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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES


UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROFESSOR MESTRE ISAMARC GONÇALVES LÔBO
LUCIANA ABRANTES NOBRE

ANÁLISE HISTÓRICO-LITERÁRIA

CAJAZEIRAS-PB
2021
Eric Arthur Blair, conhecido por George Orwell, foi crítico, jornalista e
romancista. Nasceu em Motihari, norte da Índia, em 1903, época na qual a Índia era
colônia da Inglaterra, e seu pai era um burocrata do império britânico. Com quatro
anos de idade ele voltou para a Inglaterra com sua família. Desde criança, Orwell
não tinha o sentimento de pertencimento ao ambiente destinado a elite intelectual na
qual tentavam encaixa-lo. A ausência desse sentimento de pertencimento a esse
ambiente acabou acompanhando-o durante toda sua vida, e isso pode explicar o
abandono de sua carreira como burocrata para investir em sua carreira de escritor.

Um traço significativo de Orwell, para a análise de suas obras, é descrever


experiências para entendê-las. Esse traço pode ser observado na obra Na pior em
Paris e Londres, um relato feito através de suas experiências nas duas cidades
mencionadas que evidencia sua preocupação com as desigualdades sociais e as
opressões, bem como seu interesse em descrever a vida de pessoas comuns.

Em 1936, ele se casa com Eileen O’Shaughnessy, nesse mesmo ano ele
parte para lutar na Guerra Civil Espanhola com o objetivo de defender a democracia
da ameaça fascista. A grande ironia é que ele acaba levando um tiro na garganta
que deteriora suas cordas vocais obrigando-o a falar com voz baixa durante o resto
da sua vida, ironia porque Orwell se negava ao silêncio. Nessa época, ele foi
internado em um sanatório, e quando saiu, passou a trabalhar em jornais,
principalmente em jornais de esquerda.

Orwell foi um grande combatente da censura literária na Inglaterra, ele não se


calava perante as injustiças. Atuava mais como jornalista do que como romancista e,
com a experiência com o conflito espanhol na Segunda Guerra Mundial passou a
denunciar a manipulação das informações sobre o conflito publicadas fora da
Espanha. Um fato interessante é que o George Orwell era um pró-socialista, e seus
ensaios jornalísticos e romances trazem críticas as contradições presentes no
socialismo e ao cenário político-social da Inglaterra no período do entre-guerras, ou
seja, essas críticas vinham de sua posição de esquerda demonstrando seu rígido
senso de justiça. Em 1947, Orwell deixa claro no prefácio à edição ucraniana de
Revolução dos Bichos, que até 1930 ele não se considerava totalmente socialista,
foi se tornar mais por desgosto, e preocupação com a opressão e a negligência sob
os quais eram submetidos os setores mais pobres dos trabalhadores industriais do
que por admiração teórica.

Orwell tinha a crença de que os livros podiam mudar a ideia das pessoas, e
mediante isso podiam mudar sua realidade e lutar pelo tipo de sociedade que
gostariam de estar, portanto havia em seus escritos muito desse propósito político.

A obra 1984, foi seu último livro e sua única distopia. Escrita em 1948, seu
título talvez tenha sido uma inversão dos dois últimos dígitos do ano em que foi
escrita, atitude que Orwell tomou mais por pressão, pois a obra já possuía um título:
O último homem da Europa. O livro é publicado em 1949, sete meses antes de sua
morte por tuberculose. A mudança do título acabou somando ao caráter distópico da
obra, permitindo correlacioná-la como uma predição, nada agradável, dirigida para o
ano de 1984.

Orwell apresenta o mundo dividido em três potências: Lestácia, Oceânia e


Eurásia. Toda a narrativa se passa em uma Londres situada na Oceânia, cuja a
população está dividida entre os proletas e os membros externos do Partido do
“Grande Irmão”, uma figura aparentemente simbólica e propagandista do líder do
Partido que o narrador descreve como “...um homem de uns quarenta e cinco anos,
de bigodão preto e feições rudemente agradáveis.” (ORWEL, 2009). Os proletas são
aqueles responsáveis pelo trabalho árduo, encontrados a margem daqueles que
trabalham diretamente para o Partido.

