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A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção

RBMFC
Primária à Saúde e o Ensino de Graduação:
recomendações e potencialidades
Family and Community Medicine,
Primary Care and Undergraduate Medical
Education: recommendations and potentialities
Maria Inez Padula Anderson1
Marcelo Marcos Piva Demarzo2
Ricardo Donato Rodrigues3

Resumo

Este documento tem por objetivo apresentar a importância e as potencialidades da Medicina de Família e
Comunidade (MFC) e, conseqüentemente, da Atenção Primária à Saúde, no curso de graduação em Medicina, em
especial no momento de reforma do ensino médico brasileiro, à luz das diretrizes curriculares nacionais para o curso de
Medicina. Ele destaca os principais conteúdos teóricos e práticos atinentes à Medicina de Família e Comunidade
recomendados para a graduação e as formas de organização institucional mais adequadas ao seu desenvolvimento e à
sua implementação e, por último, relaciona os resultados mais relevantes das I e II Mostras Brasileiras de Medicina de
Família e Comunidade e Graduação, realizadas em setembro de 2005 e 2006, como também uma síntese dos resultados
da Oficina “Desafios do Ensino e da Aprendizagem da Atenção Primária à Saúde e da Medicina de Família e Comunidade
na Graduação e Pós-Graduação em Medicina”, realizada durante o Congresso da Associação Brasileira de Educação
Médica de 2007. Pretende-se que este documento possa contribuir para a consolidação deste campo de saber e prática
no âmbito da formação médica, como acontece na grande maioria das escolas médicas de todo o mundo, principalmente
naquelas que implementaram reformas competentes no ensino e nos sistemas de saúde no sentido de os tornarem mais
adequados às necessidades de saúde da população.

Abstract

The objective of this paper is to show the importance and potentialities of Family and Community Medicine (FCM) and consequently
of Primary care in undergraduate medical education, particularly in a moment when the Brazilian medical courses are undergoing a reform in
the light of the national course curriculum guidelines. The article highlights the principal theoretical and practical content related to Family and

Palavras-chave: Medicina de Família e


Key Words: Family Practice; Primary Healthcare;
Comunidade; Atenção Primária à Saúde;
Medical Education; Medical Guidelines.
Educação Médica; Diretrizes.

1
Médica de Família e Comunidade, Doutora em Saúde Coletiva, Professora adjunta e preceptora da Residência em MFC, FCM, UERJ, Presidente da SBMFC,
Rio de Janeiro, Brasil.
2
Médico de Família e Comunidade, Diretor de Graduação da SBMFC. Doutor em Ciências Médicas, Prof. Adj. Dep.de Medicina, UFSCAR, São Carlos, São
Paulo, Brasil.
3
Clínico Geral, Doutor em Saúde Coletiva, Professor adjunto e preceptor da Residência em MFC, FCM, UERJ, Presidente da AMFC-RJ, Rio de Janeiro, Brasil.

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Community Medicine recommended for the undergraduate course and mos em nível nacional e internacional.
the forms of institutional organization most appropriate for its Os princípios e as práticas da MFC são centrados
development and implementation. Finally, it refers to the most relevant na “pessoa” (e não na “doença”), na relação entre médico
results of the I and II Brazilian Exhibits on Family and Community e indivíduo, e na relação deste sujeito, mais ou menos sadio,
Medicine and Undergraduate Medical Education, held in September com sua família e com a comunidade em que vive. A MFC
2005 and 2006, and of the Workshop “Challenges in Learning/ aborda o processo saúde-adoecimento como um fenômeno
Teaching of Primary Care and Family and Community Medicine in complexo, relacionado à interação de fatores biológicos, psi-
the Undergraduate and Graduate Medical Education” held during cológicos, socioambientais e espirituais, sendo, portanto,
the Congress of the Brazilian Association of Medical Education in um processo influenciado fortemente pela estrutura familiar
2007. This article aims to contribute to the consolidation of this field e comunitária do indivíduo.
of knowledge and practice in medical education as happens in most
medial schools worldwide, mainly where medical education and health 2. Princípios da Medicina de Família e Comunidade
systems underwent competent reforms for meeting the health needs of Com base em princípios, conceitos e recomendações
the population. internacionais formalizados pela Organização Mundial dos
Médicos de Família – WONCA1 –, a especialidade Medicina
de Família e Comunidade tem por objetivos:
1. Introdução • Atuar, prioritariamente, no âmbito da Atenção Primária
A Medicina de Família e Comunidade (MFC) é uma à Saúde (APS), a partir de uma abordagem biopsicossocial
especialidade eminentemente clínica que também desenvolve, e existencial do processo saúde-adoecimento.
de forma integrada e integradora, práticas de promoção, • Desenvolver ações integradas de promoção, proteção,
proteção e recuperação da saúde, dirigidas a pessoas, famílias recuperação da saúde, no nível individual e coletivo.
e comunidades. Esses atributos a tornam uma disciplina estra- • Priorizar a prática médica centrada na pessoa, na relação
tégica para a ressignificação das bases estruturais da própria médico-paciente, com foco na família e orientada para comuni-
profissão médica, adquirindo papel fundamental na constitui- dade, privilegiando o acesso, o primeiro contato, o vínculo, a
ção dos novos paradigmas em Saúde. continuidade e a integralidade do cuidado na atenção à saúde.
A MFC tem potencial transformador tanto no âm- • Coordenar os cuidados de saúde prestados a determinado
bito da prática médica quanto na formação de recursos hu- indivíduo, família e comunidade, referenciando, sempre que
manos e no desenvolvimento de pesquisas, contribuindo para necessário, para outros especialistas ou outros níveis e setores
uma maior efetividade dessas áreas, inspiradas em bases mais do sistema, mas sem perda do vínculo.
humanas e comunitárias. Ela tem, também, assumido papel • Atender, com elevado grau de qualidade e resolutividade,
relevante principalmente na promoção de Atenção Integral no âmbito da Atenção Primária à Saúde, cerca de 85% dos
à Saúde. problemas de saúde relativos a uma população específica,
Seus preceitos, conceitos e direcionamentos relacio- sem diferenciação de gênero ou faixa etária.
nam-se aos da Atenção Primária à Saúde (APS), de tal modo • Desenvolver, planejar, executar e avaliar, junto à equipe de
que é reconhecida internacionalmente como a especialidade saúde, programas integrais de atenção, objetivando dar
médica de excelência da APS, sendo estratégica para o pleno respostas adequadas às necessidades de saúde de uma popu-
desenvolvimento da mesma. Por isso, tem sido considerada, lação adscrita, tendo por base metodologias apropriadas de
assim como a APS, uma especialidade médica com potencial investigação, com ênfase na utilização do método científico
estruturante para os Sistemas Nacionais de Saúde, em especial, e epidemiológico.
em cenário de crise e reforma sanitária, como o que vivencia- • Estimular a resiliência, a participação e a autonomia dos

