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Moreira, P. L. (2020). Conformidade e Inlfuência Social.

Preprint · September 2020


DOI: 10.13140/RG.2.2.25696.10241

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Pollyana Lucena Moreira


Universidade Federal do Espírito Santo
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Conformidade e Influência Social
Pollyana de Lucena Moreia
Universidade Federal do Espírito Santo
Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento

A área da Influência Social diz respeito ao estudo sobre as possibilidade das


pessoas mudarem de comportamento diante da presença real ou imaginada de outra(s),
ou seja, a influência social ocorre quando o comportamento de uma pessoa faz com que
outra mude de comportamento ou execute uma ação que, de outro modo, não executaria
(Aronson et al., 2018; Michener et al., 2005) . Assim, a área da Influência Social abarca
o estudo de como se constroem as normas sociais, a conformidade social, a persuasão e a
mudança de atitudes, os efeitos do poder e da submissão, a obediência à autoridade e a
influência das minorias (Álvaro & Garrido, 2006).
Aronson et al. (2018) ressaltam que as pessoas entram em conformidade com
outras (e com normas sociais) por várias razões: por não saberem o que decidir numa
situação confusa, para evitar serem ridicularizadas ou punidas por apresentar um
comportamento ou opinião diferente das demais pessoas, ou para não serem rejeitadas
pelo grupo de pertença. Estes autores destacam a existência de dois processos de
influência social: a influência social informativa e a influência social normativa. A
Influência Social Informativa, inspirada na teoria da comparação social de Festinger
(1954), se refere a situações em que o comportamento do grupo é aceito como prova de
verdade. A Influência Social Normativa se refere a situações em que a aceitação do
comportamento do grupo se explica pelo desejo de evitar a rejeição por parte desse grupo
(Garcia-Marques et al., 2013). Assim, é com base nessa divisão entre os tipos de
influência social que o presente texto se encontra estruturado.

Influência Social Informativa


De acordo com Aronson et a (2018) a influência de outras pessoas faz com que
ajustemos nosso comportamento porque as vemos o comportamento delas como fonte de
informação. Isso ocorre porque acreditamos que a interpretação dos outros a respeito de
uma situação ambígua pode estar correta e nos ajudará a escolher o curso de ação mais
apropriado. Alguns estudos clássicos da psicologia social foram realizados para a

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investigação da influência social informativa, dentre eles estão os desenvolvidos por
Sherif (1936).
Sherif (1936, como citado em Aronson et al., 2018) buscou compreender as
consequências e transformações do comportamento em um dado contexto social, a partir
da investigação de processos psicológicos básicos, partindo do conceito de quadro de
referência – tendência generalizada de organizar suas experiências estabelecendo relações
entre estímulos internos e externos, o que permite dar significado àquilo que é
experimentado. A ideia central era investigar o papel da atividade subjetiva de cada
indivíduo para a formação de um quadro de referência. Desse modo, de acordo com
Sherif, como citado por Garcia-Marques et al. (2013) seria possível compreender como
as atitudes e crenças (quadros de referência individuais) se relacionavam com normas
grupais e culturais.
Para verificar a organização desse quadro de referência seria preciso, de acordo
com Sherif (como citado em Garcia-Marques et al., 2013), criar um ambiente desprovido
de normas ou padrões culturais. Desse modo, caso a organização desse quadro de
referência fosse coerente e consistente entre os participantes, haveria informações
suficientes para sua compreensão. O primeiro experimento realizado por Sherif nesse
sentido, utilizou como objeto de análise o efeito autocinético, que consiste em um
fenômeno perceptivo comum, por meio do qual se tem a impressão de que um faixo de
luz se move quando ele, é apresentado por alguns segundos, apagado e novamente
apresentado em outro local alguns centímetros distante da primeira apresentação. Nesse
experimento, Sheriff pedia para que as pessoas indicassem a distância percorrida pela luz;
tarefa que era realizada, em um primeiro momento, individualmente. Sherif verificou uma
grande variação das respostas entre os participantes, mas as respostas individuais
oscilaram em torno de uma distância média. Em uma segunda etapa, o experimento foi
repetido com as mesmas pessoas ao longo de uma semana para verificar se havia uma
consistência nas respostas individuais, o que foi confirmado. A etapa seguinte do
experimento envolveu a interferência do pesquisador nas respostas dos participantes,
informando que as estimativas de distância que eles indicavam estavam muito altas ou
muito baixas, o que favoreceu uma modificação nas respostas dos participantes na direção
sugerida pelo pesquisador. Posteriormente os participantes realizaram a mesma tarefa,
sem a interferência do pesquisador, em condição de grupo, e cada participante tinha que
expressar suas respostas verbalmente diante do grupo. Após uma semana essa etapa do
experimento também foi repetida para a verificação da consistência das repostas. Por fim,

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os participantes voltaram a ser avaliados na condição individual com o objetivo de
verificar se as respostas dadas na condição de grupo passaram a ter influência na condição
individual, e se essa influência se mantinha.
Os resultados gerais indicaram que houve uma maior variabilidade dos resultados
entre os participantes quando as avaliações foram feitas individualmente; essa
variabilidade foi reduzida depois que os participantes foram avaliados em grupo. A pouca
variação das respostas foi mantida quando os participantes voltaram a ser avaliados na
condição individual após a condição de grupo. Garcia-Marques et al. (2013) destacam
que a principal conclusão do estudo foi a de que os participantes, ao serem expostos a
uma situação ambígua e sem um conhecimento prévio sobre como agir, utilizaram o
comportamento de outras pessoas como padrão para a construção do seu próprio quadro
de referência. Como conclusão geral dessa série de estudos tem-se que o grupo influencia
a forma como o indivíduo organiza sua percepção e seu comportamento quando ele está
inserido num contexto social marcado pela ambiguidade de informações. Aronson et al.
(2018) ressaltaram ainda que a influência social informativa pode levar à aceitação
privada, quando as pessoas entram em conformidade com o comportamento dos outros
porque genuinamente acreditam que estes outros estão certos. No entanto, pode envolver
também a aceitação ou aquiescência pública, que envolve a expressão de uma
conformidade pública com o grupo, mas havendo uma oposição sobre o tema que não foi
expressa, ou seja, o indivíduo ajusta seu comportamento ao comportamento de uma
pessoa ou de grupo sem necessariamente acreditar que este comportamento é o mais
adequado.
Ainda no que diz respeito a situações ambíguas, Le Bon (1985, como citado em
Aronson et al. 2018) estudou o fenômeno de contágio, associado à influência social
informativa. O contágio consiste na rápida disseminação do comportamento de uma
pessoa ou um grupo pequeno de pessoas para uma multidão. Esse fenômeno é típico de
situações de ambiguidade uma vez que as pessoas tendem a considerar o comportamento
de outras como uma fonte válida de informação. O contágio pode ser observado em
diversas situações cotidianas, como situações de violências em jogos de futebol, formação
de filas em shoppings, e situações em que o suicídio de uma pessoa pode desencadear o
suicídio de várias outras.
O processo de influências social informativa pode ser observado também em
situações de crise, que estão associadas a situações ambíguas. De acordo com Aronson et
al. (2018) em situações de crise não temos tempo para pensar qual o exato curso de ação

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que devemos adotar e temos a necessidade de agir com rapidez. Ainda, quando mais
experiência a pessoa tiver em um tema, ou quanto maior o seu poder social, maior será a
influência social informativa exercida por ela em situações ambíguas ou de crise.

