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Comunicação
Andrea Cristina Versuti e
Gilberto Lacerda Santos
(Organizadores)
EDITORA
Copyright © 2018 by VIVA Editora
Projeto Gráfico
Leonardo Santos
Revisão
Débora Diersmann Silva Pereira
ISBN:
CDU: 37:004
Realização:
Educação, Tecnologias e
Comunicação
Andrea Cristina Versuti e
Gilberto Lacerda Santos
(Organizadores)
Capitulistas
Amaralina Miranda de Souza
Andrea Cristina Versuti
Carlos Alberto Lopes de Sousa
Cláudia Linhares Sanz
Daniella de Jesus Lima
Gilberto Lacerda Santos
Lídice de Souza
Luis Paulo Leopoldo Mercado
Lucio França Teles
Noeli Batista dos Santos
Paloma Antón Ares
Tiago Ferreira
SUMÁRIO
Apresentação....................................................................................................... 07
Transmidiação e Educação.................................................................................36
Andrea Cristina Versuti, Daniella de Jesus Lima e Luis Paulo Leopoldo
Mercado
Lídice de Souza
Pedagoga formada pela Faculdade de Educação, Universidade de Brasília,
integrante do Projeto Alumiar
Tiago Ferreira
Graduando de Pedagogia pela Faculdade de Educação, Universidade de
Brasília, integrante do Projeto Alumiar
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A Imagem como campo de disputa
81
(BRUNO, 2013) – corrobora também à instalação de novas condições de
possibilidades para o conhecimento e, em consequência, para a educação1.
Como Joe Kincheloe e Steinberg (2001, p. 34) percebem, as transformações
vividas na sociedade contemporânea abalam as noções tradicionais da
infância e da juventude e, por consequência, também “as bases conceituais,
curriculares e gerenciais sobre as quais os ensino foi tradicionalmente
organizado.” Lembrando a epígrafe benjaminiana deste texto, as imagens
que nos são sincrônicas não são apenas produto de nossa época, não apenas
assumem a potência catalisadora de absorver nosso momento histórico; elas,
simultaneamente, “determinam” nossa época, agem sobre ela, alterando,
inclusive, nossa percepção2.
1
Sobre a relação entre educação, visibilidade e vigilância na sociedade contemporânea, ver Sanz (2015).
2
“Todo presente é determinado por aquelas imagens que lhe são sincrônicas: todo agora é o agora de uma determinada cog-
noscibilidade.” (BENJAMIN, 2006, p. 504).
82
mais, o indivíduo contemporâneo se apoie nas imagens não apenas para
se relacionar, mas também para criar suas narrativas de si: como nunca
anteriormente, “ser é ser visto.” (SIBILIA, 2008).3
3
Como observa Sibilia (2008, p. 235), “O rebento que surgiu dessa metamorfose é, acima de tudo, uma subjetividade que
deseja ser amada e apreciada, que busca desesperadamente a aprovação alheia, e para tanto procura tecer contatos e relações
íntimas com os outros. Este tipo de sujeito ‘vive numa casa de vidro, não por trás de cortinas de renda ou de veludo’, constata
benjaminianamente o sociólogo norte-americano (Richard Sennett). Pois sob o império das subjetividades alterdirigidas, o que
se é deve ser visto — e cada um é aquilo que mostra de si. [...] Essa carência denota o crescente valor atribuído ao mero fato de
se exibir, de ser visível mesmo que seja na fugacidade de um instante de luz virtual, e mesmo que não se disponha de nenhum
sentido para apoiar e nutrir essa ambição.”
83
(FOUCAULT, 1997). Significa, ainda, aprofundar a tomada de consciência do
pedagogo diante da realidade atual, abarcando em sua formação uma ampla
gama de aspectos voltados à formação de um indivíduo autônomo e crítico,
incluindo os aspectos éticos, políticos e estéticos que circunscrevem a cultura
audiovisual contemporânea. Nesse sentido, trata-se de discutir, a partir do
debate sobre as imagens, as regras segundo as quais, hoje, se pode ver.
