Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Abstract A descriptive study of the perception of Resumo Tomando como base reflexões bioéticas
public administrators and counselors regarding sobre direitos humanos, realizou-se um estudo
disability was conducted on the basis of bioethi- descritivo e exploratório sobre a percepção de con-
cal reflections on human rights. The survey in- selheiros e gestores públicos acerca da deficiência.
volved 50 participants, divided into two groups: Para tanto, foi conduzido um survey com 50 par-
29 counselors on the rights of disabled people and ticipantes, distribuídos em dois grupos: 29 conse-
21 specialists in public policies and government lheiros de direitos da pessoa com deficiência e 21
administration. The data obtained was submit- especialistas em políticas públicas e gestão gover-
ted to descriptive statistical analysis. In general, namental. Os dados obtidos foram submetidos à
the results showed that for counselors disability is análise estatística descritiva. De modo geral, os
a social issue and should be shared by society, resultados apontaram que, para os conselheiros, a
whereas for public administrators it is predomi- deficiência é uma questão social que deve ser com-
nantly a personal tragedy limited to the individ- partilhada em sociedade; ao passo que, para os
ual and family sphere. It is considered that this gestores, trata-se sobretudo de uma tragédia pes-
differentiated view arises from different perspec- soal circunscrita à esfera individual e familiar.
tives regarding the allocation of public resources. Hipotetiza-se que tal visão diferenciada decorre
It is also necessary to stress the importance of liv- de perspectivas diferentes em relação à alocação
ing with a disability, or living with people with dos recursos públicos. Destaca-se, também, a im-
disabilities, to base the assessment of quality and portância da vivência da deficiência, ou a convi-
1
Secretaria Nacional de
satisfaction with life experienced by people with vência com pessoas com deficiência, para funda-
Promoção dos Direitos da
Pessoa com Deficiência, disabilities and contribute to the elaboration of mentar a avaliação da qualidade e a satisfação
Secretaria de Direitos public policies. Similar studies with more com- com a vida experimentada pelas pessoas com defi-
Humanos da Presidência da
prehensive and diversified samples are recom- ciência e contribuir para a elaboração de políti-
República. SCS B, Q 09, Lote
C, Edifício Parque Cidade mended, as well as the adoption of participative cas públicas. Recomendam-se estudos semelhan-
Corporate, Torre A - 8º and qualitative methodologies. tes com amostras mais abrangentes e diversifica-
Andar. 70775-090 Brasília
Key words People with disabilities, Bioethics, das, assim como a adoção de metodologias quali-
DF.
liliane.bernardes@sdh.gov.br Public policies, Counselors on human rights, Pub- tativas e participativas.
2
Departamento de lic administrators Palavras-chave Pessoas com deficiência, Bioéti-
Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento, Instituto
ca, Políticas públicas, Conselheiros de direitos,
de Psicologia, Universidade Gestores públicos
de Brasília.
2436
Bernardes LCG, Araújo TCCF
vidas menos satisfatórias que as vidas das pes- quanto mais utilidade eles ganham ou produ-
soas que não os têm. Consequentemente, sus- zem a partir de um recurso, maior é sua reivindi-
tenta que é justificável a atitude de pais que prefe- cação sobre esse recurso. Na medida em que a
rem deixar que recém-nascidos nessas condições deficiência reduz a utilidade, a preservação de vi-
morram. Contudo, o autor insiste que, uma vez das de pessoas com deficiência tem menor prio-
que pessoas com deficiência tenham passado de ridade; se a correção da deficiência aumenta a
um ano de idade, elas têm o mesmo direito à utilidade, a intervenção médica torna-se mais
vida de qualquer outra pessoa sem deficiência, prioritária.
desde que tenham racionalidade, autoconsciên- Considerando, portanto, o interesse científi-
cia, senciência e capacidade de diferenciar o pas- co e social da temática discutida anteriormente,
sado do futuro23. realizou-se um estudo descritivo e exploratório
Ativistas dos direitos das pessoas com defici- sobre a percepção de conselheiros e gestores acerca
ência têm uma visão crítica da prática generaliza- da deficiência e das políticas públicas, adotando-
da da realização de diagnóstico pré-natal seguido se como base o debate bioético e a legislação.
de aborto, quando há possibilidade da gestação
resultar em uma criança com deficiência. Segun-
do Saxton24 é irônico que, após tantos ganhos Método
alcançados pelas pessoas com deficiência na legis-
lação (no acesso à educação e ao emprego) e os Participantes
avanços nos campos médico e da reabilitação, as
novas tecnologias genéticas e de reprodução este- A amostra foi composta por dois grupos dis-
jam prometendo eliminar nascimentos de crian- tintos. Para integrar o grupo de conselheiros,
ças com deficiência. Muitos ativistas dos direitos foram convidados membros do Conselho Naci-
das pessoas com deficiência e feministas referem- onal de Direitos da Pessoa com Deficiência (CO-
se ao aborto seletivo como a “nova eugenia”. NADE), órgão colegiado superior criado para
Para Saxton24, há uma diferença-chave em acompanhar e avaliar o desenvolvimento da po-
relação à liberdade reprodutiva entre os objeti- lítica nacional de inclusão da pessoa com defici-
vos dos movimentos pelos direitos reprodutivos ência. De um total de 76 indivíduos, participa-
e das pessoas com deficiência: enquanto o pri- ram 21 conselheiros, sendo que para um inter-
meiro enfatiza o direito de realizar o aborto, o valo de 85% (p = 0,85), o nível de confiança para
segundo busca a garantia pelo direito de não ter esta subamostra foi de aproximadamente 90%.
