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Educação, Tecnologias e

Comunicação
Andrea Cristina Versuti e
Gilberto Lacerda Santos
(Organizadores)

EDITORA
Copyright © 2018 by VIVA Editora

Projeto Gráfico
Leonardo Santos

Revisão
Débora Diersmann Silva Pereira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, São Paulo, Brasil)

Todos os direitos desta edição reservados à VIVA Editora


www.vivaeditora.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de Acordo com ISBD

E24 Educação, tecnologias e comunicação / Andrea Cristina


Versuti, Gilberto Lacerda Santos (organizadores) -- Brasília:
Viva Editora, 2018.
153 p.

ISBN:

1. Educação 3. Tecnologia da Informação 4. Comunicação


digital 5. Transmidiação 6. Cibercultura I. Andrea Cristina
Versuti II. Gilberto Lacerda Santos

CDU: 37:004

Elaborado por Charlene Cardoso Cruz – CRB -1/2909

Realização:
Educação, Tecnologias e
Comunicação
Andrea Cristina Versuti e
Gilberto Lacerda Santos
(Organizadores)

Capitulistas
Amaralina Miranda de Souza
Andrea Cristina Versuti
Carlos Alberto Lopes de Sousa
Cláudia Linhares Sanz
Daniella de Jesus Lima
Gilberto Lacerda Santos
Lídice de Souza
Luis Paulo Leopoldo Mercado
Lucio França Teles
Noeli Batista dos Santos
Paloma Antón Ares
Tiago Ferreira
SUMÁRIO

Apresentação....................................................................................................... 07

Tecnologias en la Educación Especial e Inclusiva.........................................11


Amaralina Miranda de Souza e Paloma Antón Ares

Transmidiação e Educação.................................................................................36
Andrea Cristina Versuti, Daniella de Jesus Lima e Luis Paulo Leopoldo
Mercado

Sociedade, Capital Cultural e Tecnologias......................................................55


Carlos Alberto Lopes de Souza

Educação e Tecnologias da imagem: novas partilhas do olhar?...............80


Cláudia Linhares Sanz, Lídice de Souza e Tiago Ferreira

Tecnologias e comunicação pedagógica: em busca do Interativismo


Colaborativo........................................................................................................105
Gilberto Lacerda Santos

Fundamentos Teóricos da Aprendizagem Colaborativa Online..............126


Lucio França Teles

Transmidiação: perspectivas teóricas...........................................................146


Noeli Batista dos Santos
Educação e Tecnologias da imagem: novas partilhas do olhar?

Cláudia Linhares Sanz


Professora do Departamento de Métodos e Técnicas da Universidade de
Brasília

Lídice de Souza
Pedagoga formada pela Faculdade de Educação, Universidade de Brasília,
integrante do Projeto Alumiar

Tiago Ferreira
Graduando de Pedagogia pela Faculdade de Educação, Universidade de
Brasília, integrante do Projeto Alumiar

80
A Imagem como campo de disputa

Todo presente é determinado pelas imagens que lhe são sincrônicas


(BENJAMIN, 2006, p. 504).

Embora ainda haja pouco entendimento no âmbito da educação acerca do


lugar que a imagem ocupa na formação do pedagogo, as imagens têm-se
configurado como dispositivos fundamentais na constituição da subjetividade
contemporânea. Dificilmente, aliás, seria possível avaliar a vida social
contemporânea fora de suas relações com a cultura da imagem. É o que
constata a aluna Helena Rosa, da Faculdade de Educação da Universidade
de Brasília: “vivemos em um universo imagético que influencia muito a forma
como experimentamos o mundo.” (ALUMIAR, 2016, p. 60). De fato, como
sabemos, as imagens estão presentes de forma massiva nos espaços em
que circulamos e no tempo que habitamos; nos aparelhos que carregamos
conosco no dia a dia; na instauração das redes contemporâneas de
informação e consumo. Mais do que isso, elas constituem espécie de tecido
da atualidade, configurando os modos como lembramos e esquecemos,
narramos e arquivamos, ensinamos e aprendemos.

Trata-se de um regime de visibilidade que, manifestando-se em nível capilar,


incide no modo como o sujeito se posiciona no mundo e se relaciona
consigo mesmo. Assim, pensar acerca do que somos hoje – nossas lutas e
conflitos, nossos sonhos e dramas – significa pensar também o lugar que a
imagem desempenha nesses modos de ser. Igualmente, avaliar a infância
contemporânea passa, em decorrência, por pensar como as imagens se
tornaram mediadores culturais, sendo agentes na formação de valores
e de comportamentos, nos modos de percepção e de compreensão, na
constituição de desejos e de projetos de crianças e jovens, atravessados
continuamente pelos vetores imagéticos. De fato, as imagens participam
de um jogo contemporâneo de afetos que nos mobiliza todos, inclusive, os
professores (e os professores dos professores). Somos todos produtores-
consumidores-compulsivos de imagem, diariamente.

Cabe ainda ressaltar que esse regime de visibilidade – em que as imagens do


espetáculo já não se distinguem profundamente de uma vigilância distribuída

81
(BRUNO, 2013) – corrobora também à instalação de novas condições de
possibilidades para o conhecimento e, em consequência, para a educação1.
Como Joe Kincheloe e Steinberg (2001, p. 34) percebem, as transformações
vividas na sociedade contemporânea abalam as noções tradicionais da
infância e da juventude e, por consequência, também “as bases conceituais,
curriculares e gerenciais sobre as quais os ensino foi tradicionalmente
organizado.” Lembrando a epígrafe benjaminiana deste texto, as imagens
que nos são sincrônicas não são apenas produto de nossa época, não apenas
assumem a potência catalisadora de absorver nosso momento histórico; elas,
simultaneamente, “determinam” nossa época, agem sobre ela, alterando,
inclusive, nossa percepção2.

Nesse sentido, se nossas imagens constituem uma espécie de centro de


gravidade da atualidade é porque fiam estreitos vínculos com os processos
sociais e políticos em andamento, participando das mutações que o capitalismo
opera. Não há economia nos moldes do atual capitalismo globalizante que
não se baseie também em tecnologias das imagens: veículos do marketing,
da propaganda, do entretenimento, do sistema informacional, da vigilância
generalizada, das notícias nacionais e mundiais, veículo (até) da guerra que
se realiza por meio de dispositivos tecnológicos baseados em imagens, como
os drones. Mas não apenas os processos globalizantes de comunicação, do
consumo e da política estão calcados na troca e na produção de imagens;
também outros circuitos, como a medicina atual precisa cada vez mais
legitimar suas ações a partir de uma produção imagética –, ora porque produz
padrões de saúde a partir de padrões visuais, ora porque as tecnologias
imagéticas possibilitam o escaneamento do corpo e de suas vísceras, ora
porque os diagnósticos são legitimados a partir de uma nova visualidade.

Não se trata, porém, apenas de entender que a imagem é um dispositivo


da atual economia macromundial, pilar fundamental da instauração de
novos sistemas de informação em rede, que produzem, em consequência,
concepções inéditas sobre tempo e espaço. Trata-se de perceber como essa
economia imagética trabalha também em termos de subjetivação, sendo
(de fato) um dos vetores por onde os processos pelos quais nos tornamos
sujeitos se efetuam. Desse modo, não é de se surpreender que, cada vez

1
Sobre a relação entre educação, visibilidade e vigilância na sociedade contemporânea, ver Sanz (2015).
2
“Todo presente é determinado por aquelas imagens que lhe são sincrônicas: todo agora é o agora de uma determinada cog-
noscibilidade.” (BENJAMIN, 2006, p. 504).

