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CIRCULAÇÃO DE CARTILHAS E ENSINO DE LEITURA EM MATO GROSSO: UMA

CONTRIBUIÇÃO À HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO (1927-1977)

Lázara Nanci de Barros Amâncio


Cancionila Janzkovski Cardoso
Universidade Federal de Mato Grosso

RESUMO

A questão da alfabetização no Brasil e a definição de suportes materiais para sua concretização


continuam a demandar esforços na constituição de sua compreensão, apesar dos estudos já
produzidos a esse respeito. Nesta comunicação pretendemos apresentar dados de uma pesquisa de
fundo histórico, em andamento, vinculada a uma investigação de caráter interinstitucional
intitulada “Cartilhas escolares: ideários, práticas pedagógicas e editoriais; construção de
repertórios analíticos e de conhecimento sobre a história da alfabetização e das cartilhas
(MG/RS/MT, 1870-1997)” que congrega pesquisadores de três instituições brasileiras que
buscam compreender a história da alfabetização no Brasil, mediante a análise da produção e da
circulação de cartilhas. Nesta apresentação serão enfocados, especialmente, aspectos de uma
história da alfabetização em Mato Grosso, no período de 1927 – ano em que se reorganiza o
ensino com novo regulamento da instrução pública – a 1977 –ano que marca a publicação da
primeira cartilha produzida por professores de Mato Grosso. Nesse período, percebe-se maior
dificuldade de localização de fontes preservadas que possam indicar títulos de cartilhas e livros
de leitura usados no ensino da língua escrita nas escolas mato-grossenses. Pesquisas anteriores
(Amâncio, 2000 e Amâncio e Cardoso, 2005) já apontaram para o fato de que o estado de Mato
Grosso tem-se revelado um grande consumidor de cartilhas e livros de leitura de outras regiões
brasileiras, especialmente do estado de São Paulo – a partir da reorganização do ensino em 1910,
por professores paulistas. Assim, o estado de Mato Grosso não possui, nessa área, produção
editorial própria, nem autores. Uma tímida iniciativa, apesar dos incentivos que constam em
regulamentos da instrução pública desde o século XIX, surge somente na década de 1970, a partir
da implantação de um programa do MEC, cujo objetivo divulgado exaustivamente era o combate
ao fracasso escolar, em especial na alfabetização, por meio da elaboração de novas metodologias.
A pesquisa procura discutir as relações entre políticas públicas, produção/circulação de livros
escolares para alfabetização e práticas de leitura e escrita para crianças. Recorremos a um
conjunto de fontes como regulamentos e relatórios da instrução pública, programas de ensino,
livros de almoxarifado como atas e registro de movimentação de material escolar, diários de
classe, provas de exames para concurso público de professores. Valemo-nos também de
depoimentos de alfabetizadores que exerceram o magistério em diferentes momentos do período
enfocado, procurando, no entrecruzamento das fontes compreender nuances do percurso de
construção da alfabetização nessa região. Trata-se de compreender aspectos da história da
alfabetização em Mato Grosso, numa abordagem da História Cultural, entendendo a educação
num contexto sócio-econômico-político e cultural de caráter emblemático, cujo período
caracteriza-se pela presença de extensos e profundos conflitos gerados pelas relações entre os
sujeitos constituidores daquele momento histórico, bem como compreender suas posições
discursivas, aspirações educacionais e decisões. Inclui-se nesse contexto preocupações com a
expansão de uma escola pública e democrática, pautada numa administração do serviço público
que sofre influências dos ideais escolanovistas e do pensamento pedagógico em vigor. A
circulação de cartilhas, a pluralidade de títulos e a ausência de orientações oficiais específicas em
Mato Grosso – que podem ser entendidas como elementos de uma autonomia didática – no
período em foco, evidenciam, de certo modo, a nova configuração que adquire a temática da
alfabetização à medida que se difundem novos pressupostos, novos fins sociais da educação e,
conseqüentemente da alfabetização. Trata-se, pois, de compreender a multiplicidade de temas, as
novas demandas e aspirações educacionais articuladas a esse objeto de estudo.

