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MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra Editora, T.

01,
p. 43-102.

Parte I – O Estado os Sistemas Constitucionais

Título I – Direito e Poder Político na História

Capítulo I – Localização histórica do Estado

§1º. O Estado, realidade histórica

1. O Estado, espécie de sociedade política

O Estado (povo, território e poder político) é espécie da classe política ou os


políticos só existem dentro do Estado? Essa pergunta abrem duas vertentes de
pensamento: a primeira afirmando ser os políticos servidores do Estado e a segunda
afirmando que o Estado é a vertente mais importante da classe política.

2. O aparecimento histórico do Estado

O Estado surge como uma necessidade humana por um mínimo de organização


política, sendo de caráter interdisciplinar a pesquisa sobre a origem estatal.

3. Sociedades políticas pré-estaduais

Importante destacar que algumas sociedades já apresentavam elementos de


Estado antes mesmo de sua formação histórica, como por exemplo a família patriarcal,
o clã e a tribo.

4. Processos de formação do Estado

A formação do Estado pode ter se dado de forma pacífica ou violenta, por leis
vigentes ou na própria sociedade ou mesmo por desenvolvimento interno e influência
externa (laços sanguíneos, migração, evolução social...).

5. Características gerais do Estado

As características do Estado devem ser vistas conjuntamente e não de modo


isolado. Essas características são: complexidade da organização; institucionalização do
poder; coercibilidade; e a sedentariedade.
6. A inserção territorial do Estado

O território é elemento essencial para referência da comunidade, área de


segurança e instrumento ao serviço do poder.

§2º.

7. O desenvolvimento histórico do Estado

O Estado deve ser encarado como um processo histórico ainda inacabado frente
aos novos modos de estruturação.

Hoje as formas de Estado europeias são predominantes na comunidade


internacional.

8. Redução das formas históricas de Estado a tipos

É necessário confrontar a figura do Estado em seus vários elementos definidores


para se chegar ao seu conceito básico. Importante ressaltar que podemos encarar o
Estado como momento ou como estrutura mais ou menos linear, sem esquecer que na
Idade Média não houve Estado e no mundo Moderno as fases do Estado podem ser
muito bem definidas.

9. O Estado oriental

Principais características: teocracia, forma monárquica, reduzidas garantias


jurídicas dos indivíduos e larga extensão territorial.

10. O Estado grego

Principais características: prevalência do fator pessoal, fundamento da


comunidade dos cidadãos, relativa pouca importância do fator territorial, deficiência ou
inexistência de liberdade fora do Estado e diversidade de formas de governo.

No período antigo o homem podia ser observado enquanto cidadão, particular e


porção do corpo coletivo. A liberdade hoje é mais no particular, antes no cidadão.

11. O Estado romano

Roma se constitui em agrupamento de família e das gentes e se assemelha


bastante com as cidades da Grécia.
As peculiaridades do Estado romano são: desenvolvimento da noção de poder
político, consciência da separação entre o poder público e o poder privado, consideração
como direitos básicos o de se eleger e o acesso à magistratura, progressiva atribuição de
direitos aos estrangeiros, expansão da cidadania num largo espaço territorial. Sob o
domínio romano na Palestina é onde surge o Cristianismo.

12. O pretenso Estado medieval

A idade média europeia se divide em duas grandes fases: a das invasões e a da


reconstrução. A cristandade se revela em toda a idade média, em especial na
organização do poder e em seu limitação frente ao Poder de Deus. As concepções
germânicas colocam o príncipe no centro da vida política.

O feudalismo destrói a ideia de Estado. Naturalmente, o papel da igreja toma


relevo nesta época, apesar de diferir quanto à queda do Império do Ocidente. Nem
mesmo o poder temporal foi capaz de subjugar o poder da Igreja na Idade Média.

13. O Estado moderno ou europeu

Com o constitucionalismo todo o Estado ficará envolvido por regras e processos


jurídicos estritos.

Características do Estado moderno: O Estado tende a corresponder a uma nação


ou comunidade histórica de cultura; secularização ou laicidade e soberania.

14. O nome do Estado

Até se chegar no moderno Estado, várias denominações foram dadas à essa


organização como polis, civitas e a res publica. Sem dúvidas foi na Itália que surgiu a
nomenclatura que até hoje perdura no nosso ordenamento.

Capítulo II

O Direito público moderno e o Estado europeu

§1º.

Formação

15. O sistema político medieval


Os feudos desenvolveram relações de poder e servidão que inviabilizaram o
surgimento da organização estatal. Ao mesmo tempo em que a figura do Rei
preponderava na época. Apesar de uma aparente relação amistosa, a Igreja tinha em
mente não deixar o poder do Imperador avançar além da Itália e Alemanha.

