
sem rosto, pelos espaços que ora ocupamos e o que nos acionam e produzem convivências
Esta investigação parte agora do espaço do ocupo, por ora, casa que habito e que me
recolho, lugar costumeiro que também oferece faltas, explorações e fissuras. Coloco-me à
deriva nesta casa para andar, vagar, tatear, fazer do caminho até a cozinha um inventário dos
(in)utensílios que possuo, são trinta e seis passos até lá, ando pela casa “encontrando cacos,
Procuro um novo trajeto, ando pela passagem dos insetos, a fim de produzir algumas
aberturas. A este espaço que ora habito há um tempo sinuoso, quase nada sei desta casa, mas
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sei pelos meus passos e seus rangidos, que deve ter vindo do passado, pois carrega marcas de
muitos tempos. Ao mesmo tempo que a habito no presente, não lhe atribuindo memórias, já
que estou aqui a pouco tempo, faço meus dias correrem entre suas paredes.
As paredes finas desta casa permitem quase o toque ao que é desconhecido, aquele
que habita à alguns centímetros de mim, já que todas as casas desta rua sem saída dividem
paredes, tempos e vidas. Da rigidez dos tijolos inventa-se uma outra casa, “pátio aberto aos
encontros entre dessemelhantes, que não pretendem fundir-se numa família de iguais”
(SEQUEIRA, 2010, p. 35). O que faço desta casa é “um aglomerado vazado, de cômodos
articulados, de entradas e saídas múltiplas. Uma matéria viva compartilhando experiências com
quem nela circule” (SEQUEIRA, 2010, p. 35). Pois, o que nutre esta casa não são objetos e
materiais palpáveis e identificáveis, mas um tipo de manto, urdidura que nunca cessa, força
que se faz a cada vez, desabando em escombros para então produzir uma nova casa a cada
Os estalos da madeira me fazem a cada passo ter o ouvido atento ao agora, pela
força deste movimento de andança que sinto a energia deste lugar, a casa parece me contar
de algo que lhe passou, mas que deixou apenas alguns vestígios, restos carcomidos pelos
cupins que me contam não de seus dias passados, mas da força que exerço agora ao fazer
ranger em mim suas marcas. Das suas fendas se abrem espaços-tempos para adentrar o
que a ruptura deste movimento produza outros arranjos entre sua espera, como habitação, e
minha chegada. Não mais vejo a casa pela passagem do tempo e seus efeitos, mas pelo que
ela produz em mim, aciona vontades e forças que interrompem o relógio para andar sem um
trajeto pré-determinado pelas suas marcas. Como na casa, percorro a história da arte como
errante, olhos atentos ao agora, pois é a força que exerço que faz dela fenda ou não, entre-
tempos ou cronologia.
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Uma pesquisa em educação também procura, ou procuraria em alguns momentos,
por fissuras e arranjos ainda inexplorados, por percursos ainda não traçados, na medida em
que acolhe as feridas deste processo de formação, e aprende e pensa sobre seus
desdobramentos na vida. Ensinar se dá como uma via de “povoar esta solidão (da pesquisa)
de múltiplas vozes, fazer render e proliferar as marcas o máximo possível a cada momento”
(ROLNIK, 1993, p. 14). Nesta casa vazia estou rodeada de marcas, vestígios do tempo na
oxidação do metal do portão, na queda brusca de algum líquido na parede da cozinha, vejo
suas gotas e os riscos deixados em um evento repentino. Estas marcas estão acompanhadas
de inúmeras vozes que encarnam em mim, vez ou outra, uma força deste tempo, fazendo
outros corpos, e talvez a produção de outras aberturas. Nem sempre uma marca aciona a
produção de algo em um sujeito, mas no encontro com uma marca podemos produzir e fazer
germinar outras experimentações, dando a seu tempo outro corpo, fazendo surgir outras
Penso que estas marcas também dizem desta força que foi exercida para então
produzir algo antes inexistente, “uma diferença que instaura uma abertura para a criação de
um novo corpo, o que significa que as marcas são sempre gênese de um devir” (ROLNIK, 1993,
p. 2). Como as marcas, os vestígios e restos de perfurações dos pregos que antes eram úteis
para segurar algo junto à parede, e que agora, em sua inutilidade, servem para acionar a força
40
41
Na utilidade passada de uma marca, como a força do martelo, ou na não
Fazer desabar paredes e rachar o chão, para naquele vão brotar algo de novo.
Podemos fazer destas marcas outros movimentos do martelo, do tempo, da gota na parede,
para que no agora, possamos agrupar força para então nos lançarmos nesta escrita que
acolhe em uma pesquisa em educação alguns restos, riscos, mofos, oxidações. O que
recolhemos em uma investigação passa a acolher “retalhos, cacos, restos. Elas são as marcas
do que restou no corpo do pesquisador de suas andanças pelo mundo, de seus encontros
2018), de modo a escapar de algumas definições que aprendemos, para que a produção de
trajetos e escritas possam incluir a diferença, neste encontro entre marca, corpo, inutilidade.
Estas ditas inutilidades, erros e fracassos compõem o arquivo-força a que recorro nesta
pesquisa, dimensionam os escombros e restos de uma dada investigação, que nos contam dos
estado de estranhamento que reverbera em quem lhe ativa no presente uma determinada
conexão, movimento de abertura ao desconhecido, e que não nos conta da concretude dos
fatos e datas de toda uma narrativa histórica, contamos e inventamos com os fragmentos de
uma vida, pois “a vida não é um conjunto coerente e estável de fatos que acontecem em um
tempo linear, ela é feita de irregularidades, caos, espaços, silêncios” (MACHADO; ALMEIDA,
2016, p. 79). Vejo assim algumas marcas nesta casa que acionam em mim uma parada, espera,
42
escuta, atenção, e que produzem algumas aberturas para um novo corpo, entre os tempos de
utilidade de seus cômodos proponho outros usos, do tempo que corre entre suas paredes
proponho outra contagem, e nesta escritura com marcas abrem-se outros territórios para
fazermos casa. Neste sentido, uma pesquisa em educação também pode se atentar ao que
desaba em seu processo, das formas que se desfazem, do que pensamos saber ou
acreditamos ser verdade em educação. Assim como podemos fazer da produção de uma
que diz das marcas, restos e cacos que são singulares de cada pesquisador/a, pois há muitos
percursos possíveis para fazer da escrita uma força viva em uma pesquisa, e cada um/a
encontrará seu descampado em algum ponto, e lá fará sua casa, espaço do estrangeiro, para
casa.
E neste processo entre pesquisa e educação, marcas e tempos nesta casa, “começo a
pois o que se exige é que se faça alguns desabamentos em “experiências gastas e formas
foscas. O penoso desabamento de si” (SEQUEIRA, 2010, p. 46), para abrir espaço para o que
pode surgir neste processo. Escrever é encarnar uma marca, pelo desassossego,
estranhamento, inquietude, ressonância com outros corpos e outras marcas, para que talvez
se produza algo de criação. Podemos fazer deste movimento uma força para deslocar
tempos, casas e pesquisas, pois a vontade de criação do que ainda não tem forma pode
43
surgir, atentando também para a prudência de não colocar em uma forma permanente aquilo
se que cria.
Ao desmontar esta casa, desabo com suas formas e paredes rígidas, para com seus
escombros produzir uma nova habitação, esta será sempre refeita a cada encontro, suas
marcas produzirão outros efeitos, e outras marcas serão produzidas neste tempo. Por
unicamente habitar esta casa por tantos dias, sei que lá fora há outros derives, mas este
trânsito interior ainda me faz pensar no que vivo, no que escrevo, no que vejo. Escrever-deriva
em passos tímidos, pelas madeiras desta casa, que traz consigo os estampidos de um tempo
que agora coexiste em mim, escrevo no presente afetada por suas ranhuras, pela suspensão
que a mesa ficará repleta de escombros, fragmentos de suas imagens, e pela força que cada
novo arranjo.
44
A criação de algo novo é abordada por Pelbart (2015, p. 103), a partir de Blanchot, ao
propor uma outra história, para que possamos desmontar sua denominação, para então
“remontar o curso do acontecimento, instalar-se nele, como num rio. Deixar de habitar um
apresentar uma outra história da arte, sempre variante, que difere de si mesma, uma outra
forma de pensar e aprender, tanto para a história da arte como para a educação.
varal cronológico e fazem aparecer aquilo que insiste e persiste, tornando-se abertura para
infinitas combinações e desdobramentos” (CHEREM, 2009, p. 131). Estas constantes
retornar, lançando-a para além do tempo-espaço em que foi gerada” (idem, ibidem, p. 131).
variações de inúmeros arranjos. Pois, como afirma Deleuze (2016a, p. 335), é possível nos
45
aproximarmos do tempo como movimento não sequencial, em que os inúmeros fragmentos
da vida não estão organizados de maneira pré-determinada, é pela “juntura das beiradas,
pedaços desconectados de espaço”, destes restos, estilhaços que arranjamos outros
agenciamentos para estes estilhaços de tempos, criamos em desordem, pela desconexão, em
(2016a) não se faz naturalmente, já que envolve a necessidade da criação que irrompe em
acontecimento, um ato de resistência que envolve a arte. Podemos não ter a necessidade de
que pode vir a ser, porém, ela pode conter potência de criação.
diferencial, que mobiliza a combustão dos significados, e por eles ganha ar para farfalhar com
mais velocidade, para deixar emergir uma força ou composição, pois permite fender o tempo,
uma imagem, uma palavra, para que dela brote algo. As imagens que compõem esta tese se
fizeram vivas pelas tentativas de abrir espaço para algumas experimentações, detalhes de um
tempo que se faz no agora, montagem como ato de capturar seus tempos, guardar seus
signos, e esperar o tempo necessário para retornar e remontar entre escritas e imagens
sentidos que convocam uma trama entre tempo, história, arte e educação.
Ao percorrer a cidade que ora habito, Santa Maria, também percebo e recolho em
ao percorrer suas ruas, ao encarnar no instante sutis cortes em sua história, ao produzir
imagens com efeitos de tempo e que produzem uma pausa na contagem das horas.
Nesses trajetos pela cidade, o olhar pôde desfocar dos prédios e casas, do centro, e
percorrer um dos bairros mais antigos de Santa Maria, em tempo e em ocupação, os restos de
habitações se tornaram mais evidentes neste percurso. No bairro Itararé o tempo se apresenta
nos nós de raízes que teimam em destruir os muros, nas paredes rompidas pela ferrugem de
casas.
46
Tentativas de dar corpo, germinar, deixar brotar da passagem das horas força
para fazer coexistir outros tempos. Fazer surgir a vida que antes estava em
outro espaço, nos grânulos da terra, nos arquivos que guardamos, nos bancos
das escolas; para então tomar fôlego para compor com o que se foi, nutrir as
células para expandir, nutrir-se do que expande a vida, pegar impulso, mesmo
daquilo que nos fragiliza, para fazer brotar algo em uma fissura no chão e
crescer...
47
A este processo de criação na pesquisa com imagens, aliamos também a escrita como
mobilizadora da criação nos espaços de investigação, que podem ser muitos. Neste sentido,
Jorge do Ó (2019) apresenta a escrita como um destes meios de produzir uma pesquisa, ou
uma tese, ou uma aula, ou um seminário, de modo que a singularidade possa adentrar sua
constituição, permitindo que a invenção do que antes não definia um conhecimento específico
possa ser produzido. O autor apresenta a escrita articulada ao ato de criação, este último
como ponto que aciona o pensamento e a escrita, pois passamos a ver o conhecimento como
uma produção que não representa a realidade tal qual ela é ou diz ser, mas a cria e a monta
Este processo também é almejado para a relação que podemos estabelecer com as
imagens, para que nesta aproximação com as imagens da história da arte possamos produzir
de uma escrita entre/sobre a imagem que vemos contemporaneamente, para que assim
possamos produzir conhecimento com este conteúdo que muitas vezes está desarticulado de
nossas vidas, permitindo que se diga algo além do que os livros da história da arte parecem
elencar e divulgar.
escrita, enquanto noção que viabiliza a articulação entre imagem e escrita, entre as imagens
da história da arte e a produção de outras imagens e sentidos junto à elas, pensando que
imagens em aliança com o texto, de modo a tensionar relações diversas, entre estas e quem
as lê ou visualiza.