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indivíduos, das famílias e da comunidade. comunidade, e/ou utilizarão os médicos de família e comu-
• Desenvolver novas tecnologias em Atenção Primária à nidade como referência para o acompanhamento clínico
Saúde. geral dos pacientes atendidos por eles.
• Desenvolver habilidades no campo da metodologia peda- 6. A participação de médicos de família e comunidade
gógica e a capacidade de auto-aprendizagem e empodera- como professores no ensino médico de graduação abre
mento dos indivíduos. novas possibilidades de ensino, pesquisa e extensão à escola
• Desenvolver a capacidade de atuação médica humanizada, médica, ampliando o envolvimento e a responsabilidade
relevando seus aspectos científicos, éticos e sociais. da mesma com as necessidades e demandas de saúde das
pessoas e das comunidades.
3. A MFC e a Graduação em Medicina 7. A MFC, como também as outras especialidades da
Recomendações internacionais profissão médica, necessita da vivência no Ensino de Gra-
Segundo Byrne e colaboradores2, há sete razões duação, possibilitando assim espaço e estímulo para o seu
principais para incluir a Medicina de Família e Comunidade desenvolvimento acadêmico no sentido mais amplo.
(MFC) nas universidades, particularmente no Ensino de O potencial transformador da Medicina de Família
Graduação em Medicina: e Comunidade (“Medicina Integral, Geral, Familiar e/ou
1. Os estudantes de Medicina devem vivenciar e entender Comunitária” em outros países) para a graduação, princi-
o cenário e as maneiras pelas quais a grande maioria da po- palmente, em Medicina tem sido evidenciado por organis-
pulação é cuidada pelos serviços de saúde. mos internacionais como a Organização Mundial de Saúde
2. Os estudantes de Medicina devem vivenciá-la na sua (OMS)3 e a Associação Mundial dos Médicos Gerais e de
forma mais integrada e integradora, o que é mais bem Família (WONCA).
evidenciado no cenário de prática do Médico de Família e Isso pode ser comprovado pela inserção dos concei-
Comunidade. tos e das práticas da MFC na estrutura de destacadas escolas
3. Os estudantes de Medicina devem vivenciá-la centrada médicas de todo o mundo. Observa-se também que a gran-
na pessoa (um dos pilares da Medicina de Família e Comuni- de maioria destas escolas constituiu Departamentos de Me-
dade), invertendo a tendência de enfoque na doença e na dicina de Família e Comunidade (ou denominações equiva-
tecnologia dura. lentes), muitas com incentivo financeiro governamental,
4. Os estudantes de Medicina devem ter a chance de como no caso das escolas norte-americanas, o que ocorreu
vivenciar a prática da MFC, a fim de poderem incluir essa ainda na década de 70 do último século4. A OMS1 e a
especialidade na lista de opções para a futura carreira pro- WONCA3 entendem que os fundamentos conceituais e éti-
fissional. Os estudantes de Medicina que têm perfil e podem cos, as técnicas e práticas da Medicina de Família e Comuni-
se tornar futuros médicos de família e comunidade neces- dade constituem elementos importantes na formação médica
sitam ter contato com esta especialidade, a exemplo do geral, independentemente da especialidade que o futuro mé-
que ocorre em relação as outras especialidades no curso de dico irá exercer, envolvendo os estudantes em uma prespec-
graduação. tiva ampliada do cuidado em saúde.
5. Estudantes de Medicina que seguirão outras especialidades, Os conteúdos programáticos1,3 dessa especialidade,
que não a MFC, necessitam conhecer as bases de atuação recomendados para a graduação médica, e, recentemente,
desta especialidade. Isso é particularmente importante se con- revisados pela Sociedade Norte-Americana de Professores
siderarmos que a maioria das especialidades atuará no sistema de Medicina de Família (Society of Teachers of Family
de saúde como referência para o encaminhamento e/ou Medicine)5, segundo as diretrizes do projeto “Futuro da
parecer de casos provenientes dos médicos de família e Medicina de Família” (Future of Family Medicine6), devem