Por outro lado, não basta sermos capazes de discutir e analisar o regime de
visibilidade atual – compreendendo, por exemplo, como ele está vinculado
ao consumo e a uma visão corporativa da infância. Estando todos submersos
nesse regime, é necessário, ainda, sermos capazes de subvertê-lo também
com a imagem; de entrever outros sentidos para as narrativas imagéticas,
outras temporalidades de comunicação e circulação da imagem, fora (quem
sabe) do âmbito do consumo e do excesso, fora do “empresariamento do
sujeito” e da performance instituída pela sociedade do espetáculo.4 De fato,
o campo da educação se vê, atualmente, diante de uma dupla exigência: lidar
criticamente com a realidade concreta da cultura da imagem, mas sobre ela
também exercer uma prática transformadora, como pensava Paulo Freire
(1975, p. 51). O campo é, assim, convocado a formular posicionamentos
analíticos, mas também criativos, diante dessas novas condições perceptivas
e epistêmicas. Como avaliou Kellner (2001, p. 154), “se nossa cultura é cada
vez mais uma cultura da mídia, então a educação da mídia deve ser uma parte
importante da educação geral.” Isso não significa simplesmente desenvolver
um modo crítico de análise: a formação humana na sociedade atual, em
suas circunstâncias históricas, exige da educação em particular profundas
reformulações – tanto para abrigar uma crítica à cultura da imagem quanto
para estabelecer outra dinâmica de produção, circulação e afetação das
imagens.
4
Para discutir as relações entre o empresariamento do sujeito e as imagens contemporâneas, ver Sanz (2015).
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por eles em instituições escolares.5 Avaliamos aqui, primeiro, como o gesto
de ler criticamente as narrativas midiáticas possibilita alterar o lugar da
recepção das imagens, qualificando crianças e jovens diante do atual regime
de visibilidade. Ao suspender e interrogar os quadros de interpretação
produzidos nos discursos midiáticos, os alunos entendem melhor os meios
pelos quais eles próprios consomem e investem afetivamente na mídia; além
disso, também vivenciam um exercício de reescrita, criando outras relações e
associações entre imagem e discurso.
Quando a mídia faz um recorte, tira o nome, tira a idade, o lugar de moradia...
ela faz um recorte e a humanidade se torna uma imagem cristalizada. A partir
dele, você não consegue perceber aquele ser humano como filho de alguém,
irmão, primo que era amado, que amava alguém e cometeu um crime, ou
cometeu um roubo, assassinato, homicídio. Você não consegue perceber se
essa pessoa tinha um problema mental, se estava numa situação de miséria
[...] o recorte invisibiliza o processo de vulnerabilidade que ele se encontrava.
Você vê aquela pessoa como cristalizada [...] e diante da velocidade das
informações você não consegue refletir. (NOGUEIRA apud ALUMIAR, 2017, p.
44).
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complexidade dos processos sociais. Claramente, não se trata apenas das
imagens veiculadas pela “mídia”, mas de um regime da qual elas fazem parte
– regime que, apesar de ser heterogêneo, constituído por imagens de todo
tipo (amadoras, científicas, publicitárias, artísticas, jornalísticas, para citar
algumas), articula-se, entretanto, numa temporalidade bastante homogênea,
na temporalidade sempre atualizada do tempo real. É essa relação – entre as
narrativas imagéticas e os tempos em que circulam – que parece caracterizar
as condições perceptivas da atualidade. São as “máquinas de visão”
contemporâneas, em suas formas hiperdesenvolvidas, desempenhando,
portanto, papéis cruciais na imposição de uma experiência cada vez mais
breve, que introduz, paradoxalmente, uma progressiva “invisibilidade”. Como
observa Jonhathan Crary (2014, p. 43), o conhecido e perpetuamente disponível
cardápio de solicitações e atrações da rede instaura uma temporalidade
24/7, que “incapacita a visão por meio de processos de homogeneização,
redundância e aceleração.”