Influência Social Normativa


A influência social normativa envolve a conformidade com as normas de um
grupo diante da necessidade de ser aceito por ele. As normas sociais consistem em regras
implícitas ou explícitas de um grupo, no que se refere a comportamentos, valores e
crenças aceitáveis por seus membros. Por isso, a influência social normativa acontece
quando as outras pessoas fazem com que nos adaptemos para sermos apreciados e aceitos.
Esse tipo de conformidade resulta em aquiescência pública das crenças e comportamentos
do grupo, mas não necessariamente em aceitação privada (Aronson et al., 2018).
Com o objetivo de conhecer o processo de influência social normativa e de
identificar as razões que levam as pessoas a apresentarem uma conformidade com o
grupo, mesmo com indícios de que seu comportamento não seria o mais adequado, Asch
(1951, 1956, como citado em Aronson, 2018) realizou uma série de estudos seguindo a
mesma premissa de Sherif, de que o grupo poderia influenciar o comportamento
individual. Para tanto, Asch (1952, como citado em Garcia-Marques et al., 2013) partiu
do conceito de sonambulismo social, que consiste no fato das pessoas seguirem líderes e
grupos ao invés de seguirem sua própria razão. No entanto, Asch verificou que esse
conceito não poderia ser tão aplicável ao processo de influência social, uma vez que era
possível que as pessoas não fossem tão passivas, visto que elas poderiam apresentar uma
concordância cega com as afirmações de pessoas pelas quais elas sentiam apreço, e uma
discordância com afirmações de pessoas pelas quais elas sentiam desapreço (Garcia-
Marques et al., 2013). Desse modo, Asch considerou relevante complementar os estudos
sobre influência social considerando não apenas a qualidade das fontes de influência, mas
também o conteúdo de influência e as circunstâncias nas quais ela ocorre.
Em um dos experimentos mais importantes da psicologia social, Asch (1956,
como citado em Garcia-Marques et al., 2013) elaborou uma situação que se caracterizava
pela necessidade de emissão de um julgamento diante da presença de um grupo que emitia
opiniões contrárias às evidências visuais. Com isso queria provar que o fenômeno do
sonambulismo social, por ele identificado nos estudos até então realizados, não consistia
numa explicação adequada para o fenômeno da influência social. Conforme descrito por
Garcia-Marques et al. (2013), neste experimento Asch solicitou aos participantes que

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observassem dois cartões, apresentados simultaneamente, o primeiro tinha uma linha e o
segundo tinha três linhas de comprimentos diferentes. A tarefa consistia em indicar qual
das três linhas do segundo cartão tinha o mesmo comprimento da linha apresentada no
primeiro cartão. O experimento foi realizado em um grupo de sete pessoas, das quais
apenas uma era o sujeito experimental. Inicialmente as respostas eram dadas de forma
escrita e posteriormente de forma falada diante de todo o grupo. Em um conjunto de
situações as respostas dadas pelas seis pessoas membros da equipe eram corretas e em
um segundo momento as respostas dadas eram erradas, contrariando assim a evidência
visual das linhas expostas. Em um terceiro momento, os sujeitos experimentais foram
entrevistados sobre suas impressões acerca do experimento.
Os resultados encontrados por Asch (1956, como citado em Garcia-Marques et
al., 2013) indicaram que na condição controle (respostas dadas individualmente de forma
escrita) as respostas estiveram isentas de erro. Já na condição experimental, apenas 24%
dos participantes emitiram respostas certas, contrariando as respostas dos grupos. Asch
concluiu que: as respostas do grupo foram consideradas como fonte de comparação para
as respostas individuais; que diante da situação ambígua (respostas do grupo e resposta
individual) o sujeito experimental sentiria uma necessidade de manter um equilíbrio no
grupo e isso ocorreria para que ele não fosse percebido, por si próprio, como única fonte
de divergência; e por fim, haveria uma necessidade de alcançar uma solução coerente
para a situação, de modo a torná-la compreensível (Garcia-Marques et al., 2013).
A partir dos resultados das entrevistas realizadas por Asch (1956, como citado em
Garcia-Marques et al., 2013) foi possível identificar dois tipos de participantes que
mantiveram seus posicionamentos e três tipos de participantes que se conformaram com
a influência do grupo. Os participantes que mantiveram seus posicionamentos forma
classificados como verdadeiramente independentes – aqueles cujos posicionamentos não
foram afetados pela influência do grupo; e falso independentes – aqueles que mantiveram
seus posicionamentos devido a necessidade de seguir as instruções do experimentador,
mas acreditavam que estavam errados e que os demais estavam certos. Com relação ao
segundo grupo de participantes, que modificou as respostas diante da influência do grupo,
tem-se: os conformistas a nível perceptivo – indicavam ter respondido de acordo com o
que haviam visto e indicavam realmente acreditar que a respostada dada era a correta; os
conformistas a nível de julgamento com respostas pautadas numa distorção do julgamento
– os participantes mantinham a conformidade com o grupo porque pensavam que havia
algo de errado com eles, uma vez que a maioria apresentava resposta diferente, sendo esta

