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AO JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL E DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE RIBEIRÃO DAS

NEVES/MG

Autos nº: 0048097-48.2021.8.13.0231

GILBERTO VICTOR DA SILVA, já qualificado nos autos da açã o penal em


epígrafe, por intermédio da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, no
exercício de sua autonomia preconizada no § 2º do art. 134 da Constituiçã o da Repú blica
Federativa do Brasil, e no âmbito das atribuiçõ es previstas no art. 4º da Lei Complementar
Federal 80/94 e nos art. 4º e 5º da Lei Complementar Estadual 65/03, pela Defensora Pú blica
abaixo assinada, vem perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 403, §3º do Có digo
de Processo Penal, apresentar ALEGAÇÕES FINAIS nos seguintes termos:

I. DA SÍNTESE PROCESSUAL

Trata-se de açã o penal movida pelo Ministério Pú blico do Estado de Minas Gerais
em desfavor de Gilberto Victor da Silva, acusado da prá tica do delito previsto no artigo 157,
§°2, inciso VII, do Có digo Penal.

Consta da denú ncia, em síntese (f. 01-D):

“que no dia 07 de maio de 2021, por volta de 21n20min, na Rua


Miguel Dias Filho, n° 11, Centro, Ribeirã o das Neves/MG, GILBERTO
VICTOR DA SILVA, de forma livre consciente, mediante violência e
grave ameaça exercida com o emprego de arma branca, subtraiu,
para si ou para outrem, coisa alheia mó vel, consistente em uma bolsa
pertencente à Josiane Aparecida Lima”.
O acusado foi citado pessoalmente (fls. 104/105) oportunidade em que declinou
nã o possuir condiçõ es financeiras para constituir advogado, razã o pela qual a Defensoria
Pú blica apresentou Resposta à Acusaçã o (fls.106/108).

Na audiência de instruçã o realizada no dia 23 de agosto de 2021 (fl. 120-v), foram


inquiridas a vítima e duas testemunhas, bem como interrogado o acusado.

Em alegaçõ es finais orais, pugnou o Ministério Pú blico pela procedência do


pedido contido na exordial acusató ria, para condenar o réu nos termos da denú ncia (fl. 120-v
CD).

Em seguida, vieram os autos conclusos com vista à Defensoria Pú blica.

II. DO MÉRITO

2.1. DESCLASSIFICAÇÃ O DO CRIME DE ROUBO PARA O CRIME DE AMEAÇA. RES


FURTIVA INSIGNIFICANTE. DESCLASSIFICAÇÃ O PARA O CRIME REMANESCENTE.   

O crime de roubo é complexo: é o somató rio do delito de furto com outro delito.
Assim, furto sem uma segunda figura típica a ele atrelada numa mesma circunstâ ncia fá tica
nã o é roubo, e vice-versa. Por esta razã o, ambos os delitos devem estar plenamente
configurados para que, unidos, formem o roubo.

Para que haja furto, é necessá rio se tratar de fato típico, ilícito culpá vel. O fato
típico, conforme a teoria constitucionalista do delito, de certa forma inspirada no
funcionalismo de Claus Roxin, é composto de três dimensõ es, sendo elas: a) formal; b)
material; c) subjetiva. A dimensã o material abrange: a) juízo de desaprovaçã o da
conduta (criaçã o ou incremento de risco proibido relevante); b) princípio da
ofensividade (lesã o ou perigo concreto de lesã o relevante a bem jurídico
tutelado); c) imputaçã o objetiva do resultado (o resultado deve decorrer diretamente do risco
proibido criado ou incrementado).
O Direito Penal, como visto, nã o se presta para tutelar todas as lesõ es ao bem
jurídico. Para isso, existem outros ramos do Direito, ficando sua intervençã o limitada aos
casos em que há lesã o jurídica relevante. É o princípio da intervençã o mínima do Direito
Penal, composto de subsidiariedade e fragmentariedade.

Um Direito Penal subsidiá rio é aquele que só pode intervir quando os outros


ramos do Direito nã o forem capazes de prevenir e repelir a prá tica do ato ilícito. Um Direito
Penal fragmentá rio, por sua vez, somente atua quando a conduta e o resultado (lesã o ou
perigo concreto de lesã o) forem relevantes. Assim, nã o é qualquer conduta ou lesã o que
admite a aplicaçã o de sançõ es penais. É necessá rio que seja relevante. A soma da
fragmentariedade e subsidiariedade resulta no que chamamos princípio da intervençã o
mínima.

O princípio da insignificâ ncia ou bagatela encontra guarida na fragmentariedade


do Direito Penal. Assim, tratando-se de conduta ou lesã o irrelevantes, nã o haverá sua
incidência no caso concreto.

