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TEOLOGIA

Com esta redação deuteronomista dos LIVROS DOS REIS parece ter-se pretendido fazer uma
espécie de exame de consciência sobre o comportamento dos reis de Israel e de Judá, pois nele se
espelhava o destino de todo o povo. Procurava-se uma explicação das desgraças que, nos últimos tempos,
se tinham abatido sobre o povo de Israel e a sua imagem de identidade - a monarquia, o templo e a
capital. É que a maior parte dos seus reis fez "o que era mal aos olhos do SENHOR". Podendo representar
práticas variadas, este pecado, na linguagem do Deuteronomista, parece referir-se sobretudo à tolerância e
aceitação dos cultos prestados a deuses estrangeiros (1Rs 11,1-10.33; 14,22-24); mas também caracteriza
os atos de culto a Javé, realizados em santuários fora de Jerusalém (1Rs 12,26-33). É sobretudo este o
pecado de Jeroboão, freqüentemente referido (1Rs 13,34; 14,16; 15,30; etc.).
A História Deuteronomista é adepta da centralização do culto em Jerusalém. Por isso, além de Davi,
como "fundador" do templo de Jerusalém, e de Salomão, como seu construtor, somente Ezequias e Josias,
reformadores do culto no sentido pretendido pelo deuteronomista, são objeto de elogios. E assim, os
LIVROS DOS REIS, que, pelo seu tema histórico, poderiam parecer de pouca importância para o
pensamento religioso de Israel, acabam por se encontrar no centro de uma das mais marcantes Teologias
da História que dão conteúdo à Bíblia.
As suas idéias são, por isso, muito semelhantes às do Deuteronômio: o templo de Jerusalém deve
ser o centro geográfico e cultual da religião hebraica. Esta especificidade religiosa dos LIVROS DOS
REIS explica o fato de, na tradição hebraica, serem integrados no âmbito dos "Profetas anteriores". A
importância que os profetas como Elias, Eliseu e até Isaías (2Rs 19) têm ao longo destes livros simboliza
bem o seu alcance religioso.
Na História Deuteronomista, estes livros assumem a realeza como uma grande instituição da
religião de Israel, apesar do dramatismo com que apresentam as infidelidades da maior parte dos reis para
com o javismo. Ao assumirem a realeza como instituição que interfere profundamente no domínio
religioso, oferecem a referência histórica essencial para a idéia do messianismo.

