Você está na página 1de 6

Estado de arte acerca da Paralisia Cerebral

A paralisia cerebral (PC) é a deficiência motora mais frequente que ocorre durante a
infância, sendo estimada uma incidência de 2 a 6 casos por mil nascimentos na Europa (1)(2).

1
Esta descreve um conjunto de distúrbios permanentes no desenvolvimento do movimento e da
postura, causando limitações nas atividades, sendo atribuídos a distúrbios não progressivos que
ocorreram no cérebro durante o desenvolvimento infantil. Os distúrbios motores da paralisia
cerebral podem ser acompanhados por distúrbios da sensação, perceção, cognição e
comunicação (3). Consequentemente, a paralisia cerebral pode interferir de forma importante na
interação da criança em contextos relevantes, influenciando, assim, a aquisição e o desempenho
não só de marcos motores básicos, como o rolar, sentar, gatinhar, andar, mas também de
atividades da rotina diária, como tomar banho, alimentar-se, vestir-se, locomover-se em
ambientes variados, entre outras (1)(4).
Esta situação clínica é complexa e heterogénea, e apresente etiopatogenia por vezes
difícil de definir e com múltiplos fatores de risco. As manifestações clínicas são diferentes de
acordo com a natureza destes fatores de risco, mas também com o seu período de atuação: pré,
peri ou pós-natais, visto tratar-se de uma interferência, lesão, ou anomalia que afeta o cérebro
imaturo e em desenvolvimento (2). Exemplos de fatores pré-natais são a hipoxia, anoxia,
infeções, toxinas por parte de medicamentos e tensão alta. Relativamente aos fatores peri natais
pode se considerar a prematuridade, o trabalho de parto demorado, traumatismo durante o parto
e ainda a separação da placenta. Por último, os fatores pós-natais podem ser acidentes
vasculares, traumatismos, meningite, metabolismo, entre outros. Dentre os fatores de risco,
estão ainda as características familiares, que podem colocar as crianças em maior risco para o
seu desenvolvimento saudável. Dessas características pode se citar a baixa renda familiar, baixa
escolaridade dos pais, elevados níveis de stress da família, baixos níveis de suporte social, entre
outros (5)(6)(7).
O comprometimento neuromotor da paralisia cerebral pode envolver partes distintas do
corpo, resultando em classificações topográficas específicas. A classificação baseada nas
alterações clínicas do tónus muscular e no tipo de desordem do movimento pode produzir o tipo
espástico, discinético, atáxico e misto. O tipo espástico é o mais frequente e indica a existência
de uma lesão no sistema piramidal cerebral, manifestando-se um aumento exagerado do tónus
muscular (hipertonia). A articulação entre a excitação de alguns músculos e a inibição dos
antagonistas não se realiza, dando-se uma exagerada contração quando os músculos estão em
extensão (7). Outro tipo de paralisia cerebral é o discinético que é caracterizado por padrões
anormais de postura, do movimento e por movimentos involuntários, descontrolados, recorrentes
e ocasionalmente estereotipados. Este pode ser dividido em distónica e coreoatetósica. O tipo de
paralisia cerebral atáxica é uma lesão a nível do cerebelo caracterizado por padrões anormais da
postura e do movimento e pela incoordenação motora, sendo os movimentos realizados com
força, ritmo e precisão anormais. Por ultimo, temos o tipo misto que apresenta várias
combinações dos tipos anteriormente referidos (5)(7)(8)(9)(10).
É importante referir que existem casos que não podem ser claramente classificados, pois
apresentam mais do que um tipo, embora um deles predomine. Por exemplo, é comum existirem
casos com coreoatetose que manifestam algumas formas de espasticidade, assim como casos
diagnosticados de espasticidade que apresentam também formas de coreoatetose (7).
Além da classificação baseada nas alterações clínicas do tónus muscular existe a
classificação baseada na distribuição, que indica a zona do corpo afetada no movimento. Esta
pode ser unilateral, onde só está afetado um dos lados, e bilateral, onde estão afetados ambos
os lados, e ainda afetar dois, três a quatro membros. E ainda existe a classificação baseada no

