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1.

Uma tia-avó

Fico abismada de ver de quanta coisa não me lembro. Aliás, não me lembro de nada.
Por exemplo, as férias em que eu ia para uma cidade do interior de Minas, acho que nem
cidade era, era uma rua, e passava por Belo Horizonte, onde tinha uma tia-avó.
Não poderia repetir o rosto dela, sei que muito magra, vestido até o chão, fantasma em
cinzentos, levemente muda, deslizando por corredores de portas muito altas.
O clima da casa era de passado embrulhado em papel de seda amarfanhado, e posto no
canto para que não se atrevesse a voltar à tona. Nem um riso, um barulho de copos tinindo.
Quem estava ali sabia que quanto menos se mexesse menor o perigo de sofrer. Afinal o
mundo era um vale de lágrimas.
A casa dava para a rua, não tinha jardim, a não ser que você se aventurasse a subir uma
escada de cimento, lateral, que te levava aos jardins suspensos da Babilônia.
Nem precisava ser sensível para sentir a secura, a geometria esturricada dos canteiros sob
o céu de anil de Minas. Nada, nem uma flor, só coisas que espetavam e buxinhos com
formatos rígidos e duras palmas e os urubus rodando alto, em cima, esperando… O quê?
Segredos enterrados, medo, sentia eu destrambelhando escada abaixo.
Na sala, uma cristaleira antiga com um cacho enorme de uvas enroladas em papel brilhante
azul.
Para mim, pareciam uvas de chocolate, recheadas de bebida, mas não tinha coragem de
pedir, estavam lá ano após ano, intocadas. A avó, baixinho, permitia, “Quer, pode pegar”,
com voz neutra, mas eu declinava, doida de desejo.
Das comidas comuns da casa, não me lembro de uma couvinha que fosse, não me lembro
de empregadas, cozinheiras, sala de jantar, nada.
Enfim, Belo Horizonte para mim era uma terra triste, de mulheres desesperadas e mudas
enterradas no tempo, chocolates sedutores e proibidos. Só valia como passagem para a
roça brilhante de sol que me esperava.
Nina Horta, Folha de S. Paulo, 17/07/2013. Adaptado.

Embora tenha sido publicado em jornal, o texto contém recursos mais comuns na linguagem
literária do que na jornalística. Exemplificam tais recursos a hipérbole e a metáfora, que
ocorrem, respectivamente, nos seguintes trechos:

a. “corredores de portas muito altas” (ref. 4); “fantasma em cinzentos” (ref. 3).
b. “vale de lágrimas” (ref.7); “passado embrulhado em papel de seda” (ref. 5).
c. “doida de desejo” (ref. 19); “um barulho de copos tinindo” (ref. 6).
d. “mulheres desesperadas” (ref. 20); “sob o céu de anil de Minas” (ref.11).
e. “roça brilhante de sol” (ref. 22); “chocolates sedutores e proibidos” (ref. 21).

2. Segundo quadro

Uma sala da prefeitura. O ambiente é modesto. Durante a mutação, ouve-se um dobrado e


vivas a Odorico, “viva o prefeito” etc. Estão em cena Dorotéa, Juju, Dirceu, Dulcinéa, o
vigário e Odorico. Este último, à janela, discursa.
ODORICO – Povo sucupirano! Agoramente já investido no cargo de Prefeito, aqui estou
para receber a confirmação, a ratificação, a autenticação e por que não dizer a sagração do
povo que me elegeu.

Aplausos vêm de fora.

ODORICO – Eu prometi que o meu primeiro ato como prefeito seria ordenar a construção
do cemitério.

Aplausos, aos quais se incorporam as personagens em cena.

ODORICO – (Continuando o discurso:) Botando de lado os entretantos e partindo pros


finalmente, é uma alegria poder anunciar que prafrentemente vocês lá poderão morrer
descansados, tranquilos e desconstrangidos, na certeza de que vão ser sepultados aqui
mesmo, nesta terra morna e cheirosa de Sucupira. E quem votou em mim, basta dizer isso
ao padre na hora da extrema-unção, que tem enterro e cova de graça, conforme o
prometido.

GOMES, D. O bem amado. Rio de Janeiro: Ediouro, 2012.