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1/2 Crônica
Originariamente as Crônicas constituíam um livro só; foi dividido em dois pelos LXX; estes deram à obra
o titulo de Paralipômenos (= as coisas omitidas ou deixadas de lado, em grego), julgando que em Cr
haviam sido consignadas noticias esquecidas pelos livros de Samuel e Reis. Na verdade, esta suposição é
falsa; os livros das Crônicas reapresentam a história narrada em Sm e Rs, mas numa perspectiva ainda
mais estritamente religiosa.
PRIMEIRO CRÔNICAS
I. EM TORNO DE DAVI: GENEALOGIAS 8. BENJAMIM E JERUSALÉM
1. DE ADÃO E ISRAEL Descendência de Benjamim— 8,1-5
Origem dos três grandes grupos —1,1-4 Em Gaba —8, 6- 7
Os jafetitas — 1,5- 7 Em Moab — 8,8-10
Os camitas — 1,8-16 Em Ono e Lod — 8,11-12
Os semitas — 1,17-23 Em Aialon — 8,13-14
De Sem a Abraão — 1,24-29 Em Jerusalém — 8,15- 28
Os ismaelitas — 1,30-33 Em Gabaon — 8,29-32
Isaac e Esaú — 1,34-37 Saul e sua família — 8,33-39
Seir – 1,38-42 Jerusalém, cidade israelita e cidade santa — 9,1-34
Os reis de Edom — 1,43-50 9. SAUL, PREDECESSOR DE DAVI
Os chefes de Edom — 1,51 Origens de Saul — 9,35-44
2. JUDÁ Batalha de Gelboé, morte de Saul – 10,1-14
Israelitas — 2,1- 2
Descendentes de Judá — 2,3-8 II. DAVI, FUNDADOR DO CULTO DO TEMPLO
Origens de Davi — 2,9 - 17 1. A REALEZA DE DAVI
Caleb — 2,18- 24 Unção de Davi como rei de Israel — 11,1-3
Jerameel — 2,25- 41 Tomada de Jerusalém — 11,4-9
Caleb — 2,42-50 Os valentes de Davi —11, 10- 47
Hur — 2,51-55 Os primeiros seguidores de Davi — 12,1-23
3. A CASA DE DAVI Os guerreiros que o constituíram rei —12, 24-41
Filhos de Davi — 3,1-9 A Arca é trazida de Cariat-Iarim — 13,1 – 14
Reis de Judá — 3,10-16 Davi em Jerusalém, seu palácio e filhos —14, 1-7
A estirpe real depois do exílio — 3,17- 24 Vitória sobre os filisteus —14, 8- 17
4. AS TRIBOS MERIDIONAIS 2. A ARCA NA CIDADE DE DAVI
Judá. Sobal — 4, 1- 2 Preparativos para a trasladação — 15,1- 24
Hur — 4,3-4 A cerimônia da transladação — 15,25-16,3
Asur — 4,5-10 O serviço dos levitas diante da Arca — 16,4-43
Caleb — 4,11-20 Profecia de Natã — 17,1-15
Sela — 4,21-23 Oração de Davi — 17,16- 27   
Simeão — 4, 25-43 As guerras de Davi —18, 1-13
5. AS TRIBOS DA TRANSJORDÂNIA A administração do reino — 18,14 - 17
Rúben — 5,1-3 Insulto aos embaixadores de Davi —19, 1-5
Joel — 5,4-8 Primeira campanha amonita —19, 6- 15
Habitat de Rúben — 5,9-10 Vitória sobre os arameus — 19,16 - 19
Gad — 5,11-22 Segunda campanha amonita — 20,1-3
A meia tribo de Manassés — 5,23-26 Batalhas contra os filisteus — 20,4 - 8
6. LEVI 3. PREPARATIVOS PARA A CONSTRUÇÃO DO TEMPLO
A ascendência dos sumos sacerdotes —5, 27-41 O recenseamentos — 21,1- 6
Descendência de Levi — 6,1- 15 A peste e o perdão divino —21, 7- 17
Os cantores — 6,16-32 Construção de um altar — 21-22, 1
Os outros levitas — 6,33-38 Preparativos para a construção do Templo — 22,2-19
Habitat dos aaronidas — 6,39-45 Classes e funções dos levitas — 23,1-32
Habitat dos outros levitas — 6,46-66 As classes dos sacerdotes — 24,1-31
7. AS TRIBOS DO NORTE Os cantores — 25,1-31
Issacar — 7,1-5 Os porteiros — 26,1- 19
Benjamim — 7,6-12 Outras funções levíticas — 26,20-32
Neftali — 7,13 Organização civil e militar — 27,1-34
Manassés — 7,14-19 Instruções de Davi sobre o Templo — 28,1-21
Efraim — 7,20-29 As ofertas —29, 1-9
Aser —7,30-40 Ação de graças de Davi — 29,10 - 20
Salomão sobe ao trono; fim de Davi — 29,21-30
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SEGUNDO CRÔNICAS