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a categoria mais frequente; e os conformistas a nível comportamental que apresentaram
respostas pautadas numa distorção de ação – os participantes sabiam que os demais
estavam errados mas não tinham coragem de se opor a eles, e por essa razão mantinham
julgamentos errados.
As conclusões de Asch (1956, como citado em Garcia-Marques et al., 2013)
indicam que os resultados de estudos sobre influência social não podem ser separados de
reflexões e análises sobre a atividade cognitiva dos alvos dessa influência, uma vez que
se verificou que esse processo não é inteiramente passivo, contrariando a ideia de
sonambulismo social. Ressalta-se que variações desse experimento foram realizadas com
diferentes estímulos visuais, e ainda com a informação de que as respostas de cada
pessoas seriam medidas com uma régua, e os resultados foram mantidos.
Em uma das replicações do estudo realizado por Asch (1956, como citado em
Garcia-Marques et al., 2013) foi considerado o tamanho do grupo e o experimento foi
realizado com apenas um comparsa do experimentador. Asch verificou que a influência
é praticamente inexistente com um comparsa, com dois ela tende a aumentar e com três
atinge o limite máximo e se assemelha aos resultados do estudo inicial com seis
comparsas. Ou seja, o processo de influência social não sofreria o efeito do tamanho do
grupo. As replicações reforçaram a concepção de que respostas conformistas não
necessitam de uma convicção da veracidade dos julgamentos, havendo assim um efeito
significativo da norma do grupo no indivíduo.
Um ano mais tarde, outra variação do experimento foi realizada por Asch (1956,
como citado em Garcia-Marques et al., 2013) e os resultados foram bastante interessantes.
Nessa nova condição, foram misturados um número quase equivalente de sujeitos
experimentais (n = 11) e de comparsas do experimentador (n = 9). Asch verificou que o
conformismo foi praticamente nulo, ou seja, os comparsas do experimentador não foram
fonte de influência para as respostas dos sujeitos experimentais. Desse modo, Asch
concluiu que a fonte de influência social diminui quando os participantes possuem uma
rede de apoio social.
Asch (1956, como citado em Garcia-Marques et al., 2013) verificou ainda o efeito
de um aliado do sujeito experimental. Nesta condição um dos comparsas do
experimentador, sempre o quarto a participar, indicava sempre respostas corretas. O
aliado foi inserido com o objetivo de investigar o efeito da quebra da unanimidade das
respostas dos comparsas na influência do grupo. Os resultados indicaram que a presença
de um aliado reduziu drasticamente a conformidade com grupo, de 33% para 5,5%.

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Verificou-se ainda que a não conformidade com o grupo se manteve quando o aliado,
diante da consistência de suas convicções, foi impedido de continuar o experimento
(nesse caso ele saia propositalmente da sala); resultado que indicou que a presença do
aliado é importante para a quebra da unanimidade e do conformismo, e que a resistência
dos seus posicionamentos serviu de estímulo para a resistência do sujeito experimental
mesmo na sua ausência.

Influência social informativa e normativa


A influência social informativa e normativa foram estudadas simultaneamente por
Festinger, Schachter e Back (1950) a partir da ideia de comparação social (Álvaro &
Garrido, 2006). De acordo com Festinger et al. (1950, como citado em Álvaro & Garrido,
2006), as pessoas possuem a necessidade de validar seu conhecimento comparando-o com
a realidade física, caso não haja meios de se fazer essa validação, ela será feita a partir da
comparação com outras pessoas (influência social informativa). Desse modo buscamos
validar nossas crenças, valores e julgamentos a partir das crenças, valores e julgamentos
de outras pessoas. Ainda, quando uma pessoa se sente atraída por um grupo, esse grupo
se tornará a realidade social a partir da qual a pessoa irá validar suas crenças (influência
social normativa). Ou seja, o grupo funciona como fonte de influência social a partir da
pressão pela unanimidade (Festinger et al.,1950, como citado em Álvaro & Garrido,
2006). Assim, a tendência a nos compararmos com outras pessoas com opiniões e
habilidades semelhantes tem como consequência a formação de grupos diferentes entre
si, mas internamente uniformes em suas opiniões, habilidades e normas. No entanto,
quando ocorre de uma pessoa dentro do grupo apresentar uma opinião diferente, ela é
pressionada a mudar de opinião para que se ajuste às demais pessoas do grupo. Caso a
pressão do grupo não exerça a influência necessária para que essa pessoa mude de
opinião, ela possivelmente começará, na busca por uma autoavaliação positiva, a se
comparar com outras pessoas de outros grupos e sairá do primeiro grupo (Álvaro &
Garrido, 2006).
Essas reflexões sobre o processo de influência social foram a base para outra
contribuição de Festinger para a psicologia social, que foi a teoria da dissonância
cognitiva – Festinger (1957). Essa teoria parte do pressuposto de que a pessoa tende a
permanecer em situação de equilíbrio ou de consistência interna, de modo que as crenças
de uma pessoa estejam coerentes com aquilo que ela faz. Para Festinger (1957, como
citado em Álvaro & Garrido, 2006) quando não há uma equilíbrio cognitivo, existe uma

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dissonância, ou seja, há uma contradição entre elementos da cognição. A dissonância
consiste em uma situação negativa que a pessoa tende a eliminar, uma vez que as pessoas
tendem ao equilíbrio. A redução da dissonância pode ocorrer com a inserção de novos
elementos na cognição, com a realização de mudanças na cognição, ou com a evitação de
situações que deixem a dissonância saliente (Álvaro & Garrido, 2006). Por exemplo, uma
pessoa que fuma, mesmo sabendo que o cigarro é prejudicial à saúde, encontra-se em uma
situação de dissonância. Para que essa condição não seja negativa, ela pode modificar a
relação entre esses elementos, ao defender que nem todo mundo adoece por causa de
cigarro, ou a pessoa poderia simplesmente parar de fumar. A dissonância cognitiva foi
investigada por Festinger em situações de condescendência forçada, ou seja, situações
nas quais as pessoas são obrigadas a se comportar de forma oposta a suas opiniões ou
afirmar algo contrário às suas crenças. Ou seja, a dissonância cognitiva é um fenômeno
que está presente no processo de influência social.
Em situações de grupo, ou entre duas pessoas, existe uma dissonância quando há
uma divergência entre crenças ou opiniões e, para resolver a dissonância, Festinger (1957,
como citado em Álvaro & Garrido, 2006), verificou o uso de três estratégias:
comunicação, mudança de opinião, rejeição. A comunicação é uma estratégia utilizada
para manter a própria opinião e mudar a opinião da outra pessoa; a mudança de opinião é
usada quando, para resolver a situação de dissonância, a pessoa muda a própria opinião;
e a rejeição envolve a saída da relação que causa a dissonância e a eliminação da
possibilidade de comparação com ela. Álvaro e Garrido (2006) destacam a importância
das contribuições de Festinger para o desenvolvimento da psicologia social entre as
décadas de 1950 e 1970, o que reforçou a diminuição da relação da psicologia social com
o behaviorismo, e fortalecendo a vertente cognitiva dessa área.
O impacto da influência social informativa e normativa foi investigado em um dos
experimentos mais controversos da Psicologia no qual Milgram (1963) buscou investigar
em situação de laboratório até onde as pessoas eram capazes de ir em nome da obediência
a uma autoridade (Garcia-Marques et al., 2013). Milgram considerou a obediência como
uma manifestação da influência social uma vez que para esse autor, obedecer implicava
em seguir ordens sem qualquer reflexão ou julgamento sobre o conteúdo da obediência.
Participaram da pesquisa 40 pessoas de 20 a 50 anos, que foram informadas que
contribuiriam com uma pesquisa sobre o efeito da punição na aprendizagem,
considerando a atividade de memorização de um conjunto de pares de palavras. As
atividades foram realizadas em duplas, de modo que uma pessoa assumia o papel de

