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UNIVERSIDADE DE FORTALEZA
GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Fortaleza - CE
2021
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Fortaleza - CE
2021
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................6
2. MÉTODO..............................................................................................................................7
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO..........................................................................................9
INTRODUÇÃO
“Ela era antes uma mulher que procurava um modo, uma forma. E agora
tinha o que na verdade era tão mais perfeito: era a grande liberdade de não ter modos
nem formas.”
Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres (1969)
pelo dilema "quem sou eu?”. Essa pergunta aparece com frequência na sociedade
contemporânea, visto que as conquistas femininas pelo direito a pensar e agir para além das
formas socialmente impostas são recentes. Como é bem colocado na fala da protagonista
Loreley: “Simplesmente, com o copo de água na mão, descobriu que pensar não lhe era
natural.” (UALP1, p. 136).
A escolha da temática desta pesquisa partiu da própria angústia de quem vos escreve,
uma mulher situada na sociedade contemporânea, formanda no curso de Psicologia – este que
foi capaz de me conceder múltiplas possibilidades de existir para além do que a minha
constituição enquanto mulher na sociedade brasileira, ainda extremamente marcada pelo
patriarcado2, foi capaz de me apresentar - e amante da literatura de Clarice Lispector, que
através das suas palavras me trouxe uma nova forma de pensar e agir para encontrar o meu Eu
feminino: inacabado e, portanto, livre.
Na obra – Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969) –, assim como no relato
acima, a pergunta “quem sou eu?” é ausente de respostas (1969, p. 125), dessa forma,
permitindo aos personagens uma liberdade sobre essa indagação, promovendo o alívio do
sentimento de vazio e angústia experimentados pela protagonista. Em analogia à essa
passagem da obra, na conferência “A feminilidade”, Freud (1933, p. 317), ressalta que não diz
respeito à psicanálise descrever o que é a mulher e não consegue responder a pergunta “o que
quer uma mulher?”, assim, criando um mistério atribuído à figura feminina, que para esta
pesquisa é interpretado como um mistério fundamental e, inclusive, transformador para o
processo de emancipação aqui explorado. Consideramos que é a partir do mistério, da falta de
formas e palavras, que as mulheres podem exercer a liberdade para explorar as infinitas
possibilidades de ser.
MÉTODO
o livro dos prazeres (1969) e as teorias psicanalíticas podem revelar sobre o processo de
emancipação feminina na contemporaneidade.
A utilização do método bibliográfico partiu da escolha do objeto de pesquisa, que
necessitou de um levantamento de conteúdos já produzidos anteriormente, bem como
esclarece
Gil (2002), acerca da estrutura desse tipo de método. É importante ressaltar, a partir de Selltiz
et al. (1967), citado por Gil (2002), que o objetivo da pesquisa bibliográfica é proporcionar
maior familiaridade com o problema, com o fito de torná-lo mais explícito ou construir
hipóteses a partir dele. Assim, o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições
também são objetivos que podem ser alcançados a partir da pesquisa bibliográfica. Seu
planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais
variados aspectos relativos ao fato estudado. Utilizando-se dessa vasta possibilidade de
materiais para exploração que a pesquisa bibliográfica proporciona, as fontes para o
levantamento documental foram obtidas a partir de artigos de periódicos, dissertações, teses e
livros, tanto de leitura corrente, quanto de referência.
Para conseguir alcançar questões tão particulares do universo feminino, de acordo com
Minayo (2001), com um nível de realidade que não pode ser quantificado, esta pesquisa se
orienta pela análise qualitativa.