III. SALOMÃO E A CONSTRUÇÃO DO TEMPLO 6. OS REINADOS MEDÍOCRES DE


Salomão recebe a Sabedoria —1, 1 - 18 AMASIAS, OZIAS E JOATAO
Últimos preparativos. Hiram de Tiro – 1,18-2,15 Coroação de Amasias —25, 1-4
Os trabalhos —2,16-5,1 Guerra contra Edom — 25,5-16
Transladação da Arca da Aliança — 5,2-10 Guerra contra Israel — 25,17-24
Deus toma posse do Templo — 5,11-6,2 Fim do reinado —25,25 - 28
Discurso de Salomão ao povo — 6,3-11 Começo do reinado de Ozias — 26,1-5
Oração pessoal de Salomão — 6,12-20 Poder de Ozias —26, 6-15
Oração pelo povo — 6,21- 39 Orgulho e castigo — 26,16 -23
Conclusão da prece — 6,40-42 O reinado de Joatão — 27,1-9
A dedicação — 7,1-10
Advertência divina — 7,11-22 V. AS GRANDES REFORMAS DE
Conclusão: Término das construções — 8,1-16 EZEQUIAS E DE JOSIAS
Glória de Salomão — 8,17-9,28 1. IMPIEDADE DE ACAZ, PAI DE EZEQUIAS
Morte de Salomão — 9,29 - 31 O Resumo do reinado — 28,1 - 4
A invasão — 28,5- 8
IV. AS PRIMEIRAS REFORMAS DA MONARQUIA Os israelitas ouvem o profeta Oded — 28,9 - 15
1. ROBOÃO E O REAGRUPAMENTO DOS LEVITAS Pecados e morte de Acaz — 28,16 -27
O cisma — 10,1- 18 2. A RESTAURAÇÃO DE EZEQUIAS
Atividade de Roboão — 11,1-12 Resumo do reinado —29, 1-2
O clero junto a Roboão — 11,13-17 Purificação do Templo — 29,3 - 17
A família de Roboão — 11,18-23 O sacrifício de expiação — 29,18 - 28
A infidelidade de Roboão — 12,1-16 Recomeça o culto — 29,29 -36
2. ABIAS E A FIDELIDADE AO SACERDÓCIO LEGÍTIMO Convocação para a Páscoa — 30,1 -14
A guerra — 13,1-3 A Páscoa e os Ázimos — 30,15 - 27
O discurso de Abias — 13,4-12 Reforma do culto —31, 1
A batalhas — 13,13 - 18 Restauração do clero — 31,2 - 21
Fim do reinado — 13,19 - 23 Invasão de Senaquerib —32, 1 - 8
3. ASA E SUAS REFORMAS CULTUAIS Palavras ímpias de Senaquerib —32, 9 -19
A paz de Asa — 14,1- 7 Êxito da prece de Ezequias — 32,20-29
A invasão de Zara — 14,8 - 14 Resumo do reinado, morte de Ezequias — 32,30-33
A exortação de Azarias e a reforma — 15,1 - 19 3. IMPIEDADE DE MANASSÉS E DE AMON
Guerra contra Israel — 16,1- 10 Manassés destrói a obra de Ezequias — 33,1-10
Fim do reinado — 16,11-14 Cativeiro e conversão — 3,11-20
4. JOSAFÁ E A ADMINISTRAÇÃO Endurecimento de Amon — 3,21-25
O poder de Josafá —17, 1 - 2 4. A REFORMA DE JOSIAS
Zelo pela Lei — 17,3- 12 Resumo do reinado — 34,1-2
O exército — 17,13- 19 Primeiras reformas — 34,3-7
A aliança com Acab e a intervenção dos profetas18,1- 27 Os trabalhos do Templo — 34,8-13
O combate. Intervenção de um profeta — 18,28-19, 3 Descoberta da Lei — 34,14-21
Reformas judiciárias — 19,4-11 Oráculo da profetisa — 34,22-28
Uma guerra santa — 20,1-30 Renovação da aliança — 34,29-33
Fim do reinado —   21,1 Preparação para a Páscoa — 35,1-6
5. IMPIEDADE E DESASTRES DE JORÃO, OCOZIAS, ATALIA A solenidade — 35,7-18
E JOÁS Fim trágico do reinado — 35,19-27
Reinado de Jorão — 21,2-20 5. SITUAÇÃO DE ISRAEL NO FIM DA MONARQUIA
Reinado de Ocozias — 22,1- 9 Joacaz — 36,1-4
O crime de Atalia — 22,10 -12 Joaquim — 36,5-8
Coroação de Joás e morte de Atalia — 23,1-15 Joaquin — 36,9 - 10
A reforma de Joiada — 23,16-21 Sedecias — 36,11-13
Joás restaura o Templo — 24,1-16 A nação — 36,14-16
Apostasia de Joás e castigo — 24,17-27 A ruína — 36,17-21
Anunciando o futuro — 36,22

