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A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA PARA

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

Iracema Dimaria Evangelista Batista1 - UFPR

Eixo – Educação de Jovens e Adultos e Profissionalizante


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa um débito histórico, social e político não
reparado com aqueles que não tiveram acesso à educação nem domínio da escrita e leitura como
bens sociais, na escola, numa perspectiva de educação formal, ou fora dela na idade apropriada.
Trata-se de uma categoria organizacional constante do arcabouço da educação nacional, com
suas especificidades e particularidades. Desse modo, o presente trabalho buscou conhecer o
desenvolvimento da modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos (EJA), e sua relação
com a Psicologia Social Comunitária e a contribuição desta última para que o educando dessa
modalidade prossiga com seus estudos no nível superior de educação (PSC), bem como
identificar o cenário atual da Educação de Jovens e Adultos no que tange sua dívida social.
Somado a essas questões, do mesmo modo também buscou-se conhecer os avanços na
Educação de Jovens e Adultos desde a sua inserção como modalidade de ensino nas Diretrizes
Curriculares Nacionais, bem como contribuir com a EJA no que tange aspectos sociais e
comunitários na perspectiva da conclusão dos estudos referente à educação básica por parte dos
educandos e educandas dessa modalidade articulando-a e oportunizando ao educando/a
formação profissional imediata. Na medida em que se reconhece que a educação é um processo
contínuo, havendo por este motivo a necessidade de contribuir para que a modalidade de EJA
além de compreender o ensino fundamental e médio, possibilite e contribua de forma concreta
para que o/a educando/a se sinta capaz, preparado e digno para inserir-se no mundo do trabalho.
Salienta-se que o presente trabalho se trata de uma revisão bibliográfica apoiada em livros e
artigos, no qual estes últimos foram acessados por meio das bases de dados SciELO e Redalkyc.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Trabalho. Educação Superior. Psicologia


Social Comunitária.

1
Doutoranda em Educação: Linha de pesquisa: Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano – Programa
de Pós-Graduação em Educação – Universidade Federal do Paraná/UFPR. Mestre em Psicologia – Universidade
Tuiuti do Paraná – UTP. Professora de Filosofia no Colégio Passionista Nossa Senhora Menina (PNSM). E-mail:
iracemadimaria@yahoo.com.br

ISSN 2176-1396
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Introdução

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa um débito social não reparado com
aqueles que não tiveram acesso à educação formal nem domínio da escrita e leitura como bens
sociais, na escola ou fora dela na idade apropriada. Trata-se de uma categoria organizacional
constante do arcabouço da educação nacional, com suas especificidades.
Buscar conhecer como a Educação de Jovens e Adultos vem sendo abordada
atualmente e discutir sobre os avanços desde a sua implementação nos aspectos do “pagamento”
de sua dívida vai ao encontro do Eixo Educação de Jovens e Adultos e Profissionalizante. Desse
modo conhecer e explorar a relação da Psicologia Social Comunitária com a modalidade de
ensino Educação de Jovens e adultos (EJA) e a contribuição dessa relação para que o educando
dessa modalidade conclua seus estudos torna-se uma tarefa necessária, bem como conhecer os
avanços na EJA no país e diante dos resultados seja possível prosseguir com novas propostas
visando ultrapassar aquela inicial de “pagamento” de uma dívida social que não se esgota.
Por meio da presente pesquisa, além de investigar a relação da Psicologia Social
Comunitária com a modalidade de ensino Educação de Jovens e adultos (EJA) buscou-se
identificar o cenário atual da EJA no que tange a dívida social com aqueles que não tiveram
acesso à educação formal e nem domínio da escrita e leitura na idade apropriada. Ainda nesse
aspecto, também buscou-se conhecer os avanços na Educação de Jovens e Adultos desde a sua
inserção como modalidade de ensino nas Diretrizes Curriculares Nacionais, bem como
contribuir com a EJA no que tange aspectos sociais e comunitários na perspectiva da conclusão
dos estudos por parte dos educandos dessa modalidade articulando-a e oportunizando ao
educando formação profissional imediata, reconhecendo a educação enquanto processo
contínuo e reflexivo
Assim, na medida em que se reconhece que a educação é um processo contínuo e
reflexivo, no qual há necessidade de contribuir para que a modalidade de EJA além de
compreender o ensino fundamental e médio, também viabiliza o sentimento de ser capaz,
preparado e digno por parte do/da educando/a para inserir-se no mundo do trabalho e prosseguir
com seus estudos no nível superior de educação.