TRABALHO COMPLETO

Introdução

A temática a ser apresentada nessa comunicação situa-se num campo de pesquisa


relativamente novo, mas promissor (Darnton,1990; Choppin, 2002) – a História Cultural, a
História do Livro, a História da Leitura (ou até, como argumenta Darnton, 1990, p.109, podendo
chamar-se história social e cultural da comunicação impressa). Nascido fora de nosso país
também aqui esse campo de pesquisa desenvolveu-se com rapidez e nele situamos esta
investigação, por um lado, porque ainda são raras as pesquisas de fundo histórico na área da
alfabetização, apesar de já podermos contar com algumas iniciativas importantes no Brasil 1 e,
por outro, porque pretendemos refletir sobre o recurso didático intitulado cartilha, inserindo esse
tipo de material na discussão que aborda questões relacionadas à história do livro 2, de acordo
com os pressupostos defendidos por alguns autores da História Cultural.
Entendendo que a alfabetização e seus suportes materiais situam-se numa área de
confluência de diferentes campos de estudo que por ela se interessam e nela intervêm (Soares,
1985), mantendo forte interface especialmente com a História da Educação, propomos abordar
alguns aspectos de uma pesquisa em andamento que trata da circulação de cartilhas em Mato
Grosso (1927 a 1977) analisando a presença desse material relacionado às questões mais amplas
de ordem sócio-econômica- político-cultural e pedagógicas que circunscreveram o ensino de
leitura nesse período.
A definição desse período justifica-se por duas razões de ordem político-pedagógicas,
ligadas ao objeto de estudo, tendo em vista que no ano de 1927, a Diretoria Geral da Instrução
Pública3(DGIP) divulga um novo Regulamento do Ensino que oficializa um método de ensino de
leitura para as escolas de Mato Grosso e, no ano de 1977, a Secretaria de Estado de Educação
produz pela primeira vez uma cartilha de alfabetização que foi adotada pela rede pública de
ensino.
Recorrendo aos procedimentos típicos da investigação de abordagem histórica
buscamos dados em fontes do Acervo Público de Mato Grosso (Relatórios, Regulamentos,
Legislação da Instrução Pública e documentos da Secretaria de Estado de Educação), do Núcleo
de Pesquisa em Educação-NUPED, da Universidade Federal de Mato Grosso (Entrevistas
transcritas e cadernos de professoras aposentadas) e também de bibliotecas; nesse caso, focando
pesquisas concluídas por estudiosos da historiografia regional (Siqueira, 2000; Amâncio, 2000;
Reis, 2003; Amâncio e Cardoso, 20054). A reunião, organização, seleção e análise das fontes

1
Remeto o leitor aos estudos de Mortatti (2000), Bertoletti (1999), Amâncio (2000), Maciel (2001), Trindade (2004),
Peres ( 2003, 2004), Porto (2005).
2
Estudos sobre livros escolares podem ser encontrados especialmente em Bittencourt (1993,1996), Batista, Galvão e
Klinke (2002), Batista e Val (2004). No campo da Cultura Escolar também destacam-se estudos que tematizam a
questão do ensino da leitura e da escrita numa abordagem histórica, como os de Vidal (1995,1998,2005), Faria Filho
(1998) e Galvão ( 1998).
3
Passaremos a usar DGIP para Diretoria Geral da Instrução Pública objetivando economizar espaço para apresentar
dados da pesquisa.
4
Trata-se da pesquisa intitulada Políticas educacionais e práticas pedagógicas em alfabetização: um estudo a
partir da circulação de cartilhas em Mato Grosso (1910 a 2000), financiada pela FAPEMAT e desenvolvida durante
o período de 2003 a 2005, no interior do Grupo de Pesquisa ALFALE- UFMT, coordenado Profa Dra Cancionila J.
permitiram compreender alguns aspectos da história da alfabetização em Mato Grosso, mediante
o levantamento e análise das cartilhas que circularam nas escolas públicas no período em pauta.

Afinal, porque cartilhas e sua circulação em Mato Grosso? 5

O avanço da pesquisa histórica sobre o livro e a edição escolar (Choppin, 2002), bem
como os recentes estudos sobre Cultura Escolar, trouxeram um certo conforto aos pesquisadores
da área da educação que se interessam pela história da alfabetização e pelo material nela usado
por excelência – a cartilha – cuja utilização e presença na escola brasileira, se insere no que
Mortatti (2000) chama apropriadamente de um “pacto secular”. Trazidas para a o Brasil pelos
colonizadores, as antigas “cartinhas” como eram chamadas, se arraigaram, junto com o catecismo
nas práticas do ensino de língua materna, garantindo assim sua permanência.
Se, conforme, argumenta Choppin (2002), a pesquisa sobre livros escolares em geral.
durante muito tempo foi negligenciada, provavelmente pelo seu status de manual, portanto, de
elemento comum, banal, acessível, produzido em grande quantidade, de vida efêmera, cuja
permanência e descarte dependem de programas que fixam sua prescrição com finalidades
estritamente pedagógicas e que se alteram ao sabor das inovações das políticas educacionais, que
dizer do estudo de cartilhas de alfabetização, recurso didático extremamente mais perecível do
que outros tipos de manuais, editados com um certo prazo de curta validade e pouco valor
econômico, inclusive porque manuseados por crianças 6, no seu primeiro ano de escolarização?
Assim, estudos que tematizam as questões da cartilha e da alfabetização são raros,
também em Mato Grosso7 - uma forte razão do investimento nesta pesquisa. Nesse estado
orientações para o ensino da língua materna surgem nas primeiras décadas do século XIX,
indicando o uso de Cartas ABC e algumas cartilhas também usadas em outras regiões brasileiras
(Amâncio, 2000 e 2005, Siqueira, 2000).
Em 1910 o ensino primário de Mato Grosso passou por uma reforma substancial que
contou com a contribuição de professores paulistas contratados pelo governo do estado para

Cardoso. Nesse período participaram do grupo, além da coordenadora, a Profa Dra Lazara Nanci de Barros
Amâncio, 8 alunas-bolsistas PIBIC do curso de Pedagogia e 2 mestrandas.
5
Apesar de anunciar que esta comunicação abrangeria o período de 1927 em diante, percebemos a necessidade de
abordar um período anterior visando maior inteligibilidade do texto.
6
Salvo, obviamente, a exceção quando se trata da alfabetização de adultos, cujo tema não se insere neste estudo.
7
Pesquisas na abordagem histórica começaram a surgir nesta última década, como resultado do Curso de Mestrado
em Educação da UFMT.
reorganizaram as escolas. A marca da modernidade, na ocasião, era a criação dos Grupos
Escolares, com a implantação do modelo pedagógico e dos princípios republicanos adotados em
São Paulo. Leowigildo Martins de Melo e Gustavo Khulman, jovens professores e republicanos
convictos (Amâncio, 2000, p. 89) foram os protagonistas mais importantes dessa missão que,
nacionalmente, ficou conhecida como Missão dos Professores Paulistas. A respeito da missão
em Mato Grosso, a Revista do Brasil comentou:

Ignoramos as ações desses moços paulistas naquelle colossal Estado, mas, ao que me
consta, occupavam cargos elevados na administração escolar e assim poderiam ter
exercido uma influencia benéfica, lutando aliás com enormes difficuldades se
considerarmos a extensão do território, pouca densidade e atrazo da população e ainda
a praga da politicagem e dos levantes armados... (SILVEIRA, 1917, p.241)

Embora Silveira não soubesse, os moços foram bem sucedidos8 (cf. Amâncio, 2000, e
Reis, 2003). A administração pública concedia-lhes amplos poderes para transformarem as
precárias escolas isoladas de Mato Grosso em Palácios da Instrução 9. Na ausência de um
regimento para os Grupos Escolares de Mato Grosso adotou-se o mesmo dos Grupos paulistas,
publicado em 1905. Assim, introduz-se, depois de uma rápida preparação pedagógica, um
método de ensino de leitura – o analítico – , de modo que os professores da capital pudessem
compreender a nova modalidade de ensino proposta pelos Grupos Escolares. Não se podia contar
na época, com a Escola Normal que estava desativada quando os professores paulistas chegaram
em Cuiabá. Criticando severamente a soletração Melo (1911,p.05) sugere o emprego do método
intuitivo10 para o ensino de todas as matérias e o analítico para o ensino da leitura.
Pressupõe-se que no período que se seguiu à reforma até quando se instaura uma nova
reorganização do ensino e um novo regulamento (1927) o ensino da leitura e da escrita atendeu à
orientação determinada, usando o método analítico. Os títulos das cartilhas que circularam a
partir de 1910, todavia levam a compreender que a questão das normatizações precisa ser
analisada com certa cautela, tendo em vista que sugere questionamentos a respeito das relações
entre prescrições, apropriações e realizações das ações pedagógicas. Que repercussão tiveram as

8
Foram diretores dos Grupos que criaram, sendo que Leowegildo M. Melo foi também diretor da Escola Normal,
ocupou em 1921 uma das cadeiras da Academia Mato-Grossense de Letras.
9
Sobre o tema dos Grupos Escolares em Mato Grosso sugerimos a leitura do estudo de Rosinete Maria dos Reis
(2003) e sobre os Grupos Escolares de São Paulo a leitura da pesquisa de Rosa Fátima de Souza (1998)
10
Já no Regulamneto de 1896, acompanhando uma tendência nacional, o método intuitivo era mencionado como o
ideal a ser empregado no ensino de crianças. Essa recomendação é reiterada nos regulamentos seguintes, 1910 e
1927. Sobre a difusão do método intuitivo no Brasil pode-se recorrer a Valdemarin (2004) e a Bianco (1999).
orientações oficiais divulgadas entre os professores? Havia algum tipo de controle e
acompanhamento dessas orientações? Que indícios ficaram da execução, orientação e
acompanhamento das prescrições? E talvez o mais importante: como os professores reagiram à
adoção de um o novo método?
O Conselho Superior da Instrução Pública (CSIP) 11 faz, em 1915, uma defesa exaustiva
da adoção do método analítico e da Cartilha Analítica de Arnaldo Barreto, como ideal aos
propósitos do método adotado pelos normalistas. Vale ressaltar que Mato Grosso não possuía
editoras, autores nem publicações próprias, especialmente na área do ensino de leitura, sendo
consumidor de manuais escolares produzidos na sua maioria por professores paulistas.
Trechos da Ata do CSIP, em 1915, suscitam algumas reflexões ainda que não possamos
desenvolvê-las mais profundamente nesse momento. A primeira delas se liga à distinção entre os
dois métodos conhecidos e a citação do método João de Deus12, como um método misto, na
concepção do Conselho Superior.

No ensino da leitura existem hoje dois methodos bem caracterisados e


oppostos: analytico e syntetico sendo que este vae cahindo em desuso pelas
incontestaveis vantagens que aquelle lhe leva. Entre esses dois methodos existe
um mixto, ou antes, na transição de um para outro empregou-se durante algum
tempo um meio termo que se tornou conhecido pelo nome de methodo João de
Deus. (MATTO-GROSSO, 1915, p.47)

O Conselho demonstra conhecer as discussões que se colocavam nacionalmente,


confrontando os métodos de ensino de leitura e escrita; mas parece desconhecer a acirrada
campanha em defesa da Cartilha Maternal, considerada nos estudos de Mortatti (2000)
como concretização do método considerado Palavração, que teria dado origem à disputa
pela hegemonia de tematizações e concretizações em relação ao ensino de leitura em São
Paulo (Mortatti, 2000, p.72). Não se encontrou, ainda, nenhuma referência ao uso da
Cartilha Maternal, em Mato Grosso. A Comissão explicita o que entende por método
analítico e acrescenta:

Na America do Norte – padrão da educação moderna – o eminente educador


Francis Parker e a dedicada professora Sofia (sic!) Arnold são os dois mais
conhecidos propagadores do methodo analytico. ...o illustrado Professor
Arnaldo de Oliveira Barreto a principio foi contrario a palavração como se