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CONTEXTO HISTÓRICO

Deve tratar-se de uma obra da segunda metade do séc. IV, entre 350-250 aC.; no entanto, reflete a
restauração religiosa do reino de Judá, depois do exílio da Babilônia, nos fins do séc. VI aC..
Nesta História têm lugar de relevo
* a tribo de Judá (que é a tribo de Davi),
*a tribo de Levi (por causa de Aarão, o protagonista do sacerdócio e do culto divino) e
*a tribo de Benjamim (à qual pertence a família de Saul, e em cujo território está implantado o
templo).
Isto explica o silêncio acerca do reino do Norte, ou Israel, e a omissão de muitas coisas -
sobretudo as negativas referentes a Davi - que se encontram noutros livros históricos, especialmente nos
de Samuel. Davi e Jerusalém, com o seu templo, estão no centro das CRÔNICAS, tal como Moisés e o
Sinai estão no centro do Pentateuco e da História Deuteronomista.

DIVISÃO E CONTEÚDO

1Cr 1-10 1Cr 11-29 2Cr 1-9 2Cr 10-28 2Cr 29-36

de Adão Davi Salomão de Roboão Ezequias, Josias,

até Saul até Acaz Exílio babilônico

As CRÓNICAS visam apresentar a grande História do povo de Israel. Por isso, no seguimento do
Pentateuco, estão na linha dos livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis (História Deuteronomista)
e de Esdras e Neemias. Constituem, com Esdras e Neemias, um conjunto chamado "Obra do Cronista".
Além de terem o mesmo estilo e pensamento, os últimos versículos de 2Cr 36,22-23 repetem-se no início
de Esdras (Esd 1,1-3).

Como dissemos, no centro destes livros está Davi e o seu reinado, para o qual converge toda a
História precedente, e radicam, não só a organização do povo como, sobretudo, as estruturas cultuais do
templo. O seu conteúdo pode resumir-se em quatro partes:

1) tabelas genealógicos desde Adão até Davi: 1Cr 1, 1-9, 44. Vê-se, pois, que a época anterior a
Davi é preenchida apenas por listas de nomes; a atenção do autor se volta especialmente para a tribo de
Judá e a descendência de Davi, para os levitas e os habitantes de Jerusalém. As listas das CRÓNICAS
veiculam a promessa messiânica, de que Davi é sinal privilegiado. Estas genealogias afirmam, ainda, a
importância do princípio da continuidade do povo de Deus através de um período de ruptura nacional,
causada pelo exílio na Babilônia, e fundamentam a esperança da restauração.

2) A história do rei Davi, cheio de zelo pelo culto do Senhor: 1 Cr 10,1 -29,30. Faz-se a
História do reinado de Davi desde a sagração e a entronização até à sua morte, dando especial relevo à
atuação do rei nos preparativos para a construção do templo e a organização do culto litúrgico.O autor
não menciona as desavenças com Saul, nem o pecado de Davi em Betsabéia, a mulher de Urias
assassinado, nem os dramas de família de Davi nem as revoltas contra o rei. A profecia de Natã, porém é
posta em relevo particular (c. 17) assim como o interesse de Davi pelo culto: a trasladação da arca e a
organização da liturgia em Jerusalém (c. 13; 15-17), os preparativos para a construção do Templo (cc. 21-

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29): Davi traçou o plano, reuniu o material, organizou pormenorizadamente as funções do clero e deixou
a execução ao seu filho Salomão.