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aprendiz, que deveria memorizar os pares de palavras, e a outra assumia o papel de
professor, que deveria aplicar a punição no aprendiz em caso de erro. A tarefa do
professor (sujeito experimental) era ler, em um primeiro momento, uma lista de pares de
palavras que deveriam ser memorizados; em um segundo momento o participante na
condição de professor lia apenas a primeira palavra, que deveria ser completada com o
par correspondente memorizado pela pessoa na condição de aprendiz (cumplice do
experimentador). A instrução dada ao sujeito experimental era a de que caso o aprendiz
indicasse uma resposta errada deveria ser aplicada uma punição na forma de choques
elétricos, que deveriam ser ativados em um painel e que variavam de 15 a 450 volts, de
modo que a cada erro a voltagem do choque deveria ser aumentada. Para cada intensidade
de choque havia uma informação próxima ao botão que supostamente ativaria a descarga
elétrica, variando de “choque ligeiro” para 15 volts até “perigo: choque severo” para 450
volts. Cada sujeito experimental foi inicialmente submetido a um choque de 45 volts para
testar a máquina que aplicaria os choques durante o experimento, a única voltagem de
choque real em todo o experimento. Ressalta-se que aprendiz e professor ficavam em
espaços diferentes e isolados, e a comunicação entre eles era feita por meio de microfones
e autofalantes.
No experimento foram mantidos constantes: o número de erros do aprendiz (1/3
das respostas); as reações aos choques aplicados, que começavam a ficar intensas com
batidas, gritos e pedidos para interromper o experimento a partir dos 300 volts; caso
houvesse algum tipo de comunicação entre professor e experimentador sobre a
necessidade dos choque ou as dores supostamente sofridas pelo aprendiz, o
experimentador ressaltava a necessidade de continuar o experimento de forma imperativa
com frases do tipo “Por favor, continue”; “A experiência requer que você continue”; “É
absolutamente essencial que você continue”. Se o sujeito experimental expressasse seu
desejo de sair do experimento, o experimentador indicava a necessidade de continuar até
que o aprendiz memorizasse todas os pares de palavras. Caso o participante perguntasse
de que era a responsabilidade pelo sofrimento do aprendiz, o experimentador assumia a
responsabilidade por todo o processo. Todo o procedimento foi filmado e gravado e ao
final os participantes foram entrevistados. Conforme descrito por Garcia-Marques et al.
(2013), os resultados indicaram que 26 dos 40 participantes aplicaram choques de 450
volts, e que 35 dos 40 participantes ultrapassaram os 300 volts. Por meio das entrevistas
verificou-se que os participantes aplicaram os choques com bastante tensão, mas ainda
assim, não interromperam o experimento.

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Variações do experimento foram realizadas considerando a proximidade com o
aprendiz, a proximidade com o experimentador, o prestígio da autoridade, a influência de
outros e o peso do apoio social para a desobediência (Garcia-Marques et al., 2013). Com
relação à proximidade com o aprendiz, realizou-se, inicialmente a alocação do aprendiz
e do professor na mesma sala, de modo que além de ouvir o aprendiz, o participante via
suas reações ao choque; Outra variação envolveu a forma de aplicação do choque, que
deveria ocorrer quando o aprendiz colocava a mão em uma “placa de choque”; caso ele
se recusasse, situação previamente acordada, o participante deveria força-lo a fazê-lo
levando sua mão até a placa. Com as variações do experimento verificou-se que a
proximidade física com o aprendiz causou uma diminuição na obediência ao
experimentador. No que diz respeito às variações que consideraram a proximidade com
o experimentador, este se sentava próximo ao participante em uma condição, em outra
condição o experimentador dava as instruções e depois se comunicava com o participante
apenas por telefone; e em uma terceira condição não havia qualquer contato entre
experimentador e participante e as instruções eram passadas por meio de uma gravação.
Os resultados indicaram uma correlação positiva entre proximidade com o
experimentador e obediência, de modo que quanto maior a proximidade, maior o nível de
obediência. Verificou-se ainda um efeito do prestígio da autoridade considerando o
prestígio da instituição promotora do experimento, de modo que foram verificados
maiores índices de obediência quando o experimento foi realizado na Universidade de
Yale do que quando foi realizado em um laboratório fora da universidade e supostamente
por uma instituição de pesquisa desconhecida e sem credibilidade. O apoio social também
foi verificado como um fator tanto para se opor à continuidade do experimento, como
para continuá-lo. Em uma variação do experimento realizada com três pessoas
simultaneamente enquanto professores, sendo duas delas cumplices do experimentador,
verificou-se que os sujeitos experimentais se recusaram mais a continuar o experimento
quando dois cumplices também se recusavam, e que os sujeitos experimentais tendiam a
continuar aplicando choques altos quando os cumplices também aplicavam. Por fim,
verificou-se ainda o efeito da autoridade na obediência, de modo que foram verificados
índices mais altos de obediência quando o experimentador dava instruções do que quando
isso era feito por uma pessoa qualquer.
A partir desses estudos Milgram concluiu, conforme citado em Garcia-Marques
et al. (2013) que “grande parte das pessoas fazem o que lhes é mandado, qualquer que
seja o conteúdo do ato, e sem entraves na consciência, desde que considerem o comando