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incluir: da vida.
• Conceituação e reconhecimento da importância da Atenção • Sensibilidade e responsabilidade em relação ao paciente,
Primária à Saúde, da Medicina Ambulatorial e da Medicina a sua cultura, idade, gênero e disabilidades.
de Família e Comunidade nos Sistemas Nacionais de Saúde. • Prática de diagnóstico e terapêutica com base em evidência
• Compreensão e incorporação dos princípios e das atitudes científica e com participação do paciente e de sua família,
envolvidas com a complementaridade e integralidade das informando-os apropriadamente e envolvendo-os no pro-
ações médicas e de saúde. cesso.
• Atuação em cenários nos quais sejam desenvolvidas prá- • Acolhimento e resolutividade aos agravos agudos e crônicos
ticas de Atenção Primária à Saúde (como por exemplo, a mais comuns, segundo protocolos clínicos embasados cienti-
Estratégia de Saúde da Família). ficamente, e envolvendo os principais grupos de cuidado
• Reconhecimento do papel e da influência da família no (crianças e adolescentes, mulheres, adultos e idosos).
estado de saúde de seus componentes. • Manejo dos agravos de saúde numa abordagem multi-
• Comunicação e relação Médico-Paciente-Família- profissional e interdisciplinar, envolvendo também a família,
Comunidade. e tendo como objetivo a melhora funcional e de qualidade
• Reconhecimento e elaboração do diagnóstico de saúde de vida da pessoa.
biopsicossocial da família e da comunidade. • Prática da educação em saúde dos pacientes, suas famílias e
• Conhecimento do cadastro familiar e comunitário como comunidade, aconselhando sobre os hábitos de vida inade-
instrumento facilitador do diagnóstico e da abordagem quados à saúde e aplicando estratégias adequadas de aborda-
familiar e comunitária. gem do problema, visando a mudanças de comportamentos
• Conhecimento e desenvolvimento de práticas de promo- e considerando a cultura de cada pessoa e população.
ção, proteção e educação em saúde da população, com • Descrição da prevalência e a história natural dos problemas
desenvolvimento de ações de saúde orientadas pelas neces- de saúde mais comuns, tanto ao nível individual quanto fa-
sidades e demandas percebidas por meio do contato com miliar e comunitário.
as famílias e a comunidade. • Reflexão e discussão sobre o cuidado integral, contínuo e
• Estudo e reflexão sobre os problemas de saúde que mais integrado para as pessoas, além das dificuldades inerentes
afetam as pessoas e as populações de centros urbanos e rurais. a esse processo.
• Práticas e metodologias próprias da clínica da medicina • Identificação dos vários níveis de prevenção e aplicação
ambulatorial. das ações preventivas em cada nível, segundo embasamento
• Cuidado humanizado e efetivo aos pacientes e suas famílias científico.
para a resolução de problemas de saúde e para a promoção • Diferenciação das características epidemiológicas dos
de saúde. vários níveis de atenção.
• Prática voltada ao sistema de saúde nacional, com • Reconhecimento e interpretação das leis públicas mais
compromisso ético e profissional com a saúde da população relevantes referentes à promoção de saúde das populações.
do próprio país, racionalizando recursos e ações e melhoran- • Entendimento da complexidade do diagnóstico feito
do os indicadores de saúde populacionais. muitas vezes frente à escassez de dados clínicos.
Assim, as competências a serem desenvolvidas nos • Manejo adequado da tecnologia de informação em saúde.
estudantes são: • Treinamento de técnicas de comunicação adequadas para
• Convivência e colaboração com profissionais de outras trabalho em equipe multiprofissional e para a educação e
profissões e especialidades para prover cuidado centrado informação em saúde dos pacientes e familiares.
na pessoa e nos aspectos preventivos, durante todas as fases • Reconhecimento dos limites do conhecimento pessoal,

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porém, sempre coordenando e advogando pelo cuidado suas famílias.


