Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O
ensino de matemática a pessoas com saber somar envolve habilidades como adicionar
Deficiência Intelectual exige, inicial- quantidades, agrupar, formar conjuntos maiores a
mente, uma breve reflexão em torno partir de conjuntos menores, identificar o símbolo
das seguintes questões: o indivíduo com da adição, identificar situação em que adicionar é o
limitações cognitivas pode aprender matemática? comportamento-chave para a solução de um dado
Qual matemática deveria ser ensinada? Quais os obje-
tivos do ensino da matemática?
A primeira questão remete à noção de que a con-
dição de Deficiência Intelectual não pode ser confun-
dida com incapacidade para o aprendizado e, nesse
sentido, não seria adequado afirmar que a Deficiência
Intelectual seria um impedimento à aprendizagem da
matemática. Mas qual matemática deveria ser ensinada?
Uma matemática que sirva como ferramenta nas ativi-
dades cotidianas e na solução de problemas. Seria mais
apropriado nos referirmos a conceitos e habilidades
matemáticas, uma vez que aprender conceitos e exer-
citar habilidades numéricas é parte integrante do que
é conhecido por “numeralização”. Uma pessoa “nume-
ralizada” deve ter o domínio do sistema numérico e ser
capaz de realizar operações aritméticas básicas e aplicar
esse conhecimento a situações cotidianas. O objetivo do
ensino da matemática, portanto, deve ser o de estabele-
cer um repertório apropriado à aplicação de ferramentas
conceituais da matemática a situações práticas.
O que se segue é um corolário de um programa
básico de ensino de conceitos e habilidades matemáti-
cas contendo dois aspectos fundamentais: 1) os prin-
cípios educacionais para um ensino eficaz; 2) unida-
des curriculares de ensino.
problema etc. Desse modo, não bastaria dizer que é crucial para se avaliar a aprendizagem da conta-
o aluno sabe somar, seria necessário dizer o quanto gem. Assim, diante de uma coleção com sete car-
ele sabe somar (ou seja, quais aspectos envolvidos na rinhos, o aluno começa a contar os carrinhos um
soma ele já domina). a um e, ao final, indica que há sete carrinhos; 4)
produzir a relação termo a termo, independen-
• Elaborar unidades pequenas de ensino. temente da ordem da contagem dos elementos,
Uma unidade de ensino se constitui na des- ou seja, o aluno deverá compreender que poderá
crição de um repertório simples a ser ensinado. iniciar a contagem a partir de qualquer elemento
Por exemplo, a contagem é um repertório com- da coleção e seguir qualquer ordem, desde que
plexo e fundamental para a aquisição de soma a produção da relação termo a termo seja res-
e subtração. Contar envolve seis habilidades: 1) peitada. Diante da coleção de bonecas, poderá
produzir uma sequência verbal numérica estável iniciar a contagem a partir da boneca do meio
(um, dois, três, quatro...); 2) relacionar termo a e seguir para esquerda, para a direita ou numa
termo cada membro da sequência verbal numé- ordem aleatória qualquer, desde que não repita
rica a um e somente um elemento de uma cole- elementos e não omita ou duplique uma dada
ção. Ao contar, o aluno deve relacionar o um a palavra-número; 5) generalizar a relação termo a
um elemento específico, o dois a um segundo termo para qualquer tipo de elemento; 6) agru-
elemento, e assim por diante, não repetindo ele- par os elementos a partir de um critério arbitra-
mentos e nem relacionando a palavra-número a riamente definido. Por exemplo, a cada cinco ele-
mais de um elemento; 3) identificar que o último mentos contados produz-se um pequeno traço
elemento contado representa a quantidade total vertical no caderno; assim, se ao final da conta-
de elementos da coleção, desde que a relação gem tivermos três traços verticais, saberemos que
termo a termo tenha sido produzida adequada- foram quinze os elementos contados.
mente. Essa habilidade, chamada de cardinação,
• Aumentar gradativamente as exigências de
aprendizagem.
Para que a aprendizagem de um repertório seja
estabelecida, é necessário que o ensino garanta duas
condições fundamentais: 1) iniciar com etapas fáceis
e que garantam o sucesso do aluno; 2) passar para
etapas um pouco mais elaboradas à medida que o
aluno demonstre ter adquirido suficiente segurança
na etapa mais simples; 3) garantir pré-requisitos e
correquisitos à aquisição de um dado conceito ou
habilidade. Seria extremamente difícil para um aluno
a aprendizagem do conceito de número sem a garan-
tia prévia de que já adquiriu a noção de conservação
de quantidades, ou seja, sem o entendimento de que
a quantidade de elementos de uma coleção se man-
tém estável mesmo quando sua distribuição espa-
cial sofre variações. A programação de ensino deve-
ria, portanto, garantir uma aprendizagem gradual de
repertórios que se conectam.