que realizar o aborto. Os defensores dos direitos O grupo de gestores foi constituído por mem-
das pessoas com deficiência acreditam que mu- bros da carreira de Especialistas em Políticas Pú-
lheres com deficiência devem ter o direito de te- blicas e Gestão Governamental (EPPGG). Trata-
rem filhos e serem mães, e toda mulher tem o se de servidores públicos federais que atuam em
direito de resistir à pressão para abortar quando atividades de formulação, implementação e ava-
existe potencial para o feto ter deficiência. liação de políticas públicas e de direção e assesso-
A qualidade de vida muitas vezes tem sido ramento nos escalões superiores da Administra-
utilizada como parâmetro para definir como os ção Federal direta, autárquica e fundacional. Esta
recursos em saúde devem ser alocados. Contu- subamostra foi composta por 29 gestores, em
do, se a expectativa é auferir o maior benefício um universo populacional de 888 indivíduos.
através da maximização da qualidade de vida, Para um intervalo de 85% (p = 0,85), o nível de
estereótipos sobre como a deficiência diminui a confiança foi de cerca de 90%.
qualidade de vida podem limitar a assistência
recebida pelas pessoas com deficiência. Na opi- Intrumentos
nião de Wasserman25, as implicações da deficiên-
cia para a alocação de recursos, segundo a visão Foram elaborados dois questionários simila-
utilitarista, são bastante controversas em rela- res (versão conselheiro e versão gestor), cada um
ção à tomada de decisão na assistência à saúde. composto por 24 perguntas de múltipla escolha,
Em sua vertente clássica, o utilitarismo avalia o sendo que o primeiro conjunto de questões le-
valor das vidas pelo prazer, felicidade ou satisfa- vantava dados pessoais do participante e o se-
ção que elas usufruem, e julga entre as vidas pelo gundo apresentava afirmações às quais o respon-
seu impacto na soma de prazer, felicidade ou sa- dente deveria assinalar se concordava, concorda-
tisfação no mundo. Indivíduos importam ape- va parcialmente ou se discordava. Exemplos de
nas como portadores e produtores de utilidade: algumas afirmações: “As pessoas com deficiência
2441
Resultados e discussão
Caracterização sociodemográfica
Gestores 6,9 37,9 55,2
O grupo de conselheiros reuniu 66,7% (n =
14) participantes do sexo masculino e 33,3% (n Conselheiros 4,8 14,2 81
= 7) do sexo feminino; 66,7% (n = 14) informou
ser casado ou viver com companheiro, 19% (n = 0% 20% 40% 60% 80% 100%
4) comunicou ser solteiro, 14,3% (n = 3) divorci-
Concordo Concordo parcialmente Discordo
ado ou separado. Quanto à escolaridade, 52,4%
(n = 11) alcançou o ensino superior (completo
ou incompleto); 38,1% (n = 8) fez pós-gradua- Gráfico 1. Deficiência como questão pessoal
2442
Bernardes LCG, Araújo TCCF
uma tragédia pessoal. Em contraposição, ape- ampliar à acessibilidade de pessoas com deficiên-
nas 19% dos conselheiros manifestaram-se de cia em locais públicos, mesmo que os recursos
modo semelhante. É possível supor que tal visão disponíveis não sejam suficientes para atender às
diferenciada reflete perspectivas diferentes em re- necessidades básicas da maioria da população.
lação à alocação dos recursos públicos. Entre os gestores, esse percentual foi de 41,4%
Vale salientar que o percentual de indivíduos (Gráfico 2). Aparentemente, a percepção dos con-
que discordou da afirmação de que pessoas com selheiros revela uma concepção de que políticas
deficiência não estão aptas a tomarem decisões públicas devem alocar recursos para minorias,
sozinhas foi maior entre gestores (75,9%) do que mesmo que exista escassez de recursos orçamen-
entre conselheiros (47,5%). Isto suscita questio- tários. Em oposição, boa parte dos gestores pa-
namentos a respeito da maneira como os conse- rece corroborar a perspectiva utilitarista, de que
lheiros percebem a autonomia dos que têm defi- a tomada de decisão no campo público e coletivo
ciência. Haveria uma visão paternalista por par- deve priorizar o maior número de pessoas, du-
te dos defensores de direitos desse segmento? Ou rante o maior intervalo de tempo possível e com
a vivência da deficiência pelos conselheiros os le- as melhores consequências, mesmo que isso gere
vou a considerar que as pessoas com deficiência prejuízo para grupos minoritários.