Metodologia
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O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica apoiada em livros e artigos,


no qual estes últimos foram acessados por meio das bases de dados SciELO e Redalkyc. Assim
sendo, foi concretizada uma investigação a respeito da produção do conhecimento da Psicologia
Social Comunitária e sua relação com a modalidade de ensino Educação de Jovens e adultos
(EJA), sendo identificar essa relação um dos objetivos do trabalho.

Historicidade da modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos

Em sua essência a educação traz sua historicidade, e enquanto história, trata-se de um


processo de formação de homens e mulheres para o novo, um novo que engloba a cultura, o
trabalho e sua autoconsciência (PINTO, 2007).
Quando se aborda a educação de adultos e jovens no Brasil, além de retomar o ano de
1925 numa tentativa de resgate histórico no que tange a temporalidade, se faz necessário
também buscar compreender a partir da reforma João Alves como se inicia o ensino para Jovens
e Adultos. Ensino este que naquela época ocorria apenas no período noturno. Ainda nesse
aspecto, de acordo com o Art. 27 do Decreto n.16782 A, não havia um caráter de
obrigatoriedade por parte dos estabelecimentos de ensino em atender adultos, no entanto,
quando houvesse essa oferta, as referidas escolas noturnas deveriam obedecer as mesmas
condições presentes no Art. 25 do referido Decreto destinadas as escolas primárias.
Mesmo diante das novas propostas o país contabilizava elevados índices de
analfabetismo. O analfabeto padecia de discriminações e a escola era proposta à poucos,
entretanto com a Constituição Federal de 1934, declarou-se no Brasil a obrigatoriedade e a
gratuidade do ensino primário para todos.
Instituído em 1942, de acordo com o Decreto-lei n. 4.958, o Fundo Nacional do Ensino
Primário (FNEP), foi o marco propulsor de uma política pública de educação para os adultos
(BRASIL, 1942). No final da década de 1950, desponta o trabalho desenvolvido por Paulo
Freire tendo como intenção e princípios uma educação popular, visando o resgate das
problemáticas segundo a realidade de cada comunidade, sendo um trabalho além de
pedagógico, social e comunitário, comprometido com a cultura e o contexto local.
A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 4.024/61, reconhece
a educação como direito de todos, e aos maiores de 16 anos passou a ser consentida a obtenção
de certificados de conclusão do curso ginasial, mediante a prestação de exames de madureza,
ou seja, um exame final e simultâneo de todas as disciplinas de um curso secundário (BRASIL,
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1961). Também permitia a obtenção do certificado de conclusão do curso colegial aos maiores
de 19 anos, nas mesmas condições.
Em 1967 o governo militar criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL), um marco após a ditadura militar que promoveu o aumento da escolaridade por
parte da população por meio da técnica da cartilha, delimitando alfabetizar de maneira
funcional, objetivando desenvolver mão-de-obra semiqualificada, ou seja, aquela de nove a
onze anos de estudo, em grande quantidade para inserir no mercado de trabalho que vinha cada
vez mais se expandindo, com isso houve pouco avanço nos 15 anos de vigência do MOBRAL
(BRASIL, 1967). Em 1970 passa a existir a suplência com a finalidade de transmitir ao
educando adulto o básico e prepará-lo para o mercado de trabalho.
Em 11 de Agosto de 1971, foi promulgada a Lei 5692/71 que implantou o Ensino
Supletivo como uma modalidade transitória, para aqueles que precisavam evidenciar a
escolaridade no trabalho e para os analfabetos, que seguiam a proposta curricular de ensino
regular, contudo não era preparada para a população de Jovens e Adultos.
De acordo com Polisciuc (2009), com o desenvolvimento da educação de Jovens e
Adultos, em 1986 o Ministério da Educação organiza uma Comissão para elaboração de
Diretrizes Curriculares Político-Pedagógicas da Fundação Educar. Com as conquistas legais da
Constituição de 1988 a EJA passou a ser reconhecida como modalidade específica da educação
básica, no conjunto das políticas educacionais brasileiras, estabelecendo-se o direito à educação
gratuita para todos os indivíduos, com inclusão daqueles que a ela não tiveram acesso na
denominada idade própria (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012).
Na década de 1990, foi promulgada a LDB n. 9394/96, trazendo em seu Art. 37. “A
educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de
estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.”. A EJA foi reconhecida como dever
do Governo Federal, Estadual e Municipal e passou a ser uma modalidade da Educação Básica
nas etapas do Ensino Fundamental e Médio, com uma universalização do ensino fundamental
de qualidade, fortalecimento da cidadania e da formação cultural da população, com didática
adequada e com condições de vida e trabalho.
Em 10 de maio de 2000, foi promulgada as diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação de Jovens e Adultos, elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação. Segundo as
Diretrizes da EJA, a mesma tem como finalidade e objetivos o compromisso com a formação
humana e com o acesso à cultura geral. Para que assim, os educandos dessa modalidade
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aprimorem sua consciência crítica e tenham atitudes éticas e compromissos políticos para seu
desenvolvimento intelectual e social, agregando a afirmativa de sua identidade cultural.
Conforme encontra-se descrito no Art. 1º da Lei vigente:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida


familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,
nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais.
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente,
por meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.

Sendo assim, percebe-se que a educação de modo geral, e em especial a educação de


adultos e jovens aqui discutida, vem percorrendo um longo caminho histórico enquanto
processo de formação de homens e mulheres para o novo por meio da educação formal que leva
em conta os aspectos culturais, regionais, e dos quefazeres de autoconscientização por parte dos
envolvidos.

A educação como acontecimento humano é história não somente porque cada homem
é educado em determinado momento no tempo histórico geral – aquele em que lhe
cabe viver (historicidade extrínseca) – mas porque o processo de sua educação,
compreendido como desenvolvimento de sua existência, é sua própria história pessoal
(história intrínseca). (PINTO, 2007, p. 35).

Esse acontecimento humano de acordo com Aguiar e Machado (2016) versa sobre um
movimento que vai além de simples sucessões cronológicas de fatos, ainda segundo as autoras
a historicidade:

Trata-se de um movimento determinado por relações de forças dialeticamente


articuladas, as quais se constituíram no decurso da existência cotidiana dos
acontecimentos, muitas vezes, triviais, comuns, mas constituídos pela totalidade
histórica, entendida sempre como em movimento, como própria de um período
determinado (2016, p.264).
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Em 9 de Janeiro de 2001, a Educação de Jovens e Adultos foi incluída no Plano


Nacional de Educação (PNE), aprovada e sancionada pelo Governo Federal (BRASIL, 2001).
Numa perspectiva ética da sua existência, a referida modalidade de ensino, tal como inscrita na
Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, compreende algo muito mais
amplo do que o pagamento de uma dívida social com àqueles que foram de alguma forma
impedidos de estudar ou darem continuidade aos seus estudos tanto no ensino fundamental
quanto no ensino médio na idade adequada. A EJA é uma retomada dos acontecimentos rumo
a novos movimentos.

Partindo do pressuposto que a Educação Popular tem na sua essência político-


pedagógica o avanço da consciência crítica organizativa das classes populares para o
exercício do poder, é necessário um processo de educação com intencionalidade
concreta e planejada, que parte da realidade dos sujeitos, mulheres e homens
envolvidos e que seja construído coletivamente. Logo, uma educação para fomentar a
articulação e a mobilização para organização e transformação social não existe fora
da luta popular, que por sua vez, é a própria Educação Popular na sua aplicabilidade.
Neste sentido, a concepção de formação e organização de uma ação na perspectiva da
Educação Popular exige coerência epistemológica, construção coletiva e respeito aos
diferentes saberes. (BRASIL, 2014, p.34).