Oliveira (2018), pois o posicionamento que se estabelece diz respeito a um modo de produzir
48
conhecimento e se colocar diante da vida, que contribuem para uma postura artística que
impele uma pesquisa com arte, e que não implica a fabricação de um objeto estético, o
posicionamento de uma pesquisa que se alia à arte, e portanto a imagem se alastra para
qualquer campo de estudos, uma vez que o/a pesquisador/a irá com ela produzir saberes e
experimentar possíveis.
arranjam às escritas de modo a tensionar essa relação em determinados momentos, nem toda
imagem da história da arte arranjada com uma escrita irá suscitar pensamento ao produzir
uma torção no que está inferido pela sua representação, mas há a possibilidade de que isso
o mesmo -, gera perguntas, convoca leitores e deflagra pensamento” (MOSSI; OLIVEIRA, 2018,
p. 128).
formas de ver e ler, e se aproxima de uma experimentação, desde que haja abertura para tal,
para dizer, escrever e ver além das representações das palavras e das imagens. As imagens
podem provocar deslocamentos, assim como a escrita, podem ser “arrastadas pelo texto e/ou
arrastar os textos para outros devires, nos quais os sentidos que produzimos nessas conexões,
acontecem para além do que o autor (tanto da imagem quanto do texto) produziu com elas”
(OLIVEIRA et al, 2019, p. 94). Neste sentido, a imagem possibilita a produção de sentidos que
se dão na relação entre espectador/a e visualidade, sempre variantes.
Esse ponto nos é importante, pois procuramos nos aproximar das imagens como
potências, campo que aciona o pensamento, de modo que a ela não está delegada a função
49
de ilustração do texto, mas é inserida no trabalho como linguagem que carrega sua narrativa e
escrever se instalem em uma aula e em uma pesquisa. Para Jorge do Ó (2017, p. 137) a escrita
possibilita “experimentar, comunicar afetos que não sejam lamentos tristes, produzir formas de
novo. Pois, nos interessa “trabalhar, com o maior rigor teórico e a maior massa de dados
empíricos, para romper [...] com os modos de vida e de pensamento nos quais estamos
permite e se lança para que aconteçam neste processo, ou que o/a professor/a se permite e
se lança para que aconteça no espaço de uma sala de aula. A experimentação envolve um
que ainda não produzimos ou pensamos, espaço que acolhe a diferença a cada vez.
Dessa forma, a escrita acolhe a produção do diferente, o que possibilita que o/a
pesquisador/a também varie suas formas de pensar e escrever neste processo, retirando
50
de vida variantes, uma potência sempre embrionária. O/a pesquisador/a “cria a si mesmo, por
que pode viabilizar que esta seja tomada pela experimentação e pela criação, possibilitando a
escrita enquanto processo de invenção, que impulsiona o aprender-pensar.
Nesse encontro, o/a estudante não adentra o espaço da sala de aula a buscar o que
lhe falta, mas munido de seus saberes, busca um espaço para pensar e problematizar suas
questões, diferente de uma educação que se funda pelo progressivo acúmulo de
conhecimento. Para Deleuze (2016b) uma aula ou o conhecimento deve servir para a vida.
Uma aula pode gerar encontros inesperados, pode proporcionar a cada estudante um
momento que lhe sirva para pensar suas problemáticas, sua existência, de modo que a tarefa
ou o exercício do/a professor/a seja lançar e produzir junto aos estudantes estes saberes, ao
51
52
Ao propor uma experimentação com este desarranjo para as imagens da história da
arte com uma turma de graduação em Artes Visuais – Licenciatura Plena, adentrei o espaço
da sala de aula, pensando nas tentativas que poderíamos experienciar com tal proposta. No
encontro com os/as estudantes procurei não lhes dizer tudo sobre determinadas imagens,
alguns/algumas os/as estudantes conheciam dos livros e aulas sobre a história da arte,
produzidas por artistas, que não procuravam funcionar como ilustração para o nosso tema,
uma imagem já existente. Tentei suspender o que parecia querer ou induzir este momento, ou
acredito que tenha agido assim, para permitir que neste encontro cada estudante encarnasse,
produzisse, criasse um tempo para si, para estabelecer relações singulares entre arte,
com as imagens da história da arte, propondo a realização de uma produção com uma obra
imagem encarnada de suas certezas foi manuseada e assombrada por seres neste instante do
encontro, pois algo pôde irromper nesta relação, talvez a criação. Esta experimentação foi um
fragmentos. Quando proporcionamos a aproximação com as imagens dessa forma, talvez seja
e a história da arte.
53
palavras se mostraram como campo possível da produção de variações, cada estudante
produziu uma imagem ou um texto antes não visto, que permitiu a criação de composições
singulares. Os/as estudantes foram desajustando as margens das imagens, recortando seus
significados, buscando sentidos contemporâneos, ou temas e problemáticas presentes em
suas vidas que gostariam de colocar em evidência com aquela produção. Muitos/as utilizaram
tornar visíveis rasgaduras e arranjos de tempo que antes não ocupavam determinada imagem,
“as imagens já não se encadeiam por cortes e continuidades racionais, mas se reencadeiam
sobre falsas continuidades ou cortes irracionais” (DELEUZE, 2016a, p. 374). Com esta variação
que a criação implica para a imagem da história da arte, e para a imagem em si, de qualquer
tempo, podemos produzir composições que dizem das forças que atingem a cada um/a, no
encontro com determinada imagem, por rupturas inimagináveis no tempo.
seus estudos sobre o cinema, ao introduzir cortes e velocidades diferentes para imagens
fílmicas que apresentavam comumente uma sequência narrativa. Para Deleuze (2016b), em
conversa com o cinema, o tempo é abordado como imagem-movimento, representação
indireta do tempo, que através da montagem introduz um movimento que apreende o tempo,
como tempo do presente, um presente antigo, que já passou, e um presente por vir, que virá.
passado e futuro, e no inverso desta relação, é o tempo que agora movimenta o mundo, do
cotidiano e da ordinariedade da vida. O tempo sai dos eixos. Para Pelbart (2015, p. 18), “liberar
o tempo significa liberá-lo do presente atual, do movimento do presente, segundo sua ordem
sucessiva”.
54
Para que haja essa inversão, é importante que a imagem seja arrancada de suas
representações, de seus clichês, do que já sabemos, ou dizemos ser importante saber sobre
ela. Para a história da arte, as imagens selecionadas para ocupar os espaços legitimados da
arte são, de maneira geral, representantes de um saber que se quer verdade, de um discurso
sociedades.
como aponta Deleuze (2013a, p. 32), “é preciso fazer buracos, introduzir vazios e espaços em
branco, rarefazer a imagem, suprimir dela muitas coisas que foram acrescentadas para nos
fazer crer que víamos tudo”. Esta imagem rarefeita, amputada de significados atribuídos a ela,
imobilizada na imagem fílmica, e nas molduras e tomos da história da arte, ganha força como
educação, discutindo as possíveis relações entre os autores Bergson e Deleuze, para pensar a
fabulação e a duração. Ao abordar a imagem como movimento e como tempo, elenca as
55
problematizações referentes ao desdobramento da imagem-tempo, articulada ao cinema e a
educação quando propõe uma aliança com as personagens de Sofia Coppola, que ao se
deslocar do clichê, ao interromper uma narrativa automática, desmontam os elementos
cinematográficos clássicos, resultando em um tempo desencadeado pela sensação. A autora
coexistentes, visto que uma produção fílmica irá apresentar preponderantemente uma ou
outra, porém ambas estarão nas composições com a imagem. Dessa forma, a ruptura com os
clichês das narrativas fílmicas, mesmo que momentâneas, permitem espaços para a criação,
padrões que muitas vezes regem a vida, comportamentos e modelos que podem ser
questionados pela criação de algo novo, pela libertação da diferença.
também se faz presente relacioná-los com o cinema. Neste estudo a narrativa fílmica é
acontecimento junto ao filósofo Deleuze. Assim como elenca o cinema como potência para
desvencilhar o tempo de um movimento operatório da continuidade, pela imagem-tempo e
pensamento, na medida em que o tempo pode ser acionado através dos lençóis de passado,
pelas diferentes camadas que compõem os tempos, entre presente, passado e futuro, sem um
passado e presente.
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presente, futuro, enrolados que estão no acontecimento” (PELBART, 2015, p. 17).
mundo virtual, do que não foi atualizado pelo presente. O acontecimento torna as dimensões
coexistentes em um espaço virtual, e também no que atualiza no presente, “de um lado, ele é
o duplo diferenciante das significações; de outro, das coisas. Daí a aplicação do par virtual-
das linhas -, de uma hora de existência a outra hora”. A esta variação de dimensões, aliam-se
constante movimento do porvir enquanto devir que haverá sempre outras vias para a criação
e encarnação do tempo.
57
Ao abrir a imagem, seja do cinema, seja da história da arte, outras forças que escapam
às representações se evidenciam, outras relações para além dos elementos formais da
narrativa da história da arte são agenciadas para pensar e aprender acerca das imagens. No
campo educativo, este desdobramento apresenta uma estratégia para dar movimento às
da arte para aos/as estudantes, posicionamo-nos frente a estas de modo a provocar talvez
algum agenciamento, pois, “é isso agenciar: estar no meio, sobre a linha de encontro de um
mundo interior e de um mundo exterior. Estar no meio” (DELEUZE; PARTNET, 1998, p. 66-67).
Agenciar a suspensão da cronologia, implica que estejamos no meio, neste ponto dos entre-
tempos, do acontecimento, em que não mais definimos sua direção ou delimitação, estamos
assim abertos a encontros com outros intercessores, como as imagens, e assim podemos
paralisar a passagem do tempo, mesmo que brevemente, para que o arquivo-força de cada
um acione a produção de uma experiência diferente, que pode viabilizar a produção de uma
outra imagem, assim como esse processo também implica a produção do pensamento, modo
de viver, de operar e escrever uma pesquisa.
possibilidade para que o tempo seja desencadeado de sua sucessão e agenciado neste
encontro com estudantes. Para tal, a aproximação para com as imagens da história da arte se
58
deu nesta experimentação pela seleção de cada um, este ato de escolha apresenta um
deslocamento entre os tempos, ao aproximar de seu corpo um tempo passado, não lhe
atribuindo significâncias, há a possibilidade de um movimento de convivência entre os
tempos, de modo que lançamos os dados e aguardamos sua parada diante do agora.
Esse tempo movente ou labiríntico, segundo Pelbart (2015), que se desloca através da
flecha do tempo, não é o tempo da finitude, do que está em vias de chegar ao seu fim, mas
do tempo, dito que não há para o acontecimento uma divisão de um tempo fragmentado,
este espaço aberto corresponde ao campo de experimentação dos tempos, como o espaço
raiz, que se apresenta por uma concepção evolutiva de sua constituição. O rizoma se espalha
pela superfície, pois todas as ervas estão no mesmo plano, sem hierarquias, neste emaranhado
59
de linhas compostas por multiplicidades, que permite um processo de tempo rizomático, uma
Estes tempos que podem ser acionados por labirintos, rizomas, campos virtuais, se
por este desarranjo, pela des-remontagem dos significados, clichês e sucessões que antes
imagens.