Como, então, ler nossas imagens criticamente nessa enxurrada que nos
intercepta diariamente? Como auxiliar o sujeito a lidar com esse excesso de
informação?
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Como avalia a pensadora Marie-José Mondzain (2013), a invasão do planeta
por esse imperialismo visual reduz a reflexão crítica e a tomada da palavra
a um estado de letargia, espécie de entorpecimento, estado de fascinação –
fenômeno que coloca a imagem no cerne da preocupação que temos com a
salvaguarda de nosso pensamento.
Trata-se de uma parada diante de cada imagem, capaz também de nos fazer
pensar a articulação entre várias imagens como discurso, como narrativa
que nos informam, mas também nos formam. É o que percebe o próprio
pedagogo João Nogueira, ao trabalhar em sala com imagens: “quando
você cruza as imagens com conceitos, os adolescentes tomam um choque
e se perguntam o porquê. E aí esse porquê vem do processo de reflexão.”
(ALUMIAR, 2017a, p. 45). Em sua avaliação, o trabalho pedagógico pode
alterar o lugar da recepção das imagens. Os jovens, então, passam a ver as
imagens de outro jeito. Foi o que aconteceu quando trabalhava com alguns
adolescentes que cumpriam medidas socioeducativas de internação no antigo
Centro de Atendimento Juvenil Especializado de Brasília, o CAJE.6 Juntos,
alunos e professor assistiram aos telejornais do horário de almoço, aqueles
que apresentam picos de audiência da população local. A partir das imagens
dos noticiários, os adolescentes notaram como eles próprios incorporavam o
discurso produzido “por outros”, posto que acusavam seus pares pela mesma
lógica com que a mídia os acusava. Rever as imagens, deslocar as narrativas,
foi um modo de ver (no sentido mais profundo do termo). Como relata o
6
Centro de Atendimento Juvenil Especializado (CAJE), instituição desativada em 2014. A oficina “Seu olhar modificado pela
arte” foi ministrada pelo professor João Nogueira entre os anos de 2011 e 2013.
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professor, quando, de fato, “viam”, os adolescentes se davam conta de que o
discurso que repetiam – falava sobre eles mesmos: “poxa, eu fui essa notícia.”
(ALUMIAR, 2017b, p. 43).
7
Nos referimos aqui acerca da oficina “A imagem no rolê: mídia, juventude e cidade”, realizada no Centro de Ensino Médio Asa
Norte, Brasília, durante 2016. Em encontros semanais para exercícios de leitura e produção de imagem, os alunos debateram
acerca do mundo midiático contemporâneo e experimentaram escrever suas próprias histórias, a partir de imagens. Luciana
Miranda Gomes de Queiroz (FE/UnB), Ana Beatriz Messias (FE/UnB), João Nogueira da Silva (SEE-DF), Leonardo Fernandes (IDA/
UnB), Luan Amoras de Morais e Silva (FE/UnB) e Thayane de Castro Santos (IDA/ UnB) ministraram essa oficina, ao fim da qual
os alunos realizaram coletivamente o vídeo Olhando no espelho, disponível em: <https://wordpress.com/stats/day/lavfeunb.
wordpress.com>.
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automáticas entre as imagens (das revistas e das propagandas) e os conceitos
que os alunos repetiam. A dinâmica, seguida de conversa e troca de olhares,
suspendia – por alguns instantes – a imediatez das associações e fazia alunos
e educadores refletirem acerca do valor simbólico das narrativas imagéticas.
Como trata o educador Luan Silva (ALUMIAR, 2016, p. 43):
não era qualquer narrativa, mas uma narrativa bibliográfica. Essa dinâmica me
marcou bastante, porque a maioria dos alunos escolheu mulheres brancas de
olhos claros, magras e etc. Ou seja, eles repetiam padrões estéticos europeus
que pareceriam os representar [...] Isso me marcou muito, pois, para mim, a
questão racial foi particularmente difícil de superar. Durante muito tempo da
minha infância tive vergonha de não ser branco. Esse dia, então, me lembrou
muito minha infância. Mas, apesar de ter saído um pouco abalado da aula,
as construções críticas dos alunos após a oficina e o debate foram muito
gratificantes.