11
Passaremos daqui em diante a usar CSIP para nos referirmos ao Conselho Superior da Instrução Pública.
12
Sobre esse tema remetemos o leitor aos estudos de Mortatti (2000, p. 41-73) que apresenta dados sobre a Cartilha
Maternal no Brasil.
começou a conhecer alli um dos processos do methodo analytico, porque esse
methodo não fora ainda bem exposto, e escreveu então como protesto a sua
Cartilha das Mães; porêm mais tarde penitenciou-se lealmente escrevendo a
sua Cartilha Analytica e ainda, traduzindo Parker, escreveu a seguinte nota:
“A creança que aprende por qualquer desses processos, solletração ou
syllabação, principalmente em portugues, tem uma leitura arrastada, penosa,
artificial contraria inteiramente a naturalidade da expressão com que ella
traduz, na conversa, as suas idéas e sentimentos.(grifos da Comissão).
(MATTO-GROSSO, 1915, p.48)

O Parecer do CSIP evidencia o conhecimento da ligação do método


analítico aos princípios do método intuitivo e, também, conhecimento da origem desse
método quando se refere à Cartilha de Arnoud, de autoria de Sarah Louise Arnoud (1901)
– que equivocadamente a Comissão chama de Sofia – que teve grande repercussão entre
os professores brasileiros, influenciando a grande profusão de cartilhas produzidas nas
primeiras décadas do século XX. A referência respeitosa ao nome de Francis Parker pela
Comissão é totalmente pertinente dada a admiração e uso que os professores paulistas
faziam de suas Palestras sobre o Ensino. Parker (1909) foi um dos maiores inspiradores
dos professores paulistas sendo citado exaustivamente nas palestras e conferências desses
professores (Amâncio, 2000, p.157) .
Chama a atenção especialmente a menção de dois títulos: Cartilha Analítica e
Cartilha das Mães, ambos de Arnaldo Barreto. O Conselho traz à tona uma curiosa
informação de que Barreto teria escrito sua Cartilha das Mães como protesto ao método
analítico, tendo aderido a ele somente mais tarde quando, penitenciando-se, teria então
publicado a Cartilha Analítica, em 1910. Encerrando, a Comissão enaltece e reforça a
adoção do método analítico, afirmando que em São Paulo quase todos os professores o
utilizavam e lembra que:

Matto Grosso, (que) já iniciou a introdução do methodo racional – o analytico


– de accordo com a orientação trazida pelos professores normalistas
contractados em S. Paulo para reformar o nosso ensino. Cuyaba 28 de agosto
de 1915. Alexandre Magno Addor, relator. (grifos do original) (Acta do
Conselho Superior da Instrucção Pública, 1915, p.49)
Títulos autorizados pelo CSIP são adquiridos e distribuídos às escolas pela DGIP
permitindo refletir sobre as relações entre orientações oficiais e realizações ou concretizações 13 .
O quadro a seguir registra os títulos que circularam no período posterior à introdução do novo
método:

Quadro 1 - Cartilhas adquiridas pela DGIP (1916 a 1923)

TITULO/AUTOR 1916 1917 1918 1919 1920 1921 1922 1923


Primeiro livro – Hilario Ribeiro 800 -- -- -- -- --
Cartilha das Mães – Arnaldo Barreto 500 2000 300 -- -- --
Cartas ABC da Infância 1000 -- -- -- 500 200
Cartilha Analitica – Arnaldo Barreto -- -- -- -- 125 --
Páginas Infantis – Mariano de -- 2000 500 -- 250
Oliveira
Cartilha Analitica-Sintetica – -- -- -- -- 250 400
Mariano de Oliveira
Meu Livro – Theodoro Moraes -- -- -- -- 125 200
Cartilha Ensino-Rapido da leitura– -- -- -- -- 250 --
Mariano de Oliveira

Fonte: APMT: Livros do Almoxarifado da DGIP (1916, 1918-1923).

Considerando a defesa do método analítico (1915), a sugestão de compra de 125


exemplares da Cartilha Analítica em 1921 causa estranheza. Todavia, poder-se-ia argumentar
que talvez houvesse um bom estoque dessa cartilha, o que justificaria sua ausência numa lista de
compras. Um levantamento nesse sentido constata:

Quadro 2 - Inventário de cartilhas e Cartas ABC do almoxarifado da DGIP (1916 a 1932)


TITULOS Compras Estoque
1916-1932 1924-1927
Cartilha das Mães- Arnaldo Barreto 2.900 1
Cartilha Analitica- Arnaldo Barreto 130 12

ABC da Infância- sem autor 5.016 1929


Cartilha Nacional –Hilario Ribeiro 325 15
Meu Livro- Theodoro de Moraes 379 21
Cartilha da Infância- Thomas Galhardo 27 5
Cartilha Ensino-Rápido da Leitura – Mariano de 10 -
Oliveira
Cartilha Analítico-Sintética – Mariano de 10 14
Oliveira
Cartilha do Povo 10 -

13
Estamos usando essas categorias no sentido que Magnani(1997) e Mortatti (2000) propõe em seus estudos.
Fonte: Livros do Almoxarifado da DGIP-MT
Síntese a partir da pesquisa de Amâncio (2000).