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61
Segundo Deleuze (2006), o pensar requer um pensamento sem imagem, sem
tempo cronológico, mas permitiriam a coexistência dos tempos, que poderia ser
Para Pelbart (2015) e Deleuze (2013a), o pensamento não está no presente, mas
acontece para além do presente, de suas representações e suas verdades. Podemos, nesse
sentido, pensar qual força age sobre o tempo, impelindo-o a seguir percursos variados, para
Assim, questiono: o que pode a parte vazia da história da arte? Que se libertou do
conteúdo do presente, do que funda, para ganhar liberdade através de um tempo sem
Os espaços educativos podem ser permeados pela criação a cada encontro, quando
as representações e decalques são tomados por fissuras, entre a história da arte e suas
imagens. Para que outras imagens, além do escopo selecionado como pertencente a essa
narrativa, possam tomar lugar e assombrar as obras de arte. Portanto, espero que a história da
arte possa ser desencarnada, ao desprender-se de algumas passagens que têm como
verdade, assim como para a figura do/da docente, que possa se desprender de alguns
62
fantasmas que rondam os espaços educativos, sejam os conteúdos programáticos a cumprir,
sejam os aprendizados inferidos por recognição que se estabelecem em uma aula, para que a
história da arte possa ser tomada pela criação.
pelo que pode ser produzido junto aos/as estudantes. Para Jorge do Ó e Helena Cabeleira
(2015) este parece ser um importante ponto de discussão: como abordar os componentes de
muitas vezes por recognição? O ensino e a aprendizagem podem se dar por diferentes
caminhos, que possibilitem um trabalho coletivo de questionamento destes conteúdos e que
acabado e pronto que oferece tanto o modelo como o molde de tudo que pode ser dito,
escrito, pensado e imaginado como pesquisa acadêmica 7” (Ó; CABELEIRA, 2015, p. 130). Mas,
interessa o que pode vir a ser feito, escrito, produzido e pensado em uma aula, em uma
pesquisa, permitindo assim a criação de novos caminhos e territórios científicos. Desse modo,
7“[…] a perfectly finished and ready-made knowledge that offers itself as both the model and the mould of
everything that can be said, written, thought and imagined as academic research” (Ó; CABELEIRA, 2015,
p. 130, tradução nossa).
63
Trata-se de ensaiar formas de pensar” (Ó, 2017, p. 151), apontando para um processo entre
Articulo estes pontos que dizem respeito à pesquisa e a escrita, à criação, como meios
que nos permitam produzir experiências e conhecimentos junto aos/as estudantes, fabricando
imagens e outros sentidos para o que vemos e ouvimos.
No caso das imagens da história da arte, podemos notar que esta relação de
recognição ainda é muito presente nas salas de aula, se inserem muitas vezes nos espaços
educativos como conteúdos que ordenam o aprender e o pensar, a partir de uma abordagem
artísticos, contextos históricos, características gerais, biografias dos elencados como principais
artistas de cada movimento, e finalmente realizamos a análise da obra. Este processo acaba
por organizar e disciplinar o processo de aprendizagem, de modo que muitas vezes impede
Diante disso, das imagens da história da arte, percebo que talvez possamos acionar
relações diversas, pela recognição ou pela produção de sentidos com o vemos e pensamos.
Talvez estes deslocamentos não ocorram em todo encontro com uma obra de arte ou uma
imagem, ou em uma conversa ou uma aula, mas podemos acionar a necessidade de criação
tempo que se instala na educação, nas escolas e nas docências. Ao buscar alianças com os
afirma um tempo coextensivo enquanto espaço de criação, na medida em que areja suas
definições e regramentos.
centelha que possa nutrir com uma certa força estes mesmos motores, para que com estes
pontos se possa torcer o convencional para criar o diverso, um modo de arranjo ao que se
tem vivido, com a própria máquina faz-se guerra. Este tempo desordenado, pode também
limite, da delimitação e das causas. Elas propõem leituras diferentes para o tempo, como
aponta Pelbart (2015), no tempo Aion o passado e o futuro não cessam de dividir o instante,
que passa a ser coextensivo ao acontecimento. Para o tempo Cronos o tempo organiza a
acontecimentos que são elencados e demarcam uma dada época e contexto. Ela pode ser
história como linha condutora de uma narrativa de causas e efeitos, de certa circularidade dos
seus acontecimentos. Dessa forma, o tempo Cronos acompanha a história, assim como a
memória, em seu passeio sucessivo e cronológico pela vida. Mas, como podemos nos
aproximar da história, e mais especificamente, da história da arte, de uma maneira não apenas
circular e cronológica? Como operar a história da arte nessa coexistência de tempos? “Quando
65
o tempo se desenrola por si e se torna uma variável independente de seu conteúdo?”
Na pesquisa defendida por Pedro Ergnaldo Gontija, intitulada Nos caminhos de uma
a partir de suas concepções e produções para diferentes imagens do tempo. Neste sentido,
parece ser potente este intervalo da tese que relaciona o tempo à educação, a partir do
tempo Aion, que propõe a coexistência dos tempos a partir da imagem-cristal. Estas
contribuições de Deleuze para pensar o tempo, são resultado de alianças com os filósofos
Bergson e Nietzsche. Assim, a tese propõe pensar sobre as noções de tempo que se deslocam
para a educação, que organizam e regulam o tempo escolar, da aprendizagem, dos corpos
nestes espaços, para então lançar ao leitor a possibilidade de um tempo nômade, intenso, do
acontecimento.
de um tempo Cronos, pela cesura da linha cronológica do tempo em prol do instante. Seria
(2015, p. 169-170), fazendo da repetição a operação do futuro, do que não pode ser
condicionado pelas representações, “o instante como o que volta, como o retorno, mas este
retorno é para afirmar a cada retorno um outro presente, um outro passado, um outro
66
Toda suspeita manifestada em relação a História deve ser lida neste
horizonte: ela não sabe aliar o instante e o futuro (o Retorno e a Diferença),
apenas o presente e o passado (o Mesmo e o Semelhante) no interior de um
círculo de mesmidade (PELBART, 2015, p. 173).
de um porvir, que Pelbart (2015) relaciona ao futuro, imanência do devir, de um tempo Aion.
“Esse tempo morto, que de certa forma é um não-tempo, batizado também como ‘entre-
tempo’, é Aion” (ZOURABICHVILI, 2016, p. 25).
(1998), o acontecimento se estabelece como uma ligação entre dois elementos, na relação de
evoca de singular nesta relação, permeando toda a multiplicidade do tempo. Assim, Pelbart
(2015, p. 98) afirma que “estamos diante de uma multiplicidade que lembra, antes de tudo, um
eterno retorno proposto por Nietzsche (2014), onde se afirma a diferença pelo retorno seletivo
seleção daquilo que vibra, da vontade de potência da vida, afirmando a vida aqui e agora,
nesse instante. O que retorna, o faz sempre pela diferença, um outro, pois “sendo o ser
seleção, o eterno retorno só faz entrar no ser aquilo que nele não pode entrar sem mudar de
natureza” (PELBART, 2015, p. 135). O tempo é gerador da diferença. Assim, a repetição do
tempo marca, na verdade, nem presente, nem passado, mas a relação com o futuro, com um
porvir, com a produção da diferença, da criação. Essa outra história passa a ser contada pelas
forças ativas, que pensam ativamente a vida, pelo intempestivo, pelos entre-tempos e pelo
Aion.
67
Dessa forma, como podemos espreitar as forças ativas da história da arte? Talvez, ao
rastrear as forças que produzem outros movimentos para a história da arte. Uma possibilidade
seja, contra o tempo, e com isso, no tempo e, esperamos, em favor de um tempo vindouro”.
Nietzsche apresenta a história como doença ou excesso, que contém os fatos considerados
mais relevantes por uma determinada sociedade, o que tende a excluir outros tantos.
Podemos pensar de que modo a história pode contribuir para a vida? Nesse sentido, o
intempestivo elabora um pensamento contra seu tempo, não em negação de seu presente,
68
O intempestivo passa a ser uma experimentação afirmativa do tempo, “tempo
Não é uma oposição entre eterno e o histórico [...] O que a história capta do
acontecimento é sua efetuação em estados de coisas, mas o acontecimento
em seu devir escapa a história. A história não é a experimentação, ela é
apenas o conjunto das condições quase negativas que possibilitam a
experimentação de algo que escape a história. Sem a história, a
experimentação permaneceria indeterminada, incondicionada, mas a
experimentação não é história [...] O devir não é história; a história designa
somente o conjunto das condições, por mais recentes que sejam, das quais
desvia-se a fim de ´devir`, isto é, para criar algo novo. É exatamente o que
Nietzsche chama de o Intempestivo (DELEUZE, 2013b, p. 214-215).
Não se trata de abandonar a história, a cronologia, mas entre ela, em seus entre-
intempestivo seria essa aliança entre o tempo e a criação, de um porvir - devir - enredando a
história da arte a um processo de desarticulação de seus blocos de conteúdos e pela criação
de um incessante algo novo, pelo lampejo de uma nova força. Para Agamben (2009) o
intempestivo se articula ao contemporâneo, ao ser contemporâneo de seu tempo, podemos
do agora, que nos lançamos a um tempo porvir, no qual a época presente – linear, dos
holofotes, é cindida pela obscuridade, ou pela amplitude que a multiplicidade de luzes nos
proporciona, lampejos para que possamos ver e produzir um porvir.
desarranjo do tempo e da história, assim como da história da arte. Neste entre, neste intervalo
que a produção da diferença pode se afirmar um tempo não cronológico, em uma história da
69
70
Tempos e histórias: composições pela diferença
ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada
pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há
de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência – e do mesmo modo esta aranha e este
luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da
existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!’ – Não te lançarias
nada mais divino!’. Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te
transformaria e talvez te triturasse; a pergunta diante de tudo e de cada coisa: ‘Quero isto
ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?’ Pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir!
Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada
mais do que essa última, eterna confirmação e chancela? (NIETZSCHE, A gaia ciência,
inúmeras vezes mais, as forças afirmativas que atravessaram nossas vidas, se diante da
pequeneza do ser, o que fizemos foi para ampliar a potência da vida, e não para diminuí-la.
Para Nietzsche esta foi uma questão importante: em que medida um valor (como um valor
estabelecido pela moral, por exemplo) contribui para a expansão da vida ou para a sua
degenerescência? Para avaliar esta questão somente um valor mais importante deveria ser
convocado, “adotar um critério de avaliação que não possa ser avaliado (por nenhum outro
valor preexistente). E o único critério que se impõe por si mesmo é a vida” (MARTON, 2010, p.
74). Ao se questionar sobre o valor dos valores, não mais se avalia ser bom ou mau, certo ou
errado, mas qual seria o valor deste valor perante a vida; Nietzsche (2003) procurava colocar
sob suspeita os valores de sua época, de modo intempestivo.
excessos, deslocando o foco do passado para o porvir, penso o que se pode fazer dela, com
ela sendo operada a partir da criação “[...] de outros tempos que não os já consagrados pela
história. Trata-se, no limite, de desfazer a solidariedade entre Tempo e História, com todas as
implicações éticas, políticas e estratégicas de uma tal ambição” (PELBART, 2000, p. 97).
Para Deleuze (1965, 2018), ao se aproximar dos escritos de Nietzsche, o eterno retorno
o eterno retorno é afirmado como o retorno do diferente. O acaso irrompe neste intervalo da
aparição de uma imagem, entre o lance de dados das imagens da história da arte ou de
todas as imagens contidas nesse instante. A este momento de encontro com uma imagem,
72
seja da história da arte ou não, o que irrompe neste lance é o acontecimento, o imprevisível,
Desse modo, também a história da arte se constitui por estes acasos, estes lances de
encontro, de suspensão e espera, entre os intercessores que criamos e nos relacionamos, para
neste momento, neste pequeno evento da parada dos dados possamos acionar o que nos
afeta destas imagens, do que produzimos e do que nos acontece. Este encontro propõe que
não nos seja possível repetir as mesmas informações e dados já sabidos acerca de
determinada imagem, a diferença aqui pertence a produção singular deste cair de dados no
agora.
p. 65) pensa o “instante que passa, força-nos a pensar o devir, e a pensa-lo precisamente
como o que não pôde começar e o que não pode terminar de tornar-se”. A passagem do
tempo como processo inacabado impele o devir neste encontro entre imagens e estudantes –
forças de criação, enquanto movimento do instante, “é preciso que o instante seja ao mesmo
tempo presente e passado, presente e porvir para que ele passe (e passe em proveito de
outros instantes)” (DELEUZE, 2018, p. 65-66). Pois, a convivência dos tempos nos permite que
dimensões do tempo, que comumente aprendemos a separar. Porém, este retorno não
corresponde ao retorno do mesmo, para Deleuze (1965, p. 66) é o próprio retorno como
movimento que retorna, que engendra a diferença, para “retornar para o que difere”, a
73
repetição da diferença que se estabelece na seleção, do pensamento e do ser, a partir da
vontade de potência. Somente retorna o que contribuiu para a afirmação da vida, desta
forma, o retorno é seletivo, e também ético como aponta Deleuze (2018, p. 89), “o que quer
que queira, queira de tal maneira que queira também o seu eterno retorno”. Um
posicionamento ético, pois, incumbe a cada um de nós a tarefa de a cada instante escolher o
encontro dos tempos, como liberação de uma constelação vindoura, de colisão entre os
tempo, o movimento produzido por esta ação implica em inúmeras montagens do tempo.