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Certamente, o deslocamento entre imagem e “identificações indiscutíveis”
pode acontecer a partir de várias estratégias pedagógicas. De qualquer forma,
importa aqui constituir entre alunos e professores, uma partilha do olhar,
algo que – pela imagem – exige tempo, uma parada; exige também a partilha
da palavra, o diálogo.8 Assim, no movimento de avaliar as engrenagens e
contradições da imagem da propaganda e da mídia, crianças e jovens,
convidadas a isso vão se constituindo como sujeitos capazes de dialogar com
outras imagens e narrativas que circulam no cotidiano. Como constata Jobin
(2016, p. 209):
8
De acordo com Bruno, “só se pode ver junto, em comum, o de que se pode falar junto” (BRUNO, 141). Sobre a partilha do
visível ver também Mondzain (2015).
9
O trabalho na Escola Classe Sonhém de Cima, em Sobradinho, região rural da Fercal, foi desenvolvido em 2015 e 2016, com
equipes diferentes. Em ambos os períodos, o projeto formulou princípios pedagógicos para sua atuação partir da articulação
pesquisa-ensino-extensão, elaborando e realizando um programa de atividades semanais constituído por planos de ensino,
avaliações constantes e debates coletivos semanais na UnB. As oficinas foram pensadas de maneira interdisciplinar, utilizando
fontes variadas, como fotografias, filmes, imagens literárias, além de fornecer elementos da história das imagens técnicas. O
trabalho foi desenvolvido, em 2015, por Aluízio Augusto Carvalho Santos (FE/UnB); Juliana Almeida (FE/UnB); Jéssica Mamede
(FE/UnB); Lídice Souza (FE/UnB); Luciana Miranda Gomes de Queiroz (FE/UnB) e Natália de Oliveira Silva (FE/UnB); no primei-
ro semestre de 2016 por Aluizio Augusto Carvalho Santos (FE/UnB); Fernanda Fernandes Muniz (FE/UnB); Flaésio Pereira da
Silva Júnior (FE/UnB); Helena Nisa da Rosa (FE/UnB) e Natália de Oliveira Silva (FE/UnB); e no segundo semestre de 2016 por
Ana Beatriz Messias (FE/UnB); Helena Nisa da Rosa (FE/UnB); Lídice Souza (FE/UnB) e Tiago Cruz (FE/ UnB).
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ver. Decidida a perspectiva, os alunos colavam o retângulo e retiravam todo o
excesso (tudo que tinha ficado de fora da moldura). Todas as “fotografias” (de
uma única fotografia) eram coladas na parede. E, então, escreviam um título
para a foto ou um pequeno texto.
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trabalho, as crianças foram se sentindo representadas, acolhidas em suas
especificidades e aprenderam a ler as imagens e a identificar o que essas
histórias querem nos contar. E, o mais importante, o trabalho lhes possibilitou
criar novas imagens com novas perspectivas [...]. Quando uma aluna negra
escolheu a foto de uma negra idosa e escreveu aquela legenda, ela estava
compreendendo e podendo dizer que sua ancestralidade é africana. Ela pôde
se identificar como parte do povo negro em diáspora e pôde dizer isso. Algo
muito diferente do que acontecia no início do semestre. Quando cheguei na
escola, estava eu, mulher negra, gorda, de cabelos crespos dentro de uma
escola onde os fenótipos das crianças se pareciam com os meus, mas a
identificação delas era com as minhas colegas brancas. No começo, minha
imagem causou estranhamento e curiosidade.