Por unidades curriculares de ensino, nos refe- tornam gradativamente complexo o conceito
rimos às etapas de aquisição de conceitos e habi- de número, o qual passa a ser utilizado em dife-
lidades matemáticas básicas que podem fazer rentes situações cotidianas. A casa de número
parte de uma programação de ensino de matemá- 3, a 3ª casa, 3 dúzias de bananas, 33, 303, são
tica para indivíduos com Deficiência Intelectual. exemplos de que o numeral 3 pode assumir
A proposta apresentada a seguir decorre de diver- diferentes funções, a depender do contexto.
sas experiências de aplicação de tecnologias de
ensino. Sua característica é a apresentação de uni- Unidade 3: Produção de
dades pequenas que garantem a aprendizagem de sequências numéricas
repertórios simples e, progressivamente, vão se Nesta unidade, está previsto o ensino de pro-
tornando mais complexas. dução de sequências numéricas envolvendo
numerais cardinais, tanto na ordem crescente (1,
Unidade 1: Habilidades pré-aritméticas 2, 3, 4,..) quanto na sequência decrescente (...4, 3,
Nesta unidade de ensino, estão previstas as 2, 1). Outra importante habilidade é a produção
habilidades gerais que formam a base para a apren- de sequência numérica envolvendo numerais ordi-
dizagem da aritmética: noções de maior/menor, nais em ordem crescente (1º, 2º, 3º...). Para essas
mais/menos, grande/pequeno, primeiro/último, habilidades, já foram contemplados os requisitos
antes/depois, início/meio/fim, perto/longe. Além fundamentais nas unidades anteriores, de forma a
dessas habilidades, é relevante o ensino de dis- poder facilitar a aquisição da produção de sequên-
criminação de numerais de 1 a 10, quantidades cias numéricas.
de objetos de 1 a 10, conservação de quantida-
des discretas e de quantidades contínuas, equi- Unidade 4: Produção de
valência numeral-quantidade e equivalência conjuntos e subconjuntos
quantidade-quantidade. Nesta unidade, o aluno já está com pré-re-
quisitos bem estabelecidos para começar a apren-
Unidade 2: Conceito de número der como formar agrupamentos. Unir conjun-
O conceito de número é entendido como tos, separar subconjuntos, identificar novos
uma rede de relações equivalentes entre nume- conjuntos com base em algum atributo comum
rais e quantidades. Numerais, quantidades cor- são comportamentos fundamentais e que prepa-
respondentes e palavras-número faladas passam rarão o aluno para a aprendizagem de soma e sub-
a fazer parte de uma só classe, de tal forma que, tração. A formação de conjuntos e subconjuntos
por exemplo, o numeral 3, três bolinhas e a pala- se dá com base em atributos físicos (por exemplo,
vra-número “três” se referem ao mesmo evento os objetos azuis, os carrinhos de madeira etc.) ou
numérico. O conceito de número aqui referido com base em atributos arbitrariamente definidos
envolve o que se chama comumente de “núcleo do (por exemplo, o conjunto de brinquedos, o con-
conceito de número”, ou seja, as relações de equi- junto de materiais escolares, cada um comparti-
valência entre numeral e quantidade. lhando uma função em comum).
A partir da aprendizagem das relações com-
ponentes do núcleo do conceito de número, Unidade 5: Contagem
outras habilidades poderão ser conecta- A contagem, conforme apresentado anterior-
das, como a ordenação cardinal e ordi- mente, é uma habilidade complexa que envolve a
nal de numerais. Essas novas habilidades aquisição da cardinação, isto é, da capacidade de
LEITURA RECOMENDADA
COHEN, L.B.; MARKS, K.S. How infants process addition and subtraction events.
Developmental Science, v. 5, n. 2, p. 186-212, 2002.
ESCOBAL, G.; ROSSIT, R.; GOYOS, A.C.N. Aquisição de conceito de número por
pessoas com Deficiência Intelectual. Psicologia em Estudo, v. 15, p. 467-475, 2010.
GREEN, G. A tecnologia de controle de estímulo no ensino de equivalências número
quantidade. In: CARMO, J.S.; PRADO, P.S.T. (Orgs.) Relações simbólicas e aprendizagem
da matemática. Santo André, SP: ESETec, 2010. p. 159-172.
HAYDU, V.B.H.; COSTA, L.P.C.; PULLIN, E.M.M.P. Resolução de problemas
aritméticos: efeito de relações de equivalência entre três diferentes formas
de apresentação dos problemas. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 19, n. 1,
p. 44-52, 2006.
PRADO, P. S. T.; De ROSE, J. C. Conceito de número: uma contribuição da
análise comportamental da cognição. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 15, n. 3,
p. 227-235, 1999.
ROSSIT, R.A.S. Matemática para deficientes mentais: contribuições do paradigma
de equivalência de estímulos para o desenvolvimento e avaliação de um
currículo. 2003. 85 f. Tese (Doutorado em Educação Especial) – Centro de
Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.