As imagens assim, estão vazias de significação, mas prenhes de criação, neste instante
remontagem, que não pré-estabelece seu conteúdo ou forma, mas deixa em aberto o que o
tempo, seu interlocutor, lançará. As imagens são decompostas, desmontadas, e remontadas,
Para Deleuze (2018, p. 90) o eterno retorno como pensamento “elimina do querer tudo
o que cai fora do eterno retorno, faz do querer uma criação, efetua a equação querer=criar”.
Deste modo, o retorno da diferença aponta para a criação de algo novo, do intempestivo
agindo sobre o tempo e a história da arte em prol da produção e articulação entre seus
detritos de tempos.
O passado é operado não mais como um ´antes`, mas como perspectiva do porvir,
devir, no que tange o que podemos produzir nesta relação com os tempos coexistentes. Logo,
não iremos descobrir um passado, mas criá-lo a partir das contingências do encontro e seus
acontecimentos singulares. Seja diante de uma imagem ou de uma sala de aula, a história da
arte e o passado podem não estar dispostos como conteúdos a serem descobertos pelos/as
74
estudantes, mas a serem engendrados pela criação, imprevisíveis, portanto, tem-se aí campo
75
76
A história da arte se insere muitas vezes nos espaços educativos como conteúdo que
presente e suas atualizações, e o futuro e suas criações sobre a história da arte e a educação,
escreve que “não há afirmação maior da existência humana que a afirmação de que tudo
retorna sem cessar. [...] é premente entender que eterna é esta vida tal como a vivemos aqui e
entre imagem da história da arte e quem a vê, e o afasta do aqui e agora, deste mundo - da
vida.
ou de sua passagem na vida, assim como a estimativa das forças ativas e reativas que
atravessam os nossos modos de existência. A essas alianças conceituais à vida, apresenta-se
pois tudo que atravessa a vida muda de natureza, sendo a potência tudo que expande a vida.
tempo adentram a tese a partir de uma aliança com Nietzsche. O autor propõe pensar como
a noção de eterno retorno viabilizou a torção e desdobramento da noção de transvaloração
77
de todos os valores. É nesta composição que o pensamento de Nietzsche apresenta o retorno
como potência, pela criação de novos valores, ao se deparar com o eterno retorno do
mesmo que apresenta um valor para todos os valores, a vida.
aproximar do que propõe Veyne (2014, p. 231) para a história. O autor apresenta a esfera do
“liberdade de itinerário”, como fizeram os geógrafos, para não mais “tratar de seu assunto, mas
para criá-lo”. Assim, não me limito a reprodução da história da arte, mas invisto em criar com
ela outras relações e outros sentidos, ao percorrer a história da arte como nômade, errante
em seus entre-tempos.
desvantagem da história para a vida’, suas provocações para com a história, logo, apresenta
uma perspectiva distinta de sua época, em que a história alemã e a filosofia da história foram
descritas pelo autor por seus excessos históricos, como uma doença que permeou a cultura e
a vida, dada como a história científica. Sobre a doença histórica que afetou o homem
moderno, Nietzsche (2003, p. 94-95) escreveu: “o excesso de história afetou a sua força
plástica, ela não sabe mais se servir do passado como de um alimento poderoso”. Para
Nietzsche a história não poderia ser considerada uma ciência, organizada por bases científicas,
pedras indigeríveis de saber que, então, como nos contos de fadas, podem ser às vezes
ouvidas rolando ordenadamente no interior do corpo”.
Este excesso a que Nietzsche se refere, a uma falta de esquecimento a que o autor
recorre para tal elaboração, a partir da percepção de uma história monumental, que tenta
mesmo de modo infrutífero dar conta da narrativa de uma sociedade, pode também ser
78
questionada pela problemática que levanta contemporaneamente, na medida em que um
arquivos são também selecionados e compostos pelo que se quer que sobreviva, o que
histórico, social e cultura para uma determinada sociedade. Sabemos que estes arquivos da
arte contemplam apenas alguns itens, e o que esquecimento de muitos outros se dá pela sua
não aparição nos espaços expositivos.
expositivos e que representam uma comunidade, neste processo nos aproximamos da história
destes objetos e obras a partir do que aprendemos em uma aula, durante uma visita guiada
em um museu, através da rede mundial de computadores. Vemos que a relação entre arte e
museu, tem que se pautado algumas vezes neste processo de reconhecimento e repetição de
um conhecimento estabelecido. Neste sentido, a história a que passamos a contar diz respeito
a algum livro ou sujeito que nos fornece tais informações.
tempo, pois, apostamos que este arquivo presente, arquivo-força, que produzimos
cotidianamente é relevante para problematizarmos o agora, o que nos acontece, para então
“interromper a repetição interminável do mesmo que exige que se lembre o passado através
dessas inumanidades, das quais neste exato momento cada um de nós é cúmplice” (BUCK-
79
MORSS, 2018, p. 27). Este parece ser o desafio de olharmos o agora, de olharmos o passado
pelas lentes do agora, ou ainda pelo devir, de modo a neste instante percebermos que somos
coletivamente cúmplices do que quer que nos aconteça, o que nos lança novamente a
questão de Nietzsche, que possamos escolher como viver de modo a retornar infinitamente
Paulo Leminski e Luis Carlos Rettamozo (1975-1980), de autoria de Everton de Oliveira Moraes,
História, as imagens do tempo apresentadas pelo autor se tornam potentes para pensarmos
na concepção de história que tem se enredado a um bloco de saber contido por um tempo,
pois para Moraes há inúmeras temporalidades ou experiências com o tempo, que necessitam
adentrar o espaço da história. Para tal, o autor escreve junto à Agamben, Deleuze e Benjamin.
A pesquisa parte da produção dos artistas Paulo Leminski e Luis Carlos Rettamozo para pensar
as diferentes condutas do tempo, conflitos e fricções existentes nas experiências de tempos
diferentes, onde a história pode ser deslocada de suas formulações rígidas e condensadoras
de significados.
A história pode se constituir como acúmulo de seu passado, quando abordada como
representação do tempo, “ao reduzir o passado ao seu registro, ou se persegue o sonho
descrever o contexto original dos eventos”8 (TUINEN; ZEPKE, 2017, p. 11, tradução nossa).
8 “In reducing the past to its recordings, it either pursues the impossible dream of giving an exhaustive
representation of a historical event [...] or it limits itself to describing that event´s original context”
(TUINEN; ZEPKE, 2017, p. 11).
80
A esta história um tanto quanto representativa, podem se aliar
elementos diversos, e essas imagens da história da arte, que se apresentam
imobilizadas nas paredes dos museus, podem ganhar velocidade arrastadas
pelo instante do encontro, entre o movimento das pálpebras e os séculos
passados, o lampejo deste instante. Pode-se colocar em suspensão tudo que já
foi atribuído a uma imagem, permitindo que a vibração de uma nova força
arrebate esse momento, entre a história da arte e quem a movimenta, quem
dela se aproxima munido de forças pela desmontagem de seus planos, cores,
texturas, quase como se nos fosse permitido passar os dedos pela arte e lhe
retirar sua poeira, suas camadas temporais, e com nossas unhas raspar suas
significâncias, para então montar uma nova/outra imagem.
81
Neste percurso pelos corredores da história da arte, a desmontagem das imagens faz
deste espaço de distinção, a galeria de arte e museus, um momento de suspensão e
remontagem de seus fragmentos, as molduras se silenciam, e não mais imobilizam a história
da arte, mas tornam-se vazias de significados e em abundante criação. Para Mosé (2018), a
moldura funciona como uma grade que delimita interpretações do mundo, e que tende a
a autora nos instiga: “as palavras, quando não atadas às vinculações de sentidos, da
comunicação, do outro, são como molduras vazadas onde a vida se configura” (MOSÉ, 2018,
p. 113). Logo, se não delimitarmos a história da arte a uma única grade de compreensão, a um
único contorno, talvez possamos esvazia-la de significados, ao raspar seu brilho dourado, ao
Com esse possível método de aproximação para com as imagens da história da arte,
da desmontagem e remontagem de tempos, a história também passaria a ser desmontada e
remontada com a força do devir, do porvir, retirando, mesmo que momentaneamente, sua
objetividade, e lhe atribuindo um pouco de vida. Esse processo se dá pelo esvaziamento das
representações para a história da arte, pela retirada das suas molduras, e neste agenciamento
entre imagens e estudantes há um possível intervalo para que cada um acione seus arquivos-
forças, produzindo seus intercessores para então provocar um evento de parada na passagem
linear do tempo, um acontecimento que irrompe na convivência dos tempos, e diz respeito a
necessitamos que a objetividade que parece ter tomado conta da história seja revista. Pois, a
história é normalmente preenchida por acontecimentos factuais, que não se relacionam a
178) a história surge “como o ato pelo qual as forças reativas se apoderam da cultura ou a
desviam em seu proveito. O triunfo das forças reativas não é um acidente na história, mas o
82
princípio e o sentido da ‘história universal’”.
em linha reta, orientado por uma sucessão numérica. Para lhe injetar vida há que se tomar
fôlego para embaralhar seu jogo, compondo relações inesperadas entre mundos que parecem
à primeira vista distintos. Entre imagens da história da arte emolduradas por suas certezas e as
bifurcações possíveis de imagens, pensamentos, dobras que produzimos sobre elas. Assim, a
história da arte há que se tornar movente, errante, nômade, passeante entre os tempos.
83
Quando raspo os contornos e as molduras que seguram o tempo em seu lugar,
a imagem da história da arte se desfaz, para então abrir espaço para o que
poderia vir a ocupar o seu lugar, espaço vazio, acontecimento, mais prenhe de
criação. Ao descascar as tintas, inúmeras camadas encontram a luz, a
luminescência dos vaga-lumes, as temporalidades são expostas aos olhos de
quem lhe aciona no instante, o que seus vãos carregam, ou permitem produzir.
Não mais uma imagem da história da arte imobilizada, mas sim estilhaçada,
munida de detritos e resíduos de outros seres, de mundos distintos que se
encontram nesta superfície do tempo. Moldura, muro, tinta, teia.
84
Pelas molduras da história da arte andamos nômades entre suas beiradas, zonas
marginais que parecem apresentar tentativas de delimitar a arte, mas que podem servir como
zona de passagem, fronteira para o vazio, espaço sem forma ou definição, moldura sem
imagem, arte sem imagem, história sem imagem, tempo sem imagem, no que diz respeito a
uma representação fixa e rígida do que deveria ser o preenchimento da cada uma destas
formas, mas que aposta na força que pode surgir dos contornos dourados da história da arte,
Para Mosé (2000, p. 41) a arte seria como uma “moldura vazia capaz de imprimir a
intensidade, ou como superfície vazada que se deixa marcar pelo rastro desta mesma
intensidade que se chama vida”, sendo pela “coexistência entre cheio e vazio que um ser se faz
pessoa”. A vida marca com seus rastros a passagem do tempo, do que não cabe na cronologia
e espaço de uma linha, entre estes rastros, a vida pode arranhar a história da arte, ou mesmo
a estilhaçar.
A história da arte pode ser uma disciplina que apenas nos faz passear por seus
grandes corredores, “como se pudéssemos nos apropriar do estilo e das artes do passado, de
seu modo de vida próprio, enquanto passeantes distintos no interior da história!” (NIETZSCHE,
2003, p. 92). Porém, ela pode também ser mobilizada no campo da educação e da pesquisa
de modo a se aproximar da vida, deste aqui e agora que Nietzsche enfatiza em sua filosofia,
se organiza como uma linha no tempo, a partir de Kant. Esse entendimento é central para
evidenciar que, ao deslocar este saber histórico para um tempo não linear, também se
85
Ao abordar a arte a partir da história da arte, procuro alianças para que esta arte do
passado, que povoa os corredores dos museus, possa ser atravessada por elementos diversos
em um processo de desmontagem e remontagem, para que possa ser adicionada à arte
problematizações acerca de sua constituição, enredando tanto imagens do passado como
imagens do presente, pois não há mais distinção temporal, visto que o tempo foi deslocado
para o acontecimento, para a convivência dos tempos. Dessa forma, o questionamento sobre
a pertinência de pesquisar ou ensinar história da arte nos espaços educativos é desfeita, pois,
ela pode operar, assim como com qualquer imagem, a criação e não somente sua repetição.