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de uma lógica da escrita, mas um campo de problematização e disputa de
sentidos, campo de negociação e conflito, e, também, um território próprio de
produção de saber. Assim, não falamos acerca de um aditivo tecnológico para
incrementar processos desencadeados por ciências consolidadas, mas de
uma metodologia: pensar as imagens como modos pedagógicos de conhecer
aquilo que não poderíamos conhecer senão pela imagem, com a imagem,
na imagem. Significa indagar, sobretudo, se, do ponto de vista pedagógico, a
imagem seria capaz de exercer sobre a imaginação uma marca que force o
pensamento à presença de algo que não pode ser dito com palavras.
mas um fotógrafo que não sabe ler suas próprias imagens não é pior que
um analfabeto?
Walter Benjamin (2006 p. 176)
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de mundo diferenciada do que eles tinham antes. Houve uma ampliação
significativa da visão de mundo deles.” De fato, é o que as próprias crianças
relatam: “eu comecei a observar muito mais as coisas por causa dessa aula da
UnB.” (Sonhém com a câmera na mão, 2016, 9:30 min).
Depois de levar suas câmeras para casa, deveriam voltar para o próximo
encontro com os educadores com uma imagem mental – aquela que não
gostariam de esquecer. Mas não eram somente as imagens que eles pareciam
não esquecer. Também o mistério da imagem invertida inquietou os alunos.
Um mistério compartilhado também em família, no bairro, no transporte, no
caminho de volta para a escola. E, assim, retornavam à sala de aula curiosos:
queriam saber por que a câmera construída por eles fazia o mundo rodar
de cabeça para baixo. Segundo o coordenador pedagógico da escola, Rafael
de Paula (PROJETO ALUMIAR, 2016, 1:37 min), a atividade “apaixonou” de tal
modo os meninos, que eles queriam aprender mais: “a gente, então, começou
uma aula de ciências inteirinha, numa sequência didática de 15 aulas, do
segundo ano do ensino fundamental, a partir desse projeto de imagem que
não era de ciência.”
10
A expressão “câmera obscura” deriva do latim e se traduz diretamente de “sala escura”. O aparelho óptico consiste em uma
caixa ou sala inteiramente escurecida com um pequeno orifício em uma das suas paredes. Os raios de luz passam por esta pe-
quena abertura e formam uma imagem invertida horizontal e verticalmente na parede da caixa oposta à do orifício. Há registros
de que a primeira menção desse dispositivo foi feita por Mo-Ti, filósofo e fundador do moísmo, em 400 a.C. Sobre a história da
câmera escura e sua importância na visualidade ocidental, ver Crary (1990).
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– nos processos formativos oferece uma gama de infinitas possibilidades ao
pedagogo. Depende, primeiro, da capacidade de o professor se apropriar dessas
linguagens e se tornar, ele próprio, um criador (criador de conhecimento).
Além disso, depende também de a formação do pedagogo estar voltada para
o desenvolvimento dessa qualidade criativa que o capacita a fazer conexões,
associações, quadros interpretativos para transformar o “experimento”
com as linguagens numa vivência significativa que produza sentidos (para
alunos e para o próprio educador). Nesse caso, não se tratava apenas de, a
partir do contato com o “primitivo da imagem técnica”, revisitar a história do
conhecimento, da técnica e, mais propriamente, da física. Não bastava apenas
indagar os conceitos ópticos implicados no “experimento” e, aprender com
ele, dados científicos. Todas essas questões eram fundamentais, mas não as
únicas. O que a caixa de papelão também propiciava era um “descolamento
do click digital”, do apertar automático característico do atual regime de (in)
visibilidade. Permitia, então, um distanciamento e, simultaneamente, uma
tomada mais consciente do ponto de vista de cada um. Permitia, finalmente,
o exercício de um gesto raro na atualidade, o da interrupção.
