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■ Solução: Havendo conflito entre a aplicação de uma lei e a Constituição, aplica-se a regra
constitucional, por ser hierarquicamente superior
John Adams, presidente dos EUA, foi derrotado na eleição presidencial por
Thomas Jefferson.
Adams resolveu, antes de ser sucedido por Jefferson, nomear diversas pessoas
ligadas ao seu governo como juízes federais, destacando-se William Marbury, cuja
“comissão” para o cargo de “juiz de paz” do condado de Washington foi assinada por
Adams, sem, contudo, ter-lhe sido entregue.
Jefferson, por sua vez, ao assumir o governo, nomeou James Madison como seu
Secretário de Estado e, ao mesmo tempo, por entender que a nomeação de Marbury
era incompleta até o ato da “comissão”, já que esta ainda não lhe havia sido entregue,
determinou que Madison não mais efetivasse a nomeação de Marbury.
Naturalmente, Marbury acionou Madison pedindo explicações. Sem resposta,
Marbury resolveu impetrar writ of mandamus, buscando efetivar a sua nomeação.
Depois de dois longos anos, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América
resolveu enfrentar a matéria. John Marshall, Chief Justice, em seu voto, analisou
vários pontos, dentre os quais a questão de se a Suprema Corte teria competência para
apreciar ou não aquele remédio de writ of mandamus.
Isso porque, segundo a Constituição dos EUA, “o Supremo Tribunal terá jurisdição
originária em todas as causas concernentes a embaixadores, outros ministros públicos
e cônsules, e nos litígios em que for parte um Estado. Em todas as outras causas, o
Supremo Tribunal terá jurisdição em grau de recurso”.67
Ou seja, na prática, pela primeira vez teria a Suprema Corte de analisar se deveria
prevalecer a lei (seção 13 do Judiciary Act, de 1789, que determinava a apreciação
da matéria pela Suprema Corte) ou a Constituição de 1787, que não fixou tal
competência originária, em verdadeiro conflito de normas.
Até então, a regra era a de que a lei posterior revogava a lei anterior. Assim, teria a
lei revogado o artigo de Constituição que tratava das regras sobre competência
originária?
Depois de muito meditar, inclusive sobre o papel da Constituição escrita, Marshall
conclui: “assim, a ‘fraseologia’ particular da Constituição dos Estados Unidos
confirma e corrobora o princípio essencial a todas as constituições escritas, segundo
o qual é nula qualquer lei incompatível com a Constituição; e que os tribunais, bem
como os demais departamentos, são vinculados por esse instrumento”.68
Pode-se, assim, afirmar que a noção e a ideia de controle difuso de
constitucionalidade, historicamente, devem-se ao famoso caso julgado pelo Juiz John
Marshall da Suprema Corte norte-americana, que, apreciando o precedente Marbury
v. Madison, em 1803, decidiu que, havendo conflito entre a aplicação de uma lei em
um caso concreto e a Constituição, deve prevalecer a Constituição, por ser
hierarquicamente superior.
Como anota Oscar Vilhena, referido precedente “... é resultado, única e
exclusivamente, de uma leitura expandida da Constituição americana e,
posteriormente, na tradição da common law, da ação reiterada dos magistrados. Este
poder de controlar a compatibilidade das leis com a Constituição decorre, assim, da
jurisprudência americana, e não de uma autorização positivada de forma expressa
pelo constituinte”.69
Para esta última situação, o art. 97 da CF/88 estabelece que somente pelo voto da
maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial
poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do
Poder Público.70 Temos aqui a chamada cláusula de reserva de plenário, também
denominada regra do full bench.
Descrevendo o procedimento, o art. 950, CPC/2015, estabelece que, remetida
cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de
julgamento, observando-se as seguintes regras:
■ pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato
questionado: poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade se
assim o requererem, observados os prazos e as condições previstos no regimento
interno do tribunal;
■ parte legitimada à propositura das ações previstas no art. 103 da CF/88:
poderá manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de
apreciação, no prazo previsto pelo regimento interno, sendo-lhe assegurado o
direito de apresentar memoriais ou de requerer a juntada de documentos;
“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos
membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.
■ inter partes: a decisão está limitada às partes do processo (e essa regra terá
que ser lida com os temperamentos decorrentes da perspectiva de efeito erga
omnes da tese do julgamento a partir de uma perspectiva de mutação
constitucional do art. 52, X, que discutimos nos itens seguintes);
■ 6.6.4.2. Para terceiros (art. 52, X): visão clássica e tradicional do papel do
Senado Federal no controle difuso considerando que não houve mutação
constitucional
Conforme explicamos no item 6.6.5, a perspectiva de mutação constitucional do art.