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como emitido por uma autoridade legítima” (p. 235). No entanto, apesar dos resultados
assustadores, porem interessantes sobre o comportamento humano, algumas críticas
foram tecidas às conclusões apresentadas por Milgram. Uma dela diz respeito à não
possibilidade de generalização dos resultados para a população geral, uma vez que o
ambiente de laboratório não representa as condições reais de interação na vida em
sociedade. Outra crítica foi direcionada à afirmação de Milgram de que qualquer
autoridade considerada como legítima poderia induzir o outro à obediência, independente
do conteúdo do seu ato. Essa reflexão foi rebatida considerando que a autoridade
conferida a uma pessoa é sempre limitada por possuir uma área de atuação específica. Por
exemplo um professor universitário só teria autoridade legítima no contexto acadêmico.
Conforme apresentado por Aronson et al. (2018), um dos fatores que levaram as
pessoas a continuar com o experimento foi a pressão normativa, uma vez que a pessoa
que dava ordens era uma figura de autoridade. No entanto, assim como verificado por
Asch, Milgram verificou que a pressão normativa diminuía quando o participante tinha
apoio de outras pessoas para se recusar a aplicar os choques. Em uma versão do
experimento realizada com três professores, sendo dois deles cumplices do
experimentador, quando os cumplices se recusavam a continuar com o experimento havia
uma maior probabilidade do sujeito experimental segui-los nesta decisão; de tal modo
que apenas 10% dos participantes continuaram com o experimento e aplicaram choques
com voltagens elevadas, um número bem menor que os 65% na condição em que o
participante sofria sozinho a pressão para continuar (Aronson et al., 2018).
O contexto do estudo de Milgram permitiu ainda a verificação da influência social
normativa e informativa (Aronson et al., 2018). A influência social informativa foi
verificada uma vez que a situação de ter que aplicar choques elétricos representava uma
situação de ambiguidade para as pessoas, que poderiam se fazer as seguintes perguntas:
fazer uma pessoa sofrer com choques elétricos e contribuir com o avanço da ciência ou
parar com o experimento e evitar o sofrimento do outro? Além disso, havia uma pessoa
experiente no assunto que dizia que os choques não causavam danos permanentes e que
a continuidade do experimento era de extrema importância para o avanço do
conhecimento sobre os processos de aprendizagem. Além da pressão das diferentes
normas presentes na situação do experimento, outro fator favoreceu a participação das
pessoas e a aplicação de choques em outras: a informação recebida pelos participantes
antes do experimento não dizia o que deveria ser feito. Os participantes decidiram
participar do experimento a partir de uma informação enganosa, e só posteriormente

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tinham conhecimento do que deveriam fazer. Desse modo, a norma social de não causar
dano a outra pessoa foi sutil e gradualmente violada a partir dos processos de influência
social normativa e informativa. De acordo com Aronson et al. (2018) outro fator que
contribuiu para a continuidade do experimento foi o curto tempo que os participantes
tiveram para refletir sobre a nova informação e sobre as orientações do experimentador
durante todo o experimento: as ordens do experimentador eram sempre muito rápidas e
os participantes além de aplicar os choques deveriam registrar as respostas do suposto
aprendiz.
Um fenômeno relacionado com a obediência à autoridade é a perda da
responsabilidade pessoal (Aronson et al., 2018). Nesse fenômeno os sujeitos
experimentais atribuíram a responsabilidade pela aplicação dos choques ao cumplice do
experimentador (que errava as respostas) ou ao experimentador, que comandou todo o
processo. Ainda de acordo com Aronson et al. (2018), Milgram (1974) enfatizou que a
perda do senso de responsabilidade pelas próprias ações era um componente que ajudava
a compreender os resultados do experimento.
O estudo de Milgram foi importante não apenas pelas contribuições teóricas para
a Psicologia Social, mas também devido as discussões que eliciou sobre ética na pesquisa
em psicologia (Aronson et al., 2018; Garcia-Marques et al., 2013). Estas discussões
envolveram o uso do engano – o estudo não era sobre aprendizagem; a ausência de um
termo de consentimento informado no qual os participantes teriam informações
detalhadas sobre os procedimentos da pesquisa – o participante não sabia o cenário que
encontraria e qual seria seu papel no experimento, tampouco foi informado sobre a
possibilidade de desistência; os participantes foram submetidos a uma situação de estresse
a um nível bastante elevado.
No início dos anos 2000 foi realizada uma replicação do estudo de Milgram por
Burger (2009). Neste estudo o autor teve como objetivo avaliar se os padrões de
obediência de cidadãos estadunidenses dependiam do contexto social, uma vez que entre
as décadas de 1960 e os anos 2000 houve várias mudanças sociais, como a maior
participação das pessoas em movimentos sociais a favor de direitos civis e de movimentos
antiguerra. Ressalta-se que nesse estudo foram respeitadas as recomendações éticas para
pesquisas com seres humanos. No entanto Burger (2009) não encontrou diferenças
significativas entre seus resultados e os verificados por Milgram.

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Influência das Minorias
Asch e Milgram partiram do pressuposto de que o processo de influência social
envolve a conformidade das pessoas com uma situação apresentada. No caso de Asch
essa conformidade envolve a influência do grupo, no caso de Milgram envolve o processo
de obediência. Para Festinger a influência social foi estudada como um fenômeno que
pode ou causar ou reduzir uma dissonância cognitiva. Apesar da relevância desses autores
para o estudo da influência social, Garcia-Marques et al. (2013) destaca que as
contribuições deles estiveram centradas na verificação da conformidade das pessoas com
uma maioria. Ou seja, conforme apresentado por Álvaro e Garrido (2006), a influência
social como estudada por esses autores focava no modo como os indivíduos aceitavam as
normas do grupo e como os grupos aceitavam as normas do sistema social, sendo o grupo
a principal fonte de influência de um indivíduo, que possui uma relação assimétrica com
o grupo. Nestas condições, todos os processos de influência são vistos sob a ótica do
conformismo: a influência social seria exercida de maneira unilateral, ou seja não se
considera-se a possibilidade de uma entidade poder ser ao mesmo tempo emissor e alvo
de influência; a função da influência social seria a de manter e reforçar o controle social,
assim as relações de dependência determinariam a direção e a quantidade da influência
social exercida no grupo; a necessidade de manter uma constância leva à influência. A
partir dessas constatações e críticas Moscovici trilhou outros caminhos e partiu da ideia
de que o processo de influência social poderia favorecer uma mudança de comportamento
e de opiniões, considerando como uma minoria social pode influenciar uma maioria.
A ideia de influência social para Moscovici (Moscovici & Nemeth, 1974, como
citado por Garcia-Marques et al., 2013), considerou inicialmente que a realidade é uma
construção social e que a influência social é uma forma de negociar ou de agir, mantendo
ou modificando esta realidade. Assim, a função da influência social seria não apenas de
controle social, mas também de mudança social. Álvaro e Garrido (2006) acrescentam
que outra reflexão relevante de Moscovici sobre essa área foi a consideração do indivíduo
como alvo e como fonte de influência social, ou seja, uma minoria não seria apenas a
receptora de influência, poderia ser também fonte de influência para uma maioria. Desse
modo, Moscovici estabeleceu que minorias ativas podem afetar as crenças das maiorias
passivas; que as pessoas possuem uma necessidade de reduzir suas inseguranças com
relação aos seus julgamentos ou atitudes quando enfrentam situações ambíguas; que a
influência de uma maioria sobre uma minoria é produto de um estilo de comportamento
dessa minoria; e que há uma probabilidade de mudança social quando a minoria está