A Educação de Jovens e Adultos sendo uma Educação Popular avança em sua


essência, implica em um processo intencional para que as funções que lhe cabem sejam capazes
de reparar, equalizar, e favorecer uma educação permanente de modo democrático que
incorpore a riqueza sociocultural como espaço conscientizador do sujeito, e que este seja o
protagonista do seu processo educativo com possibilidades de continuar seus estudos no âmbito
do Ensino Superior no país.

A Educação de Jovens e Adultos no Brasil e sua relação com Psicologia Social


Comunitária

A origem da Psicologia Comunitária enquanto prática vai ao encontro da


regulamentação da profissão de psicólogo(a) no Brasil, fato este que ocorre em 1962
(SCARPARO; GUARESCHI, 2007; FREITAS, 2013; FERRARINI et al., 2016). Adicionado
à regulamentação da profissão de psicólogo(a) são reconhecidas e inseridas ao currículo dos
cursos de graduação em Psicologia as disciplinas de Psicologia Social e de Psicologia
Comunitária. Embora esta última estivesse presente, padecia com a influência ideológico do
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Estado e ocupava-se da ampliação de técnicas que possibilitavam a manipulação de massas.


Esta disciplina, ao contrário da primeira, não tinha caráter de obrigatoriedade (GUARESCHI,
2007; RAMOS; CARVALHO, 2008; FERREIRA, 2010; SAWAIA, 2013; SCARPARO;
LANE, 2013). De acordo com Freitas (2012), a PSC só ganha caráter de obrigatoriedade no
Brasil quase 30 anos após a criação dos cursos de psicologia no país.

Em verdade, a Psicologia Social Comunitária (PSC) passa a compor, efetivamente, os


currículos de formação de modo constante e obrigatório, a partir da década de 1990.
Ou seja, no Brasil, quase 30 anos após a criação dos cursos de psicologia é que a
disciplina —psicologia comunitária ou psicologia social comunitária— sai do
ostracismo e marginalidade, passando a integrar oficialmente o processo formativo
dos futuros psicólogos. (FREITAS, 2012, p.4).

Embora os conceitos presentes na Psicologia Social Crítica e na Psicologia


Comunitária apareçam com maior evidência, a PSC ainda se depara com obstáculos no que
tange a Psicologia tradicional pautada no modelo de escuta clínica e da prática individualista
desvinculada da dinâmica histórico-cultural (FERRARINI et al., 2016).
Aquilo que foi produzido na área da psicologia enquanto pesquisas nesse período
histórico abordava expectativas voltadas à profissão de psicólogos e psicólogas. Os afazeres de
psicólogos e psicólogas ia ao encontro das práticas do atendimento clínico individual, da
avaliação psicológica, do atendimento educacional, bem como do recrutamento profissional, ou
seja, a prática de psicólogos e psicólogas adaptava-se às necessidades políticas e econômicas
do regime ditatorial militar vigente (SCARPARO; GUARESCHI, 2007).
É bem verdade, que as práticas mencionadas mais tinham relação com a Psicologia
Social norte-americana, o que implicava na ausência de respostas à realidade social brasileira
(PRADO, 2002; GONÇALVES; PORTUGAL, 2012), que possuía particularidades
econômicas, políticas, sociais, culturais e históricas de modo geral díspares da população norte-
americana, principalmente a população em condição de miséria e de vulnerabilidade
(GONÇALVES; PORTUGAL, 2012).
Diante do contexto em que viviam, psicólogos e psicólogas de modo individual
passaram a questionar a si mesmos, trazendo para o debate reflexões sobre seu papel junto à
população de modo geral, que se encontrava submersa em um cenário de repressão e violência.
Psicólogos e psicólogas passaram a se organizar e procurar desenvolver ações junto à
população. Esse período de conscientização por parte dos psicólogos e das psicólogas levou-
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os a enxergarem suas práticas voltadas à Psicologia Comunitária como uma maneira