11
A atividade “a beleza que você vê” consistiu na distribuição de câmeras digitais compactas (não profissionais) aos 25 alunos
do quinto ano da escola Sonhém de Cima, com a proposta de que eles fotografassem, depois de terem passado pelas oficinas do
Alumiar sobre algumas noções básicas de fotografia (enquadramento, luz, perspectiva, foco, etc.). O material produzido deveria
ser feito a partir das belezas que individualmente eles viam em seu cotidiano; por isso levavam as câmeras para suas casas a fim
de materializar o olhar deles sobre o mundo com o auxílio da câmera. Como não havia câmeras para todos os alunos, eles se
organizaram em grupos e tinham cerca de três dias com a câmera para realizar a proposta, repassando para o outro colega en-
quadrar “suas belezas”. Com isso, foi possível desenvolver uma autonomia de organização do grupo que partia deles mesmos,
compartilhando além do material da atividade seus olhares sobre o mundo e suas belezas (Tiago Cruz, ALUMIAR, 2016: 58).
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vozes sobrepostas, na polifonia de seu texto, na montagem de seus planos,
nas sonoridades e nos silêncios do repertório visual. Mergulharam nos
modos de ver e falar que a imagem produz; nos seus modos de perceber e
de conhecer. Percorreram, assim, um território inteiramente diferente do que
estavam habituadas, território de experimentação do pensar.
Pequenos tesouros (“as belezas que só eles viam”) retornavam à escola como
breves narrativas acerca do mundo que eles viam, mas também do que eles
eram, da história que eles queriam contar, aquela que dificilmente seria
retratada pela mídia, pelo menos a partir da perspectiva que eles apresentavam.12
Não se trata aqui de reforçar o impulso contemporâneo de falar
sobre si mesmo, a incitação, tão comum, à produção do “eu” na esfera
espetacular do visível. Tampouco de estimular os alunos a exteriorizarem
seus desejos, de modo a alimentar dados para consumo – bancos de dados,
perfis computacionais, redes sociais, etc. Diferentemente, trata-se de
potencializar o gesto de tornar visível o que nesse regime não está, numa
lógica, entretanto, deslocada da exigência de um sujeito performático ou do
seu “empresariamento”. 13 Assim, cada imagem escolhida, pensada, trabalhada
era também um esforço de não se adequar, pelo menos diretamente,
aos quadros gerais da imagem (aquele em que efetuamos associações
automatizadas, imediatas e indiscutíveis); era um esforço de “tomar a palavra”,
criando novas relações entre o ver e o fazer ver. Estabelecem-se, desse modo,
novas relações com o vivido, deslocam o dado, relançam as configurações da
cultura midiática.
12
Diante das imagens feitas pelos alunos, surgiu a ideia de criar um filme que as reunisse. O roteiro pensado pelas crianças mesclou
o que haviam trabalhado durante o ano – valorizando a história do cinema e seus pioneiros, os irmãos Lumière, sugerindo que a
produção final apresentasse os elementos do filme Le voyage dans la lune, especificamente, o foguete e a lua (ALUMIAR: 2017a).
13
Sobre empresário de si ver Foucault (2008). Sobre a relação entre regime de visibilidade e empresariamento do sujeito, ver
Sanz e Fonseca (2016).
96
Fantin, é que a escola possa “educar sobre os meios, com os meios e através
dos meios”, permitindo uma apropriação crítica e criativa da cultura midiática
(2007, p. 1).
Isso quer dizer que tais operações contribuem para a aquisição de informações
e desenvolvimento de habilidades, mas, sobretudo, para que os processos de
aprendizagem façam ‘acontecimento’ na vida dos sujeitos em formação. Tal
crivo depende do espaço de diálogo que, com as imagens, é possível realizar.
Significa, em consequência, que os processos de aprendizagem podem
instaurar vivências de um tempo mais qualitativo, distinto daquele ‘sempre
igual’ (e infernal) da acumulação infinita de conteúdos que, muitas vezes, não
produzem sentido na vida nem dos estudantes, nem dos professores. Trata-
se de convidar a imagem para nos auxiliar a pensar, alunos e professores, o
97
que ainda não sabemos pensar ou não podemos, ou, ainda, aquilo que não
queremos pensar (LARROSA, 2011, p. 11) – e, assim, propor novas experiências
de linguagem que possibilitem a constituição de uma ampla tessitura de
formação, ou ainda, de transformação.