Nos registros do almoxarifado não constam aquisição da Cartilha Analítica,. Esse título
desaparece das relações de distribuição de livros a partir de 1927, constando no estoque apenas
12 exemplares dessa cartilha. No ano de 1925 constava em estoque 28 exemplares desse título e
uma saída de 16 exemplares. Numa compra efetuada no dia 15.09.1925 registra-se a aquisição de
5 unidades, ao preço unitário de 1.650 (réis?).
Admitindo-se incongruência nos dados do almoxarifado e a possibilidade de equívocos
dos amanuenses da época, percebe-se, mesmo assim, o descompasso entre as normatizações do
CSIP e as ações da DGIP, órgão executor das políticas públicas educacionais da época.
Com relação à distribuição de cartilhas para as escolas chama a atenção dados
registrados no ano de 1912, logo após a implantação dos Grupos Escolares e a reativação da
Escola Normal, em 1911.
Exemplares de Cartilha das Mães, num total de 254, são distribuídos para 25 Escolas.
A Escola Normal e Modelo Annexa recebe por duas vezes 50 exemplares; uma remessa no dia 15
de maio de 1912 e, outra em 14 de junho do mesmo ano. Na primeira remessa, ganha também 11
exemplares da Cartilha Analítica. O que teria levado a DGIP a enviar tão poucos exemplares da
cartilha mais compatível com o método adotado? Como se explicaria a predominância de
Cartilha das Mães em função dos argumentos do CSIP que julgava a Cartilha Analítica ideal
para os propósitos do novo método?
Remessas de cartilhas e outros materiais para as escolas só reaparecem em 1916. Nesse
ano e nos dois que se seguem, a Cartilha Analítica faz-se presente, embora não apareça em lista
de aquisição. O Grupo Escolar Senador Azeredo recebe, em 1916, 60 exemplares; o Grupo
Escolar de Poconé recebe, em 1917, 10 exemplares; o Grupo Escolar Costa Marques, de Cáceres
recebe, em 1918, 25 exemplares.
Mas a Escola Normal e Modelo Annexa recebe, em 1917, 60 exemplares da Cartilha
das Mães. Em 1912 ela já recebera 100 exemplares, o que permite supor que essa escola não
atendia à exigência do CSIP no que tangia à recomendação do método analítico. Algumas
perguntas permanecem sem respostas: Com relação aos métodos de ensino de leitura, como eram
ensinados aos professorandos? Como atuavam esses futuros professores na Escola Modelo, onde,
em tese, aplicavam seus conhecimentos pedagógicos? Como aplicariam os professores o método
analítico de alfabetização se lhes faltavam manuais escolares adequados à nova concepção de
escolas, diferentes daquelas descritas por Mello (1911)?
Além da incongruência percebida pela ausência da Cartilha Analítica, que, em
princípio, concretizaria a utilização do método analítico adotado nas escolas publicas, merece
destaque a permanência de Cartas ABC. Se a análise do sucesso (ou não) da alfabetização em
Mato Grosso fosse medida pela quantidade de material didático colocado à disposição de alunos
e professores, sem dúvida alguma o mérito seria de Cartas ABC. Mais de 5.000 exemplares
adquiridos pela DGIP,entre 1916-1932, contra 130 Cartilha Analítica e quase 3 mil Cartilha das
Mães – sem contar as compras para o ensino doméstico– comum naquele período. Talvez
tenhamos que admitir que muitas gerações de mato-grossenses foram alfabetizados apenas pelas
Cartas ABC. Sem dúvida grande parte da população alfabetizou-se com Cartilha das Mães, com
ou sem a penitência de Barreto.

Oficialização do método analítico: o vazio entre o prescrito e o realizado

O método analítico predominou em nível de prescrição, aproximadamente por um


quarto de século. Vigorou até a promulgação da Lei 452, de 24 de novembro de 1951 que deu
nova organização ao ensino primário, a partir da Lei Orgânica do Ensino Primário, de 1946.
Outras medidas educacionais importantes ocorreram em Mato Grosso nesse período, sendo que
em 1946, ainda, foi extinta a Diretoria Geral da Instrução Pública pelo Decreto-lei n.785, de
4/09/1946 e, em sua substituição, criou-se o Departamento de Educação e Cultura do Estado –
DECE. Em 1947 foram reativadas as duas escolas normais do estado: uma em Cuiabá, e outra em
Campo Grande – ambas fechadas no governo interventorial de Júlio Muller.Em 1953 foi criada a
Secretaria da Educação, Cultura e Saúde, pela Lei n. 717, de 17/12/1953.
Poucas são as referências sobre cartilhas, nesse período, encontradas até o momento.
No ano de 1942, Carvalho, Pinheiro e Cia, comerciantes de Cuiabá solicitam pagamento
de compras efetuadas pela DGIP. Na nota fiscal constam cartilhas: 180 exemplares de Meu Livro,
475 de Cartilhas do Povo e 250 ABC comum. (processo n. 127/3.514 da Secretaria do Interior,
Justiça e Finanças –Lata B- 1942).
Cartilha do Povo14 foi usada em Mato Grosso desde 1932 até o ano de 1967. A
orientação metodológica dessa cartilha não se alinhava às orientações analíticas do período
anterior, visto que essa produção de 1928, já era resultado de um posicionamento de Lourenço
Filho a respeito dos métodos de alfabetização. Para esse educador que assume um papel de
vanguarda, tendo nova postura frente à alfabetização, a questão do método era secundária porque
outros elementos precisavam ser observados para se conseguir o sucesso na aprendizagem.
Já a presença de Meu Livro indica o uso de uma cartilha para aplicação do método
analítico, revelando, de certo modo que a oficialização do método analítico, estava, de algum
modo em vigor, ainda que não se pudesse falar em homogeneização. Que razões levariam a DGIP
comprar esses dois títulos? Haveria alguma consulta ou pedido dos professores? A quem caberia
a decisão da escolha? Ao CSIP?
Mas há um silêncio com relação a esse assunto nesse período e relações de material
escolar do almoxarifado se escasseiam a cada ano. A criação da Secretaria de Educação na
década de 1950 deve ter imprimido nova configuração à organização de documentos da
administração escolar.
A convivência das duas cartilhas citadas e de muitas outras é um fato irrefutável que
leva-nos a acreditar numa autonomia didática nessa questão.
Novas escolas com ampliação de matrículas no ensino primário caracterizam a década
de 1950. Em sua Mensagem de 1952, o governador Fernando Corrêa da Costa menciona o
crescimento do Ensino Primário, comentando que “pela primeira vez o Departamento de
Educação e Cultura atacara de frente a questão da compra e distribuição de material escolar”.
Apresenta dados sobre cartilhas mostrando que no ano de 1950 foram distribuídos 200
exemplares e que, na sua gestão, entre 1951 e 1952 essa distribuição passou a 8.000 exemplares.
Embora o número de exemplares seja significativo, os títulos de cartilhas distribuídas às
escolas públicas da época não ficaram registrados.
O quadro a seguir mostra os títulos utilizados após à oficialização do método analítico.