82
mais, o indivíduo contemporâneo se apoie nas imagens não apenas para
se relacionar, mas também para criar suas narrativas de si: como nunca
anteriormente, “ser é ser visto.” (SIBILIA, 2008).3

Assim, discutir e trabalhar as imagens é discutir o mundo em que estamos: é


pensar nossa economia, nossa política, nossas maneiras de sentir e conhecer.
Como afirmou o pensamento foucaultiano, cada formação histórica implica
uma repartição do visível, cada atualidade diz o que pode dizer e vê o que
pode ver. Isso significa que incluir um debate crítico acerca do estatuto das
tecnologias da imagem na formação do pedagogo não é um simples acréscimo
ao currículo tradicional. É também fazer ver e fazer pensar o contemporâneo.
É acrescentar no âmbito de sua formação análises a respeito da alteridade
da sociedade em que vivemos, possibilitando ao educador entender os
procedimentos pedagógicos como processos que não se desvinculam da
história. Ao contrário: se a própria infância é uma construção histórica,
também as instituições, seus sonhos e crises não podem ser compreendidos
fora dos regimes que as constituíram no passado e que, hoje, as constituem.

Trata-se, portanto, de incluir na formação do educador reflexões a respeito do


atual – daquilo que se “joga” no hoje, em plena partida –, possibilitando-lhe,
ao entrar em sala ou ao participar de qualquer projeto pedagógico fora da
escola, entender a nova maquinaria digital como parte de um processo mais
amplo, parte de um jogo político do qual nem ele, nem o educando, nem as
instituições estão livres. Como avalia Deleuze (1992, p. 216), “as máquinas não
explicam nada, é preciso analisar os agenciamentos coletivos dos quais elas
são apenas uma parte.” Não é o caso, então, de apenas ensinar a trabalhar
com novos meios, mas, antes, de pensar as tecnologias atuais (e os regimes de
visibilidade que elas supõem) a partir dos regimes em que estão engendradas
e que (também) engendram. E, assim, suspender e questionar os discursos
por elas (e nelas) configurados. Significa, portanto, refletir acerca das práticas,
das verdades, das normas e dos valores que se articulam às tecnologias da
imagem como conjunto de formação de saberes e constituição de poderes

3
Como observa Sibilia (2008, p. 235), “O rebento que surgiu dessa metamorfose é, acima de tudo, uma subjetividade que
deseja ser amada e apreciada, que busca desesperadamente a aprovação alheia, e para tanto procura tecer contatos e relações
íntimas com os outros. Este tipo de sujeito ‘vive numa casa de vidro, não por trás de cortinas de renda ou de veludo’, constata
benjaminianamente o sociólogo norte-americano (Richard Sennett). Pois sob o império das subjetividades alterdirigidas, o que
se é deve ser visto — e cada um é aquilo que mostra de si. [...] Essa carência denota o crescente valor atribuído ao mero fato de
se exibir, de ser visível mesmo que seja na fugacidade de um instante de luz virtual, e mesmo que não se disponha de nenhum
sentido para apoiar e nutrir essa ambição.”

83
(FOUCAULT, 1997). Significa, ainda, aprofundar a tomada de consciência do
pedagogo diante da realidade atual, abarcando em sua formação uma ampla
gama de aspectos voltados à formação de um indivíduo autônomo e crítico,
incluindo os aspectos éticos, políticos e estéticos que circunscrevem a cultura
audiovisual contemporânea. Nesse sentido, trata-se de discutir, a partir do
debate sobre as imagens, as regras segundo as quais, hoje, se pode ver.

Por outro lado, não basta sermos capazes de discutir e analisar o regime de
visibilidade atual – compreendendo, por exemplo, como ele está vinculado
ao consumo e a uma visão corporativa da infância. Estando todos submersos
nesse regime, é necessário, ainda, sermos capazes de subvertê-lo também
com a imagem; de entrever outros sentidos para as narrativas imagéticas,
outras temporalidades de comunicação e circulação da imagem, fora (quem
sabe) do âmbito do consumo e do excesso, fora do “empresariamento do
sujeito” e da performance instituída pela sociedade do espetáculo.4 De fato,
o campo da educação se vê, atualmente, diante de uma dupla exigência: lidar
criticamente com a realidade concreta da cultura da imagem, mas sobre ela
também exercer uma prática transformadora, como pensava Paulo Freire
(1975, p. 51). O campo é, assim, convocado a formular posicionamentos
analíticos, mas também criativos, diante dessas novas condições perceptivas
e epistêmicas. Como avaliou Kellner (2001, p. 154), “se nossa cultura é cada
vez mais uma cultura da mídia, então a educação da mídia deve ser uma parte
importante da educação geral.” Isso não significa simplesmente desenvolver
um modo crítico de análise: a formação humana na sociedade atual, em
suas circunstâncias históricas, exige da educação em particular profundas
reformulações – tanto para abrigar uma crítica à cultura da imagem quanto
para estabelecer outra dinâmica de produção, circulação e afetação das
imagens.

Esse é o tema do presente artigo. Partindo do pressuposto de que as


imagens ocupam um lugar relevante na constituição das subjetividades
contemporâneas, objetivamos debater de que maneira a articulação entre os
processos de leitura e de produção de imagens pode constituir um território
fértil de prática e reflexão pedagógica. Nossa análise tem por base os relatos
e as memórias de um grupo de estudantes de pedagogia, da Universidade
de Brasília, acerca do trabalho educacional a partir de imagens, desenvolvido

4
Para discutir as relações entre o empresariamento do sujeito e as imagens contemporâneas, ver Sanz (2015).

84
por eles em instituições escolares.5 Avaliamos aqui, primeiro, como o gesto
de ler criticamente as narrativas midiáticas possibilita alterar o lugar da
recepção das imagens, qualificando crianças e jovens diante do atual regime
de visibilidade. Ao suspender e interrogar os quadros de interpretação
produzidos nos discursos midiáticos, os alunos entendem melhor os meios
pelos quais eles próprios consomem e investem afetivamente na mídia; além
disso, também vivenciam um exercício de reescrita, criando outras relações e
associações entre imagem e discurso.

No segundo momento, discutimos como essa leitura da imagem somente


se realiza de fato quando os processos de factura da imagem são também
experimentados pelos alunos. Por último, algumas breves conclusões acerca
da potência dessa articulação – entre ler e fazer imagens – para ampliação da
tessitura de formação, tanto do pedagogo quanto das crianças e dos jovens
implicados nos processos pedagógicos.

Uma parada diante das imagens: outros visíveis na (in)visibilidade atual

Quando a mídia faz um recorte, tira o nome, tira a idade, o lugar de moradia...
ela faz um recorte e a humanidade se torna uma imagem cristalizada. A partir
dele, você não consegue perceber aquele ser humano como filho de alguém,
irmão, primo que era amado, que amava alguém e cometeu um crime, ou
cometeu um roubo, assassinato, homicídio. Você não consegue perceber se
essa pessoa tinha um problema mental, se estava numa situação de miséria
[...] o recorte invisibiliza o processo de vulnerabilidade que ele se encontrava.
Você vê aquela pessoa como cristalizada [...] e diante da velocidade das
informações você não consegue refletir. (NOGUEIRA apud ALUMIAR, 2017, p.
44).