52, X, se consolidou em debate travado em processo de controle concentrado e
abstrato, ou seja, em declaração de inconstitucionalidade incidental em processo
abstrato (ADIs 3.406 e 3.470, j. 29.11.2017) e não em controle difuso puro.
Deixamos claro que, em referido julgamento, por 7 x 2, o STF acatou a tese de que
o papel do Senado Federal seria apenas para dar publicidade à decisão que
reconhece a inconstitucionalidade de uma lei de modo incidental, como questão
prejudicial, e que o efeito vinculante e erga omnes decorreria da própria decisão
judicial, não havendo a necessidade de atuação do Senado Federal.
A matéria não foi destacada de modo formal como questão preliminar a ser
enfrentada no referido julgamento. Apesar disso, entendemos que a mutação
constitucional do art. 52, X, passa a ser uma realidade para o STF.
Ao menos nesta edição — e estaremos acompanhando a evolução da Corte,
manteremos a explicação sobre a regra clássica do art. 52, X, descrevendo como
deveria ser o papel do Senado Federal no controle difuso se ainda válida a regra do
art. 52, X.
Entendemos que, para o STF dar efeito erga omnes e vinculante em relação à
declaração de inconstitucionalidade de lei nulificada incidentalmente, terá a Corte
que formalmente assim se pronunciar e, no caso, entendemos, fazer constar
expressamente como tese do julgamento e na ementa do acórdão.
CUIDADO: para efeito de provas de concursos, conforme estamos sentindo essa
inegável aproximação entre o controle difuso e o controle concentrado proclamada
pelo STF, o novo entendimento deverá ser considerado, especialmente diante das
perspectivas trazidas pelo CPC/2015 em relação aos precedentes e que explicaremos
em outro item.
■ NÃO
■ NÃO
■ SIM ■ preservação da regra
■ preservação da regra
estabelecida no art. 52, X —
■ art. 52, X — reconhecimento de estabelecida no art. 52, X
não acolhimento da tese da
mutação constitucional — não acolhimento da tese
■ o Senado Federal daria mutação constitucional da mutação constitucional
simplesmente publicidade à decisão ■ reconhecimento de fato ■ utilização da súmula
de inconstitucionalidade declarada de superveniente, qual seja, a SV vinculante para se dar
modo incidental no controle difuso 26/2009 — aplicação do art. efeitos erga omnes
pelo STF 462, CPC/73 (art. 493, ■ esses 4 Ministros
■ esses 2 Ministros conheceram e CPC/2015) concederam HC de ofício
julgaram procedente a reclamação ■ esses 4 Ministros e não conheceram da
conheceram e julgaram reclamação
procedente a reclamação
8 Ministros contra 2 entendem que não houve mutação constitucional do art. 52, X
■ Gilmar Mendes
■ Celso de Mello
■ Dias Toffoli ■ Ricardo
■ Marco Aurélio
■ Rosa Weber Lewandowski
■ Alexandre de Moraes
■ Edson Fachin ■ Roberto Barroso
■ Luiz Fux
■ Cármen Lúcia
■ SIM ■ NÃO
■ art. 52, X — reconhecimento ■ preservação da regra estabelecida no art. ■ NÃO SE
de mutação constitucional 52, X — não acolhimento da tese da mutação MANIFESTARAM
■ o Senado Federal daria constitucional ■ Impedido o Min.
s im ples m ente publicidade à ■ a maneira de se dar efeito vinculante seria Barroso e ausente
decisão de inconstitucionalidade apenas nos termos da Constituição, qual o Min.