O Grande Irmão está em todos os lugares, em pôsteres com letreiros dizendo


“o Grande Irmão está de olho em você”, assim como em propagandas exibidas
através da teletela – instrumento descrito como sendo uma “placa de metal
semelhante a um espelho fosco, integrada a superfície da parede” que observa e
escuta tudo o que acontece no lugar no qual está instalada. O ambiente é de total
vigilância e controle do indivíduo. Além da teletela, outros mecanismos compõem o
sistema de vigilância, de manipulação e controle: A polícia das ideias, a novafala
que é o próprio idioma oficial da Oceânia, e os quatro ministérios: o Ministério da
Verdade, responsável pela manipulação das notícias, da educação e do
entretenimento que poderiam ser fornecidos. O Ministério da Paz, responsável pela
a guerra. O Ministério da Pujança responsável pela a economia. E, o Ministério do
Amor responsável por manter a ordem.
É narrada a trajetória de um cara chamado Winston Smith, que está
aprisionado em um presente contínuo do ano de 1984 imposto pela manipulação da
memória e a reescrita da história, feitas através dos dispositivos de controle
utilizados pelo governo da Oceânia. Winston trabalha no Ministério da Verdade, mais
especificamente no departamento de registros, é nesse ambiente que ele encontra
Júlia, personagem com a qual terá um romance secreto porque só podia ter
relacionamento se fosse autorizado, colocando sob punição quem excedesse essa
regra. Juntos com o personagem O’Brien, membro do núcleo do Partido, eles
constroem a visão de um possível grupo de resistência ao Partido. Mas, talvez nem
todos nutrissem essa visão.

Como a obra tem um caráter distópico, eu gostaria de respeitar seu tempo,


mas nada se cria sem uma base, então buscarei similaridades na obra com o
contexto de vida do autor, não fundamentando minhas interpretações apenas no
contexto do ano em que foi escrita (1948).

A primeira similaridade é o cenário descrito da aparência de Londres,


província de Oceânia, com a aparência de Londres, capital da Inglaterra, vítima de
bombardeios começados em 1940:

...Telhados reforçados com chapas de ferro corrugado, decrépitos muros de


jardins adernando em todas as direções? E os lugares bombardeados, onde
o pó de gesso dançava no ar e salgueirinha crescia e se espalhava sobre
pilhas de entulho? (ORWELL, 2009, p.14).

A verossimilhança do cenário e contexto descritos no livro com o mundo no


qual Orwell vivia, é inegável. Ao escrever essa obra em 1948, o mundo de Orwell
era o de pós-guerra, ele havia passado por duas guerras globais e temia a iminência
de uma terceira, e aparentemente esse é o cenário descrito na obra, de pós-guerra e
iminência de guerra.

Quem conhece as obras de Orwell sabe da forte crítica dele remetendo a


utilização de notícias como arma política. Essa crítica é observada em seus
trabalhos jornalísticos e permeia sua trajetória de vida. A partir disso, observamos
outra similaridade, Orwell escreve 1984 trazendo essa crítica e denúncia. O Grande
Irmão usa notícias falsas para sujar a reputação do seu inimigo Goldstein. E vai
além disso, operando em uma forte manipulação da História, resultando em
indivíduos alienados e autômatos.
Na narrativa, os indivíduos são ensinados desde criança a denunciar aqueles
que agem ou pensam contrário ao Partido, chegando ao absurdo das crianças terem
o desejo de assistir as punições em público e colaborar com o sistema, para esse
fim também há a Polícia das Ideias. A partir disso, não se pode deixar passar a
famosa lista de “cripto-comunistas” escrita por George Orwell e enviada em 2 de
maio de 1949 para sua amiga Celia Kirwan que estava trabalhando no
Departamento de Pesquisa de Informação (IRD) do Ministério das Relações
Exteriores. A lista continha trinta e oito nomes de escritores e jornalistas, seus
companheiros, que poderiam ser, na opinião de Orwell, possíveis “cripto-
comunistas”. É ironia, ou agora a narrativa não parece se tratar de uma completa
ficção.