necessitam de auxílio para a tomada de decisão? Porém, em ambos os grupos, foram encon-
Quanto à satisfação com a vida, mais da me- trados altos percentuais (95,2% e 93,1%, respec-
tade dos conselheiros concordou, ou concordou tivamente entre conselheiros e gestores) de dis-
parcialmente, que a vida das pessoas sem defici- cordância quanto à afirmação de que se deve in-
ência é mais satisfatória porque elas não enfren- vestir mais recursos para atendimento às neces-
tam barreiras em sua participação na sociedade. sidades de pessoas sem deficiência porque elas
Percentual semelhante foi encontrado entre os podem ser mais produtivas. Sendo assim, a
gestores. É interessante explicitar que, notadamen- amostra dessa pesquisa parece avaliar que pes-
te na opinião dos conselheiros, as barreiras à par- soas com deficiência podem ser tão produtivas
ticipação na sociedade podem ser um fator rele- quanto pessoas sem deficiência.
vante para a obtenção de uma vida satisfatória. Em relação à legalização do aborto de fetos
Conforme discutido anteriormente, na perspec- com graves deficiências, em razão de uma possível
tiva utilitarista, a qualidade de vida tem sido utili- qualidade de vida ruim, a maioria dos conselhei-
zada como critério para definir alocação de re- ros (57,2%) é contrária (Gráfico 3). Mas, soman-
cursos, e, em geral, considera-se que as pessoas do-se os que concordam com aqueles que concor-
com deficiência possuem pior qualidade de vida dam parcialmente, o percentual é de 38%, o que
que as pessoas sem deficiência23. O que se pode conduz à suposição de que a baixa qualidade de
inferir das respostas dos conselheiros é que a vida vida experimentada por aqueles que têm deficiên-
satisfatória de uma pessoa com deficiência está cia em nosso país é relevante nessa discussão.
diretamente relacionada à eliminação de barrei- Quando se trata de conceder o direito legal
ras à sua participação na sociedade. para adultos (com deficiência muito graves) de
Mais de 75% dos conselheiros concordam que decidirem se querem ou não continuar vivendo,
recursos públicos devem ser utilizados para rea- a maioria dos conselheiros discorda da afirma-
lizar as adaptações necessárias para favorecer e
27,6 31 41,4
41,4 51,7 3,4123,4 Gestores
12
Gestores 12
76,2 18 57,2 12
4,8
12
Conselheiros 12
76,2 23,8 12
12
Conselheiros
0% 20% 40% 60% 80% 100%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Concordo 123Concordo parcialmente
123
Concordo Concordo parcialmente Discordo 123Não responderam
123
123
Discordo 123Não responderam
Colaboradores Referências
LCG Bernardes participou na concepção, elabo- 1. Altman BM. Disability definitions, models, classifi-
ração, desenvolvimento e redação do trabalho. cations schemes, and applications. In: Albrecht GL,
Seelman KD, Bury M. Handbook of disability studies.
TCCF de Araujo foi orientadora do projeto de Thousand Oaks: Sage Publications; 2001. p. 97-122.
pesquisa de Mestrado no Programa de Pós-Gra- 2. García CE, Sanchez AS. Clasificaciones de la OMS
duação em Bioética da Universidade de Brasília e sobre discapacidad. Boletín del RPD 2001; 50:15-30.
colaborou na redação do texto. 3. Foucault M. História da sexualidade I: A vontade de
saber. Rio de Janeiro: Graal; 1993.
4. Hughes B. Disability and the body. In: Barnes C,
Oliver M, Barton L, editors: Disability studies today.
Cambridge: Polity Press; 2002. p. 58-76.
5. Lanna MC Jr, organizador. História do movimento
político das pessoas com deficiência no Brasil. Brasí-
lia: Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Na-
cional de Promoção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência; 2010.
6. Brasil. Decreto Legislativo n. 186, de 10 de julho de
2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facul-
tativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de
2007. Brasília: Senado Federal; 2008.
7. Jette A. Toward a common language for function,
disability and health. Phis Ther 2006; 86(5):726-734.
8. Nagi S. A study in the evaluation of disability and
reahabilitation potential: Concepts, methods, and
procedures. Am J of Public Health 1964; 54:1568-
1579.
9. Nagi S. An epidemiology of disability among adults
in the United States. Milbank Mem Fund Q 1976;
54(4):493-497.
10. Diniz D, Medeiros M, Squinca F. Reflexões sobre a
versão em português da Classificação Internacio-
nal de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Cad
Saude Publica 2007; 23(10):2507-2510.
11. Garcia CE, Sanchez AS. Vision y modelos concep-
tuales de la discapacidad [artigo na Internet].Polibea
2004; 73:29-42. [acessado 2011 fev 28]. Disponível
em: http://usuarios.discapnet.es/disweb2000/art/
VisionDis.pdf
2445