Quadro 3 - Cartilhas que circularam em Mato Grosso (1927 -1977)


TITULO AUTOR CITADAS EM:
Cartilha Analítica Arnaldo Barreto 1927
Cartilha das Mães Arnaldo Barreto 1927/1930/1932 1939/1943

14
Sobre o projeto de alfabetização de Lourenço Filho e a Cartilha do Povo, recomenda-se a leitura de Mortatti (2000, p.146-174)
e Bertolletti (1997).
Cartilha Nacional Hilário Ribeiro 1927/1930/1932 / 1939
Meu Livro Theodoro de Morais 1927/ 1932 /1941-1942-1943
Nova Cartilha Analítico –Sintética Mariano de Oliveira 1927/1930
Cartilha da Infancia Thomaz P. Bom Sucesso Galhardo 1927/1941-1943-1945
Cartilha do Povo Lourenço Filho 1932-1936-1941-1942-1943-
1947-1950-1967
Cartilha na Roça Renato Sêneca Fleury 1939-1941
Cartilha Popular Maria Paula 1941-1941-1943
Cartilha Amiga Luciano Lopes 1941-1943
Vamos Estudar? Theobaldo Miranda da Silva 1942-1950-1952-1960-1961-
1962-1966-1967-1969
Sei Ler Theodoro Jeronymo de Moraes 1939
Primeiro Livro de Leitura Felisberto de Carvalho 1939
Primeiro Livro Altina Rodrigues de Albuquerque 1943
Freitas
Cartas ABC Não mencionado Século XIX até 1977
1º Livro Terra Brasileira Não mencionado 1954-1955
Cartilha Caminho suave Branca Alves de Lima 1960-1961-1962-1963-1964-
1968-1969-1970-1971-1972-
1973-1974-1975
ABC Infantil Não mencionado 1939/1941/1943
Cartilha Meus Deveres Sales Oliveira Rocha 1939/1941
Minha Pátria S Pinto e Silva 1939
Cartilha Corações de Crianças Rita M. Barreto 1939
Cartilha Sodré Benedicta Sthal Sodré 1960-1961
Cartilha do Tatu Daisy Brescia 1966- 1967
Cartilha Saber Não mencionado 1966- 1967
Livro Barquinho Amarelo Iêda Dias Silva 1973-1974
Método Misto e História da Abelhinha Almira Sampaio Brasil da Silva 1975-1976
Tempo de Escola Nívea Gordo 1975-1976
Nossa Terra Nossa Gente Rosa Maria Jorge Persona et ali 1977
Ada e Edu Rosa Maria Jorge Persona et ali 1978
Davi, meu amiguinho Eunice Alves e Márcia de Almeida 1975-1976-1977
Pipoca Paulo Nunes de Almeida 1979
Alegria de Saber Lucina Passo, Albani Fonseca e Marta 1976-1979
Chaves
Porta de Papel Angiolina Domanico Bragança 1979
Fonte: NUPED. Quadro elaborado a partir de dados coletados por pesquisadoras do Grupo de Pesquisa ALFALE
2005.