A Tipicidade Material, conforme a teoria constitucionalista do delito, defendida


no Brasil por Luiz Flá vio Gomes, na Argentina por Eugênio Raul Zaffaroni e em toda Europa
de forma quase unâ nime, afirma que nã o basta o fato ser formalmente típico (conduta, nexo
de causalidade, resultado naturalístico e adequaçã o típica), devendo ser materialmente típico.
O princípio da insignificâ ncia torna o fato materialmente atípico, eis que a conduta e a lesã o
sã o tã o ínfimas ao bem jurídico protegido que nã o afrontam o denominado princípio da
ofensividade.

É bem sabido que a conduta criminosa além de se amoldar formalmente ao tipo,


ou seja, estar descrita da forma determinada pelo texto legal, deve também estar em
conformidade materialmente com a norma dali retirada, isto é, deve ofender relevantemente
o bem jurídico tutelado ou, ao menos, levar perigo concreto e acentuado ao mesmo. Assim
sendo, na hipótese de roubo de pequeno valor (bagatelar), é de se reconhecer o crime
de bagatela quanto ao delito de furto, restando apenas configurado o crime
remanescente.
Diante do exposto, deve haver a desclassificaçã o do crime de roubo para o crime
de ameaça, na medida em que não houve violência e o objeto subtraído é de valor ínfimo,
tornando a subtração patrimonial insignificante.

Além de ter sido a bolsa devidamente restituída à Sra. Josiane, conforme seu
depoimento ainda em sede policial (fl. 04):

QUE na bolsa havia documentos pessoais da declarante e da filha,


cartã o de ô nibus, cartã o de ô nibus de outra localidade e alguns
papéis.

Desse modo, ante a conduta do réu, que apenas mostrou uma faca dentro de sua
bola à vítima, e que o bem subtraído apresenta valor irrisó rio, além de ter sido devidamente
restituído à vítima, requer seja reconhecida a desclassificaçã o do crime de roubo para o crime
de ameaça, com base nos fundamentos apresentados neste capítulo.

2.2. DA CONFISSÃ O DO RÉ U: CIRCUNSTÂ NCIA ATENUANTE DE PENA. COMPENSAÇÃ O DA


REINCIDÊ NCIA.

Diante da confissã o do acusado, expressa por oportunidade de seu


interrogató rio em sede judicial, colhidas em audiência de instruçã o e julgamento (fl. 120-v,
mídia), a defesa nã o pode manifestar qualquer oposiçã o ao seu teor, restando clara, por
isso, a autoria atribuída neste feito.

Isto se diz, porque a confissã o revela traço positivo da personalidade do


denunciado, contribuindo para a instruçã o penal e conferindo ao Juízo sentenciante a
certeza moral de que aplica pena à queles que efetivamente ostentam responsabilidade.
Conforme reconhece a doutrina, trata-se de circunstâ ncia que representa espelho da
personalidade íntegra do réu, já que corresponde à assunçã o de culpa pelos pró prios
erros. Vale transcrever as liçõ es:

A confissã o, ainda que retratada ou qualificada, deve ser elevada à condiçã o de


atenuante quando empregada para fundamentar a condenaçã o, sendo este o entendimento
do STJ, inclusive sumulado, como se vê:
Sú mula 545 STJ. "Quando a confissã o for utilizada para a formaçã o
do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista
no art. 65, III, alínea d, do Có digo Penal” (Des. Leonardo Cupello)

Confissã o espontâ nea da autoria do crime perante a autoridade: a


confissã o espontâ nea é considerada um serviço à justiça, uma vez
que simplifica a instruçã o criminal e confere ao julgador a certeza
moral de uma condenaçã o justa. Pode ser prestada judicial ou
extrajudicialmente, desde que perante a autoridade judicial ou
policial. (CAPEZ. Fernando. Curso de Direito Penal - Parte Geral 1.
23ª ediçã o. Sã o Paulo: Editora Saraiva. 2019, p. 823)

De fato, Gilberto, ao assumir seus erros perante o Poder Judiciá rio, abre mã o
de seu direito ao silêncio e da garantia contra a nã o autoincriminaçã o.

Some-se a isso que a confissã o espontâ nea traz uma série de benefícios:
acarreta economia e celeridade processuais, pela dispensa da prá tica dos atos que possam
ser considerados desnecessá rios ao deslinde do feito; acrescenta seguranças material e
jurídica ao conteú do do julgado, pois a condenaçã o reflete, de maneira inequívoca, a
verdade real, buscada inexoravelmente pelo processo penal.

Todas estas vantagens ao processo e a clara manifestaçã o de traço positivo da


personalidade do acusado devem, por conseguinte, necessariamente repercutir na pena
para reduzir sua aflitividade de seus danosos reflexos no plano existencial da pessoa
humana.

Assim, acaso venha a ser informado nos autos que o trâ nsito em julgado da
sentença anteriormente lavrada contra o réu se formou em data anterior ao crime
apurado neste caderno processual, a atenuante da confissã o deve ser devidamente
reconhecida por este Juízo.