Logo, toda imagem que irrompe o espaço-tempo de uma sala de aula, de uma
artista, qual seu contexto histórico, a que movimento artístico pertenceu para estabelecer uma
relação de criação com a imagem, não é preciso buscar na obra todas as respostas. Ou
podemos lançar outras perguntas a estes saberes. Nietzsche (2003, p. 46) escreve sobre este
homem que procura desvendar verdades, “O oco homem da cultura lança o seu olhar para
além da obra e se pergunta pela história do autor”. A partir do enunciado, procuro nesta
pesquisa pensar com o acontecimento que irrompe de maneira intempestiva nesta conversa,
em que não são mais as imagens da história da arte ou imagens da contemporaneidade que
necessitam ser desvendadas, mas são imagens que dotadas de forças nos impelem à criação
86
87
Para Tuinen e Zepke (2017, p. 12, tradução nossa) as reverberações de um passado e
de um futuro se estendem muito além do que pode ser denominado como atual, “o passado
nunca está totalmente pronto, mas forma uma continuidade duracional com o presente que se
desdobra no futuro em todos os seus níveis coexistentes” 9. Dessa forma, não há história cíclica
irrompe como um impulso, “a história é o resíduo, o que surge na esteira do evento”10 (p. 12,
Este instante deixa seus rastros ao ser processado pela racionalidade, enquadrado dentro da
cronologia histórica, como expressão sedimentada de um processo criativo que o excede, pois
desarmar os modelos e entendimentos normatizados estabelecidos para ela. Há, assim, uma
“linha resistente, certamente, uma linha não representativa, uma linha mais aberta e flexível,
que se recusa a defender a disciplina, mas, ao contrário, constantemente embaça seus limites
e a seduz para fora de si mesma”11 (TUINEN; ZEPKE, 2017, p. 14, tradução nossa). A história da
arte não precisa ser abandonada ou deixada apenas a sua linha representativa, aqui posta
como disciplina organizada, pois pode também desviar de seus limites e determinismos,
produzir fissuras em suas imagens, lampejos entre suas rasgaduras, pode muito mais, pois
como escreve Nietzsche (2014), parece que ela foi separada do que pode durante muito
Dessa forma, a história da arte carrega em suas vias, desvios, fissuras possíveis ao
aborda-la por seus resíduos, pela des-remontagem de seus estilhaços. Segundo Tuinen e
Zepke (2017, p. 9, tradução nossa) este viés possibilita que a história da arte seja abordada
9 “The past is never fully done with, but rather forms a durational continuity with the present that unfolds
into the future at all its coexisting levels” (TUINEN; ZEPKE, 2017, p. 12).
10 “History is the residue, what emerges in the wake of the event” (TUINEN; ZEPKE, 2017, p. 12).
11
“A resistant line perhaps, certainly a non-representational line, a more open and flexible line that refuses
to defend the discipline but instead constantly blurs its boundaries and seduces it out of its own bed”
(TUINEN; ZEPKE, 2017, p. 14).
88
pelo seu elemento a-histórico, mesmo que somente em alguns momentos, pois a partir da
abordagem de Deleuze e Guattari podemos ler “a história da arte pela perspectiva do evento,
isso não é abandonar inteiramente a história, e especialmente a história da arte, mas é para
usá-la seletivamente para explicar a emergência do que não é histórico”12. É sobre este uso da
história da arte, que parte de seus detritos e restos, daquilo que não encontrou lugar em uma
narrativa hegemônica da história da arte ocidental, que delineio ou bifurco - e produzo esta
que ao perderem seu caráter monumental, acolhem montagens em sua produção. Dessa
que acolhe os elementos da vida, movendo-se entre o tempo linear e o tempo labiríntico, sem
suas fissuras.
possa projetar a vida neste conhecimento, sem que se abandone o elemento histórico, uma
vez que é em consonância entre esses elementos que se propicia um equilíbrio. “O histórico e
o a-histórico são na mesma medida necessários para a saúde de um indivíduo, um povo e
uma cultura” (NIETZSCHE, 2003, p. 11). O elemento a-histórico propõe que a história tenha
utilidade diante da vida, e assim o será se esta estiver envolta em névoa, em incertezas e
12“[…] art history from the perspective of the event, this is not entirely abandon history, and especially not
the history of art, but it is to use it selectively to explain the emergence of what is non-historical” (TUINEN;
ZEPKE, 2017, p. 9).
89
muito além de reafirmar um conhecimento já estabelecido por este passado, produzir diante
dele outras narrativas, que excedam por vezes a delimitação do que se impõe como história
científica, enfatizando sua produção em um acontecimento, que possa ser explicitado pelo
ato de narrar ou criar o que não se sabia possível até então.
uma obra, este saber pode se desdobrar em outros arranjos com a história da arte, entre
imagens e quem as olha, no sentido de possibilitar a criação, sulcos e fendas em e com suas
certezas. Podemos nos aproximar de uma obra, a partir do questionamento sobre o que o
artista quis dizer ou representar, ou pela busca do entendimento de qual era seu contexto
urbano, nas ruas de uma cidade, essa imagem não nos diz tudo, ou não deveria dizer, pois,
nesta relação, entre imagem e instante que irrompe em acontecimento, o tempo pode ser
impele a criação, como expõe Deleuze (2018), querer é criar, vontade de potência atuante
quando a temporalidade se relativiza neste instante, coexiste aí tudo que ela foi, é e será. A
história da arte neste sentido, pode estar prenhe de criação, assim como qualquer imagem,
dependendo da aproximação que com ela tivermos, ou estivermos dispostos a ter, pode
A este momento a-histórico, quem dele deseja se aproximar, necessita “se opor algum
90
dia ao que apenas sempre repete o já dito, o já aprendido, o já copiado” (NIETZSCHE, 2003,
p. 99). Criar fissuras e sulcos na repetição, produzir diferença ao acionar o passado, são
desafios que podem conter um lampejo de criação para a história da arte. Entre sujeitos,
professores/professoras, estudantes, a criação pode permear a relação com a história, com a
arte, com a educação e com o pensamento, pelo que ainda não foi dito, não foi pensado e
91
92
Des-remontagem de tempos com a história da arte
uma pesquisa em prol do que a história da arte pode agenciar e experienciar articulada à
história da arte a partir de uma perspectiva teórica singular, que também pensa o tempo pela
sobre a arte, e também sobre a história da arte, apresentando uma perspectiva diferente
daquela empreendida por muitos estudiosos, como H. W. Janson, Heinrich Wölfflin, Giulio
Argan, etc., de uma história da arte humanista, que corresponde a apresentação clássica da
imagem, forma e matéria que expressam uma significação implícita em sua época. Segundo
Chirolla e Mosquera (2017), tanto Deleuze e Guattari quanto Didi-Huberman oferecem uma
abordagem não humanista da história da arte, pois a abordam como resultante de múltiplas
conexões heterogêneas, a partir de um tempo anacrônico, pela emergência de um evento,
intempestivo, não me limito às imagens da história da arte para sua problematização, mas sim
adiciono a elas os elementos que mobilizam suas forças de criação e que extrapolam as
imagens vistas nos museus.
93
Assim, ao selecionar esses autores, compreendo suas investigações sobre o tema da
história da arte como potentes para pensar a educação, na medida em que podem
problematizar sua aparição nos espaços educativos, de modo a não limitar seus resultados a
uma ação de rememoração ou repetição do mesmo.
Nietzsche - que apresenta uma forma diferente de pensamento que atravessa esses autores.
presente nos estudos propostos por Didi-Huberman (2015), a imagem ganha a força e
potência de vida para pensar a narrativa da história da arte. O autor apresenta o método
com Warburg (2015) ao produzir planos que denominou constelações, atlas de imagens que
de imagens que davam a ver um amplo quadro de relações que o autor ia produzindo. Estes
quem seleciona e produz seu atlas, o que implica a exclusão de elementos e a inclusão de
tantos outros. Com estes inventários, uma imagem parecia insistir e persistir, que Warburg
denominou ninfas, figuras que em diferentes obras e em diferentes tempos pareciam destoar
das características daquele movimento artístico.
história da arte, em que seu campo era ampliado, mas também ferido, no sentido em que sua
94
constituição também mudava. Algo adentra o conhecimento produzido e posto em circulação
para a história da arte, não mais se centraliza a discussão em quais pinceladas representam ou
não determinada época, mas nos levam a pensar em algo que transita entre os tempos, e que
irrompe no presente, como sintomas que nos mostram diferentes discursos e conflitos.
Huberman (2013b) a sobrevivência das imagens dá a ver uma memória das imagens que se
constelação, que se estabelece por relações diferentes e imprevisíveis, pelo que selecionamos
Estas constelações se formam por restos, detritos, estilhaços de tempo, que não
adentram a linearidade da cronologia, mas podem irromper, implodir sua fixidez, deslocando
junto a estes autores e autoras, de modo que pode permitir que o movimento de
deslocamento entre os tempos ocorra em proveito do agora, desta experiência anacrônica, e
portanto aliada a aproximação do que antes nos parecia distante, do passado, presente e
futuro, pela suspensão de suas significações, momento de parada que possibilita que uma
95
constelação articule laços entre diferentes tempos, para então montarmos a cada vez que
estamos diante de uma imagem, um arquivo-força, que injeta um pouco de vida nesta nova
composição que se cria.
O próprio processo de escrita também pode se dar por este novo agenciamento do
tempo, pelo que aproxima e afasta, desloca e compõe, ao pôr em relação dois elementos
implicando uma nova narrativa para a historiografia da arte e para as investigações que
desejarem uma produção não linear, que mobilize o tempo, a história e a arte pela criação.
ser escrita também por seus acidentes anacrônicos. Podemos questionar como tem se
apresentado o conteúdo da história da arte, muitas vezes como um conhecimento a ser
adquirido, contemplado, repetido, e até mesmo em seu processo de escrita pode carregar
Como podemos nos relacionar com as imagens da história da arte a ponto de termos
o que dizer, produzir, escrever com elas? Como podemos pensar e criar outras relações com
estas imagens?
história da arte?’, para pensar a escrita sobre/na história da arte. O autor questiona a narrativa
que constitui este saber, e assim permite a inclusão de variados elementos e percepções de
quem elabora acerca dela algum pensamento, para que sejam incluídos em sua fabricação,
algumas fissuras nestas imagens, ao escrever e pensar como propõe Elkins (2017), ou ao
das suas representações, de seus clichês, para ganhar potência neste intervalo heterogêneo,
espaço em que a história da arte é destituída de seus contornos, de suas bordas e transborda
97
98
A imagem é ponto de problematização de Didi-Huberman, Warburg, Deleuze e
Guattari, os autores a percebem como uma caótica composição de forças que expressam um
diagrama ou uma estética das forças, onde matéria e força se animam. Para Chirolla e
Mosquera (2017), este tempo proposto por Didi-Huberman pode ser considerado como uma
força plástica, que não cessa de voltar, de sobreviver, de se metamorfosear. A arte é vista como
uma força que o corpo encarna e torna visível através de seus efeitos.
pode ocorrer em qualquer campo de estudo, apesar e pelas representações que se impõem,
estes modelos estão presentes nos modos como existimos e nos relacionamos, pensar sobre
este ponto específico acerca do tempo é pertinente nesta pesquisa, pois vislumbra
Deleuze (2006), em que não há apenas a recognição, apreensão do conhecimento, mas sua
problematização como intercessor de muitas vidas, pois é “força cujas múltiplas relações e
tensões incluem as do tempo”14 (CHIROLLA; MOSQUERA, 2017, p. 94, tradução nossa). Assim,
a história da arte engendrada por esses autores é desconectada de seus métodos usuais,
Para Didi-Huberman (2013a) a história da arte foi tomada pelas certezas de uma
relevantes para a construção desse conhecimento e saber. Esse passado opera sem restos, pois
como afirma Didi-Huberman (2013a, p. 11) “os livros de história da arte [...] sabem nos dar a
14 “[...] spite of its models as a force with multiple relations and tensions including those of time”
(CHIROLLA; MOSQUERA, 2017, p. 94).