Duas questões aqui parecem fundamentais na fala de João Nogueira,


professor da rede pública do DF e participante do projeto Alumiar. A primeira:
a constatação de que as imagens são enunciados – narrativas cristalizadas,
para usar seus termos; a segunda: o fato de que esses discursos são
veiculados numa certa temporalidade, excessiva e veloz, que invisibiliza a
5
Esse grupo de estudantes de pedagogia integrou, entre 2015 e 2017, o projeto de extensão Alumiar: práticas e reflexões acer-
ca da imagem nos processos formativos (UnB). Excepcionalmente, neste artigo, nos referimos a esses estudantes como educa-
dores. Embora alguns deles, na época, ainda não estivessem graduados, essa era, de fato, a função que desempenhavam nos
trabalhos pedagógicos que desenvolviam sistematicamente nas escolas, sob coordenação da professora Cláudia Linhares Sanz,
da Faculdade de Educação. Os depoimentos e relatos aqui citados estão compilados em três documentos: as memórias dos ex-
tensionistas, de 2015 e 2016 (ALUMIAR, 2016), as transcrições das entrevistas realizadas pelos extensionistas para o documen-
tário “Quando reinventamos o olhar”, ainda em produção (ALUMIAR, 2017b) e o relatório parcial do projeto (ALUMIAR, 2017a).
Além disso, usamos também fontes audiovisuais (entrevistas e vídeos) produzidos pelo projeto, como indicado na bibliografia.

85
complexidade dos processos sociais. Claramente, não se trata apenas das
imagens veiculadas pela “mídia”, mas de um regime da qual elas fazem parte
– regime que, apesar de ser heterogêneo, constituído por imagens de todo
tipo (amadoras, científicas, publicitárias, artísticas, jornalísticas, para citar
algumas), articula-se, entretanto, numa temporalidade bastante homogênea,
na temporalidade sempre atualizada do tempo real. É essa relação – entre as
narrativas imagéticas e os tempos em que circulam – que parece caracterizar
as condições perceptivas da atualidade. São as “máquinas de visão”
contemporâneas, em suas formas hiperdesenvolvidas, desempenhando,
portanto, papéis cruciais na imposição de uma experiência cada vez mais
breve, que introduz, paradoxalmente, uma progressiva “invisibilidade”. Como
observa Jonhathan Crary (2014, p. 43), o conhecido e perpetuamente disponível
cardápio de solicitações e atrações da rede instaura uma temporalidade
24/7, que “incapacita a visão por meio de processos de homogeneização,
redundância e aceleração.”

Como, então, ler nossas imagens criticamente nessa enxurrada que nos
intercepta diariamente? Como auxiliar o sujeito a lidar com esse excesso de
informação?

Falamos aqui da ambiência tecnológica da imagem, de estruturação local e


global, que cria, por um lado, inédita acessibilidade de conteúdos do saber
e conexões entre diversidades culturais; por outro, uma superabundância
informativa que nos faz lembrar o conto Funes, o memorioso, de Jorge Luís
Borges (1979). Nele, a memória infalível do personagem e a capacidade de
capturar imagens a todo instante o impedem de abstrair e, portanto, de pensar.
Sua memória e percepção total o imobilizavam, em vez de o potencializar,
uma vez que, de tão rico em detalhes, o presente se tornava intolerável para
o personagem. Semelhante ao que acontece com Ireneo Funes, a saturação
imagética do mundo contemporâneo, veloz e massiva, estreitamente
vinculada ao consumo, parece, muitas vezes, efetivar-se nas sobreposições
de imagens, causando (ao contrário do que poderíamos supor) significativa
invisibilidade. Se não vemos, não é porque não estamos diante da imagem.
Ocorre, aliás, o inverso: a possibilidade atual de produzir e armazenar esse
número gigantesco de arquivos audiovisuais é inédita. O ritmo e a quantidade
de imagens, entretanto, parecem dificultar que o sujeito perceba o mundo
que ele mesmo captura por meio da imagem. A propósito, é como se nós
fossemos capturados pela imagem, por um fascínio que nos faz pouco refletir.

86
Como avalia a pensadora Marie-José Mondzain (2013), a invasão do planeta
por esse imperialismo visual reduz a reflexão crítica e a tomada da palavra
a um estado de letargia, espécie de entorpecimento, estado de fascinação –
fenômeno que coloca a imagem no cerne da preocupação que temos com a
salvaguarda de nosso pensamento.

Diante desse contexto, tornou-se um imperativo pedagógico indagar como os


alunos encarnam a cultura das imagens e sua superabundância. Necessário,
na realidade, criar estratégias de parada diante das imagens, para que elas
possam ser lidas pelo que dizem, mas também pelo que não dizem: pela
ambiência de sua veiculação, pelo contexto de sua circulação, pela montagem
que realizam, pelo que subtraem. Isso exige que a relação que estabelecemos
atualmente com as imagens seja suspensa e interrogada, para que possamos
pensar o modo como nos tocam, nos fazem sentir (e falar). Exige, assim,
entrever uma temporalidade mais lenta que possa, no entanto, promover
uma compreensão mais apurada do mundo em que estamos – percepção
fundamental na formação de sujeitos autônomos e pensantes.

Trata-se de uma parada diante de cada imagem, capaz também de nos fazer
pensar a articulação entre várias imagens como discurso, como narrativa
que nos informam, mas também nos formam. É o que percebe o próprio
pedagogo João Nogueira, ao trabalhar em sala com imagens: “quando
você cruza as imagens com conceitos, os adolescentes tomam um choque
e se perguntam o porquê. E aí esse porquê vem do processo de reflexão.”
(ALUMIAR, 2017a, p. 45). Em sua avaliação, o trabalho pedagógico pode
alterar o lugar da recepção das imagens. Os jovens, então, passam a ver as
imagens de outro jeito. Foi o que aconteceu quando trabalhava com alguns
adolescentes que cumpriam medidas socioeducativas de internação no antigo
Centro de Atendimento Juvenil Especializado de Brasília, o CAJE.6 Juntos,
alunos e professor assistiram aos telejornais do horário de almoço, aqueles
que apresentam picos de audiência da população local. A partir das imagens
dos noticiários, os adolescentes notaram como eles próprios incorporavam o
discurso produzido “por outros”, posto que acusavam seus pares pela mesma
lógica com que a mídia os acusava. Rever as imagens, deslocar as narrativas,
foi um modo de ver (no sentido mais profundo do termo). Como relata o

6
Centro de Atendimento Juvenil Especializado (CAJE), instituição desativada em 2014. A oficina “Seu olhar modificado pela
arte” foi ministrada pelo professor João Nogueira entre os anos de 2011 e 2013.

87
professor, quando, de fato, “viam”, os adolescentes se davam conta de que o
discurso que repetiam – falava sobre eles mesmos: “poxa, eu fui essa notícia.”
(ALUMIAR, 2017b, p. 43).