2
grau de severidade na mobilidade e na comunicação. Na paralisia cerebral existem três graus, o
leve em que apenas está afetada a motricidade fina, o moderado em que está afetado tanto a
motricidade fina como a global, e o severo que apresentam dependência total na satisfação das
suas necessidades físicas ou em qualquer atividade de vida diária (7)(8)(11).
A paralisia cerebral pode trazer alguns problemas associados, sendo que os mesmos
podem ser diversos, uma vez que o cérebro possui uma multiplicidade de funções
interrelacionadas. Alguns exemplos destes problemas são perturbações da linguagem,
problemas visuais, problemas auditivos, problemas de desenvolvimento cognitivo, epilepsia,
deterioração neurológica, problemas de perceção e atenção (7).
Embora esta condição possa resultar em alterações de certa forma previsíveis no
sistema musculoesquelético, as manifestações funcionais dessa condição devem ser avaliadas
individualmente, uma vez que o desempenho funcional é influenciado não só pelas propriedades
intrínsecas da criança, mas também pelas exigências específicas da tarefa e pelas
características do ambiente no qual a criança interage. Logo, ao avaliar uma criança com
paralisia cerebral deve-se ter em conta que os desfechos funcionais nem sempre se relacionam
de forma linear e direta com a gravidade da condição patológica e clínica. Além disso, o
desempenho funcional de uma criança portadora de paralisia cerebral em um ambiente relevante
é influenciado pelas características dos contextos físico e social.(1)
A Paralisia Cerebral não tem cura, sendo que os seus problemas duram toda a vida,
mas apesar disso muito pode ser feito para que o indivíduo alcance o máximo de autonomia
possível (10). A terapia ocupacional, como integrante de uma equipa multidisciplinar, pode ser
um agente facilitador para uma criança com paralisia cerebral, por meio de avaliações seguidas
por intervenções direcionadas, além de orientações. Nas sessões é observado a capacidade da
criança de perceber o meio ao seu redor e promover, por meio do brincar, meios de intervenção
específicos integrados e dinâmicos de acordo com as caraterísticas e potenciais neuromotoras
de cada criança (12). Portanto, um terapeuta ocupacional tem como objetivo otimizar a
capacidade de funcionamento da criança e concentra-se no desenvolvimento de competências
necessárias para o desempenho das atividades da vida diária (13).
Assim, é importante não apenas a constatação do distúrbio, mas também a avaliação
individual das perturbações associadas e das suas implicações ao nível do desenvolvimento e
estruturas cerebrais. Por isso, considera-se, que tanto o diagnóstico precoce como a intervenção
precoce devem constituir como aspetos essenciais no tratamento, já que permitem aproveitar ao
máximo a plasticidade cerebral no controlo neuromotor global e, consequentemente, favorecem
as experiências inerentes às várias fases do desenvolvimento da criança. Os diferentes
tipologias de paralisia cerebral devem dar origem a planos de intervenção individualizados e
adequados ao grau de incapacidade de cada sujeito (7).
Para ajudar um terapeuta ocupacional na avaliação da criança este pode usar instrumentos
standardizados de avaliação, como entrevistas e observação direta do desempenho,
preferencialmente, em contexto. Alguns dos instrumentos que podem ser utilizados na avaliação
são, por exemplo o Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI) que avalia o desempenho
funcional da criança observando os autocuidados, mobilidade e função social, a Classificação do
Desempenho na Alimentação (CDA) que avalia as competências alimentares, classificando em
cinco níveis as dificuldades alimentares, o Bimanual Fine Motor Function (BFMF) que tem
enfoque no manuseamento em objetos, o Peabody Developmental Motor Scales (PDMS) que