15 “In this sense art history is an experience of forces and affects that disrupt and break down cliches and
como um passado elucidado sem resto”. Nesse sentido, como podemos operar na educação
as reminiscências da história da arte?
Essa história da arte pode operar pela sobra, pelas margens do que seleciona para
ocupar os livros, ao perpassar a produção de uma história da arte pela criação, que propõe
pelos entre-tempos a constante ruptura dos tempos, de quem produziu uma imagem e de
presente e futuro é atravessado pelo acontecimento que irrompe na coexistência dos tempos,
onde a potência de sua produção permite que a história da arte possa ser produzida a cada
encontro, nos espaços educativos, na produção de sentidos singulares, para além do que nos
contam os livros.
segmentos de passado, que são muitas vezes “esquecidos, desprezados e fluem como uma
torrente cinzenta ininterrupta, de modo que apenas fatos singulares adornados se alçam sobre
o fluxo como ilhas”. Nesse cenário, alguns detritos se sobressaem e fluem para o tempo linear,
de modo a embaralhar sua organização, os restos passam neste fluxo, e por vezes seus
irrompem resistentemente ao que lhes procura exterminar. Assim, somos instigados a estar
atentos, pois, ainda há o brilho dos vaga-lumes, como afirma Didi-Huberman (2014, p. 22-23),
“clarão errático, certamente, mas clarão vivo, chama de desejo e de poesia encarnada [...]
às suas imagens, pequenos lampejos, imprevisíveis e muitas vezes quase imperceptíveis, pode
mesmo que por incisões restritas a algumas páginas das brochuras de uma História da Arte.
Esse processo mobiliza as mínimas resistências entre a história da arte e o tempo, entre
100
estudantes e imagens, para montar outros espaços-tempos férteis de teias, rasgos,
estudamos, e que parecem nos contar, ou talvez, o que nos é contado sobre elas, suas
história da arte e do tempo. Para tal experiência, solicitou-se que os/as estudantes
recolhessem das mesas aquilo que lhes interessasse, em um processo de seleção e escolha de
cada estudante. Entre um universo de imagens da história da arte, imagens de artistas
contemporâneos, assim como textos e materiais diversos para manipulação e criação de suas
intervenções nestas imagens da história da arte, um pequena mostra para que esta
experimentação pudesse se realizar, pela aliança entre estes intercessores e o arquivo-força de
cada um, pelos intercessores que foram criando conforme se desfaziam de suas
preconcepções acerca destas imagens, sendo agora possível torna-las fragmentos, estilhaços
de um passado já dado, se antes não nos era permitido tocar nas obras de arte, neste breve
intervalo podemos fazer das impressões destas imagens os restos e poeiras de dizem de seus
aprender acerca de um conteúdo, mas estas são escolhas que fazemos, assumimos os erros e
prazeres de uma aula, acolhemos os desvios e acontecimentos com cada grupo. Lancei como
101
arquivo-força lhe impulsionou, diante do que lhes foi ofertado naquele momento.
Com esta experiência, percebo que podemos nos aproximar de uma imagem, seja da
história da arte ou não, com o intuito de provocar desmontagens e remontagens em suas
estruturas, o que pode ser um desafio, pois pode nos encaminhar para uma tentativa de
releitura16 da imagem, o que despotencializa a criação. Esta problemática foi posta neste
encontro por uma estudante que participava da experimentação, de modo pertinente ela
sua forma.
abordá-la da mesma forma como a estudamos, em que nos aproximamos desta imagem no
sentido de responder algumas questões: em que contexto histórico esta obra foi produzida?
que relações podem fazer entre período histórico e a biografia do artista? Que elementos
triangular da arte, ou da imagem da arte. Esta proposta foi iniciada por Ana Mae Barbosa, e
tornou-se um método de estudo sobre a obra de arte, que posteriormente impôs-se de modo
esta posição imperativa da visão do artista e da história. As determinações que fizeram ou não
a produção de determinada obra de arte pode ser interessante como campo de estudo, mas
para esta pesquisa procuramos nos interessa pautar a investigação em aproximamos com o
agora, com o que cada estudante pode compor entre imagem e sua vida, em que suas
16 Ana Mae Barbosa desenvolveu uma proposta para o estudo das artes visuais, denominada abordagem
triangular. Nesse sentido, sua abordagem foi consolidada por três eixos, consistia em analisar o contexto
histórico, apreciar a obra de arte, e fazer uma leitura da imagem estudada. Esta recorrência na releitura
da obra, que foi difundida enquanto uma tentativa de recriação do original da obra de arte, não era a
intenção da autora, porém foi amplamente difundida nos campos da educação e da arte.
102
problematizações são pertinentes para deslocar a narrativa da história da arte para o que
acontece em uma aula, para as problemáticas de gênero que são postas em discussão, acerca
do que não sabemos sobre determinada imagem. Este processo de desmontar as imagens,
implica o esvaziamento de suas significâncias, de seu contexto histórico, das características de
um movimento artístico ou da produção de uma imagem tal qual aquela que se estuda. E
remontar as imagens implica que deixemos os aspectos de nossa vida, de nosso arquivo-força
forjem uma imagem que diz de um sujeito que não é o artista, que diz de modo singular
daquele que cria, ou ainda que produzam um deslocamento no modo como adentram a
história da arte, por tempos e histórias que agora convivem naquele evento de uma aula.
Assim, vejo que podemos nos deter nas imagens da história da arte de modo a
produzir com elas algumas releituras, mas que a diferença implicada em um processo de des-
remontagem com aquelas imagens, aponta um percurso que inclui em seu feitio a produção e
houve a tentativa de produção de uma imagem diferente, que antes não estava ali, nesse
sentido, não há a repetição de formas, mas a criação de forças que antes não ocupavam o
espaço daquela imagem, esse processo requer pensamento, e não apenas recognição.
103
104
Colocamo-nos nesta zona incerta, do que pode ser produzido com a des-
remontagem, nos deslocamos não somente da linearidade da história da arte, como também
nos deslocamos sobre o que organiza o pensamento e a vida. Ao propor estarmos em uma
zona de experimentação com a história da arte, com outras imagens em geral, com a história
padrões. O desafio estaria em permitir que estas dobras e torções ocorram, em diferentes
aspectos da vida, o que inclui a educação e a arte, assim como pensar em diferentes
Dessa forma, ao convocar a história da arte para ser desdobrada pela criação,
distorcendo sua linearidade, procuro forjar o método da des-remontagem diante das imagens,
para desmontá-las e remontá-las, agregando elementos nesta composição, produzindo alguns
significados, em prol de outros sentidos, criados nesta relação entre estudante e imagem.
Além de problematizarmos esta relação com a educação, os/as estudantes também
abordaram na disciplina de Práticas Educativas I, a aliança entre imagem e texto, neste sentido,
pensaram a imagem como disparador de uma pesquisa, no campo investigativo de um
105
criação, desajustando seu tempo, sua ordem e suas normatizações.
existente para criar uma nova imagem, visto que muitas delas já haviam sido fonte de alguns
estudos e repetições nas disciplinas que abordam este conteúdo. Comentamos sobre as
em discussão, as relações e alianças que cada um/a produziu com determinadas imagens. Este
momento de partilha propiciou que pudéssemos pensar juntos/as nos saltos, rasgos, nos
106
De uma imagem que já se encontrava com alguma transparência em
seus tempos, pela visibilidade do que havia em minhas mãos, ou depois deste
presente que manuseio, pude pensar na sobreposição destes tempos, do que se
apaga e do que evidencio neste processo, do que diz de mim e não do artista,
eu produtora de mim, autoria de muitos/as. Moldura que vira borda de uma
nova fronteira, limite que permite revirar a obra, nesta transparência o que está
nesta camada do passado é o agora, inverso de uma tela, esboços, traços
esquecidos, que dão a ver uma vida.
107
A história da arte perpassa tanto o tempo cronológico, suas certezas e
representações, como pode ser desdobrada por um tempo não-cronológico e não sucessivo,
por entre-tempos do acontecimento, dos errantes, das luminescências, dos restos e das sobras
desta história da arte tradicional. “É uma tarefa difícil fazer essa história, pois ela exige
Essa fissura na estrutura da história da arte possibilita que seus estilhaços atinjam o
tempo desdobrado, e que produzam outros sentidos com os restos, do que lampeja em
acontecimentos. A imagem é percorrida por uma rachadura, pois carrega tanto o atual, deste
presente cronológico, como o virtual, do tempo desdobrado, como aponta Deleuze (2013a).
Também para Didi-Huberman (2013a) ao abordar a história da arte, a imagem pode ser
tomada por uma rasgadura, por uma relação flutuante, que não se aproxima das certezas e
verdades que a história da arte já nomeia de antemão, ao rachar suas noções. Propõe então
uma aproximação a partir de uma fissura, ao deslocar a imagem pelos seus estilhaços, pela
108
Na tese Tempo andante da intervenção urbana: relações temporais nas obras ‘Imagens
entre fotografia e cidade. Sua aproximação com o tempo se dá com os estudos de Deleuze
junto a Proust, assim como outros autores, por exemplo Didi-Huberman. Apresenta com a
Ao propor esta tese, que procura desarticular a história da arte enredada ao tempo,
vejo a arte como mobilizadora da produção de diferentes relações com o tempo e com a
Abordar a história da arte seria, nesse sentido, não apenas identificar ou ler as
certezas e verdades que a história da arte hegemônica ocidental entrega. A esta noção de
que o passado se torne vivo, nos seus espaços expositivos, como galerias, museus e
universidades. Para tal, o autor retoma a questão da obra de arte em três momentos da
cultura ocidental, na Grécia clássica, na liturgia do século XX, e na criação do ready-made17 por
Duchamp, ao fazer uma arqueologia da obra de arte. O autor apresenta como a arte
enquanto produto se sobrepôs ao trabalho do artista, sua obra estava fora de si mesmo, na
Grécia clássica; como a religião católica operou a arte entre obra, artista e sua operação de
17 É o termo criado por Marcel Duchamp para designar um tipo de objeto, por ele inventado, que
consiste em um ou mais artigos de uso cotidiano, produzidos em massa, selecionados sem critérios
estéticos e expostos como obras de arte em espaços especializados (Enciclopédia Itaú Cultural).
109
reapresentação na liturgia, relacionado a um certo ritual performático do artista moderno; e
com Duchamp questiona o papel e significado da arte e do artista, desta operação criativa
entre obra e artista, na medida que desarticula o conceito de arte, obra de arte e operação
artística, ao introduzir no campo da arte um mictório. Esta torção feita por Duchamp
apresenta a problemática da vida na arte, para Agamben (2013, p. 361), o artista age mais
A obra de arte como produto estético ‘valioso’ é questionada por Agamben (2013, p.