Esse mesmo “deslocamento” de olhares acontece quando outro grupo de


adolescentes, de uma escola de ensino médio de Brasília, olha e trabalha
textos coletivamente a partir de imagens de revistas e de propagandas. Como
relatam as memórias dos educadores do projeto Alumiar, acerca do trabalho
realizado com os alunos do Centro de Ensino Médio Asa Norte, o Cean, o gesto
de retirar as imagens de seu contexto original e debater sobre elas possibilita
entrever uma distância entre sujeito e imagem.7 Nessa distância, surgem
novos entendimentos e reflexões acerca de como somos afetados pelas
verdades e pelos valores engendrados nas narrativas imagéticas que não
apenas consumimos, mas que também repetimos, muitas vezes, sem notar
(ALUMIAR, 2017a). O exercício realizado pelo grupo de educadores colocava
revistas e propagandas à disposição para que os alunos selecionassem uma
imagem e, a partir dela, elaborassem uma história bibliográfica. Eles criavam
nomes, profissões, histórias de vida para cada uma das imagens selecionadas.
Em seguida, compartilhavam a narrativa em grupo: “um escolheu uma
imagem de uma mulher negra. Na história, ela apresentava problemas com
álcool. O outro escolheu uma imagem de uma modelo branca: na história,
ela era advogada ou médica”, relata Ana Beatriz Messias (ALUMIAR, 2017b,
p. 7). Como também percebeu Helena Rosa (ALUMIAR, 2017b, p. 8), outra
educadora do grupo, as narrativas dos adolescentes eram repetições tagarelas,
reproduções de narrativas do senso comum: “a modelo branca era médica, o
cara forte branco era o engenheiro, aí saiu aquela menina pretinha, que era
filha do porteiro, que era empregada doméstica e que tinha muita dificuldade
na vida, enfim, todos estes estereótipos.” Perante o quadro das histórias
que as imagens evocam para os alunos, os educadores se espantaram de
como as biografias que criavam eram repetições de estereótipos, às vezes,
sobre eles mesmos, já que vários alunos eram negros. Lado a lado, imagens
e biografias criadas pelo grupo, ficavam evidentes as associações quase

7
Nos referimos aqui acerca da oficina “A imagem no rolê: mídia, juventude e cidade”, realizada no Centro de Ensino Médio Asa
Norte, Brasília, durante 2016. Em encontros semanais para exercícios de leitura e produção de imagem, os alunos debateram
acerca do mundo midiático contemporâneo e experimentaram escrever suas próprias histórias, a partir de imagens. Luciana
Miranda Gomes de Queiroz (FE/UnB), Ana Beatriz Messias (FE/UnB), João Nogueira da Silva (SEE-DF), Leonardo Fernandes (IDA/
UnB), Luan Amoras de Morais e Silva (FE/UnB) e Thayane de Castro Santos (IDA/ UnB) ministraram essa oficina, ao fim da qual
os alunos realizaram coletivamente o vídeo Olhando no espelho, disponível em: <https://wordpress.com/stats/day/lavfeunb.
wordpress.com>.

88
automáticas entre as imagens (das revistas e das propagandas) e os conceitos
que os alunos repetiam. A dinâmica, seguida de conversa e troca de olhares,
suspendia – por alguns instantes – a imediatez das associações e fazia alunos
e educadores refletirem acerca do valor simbólico das narrativas imagéticas.
Como trata o educador Luan Silva (ALUMIAR, 2016, p. 43):

não era qualquer narrativa, mas uma narrativa bibliográfica. Essa dinâmica me
marcou bastante, porque a maioria dos alunos escolheu mulheres brancas de
olhos claros, magras e etc. Ou seja, eles repetiam padrões estéticos europeus
que pareceriam os representar [...] Isso me marcou muito, pois, para mim, a
questão racial foi particularmente difícil de superar. Durante muito tempo da
minha infância tive vergonha de não ser branco. Esse dia, então, me lembrou
muito minha infância. Mas, apesar de ter saído um pouco abalado da aula,
as construções críticas dos alunos após a oficina e o debate foram muito
gratificantes.

De fato, às vezes, quando retiramos as imagens do seu contexto publicitário


ou jornalístico, parece ficar mais evidente a força simbólica que o regime
das imagens adquire no mundo contemporâneo. Assim, ler criticamente
as imagens audiovisuais na educação é também ler os modos como falam,
suas estratégias de sentido e suas operações de montagem narrativa. O
desmontar das associações nos faz perceber de que maneira se constitui “o
quadro geral das imagens”, como avalia Mondzain (2015, p. 129), esse quadro
se efetiva a partir da multiplicação de associações rápidas. Nele se efetuam
“identificações imediatas e indiscutíveis, como as do delinquente com o
terrorista; do emigrado com o violador e o ladrão; como outrora o Judeu
com o usuário e o avarento; e o Negro com o antropófago.” Quando essa
montagem é quebrada e a associação automática é suspensa, há abertura
para novas narrativas acerca do mundo, do pobre, da negritude, do emigrante.
Assim, expandir nossa capacidade de ver significa também expandir nossa
capacidade de perceber o regime de visibilidade em que estamos inseridos
e, o que é ainda mais importante, de compreendermos o lugar que nele
ocupamos. Possibilitar que nossos alunos desenvolvam um entendimento
crítico da produção audiovisual midiática faz com que entendam os meios
pelos quais eles próprios consomem e investem afetivamente na mídia; além
de lhes possibilitar exercer sua reescrita, criando outras relações e associações
entre imagem e sentido.

89
Certamente, o deslocamento entre imagem e “identificações indiscutíveis”
pode acontecer a partir de várias estratégias pedagógicas. De qualquer forma,
importa aqui constituir entre alunos e professores, uma partilha do olhar,
algo que – pela imagem – exige tempo, uma parada; exige também a partilha
da palavra, o diálogo.8 Assim, no movimento de avaliar as engrenagens e
contradições da imagem da propaganda e da mídia, crianças e jovens,
convidadas a isso vão se constituindo como sujeitos capazes de dialogar com
outras imagens e narrativas que circulam no cotidiano. Como constata Jobin
(2016, p. 209):

Esse é o papel do educador em resposta ao trabalho da publicidade. Imagens


e narrativas, com intenções éticas e estéticas bem-definidas, podem exercer o
contraponto necessário para a compreensão crítica da função da publicidade,
problematizando e enfraquecendo a hegemonia da cultura do consumo como
o mais eficaz vetor de produção de subjetividade no mundo contemporâneo.

Foi o que o grupo de estudantes de pedagogia percebeu ao trabalhar


com crianças do quinto ano do ensino fundamental, de uma escola rural,
nos arredores de Brasília.9 Num dos seus encontros semanais, o grupo
de educadores disponibilizou uma cópia xerox de uma fotografia de um
fotógrafo famoso, em que apareceriam dezenas de pessoas e elementos
diversos, numa imagem de casamento. Cada um dos 30 alunos da turma
recebeu também um retângulo de cartolina preta, uma moldura que deveria
utilizar para “fotografar a fotografia”. “Vocês acham que é possível tirar
foto sem câmera?”, provocou Lídice Souza (ALUMIAR, 2016, p. 14), uma das
educadoras do projeto. Sem saber direito o resultado, as crianças percorriam
a imagem, tentando encontrar um ângulo (mais aberto ou mais fechado),
uma perspectiva, algo que o tocasse, algo que o despertasse. Deitado, em
pé, enviesado: não importava o recorte, mas o que cada um encontrava ao

8
De acordo com Bruno, “só se pode ver junto, em comum, o de que se pode falar junto” (BRUNO, 141). Sobre a partilha do
visível ver também Mondzain (2015).
9
O trabalho na Escola Classe Sonhém de Cima, em Sobradinho, região rural da Fercal, foi desenvolvido em 2015 e 2016, com
equipes diferentes. Em ambos os períodos, o projeto formulou princípios pedagógicos para sua atuação partir da articulação
pesquisa-ensino-extensão, elaborando e realizando um programa de atividades semanais constituído por planos de ensino,
avaliações constantes e debates coletivos semanais na UnB. As oficinas foram pensadas de maneira interdisciplinar, utilizando
fontes variadas, como fotografias, filmes, imagens literárias, além de fornecer elementos da história das imagens técnicas. O
trabalho foi desenvolvido, em 2015, por Aluízio Augusto Carvalho Santos (FE/UnB); Juliana Almeida (FE/UnB); Jéssica Mamede
(FE/UnB); Lídice Souza (FE/UnB); Luciana Miranda Gomes de Queiroz (FE/UnB) e Natália de Oliveira Silva (FE/UnB); no primei-
ro semestre de 2016 por Aluizio Augusto Carvalho Santos (FE/UnB); Fernanda Fernandes Muniz (FE/UnB); Flaésio Pereira da
Silva Júnior (FE/UnB); Helena Nisa da Rosa (FE/UnB) e Natália de Oliveira Silva (FE/UnB); e no segundo semestre de 2016 por
Ana Beatriz Messias (FE/UnB); Helena Nisa da Rosa (FE/UnB); Lídice Souza (FE/UnB) e Tiago Cruz (FE/ UnB).