adequado à população dentro do sistema de saúde nacional. A definição da disciplina de MFC deve conduzir
• Reconhecimento das barreiras físicas, culturais e administra- diretamente às competências nucleares do médico de famí-
tivas para o cuidado integral e adequado às pessoas. lia. Nucleares significa essenciais à disciplina, independente-
Em 2002, a WONCA Europa publicou a nova mente do sistema de saúde em que as competências são
Definição Européia de Medicina Familiar1. As implicações aplicadas7. As 11 características da disciplina referem-se às 11
deste trabalho para a formação e investigação em Medicina aptidões que todos os especialistas de MFC devem dominar.
Familiar foram profundas. A EURACT (Academia Euro- Dadas as suas inter-relações, agrupam-se em seis categorias
péia de Professores de Medicina Familiar) continuou a tra- independentes de competências nucleares (Figura 01).
balhar nas questões educativas que surgiram e, como primei-
ro passo, elaborou uma «agenda educativa»7. A designação 1. Gestão em Cuidados Primários
de «agenda» foi deliberada. O termo significa que ela cons- Inclui a capacidade para:
titui simultaneamente uma revisão dinâmica do ensino e a- - gerir o contato primário com os pacientes, lidando com
prendizagem da Medicina Familiar e uma identificação do problemas não-selecionados;
trabalho que tem ainda de ser feito: o outro elemento da - cobrir todo o leque de problemas de saúde;
“agenda”. - coordenar os cuidados com outros profissionais dos cui-
Segundo a Agenda Educativa da EURACT (AEE), dados primários e com outros especialistas;
a disciplina de Medicina de Família e Comunidade precisa - dominar a prestação eficaz e adequada de cuidados de
definir: saúde e a utilização dos serviços de saúde;
• Como se aprende melhor a MFC? - disponibilizar ao paciente os serviços adequados dentro
• Onde deve ser ensinada? do sistema de saúde;
• Quando deve ser ensinada? - atuar como advogado do paciente.
• O que deve ser ensinado?
• O que deve a MFC ensinar aos formandos de outras 2. Cuidados centrados na pessoa
disciplinas? Inclui a capacidade para:
Segundo a AEE7, a MFC tem uma contribuição a - adotar uma abordagem centrada na pessoa ao lidar com
dar ao ensino de todos os médicos em todas as fases da os pacientes e os seus problemas no contexto das circuns-
sua formação. Geralmente, ocorrem mudanças de atitude tâncias do paciente;
nos alunos de Medicina depois de terem tido oportunidade - desenvolver e aplicar a consulta de clínica geral para pro-
de resolver por si problemas de cuidados primários e obser- mover uma eficaz relação médico-paciente, com respeito
var como os seus professores resolvem os problemas que pela autonomia do paciente;
se apresentam e eles. O contato precoce dos alunos de - comunicar, estabelecer prioridades e atuar em parceria;
Medicina com a clínica por períodos breves de alguns dias - proporcionar continuidade longitudinal de cuidados tal
a várias semanas, no início do curso de Medicina, pode como a determinarem as necessidades do paciente no que
lançar as bases que permitem ao estudante de Medicina se refere à gestão continuada e coordenada de cuidados.
apreender o sentido de toda a formação médica, aprenden-
do sobre as pessoas no contexto dos seus problemas de saúde. 3. Aptidões para a resolução de problemas específicos
Aulas ou pequenos seminários no período pré-clínico podem Inclui a capacidade para:
ser eficazes para dar ao aluno determinados conhecimentos - relacionar os processos específicos de decisão com a
necessários antes de começar a trabalhar com pacientes e prevalência e incidência das doenças na comunidade;

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- reunir e interpretar seletivamente a informação recolhida Figura 01 - Adaptada de “WONCA tree” College of
na anamnese, exame objetivo e exames complementares e Primary Care Medicine/U. Grueninger. Referido na
aplicá-la a um plano de ação adequado em colaboração com agenda da EURACT como a “árvore da sabedoria”:
o paciente;
- adotar princípios de trabalho adequados, por exemplo,
pedindo exames complementares de modo seqüencial, e
usando o tempo como um instrumento e como modo de
tolerar a incerteza;
- intervir com urgência quando necessário;
- gerir as situações que se apresentam precocemente e de
forma indiferenciada;
- utilizar as intervenções diagnósticas e terapêuticas de modo
efetivo e eficiente.

4. Abordagem abrangente
Inclui a capacidade para:
- gerir simultaneamente múltiplas queixas e patologias, e
tanto problemas de saúde agudos como crônicos do indi- Fonte: www.kollegium.ch © 2004
víduo;
- promover a saúde e o bem-estar aplicando adequadamente 4. Os Departamentos de Medicina de Família e Co-
as estratégias de promoção da saúde e prevenção da doença; munidade
- gerir e coordenar a promoção da saúde, prevenção, cura, Segundo orientação da Organização Mundial da
tratamento, paliação e reabilitação. Saúde em conjunto com a Associação Mundial de Médicos
de Família5, implantar Departamentos ou Unidades ou Ati-
5. Orientação Comunitária vidades Curriculares de MFC permite o direcionamento ne-
Inclui a capacidade para: cessário para a inclusão da disciplina no espaço acadêmico,
- conciliar as necessidades de cada paciente e as necessidades como também permite a organização dos recursos que são
de saúde da comunidade em que ele vive, de acordo com necessários para articularem a tríade ensino, cuidado ao pa-
os recursos disponíveis. ciente (extensão) e programas de pós-graduação e pesquisa.
Os tópicos a seguir fazem parte da publicação aci-
6. Abordagem holística ma relacionada e pretendem contribuir para a criação de
Inclui a capacidade para: estruturas departamentais ou unidades docentes de MFC.
- usar um modelo biopsicossocial levando em conta as Segundo estas instituições, estabelecer Departamen-
dimensões cultural e existencial. tos de Medicina de Família requer a participação de lideran-
ças que compreendam e apóiem as importantes funções e
papéis da Medicina de Família. Essas lideranças incluem au-
toridades governamentais, associações médicas, médicos de
família, staffs das escolas médicas e dos hospitais universitá-
rios, além de profissionais da saúde pública.
Recomendam também que, desde o início, é impor-

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tante desenvolver um bom relacionamento com outros de- dicina.