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comprometida com seus julgamentos e os apresenta de maneira consistente, seja por um
único indivíduo ao longo do tempo, seja por parte dos indivíduos que formam um grupo
(Álvaro & Garrido, 2006).
Para verificar o efeito de uma minoria na mudança de uma maioria, Moscovici et
al. (1969, como citado em Garcia-Marques et al., 2013) realizaram um estudo
supostamente sobre acuidade visual no qual pedia a seis participantes, dois deles
cumplices da pesquisa, que indicassem a cor da luz emitida por um dispositivo (a luz era
sempre da cor azul) e a intensidade da luz, que variava de 1 (escura) a 5 (muito luminosa).
As respostas dos participantes eram dadas em grupo e os dois cumplices da pesquisa
sempre respondiam que a luz era verde. Em um segundo momento os participantes tinham
que realizar o mesmo procedimento e indicar as respostas de forma privada, escrevendo
em um papel. Os resultados indicaram que na condição controle 95% dos participantes
indicou que a cor vista era azul, já na condição experimental, esse valor baixou para 43%.
Resultado que para Moscovici et al. (1969, como citado em Garcia-Marques et al., 2013)
foi suficiente para indicar a existência de uma influência de uma minoria sobre uma
maioria. Na avaliação individual verificou-se também que o limar da diferença entre azul
e verde para os participantes do grupo experimental, que indicaram ver mais estímulos da
cor verde que azul. Moscovici et al. (1969, como citado em Garcia-Marques et al., 2013)
concluíram que uma minoria consistente pode ter impacto nas respostas públicas de uma
maioria.
Em outro experimento, Moscovici e colaboradores (1969, como citado em Garcia-
Marques et al., 2013) buscaram verificar o impacto da minoria na aceitação pública e
privada da maioria. Para tanto, foram elaboradas as seguintes condições experimentais:
(1) minoria consistente com dois indivíduos (do grupo de seis participantes, dois
cumplices indicavam que a cor era sempre verde); (2) indivíduo consistente isolado (do
grupo de seis participantes, um cumplice dizia sempre verde); (3) minoria inconsistente
(do grupo de seis participantes os dois cumplices indicavam as cores azul e verde
aleatoriamente); (4) maioria unanime (de um grupo de quatro cumplices, três diziam
sempre verde); (5) maioria não unanime (do grupo de seis participantes, quatro cumplices
diziam a resposta verde).
Os resultados indicaram que apenas uma minoria consistente produz aceitação
privada da sua influência (a aceitação privada ocorre quando o efeito da influência se
mantém na condição de avaliação individual dos participantes). Por meio das entrevistas
realizadas após os experimentos verificou-se que o efeito da minoria esteve associado à

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autoconfiança passada por ela, à maioria, diante da consistência de suas respostas. Uma
minoria consistente, embora percebida como incompetente, mas autoconfiante, é capaz
não só de produzir uma aceitação pública de sua influência, mas também a aceitação
privada; por outro lado, uma maioria, embora tenha um maior impacto nas respostas
públicas dos participantes não produz aceitação privada (Garcia-Marques et al., 2013).
Outra variação do estudo foi realizada com duplas (sendo um membro da dupla
cumplice do experimentador), para avaliar o poder da influência maioritária ou
minoritária dos participantes. Para algumas duplas foi dito que em estudos anteriores
81,8% (na condição maioritária) ou 18,2% (na condição minoritária) dos participantes
indicaram respostas iguais a do outro participante (cumplice). A indicação de respostas
verde ou azul do participante consistiu na medida de influência pública. Posteriormente,
numa avaliação individual, os participantes foram convidados a observar cores
apresentadas a partir de um dispositivo e depois olhar para uma parede branca e indicar a
cor residual que viam, ou seja, a cor complementar daquela apresentada, essa indicação
deveria ser feita numa escala de 9 pontos (1 amarelo – 9 púrpura); a partir das respostas
dadas a essa avaliação, poderia ser verificada a aceitação privada da influência da maioria
ou da minoria. Os resultados indicaram que apesar da influência maioritária apresentar
maior aceitação pública, a influência minoritária apresenta maior aceitação privada
(Garcia-Marques et al., 2013). No entanto, não houve consenso nos resultados verificados
em replicações dessa pesquisa.
Como conclusões desses estudos tem-se que a influência de uma minoria depende
do estilo do comportamento adotado (se consistente ou não); quando a minoria é capaz
de provocar tensão e conflito quebra-se a uniformidade dos julgamentos da maioria; e a
influência da minoria resulta em algo mais do que uma mudança na resposta emitida em
público, afetando a opinião ou o julgamento privado. A partir desses estudos Moscovici
estabeleceu os conceitos de submissão – quando o participante cede à influência, e
conversão – quando o participante não cede à influência (Álvaro & Garrido, 2006). Por
meio da chamada Teoria da Conversão, Moscovici apresentou que enquanto uma maioria
provoca aceitação de seus postulados sem provocar mudança real nas opiniões dos
indivíduos, as minorias provocam mudanças mais profundas relacionadas com a
conversão daqueles que são objeto de sua influência.
De acordo com Rodrigues et al. (2016), Moscovici (1985) destacou que uma
minoria pode afetar uma maioria de três formas: (1) quando uma minoria defende sua
posição de forma persistente e com uso de argumentos coerentes e persuasivos, ela