90
ver. Decidida a perspectiva, os alunos colavam o retângulo e retiravam todo o
excesso (tudo que tinha ficado de fora da moldura). Todas as “fotografias” (de
uma única fotografia) eram coladas na parede. E, então, escreviam um título
para a foto ou um pequeno texto.

Percorriam em seguida a exposição fotográfica, percebendo, além da


variedade de olhares de seus colegas, como cada recorte construía um
mundo inteiramente outro. O que eles viam, a partir da singularidade de
cada seleção, é que aquele quadro geral era refeito, não apenas porque cada
imagem apresentava um ângulo, mas também porque aquele limite do quadro
possibilitava ou não imaginar o que estava fora dele, o que teria acontecido
antes e depois do instante fotografado. Dois alunos escolheram “fotografias”
semelhantes, mas deram títulos diferentes: um chamou a imagem de O jantar
do casamento da Roça, o outro de O casamento triste (SOUZA apud ALUMIAR,
2016, p. 14). A diferença das nomeações potencializava, como as crianças
percebiam, outras ênfases de sentido e faziam ver ou escondiam elementos
da imagem.

De fato, ao percorrer a exposição final de fotografias sem câmeras, os alunos


compreendiam que, quando texto e imagem estão juntos, novos sentidos
e montagens se efetuam. Como avalia o educador Aluízio Santos (apud
ALUMIAR, 2017b, p. 21), “as crianças conseguiram entender sem dificuldades
que a fotografia é um recorte da realidade, que podemos passar mensagens
diferentes dependendo do enquadramento. E que eles podiam criar seus
próprios discursos quando juntavam imagens e palavras.” Não se tratava
apenas de fazer as crianças entenderem como funcionam as linguagens
imagéticas, nesse caso, a fotográfica. Mais do que isso, ao reescrever leituras
para as imagens, os alunos teciam novos sentidos para sua percepção,
alargavam sua capacidade interpretativa, ampliavam conexões. Os textos-
legendas eram, assim, também formas de inventar novos dizeres acerca
da imagem, novas associações e roteiros de significantes, de desmontar o
quadro geral das imagens (para mencionar novamente Mondzain, 2015). Foi
o que fez uma das crianças negras, ao chamar a imagem de uma senhora da
fotografia de Minha vózinha da África. Helena Rosa, uma das educadoras do
Alumiar (2017b, p. 60), explica:
Quando ensinamos para as crianças o básico da fotografia, era para que
compreendessem que uma imagem é uma narrativa. O foco, o enquadramento,
a luz, as cores estão querendo nos contar uma história. Durante o nosso

91
trabalho, as crianças foram se sentindo representadas, acolhidas em suas
especificidades e aprenderam a ler as imagens e a identificar o que essas
histórias querem nos contar. E, o mais importante, o trabalho lhes possibilitou
criar novas imagens com novas perspectivas [...]. Quando uma aluna negra
escolheu a foto de uma negra idosa e escreveu aquela legenda, ela estava
compreendendo e podendo dizer que sua ancestralidade é africana. Ela pôde
se identificar como parte do povo negro em diáspora e pôde dizer isso. Algo
muito diferente do que acontecia no início do semestre. Quando cheguei na
escola, estava eu, mulher negra, gorda, de cabelos crespos dentro de uma
escola onde os fenótipos das crianças se pareciam com os meus, mas a
identificação delas era com as minhas colegas brancas. No começo, minha
imagem causou estranhamento e curiosidade.

Ao fotografarem a fotografia, selecionam uma “porção de realidade”,


realizam um conjunto de escolhas e seleções, decidem o querem falar e,
simultaneamente, o que julgam silenciável. Criam, desse modo, ditos e não
ditos. Como a menina que encontrou, em meio a dezenas de elementos da
fotografia, sua “vozinha da África”: encontrou ali igualmente a possibilidade de
falar sobre sua história, uma história pouco contada nas imagens publicitárias
ou midiáticas. Dessa forma, esse pequeno exercício, feito apenas com papel
xerox e cartolina preta, recupera a possibilidade de reflexão diante dos jogos
narrativos que diariamente consomem, quase sempre sem refletir sobre
eles. Ao ampliar o universo discursivo escolar e as próprias concepções de
linguagem e de leitura contribuímos para que a escola habilite os sujeitos
a se posicionar, expressar-se e participar do contexto em que vivem. O
enfrentamento entre as imagens veiculadas pela mídia, pelo marketing e pela
propaganda com o vasto repertório imagético constituído, desde o século
XIX, de imagens documentais, artísticas e amadoras –, constitui plataforma
privilegiada de problematização de um conjunto de questões testemunhadas
e vividas no presente.

Além disso, oferecendo às crianças imagens trabalham por outros impulsos


que não sejam o do consumo e da performance (elementos da história
da fotografia e do cinema), alimentamos o imaginário e o acervo de
possibilidades de contágio com as imagens. Possibilita também que este
acervo se reflita na invenção de outras narrativas, criadas pelos olhares dos
próprios alunos. Nesse cruzamento, a escola integra textos e linguagens que
circulam socialmente, apropriando-se deles e constituindo uma análise crítica
que seja capaz também de fazer seus alunos intervirem no contexto ao qual
pertencem. É capaz de incorporar o audiovisual não como mero facilitador

92
de uma lógica da escrita, mas um campo de problematização e disputa de
sentidos, campo de negociação e conflito, e, também, um território próprio de
produção de saber. Assim, não falamos acerca de um aditivo tecnológico para
incrementar processos desencadeados por ciências consolidadas, mas de
uma metodologia: pensar as imagens como modos pedagógicos de conhecer
aquilo que não poderíamos conhecer senão pela imagem, com a imagem,
na imagem. Significa indagar, sobretudo, se, do ponto de vista pedagógico, a
imagem seria capaz de exercer sobre a imaginação uma marca que force o
pensamento à presença de algo que não pode ser dito com palavras.

Quando a imagem passa a ser um campo de experimentação do pensar

mas um fotógrafo que não sabe ler suas próprias imagens não é pior que
um analfabeto?
Walter Benjamin (2006 p. 176)

Ler as imagens, como exigiu Walter Benjamin, significa, em nossa perspectiva,


realizar duplo movimento. Primeiro, entender o contexto histórico em que
as imagens audiovisuais e suas “multiplataformas” se inserem. Depois, como
veremos a seguir, é necessário que a escola produza suas próprias imagens,
operando-as a partir de pressupostos pedagógicos no sentido de ampliar a
formação dos alunos; criando, com elas, análises e narrativas que fortaleçam
a constituição de um sujeito autônomo e criativo, um sujeito que possa
discernir o mundo em que vive e, simultaneamente, produzir e expressar
suas próprias perspectivas.