16. A substituição do sistema político medieval

O despontar das nações europeias e a recepção do Direito romano tem grande


influencia na mudança do sistema político medieval. Aos poucos as comunidades vão se
dando nomes, se unindo em torno da mesma língua. O Sentimento nacional existe já nos
séculos XIV e XV. A nação torna-se a ideologia do Estado burocrático centralizado.

O próprio renascimento do Direito romano por volta do século XIII, conferindo


maior horizontalidade ao corpo social, forma nova construção política.

17. O processo de criação dos Estados europeus

Dentro da organização política feudal, começou o processo para centralizar o


poder (âmbito interno) e, além disso, houve emancipação política em relação ao Papa e
ao Imperador (âmbito externo).

18. A soberania e a organização do Estado

Bodin definiu a soberania como elemento e expoente da ideia moderna de


Estado. A soberania implica ainda na imediatividade ou ligação direta entre Estado e o
indivíduo, ao contrário do que sucedia no sistema feudal. O Poder (personificado na
figura do Rei) se auxilia dos órgãos e serviços.

19. Variedade dos momentos de aparecimento do Estado

O momento exato em que se passa da organização política medieval para o


Estado moderno não é fácil de ser percebido. Na península Ibérica se torna um
fenômeno mais rápido em virtude da Reconquista cristã, na qual os reis nunca deixam
de ser afirmam independentes do Sacro Império.

A própria Guerra dos 100 anos favorece ao surgimento do Estado moderno, na


medida em que solta os laços feudais existentes entre Inglaterra e França. O processo de
criação dos Estados europeus culmina no tratado de Vestefália: põe fim a Guerra dos 30
anos, sela a ruptura religiosa da Europa, fim da supremacia do Papa e a divisão da
Europa em diversos Estados independentes.

20. O caso português: fundação e consolidação do reino de Portugal

Os principais eventos que tornaram Portugal sucessor do Condado Portucalense:


governo de D. Afonso Henriques (1128), reconhecimento interno do título de rei (1140),
prestação de vassalagem ao Papa como reforço e como prova da emancipação
relativamente a Leão (1143), o reconhecimento da dignidade real pela Santa Sé. Válido
ressaltar que Portugal não apresentava traços tão fortes do regime feudal.

§2º.

Evolução

21. Condições gerais de desenvolvimento do Estado europeu

Interessante perceber que o Estado europeu ainda hoje move-se em direção às


transformações que influem diretamente todo o mundo. Uma série de transformações
socioeconômicas, espirituais e internacionais só foram observadas dentro do Estado
moderno. Válido perceber que as grandes viagens marítimas só ocorreram após a
organização do Estado moderno, além da evolução do próprio capitalismo.

22. Períodos de evolução

A primeira perspectiva de evolução é a cultural (Renascimento, Ilustração e


Romantismo). A segunda perspectiva é jurídico-positiva e política (limitação do poder
dos governantes). Uma terceira perspectiva liga Direito, política e economia, incluindo
o Estado como elo entre essas três áreas.

23. O Estado estamental

O Estado estamental é forma política de transição. Houve uma transição da


dualidade rei-reino para rei-estamentos, os quais nada mais são que classes
estratificadas no corpo social. Somente em Inglaterra que os estamentos sobrevivem
como grupos políticos e não meros estratos sociais.

24. O Estado absoluto. O Estado de polícia


Nenhum Estado sobrevive sem o Direito e nenhum governante deixa de estar
vinculado às normas jurídicas fundamentais. O Estado “absoluto” só existe em virtude
da concentração do poder no Rei. O desdobramento disso se dá em Estado propriamente
dito (dotado de soberania) e no Fisco (entidade despersonalizada e sem soberania). Em
assim sendo, os particulares podem reivindicar seus direitos subjetivos somente contra o
Estado.

Há então dois subperíodos na evolução do absolutismo: até o princípio do século


XVIII quando a monarquia afirma ter o “direito divino”; já numa segunda fase, o
absolutismo se pretende mais voltado ao racionalismo iluminista, é o chamado
“despotismo esclarecido” ou “Estado de polícia” (o “príncipe” tem plena liberdade para
alcançar seus interesses).

O principal critério da ação política estatal torna-se a conveniência, o bem


público e não a justiça ou legalidade. Sobretudo no século XVIII esse panorama é
alterado, pois com o advento do Estado de polícia a lei prevalece sobre o costume como
fonte do Direito.

A partir daí incrementa-se a economia por meio do capitalismo. O Estado passa


a investir em setores antes relegados como defesa nacional, cultural, economia e
assistência social. O crescente abismo entre o poder econômico burguês e a falta de
respaldo político cria as bases para as revoluções posteriores.