declarada de modo incidental seja, em processo abstrato e concentrado Lewandowski
pelo STF ou em razão de edição de súmula vinculante
ADIs 3.406 e 3.470, Rel. Min. Rosa Weber, j. 29.11.2017, DJE de 1.º.02.2019 (pendente
o julgamento dos embargos declaratórios)
REGRA REGRA/CORRESPONDÊNCIA/NOVIDADE
CPC/73 CPC/2015
CPC/73 CPC/2015
■ possibilidade de o
relator decidir de ■ deixa claro que a jurisprudência dominante é
plano o conflito de do STF, STJ ou do próprio Tribunal
competência
■ art. 120, ■ aumenta o poder decisório do relator quando
havendo ■ art. 955
parágrafo único a tese tiver sido firmada em julgamento de
jurisprudência
casos repetitivos ou em incidente de
dominante do
assunção de competência
tribunal sobre a
questão suscitada
■ impugnação à
fase executiva no
cumprimento de
sentença para
declarar a ■ mantém a ideia com as observações e
■ art. 475-L, § ■ art. 525,
inexigibilidade do críticas que fizemos no item 6.7.1.17.4.3
1.º §§ 12 a 15
título quando houver deste estudo
declaração de
inconstitucionalidade
da lei que funda o
título
■ impugnação na
execução contra a
Fazenda Pública
para declarar a
■ mantém a ideia com as observações e
■ art. 741, inexigibilidade do ■ art. 535,
críticas que fizemos no item 6.7.1.17.4.3
parágrafo único título quando houver §§ 5.º a 8.º
deste estudo
declaração de
inconstitucionalidade
da lei que funda o
título
■ recomendação
■ os tribunais devem uniformizar sua
para a
■ art. 479 ■ art. 926 jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e
uniformização da
coerente
jurisprudência
■ dispensa da
■ art. 949,
cláusula de reserva
■ art. 481, § 1.º parágrafo ■ regra prevista de modo idêntico
de plenário no
único
controle difuso
■ espécie de
■ a admissibilidade negativa é transferida para
súmula impeditiva
o Relator no Tribunal, e não mais para o juízo
de recurso,
a quo que proferiu a sentença, podendo
caracterizada como
decidir monocraticamente (no Novo Código,
um pressuposto de
não há mais juízo de admissibilidade pelo juiz
admissibilidade
negativo do recurso, ■ art. 1.011, que proferiu a sentença — art. 1.010, § 3.º)
■ art. 518, § 1.º já que o juiz não I, c/c art. ■ na linha das novidades do CPC/2015, o
receberá o recurso 932, IV Relator poderá negar provimento ao recurso
de apelação quando que for contrário a: súmula do STF ou do STJ;
a sentença estiver acórdão proferido pelo STF ou STJ em
em conformidade julgamento de recursos repetidos; incidente
com súmula do STJ firmado em IRDR ou assunção de
ou do STF competência
■ análise da
repercussão geral
no recurso
extraordinário. ■ arts. ■ a regra da repercussão geral foi mantida e
■ arts. 543-A, Julgamento por 1.035 e mais bem disciplinada a técnica do
543-B e 543-C amostragem — 1.036 e julgamento de recursos extraordinário e
processos-modelos segs. especial repetidos
tanto no recurso
extraordinário como
no especial
■ atribuição dada ao
relator do agravo
em recurso especial
ou extraordinário
para,
monocraticamente, ■ poderes dados ao relator para negar
com base em provimento a recurso ou dar provimento em
■ arts. 544, §
jurisprudência do ■ art. 932, razão de súmula do STF ou do STJ, acórdão
4.º, I e II, e 557,
STJ ou do STF, IV e V em julgamento de recursos repetidos,
caput e § 1.º-A
conhecer do agravo entendimento firmado em IRDR ou assunção
e provê-lo ou negar- de competência
lhe seguimento.
Essa previsão está
explícita, também,
para os recursos
em geral (art. 557)
■ ocorrendo
relevante questão
de direito, que faça
conveniente
prevenir ou compor ■ o novo Código criou um capítulo próprio para
divergência entre o que chamou de incidente de assunção de
câmaras ou turmas competência — IAC
do tribunal, poderá o ■ o art. 947, § 3.º, prevê que o acórdão
■ art. 555, § 1.º relator propor seja o ■ art. 947 proferido em assunção de competência
recurso julgado pelo vinculará todos os juízes e órgãos
órgão colegiado que fracionários, exceto se houver revisão de tese,
o regimento indicar; fazendo a previsão de cabimento de
reconhecendo o reclamação para garantir a observância do
interesse público na referido precedente (art. 988, IV)
assunção de
competência, esse
órgão colegiado
julgará o recurso
■ Os juízes e os tribunais observarão: III — os
acórdãos em incidente de assunção de
competência ou de resolução de demandas
repetitivas e em julgamento de recursos
extraordinário e especial repetitivos; IV — os
■ não há ■ não há ■ art. 927,
enunciados das súmulas do Supremo
correspondência correspondência III, IV e V
Tribunal Federal em matéria constitucional e
do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional; V — a orientação do
plenário ou do órgão especial aos quais
estiverem vinculados
A) EXPOSIÇÃO DA MATÉRIA
Analisados os dispositivos normativos acima listados, não temos dúvidas em
reconhecer, tanto no revogado CPC/73 como no de 2015, o inegável processo de
expansividade das decisões proferidas em casos concretos, bem como a força dada
à jurisprudência dos tribunais.