Há uma variedade de títulos e de orientação metodológica. A opção por determinados


métodos parece que não implicou em polêmicas, nem resultou na iniciativa de publicação de
cartilhas locais/regionais que se propusessem a defender algum tipo de método.
Se partirmos da perspectiva de que as normatizações emanadas das políticas públicas
determinam condutas e práticas estabelecendo o quê e como se deve ensinar nas escolas, o
método analítico teria tido, no Mato Grosso, uma vigência da qual não se têm vestígios, de pelo
menos, 40 anos. Depois disso acreditamos ter-se estabelecido (consensualmente?) uma liberdade
didática deixando por conta dos professores a escolha de método.
Apesar do Regulamento que decretou a utilização do método analítico ter vigorado até
1951, não se tem a ingenuidade de acreditar nesse uso pelos professores, já que apenas a
oficialização de um método não garante o seu uso efetivo. Todavia a presença e circulação de
cartilhas que materializam determinados métodos, legitimadas oficialmente não pode
absolutamente ser desprezada, tendo em vista seu status de concretização conferido por
autoridades educacionais. Merecem, a nosso ver, análise que busque uma compreensão dessas
relações.
As cartilhas que circulavam no Mato Grosso na primeira metade do século XX
evidenciam uma não homogeneização de práticas pedagógicas, em função da variedade de
orientações teórico-metodológicas. De todo modo, eram representativas da cultura social mais
ampla, com uma função especial (Choppin 2002, p.553) condensando concepções sobre o ensino
e a aprendizagem da alfabetização, construindo as práticas escolares de leitura e escrita que foram
delegadas15 às outras gerações. Que funções teriam cumprido esses manuais de alfabetização em
Mato Grosso?
Apenas a partir da década de 1970 a questão dos métodos volta a ser tematizada, no
contexto do Projeto Novas Metodologias, proposto pelo MEC e assumido pela Secretaria
Estadual de Educação (SEC/MT).

Cartilha de/em Mato Grosso: Um caso de produção NossaTerra Nossa Gente

Na década de 1970, surpreendentemente, temos um trabalho encaminhado por um grupo


de professoras da SEC/MT, que produziu uma cartilha regional, com formatação quase artesanal,
usada em escolas mato-grossenses e dando origem, posteriormente, a uma cartilha de circulação
nacional. O mérito do trabalho é atribuído à Coordenação e Supervisão do Projeto Novas
Metodologias, do estado de Mato Grosso, professoras Rosa Maria Jorge Persona, Renete da
Almeida Maciel, Maria Antonieta Fernandes Marques, Regina Lúcia de Borges Araújo, Lúcia

15
Não estamos usando o termo como “reprodução de práticas”.
Elvira Rigolin de Almeida, Francisca Amélia, Ana Maria Dias da Silva, com orientação da
professora Nívea Gordo, da Escola de Aplicação da USP.
Foi no contexto do II Plano Setorial de Educação e Cultura/DEF/MEC para o período
75/79, que surgiram as condições objetivas que permitiram essa produção primeiramente
intitulada Cartilha Nossa Terra Nossa Gente, em 1977 e que deu origem à cartilha Ada e Edu,
publicada em 1978. Esse plano do MEC propõe a dinamização dos esforços para o
desenvolvimento de novas metodologias educacionais.
A Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso adere a esse projeto, dando
ênfase à alfabetização (Parecer 43/76 e Resolução 34/76 Conselho Estadual de Educação). O
grupo de trabalho, após experienciar vários métodos de alfabetização (analítico, sintético e
eclético), numa tentativa de pesquisa controlada 16, chega à seguinte conclusão: o nosso propósito
de testarmos várias cartilhas e métodos para a identificação de propostas mais eficientes não
logrou os resultados esperados. (MATO GROSSO, 1977).
No Relatório Geral das Atividades Desenvolvidas - Período 1975/78 encontra-se uma
avaliação das dificuldades encontradas e soluções adotadas na execução do projeto. As relatoras
apontam vários condicionantes: recursos didáticos; acompanhamento e controle do trabalho dos
professores; falta de conceituações prévias como de alfabetização em seu sentido estrito e em seu
sentido amplo; aspectos de natureza administrativa. Sobre recursos didáticos, indicam que

principalmente as cartilhas causaram uma série de dificuldades para o seu emprego.


Isto deveu-se tanto à falta de condições pedagógicas da maioria dos professores, como
a falhas de cartilhas (erros de fonética, falta de gradação de dificuldades) e de sua
inadequação à nossa realidade de ensino (MATO GROSSO,1975/78, p. 6).

Além disso, o grupo entendia que um projeto de alfabetização deveria nortear-se por
referenciais mais constantes, tomando-se como ponto de partida a língua a ser ensinada e não a
metodologia. Decorrente dessa argumentação, a equipe assim se posiciona:

pareceu-nos coerente a idéia de elaborar uma cartilha – única, adequada à nossa


realidade e aos requisitos da língua, a fim de que ela norteasse a nossa experiência.
Nossa preocupação incidiria, portanto, numa única variável – a cartilha – uma vez
entidade (SIC) a língua como fator comum e básico às atividades da alfabetização,
seja qual for o contexto em que ela ocorra. (MATO GROSSO, 1975/1978, p.11)

16
No Relatório Geral das atividades desenvolvidas do Projeto Novas Metodologias, período 1975-1978, são citadas as seguintes cartilhas usadas
no Projeto Piloto 1975-1976: Tempo de Escola, de Nívea Gordo e outras para o método analítico; Método Misto e História da Abelhinha, de
Almira Sampaio Brasil da Silva e outros para o método sintético; Davi Meu Amiguinho, de Eunice Alves e outros para o método eclético.
Desse modo, a decisão foi a de elaboração de uma cartilha de caráter regional. O
pressuposto básico do grupo incluía a idéia de que cartilha e professor, preparados
adequadamente e bem controlados, elevariam o padrão de ensino e do rendimento escolar.
Elaborou-se, então, um conjunto de material constituído de uma cartilha – Nossa Terra
Nossa Gente -, um manual para o professor (do qual não foi localizado ainda nenhum exemplar) e
um caderno de atividades para os alunos. Essa cartilha foi publicada pela SEC no ano de 1977 e
utilizada por todos os que participavam do referido projeto: 122 professores e 2.953 alunos,
distribuídos em 24 escolas de 6 municípios.
A Cartilha Nossa Terra Nossa Gente, que se apresenta mimeografada, é retangular,
medindo 20 por 25 cm e tem 52 páginas; não contém índice e as lições não são numeradas. No
Relatório Geral 1977, as autoras descrevem características do método empregado ;