25. O Estado constitucional, representativo ou de Direito

Locke, Montesquieu, Rousseau e Kant são os expoentes do contratualismo,


individualismo e do iluminismo, estes criando as bases do Estado constitucional,
representativo ou de Direito. As revoluções do século XVIII (Francesa e dos Estados
Unidos) bem como a Revolução Inglesa e Alemã foram fundamentais para a nova fase
do Estado constitucional ou Estado de Direito. No lugar da tradição, contrato social; em
vez da soberania do príncipe, a soberania nacional e a lei como expressão da vontade
geral; em vez do exercício do poder por um só ou seus delegados, o exercício por
muitos, eleitos pela coletividade; em vez da razão do Estado, o Estado como executor de
normas jurídicas; em vez de súditos, cidadãos; e a atribuição a todos os homens, apenas
por serem homens, de direitos consagrados na lei.
Os textos mais significativos deste época são: Declaração de Direitos de Virgínia
e a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) e a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

26. O Estado constitucional no século XIX como Estado liberal burguês

O Estado constitucional, representativo ou de Direito surge como Estado liberal,


assente na ideia de liberdade e, em nome dela, empenhado em limitar o poder político
tanto internamente (pela sua divisão) como externamente (pela redução ao mínimo das
suas funções perante a sociedade).

Mas apesar de concebido em termos racionais e até desejavelmente universais,


na sua realização histórica não pode desprender-se de certo situação socioeconômica e
sociopolítica. Exibe-se também como Estado burguês, imbricado ou identificado com os
valores e interesses da burguesia, que então conquista, no todo ou em grande parte, o
poder político e econômico.

Por osmose ou por imitação, por meios revolucionários ou por outorga régia, os
regimes liberais vão se implantar ao longo da primeira metade do século XIX. O
liberalismo enfrenta críticas de vários planos: pensamento reacionário, católico e até
socialista. Entretanto, há de se reconhecer alguns avanços do liberalismo: abolição da
escravatura, transformação do Direito e do processo penal, progressiva supressão de
privilégios de nascimento, liberdade de imprensa.

27. A situação do estado no século XX

O século XX é marcado por fortes quebras de paradigmas a partir das Grandes


Guerras e do surgimento de correntes filosóficas baseadas na força vinculantes das
normas fundamentais.

Século marcado por convulsões bélicas, crises econômicas, mudanças sociais e


culturas e progresso técnico sem precedentes (mas não sem contradições), o século XX
é, muito mais que o século anterior, a era das ideologias e das revoluções. Desembocam
nele todas as grandes correntes filosóficas e acelera-se o ritmo dos eventos políticos.

Pode-se indicar como grandes forças após as guerras mundiais: as


transformações do Estado; o aparecimento de regimes autoritários, a emancipação dos
povos coloniais e a organização da comunidade internacional.
O fim das grandes guerras acabam por fazer surgir as “rebeliões de massa”. As
revoluções dos povos ultramarinos é reflexo das modificações observadas na lógica
internacional.

Uma das formas de proteção do indivíduo que surge após o período das grandes
guerras é a proteção internacional dos direitos do homem, ou seja, a promoção, por
meios jurídicos-internacionais, da garantia dos direitos fundamentais relativamente ao
próprio Estado de que cada um é cidadão.

28. A diversidade de tipos constitucionais

Aqui observa-se que o liberalismo não é mais visto como a única saída viável
para o problema da Constituição e da organização política.

Considerando especificamente o fenômeno constitucional avultam três aspectos.


Consiste um na perda da crença liberal individualista na Constituição; o outro, e em
contrapartida, na generalização das Constituições escritas por todos os Estados; outro
ainda, na rápida sucessão das Constituições e suas vicissitudes.

A Constituição em si qualificada por ser escrita, dava ao Estado legitimidade


para ser respeitado internacionalmente. Triunfa a unanimidade formal, perde-se a
unanimidade material. Ao contrário do período monárquico absoluto, agora todos os
Estados se preocupam com dotar-se de Constituições em perfeito sentido formal. Assim,
torna-se ainda mais patente o contraste entre as Constituições que valem como
fundamento do poder e aquelas outras que não passam de instrumento ao seu serviço.

Dentre essas fases, pode-se citar o Estado social como a segunda fase do Estado
constitucional, representativo ou de Direito. Os grandes marcos do Estado social são a
Constituição mexicana de 1917 e a alemã de 1919.

Ainda se cita a título de ilustração dois outros modelos de constitucionalismo do


pós-Guerra: regime constitucional soviético ou marxista-leninista e o fascista. O
primeiro se assenta e se inspira nas ideias da Revolução russa de 7 de novembro de
1917. Já o segundo tem esse nome por causa do regime instaurado na Itália de 1922 a
1943.

Na contemporaneidade, verificam-se transformações na Europa Ocidental e na


América do Norte, em especial a crise dos serviços sociais ou mesmo do próprio
Estado-providência relacionado sempre às teses neoliberais de ascensão. Verifica-se a
partir de então o surgimento do pluralismo político e a vontade de construir um Estado
de Direito, denotando uma preocupação com direitos fundamentais à vida, segurança e
liberdade pessoal.

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