relativamente cautelosa de militância política (PRADO, 2002; GONÇALVES; PORTUGAL,
2012; LANE, 2013).
Esse processo desponta interesses antagônicos, de um lado o governo aprova o uso de
técnicas e procedimentos da psicologia comunitária com forte cunho assistencial e manipulativo
sobre a população, de outro lado os/as psicólogos(as) comunitários passam a se interessar em
atender uma parcela da população que se encontrava desassistida. A principal característica
nesse contexto era, portanto, o assistencialismo (SCARPARO; GUARESCHI, 2007; SOUZA;
SOUZA FILHO, 2009; LANE, 2013).
Os movimentos comunitários que surgiram no Brasil ao longo das décadas de 1960 e
1970, como, por exemplo, os movimentos de educação popular, tendo Paulo Freire como
precursor nessa prática; as Comunidades Eclesiais de Base, bem como os movimentos na área
da saúde mental, possibilitaram que alguns psicólogos e psicólogas se envolvessem e se
aliassem aos mesmos, desenvolvendo atividades em comunidades tendo como intenção a
conscientização da população (FREITAS, 2007; MARTÍN-BARÓ, 2009; GONÇALVES;
PORTUGAL, 2012; LANE, 2013; CAMPOS, 2014).
Aqueles movimentos diretamente ligados a educação popular encontraram força na
Constituição brasileira, na qual a educação aparece como direito de todos e dever do Estado e
da família, ainda nesse sentido é estabelecido que a mesma será promovida e incentivada com
a cooperação da sociedade, objetivando ao pleno desenvolvimento da pessoa, sua preparação
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Somado aos aspectos
apresentados, a educação básica passa a ser obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurando inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não
tiveram acesso na idade adequada (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012).
A PSC tem papel fundamental na concretização daquilo que é em Lei estabelecido, no
que tange a oferta da EJA, sua prática, seus contextos e cenários. A promoção da verdadeira
educação tem relação direta com a dignidade humana e, se por uma lado vai de encontro com
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, bem
como a educação ocultada por uma generosidade traidora, sem o verdadeiro objetivo de
transformar, por outro lado vai ao encontro daquela educação comprometida com a libertação.
A EJA merece ser uma educação embasada na pedagogia do oprimido, que de acordo
com Freire (2005, p.45) busca restaurar a intersubjetividade do Homem, e, “somente ela, que
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anima de generosidade autêntica, humanista e não ‘humanitarista’, pode alcançar este objetivo
sendo a PSC forte aliada da EJA nesse aspecto. Pelo contrário, a pedagogia que partindo dos
interesses egoístas dos opressores, egoísmo camuflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos
objetos de seu humanitarismo, mantém e encarna a própria opressão.” Sendo assim é
desumanizadora.
De acordo com Sampaio (2009) aqueles que na área da educação trabalham com
pessoas da EJA, devem conhecer a trajetória da educação de adultos e jovens e a narrativa das
lutas do povo brasileiro no que tange os movimentos sociais, perfilhando que esse público
solicita especial atenção. Ainda hoje, buscar refletir sobre as práticas relacionadas a Educação
de Jovens e Adultos no Brasil e tentar detectar possíveis conexões com outros campos de
intervenção social, é além de uma tarefa necessária ao mesmo tempo desafiadora (FREITAS,
2007).

A Educação de Jovens e Adultos na direção da educação superior

A EJA detentora de finalidade e funções específicas, em meio a uma sociedade


predominantemente grafocêntrica, voltava-se a questão da leitura e escrita por parte dos adultos
e jovens que não aprenderam a ler e escrever na idade apropriada. Desde 1925 propostas de
alfabetização para esse público vêm sendo desenvolvidas. Avanços ocorreram, no entanto, a
dívida social não pode ficar atrelada apenas ao fato de jovens e adultos não terem se apropriado
da leitura e escrita na idade adequada e por este motivo têm afetados suas condições de vida e
trabalho.
Tais propostas devem ir além disso, principalmente porque quando falamos de
educação escolar, essa compreende um arcabouço mais complexo e amplo no qual leitura e
escrita fazem parte, porém são elas mesma bases para que o sujeito continue a aprender. Tendo
em vista que de acordo com Camargo e Bulgacov (2008, p.472) “A aprendizagem é um
processo ativo por parte do sujeito, podendo ser compreendida como um sistema de atividades
cuja realização conduz a pessoa a novos conhecimentos, novos hábitos, em que os
conhecimentos e hábitos anteriores adquirem novas qualidades.”.
De acordo com Freitas (2007, p.49) “os trabalhos de intervenção psicossocial devem
levar em conta a rede de tensões presente na construção de interações mais comunitárias e
solidárias que se iniciam no cotidiano das relações e são atravessadas por ações formativas e
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educativas.” Ações essas que de forma interdisciplinar favorecem o processo de