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provoca uma necessidade de reflexão da maioria; (2) essa forma de atuação da minoria
transmite autoconfiança, que funciona com um fator a mais para que a maioria reflita
sobre os argumentos apresentados pela minoria; e (3) a existência de uma minoria
consistente enfraquece a unanimidade da maioria, levando as pessoas a se sentirem mais
livres para pensar sobre as propostas da minoria. Para Álvaro e Garrido (2006), o que
ocorre na influência da minoria é que a sua falta de credibilidade e de poder faz com que
as pessoas pensem sobre os motivos de sua unanimidade e do compromisso com suas
ideias. Desse modo, ainda que as pessoas rejeitem os julgamentos de uma minoria, o
conflito que ela provoca e a consistência de suas opiniões, favorecem uma reflexão sobre
o objeto de controvérsia o que pode levar a uma mudança inadvertida (influência privada
e latente) ou a uma mudança em temas afins ao objeto (efeito indireto). Ou seja, as
minorias estimulam o pensamento divergente ao ativar processos de reavaliação dos
problemas que eliciaram o conflito.
Os processos de influência social podem ser identificados em diversos contextos.
Em meados do século XX temos registros de propagandas políticas utilizadas pelo regime
nazista para a construção e legitimação do antissemitismo. Nesse contexto foram
utilizadas propagandas com conteúdos relacionados tanto à influência social informativa,
ao indicar que judeus eram pragas que precisavam ser eliminadas, como à influência
social normativa, indicando que aqueles que não apoiassem o governo alemão seriam
considerados inimigos da pátria. O contexto da Segunda Guerra Mundial serviu de base
não apenas para o estudo da influência social, mas também de outros processos como
formação da identidade (Tajfel, 1982) e do preconceito (Allport, 1954). Aronson et al.
(2018) destacam ainda o papel da influência social na execução de comportamentos
socialmente desejados e sobre o papel dos meios de comunicação na vida das pessoas. Na
execução de comportamentos socialmente desejáveis verifica-se a presença de dois tipos
de normas sociais: as normas injuntivas e as normas descritivas. O primeiro tipo de norma
envolve aquilo que acreditamos que outras pessoas podem pensar sobre nós; aquilo que
elas aprovam ou reprovam em nós. O segundo tipo de norma envolve as nossas
percepções sobre como as pessoas realmente se comportam em determinadas situações
independente do comportamento ser ou não socialmente aprovado. Ou seja, uma norma
injuntiva relaciona-se com o que a maior parte das pessoas de uma cultura aprova ou
desaprova; uma norma descritiva relaciona-se com o que as pessoas realmente fazem.
Um estudo realizado por Cialdini et al. (1990, como citado em Aronson et al., 2018)
buscou verificar o efeito das normas injuntivas e descritivas no comportamento das

16
pessoas. As condições experimentais envolveram a exposição dos participantes a um dos
tipos de normas sociais, ou a nenhuma delas (o grupo de controle). Na condição da norma
descritiva, o cúmplice do experimentador carregava um saco vazio de uma lanchonete de
fast-food e o deixava cair antes de passar pelo participante. Ao deixar o lixo no chão, o
cúmplice estava sutilmente comunicando que jogar lixo no chão é o que se faz. Na
condição da norma injuntiva, o cúmplice não carrega nada e, em vez disso, antes de passar
pelo participante, recolhia um saco da lanchonete de fast-food jogado no chão. Ao pegar
o lixo de outra pessoa, o cúmplice estava sutilmente comunicando que jogar lixo no chão
é inadequado. Na condição da norma descritiva, o fato de o cúmplice ter jogado lixo no
chão comunicou duas mensagens diferentes, dependendo da condição do estacionamento.
No estacionamento cheio de lixo, esse comportamento lembrou que as pessoas, muitas
vezes, jogam lixo no chão ali — o cúmplice serviu apenas como saliente exemplo do tipo
de comportamento que deixou o estacionamento tão sujo. No estacionamento limpo, no
entanto, o comportamento do cúmplice comunicou uma mensagem diferente, que o
comportamento de jogar lixo no chão era incomum. Por isso, esperaríamos que esse
comportamento do cúmplice lembrasse os participantes de uma norma descritiva mais
forte contra jogar lixo no chão em um ambiente limpo que em um ambiente cheio de lixo.
E foi o que os pesquisadores verificaram e concluíram que as normas injuntivas são mais
poderosas que as descritivas para gerar o comportamento desejado (Cialdini, 2003 e
Kallgren et al., 2000, como citado em Aronson et al., 2018).
Ainda com relação ao efeito da influência social no comportamento socialmente
desejado, Schultz et al. (2006, como citado em Aronson et al., 2018) verificaram a
existência do Efeito Bumerangue, que consiste na situação de que a apresentação de uma
norma para modificar um comportamento específico pode ter um efeito contrário ao efeito
desejado. Esses autores realizaram um estudo para verificar o efeito de normas descritivas
e injuntivas, e para tanto utilizaram uma situação de consumo de energia elétrica num
condomínio. Os moradores foram divididos em dois grupo aleatórios e cada grupo
recebeu um tipo de informação, das duas elaboradas: na condição de norma descritiva os
moradores foram informados sobre a quantidade de energia semanal que haviam utilizado
e o consumo médio por residência no bairro (a informação da norma descritiva) e
receberam sugestões de como economizar energia; na condição de norma descritiva e
injuntiva os moradores recebia a mesma informação anterior com um adicional o desenho
de uma carinha feliz, caso tivesse consumido menos energia que a média, recebiam o
desenho de uma carinha triste, caso tivessem consumido mais energia que a média. A

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adição da carinha feliz ou triste representada a norma injuntiva, ou seja, a forma como as
pessoas desejam que os indivíduos se comportem.
Conforme apresentado por (Aronson et al., 2018) os resultados indicaram que para
aqueles moradores da que consumiram energia acima da média, a apresentação apenas da
norma descritiva ajudou na redução do consumo. Para aqueles que consumiram abaixo
da média a norma descritiva teve um efeito inverso, chamado de efeito bumerangue, e
favoreceu o aumento do consumo de energia. Para o grupo de moradores que recebeu a
informação de norma descritiva e da norma injuntiva simultaneamente, os resultados
foram mais positivos: aqueles que consumiram acima da média e receberam uma carinha
triste diminuíram o consumo de energia; aqueles moradores que já tinham o consumo
abaixo da média e receberam a carinha feliz mantiveram o consumo de energia abaixo da
média, não sendo verificado o efeito bumerangue. Ou seja, a apresentação da norma
injuntiva lembrou os participantes do comportamento que se esperava deles.
Recentemente, o efeito bumerangue pode ser observado numa situação ocorrida
na edição de 2019 da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, na qual o governador do estado
sugeriu que livros com conteúdo LGBT fossem embalados com plástico preto e que
tivessem a informação do tipo de conteúdo do livro. A norma descritiva imposta pelo
governador teve um efeito oposto ao esperado e houve um aumento da venda dos livros
com conteúdo LGBT neste evento. Nessa situação, desconsiderando questões de cunho
político como protestos contra a censura da liberdade de expressão e a luta contra o
preconceito, pode-se interpretar o efeito da norma descritiva imposta pelo governador
como ocasionando um efeito bumerangue.
Atualmente, os processos de influência social têm sido estudados a partir do uso
das redes sociais on-line, uma vez que estas têm sido percebidas como uma grande
ferramenta de influência e com poder de afetar diversas formas de comportamento, dentre
eles o comportamento político. Brady, Wills, Burkart, Jost e Van Bavel (2018) analisaram
a influência da elites políticas nas redes sociais on-line examinando como as
características dessas elites interagem com as características da comunicação. De acordo
com esses autores as mensagens políticas que possuem um conteúdo moral e emocional
são especialmente contagiosas. O contágio moral se refere, especificamente, à difusão de
um conteúdo moralizado, resultando no processo no qual a expressão moral e de emoções
servem como fonte de informações que influenciam a avaliação das pessoas e que podem
formar seu comportamento. Desse modo, a inclusão de um conteúdo moral e emocional
na comunicação poderia ajudar a elite política a atingir uma grande audiência. Brandy et