Acrescente-se, como salienta Poli (2008), que um dos principais ensinamentos nas
obras de Freud sobre a elaboração de uma pesquisa em psicanálise é a construção da questão e
a produção do objeto a ser estudado, sendo o método criador do objeto. Esse método se traduz
em parte pela teoria, mas principalmente por meio da posição do analista, de seu desejo de
analista e na construção da questão. Freud (1923), inclusive, descreve a Psicanálise como:
Por meio dos questionamentos: “Qual ciência poderia comportar a inclusão do real do
sujeito? Que ciência poderia suportar a inclusão da transferência no interior do campo
discursivo que rege a sua experiência?” (LACAN 1965/1973 apud ALBERTI E ELIA), no
que concerne às relações entre Ciência e Psicanálise, foi que este projeto buscou embasar-se
para compreender como elaborar uma pesquisa a qual seguiu os caminhos da psicanálise,
chegando à conclusão de que a própria linguagem poderá revelar-nos mais do que a ciência
baseada em métodos empírico-indutivos.
Além disso, busca-se também um olhar inovador sobre o feminino, pois esta pesquisa
procurou além das obras clássicas freudianas e lacanianas ancorar-se em autoras que trazem a
temática da feminilidade com a propriedade que apenas o lugar de mulher dentro da sociedade
atual pode oferecer para o avanço deste projeto. Estão presentes nesta pesquisa, dentre os
grandes nomes como Maria Rita Kehl, Karen Horney, e a própria Clarice Lispector, pelo
menos, mais dez mulheres que se dedicaram a explorar temáticas semelhantes fundamentais
para a elaboração desta investigação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A obra Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969), foi germinada na década
de 1960, nos remetendo a um período histórico que não pode ser ignorado, visto que a
sociedade brasileira estava enfrentando transformações políticas e sociais mais acentuadas
com o golpe da ditadura militar, de 1964. No ano de publicação do romance, 1969, regia no
país, de acordo com Lúcio (2014), os atos institucionais (AIs) que consistiam no uso da força
militar para combater os movimentos contrários ao poder vigente da época. Nesse período,
de acordo com Alves (2013), o movimento feminista¹ ganhou força no Brasil com a
participação de muitas mulheres nos grupos de oposição à ditadura e também através das
ideias disseminadas por Betty Fridman (1963) sobre a obra de Simone Beauvoir 3(1949), O
Segundo Sexo, que expõe as raízes das opressões sofridas pelas mulheres na sociedade
industrial.
Logo, Alves (2013), nos traz outro marco fundamental para a transformação do
contexto social vivenciado por essas mulheres: o lançamento da pílula anticoncepcional no
início da década de 60. Esse fator nos coloca diante uma luta que vai além da busca por um
espaço político e social, inicia-se uma luta por novas configurações nas relações entre o
homem e a mulher.
É importante ressaltar que as mulheres implicadas nesse processo, na sua maioria,
faziam parte de um contexto social minoritário na sociedade brasileira da época, pois eram
mulheres que tinham acesso à educação, por provirem de famílias burguesas e, diferente das
mulheres mais pobres e marginalizadas que precisavam sustentar a família com a sua força
de trabalho ou se dedicarem apenas aos cuidados domésticos, tiveram maiores possibilidades
de se implicarem nessas lutas. Portanto, estamos falando a partir de um recorte da realidade
das mulheres brasileiras da época.
Apesar de Clarice não assumir a rotulação de feminista, por considerar que:
“―escritor não tem sexo, ou melhor, tem os dois” (LÚCIO, 2014 apud LISPECTOR, 1999,
p. 58); é inegável a contribuição que as suas obras trouxeram para as lutas femininas até a
contemporaneidade.
[...] não há como omitir a capacidade que a autora tem de transpor para literatura
vozes abafadas pelo discurso patriarcal e propostas sobre óticas femininas que se
apresentam não apenas sob pano de fundo do patriarcalismo, mas também por uma
trilha distinta. (LÚCIO, 2014)
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Simone de Beauvoir (1908-1986) foi uma escritora francesa, filósofa existencialista, memorialista e feminista,
considerada uma das maiores representantes do existencialismo na França. (FRAZÃO, 2021)
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Apesar do romance ser o considerado o mais otimista, Clarice não o encerra com um ponto final, mas com
dois pontos, como se história não se encerrasse ali, evitando dar ao romance a trivialidade do “felizes para
sempre”.