partamentos existentes, como os de Medicina Interna e Pedi- À semelhança do que acontece em muitos países
atria, que, compartilhando interesses, podem implementar um desenvolvidos, a inserção da MFC nos currículos de gra-
processo de colaboração mútua visando à implementação de duação já constitui uma realidade em um número conside-
atividades de ensino e de projetos de pesquisa interdisciplinares. rável de escolas médicas brasileiras. Entretanto, ainda é ne-
Estes especialistas freqüentemente colaboram para o aprendi- cessário consolidar, adequar, qualificar e expandir este pro-
zado do médico de família, e muitos têm consciência que são cesso.
mais efetivos quando trabalham articulados com médicos de Este movimento de inserção se tornou mais rele-
família capacitados. As Escolas Médicas parecem mais pro- vante, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
pensas ao desenvolvimento da Medicina de Família quando de Graduação em Medicina (DCN)8, desde quando vêm
esta disciplina é vista como essencial para potencializar a fun- ocorrendo mudanças mais consistentes no ensino médico
ção dos outros profissionais. em nosso país. A Medicina de Família e Comunidade tem
Ainda segundo as orientações da OMS e WONCA, tido importante papel nesse processo, tendo em vista a
a constituição de Departamentos de Medicina de Família superposição entre seus princípios e práticas e as recomen-
requer um provimento adequado de recursos humanos e dações incorporadas às Diretrizes, a exemplo do que con-
físicos, de modo a desenvolver o amplo espectro dos pro- signa seu artigo 3º:
gramas de educação, assistência e pesquisa da MFC. Os re- Art. 3º O Curso de Graduação em Medicina tem
cursos físicos devem incluir centros que integrem as ativida- como perfil do formando egresso/profissional o médico,
des assistenciais e de ensino – nestes centros, o cuidado ao com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva,
paciente deve ser provido por intermédio de equipes que capacitado a atuar pautado em princípios éticos, no pro-
incluem médicos de MFC, residentes e/ou estudantes em cesso de saúde-doença em seus diferentes níveis de aten-
treinamento, enfermeiras, assistentes sociais e outros profis- ção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e
sionais de saúde. Os Centros de ensino de Medicina de Fa- reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da as-
mília podem e devem ser incorporados às unidades assisten- sistência, com senso de responsabilidade social e com-
ciais do sistema de saúde (integração ensino-serviço-comu- promisso com a cidadania, como promotor da saúde in-
nidade) e podem também servir como importante local de tegral do ser humano.
desenvolvimento de pesquisa na Atenção Primária. Parágrafo Único. Com base nestas competências,
Os Departamentos de Medicina de Família freqüen- a formação do médico deverá contemplar o sistema de
temente requerem apoio governamental e institucional, in- saúde vigente no país, a atenção integral da saúde num sis-
clusive de ordem financeira. Usualmente, estes departa- tema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-
mentos iniciam com pequeno número de especialistas e pro- referência e o trabalho em equipe.
fissionais, crescendo à medida do desenvolvimento dos pro- Ou ainda:
gramas clínicos e de pesquisa. Os hospitais universitários e Art. 6º Os conteúdos essenciais para o Curso de
outros são importantes parceiros para o desenvolvimento e Graduação em Medicina devem estar relacionados com
suporte destes departamentos de Medicina de Família, ao todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da
mesmo tempo em que estes os especialistas em MFC e os comunidade, integrado à realidade epidemiológica e pro-
programas de residência prestam relevantes serviços para fissional, proporcionando a integralidade das ações do cui-
estas instituições. dar em Medicina.
A Medicina de Família e Comunidade e as diretri- Conforme documento divulgado recentemente
zes curriculares nacionais do curso de graduação em Me- pelo Ministério da Educação em parceria com o Ministé-

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rio da Saúde (MEC/MS)9, os cursos de Medicina com (Ribeirão Preto, SP)


maior grau de aderência aos princípios das DCN, além de • Faculdade de Ciências Médicas – Universidade Estadual
outras características, apresentam a Estratégia Saúde da do Rio de Janeiro
Família como uma das estratégias para a formação de um • Faculdade de Medicina – Universidade de Ribeirão Preto
médico capaz de responder às necessidades sociais da po- • Faculdade de Medicina – Universidade de Uberaba
pulação brasileira. (UNIUBE)
Apesar dos conceitos e práticas da MFC se apre- • Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo –
sentarem como relevante estratégia para a operacionalização Campus Ribeirão Preto
das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Gradu- • Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo –
ação em Medicina, ainda são necessários esforços gover- Campus Capital
namentais para incentivar o desenvolvimento da MFC e • Faculdade de Medicina – Universidade Souza Marques
da APS, no âmago das universidades. Além disso, e com a (Rio de Janeiro)
participação da SBMFC, as diretrizes para o conteúdo • Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA)
programático dessa inserção devem ser sistematizadas, se-
gundo a realidade da saúde no Brasil. 6. Discussões e Conclusões da I Mostra
Dentro dessa lógica, a SBMFC tem promovido Além da pesquisa e das experiências apresentadas
encontros de sensibilização e trocas de experiências em ní- durante a Mostra, também houve espaço para discussões e
vel nacional, abordando a questão da inserção acadêmica debates dentro do contexto da inserção atual da MFC na
da MFC, e envolvendo vários protagonistas do processo, graduação em Medicina no Brasil. Apesar das dificuldades
tais como professores, preceptores, residentes, estudantes, inerentes à organização e implementação sistematizada de
gestores e profissionais de saúde, e a comunidade. A se- um campo de conhecimento e prática na estrutura das es-
guir, são apresentados os resultados gerais dos eventos colas médicas, a opinião dos participantes foi unânime no
promovidos até então. sentido da importância desta inserção e da necessidade de
desenvolvimento e consolidação desta estratégia.
5. I Mostra de Medicina de Família e Comunidade e Os principais eixos e pontos abordados foram:
Graduação 1) Por que inserir os conceitos e práticas da MFC na gra-
Em setembro de 2005, durante o I Congresso duação em Medicina?
Paulista de Medicina de Família e Comunidade, ocorreu a - Estratégia para sensibilizar docentes e discentes em rela-
I Mostra Brasileira de Medicina de Família e Comunidade ção à especialidade MFC, fundamental para a reorganiza-
e Graduação, que teve como objetivo oferecer um espaço ção do sistema de saúde público e suplementar no mundo
de discussão e troca de experiências entre as Instituições de e no Brasil.
Ensino Superior com interesse e práticas na atividade. - Estratégia para a formação de um médico mais humano
Também fez parte da I Mostra uma pesquisa, que e responsável em relação às pessoas, além de voltado à
visou a levantar dados sobre a situação atual da inserção da realidade do país.
MFC na graduação médica brasileira. Os dados estão apre- - Embasar os estudantes para uma possível pós-gradua-
sentados na forma de tabelas e quadros (abaixo). Institui- ção em MFC.
ções que enviaram experiências em MFC e Graduação: 2) Como e em que momento inserir a MFC dentro da
• Curso de Medicina – Universidade Severino Sombra graduação?
(Vassouras, RJ) - Criação de Departamentos de MFC.
• Curso de Medicina – Centro Universitário Barão de Mauá - Inserção precoce e com enfoque prático.