Alguns críticos de George Orwell veem 1984 como uma crítica ao regime
soviético, outros como uma crítica as ditaduras nazifascistas da Europa. Vou trazer
uma análise sobre a segunda interpretação. Como foi colocado, o Partido do Grande
Irmão usa a mídia como arma política. Então, a cultura é no contexto da narrativa,
uma arma. No que se refere a Alemanha Nazista, ela também utilizava a cultura
como arma, suas propagandas eram famosas por difundir suas pretensões
ideológicas. Filmes, teatros, escolas, imprensa eram usadas para esse fim. Mas,
antes, foi criada uma imagem de que o país enfrentava uma guerra interna, e iria ser
derrotado e controlado pelos judeus e pelos comunistas (CARVALHO, 2020). Nesse
ponto, vale trazer a imagem descrita do Goldstein, o homem que foi direcionado
como inimigo: “era um rosto judaico chupado, envolto por uma vasta lanugem de
cabelo branco e munido...” (ORWELL, 2009, p. 22). Descrever o inimigo do Partido
como um judeu não seria mera coincidência.

Um autor ao escrever uma obra direcionada para o futuro em que descreve


uma sociedade, presa a um presente contínuo, vivendo em uma ditadura, ele não
está escrevendo apenas uma crítica, ele está nos ensinando a diagnosticar o perigo,
e além disso, nos alertando para a perpetuação de práticas ruins do seu
presente/passado, por isso os indivíduos estão presos em um presente contínuo no
futuro, porque as práticas são as mesmas, mudam apenas as formas. A maior
inverossimilhança é esperar que o ano escolhido como título da obra está apenas
direcionado para o futuro, quando o próprio Orwell observa-o no presente.
REFERÊNCIAS:

Antofágica. Conheça a vida e obra de George Orwell, um dos escritores mais


importantes do século XX! YouTube, 04 fev. 2021. Disponível em:
https://youtu.be/J7wzzidiH_I. Acesso em: 01 mai. 2021.

ASH, Timothy Garton. Orwell’s List. The New York Review, 2003. Disponível em:
https://www.nybooks.com/articles/2003/09/25/orwells-list/?pagination=false. Acesso
em: 01 mai. 2021.

CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. O controle da cultura e da arte na Alemanha


Nazista (Artigo). In: Café História – história feita com cliques. Disponível em:
https://www.cafehistoria.com.br/o-controle-da-cultura-e-da-arte-na-alemanha-
nazista/. Publicado em: 21 jan. 2020. ISSN: 2674-5917.

LEITE, Paulo Victor Arouche Costa. “ABAIXO O GRANDE IRMÃO”: sociedade


disciplinar, modernidade e totalitarismo em 1984 de George Orwell. São Luís:
Monografia (Licenciatura em História) – Universidade Estadual do Maranhão, 2016.
Disponível em: https://www.historia.uema.br/wp-content/uploads/2016/03/7.-paulo-
victor-arouche-costa-leite.pdf. Acesso em: 01 mai. 2021.

ORWELL, George. 1984. Companhia das Letras; 1ª edição (21 julho 2009).

SILVA, Matheus Cardoso da. O último homem da Europa: a luta pela memória no
universo não ficcional da obra de George Orwell, 1937-1949. São Paulo, 2010.
Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-26112010-
125409/publico/2010_MatheusCardosodaSilva.pdf. Acesso em: 01 mai. 2021.

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