De fato, a leitura da imagem parece adquirir potencial progressivamente


crítico à medida que as condições de sua produção, como o ponto de
vista, a composição, a iluminação ou a montagem, são desvendadas. O
aprofundamento da tomada de consciência acerca da cultura da imagem se
efetua quando o sujeito age e, na operação, apropria-se da linguagem. Do
mesmo modo que na linguagem escrita, uma “pedagogia da imagem” deve
atrelar indissociavelmente ler e fazer imagens, constituindo-se como avessos
complementares de um posicionamento crítico e ativo da escola diante
da cultura visual. É isso que percebe o coordenador de educação integral
da escola Sonhém de Cima, Roberto Veríssimo (Sonhém com a câmera na
mão, 2016, 2:7 min), a respeito do trabalho feito com as crianças a partir da
produção e leitura das imagens na escola: “passaram a ter uma percepção

93
de mundo diferenciada do que eles tinham antes. Houve uma ampliação
significativa da visão de mundo deles.” De fato, é o que as próprias crianças
relatam: “eu comecei a observar muito mais as coisas por causa dessa aula da
UnB.” (Sonhém com a câmera na mão, 2016, 9:30 min).

Um dos exercícios com as crianças dessa escola rural foi especialmente


interessante para pensar como certos modos de fazer imagens podem
contribuir para a formação escolar em um sentido amplo. Munidas de
cartolinas pretas e pequenas lupas, elas construíram pequenas câmeras
escuras, objetos que as fascinaram tanto quanto se fossem produtos
tecnológicos dos mais avançados.10 O encantamento se dava também
porque eles próprios tinham transformado um papel qualquer numa câmera
muito especial (já que através dela o mundo aparecia de cabeça para baixo).
Reviviam, assim, encantamento semelhante aos que os homens na história
sentiram quando perceberam, muitos séculos antes da invenção da própria
fotografia, que o mundo poderia ser capturado em imagens.

Depois de levar suas câmeras para casa, deveriam voltar para o próximo
encontro com os educadores com uma imagem mental – aquela que não
gostariam de esquecer. Mas não eram somente as imagens que eles pareciam
não esquecer. Também o mistério da imagem invertida inquietou os alunos.
Um mistério compartilhado também em família, no bairro, no transporte, no
caminho de volta para a escola. E, assim, retornavam à sala de aula curiosos:
queriam saber por que a câmera construída por eles fazia o mundo rodar
de cabeça para baixo. Segundo o coordenador pedagógico da escola, Rafael
de Paula (PROJETO ALUMIAR, 2016, 1:37 min), a atividade “apaixonou” de tal
modo os meninos, que eles queriam aprender mais: “a gente, então, começou
uma aula de ciências inteirinha, numa sequência didática de 15 aulas, do
segundo ano do ensino fundamental, a partir desse projeto de imagem que
não era de ciência.”

Cabe ressaltar que não são poucas as possibilidades de entrelaçar o conteúdo


formal previsto no currículo com as dinâmicas ligadas à leitura e produção
de imagem. A inclusão de outras linguagens – como a linguagem imagética

10
A expressão “câmera obscura” deriva do latim e se traduz diretamente de “sala escura”. O aparelho óptico consiste em uma
caixa ou sala inteiramente escurecida com um pequeno orifício em uma das suas paredes. Os raios de luz passam por esta pe-
quena abertura e formam uma imagem invertida horizontal e verticalmente na parede da caixa oposta à do orifício. Há registros
de que a primeira menção desse dispositivo foi feita por Mo-Ti, filósofo e fundador do moísmo, em 400 a.C. Sobre a história da
câmera escura e sua importância na visualidade ocidental, ver Crary (1990).

94
– nos processos formativos oferece uma gama de infinitas possibilidades ao
pedagogo. Depende, primeiro, da capacidade de o professor se apropriar dessas
linguagens e se tornar, ele próprio, um criador (criador de conhecimento).
Além disso, depende também de a formação do pedagogo estar voltada para
o desenvolvimento dessa qualidade criativa que o capacita a fazer conexões,
associações, quadros interpretativos para transformar o “experimento”
com as linguagens numa vivência significativa que produza sentidos (para
alunos e para o próprio educador). Nesse caso, não se tratava apenas de, a
partir do contato com o “primitivo da imagem técnica”, revisitar a história do
conhecimento, da técnica e, mais propriamente, da física. Não bastava apenas
indagar os conceitos ópticos implicados no “experimento” e, aprender com
ele, dados científicos. Todas essas questões eram fundamentais, mas não as
únicas. O que a caixa de papelão também propiciava era um “descolamento
do click digital”, do apertar automático característico do atual regime de (in)
visibilidade. Permitia, então, um distanciamento e, simultaneamente, uma
tomada mais consciente do ponto de vista de cada um. Permitia, finalmente,
o exercício de um gesto raro na atualidade, o da interrupção.

Através do objeto de papel, as crianças olhavam – agora com olhos distintos


– o caminho que é percorrido cotidianamente, “re-viam” suas próprias casas
e vidas e avaliavam quais lembranças queriam guardar. Assim as imagens
“capturadas” com a câmera obscura tornavam-se narrativas imaginadas a
respeito do bairro, da casa, da família e da escola. A partir delas, os educadores
indagaram, então: “será que existem belezas que só nós vemos? Qual a beleza
que só você vê na sua casa, no seu caminho, na sua escola, na sua história, na
sua vida?” (ROSA apud ALUMIAR, 2016, p. 60). Esse foi o tema que os educadores
sugeriram para que as crianças, agora munidas de câmeras fotográficas,
recolhessem do mundo suas novas perspectivas.11 Elas, então, aventuraram-
se a fazer uma imagem pensada, refletida, uma imagem-pensamento. Para
isso, com a ajuda dos educadores, debruçaram-se sobre a matéria imagética:
mergulharam nos pontos de vista, na iluminação, no enquadramento, nas

11
A atividade “a beleza que você vê” consistiu na distribuição de câmeras digitais compactas (não profissionais) aos 25 alunos
do quinto ano da escola Sonhém de Cima, com a proposta de que eles fotografassem, depois de terem passado pelas oficinas do
Alumiar sobre algumas noções básicas de fotografia (enquadramento, luz, perspectiva, foco, etc.). O material produzido deveria
ser feito a partir das belezas que individualmente eles viam em seu cotidiano; por isso levavam as câmeras para suas casas a fim
de materializar o olhar deles sobre o mundo com o auxílio da câmera. Como não havia câmeras para todos os alunos, eles se
organizaram em grupos e tinham cerca de três dias com a câmera para realizar a proposta, repassando para o outro colega en-
quadrar “suas belezas”. Com isso, foi possível desenvolver uma autonomia de organização do grupo que partia deles mesmos,
compartilhando além do material da atividade seus olhares sobre o mundo e suas belezas (Tiago Cruz, ALUMIAR, 2016: 58).

95
vozes sobrepostas, na polifonia de seu texto, na montagem de seus planos,
nas sonoridades e nos silêncios do repertório visual. Mergulharam nos
modos de ver e falar que a imagem produz; nos seus modos de perceber e
de conhecer. Percorreram, assim, um território inteiramente diferente do que
estavam habituadas, território de experimentação do pensar.