Visando a economia de esforços, de tempo e gastos financeiros o processo


empregado consistiu no estudo da palavra-chave, seguindo-se-lhe quase que
imediatamente, o estudo das respectivas sílabas-chave e a atividade de formação de
palavras novas. Posteriormente, mais ao final do processo, as palavras novas foram
empregadas em atividades de estruturação de frases e até de composição de
textos.(MATO GROSSSO, 1977)

Em decorrência de uma avaliação positiva da aplicação do material a Bloch Editores


interessou-se pela edição do conjunto de alfabetização com fins comerciais para seu
aproveitamento em outras regiões. Adotada pela Bloch (Of. No. SEC/DE/DEIG/PNM/17/1979)
Nossa Terra Nossa Gente foi reformulada, visando tornar-se aceitável por outras regiões; afinal
de trânsito regional ela passaria a uma circulação nacional. Com adaptações consideradas
necessárias nasceu ADA e EDU.
O contrato firmado entre as autoras e a Editora estabelece que a referida obra, composta
de livro texto, livro o professor e caderno de atividades será publicada com tiragem ilimitada
mas nunca inferior a 5.000 (cinco mil) exemplares.Contrato de Edição, Rio de Janeiro, janeiro de
1978). Como localizamos exemplar da 6ª edição podemos supor que o Conjunto Ada e Edu teve,
no mínimo, uma tiragem de 30.000 exemplares.
Um contato recente, no entanto, com o professor Arnaldo Niskier, digníssimo membro da
Academia Brasileira de Letras, representante da Bloch Editores na década de 1970, nos
presenteou com alguns dados complementares, embora ainda insuficientes. As pesquisadoras a
ele se dirigiram na tentativa de obter informações sobre a circulação e tiragem de Ada e Edu. Em
carta do dia 30 de março de 2005, o professor Arnaldo Niskier 17 comenta os acontecimentos da
década de 1970:

Lembro que fui o autor da idéia de buscar trabalhos originais em outros estados, para
diversificar a produção da Bloch Educação. Soubemos da cartilha de autores de Mato
Grosso. Quem fez o contato, se não me falha a memória, foi a falecida professora
Eunice Alves, ela mesma autora de uma vitoriosa cartilha: “Davi, meu amiguinho”
(...) A cartilha foi adotada oficialmente em Mato Grosso. E aí teve boa circulação. Em
outros Estados, vendas pequenas. Nada assim de muito expressivo. O que havia de
original nesse trabalho era o uso da linguagem corrente em Mato Grosso. As cartilhas,
em geral, utilizavam termos de São Paulo, onde se situava a maioria das editoras
poderosas. Foi para tentar quebrar isso que tivemos a idéia de buscar outros originais.
A qualidade de “Ada e Edu” foi considerada de primeira ordem, pelos nossos
pedagogos, daí a sua impressão por parte da Bloch Editores. (...) A cartilha foi
espalhada sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. O que nos chamou a atenção foi a
qualidade do trabalho e a sua adequação à região a que se destinava. Por sua
simplicidade, despertou interesse em outros Estados. (NISKIER, correspondência
particular, 2005).

A comparação dos exemplares permite visualizar diferenças substanciais. A publicação da


Bloch, além do título, altera o formato, o design e a qualidade do papel. Uma ilustração da ponte
sobre o Rio Cuiabá e um texto com informações sobre a capital obviamente foram retirados já
que a intenção da editora era a circulação em outros estados do país.
Revestida de cores fortes, apresentando uma cuidadosa editoração, em papel de boa
qualidade e com a chancela da Bloch Editores, Nossa Terra Nossa Gente se transforma em Ada e
Edu e percorre, inicialmente, o trajeto Cuiabá - Rio de Janeiro. Depois de editada e impressa a
cartilha Ada e Edu faz a viagem de volta para Mato Grosso, sendo bastante utilizada nesse
estado. As outras viagens ainda precisam ser rememoradas e contadas.

Considerações finais

Nesse panorama da circulação de cartilhas no estado de Mato Grosso, nos últimos anos
da década de 1970, muitas indagações permanecem e ficam pendentes as relações entre
prescrições e concretizações que gostaríamos de analisar com maior cuidado. A discrepância
numérica entre a quantidade de títulos que nesse Estado circularam e a única produção de autoria
de professores da rede pública de ensino mencionada, reitera nossas afirmações de que o Estado

17
Na impossibilidade de acesso aos arquivos da Bloch Editores, esse professor gentilmente contribuiu com essa
pesquisa apontando para alguns fatos. Agradecemos, mensamente, por essa colaboração.
de Mato Grosso caracteriza-se como consumidor de cartilhas, oriundas de outras regiões
brasileiras. Isto definiu e define os rumos de nossa pesquisa em termos de um investimento maior
na circulação de cartilhas. No entanto, estamos sempre atentas à possibilidade de novas
descobertas em termos de autorias locais.

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