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Tabela 1. Resultados gerais da pesquisa.

Quadro 1. Principais dificuldades apontadas pelas instituições respondentes quanto à experiência de inserção
da MFC na graduação.

3) Quais seriam os maiores entraves? dades enfrentadas e às atividades desenvolvidas. Apesar do


- Relação conflituosa das instituições com o sistema de saúde número de instituições na I Mostra não ser expressivo em
local. termos nacionais, os resultados possivelmente refletem a
- Mesmos problemas apontados na pesquisa (quadro 01). realidade da inserção da MFC na graduação em Medicina
4) Como avaliar os resultados, quais indicadores? no Brasil. Os resultados podem servir de base para discus-
- Avaliação e métodos ainda não totalmente sistematiza- sões ampliadas junto às instituições de ensino, à Associação
dos em relação à maioria das escolas, mas bastante desen- Brasileira de Educação Médica, ao MEC e ao Ministério
volvidos em algumas instituições. da Saúde, na tentativa de gerar diretrizes e sistematizações
As instituições participantes apresentaram muitos sobre o tema, relevante para o futuro da Medicina no Bra-
pontos convergentes, principalmente em relação às dificul- sil, como também para a consolidação do Sistema Único

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de Saúde Brasileiro, haja vista o incentivo à Estratégia Saú- que reuniu docentes e discentes interessados em desenvol-
de da Família e as dificuldades para a formação de recur- ver atividades extracurriculares relacionadas à MFC nas
sos humanos nessa nova lógica do sistema de saúde nacio- Faculdades de Medicina.
nal. 4) Grupos de discussão relativos às seguintes áreas
temáticas:
7. II Mostra de Medicina de Família e Comunidade a) Competências (atitudes, conhecimentos e habilidades)
na graduação e I Encontro de Ligas Acadêmicas de da MFC na Graduação em Medicina. Por quê?
MFC b) Competências (atitudes, conhecimentos e habilidades)
Em setembro de 2006, durante o 44º Congresso da MFC na Graduação em Medicina. Quais e como?
Brasileiro de Educação Médica ocorreu a II Mostra Brasi- c) Competências (atitudes, conhecimentos e habilidades)
leira de Medicina de Família e Comunidade e Graduação e da MFC na Graduação em Medicina e os currículos com
o I Encontro de Ligas Acadêmicas de MFC e Saúde da metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Como fa-
Família, que tiveram como objetivo geral ampliar a discus- zer?
são da inserção da MFC, dando prosseguimento aos tra- d) Estruturação dos cenários de prática. Quais e como?
balhos iniciados com a I Mostra de MFC na graduação12,13. 5) Apresentação de experiências internacionais sobre a in-
Os objetivos específicos foram: serção da MFC na Graduação em Medicina.
1. Traçar um breve panorama da inserção atual da MFC e 6) Mesa-redonda com a temática A MFC e as Diretrizes
da APS nas escolas médicas brasileiras. Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medi-
2. Reunir e discutir experiências nacionais e internacionais cina: caminhos e potencialidades.
no tema. 7) Reunião para discussão da criação da Academia Brasi-
3. Promover discussão coletiva (docentes, discentes e pro- leira de Educadores de Medicina de Família e Comunida-
fissionais de saúde) de recomendações para a inserção de de, proposta com base em associações similares na Euro-
competências da MFC nos currículos de graduação em pa e América do Norte.
Medicina. Principais resultados e encaminhamentos:
4. Discutir a inserção da MFC como área essencial no en- 1) Panorama geral sobre o estado atual da inserção da MFC
sino médico de graduação em sintonia com as proposi- na Graduação em Medicina, por meio da compilação das
ções das Diretrizes Curriculares Nacionais, considerando informações colhidas pelos questionários respondidos pe-
as convergências das competências relativas à MFC com los participantes (tabela e quadro abaixo).
as referidas diretrizes. 2) Participação efetiva de mais de 200 pessoas, entre do-
centes, discentes e profissionais de saúde, e mais de 70 ins-
Houve diversos tipos de atividades: tituições de ensino superior estiveram representadas.
1) Exposição de experiências acadêmicas, na forma de 3) Durante o I Encontro de Ligas, houve a criação da As-
pôsteres, sobre a inserção da MFC na Graduação, segun- sociação de Ligas Acadêmicas de Saúde da Família e Me-
do a vivência das diferentes instituições de ensino repre- dicina de Família e Comunidade, com a aprovação de seus
sentadas. estatutos, tendo sido eleita sua primeira Diretoria.
2) Apresentação dos resultados do questionário, respondi- 4) Aprovação da SBMFC como entidade brasileira respon-
dos on-line pelos participantes no momento da inscrição, sável pela Tradução Oficial da Agenda EURACT para o
sobre o estado atual da inserção da MFC na Graduação português.
em Medicina. 5) Realização da primeira reunião da Academia Brasileira de
3) Realização do I Encontro de Ligas Acadêmicas de MFC, Educadores de Medicina de Família e Comunidade e dis-