Todos os exemplos indicam uma inegável tendência de valorização dos
precedentes, na linha do que o CPC/2015 denominou jurisprudência dos tribunais
estável, íntegra e coerente (art. 926, caput).
Aliás, devemos destacar que o texto original do Senado Federal estabelecia apenas
uma valorização da estabilidade da jurisprudência. A previsão da integridade e da
coerência se verificou em razão de sugestão feita por Lenio Streck à comissão de
especialistas na Câmara dos Deputados (por todos, Fredie Didier), bem como ao
Relator, Deputado Paulo Teixeira, e que veio a ser acatada pelo Senado Federal, na
votação final do substitutivo.
Devemos, então, analisar a amplitude dessa dita “emenda streckiana-
dworkiniana” ao projeto de lei (assim chamada por Streck),98 especialmente no
sentido de se verificar a amplitude da vinculação da jurisprudência dos tribunais em
relação aos juízes do Brasil e a potencialização supostamente dada para o cabimento
da reclamação constitucional.
Em primeiro lugar, temos que aplaudir essa importante potencialização dada à
jurisprudência no CPC/2015, ao prever um sentido bastante técnico desses vetores
principiológicos a partir de uma concepção de dignidade da pessoa humana,
considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da
isonomia (art. 927, § 4.º, CPC/2015).
Para Streck, “a estabilidade é diferente da integridade e da coerência do Direito,
pois a ‘estabilidade’ é um conceito autorreferente, isto é, numa relação direta
com os julgados anteriores. Já a integridade e a coerência guardam um substrato
ético-político em sua concretização, isto é, são dotadas de consciência histórica e
consideram a facticidade do caso”.99 Nesse sentido, o autor define com precisão os
necessários “atributos” das decisões judiciais:
Pois bem, definido esse novo sentido da jurisprudência, resta analisar a amplitude
da vinculação dos juízes e tribunais e, no caso, o cabimento ou não desse inegável
direito fundamental (verdadeiro direito de petição — art. 5.º, XXXIV, “a”),
denominado reclamação constitucional.
Pelos dispositivos normativos citados no quadro acima, o CPC/2015 seguiu a
tendência que já se verificava em relação às últimas minirreformas do Código
Buzaidiano de 1973, aumentando o poder decisório dos relatores e a “vinculação”
sugestiva decorrente de posicionamentos já sumulados e pacificados nos tribunais
superiores.
O CPC/2015, contudo, avançou e supervalorizou o cabimento da reclamação e,
assim, o efeito vinculante das decisões. A sua modificação pela Lei n. 13.256/2016,
apesar de minimizar essa vinculação, continuou prevendo situações que, em nosso
entender, afrontam a Constituição.
Destacamos, então, as hipóteses de cabimento da reclamação constitucional nos
termos do art. 988 do CPC/2015, para:
Na nova redação conferida ao art. 988, III, pela Lei n. 13.256/2016, o legislador
foi bem sensato ao prescrever, em um mesmo inciso, as situações de verdadeiro efeito
vinculante previstas na Constituição para o cabimento da reclamação constitucional,
quais sejam, enunciado de súmula vinculante e decisão do STF em controle
concentrado.
No inciso IV do art. 988 houve a indicação de situações que se aproximam e foram
criadas pelo CPC/2015, quais sejam, o cabimento de reclamação constitucional para
garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução
de demandas repetitivas (IRDR — nesse sentido, cf. também art. 985, § 1.º) ou de
incidente de assunção de competência (IAC). Mesmo com as particularidades desses
institutos, entendemos que a fixação de efeito vinculante sem a previsão na
Constituição (que só estabelece em razão de edição de SV ou decorrente de decisão
proferida em controle concentrado) apresenta-se com duvidosa constitucionalidade.
A última hipótese de cabimento da reclamação constitucional foi estabelecida para
garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão
geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos
extraordinário ou especial repetitivos, desde que esgotadas as instâncias
ordinárias (art. 988, § 5.º, CPC, introduzido pela Lei n. 13.256/2016).