3
avalia a motricidade global e final e o Assessment of Life Habits (LIFE-H) que avalia a qualidade
da participação social e identifica situações de vantagem de pessoas com paralisia cerebral (8)
(11)(14)(15)
Após a realização da avaliação, deverá ser feito um plano de intervenção, em colaboração
com os pais e com a criança. Esse plano deve incluir os objetivos que os pais esperam que a
criança atinja, bem como as quais desejam ver primeiro atingidos, podendo ser estabelecidos
através de uma abordagem top-down, partindo de ocupações significativas ou de uma
abordagem bottom-up, partindo das funções do corpo. Ao desenvolver esses objetivos devem
ser criados objetivos a longo prazo, que devem ir de encontro ao que a família deseja e estar
relacionados com as restrições da criança, e objetivos a curto prazo, mais dirigidos às atividades
e geralmente feitos pelos terapeutas. Esses objetivos devem responder a quatro componentes,
“o que quero que aconteça?”, “como quero que aconteça?”, “onde quero que aconteça?” e
“quando quero que aconteça?”. Através da intervenção, o terapeuta pretende melhorar o
desempenho ocupacional do cliente, nomeadamente a aquisição de competências em falta, e
para isso utiliza atividades significativas para a criança, como por exemplo o brincar, com o
intuito de melhorar progressivamente a sua participação (13).
Uma forma de intervenção são as técnicas relativas às adaptações específicas do meio em
que se encontra inserida a criança com a perturbação. Outra é a abordagem de Bobath, que visa
a restauração dos movimentos normais e na eliminação de movimentos anormais, baseado na
inibição dos reflexos primitivos padrões patológicos de movimento, e proporcionando assim um
maior grau de independência nas atividades (10)(16).
As técnicas fundamentais do método Bobath são os pontos-chave de controlo e as técnicas
de estimulação tátil propriocetivas, e devem ser usadas em combinação ou isoladamente,
dependendo das necessidades do paciente. Os pontos-chave de controlo são partes do corpo
através das quais o terapeuta pode controlar e modificar, com maior eficácia, os padrões de
postura e de movimentos em outras partes do corpo. Eles podem ser usados para inibir,
estimular e facilitar. Enquanto que as técnicas de estimulação tátil propriocetivas podem ser
utilizadas quando há défice sensorial com fraqueza muscular, devido à falta de input
sensorial. Portanto, o método Bobath pode atuar nos sentidos de aumentar o tónus, trabalhar o
controlo e alinhamento de cabeça e tronco, trabalhar problemas relacionados a atividades
funcionais, conseguir atividades contra a gravidade e usar estimulações apropriadas (16)(17)
(18). Um outro exemplo é o Pedisuits que tem como objetivo similar as demais terapias
intensivas com o uso de fatos especiais, cordas elásticas e unidades de terapia universal. Este
ajuda a criar uma unidade de suporte para alinhar o corpo o mais próximo do fisiológico,
restabelecendo o correto alinhamento postural e da descarga de peso, que são fundamentais na
adequação do tónus muscular e na função sensorial propriocetiva e vestibular (19).
Conclui-se assim que a intervenção em crianças com paralisia cerebral é de importância
elevada e que realizada precocemente pode trazer benefícios tanto nas crianças como nas suas
famílias porque, por um lado, a intervenção precoce ajuda a criança a conseguir um
desenvolvimento otimizado para a sua condição de vida em particular e, por outro lado, pode
fazer com que as crianças e as suas famílias vivam maiores graus de estabilidade e segurança
(7) (20).

Referências Bibliográficas:

4
1. Mancini MC, Alves, Schaper C, Figueiredo EM, Sampaio, Coelho ZAC, et al. Gravidade
Da Paralisia Cerebral E Desempenho Funcional. Rev bras fisioter. 2004;8(3):253–60.
2. Andrada DG, Folha E. T, Gouveia D. R, Virella DD, Cadete DA, Alvarelhão DJJ, et al.
Vigilância Nacional da Paralisia Cerebral aos 5 anos. Vigilância Nac da Paralis Cereb aos
5 anos Crianças nascidas entre 2001 e 2003 [Internet]. 2012; Available from:
http://www.spp.pt/conteudos/default.asp?ID=141
3. Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Bax M, Damiano D, et al. A report: The
definition and classification of cerebral palsy April 2006. Dev Med Child Neurol.
2007;49(SUPPL.109):8–14.
4. Smithers-Sheedy H, Badawi N, Blair E, Cans C, Himmelmann K, Krägeloh-Mann I, et al.
What constitutes cerebral palsy in the twenty-first century? Dev Med Child Neurol.
2014;56(4):323–8.
5. Assis-Madeira EA, Carvalho SG de. Paralisia cerebral e fatores de risco ao
desenvolvimento motor: uma revisão teórica. Cad Pós-Graduação em Distúrbios do
Desenvolv. 2009;9(1):142–63.
6. A Influência da Postura Corporal na Qualidade de Vida [Internet]. [cited 2018 Jan 25].
Available from: http://blogfisioterapia.com.br/postura-corporal/
7. Proença I. Dificuldades e dúvidas de pais de crianças com Paralisia Cerebral. 2011;
8. Mancini MC, Fiúza PM, Rebelo JM, Magalhães LC, Coelho ZAC, Paixão ML, et al.
Comparison of functional activity performance in normally developing children and
children with cerebral palsy. Arq Neuropsiquiatr. 2002;60(2):446–52.
9. Cerebral P, Central SN, Diament S. Problemática Específica do Aluno - Paralisia
Cerebral. 2008;17–29.
10. Lino A. Intervenção Da Fisioterapia Na Paralisia Cerebral: Relatório De Estagio. 2016;
11. R CPdEl, Al. E. Classification of motor function and functional performance in children
with cerebral palsy. Rev Bras Fisioter [Internet]. 2008;12(5). Available from:
https://moodle.ess.ipp.pt/pluginfile.php/13676/mod_resource/content/0/Classificacao_da_f
uncao_motora_e_do_desempenho_funcional_de_criancas_com_paralisia_cerebral._Port
uguese_.pdf
12. NeuroAlpha | A Terapia Ocupacional na Paralisia Cerebral [Internet]. [cited 2018 Oct 8].
Available from: http://neuroalpha.com.br/artigo_terapia_paralisia.php
13. Aota. Estrutura da prática da terapia ocupacional: domínio e processo - 3 a edição.
Tradução: Alessandra Cavalcanti, Fabiana Caetano Martins Silva e Dutra, Valéria
Meirelles Carril Elui. Rev Ter Ocup da Univ São Paulo. 2015;26:1–49.

5
14. McConachie H, Colver AF, Forsyth RJ, Jarvis SN, Parkinson KN. Participation of disabled
children: How should it be characterised and measured? Disabil Rehabil.
2006;28(18):1157–64.
15. Development E. Developmental Screening and Assessment Instruments. 2008;(May).
16. Silva TF. A Importância do Método Bobath na Reabilitação de Criança com Paralisia
Cerebral. Rev Científica Multidiscip Núcleo do Conhecimento. 2017;01:1–7.
17. Zilli F. Systemic Review of the Procedures of Occupational Therapy in Cerebral Palsy.
Rev Baiana Ter Ocup [Internet]. 2013;2(1):17–28. Available from:
https://www5.bahiana.edu.br/index.php/terapiaocupacional/article/view/182
18. Castilho-Weinert LV, Forti-Bellani CD. Abordagem Fisioterapêutica pelo conceito
Neuroevolutivo de Bobath. Fisioter em Neuropediatr [Internet]. 2011;43–68. Available
from: http://omnipax.com.br/livros/2011/FNP/FNP-cap3.pdf
19. Scheeren EM, Mascarenhas LPG, Chiarello CR, Costin ACMS, Oliveira L, Neves EB.
Description of the Pediasuit ProtocolTM. Fisioter em Mov [Internet]. 2012;25(3):473–80.
Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
51502012000300002&lng=en&tlng=en
20. Simões CC, Silva L, Santos MR dos, Misko MD, Bousso RS. A experiência dos pais no
cuidado dos filhos com paralisia cerebral. Rev Eletrônica Enferm [Internet].
2013;15(1):138–45. Available from:
http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/article/view/13464

Você também pode gostar