3) História de Salomão (2Cr 1,1-9,31). Destaca-se a sua sabedoria, a construção e dedicação do


Templo de Jerusalém e outros acontecimentos já narrados em 1Rs. Faz silêncio total sobre suas
prevaricações. Termina com sua morte.

4) História dos reis de Judá (sem menção dos reis cismáticos de Samaria (2Cr 10,1-36,23).
Começa com a divisão do reino davídico, depois da morte de Salomão, e termina com o édito de Ciro,
após um relato resumido da atividade dos reis de Judá.

FONTES LITERÁRIAS E OBJETIVO

Aonde foi o Cronista buscar todo este material? As genealogias (sobretudo 1Cr 1-9) estavam nos
livros do Gênesis, Êxodo, Números, Josué e Rute; Samuel e Reis - por vezes transcritos textualmente -
forneceram-lhe grande parte do restante material histórico.
Mas o autor tem ainda as suas próprias fontes literárias, às quais acrescenta a reflexão pessoal,
colocando-a, por vezes, na boca de grandes personagens sob forma de discursos. É o caso da organização
davídica do culto em Jerusalém (1Cr 22-26) e das reformas religiosas dos reis Asa e Joás (2Cr 15 e 24).
Quanto aos discursos, ver, por exemplo: 1Cr 28,2-10; 29,1-5.10-19; 2Cr 12,5-8; 13,4-12; 15,2-7;
21,12-15; 30,6-9.
Tudo foi utilizado nesta perspectiva: pôr em relevo Judá, sobretudo o rei Davi e a cidade de
Jerusalém. Para isso, o Cronista engrandece os aspectos positivos e elimina os negativos; retoca e adapta
este e outro material, a fim de fazer sobressair as preocupações teológicas.
Vejamos como os objetivos do Cronista se manifestaram em alguns traços salientes da sua obra:
- o valor de cada rei é julgado na base do seu interesse pelo culto divino; o grande referencial e
modelo é sempre o rei Davi;
- a casa e o reino de Davi são identificados com a casa e o reino de Judá; compare entre si 1Cr
17,14 e 2Sm 7,16. O reino de Davi aparece como um reino de paz (1Cr 17,9), governado por um príncipe
pacífico ou, em última instância, pelo próprio Javé (1Cr 22,9; 2Cr 9,8; 13,8) na terra que o Senhor mesmo
deu a seu povo (1 Cr 17,9; 23, 25; 2Cr 13, 8); assim o reino de Davi assume as características de uma
teocracia (governo de Deus) perfeita;
- o Templo é o lugar da habitação do nome de Javé; afastar-se dele é afastar-se de Javé, desonrar o
Templo é desonrar Javé, zelar pelo Templo e prestar o culto legitimo é cultivar a amizade e a fidelidade a
Javé (1Cr 23,25; 28,7; 2Cr 6,5,16; 20; 20, 9; 33,4, 7).
- é salientada a direta intervenção de Deus na história; pelos seus feitos ou pelo testemunho dos
Profetas, o Senhor se faz sempre presente. Assim foi Javé quem libertou do Egito o povo e expulsou os
cananeus (1Cr 18,21; 2Cr 6,5; 20,7). Ele proibiu a Roboão fizesse a guerra contra Jeroboão (2Cr 11, 2s);
entregou Roboão e os príncipes de Judá nas mãos de Sesac, faraó do Egito (2Cr 12,5); induziu o rei Abias
de Judá à guerra contra Jeroboão e lhe deu a vitória (2Cr 13, 4-20); Ele atemorizou os etíopes diante do
rei Asa de Judá (2Cr 14, 9-15)...; Ele mandou Nabucodonosor a Jerusalém a fim de punir o povo infiel
(2Cr 36,17-21);
- o Cronista não refere apenas os fatos, mas acrescenta-lhes uma reflexão teológico. Ver 1Cr 10, 1
3s; 2Cr 12,1 -12; ver 2Cr 16,12-17, a comparar com 1Rs 15, 23; ver 2Cr 20, 35-37 a comparar com 1Rs
22,49; ver 2Cr 24,17-25, a comparar com 2Rs 12,18-22; ver 2Cr 25,14-28, a comparar com 2Rs 14,8-19...