18
al. (2018) analisaram mensagens do twitter enviadas por candidatos à presidência dos
EUA nas eleições de 2016: Hillary Clinton e Donald Trump, e de membros do senado e
do congresso dos EUA. A partir das análises de conteúdo realizadas os autores
verificaram que as mensagens que possuíam uma combinação de conteúdo moral e
emocional estiveram associadas a uma maior difusão nas redes sociais; e os políticos que
utilizaram comunicações com esses conteúdos tiveram vantagem reais em relação àqueles
que não usaram.
Uma das consequências da influência social é o processo de reatância (Brehm,
1966, como apresentado por Michener et al., 2005), que consiste no fenômeno no qual o
indivíduo, ao ser pressionado para mudar de posicionamento, sente que sua liberdade e
sua independência estão sendo ameaçadas. Ao sentir a necessidade de proteger sua
liberdade e independência as pessoas agem de modo contrário ao que é proposto pela
fonte de influência. O fenômeno da reatância tem sido investigado na atualidade a partir
do uso das redes sociais, sobretudo do Facebook. Os dados pessoais dos usuários dessa
rede são utilizados para a elaboração de um conteúdo individualizado e para o envio de
propagandas que levam em consideração as preferências dos usuários. No entanto, de
acordo com Youn e Kim (2019) tem siso verificada uma aversão às propagandas dessa
rede social e isso tem ocorrido devido a fatores como irrelevância da informação, de
experiência negativas com o produto e o sentimento de violação da privacidade. Quando
a reatância ocorre após a exposição de uma comunicação persuasiva as pessoas resistem
ou mudam suas atitudes ou comportamentos na direção oposta da indicada pela
mensagem como uma forma de lidar com a ameaça da perda de liberdade. Youn e Kim
(2019) realizaram um estudo com o objetivo de desenvolver e testar um modelo teórico
que integra os antecedentes e resultados da reatância contra os comerciais no feed do
Facebook. Os autores verificaram que a percepção dos usuários do Facebook sobre a
autonomia no controle da exposição, invasão e ameaça da liberdade no uso da rede social
funcionam como antecedentes à reatância e que a evitação às propagandas ocorre a nível
cognitivo e comportamental. No entanto, a percepção de possibilidade de diminuição da
autonomia e os esforços para evitar ou bloquear propagandas não possui um efeito na
diminuição do uso do Facebook.
A teoria da Influência Social de Kelman, apresenta esse processo composto por
três elementos: conformidade, identificação e internalização, e foi utilizado por Varnali e
Gorgulu (2015) como base da investigação realizada para a compreensão dos mecanismos
subjacentes da participação política no twitter. A conformidade está relacionada com a de

19
executar ou não determinado tipo de comportamento. A internalização corresponde aos
valores e metas do grupo que são utilizados para orientar o comportamento dos membros
do grupo. A identificação, por sua vez, se refere ao conceito de self em termo de definição
de características do indivíduo a partir das categorias sociais que definem os estereótipos
do grupo. No estudo, a influência do grupo foi representada pela percepção do twitter
como uma comunidade on-line e na expressão individual da participação política on-line.
Os autores confirmaram a validade dos processos de internalização e de identificação na
influência social tendo em vista que aquelas pessoas para as quais se verificou uma
elevada congruência entre os valores e metas pessoais e os valores e metas do grupo,
verificou-se também uma maior identificação como membro do grupo e uma maior
atividade em termos da expressão da participação política no twitter. Os autores
verificaram ainda que a identidade social e as normas do grupo são aspectos primordiais
da influência social no que diz respeito à predição e encorajamento da expressão da
participação política no Twitter.
PettyJohn, Muzzey, Maas, e McCauley (2019) realizaram uma pesquisa sobre
cultura de estupro e consideram que é difícil para as pessoas identificarem como seus
comportamentos e atitudes podem contribuir para essa cultura. No entanto os autores
destacam que o engajamento de homens em discussões sobre teorias feminista funciona
como um elemento de influência social e de mudança de atitude; o que por sua vez
favorece o desenvolvimento de comportamentos prossociais que podem diminuir a
resistência de homens a combater atitudes machistas reestruturando seu envolvimento
como aliados das mulheres, em vez de se encontrarem sempre na posição de culpados. A
pesquisa desses autores foi realizada com base no movimento chamado de “Ativismo de
Hashtag”, que são movimentos que reclamam justiça social por meio de redes sociais on-
line. Como exemplos desse tipo de movimento tem-se o #MeToo e o #HowIwillChange,
que consistem em mobilizações contra a cultura do estupro. A primeira hashtag teve o
objetivo de expor situações de assédio e estupro sofridos por mulheres; a segunda teve o
objetivo de incentivar homens a pensarem como eles poderiam mudar atitudes e
comportamentos que contribuem para este cenário. O fato da segunda hashtag ter sido
criadas por um homem ressalta a importância percebida sobre a responsabilidade que esse
grupo tem de mudar as atitudes e comportamentos que favorecem a cultura de estupro.
Os resultados dessa pesquisa indicaram que algumas das principais estratégias de
influência social pensadas pelos homens para mudar o comportamento e atitudes dos
membros do seu próprio grupo envolvem ouvir as experiências das mulheres, ensinar as

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próximas gerações valores que ajudem a combater a cultura de estupro e conversar com
outros homens sobre seus comportamentos.
Em suma, observa-se que na atualidade os estudos sobre influência social têm
seguido o caminho trilhado desde o surgimento dessa área que envolve o conhecimento
de como a influência social ocorre e quais suas consequências para a vida em sociedade.
Ressalta-se que os estudos nessa área têm acompanhado o desenvolvimento social e
utilizados outros métodos e estratégias de pesquisa, além da coleta de dados qualitativos
ou quantitativos e uso de experimentos ou estudos de campo, e atingindo a esfera das
redes sociais on-line.

Referências
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