14
Sobre o conceito de experiência em Foucault, ver Aquino (2014).
98
entre campos de saber, tipos de normatividade e formas de subjetividade
(FOUCAULT, 1988, p. 10). A imagem, portanto, é aqui pensada como dispositivo
de nossa atual experiência: atravessa um conjunto heterogêneo de discursos,
instituições, saberes, enunciados, proposições morais. Operando em ditos e
não ditos, age, sobretudo, nas relações entre os indivíduos e nos modos pelos
quais, em nossa cultura contemporânea, tornamo-nos sujeitos.
99
de um sujeito autônomo, capaz de discernir o mundo em que vive e,
simultaneamente, produzir e expressar perspectivas próprias. Certamente,
não se trata de operar exatamente sob pontos de vistas hegemônicos,
reproduzindo as dinâmicas, por exemplo, do consumo ou do entretenimento.
Como afirma Fernanda Bruno (2014, p. 142), é necessário produzir outra
dinâmica de produção, circulação e afetação – distinta daquela que opera a
partir das imagens “emblemáticas” – para que novos lugares de visão sejam
inventados, para que as próprias imagens possam ser, de fato, vistas.
15
Segundo Rancière (2002), nenhum saber traz, por si próprio, a igualdade como efeito. A igualdade, nela mesma, não seria
nem um efeito produzido, nem uma finalidade a ser atingida, mas um pressuposto: uma crença de que, entre professor e aluno,
o que se dá é uma equivalência de inteligências (mesmo que haja desigualdade de saberes). Para ele, normalmente, “a relação
pedagógica parte da hipótese da desigualdade, mesmo que seja para ‘chegar’ à igualdade. Ora, a relação emancipadora exige
que a igualdade seja tomada como ponto de partida. Ela exige que se parta não do que o ‘ignorante’ desconhece, mas do que
sabe. O ignorante sempre sabe alguma coisa e sempre pode relacionar o que ignora ao que já sabe.”
100
pedagógico; instaura novas circulações dentro da escola (e da universidade),
no bairro, na cidade e, também, novos espaços de diálogo entre professor e
aluno.
Cabe ainda ressaltar que a articulação entre ver e fazer imagens autoriza o
aluno – especialmente quando o pressuposto do processo pedagógico for
o de igualdade (ou, para citar novamente Rancière, “quando a igualdade
estiver colocada antes”), – a exercitar e potencializar sua capacidade autoral,
confirmando e reforçando suas habilidades de pensar e criar mundos próprios.
Por outro lado, exige que também o pedagogo esteja frequentemente se
exercitando como criador: inventor de conexões, “fabricador” de tempos,
descobridor de espaços, fundador de novas mediações. Experimentar-se como
criador (não somente de imagens e narrativas para suas aulas, mas também
de sentidos, saberes e conhecimento) significa trabalhar com o acervo do
conhecimento humano, não de forma fixa, engessada. Significa se apropriar
do presente histórico e nele perceber as urgências de nossa atualidade;
perceber nas imagens do presente as exigências de posicionamentos e gestos
próprios. Esse trabalho exige uma formação ampla do pedagogo, para que
possa ele mesmo entrelaçar teoria e prática a partir da compreensão de tais
exigências e, assim, instaurar problematizações e aberturas na formação dos
indivíduos.
101
REFERÊNCIAS
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Foucault e a experiência da escrita. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 28, n. 55,
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ALUMIAR. Relatório parcial 2017. SANZ, Cl. (Org.). Brasília, DF: Universidade de
Brasília, 2017b.
Fontes audiovisuais
Sonhém com a câmera na Mão. Filme. Vídeo produzido com os alunos do 5º ano
da Escola Classe Sonhém de Cima na região da Fercal, Sobradinho/DF. Brasília,
DF: Produção LAV – Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, 2015.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=GL-QtAUb8xc&t=673s>.
Acesso em: 27 jul. 2018.
104