Pequenos tesouros (“as belezas que só eles viam”) retornavam à escola como
breves narrativas acerca do mundo que eles viam, mas também do que eles
eram, da história que eles queriam contar, aquela que dificilmente seria
retratada pela mídia, pelo menos a partir da perspectiva que eles apresentavam.12
Não se trata aqui de reforçar o impulso contemporâneo de falar
sobre si mesmo, a incitação, tão comum, à produção do “eu” na esfera
espetacular do visível. Tampouco de estimular os alunos a exteriorizarem
seus desejos, de modo a alimentar dados para consumo – bancos de dados,
perfis computacionais, redes sociais, etc. Diferentemente, trata-se de
potencializar o gesto de tornar visível o que nesse regime não está, numa
lógica, entretanto, deslocada da exigência de um sujeito performático ou do
seu “empresariamento”. 13 Assim, cada imagem escolhida, pensada, trabalhada
era também um esforço de não se adequar, pelo menos diretamente,
aos quadros gerais da imagem (aquele em que efetuamos associações
automatizadas, imediatas e indiscutíveis); era um esforço de “tomar a palavra”,
criando novas relações entre o ver e o fazer ver. Estabelecem-se, desse modo,
novas relações com o vivido, deslocam o dado, relançam as configurações da
cultura midiática.

Se apropriar dessa pedagogia da imagem significa investir em novas


circulações no espaço escolar, produzindo – por conseguinte – uma nova
ética do olhar. Isso significa que, quando a escola promove experiências a
partir da factura (desse “fazimento”) de filmes, vídeos e fotografias, desvenda
as condições de produção das imagens e amplia o acervo de possibilidades
para qualificar o sujeito diante do regime de visibilidade contemporâneo,
habilitando-o a discernir nessa avalancha imagética, mas simultaneamente a
produzir discursos próprios através da imagem. O desafio, então, como avalia

12
Diante das imagens feitas pelos alunos, surgiu a ideia de criar um filme que as reunisse. O roteiro pensado pelas crianças mesclou
o que haviam trabalhado durante o ano – valorizando a história do cinema e seus pioneiros, os irmãos Lumière, sugerindo que a
produção final apresentasse os elementos do filme Le voyage dans la lune, especificamente, o foguete e a lua (ALUMIAR: 2017a).
13
Sobre empresário de si ver Foucault (2008). Sobre a relação entre regime de visibilidade e empresariamento do sujeito, ver
Sanz e Fonseca (2016).

96
Fantin, é que a escola possa “educar sobre os meios, com os meios e através
dos meios”, permitindo uma apropriação crítica e criativa da cultura midiática
(2007, p. 1).

O trabalho desenvolvido com os adolescentes do Cean repercutiu também


novas apropriações. No início do trabalho, os educadores propuseram aos
alunos fazer autoretratos, distintos dos selfies, já que não deveriam mostrar
a “aparência”, muito menos uma felicidade “plastificada”, frequente das
redes sociais. O autorretrato deveria ser uma imagem que representasse
o que sentiam, pensavam, desejavam (sem utilizar a fotografia). Para isso,
eles trabalhariam em grupo, a partir de papéis, tinta, colas e materiais
diversificados. Segundo relatam nas memórias dos educadores, esse trabalho
foi muito difícil em um primeiro momento, posto que exigiu negociações
delicadas entre os alunos, além de exibir os constrangimentos implicados
no que cada um conseguia expressar como autorrepresentação (ALUMIAR,
2016). Nas imagens, surgiram temas referentes à idade, que, no entanto,
relacionavam-se também aos modos como eles incorporavam e narravam
os estereótipos que as imagens publicitárias veiculam, sobretudo, na
programação juvenil. Leonardo Ferreira, um dos educadores que ministrou
a oficina, conta que “a partir desses trabalhos, decidimos em grupo abrir
uma sessão de debates sobre temas que apareciam nas imagens e englobam
nossa subjetividade atual, temas de extrema relevância.” (ALUMIAR, 2016, p.
36). Depois de uma sequência de trabalhos pedagógicos, os alunos voltaram
aos seus autorretratos e interferiram novamente nessas imagens. Numa
avaliação acerca da atividade com a turma, uma aluna escreveu, sem querer
se identificar: “[...] Gostei muito de todas as aulas! Mas a que mais gostei
muito, muito, muito foi quando fizemos o autorretrato. Eu vou me identificar
porque não tenho motivo para esconder nada.” (ALUMIAR, 2016, p. 37).

Isso quer dizer que tais operações contribuem para a aquisição de informações
e desenvolvimento de habilidades, mas, sobretudo, para que os processos de
aprendizagem façam ‘acontecimento’ na vida dos sujeitos em formação. Tal
crivo depende do espaço de diálogo que, com as imagens, é possível realizar.
Significa, em consequência, que os processos de aprendizagem podem
instaurar vivências de um tempo mais qualitativo, distinto daquele ‘sempre
igual’ (e infernal) da acumulação infinita de conteúdos que, muitas vezes, não
produzem sentido na vida nem dos estudantes, nem dos professores. Trata-
se de convidar a imagem para nos auxiliar a pensar, alunos e professores, o
97
que ainda não sabemos pensar ou não podemos, ou, ainda, aquilo que não
queremos pensar (LARROSA, 2011, p. 11) – e, assim, propor novas experiências
de linguagem que possibilitem a constituição de uma ampla tessitura de
formação, ou ainda, de transformação.

A educação ganha, nesse sentido, outras aberturas: operando a partir das


imagens pode criar novos lugares de visão, transformando as próprias
imagens (aquelas que circulam, mas que, com frequência, não são, de fato,
vistas) em matéria de reflexão e invenção. Não basta, portanto, tornar alunos
e professores capazes de analisar a representação da cultura audiovisual
contemporânea, mas antes capacitá-los a experimentar o processo de
fabricação das imagens e, nesse percurso, apropriar-se das novas tecnologias
para criar outras narrativas imagéticas, em outras temporalidades, investir,
enfim, numa nova ética do olhar. Isso significa que, quando a escola promove
experiências a partir da “factura imagética”, desvenda as condições de
produção das tecnologias da imagem e amplia o acervo de possibilidades
para qualificar o sujeito diante do regime de visibilidade contemporâneo.

Breves conclusões: ampliando tessituras de formação

Em nosso século, a imagem encontra-se no cerne da preocupação que temos


com a salvaguarda de nossa liberdade e de nosso pensamento [...] Talvez não
haja nenhum desastre em preparação, exceto aquele, sempre ameaçador,
da demissão do pensamento. Mas a imagem não é responsável por isso; ela
espera que a pensemos à luz de sua história, bem como no cerne de sua
vitalidade presente e esmagadora. (MONDZAIN, 2013, p. 15).

Como vimos brevemente neste artigo, a imagem é um foco da experiência


contemporânea. Experiência, entendida aqui, em termos foucaultianos,
como conjunto de sentidos e jogos de verdade que dá lugar a certas formas
de subjetividade. Uma trama que regula as vivências capitais possíveis nas
coordenadas de um presente histórico. Algo que funda determinados modos
coletivos de ação, mas também esquemas individuais de condução de conduta;
que trabalha instaurando limites históricos, mas, consequentemente, também
certo campo de possíveis resistências. 14 Uma certa correlação, em uma cultura,

14
Sobre o conceito de experiência em Foucault, ver Aquino (2014).

98
entre campos de saber, tipos de normatividade e formas de subjetividade
(FOUCAULT, 1988, p. 10). A imagem, portanto, é aqui pensada como dispositivo
de nossa atual experiência: atravessa um conjunto heterogêneo de discursos,
instituições, saberes, enunciados, proposições morais. Operando em ditos e
não ditos, age, sobretudo, nas relações entre os indivíduos e nos modos pelos
quais, em nossa cultura contemporânea, tornamo-nos sujeitos.