conscientização dos envolvidos no processo.
Uma alfabetização conscientizadora ultrapassa o ler e escreve e aponta possibilidades
de continuidade dos estudos, devendo proporcionar ao educando o acesso a graus mais elevados
da educação, numa constante leitura do mundo (FREIRE; MACEDO, 2011). A educação carece
de uma continuidade não só na escola, mas também e principalmente fora dela. Praticar a
releitura do mundo e do processo educativo é reconhecer a incompletude das pessoas, no
entanto esse reconhecimento permite a continuidade do processo de descoberta e admiração
daquilo que se é conhecido.
Encontra-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, as seguintes
funções da EJA: Função Reparadora, Função Equalizadora, Função Permanente que pode ser
chamada de Qualificadora. A Função Reparadora além da entrada no circuito dos direitos civis
pela restauração de um direito negado, aquele de uma escola de qualidade, compreende também
o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano (BRASIL,
2013).
Já a função Equalizadora busca dar cobertura aos trabalhadores e a outros segmentos
sociais, ou seja, visa a reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção
forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas dessemelhantes oportunidades de
permanência ou outras condições antagônicas. Finalmente a Função Permanente ou
Qualificadora que visa propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida, mais
do que uma função ela é o sentido próprio da EJA, é um apelo para a educação permanente.
Dessa forma essa modalidade de ensino, a EJA, engloba na sua totalidade o
compromisso com a formação humana e com o acesso à cultura geral, de modo que os
educandos aprimorem sua consciência crítica, e adotem atitudes éticas e compromisso político,
para o desenvolvimento da sua autonomia intelectual, pois cada indivíduo é ao mesmo tempo
educador e educando de sua realidade social. E, enquanto autônomos percebam-se capazes de
prosseguir seus estudos e buscar sua vaga na educação superior indo ao encontro do que se
aplica na Função Permanente ou Qualificadora da EJA.
De acordo com Freire (2011) “quanto mais criticamente se exerça a capacidade de
aprender, tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando ‘curiosidade
epistemológica’, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto” (p.27). Promover
a educação ao longo da vida é exercer a criticidade, é reconhecer a incompletude do Ser
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humano, como também reconhecer a sua competência de aprender e por isso mesmo despertá-
la sempre, esclarecendo sua consciência do inacabado.
Esse processo contínuo de completude é dialógico, e por isso mesmo a participação do
outro é fundamental. Nessa concepção de Ser incompleto, surge à necessidade de desvendar o
novo, e a partir daí modificar a realidade social que por um lado não deve ser aceita como algo
natural, por outro lado, deve ser entendida como histórica e cultural, e por isso mesmo
admissível de intervenção e transformação. Segundo Freire (2011, p. 20) o ser humano
enquanto “presença no mundo, com o mundo e com os outros” não é determinado e sim
condicionado, consciente desse estado se torna capaz de descortinar as possibilidades que o
levem a exercer uma aprendizagem crítica que não acaba enquanto não se chega ao fim.

Considerações Finais

Sendo assim, a relação da Psicologia Social Comunitária com a modalidade de ensino


Educação de Jovens e Adultos, pode vir a ser uma direcionadora do processo educativo no que
se refere a continuidade dos estudos por parte de adultos e jovens na medida em que os mesmos
concluem a educação básica nesta modalidade e manifestam o interesse em realizar um curso
no nível superior de educação.
A contribuição da Psicologia Social Comunitária para que o educando dessa
modalidade prossiga com seus estudos no nível superior de educação, se depara com obstáculos
no que tange a superação por parte dos sujeitos envolvidos visando romper com a prática
educativa desvinculada da dinâmica histórico-cultural. Embora seja um desafio para educandos
e educandas, a educação superior para o público da EJA encontra possibilidades de se
concretizar, e contribuir para a transformação social e comunitária da realidade dos sujeitos
partícipes desse processo.

REFERÊNCIAS

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