O fato de criar uma condição, qual seja, o esgotamento das instâncias ordinárias,
em nosso entender, não afasta a inconstitucionalidade do dispositivo.
Sobre esse tema específico, cabe anotar que, até o fechamento desta edição, havia
apenas um caso em que o STF interpretou a expressão “instâncias ordinárias”. Para
4 Ministros da 2.ª Turma do STF (lembrando que a Turma é integrada por 5
Ministros), “em se tratando de reclamação para o STF, a interpretação do art. 988, §
5.º, II, do CPC/2015 deve ser fundamentalmente teleológica, e não estritamente literal.
O esgotamento da instância ordinária, em tais casos, significa o percurso de todo o
iter recursal cabível antes do acesso à Suprema Corte. Ou seja, se a decisão
reclamada ainda comportar reforma por via de recurso a algum tribunal, inclusive a
tribunal superior, não se permitirá acesso à Suprema Corte por via de reclamação”
(Rcl 24.686 ED-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 25.10.2016, 2.ª T., DJE de
11.04.2017).102
De todo modo, em sendo aceita a vinculação da tese jurídica firmada em referidos
procedimentos novos (IRDR e IAC) e no caso do art. 988, § 5.º, II, CPC/2015, temos
de deixar claro que a vinculação, nesses casos específicos, restringir-se-á ao âmbito
do Poder Judiciário, não atingindo a administração pública, sob pena de se violar o
princípio da separação de poderes (a Constituição estabelece o efeito vinculante em
relação à Administração Pública apenas nos casos de controle concentrado — art.
102, § 2.º, CF/88 — e de súmula vinculante — art. 103-A, CF/88).
B) NOSSA OPINIÃO
Apresentadas as perspectivas de constitucionalidade das novas hipóteses de
reclamação trazidas pela lei (não previstas expressamente na Constituição), temos de
trazer a nossa opinião.
Em nosso entender, essas regras de vinculação e o consequente cabimento da
reclamação constitucional não poderiam ter sido introduzidos por legislação
infraconstitucional, porque dependeriam, necessariamente, de emenda constitucional
a prever outras hipóteses de decisões com efeito vinculante, além daquelas já
previstas na Constituição.
Como se sabe e já afirmamos anteriormente, na CF/88, o efeito vinculante (no
caso, premissa para se falar nessa hipótese de cabimento da reclamação), somente se
observa em razão das decisões em controle concentrado de constitucionalidade (art.
102, § 2.º),103 ou em razão de edição, revisão ou cancelamento de súmula
vinculante (art. 103-A),104 regra essa, aliás, na linha do que sustentamos, introduzida
pela EC n. 45/2004.
Não podemos confundir efeitos processuais dos instrumentos elencados acima com
ampliação das hipóteses de cabimento da reclamação constitucional (art. 102, I,
“l”) para a garantia da autoridade das decisões dos tribunais.
Até podemos admitir, aplicando-se os instrumentos de coerência e integridade, o
que, de modo muito interessante, Streck denominou “vinculação orgânica-
material”105 dos julgadores.
Entretanto, essa dita “vinculação”, no controle da decisão judicial, não poderá
ensejar o cabimento da reclamação constitucional. Trata-se de norma de caráter
programático, e não de imposição. Busca-se criar uma cultura de observância dos
precedentes, mas não a hipótese de reclamação constitucional que não encontra
fundamento na Constituição.
Como se disse, sem dúvida, ferramentas processuais serão importantes para
abreviar a entrega da prestação jurisdicional (aliás, como sabemos, a razoável
duração do processo é direito fundamental — art. 5.º, LXXIII, CF/88).
Exemplificando, é perfeitamente admissível a introdução por lei de julgamento
monocrático pelo relator no tribunal em observância à jurisprudência dominante do
STF ou do STJ, ou a restrição das hipóteses de remessa necessária.
Contudo, isso não pode significar o cabimento da reclamação constitucional.
Assim, entendemos, flagrantemente inconstitucional essa pretensão trazida no
CPC/2015.
Estamos nos referindo aos arts. 988, IV e § 5.º, II; 985, § 1.º; 947, § 3.º, e,
também, ao art. 927, III, IV e V (CPC/2015), ao se estabelecer que os juízes e
tribunais observarão:
FUNDAMENTO
AÇÃO REGULAMENTAÇÃO
CONSTITUCIONAL