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cussão inicial de seus estatutos. as de inserção da MFC na graduação em Medicina, além de


6) Produção de edição especial da Revista Brasileira de Me- um artigo do representante da EURACT na II Mostra, e da
dicina de Família e Comunidade (RBMFC) sobre a II Mos- Tradução Oficial da Agenda Educativa EURACT.
tra, reunindo os resumos e relatos completos de experiênci-

Tabela 02. Dados Gerais dos Questionários Respondidos pelos Docentes durante a Inscrição para a II Mostra
de MFC na Graduação*.

*Considerou-se apenas um questionário por Faculdade.

Quadro 02. Principais dificuldades apontadas pelos docentes respondentes quanto à experiência de inserção da
MFC na Graduação*.

*Foram consideradas as idéias centrais das respostas, com validação por avaliador externo
*Freqüência de aparecimento da idéia, quando maior que uma vez.

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8. I Oficina “Desafios do Ensino e da Aprendizagem da SBMFC para esse fim, a metodologia utilizada foi a de traba-
Atenção Primária à Saúde e da Medicina de Família e lho em pequenos grupos constituídos pelos diversos atores
Comunidade na Graduação e Pós-Graduação em Medi- envolvidos na formação em MFC e APS (docentes, precep-
cina” tores, residentes, estudantes, profissionais e gestores da saúde).
Em outubro de 2007, durante o 45º Congresso Bra- Houve uma dinâmica inicial de integração e apresentação da
sileiro de Educação Médica, ocorreu a I Oficina “Desafios contextualização e dos objetivos da Oficina. Após, iniciou-se
do Ensino e da Aprendizagem da Atenção Primária à Saúde os trabalhos em quatro grupos mistos (divisão aleatória) com
e da Medicina de Família e Comunidade na Graduação e a proposta de olhar para o processo de ensino-aprendizagem
Pós-Graduação em Medicina”, que reuniu professores, pre- a fim de definir os “desafios” e “estratégias” na graduação e
ceptores, residentes, estudantes, profissionais e gestores da área pós-graduação para a inserção da APS e da MFC. Todo o
da saúde em um evento preparatório para o “I Fórum de processo foi facilitado e relatado por voluntários.
Formação em Medicina de Família e Comunidade e Atenção
Primária à Saúde”, em Fortaleza (CE)14. 9. Principais resultados*
Tendo-se em vista a opção brasileira (acertada) por
um modelo de atenção à saúde fundamentado na Atenção Quadro 03. O que lembra “MFC”?
Primária (APS) e a implantação das Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Medicina (2001) que abriram fortes
perspectivas para a efetivação da participação da Medicina de
Família e Comunidade e da APS nos currículos e programas
de graduação e pós-graduação no Brasil; e que essa inserção
ainda é incipiente e carente de sistematização e incentivo, a
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
(SBMFC), com o apoio da Associação Brasileira de Educa-
ção Médica (ABEM), idealizou a Oficina “Desafios do Ensi-
no e da Aprendizagem da Atenção Primária à Saúde e da
Medicina de Família e Comunidade na Graduação e Pós-
Graduação em Medicina”.
Assim, os objetivos principais da Oficina foram:
• Identificar desafios no processo de ensino e aprendizagem
da APS e da MFC, na graduação e na pós-graduação, consi-
derando: discentes, educadores, cenários e práticas pedagógi-
cas.
• Apontar estratégias de enfrentamento para lidar com esses
desafios (“como lidar”?).
• Elaborar um documento-base para o “I Fórum de Forma-
ção em Medicina de Família e Comunidade e Atenção Primá-
ria à Saúde”, Fortaleza (CE), 01 de maio de 2008.
A partir das idéias levantadas pelas discussões prepa-
ratórias para a presente Oficina, realizadas pelo “Grupo de
*
Incluindo também as questões relativas à pós-graduação, haja vista a correlação estratégica
Formadores em MFC e APS”, na lista de discussão virtual da com a graduação.

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Quadro 04. Principais desafios da inserção da APS e MFC na Graduação.

Quadro 05. Principais desafios da inserção da APS e MFC na Pós-Graduação.

Quadro 06. Principais estratégias para superar os desafios na Graduação.

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Quadro 07. Principais estratégias para superar os desafios na pós-graduação.