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Ulisses5, um professor de filosofia, que ela passa a questionar com mais afinco a sua
identidade feminina.
Lóri aprendeu a se reconhecer apenas através do seu corpo e, consequentemente, só
sabia se relacionar através dele, mantendo relações sempre baseadas na carne, distantes e
supérfluas. Ulisses, ao perceber a forma como Lóri se vinculava consigo e com o mundo,
coloca como condição para se relacionarem que ela esteja pronta não só de corpo, mas
também de alma.
A busca por essa identidade que Loreley não conhecia leva a personagem a um longo
caminho cheio de monólogos baseados nos seus medos, principalmente o medo de pensar,
pois era algo que lhe causava dor e a colocava diante de um enorme vazio. O questionamento
“quem sou eu?” sempre a atormentava, pois ela não encontrava palavras que a descrevessem,
apenas sabia que ela era.
E então de súbito se acalmara. Nunca, até então, tivera a reza tão grande que a anulava
como pessoa atual e comum: era uma lucidez vazia, assim como um cálculo
matemático perfeito no qual não se precisasse. Estava vendo claramente o vazio. (...)
Sabia também que aquela sua clareza podia se tornar o inferno humano. Pois sabia que
– em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade – essa
clareza de realidade era um risco: “Apagai pois a minha flama, Deus, porque ela não
me serve para os dias. Ajudai-me de novo a consistir de um modo mais possível. Eu
consisto, eu consisto.” (p. 114)
O vazio descrito pela personagem diz respeito a algo que não foi lhe concedido e que
ela não conseguiu preencher enquanto baseava a sua identidade apenas no seu corpo
feminino, castrado. Ela desejava muito mais do que o seu corpo de mulher poderia lhe
oferecer, porém compreendia que esse desejo sofreria as consequências de um julgamento
social. Ao analisarmos o conflito existente na busca pelo Eu da personagem, percebemos que
se trata de uma questão comum nas experiências femininas contemporâneas. Desde os
primeiros escritos sobre a existência feminina até os dias atuais, as mulheres são subjugadas,
os seus pensamentos são abafados e os seus corpos são impostos a ideais.
Ainda na atualidade, apesar das mulheres terem conquistado muitos espaços que antes
eram restritos apenas aos homens, alcançados principalmente através da conscientização
feminista e do maior acesso à informação disponibilizados com o avanço da era digital, ainda
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Ulisses, em grego, significa Odisseu, e é conhecido pelas suas aventuras em alto mar. Enquanto Loreley é o
nome dado a lendária sereia de Reno, na Alemanha, conhecida por enfeitiçar e matar os homens. Na obra de
Clarice o papel dos personagens é subvertido, sendo Loreley que parte à sua odisseia, é ela que vai a ação.
(SILVA, 2008)
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é possível perceber um alto índice de mulheres presas aos mesmos padrões de subordinação,
apesar de se apresentarem em novas configurações.
A mídia vende uma imagem de ideal de mulher, em que esta deve cumprir
mandamentos para ser qualificada. Entre as exigências estão a beleza e o corpo
impecáveis, a esposa perfeita e fiel, a mãe presente na educação dos filhos, a dona
de casa que cumpre as tarefas do lar e a profissional que trabalha tanto quanto o
homem muitas vezes ganhando menos em cargos inferiores (PENTEADO, 2007, p.
7).
Na Inglaterra, John Stuart Mill, membro do Parlamento desde 1865, submeteu uma
petição em favor do direito das mulheres ao voto. Seu pleito foi derrubado por 194
votos contra 73. Pouco depois, publicou A sujeição das mulheres, uma defesa
contundente da emancipação feminina que, entre outras coisas, desmentia a ideia
largamente aceita de que a sujeição das mulheres aos homens fosse natural.