O gênero peça teatral tem o entretenimento como uma de suas funções. Outra função
relevante do gênero, explícita nesse trecho de O bem amado, é a

a. criticar satiricamente o comportamento de pessoas públicas.


b. denunciar a escassez de recursos públicos nas prefeituras do interior.
c. censurar a falta de domínio da língua padrão em eventos sociais.
d. despertar a preocupação da plateia com a expectativa de vida dos Cidadãos.
e. questionar o apoio irrestrito de agentes públicos aos gestores governamentais.

3. Assinale a afirmativa INCORRETA:


a. Enquanto a linguagem do historiador, do cientista se define como denotativa, a linguagem
do autor literário se define como conotativa.
b. A literatura não existe fora de um contexto social, já que cada autor tem uma vivência
social.
c. A obra literária não permite aos leitores gerar várias ideias e interpretações, pois trabalha
a linguagem de forma exclusivamente objetiva.
d. A linguagem poética é constituída por uma estrutura complexa, pois acrescenta ao
discurso linguístico um significado novo, surpreendente.
e. Para o entendimento de um texto literário, é necessário o conhecimento do código
linguístico e de uma pluralidade de códigos: retóricos, míticos, culturais, que se encontram
na base da estrutura artístico-ideológica do texto.

4. O poeta contemporâneo Fabrício Carpinejar fez o seguinte comentário em texto


publicado na Revista Vida Simples:
A poesia está nos quadrinhos, na Bíblia, no rock, na bula do remédio, na etiqueta do sutiã.
Não há como viver sem poesia. Ficamos incomunicáveis. Ela é um atalho da linguagem.
Uma simplicidade comunicativa. Foi estigmatizada de difícil, complicada, inacessível, mas é
o contrário: facilita o entendimento.

(CARPINEJAR, Fabrício. Poesia a céu aberto. Revista Vida Simples. jul. 2012, Ed. 120, p.
41.)

Baseando-se no comentário de Fabrício Carpinejar, é INCORRETO afirmar que a poesia é:

a. imprescindível.
b. difícil.
c. comunicativa.
d. acessível.
e. simples.

5. O Barroco, estilo dominante no século XVII, relaciona-se à (ao)


a. ideal do liberalismo e da democracia no Ocidente.
b. evolucionismo, com sua doutrina de seleção natural.
c. Contra-Reforma, na tentativa de retomar a tradição cristã.
d. reaproximação do autor com a natureza serena e bucólica.
e. queda das monarquias na Europa.

6. Considere as seguintes afirmações sobre o Barroco brasileiro:

I. A arte barroca caracteriza-se por apresentar dualidades, conflitos, paradoxos e


contrastes, que convivem tensamente na unidade da obra.

II. O conceptismo e o cultismo, expressões da poesia barroca, apresentam um imaginário


bucólico, sempre povoado de pastoras e ninfas.

III. A oposição entre Reforma e Contra-Reforma expressa, no plano religioso, os mesmos


dilemas de que o Barroco se ocupa.

Quais estão corretas:

a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) Apenas I e III.
e) I, II e III.

7. O barroco literário é marcada por dois estilos denominados: cultismo e conceptismo. A


alternativa correta sobre esses conceitos é:
a) O conceptismo é definido pelo jogo de ideias, sendo caracterizado pelo uso de
pensamentos racionais e lógicos.
b) No conceptismo, as palavras são escolhidas cuidadosamente pelos escritores com o
intuito de fugir dos exageros.
c) Tanto o conceptismo quanto o cultismo possuem características semelhantes com o
intuito de valorizar os detalhes.
d) O cultismo representa o jogo de ideias onde a apresentação de conceitos é sua principal
característica.
e) O grande foco do cultismo é o jogo de palavras caracterizado, sobretudo, pelo uso da
forte argumentação.

8. Marque V para verdadeiro e F para falso:


( ) A literatura é uma arte, pois provoca nossa reflexão e constrói nossa identidade;
( ) A literatura não pode e não tem a capacidade de denunciar a realidade na qual vivemos;
( ) A linguagem literária é metafórica, irônica e ficcional, podendo denunciar os problemas e
injustiças sociais;
( ) Apenas o que é belo e bonito pode ser considerado arte pela literatura;
( ) O escritor não pode ser considerado um artista, apenas o pintor, o escultor e os atores.

A sequência correta é:
a) V – F – F – V – F
b) F – F – V – F – F
c) V – F – V – F – F
d) V – F – V – F – V
e) F – V – F – V – V

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