361), na medida em que adentra a historiografia da arte o elemento de uma vida, não há um
sujeito capaz ou feito capaz de produzir uma obra de arte, o que há “são viventes que no uso,
e apenas no uso, de seus membros – como do mundo que os circunda – fazem experiência
de si e constituem-se como formas-de-vida”. A arte e seu produto, obra de arte, não seriam
resultado da genialidade, mas da forja de uma relação entre sujeito e vida, em uma aliança
arte que condensa um elemento de um mundo, que parece se fechar sobre si mesmo, na
medida em que impede uma experiencia singular com estas obras conhecidas, muitas
pertencentes a uma história da arte consolidada como saber imutável, imobilizadas estão as
obras e a história da arte. O autor propõe que a obra-prima seja tomada de forma isolada,
por seus limites, por suas fronteiras e bordas que podem ser desfeitas, transgredidas, propõe
reterritorialização desta imagem, estabelecida como mestra e então fixada na linha do tempo
da história da arte. Para abordar esta torção o autor também recorre a Duchamp, pois o
artista introduz na arte uma obra que se quer ensaio, sempre a se refazer, inesgotáveis, sem o
valor de uma época, ou a possibilidade deste reconhecimento, estas obras “procedem então
de acordo com uma desterritorialização sempre renovada que mesmo a etiqueta de ‘obra-
110
prima’ nunca conseguirá imobilizar completamente” (p. 9). Este movimento de
se produzem algumas criações que antes não ocupam este campo, mas que não devem ser
Neste sentido, esta obra-ensaio não consagra nomes em sua narrativa, mas diz de um
trabalho modesto, de uma palavra e uma imagem que se lançam para outrem. Dizem de
“outros mundos que o mundo do valor ainda não engastou em seus escrínios de diamantes”
(DIDI-HUBERMAN, 2019, p. 14). Desterritorializar a arte desloca sua constituição como saber já
consolidado, coloca em dúvida suas certezas, lança a arte, e neste caso a história da arte, a
permite a criação e nos faz errantes nestas fronteiras. Pois, como aponta Didi-Huberman (2019,
p. 21) “a ‘força da arte’ já não lhe basta: ela precisa também da franqueza de luminosidades
A esta força que se aplica a arte, se desfaz os holofotes para um único campo do
saber, amplia-se e fere este mesmo campo, introduz-se nesta escuridão algumas
luminescências que abrem passagem para a diferença, para tempos coexistentes, para
histórias fragmentadas, para arte como ensaio. Entre estes campos heterogêneos inúmeros
forças.
111
Falta-nos aproximarmos com passos lentos, ver com certa nitidez o que parece
incerto, para logo a seguir desfocar o olhar, esse movimento de aproximação
com a imagem nos leva a quase tocar a superfície da tela, e ali está - entre as
rachaduras da pintura, suas craquelures que se formaram pelos tempos e
processos de arejamentos, quando o ar do tempo adentra a tela e faz irromper
em entre-tempos sua encarnação em quem a olha. A imagem ainda teima em
mostrar suas fissuras, em deixar ver o que entre suas cores pode ainda habitar,
um rasgo, um intervalo de tempos coexistentes, mundos outros que se dão a
ver neste vão, se estivermos dispostos/as a nos aproximarmos destituídos/as
do que sabemos acerca de sua vida, e deixar emergir de suas pinceladas novas
forças.
112
Produzir relações e cortes entre a história da arte e a vida se apresenta como um
percurso possível para quem dela também quer criar um modo de vida. Para isso componho
um saber com e nos conhecimentos postos em circulação pela história da arte, para fabricar
na sua relação com a vida, um modo de vida docente, discente, pesquisadora, mulher, em
variações infinitas.
Entre o saber e sua apreensão, há inúmeros outros não-saberes que são produzidos e
entrelaçados nesta trama de tempo e da história da arte. Para Didi-Huberman (2013a) o não-
saber é a produção para além do que se identifica e nomeia visivelmente em uma obra de
arte, para a produção de outro significado. Penso que essa produção se insere na pesquisa,
como produção de sentidos, que não buscará produzir outro significado que será contido
pelos livros, pelas certezas e verdades deste saber, mas que permanecerá sempre diferente na
Então, o que fazer com os acontecimentos em educação que não têm lugar no
tempo cronológico? Que não se inserem nos conteúdos? Para Pelbart (2015, p. 94), eles
vagueiam o tempo, errantes, perambulam nas suas fronteiras, em meio à vida, pois “o tempo
regular é estreito demais para abrigar todos os acontecimentos”. Duas leituras do tempo que
estudantes.
Esta abordagem da história e da arte passa a abrigar outros elementos que antes não
adentravam nos âmbitos dessas disciplinas, como os seus restos, o que não pode ser
que está, até então, fora de uma história da arte monumental, mas está nos entre-tempos,
germinando a vontade de criação, de produção do que antes não estava ali, do que cada
um/a pode experienciar com o atravessamento dela no tempo. Desse modo, a história da arte
113
está sempre em vias de começar, de ser revista, decomposta, de-formada, montada de outros
Para Didi-Huberman (2015, p. 106), “a imagem não está na história como um ponto
sobre uma linha”, portanto, ela não é fixa, a arte não deveria ser abordada como produção
linear de seu tempo, condizente a uma determinada época, ou puro documento histórico, mas
que o autor considera como método para desarticular o tempo de sua sucessão.
114
Nesse sentido, entendo os processos de desmontagens e remontagens com Didi-
2016, p. 271).
que pode acolher o viés do acontecimento, na coexistência dos tempos, campo virtual, como
a cesura de um encadeamento. E produz diante desse movimento de desmontagem, uma
uma atualização desta experiência. Apresento este movimento como método de pesquisa
deste trabalho, ao fazer um uso diferente para a noção que Didi-Huberman explicita em seus
estudos, proponho que a aliança entre estes processos, des-remontagem, possa nos dar força
para adentrar o campo da história da arte e suas imagens, de modo a produzir e criar
desajustar o tempo, apostando no anacronismo das imagens, que acolhe seus restos, sua
poeira de detritos, para compor uma névoa a-histórica. É com este método que procuro
A montagem se dá como modo de criar laços entre diferentes imagens, como ação
de um/a montador/a de imagens, pois coloca a prova a representação do passado e a
Didi-Huberman (2015) parte do trabalho de Benjamin para propor este trato com os
115
restos da história da arte, ao apresentar o/a historiador/a como um colecionador de trapos
deste mundo, como por exemplo as imagens e outros trapos, fragmentos, vestígios, detritos,
escombros, restos da história da arte que demarcam os rastros de um/a colecionador/a a
contrapelo do tempo, as miudezas que não se encontram nos livros, que não constituem a
história da arte universal. O/A colecionador/a seria aquele/a que recolhe e guarda as
impurezas do tempo, a escória das coisas que não tem lugar na linha inscrita pela história e
pela arte.
Como dar vez ao que não tem lugar no tempo, na história da arte, em uma pesquisa?
Como permitir que em meio a uma aula, uma escrita, uma vida, os escombros, as miudezas e
os restos de um percurso produzam lampejos e adentrem este mundo? Esse ato de colecionar
as coisas miúdas do mundo, convoca-nos também a estar atentos a sua aparição, a seu
lampejo no nosso campo de visão, ao que pode mobilizar o pensamento em uma pesquisa,
em uma aula. Pode ser ao andar pelas ruas de uma cidade qualquer, ao estar à espreita de
forças do tempo que escaparam do esquecimento, nos muros, portões, janelas, que imprimem
116
Imagens que quando feridas por um corte, tornam visível no mundo um
pequeno lampejo, antes de serem apagadas, pela próxima mão de tinta, pelas
intempéries que lhe assolam, pela teimosia do tempo que se faz aparente, nas
camadas de tinta que se abrem, fissuras, lampejos, que descamam tempos pela
força da chuva ou dos dedos quando lhe arrancam pedaços, fragmentos,
vestígios, restos que passam a compor outra força, que criam uma outra
imagem, naquele muro, para aquela casa. Percorrer os espaços-tempos que me
são familiares, e outros que não são, reconhecer, esquecer, vagar, este pode ser
um possível método de pesquisa, recolher da vida o que mobiliza o
pensamento, e levar uma pesquisa a perambular, errante, nômade, pelo que
lhe produz, deslocar as molduras da história da arte entre as ruas, mofos,
tempos que uma cidade compõem e decompõem, acolhe e guarda, acionando
lampejos nesses encontros, entre tintas, descamações, molduras, ruas e muros.
117
118
A esta coleção de excedentes, de inventário de vida, a/o pesquisador/a, a/o
que for para rescindir os tempos, para abri-los. Para reaprendê-los, reconhecê-los, devolvê-los
[...] constante desmontagem interior das coisas conjugadas com elementos díspares”
inclusão de fragmentos, vestígios que antes não compunham a história da arte, em um tempo
que pela montagem abarca seu instante, pelo intervalo do acontecimento, assim como sua
heterogêneos.
como aponta Nietzsche (2003), ainda em seu tempo, porém além de seus valores
determinados, suas normatizações conceituais. Um/a historiador/a, ou um/a artista, ou
119
uma/um professora/professor, ou um/uma estudante, em vias anacrônicas pela história da arte
ao ‘dis-por’ primeiro. Não se mostra senão mostrando as fendas que agitam cada sujeito
diante de todos os outros”. Neste sentido, a desmontagem da história da arte abala a ordem e
tempos.
modo a tornar visível neste processo de irrupção, um lampejo, que fratura a linha do tempo.
Assim, para Didi-Huberman (2018) é a própria imagem que decompõe a história. Do mesmo
modo que a decompõe, desmonta suas estruturas, ela também exerce efeito de remontagem,
como nova operação de criação. A montagem opera esta nova trama, entre tempos
ou amputação proposta por Deleuze (2010) em conversa com a obra de Carmelo Bene,
cineasta e dramaturgo italiano. Com esta operação de subtração ou amputação, Bene fazia
Romeu e Julieta ou Hamlet. Conforme propõe Deleuze (2010, p. 36), esta operação de
120
amputação age pelo viés do menor, subtraindo os poderes, as forças reativas e dominantes, o
Estado, “operação por operação, cirurgia contra cirurgia, pode-se conceber o inverso: como
‘minorar’, como impor um tratamento menor ou de minoração, para liberar devires contra a
História, vidas contra a cultura, pensamentos contra a doutrinação”. Assim, amputa-se partes
da história, e da história da arte, para lhe retirar suas normatizações, sua marca de tempo e
poder, a fim de colocar suas certezas em variação, operando-a por minoração, por sobras,
121
Uma sobra de escrita, um respingo de uma conversa, o resto de uma
fotografia, o menor como gota que agrupa força. De uma ruína, faz-se
subtração, pelo mínimo reconhecimento de um passado, pelo que pode
o escombro ao levantar-se como sobra de uma vida, e ganhar vida
naquilo que a anima, você e eu.
122
Ao me aproximar da história da arte, também me aproximo de uma forma de fazer
pesquisa e pensar a educação de um modo singular, que possa incluir os restos da história da
arte, seus entre-tempos, acontecimentos, assim como também produzir um desvio no modo
como constituímos o conhecimento, como escrevemos, como aprendemos e ensinamos.
os restos e trapos que suas frestas acolhem, fazer oscilar suas verdades ao compor bifurcações
e convivências entre os tempos, entre-tempos. Propõe a experimentação e a criação como
possíveis para viabilizar outras montagens nos meandros da história da arte, nos processos
Vemos que a própria escrita de uma pesquisa também pode se dar de modo
anacrônico, ao fazermos uso de um método de pesquisa que propicia tal experiência. A des-
remontagem que propomos como método, se apresenta como possibilidade de escrever uma
pesquisa sem a linearidade de uma narrativa, ao não adentrar a investigação pela sucessão ou
progressão do tempo, a experimentação não se dá de modo cumulativo, mas apresenta uma
narrativa composta de cortes temporais, por desajustes em sua cronologia. Ao estar atento/a
ao que irrompe em um encontro com uma imagem, o/a pesquisador/a opera um processo de
molduras, e seu pouso na vida, pela reterritorialização do que se produz, por remontagens de
seus escombros.
Para fazer uso dos menores gestos, dos escombros e das sobras, necessitamos estar
123
atentos/as a sua aparição em nosso mundo, em uma pesquisa também estamos atentos/as ao
que surge ou forjamos na aproximação com nosso campo de estudo, onde até mesmo o
menor dos gestos pode desordenar a linearidade do tempo e da história, e fazer brotar
relações singulares entre escombros esquecidos nas frestas das molduras que seguram a arte.
possa ser revista a partir desses olhares singulares de cada sujeito neste momento de encontro
com uma obra. Apostamos que este processo de aproximação e desajuste das imagens da
história da arte possam ser postos em operação em pesquisas que apresentem as imagens
imagens, uma vez que ao desmontar, remontamos um novo ponto de vista quanto ao tempo,
a história e a história da arte. Este processo diz respeito a uma experimentação com a
imagem, e com a própria escrita de uma pesquisa, na medida em que procura estabelecer
laços, criar relações entre diferentes elementos, de modo a montar um arranjo de tempo
vida, história da arte e tempo, não como metodologia, que delimita regras e procedimentos a
serem seguidos, mas como modo de operação, corte e remontagem, entre muitas linhas de
tempo.
produz com este percurso, de modo a acolher em uma pesquisa os menores acontecimentos,
que não tem espaço de vida na universalidade da História da Arte. Um outro modo de
124
operação e abordagem se faz possível não somente com a história da arte, o tempo e a
história, mas nos faz repensar o modo como operamos com as imagens em uma pesquisa,
como elaboramos e partilhamos sua escrita, como recolhemos e selecionamos nossos focos
de estudos, e como apresentamos e montamos, ou des-remontamos, uma investigação.
uma nova imagem, apresentando assim uma imagem anacrônica do tempo e da vida.