Nesse sentido, como já visto, incluir o debate e a reflexão sobre a imagem no


campo da pedagogia constitui uma urgência histórica. Ao inserir na formação
dos educadores uma análise crítica (e criativa) dos engendramentos da
imagética de nossa atualidade, ampliamos a tessitura de sua formação:
os qualificamos para interpretar o atual regime de visibilidade e, por
consequência, nele intervir. Possibilitamos, como propôs Jobim (2016, p. 211),
que sejam incentivadas as recusas, por parte das crianças e dos jovens, dos
modos cristalizados, tipificados e estereotipados de ser e de agir. Significa,
ainda, aprofundar a compreensão do contexto histórico e social em que estão
imersos (absortos em condições perceptivas inéditas) a criança e o jovem de
hoje, mas também as instituições e nossa própria noção de conhecimento.

Como vimos neste artigo e no trabalho desenvolvido pelos jovens educadores


da Universidade de Brasília, trata-se de fazer um duplo movimento. Por um
lado, pensar a imagem como veículo privilegiado da economia da informação
e dos modos de subjetivação hegemônicos, midiáticos e publicitários. Por
outro, pensar como ela tem se tornado progressivamente, em consequência e
em contrapartida, um “objeto” valioso de disputa: um dispositivo que precisa
ser apropriado, transformado numa categoria política, micropolítica, numa
categoria pedagógica. Caberia, portanto, questionar – como a pensadora
francesa Mondzain (2013) – se, num mundo em que os atentados mais
violentos à liberdade passam pelas indústrias de comunicação e informação,
seria possível inventar outra economia imagética, alocá-la em outras rotações
e, assim, transformá-la, mesmo que de modo breve e provisório, em linhas
críticas ao próprio regime de visíveis (e, por consequência, invisíveis).

Tal indagação parece própria ao campo da educação: investigar que


estratégias somos capazes de inventar para que a formação do sujeito
contemporâneo inclua a construção de uma relação crítica com as imagens.
É necessário pensar sobre o estatuto da imagem em nossos tempos, tanto
quanto investigar os modos de as imagens contribuírem na constituição

99
de um sujeito autônomo, capaz de discernir o mundo em que vive e,
simultaneamente, produzir e expressar perspectivas próprias. Certamente,
não se trata de operar exatamente sob pontos de vistas hegemônicos,
reproduzindo as dinâmicas, por exemplo, do consumo ou do entretenimento.
Como afirma Fernanda Bruno (2014, p. 142), é necessário produzir outra
dinâmica de produção, circulação e afetação – distinta daquela que opera a
partir das imagens “emblemáticas” – para que novos lugares de visão sejam
inventados, para que as próprias imagens possam ser, de fato, vistas.

Dessas indagações, emerge um campo interdisciplinar complexo e


significativamente fértil de reflexão na educação, território que se desdobra
em diversas chaves conceituais e objetos de estudo, além de fomentar
práticas educacionais significativas. Não que a imagem ou qualquer outra
tecnologia (ou metodologia) possa, por ela mesma, garantir uma vivência
pedagógica mais significativa, bem como uma tomada de consciência diante
das sujeições a que estamos submetidos. Como vimos neste artigo, o que
instaura o acontecimento (a diferença) no trabalho pedagógico com as
imagens é o espaço de diálogo que se realiza quando educadores e alunos,
diante da avalancha informativa ininterrupta, efetuam uma parada; quando,
diante das máquinas de ver e fazer ver, criam novas dinâmicas imagéticas e
suas próprias narrativas.

No espaço dialógico, o trabalho pedagógico com imagens coloca em movimento


– pelo mesmo potencialmente – dinâmicas de novas circularidades de saberes,
qualificando professores e alunos para compreenderem engrenagens da atual
gestão do visível e estimulando uma relação experimental com a linguagem,
dentro dos processos de formação e das instituições de ensino. Isso porque,
para a realização das dinâmicas imagéticas, frequentemente são necessárias
quebras da rotina, subversão dos horários disciplinares, inversões da ordem
acumulativa dos conteúdos, inclusão de novas trajetórias no espaço escolar
e na comunidade, mas, igualmente, porque elas requerem a relativização de
uma rígida hierarquia entre o que “não sabe” e o que “explica” (para usar a
terminologia de Rancière).15 Abre, portanto, possíveis rotas dentro do território

15
Segundo Rancière (2002), nenhum saber traz, por si próprio, a igualdade como efeito. A igualdade, nela mesma, não seria
nem um efeito produzido, nem uma finalidade a ser atingida, mas um pressuposto: uma crença de que, entre professor e aluno,
o que se dá é uma equivalência de inteligências (mesmo que haja desigualdade de saberes). Para ele, normalmente, “a relação
pedagógica parte da hipótese da desigualdade, mesmo que seja para ‘chegar’ à igualdade. Ora, a relação emancipadora exige
que a igualdade seja tomada como ponto de partida. Ela exige que se parta não do que o ‘ignorante’ desconhece, mas do que
sabe. O ignorante sempre sabe alguma coisa e sempre pode relacionar o que ignora ao que já sabe.”

100
pedagógico; instaura novas circulações dentro da escola (e da universidade),
no bairro, na cidade e, também, novos espaços de diálogo entre professor e
aluno.

Cabe ainda ressaltar que a articulação entre ver e fazer imagens autoriza o
aluno – especialmente quando o pressuposto do processo pedagógico for
o de igualdade (ou, para citar novamente Rancière, “quando a igualdade
estiver colocada antes”), – a exercitar e potencializar sua capacidade autoral,
confirmando e reforçando suas habilidades de pensar e criar mundos próprios.
Por outro lado, exige que também o pedagogo esteja frequentemente se
exercitando como criador: inventor de conexões, “fabricador” de tempos,
descobridor de espaços, fundador de novas mediações. Experimentar-se como
criador (não somente de imagens e narrativas para suas aulas, mas também
de sentidos, saberes e conhecimento) significa trabalhar com o acervo do
conhecimento humano, não de forma fixa, engessada. Significa se apropriar
do presente histórico e nele perceber as urgências de nossa atualidade;
perceber nas imagens do presente as exigências de posicionamentos e gestos
próprios. Esse trabalho exige uma formação ampla do pedagogo, para que
possa ele mesmo entrelaçar teoria e prática a partir da compreensão de tais
exigências e, assim, instaurar problematizações e aberturas na formação dos
indivíduos.

101
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Campinas: Papirus, 2012.

Documentos Alumiar

ALUMIAR. Memórias do projeto 2015 e 2016. Brasília, DF: Universidade de


Brasília, 2016. Disponível no blog Alumiar: Pensamentos e experiências sobre
Educação e Imagem (<https://lavfeunb.wordpress.com>).

ALUMIAR. Transcrição das entrevistas para o filme “quando reinventamos o


olhar”. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 2017a. Disponível no blog Alumiar:
Pensamentos e experiências sobre Educação e Imagem (<https://lavfeunb.
wordpress.com>).

ALUMIAR. Relatório parcial 2017. SANZ, Cl. (Org.). Brasília, DF: Universidade de
Brasília, 2017b.

Fontes audiovisuais

Blog Alumiar: Pensamentos e experiências sobre Educação e Imagem.


Disponível em: <https://lavfeunb.wordpress.com>. Acesso em: 20 jul. 2018.

Projeto Alumiar. Filme. Brasília, DF: Universidade de Brasília. Produção LAV –


Faculdade de Educação, 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=_uKJzyhGSD8&t=97s>. Acesso em: 22 jul. 2018.

Sonhém com a câmera na Mão. Filme. Vídeo produzido com os alunos do 5º ano
da Escola Classe Sonhém de Cima na região da Fercal, Sobradinho/DF. Brasília,
DF: Produção LAV – Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, 2015.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=GL-QtAUb8xc&t=673s>.
Acesso em: 27 jul. 2018.

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