9. Considerações finais. no tema.


A inserção dos princípios e das práticas da MFC den- O presente documento procura trazer informações
tro do currículo de graduação em Medicina representa uma para que as Escolas Médicas se instrumentalizem e operaciona-
estratégia fundamental para a formação de futuros médicos lizem a inserção da APS e da MFC nos cursos de graduação.
que tenham o cuidado como eixo central de sua prática e que Algumas questões necessitariam de um maior de-
desenvolvam o senso de co-responsabilidade pela saúde inte- lineamento:
gral das pessoas. Além de tudo, que sejam engajados e com- Considerando que a MFC deve ter um caráter
prometidos com o Sistema Único de Saúde, conforme as transversal na formação do estudante, qual o período mais
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em adequado para iniciar a inserção no currículo (mais preco-
Medicina. ce ou mais tardia)? Como promover a relação/integração
Dentre os principais entraves atuais para que a inser- com as outras disciplinas da faculdade/curso de Medici-
ção da MFC no currículo das escolas médicas aconteça de na? Como equilibrar e guiar a relação das instituições de
forma mais intensa, pode-se citar a não-existência de uma ensino e o sistema de saúde público (integração ensino-
política nacional com esta finalidade, apesar de já existirem serviço-comunidade), em especial em relação à esfera muni-
várias experiências nesse sentido e das diretrizes internacionais cipal, relação esta necessária e fundamental para o sucesso

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da inserção, segundo as próprias Diretrizes Curriculares (suppl.).


Nacionais do Curso de Graduação em Medicina do MEC? 6. Associação Paulista de Medicina de Família e Comuni-
Entende-se que a SBMFC, enquanto sociedade dade. I Congresso Paulista de Medicina de Família e Co-
cientifica da especialidade, em esforço conjunto com a munidade. Revista Medicina. Set.; 2005; (supl.7).
ABEM, MEC e MS, tem papel estratégico no sentido de 7. Gomes LFRA, Demarzo MM. P. Tradução da Agenda
sensibilizar as escolas médicas, apoiar e assessorar a criação Educativa da Academia Européia de Medicina de Família
de estruturas acadêmicas e docente-assistenciais na especia- e Comunidade. Rev Bras Med Família e Comunidade. 2006;
lidade, bem como elaborar diretrizes curriculares específi- 5 (supl.): 77–124.
cas para a inserção da MFC na graduação em Medicina. 8. Brasil. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares
A Medicina de Família e Comunidade: tem po- nacionais do curso de graduação em medicina. Conselho
tencial para colaborar na transformação de um sistema de Nacional de Educação – Câmara de Educação Superior –
saúde nacional, ainda fragmentado, em outro integral e in- Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de Novembro de 2001.
tegrado, com abordagem generalista e humana, por meio 9. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. A
de uma prática multi e interdisciplinar, eliminando barrei- aderência dos cursos de graduação em enfermagem, me-
ras ao acesso, com sistema de informação avançado e dicina e odontologia às Diretrizes Curriculares Nacionais.
informatizado, e com foco na qualidade da assistência e na Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006.
racionalização dos recursos financeiros. Apesar do enor- 10. Associação Paulista de Medicina de Família e Comuni-
me desafio e das grandes dificuldades, a SBMFC se coloca dade. I Mostra de medicina de família e comunidade na
à disposição para enfrentar o processo, entendendo ser o graduação. I Congresso Paulista de Medicina de Família e
ensino de graduação uma estratégia fundamental, e, por Comunidade. Rev Medicina. Set. 2005; (supl.7).
isso, o porquê deste documento. 11. Organização Mundial de Saúde. Organização Mundial
dos Médicos de Família. Improving Health Systems: the
10. Referências. contribution of family medicine. [s.l.]: Wonca; 2002.
1. Justin Allen et al. Definição Européia de Clínica Geral e 12. Demarzo MMP, Anderson MIP. Apresentação da II
Medicina Familiar. [s.l.]: Wonca – Europa; 2002. Mostra de Medicina de Família e Comunidade na Gradu-
2. Byrne PS, et al. The Contribution of the General ação II Mostra Nacional de Medicina de Família e Comu-
Practitioner to Undergraduate Medical Education. A nidade na Graduação, 2006, Gramado-RS. Rev Bras Med
Statement by the working party appointed by the second Família e Comunidade. 2006; 5 (supl): 6–10.
European Conference on the Teaching of General Practice 13. Oliveira AMF, Brunelli B, Kanno NP, Lora PST. Apre-
(Leeuwenhorst Netherlands, 1974). Netherlands: [s.n.]; 1977. sentação do I Encontro de Ligas Acadêmicas de Medicina
3. Relatório da Conferência conjunta da OMS e da de Família e Comunidade. In: II Mostra Nacional de Me-
WONCA em Ontário – Canadá. Haciendo el ejercicio dicina de Família e Comunidade na Graduação, 2006, Gra-
médico y la formación médica más adecuados a las mado-RS. Revista Brasileira de Medicina de Família e Co-
necesidades de la población: la contribución del médico de munidade. Rev Bras Med Família e Comunidade. 2006; 5
família. [s.l.]: Sociedad Española de Medicina de Familia y (supl): 11-15.
Comunitária; 1994. 14. Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comu-
4. Rodgers et al. Family Medicine. 2002; 34 (4):237-9. nidade. Desafios do Ensino e da Aprendizagem da Aten-
5. Bucholtz JR et al. The FMCR Project's FM Clerkship/ ção Primária à Saúde e da Medicina de Família e Comuni-
Post Clerkship Workgroup. Future of Family Medicine dade na Graduação e Pós-Graduação em Medicina. Rela-
(FFM) Project. Annals of Family Medicine. Mar. 2004; tório de Oficina. 45º Congresso Brasileiro de Educação

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Médica (COBEM), Associação Brasileira de Educação


Médica (ABEM), Uberlândia-MG, 20 de outubro de 2007.
Disponível em: www.sbmfc.org.br.

Documento Oficial da Sociedade Brasileira de


Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)

Endereço para Correspondência:


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Rio de Janeiro RJ
CEP: 20.551-031

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