Cumpre destacar que, justamente por se tratar de dado que revela


personalidade positiva do acusado, a Terceira Seçã o do Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do e RESP 1.154.752/RS, pacificou o entendimento no sentido de que a
agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea são igualmente
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preponderantes, razão pela qual devem ser compensadas (STJ. 6ª Turma. HC 301.693/SP,
Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 04/12/2014).

De igual modo, o Supremo Tribunal Federal também reconhece o cará ter


preponderante da confissã o espontâ nea, porque o réu assume postura incomum, ao afastar-
se do instinto do auto acobertamento para colaborar com a elucidaçã o dos fatos.

Assim, por força do art. 67, do CP, eventual reincidência que venha a ser apurada
por certidã o de antecedentes criminais deve ser devidamente compensada com a indiscutível
confissã o do réu, sendo este o sedimentado entendimento na jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO.


COMPENSAÇÃ O INTEGRAL ENTRE ATENUANTE DA CONFISSÃ O E
AGRAVANTE DA REINCIDÊ NCIA. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂ NCIAS
IGUALMENTE PREPONDERANTES. PRECEDENTES. AGRAVO
IMPROVIDO.
1. É cediço que, desde o julgamento do EREsp n. 1.154.752/RS, ocorrido
em 23/5/2012 (DJe 4/9/2012), a Terceira Seçã o deste Superior
Tribunal pacificou o entendimento de que é possível, na segunda fase da
dosimetria da pena, a compensaçã o da agravante da reincidência com a
atenuante da confissã o espontâ nea, por serem igualmente
preponderantes, de acordo com o art. 67 do Có digo Penal.
2. Ademais, importa considerar que, no julgamento do HC n.
365.963/SP (Relator Ministro FELIX FISCHER, DJe 23/11/2017), a
Terceira Seção desta Corte pacificou entendimento no sentido de
que a reincidência, seja ela específica ou não, deve ser compensada
integralmente com a atenuante da confissão, demonstrando, assim,
que não foi ofertado maior desvalor à conduta do réu que ostente
outra condenação pelo mesmo delito.

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(AgRg no HC 677.978/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA


FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 10/08/2021, DJe 16/08/2021)

Pelo exposto, pugna a defesa que seja abrandada a dimensão da pena ao


final imposta, em razão da presença de atenuante da confissão, a qual merece ser
compensada com as agravantes da reincidência, por força do art. 67, do CP, evitando-
se, com isso, excessos punitivos.

2.3. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. SEMIABERTO. ART. 387, §2º, CPP. S. 269 DO
STJ.

Nã o obstante a falta de clareza da previsã o do art. 33 do CP, o STJ é assente em


admitir a fixaçã o do regime semiaberto a réus reincidentes.

Sú mula 269 - É admissível a adoçã o do regime prisional semiaberto aos


reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se
favorá veis as circunstâ ncias judiciais. (Sú mula 269, TERCEIRA SEÇÃ O,
julgado em 22/05/2002, DJ 29/05/2002 p. 135)

Desse modo, consoante o disposto no art. 387, §2º do CPP, bem como o fato de que o
réu está preso desde 07/05/2021, além de serem as circunstâ ncias judiciais favorá veis, requer
seja fixado o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena.

Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenató ria: (Vide Lei nº


11.719, de 2008)

§ 2o O tempo de prisã o provisó ria, de prisã o administrativa ou de


internaçã o, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de

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determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.


(Incluído pela Lei nº 12.736, de 2012)

Diante do exposto, pugna pela fixaçã o do regime semiaberto e concessão da prisão


domiciliar ao réu, na medida em que a manutenção da prisão preventiva seria mais
gravosa do que a eventual pena a ser aplicada em caso de condenação, eu violação ao
princípio da congruência ou da homogeneidade entre as medidas cautelares e a pena final
a ser aplicada.

III. DOS PEDIDOS

Diante do exposto, a Defensoria Pú blica requer:

a) a desclassificação da conduta em apuração para o crime do art. 147, do


Có digo Penal, inexistente qualquer violência e considerada a res furtiva de valor
ínfimo;

b) a compensação da atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", do


CP) com eventual reincidência, por força do art. 67, do CP, evitando-se, com isso,
excessos punitivos;

c) a fixação do regime semiaberto para o início do cumprimento de pena e a


determinação da prisão domiciliar do réu, em nome do princípio da
congruência entre a medida cautelar e eventual penal final a ser fixada;

d) a concessã o da justiça gratuita, nos moldes do art. 98 do CPC;

Por fim, destaca a necessidade de observâ ncia do art. 128, I, da LC 80/94, e art. 74, I
da Lei Complementar Estadual nº 65/03, que asseguram aos membros da Defensoria Pú blica a

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intimaçã o pessoal e contagem em dobro dos prazos processuais.

Ribeirã o das Neves, 09 de setembro de 2021.

Termos em que pede deferimento.

GIULIA GONZALEZ PRIETO TORRES


DEFENSORA PÚBLICA
MADEP 953

MICHAEL FREDERICO RIBAS MORAES


ESTAGIÁRIO DA DPE/MG

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