(IANNINI, 2020)
Freud (1893/1895) revolucionou todo o olhar para o feminino a partir dos seus estudos
sobre as histéricas, trazendo voz às mulheres de sua época e reconhecendo os seus sintomas
como manifestações desencadeadas por uma educação repressora. Todavia, não acreditava
que esse fato fosse suficiente para explicar a histeria nas mulheres e continuou as suas
investigações pelo universo feminino.
[...] para a psicologia é indiferente se no corpo houver apenas uma única substância
que produza excitação sexual ou duas delas, ou um número incontável delas. A
psicanálise nos ensina a conceber uma única libido que, por sua vez, conhece metas,
portanto, modos de satisfação, ativos ou passivos. (FREUD, 1933, p. 304)
Quase duas décadas depois, Simone Beauvoir (1949), que tinha as suas bases teóricas
inspiradas nessas autoras, formulou um dos aforismos mais famosos do século XX, o qual se
tornou uma das principais bandeiras na luta pela emancipação feminina: “On ne naît femme:
on le devient”, que em tradução livre significa “Não se nasce mulher: torna-se mulher”
(IANNINI, 2020).
No que concerne à mulher, seu complexo de inferioridade assume a forma de uma
recusa envergonhada da feminilidade. Não é a ausência do pênis que provoca o
complexo e sim o conjunto da situação; a menina não inveja o falo a não ser como
símbolo dos privilégios concedidos aos meninos; o lugar que o pai ocupa na família, a
preponderância universal dos machos, a educação, tudo a confirma na ideia da
superioridade masculina. (BEAUVOIR, 1949, p. 72)
Nesse cenário, Kehl (2007), em uma leitura pós-freudiana, propõe, em sua obra
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Deslocamentos do feminino, que, para além de indagar “o que é ser mulher?” é mais
condizente, no contexto da mulher contemporânea, questionar “o que um sujeito pode se
tornar; sendo (também) mulher?”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALBERTI, Sonia; ELIA, Luciano. Psicanálise e Ciência: o encontro dos discursos. Revista
Mal Estar e Subjetividade, Fortaleza, n. 3, p. 779-802, set. 2008.
ALVES, Ana Carla Farias; ALVES, Ana Karina da Silva. AS TRAJETÓRIAS E LUTAS DO
MOVIMENTO FEMINISTA NO BRASIL E O PROTAGONISMO SOCIAL DAS
MULHERES. In: NEODESENVOLVIMENTISMO, TRABALHO E QUESTÃO SOCIAL,
4., 2013, Fortaleza: IV Seminário Cetros, 2013. p. 113-121. Disponível em:
http://www.uece.br/eventos/seminariocetros/anais/trabalhos_completos/69-17225-08072013-
161937.pdf. Acesso em: 24 ago. 2021.
BEAUVOIR, Simone. O segundo Sexo: fatos e mitos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1949.
DIA da Conquista do Voto Feminino no Brasil é comemorado nesta segunda (24). 2020.
Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Fevereiro/dia-da-conquista-
do-voto-feminino-no-brasil-e-comemorado-nesta-segunda-24-1. Acesso em: 15 mar. 2021.
FREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria. 1893-1895. In: FREUD, Sigmund. Edição
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Imago, 1996.
GIL, Antonio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4 ed. - São Paulo: Atlas, 2002.
KEHL, Maria Rita. Deslocamentos do Feminino. 2007. 288 f. Imago, Rio de Janeiro, 2008.
LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco,
2020.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. 18
ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
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POLI, Maria Cristina. Uma escrita feminina: a obra de Clarice Lispector. 2009. 5 f. Curso de
Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
POLI, Maria Cristina. Escrevendo a psicanálise em uma prática de pesquisa. Estilos clin., São
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RIVERA, Tania. ARTE E PSICANÁLISE. 2002. 2 v. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 2005.