125
Compor a história da arte por
movimentos de devir-minoritários,
atrelado a um processo de
126
pensamento para a produção de uma língua menor.
Segundo Deleuze, e nas palavras de Gallo (2003), ao pensar a educação, podemos ter
como opção de experiência a educação menor, como máquina de resistência, ao produzir
fazem cotidianamente nos espaços educativos, por brechas nas salas de aulas, nas conversas
a. Daquilo que não pode ser capturado, é então que esta educação menor encontra suas
Estamos, neste sentido, em constante movimento, entre uma educação maior e uma
educação menor, entre processos de desterritorializar uma imagem e a reterritorializar,
estamos sobre este fio, que ora acompanha e ora corta sua linearidade. Para Didi-Huberman
(2019) também um menor pode ocupar os espaços da arte, cenas e objetos comuns,
corriqueiros, sobreviventes, para que possamos ver a coexistência dos tempos por formas
menores, que não dizem de uma autoria, não representam formas maiores ou soberanias
estatais, mas dão a ver um povo que falta, outros mundos, não se endereçam a um povo já
consolidado, mas de um povo em devir, que se cria nestes muitos mundos que não estão
presentes na história da arte. A esta proposta de criação de um povo que falta com a arte e
suas formas e forças para que acolham o menor, como devir, Didi-Huberman recorre a
Deleuze e Guattari (2014) e Deleuze (2013a) para introduzir na arte a criação com o que se diz
menor, com um povo a se criar, que se encarne nas imagens da história da arte a cada vez
Assim como a arte, a educação também pode abrigar o menor, pontos luminescentes,
lampejos e resistências diante do que teima em contornar com linhas grossas e limítrofes as
127
Didi-Huberman (2014) escreve sobre a sobrevivência dos vaga-lumes a partir do
cineasta Paolo Pasolini, que anunciou o fim dos vaga-lumes. Após os tempos sombrios do
fascismo, Pasolini diz que há na sociedade italiana outro tipo de fascismo, que fez com que os
pontos de resistência, os vaga-lumes desaparecessem. Pasolini acreditava não mais ver os
vaga-lumes, pois seus inimigos já haviam tornado impossível vislumbrar seu pequeno brilho
diante dos fortes refletores, a luz branca que a tudo cegava. O fascismo implantado na
sociedade italiana, estaria por todas as partes, através de consumismos que Pasolini
Não posso negar que há neofascismos nos rondando, projetando suas luzes sobre o
modo como nos relacionamos com outros modos de existência, punindo-os, vexaminando-os,
excluindo-os, para que se esvaziem ou talvez desapareçam, uma vez que há forças que
tentam definir modelos de existência a todo momento. Mas há vaga-lumes nômades e
errantes nessas terras, luminescências, pois, como afirma Didi-Huberman (2014, p. 47) é
“somente aos nossos olhos que eles ‘desaparecem pura e simplesmente’. Que eles
Ou seja, não seria mais uma questão de desaparecimento, mas de movimento de quem os
olha, de tomar um percurso intempestivo, sobre os valores de seu tempo, ao vaguear pelos
contribuir para vermos essas luzes, estrelas em um céu escuro, condição do efeito do não
alcance das demais luzes do universo“, contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no
seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”. Ao desfocar o olhar desta
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possibilita,
[...] colocá-lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo inédito
a história, de ‘cita-la’ segundo uma necessidade que não provém de maneira
nenhuma de seu arbítrio, mas de uma exigência à qual ele não pode
responder. É como se aquela invencível luz, que é o escuro do presente,
projetasse a sua sombra sobre o passado, e este, tocado por esse facho de
sombra, adquirisse a capacidade de responder às trevas do agora
(AGAMBEN, 2009, p. 72).
dissociarmos de sua época, o cindirmos em muitos tempos, em cesuras e fendas que são os
este contemporâneo cabe problematizar seu tempo, fazer de seu instante a criação de um
tempo porvir. Tanto na percepção das pequenas luminescências, vaga-lumes e lampejos
indeterminação e variação, diante do mundo que tende a suprimir sua existência em uma
flecha do tempo, e assim como Nietzsche nos lançam intempestivamente para o agora, para a
escolha ética de uma vida, e a percepção do que tende a sua contenção, uma escolha de
acontecimento, entre-tempos, podemos com ele produzir e dar a ver pequenos lampejos,
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restos da história da arte, que decompõe a imagem como representação, e a lança como
que propõe Deleuze e Guattari (2005) para o acontecimento, como momento em que irrompe
algo, intervalo entre-tempos, que aciona o devir de modo a consentir a convivência dos
tempos.
disposto aquele que for atravessado por ela. Pois, diante dos holofotes é preciso desfocar o
olhar para ver uma imagem menor, miudeza de uma história da arte, meio de desmontar seus
projetores. Como afirma Didi-Huberman (2014, p. 87) “a imagem é pouca coisa: resto ou
Didi-Huberman (2015, p. 15) nos diz que quando estamos diante de uma imagem,
estamos diante do tempo, “como diante do vão de uma porta aberta. Ela nada nos oculta,
bastaria entrar, sua luz quase nos cega, nós a respeitamos. Sua própria abertura – e eu não me
refiro ao guardião – nos faz parar: olhá-la é desejar, é esperar, é estar diante do tempo”.
Diante de uma imagem da história da arte, assim como de qualquer outra, o tempo
são produzidos concomitantemente, como o por vir, pois “somos diante dela o elemento de
constituirá, enlaçando neste acontecimento, o que nada se sabe até o lampejo deste encontro.
Abordar a história da arte com esta interrogação, sobre o que ela ainda pode nos
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dizer, produzir, aliar, faz o olhar
constituído, o entendimento de
um contexto histórico, a
histórico e a-histórico.
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Ao percorrer a história da arte atravessando seus grandiosos corredores,
pode-se espiar por entre suas grandes molduras douradas, entre-ver pelas
fissuras da madeira rachada e empoeirada, dedilhar entre os espaços ocupados
pelas teias em seus volumes. Há nesses grandes salões outros vertedouros de
modos de vida, que não estão muitas vezes exibidos, mas que habitam esta
disciplina dos mortos, de uma arte monumental, entre-tempos que escapam a
sua linearidade.
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Uma abordagem anacrônica da história da arte implica uma mudança de foco, de um
objeto histórico, para a própria irrupção de seu momento, que se dá fora do tempo linear,
como um movimento aberrante, destituído do sentido dado a ele pela organização da história,
que foge a sua padronização. Neste sentido, o trabalho do método anacrônico, é fazer o
verificadores. Toda questão de método conduz, talvez, a uma questão de tempo” (DIDI-
Logo, o trabalho diante das imagens, seria potencializar o tempo pela diferença como
com ele. Por um determinado método anacrônico alia-se a des-remontagem dos tempos
forma e conteúdo como disciplina rígida, para assim incorporar em seus meandros as forças
que a deslocam, movimentam e produzam continuamente, como forças ativas diante da vida.
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Nesse sentido, a história da arte é tomada a contrapelo, olha adiante de seu tempo, de
a educação, que me propus nesta tese a produzir tempos indeterminados, para cindir os
ajustes destas esferas, e propor que modos de vida diversos sejam criados com os tempos,
com as histórias, com as histórias da arte, com as imagens, com inúmeros pensamentos,
suas normatizações, esta também pode ser pensada pelo viés do anacronismo, em que um
conteúdo não necessite ser apreendido antes de outro, pois a progressão não teria mais
validade como forma única de aprender. Se a educação não fosse tomada apenas pela sua
cientificidade, mas posta em relação com a vida, pelo movimento que impulsiona os instantes
em uma sala de aula, dela emanaria irrupções criadoras que pudessem engendrar
história da arte, ou qualquer outra imagem da arte e da cultura, delineio tentativas de abordar
esse tema de modo a esboçar em seus meandros potências de criação, de surgimento de algo
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135
Desajustando um possível desfecho
sobre o tempo, junto a Deleuze (2013a) e a noção de imagem-tempo, assim como com
com Pelbart (2015) ao pensar o tempo labiríntico, sem imagem; e junto a Nietzsche (2003,
2016) e Deleuze (1965, 2018) ao pensar o eterno retorno como produção da diferença. Ao
propor a desarticulação do tempo, aliei-me a Didi-Huberman (2014, 2015, 2017, 2018), para
operar des-remontagem das imagens da história da arte, para produzir lampejos em suas
Ao operar a história da arte como espaço de tempos, acolho nesta pesquisa o tempo
enquanto superfície sem fim ou começo, não mais preso à flecha do tempo, a sua fabricada
cronologia, mas como entre-tempos, espaços sem definições temporais ou sucessivas, que
possibilitam que lhe sejam produzidas perfurações, fissuras, rasgaduras, a fim de inquietar o
tempo em sua articulação, lançar-lhe lampejos, ação de fraturar a linha do tempo, momento
que irrompe o acontecimento. A história da arte se enreda assim, a instantes, na produção de
intervalos, entre-tempos, entre quem desmonta o tempo e a história, como ato de criação
cotidiana, a cada encontro entre estudantes e imagens da história da arte, ao remontar suas
imagens esquecendo o que as espessas enciclopédias da história da arte nos afirmam ser este
saber.
A este tempo labiríntico, não há caminhos já sabidos ao que se pode produzir com a
história da arte, aliando a história e a criação, sem o abandono desta linha do saber, mas
diante dela produzir fissuras, fazer lampejar o que antes não adentrou a sua feitura, encontro
entre quem lhe lança lampejos para desarmar seus modelos. Ao desajustar o tempo de sua
linearidade, entre estes autores mencionados, e problematizando a relação da imagem com a
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história da arte, que os entre-tempos acionaram uma desordem no tempo, desmontando sua
grandes narrativas. Nietzsche (2003) problematiza o excesso de história, que carrega o peso
de todos os fatos, não permitindo o esquecimento ou desvio para o que os arquivos contam.
Ao pensar a história como possível de ser desajustada de sua ordem, intentei em seu meio
acolher a vida, e os estilhaços que antes permaneciam distantes desta história monumental.
A fim de desmontar o tempo e a história de seus pilares sólidos, pelo método da des-
remontagem das imagens da história da arte, é que se faz potente nesta tese produzir uma
cesura, fratura na história da arte, a fim de acolher o acontecimento em sua produção, pela
criação de outras histórias da arte. Este método de pesquisa operou nesta escrita a
instante deste encontro. A este instante que acolhe o que antes não adentrava na história da
arte, podemos chamar lampejo, acontecimento, devir, momento de recolher e evidenciar as
tempo e a história.
luminescências que o incentivem a resistir entre, em meio a história da arte, produzindo com
ela experimentações, pela criação de uma nova força, fissuras na história da arte.
Esta pesquisa apresenta um novo arranjo para o tempo, assim como para a história
da arte, de modo a que este campo possa ser produzido a cada encontro, e não apenas
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rememorado como passado morto, a fim de que a história da arte seja assombrada pelos
seres que lhe lançam olhares. Para isso, parti da seguinte problemática: de que modo(s) os
entre-tempos podem acionar des-remontangam da história da arte na educação? Para assim,
apresentar como tese da tese que se o tempo é anacrônico, entre-tempos, então a história da
arte pode ser acolhida pelos lampejos, pelas fissuras e tomada pela criação.
Dessa forma, convoco para essa conversa com entre-tempos, criação e des-
remontagem das imagens da história da arte, os percursos que me afetaram durante esta
pesquisa, ao percorrer espaços de tempos diversos, visíveis em minha cidade, nas paredes
perspectiva do chão, para poder dizer e aprender com sua poeira, com seus espaços vazios.
Assim como, experimentações/des-remontagem com imagens da história da arte, a partir de
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