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TEOLOGIA

O autor de 1/2Cr, mais do que o de 1/2Sm e 1/2Rs, teve em mira propor o significado teológico
dos acontecimentos narrados. O autor escrevia depois do exílio ou no fim do séc. IV aC., quando o povo
de Judá não tinha rei, mas vivia humilhado sob Jugo estrangeiro: o Cronista queria lembrar aos seus
leitores as promessas feitas a Davi para excitá-los à confiança em Javé numa situação tão deprimente
Intencionava também recordar que a vida da nação dependia da fidelidade ao Senhor, fidelidade que
deveria manifestar-se no cumprimento da Lei e na celebração do culto divino. O fato de não haver então
monarquia em Israel explica que o povo judeu se tenha tornado muito especialmente uma comunidade
religiosa cimentada pelos valores da piedade e do culto.

O lugar central da dinastia davídica na História de Israel é a idéia teológica mais importante do
Cronista. As genealogias de 1Cr 1-9 preparam-na; o resto do 1.° livro (11-29) está inteiramente
consagrado a Davi e à sua atividade, tanto profana como litúrgica; o 2.° livro é a História dos
descendentes de Davi, que devem ver nele o rei modelo e o ponto de referência da fidelidade a Deus e ao
povo. Seu filho Salomão é idealizado por ter construído o templo de Jerusalém e ter cumprido, assim, o
testamento de Davi seu pai.

O relevo dado ao culto e ao templo é complementar daquela idéia teológica. Por isso, o Cronista
dá maior atenção aos reis que se preocuparam com o culto do templo ou o reformaram: além de Davi e
Salomão, os reis Asa (2Cr 14-16), Josafat (2Cr 17-20) e, sobretudo, Ezequias (2Cr 29-32) e Josias (2Cr
34-35). Esta mesma atenção é dada pelos livros de Esdras e Neemias aos ministros do culto: Aarão e os
sacerdotes e levitas (1Cr 9; 15-16; 23-26; 2Cr 29-31; 35; Ne 12); mas só o Cronista atribui aos levitas o
título e a função de profetas (1Cr 25,1-8).

Por isso, poderá pensar-se num levita ou num grupo de levitas como autores desta obra.
O fato de o Cronista se unir ao reino do Sul, aos seus reis e ao seu culto, poderá indiciar uma certa atitude
polémica em relação ao Norte: a Samaria, que há muito se havia afastado do culto ao Deus verdadeiro.
Mais um sinal de que a fidelidade a Deus, manifestada no cumprimento da Lei e no ritual do culto de
Jerusalém, constitui o propósito fundamental desta obra.

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Esdras e Neemias

ESDRAS

I. O RETORNO DO EXÍLIO E A RECONSTRUÇÃO DO TEMPLO


O retorno dos sionistas — 1,1-11
Lista dos sionistas —2, 1-70
Reinício do culto — 3,1-13
Documentário anti-samaritano: oposição dos samaritanos no tempo de Ciro — 4,1-5
Oposição dos samaritanas no tempo de Xerxes e Artaxerxes — 4,6-23
A construção do Templo (520-515) — 4,24-6,18
A Páscoa de 515 — 6,19-22

II. A ORGANIZAÇÃO DA COMUNIDADE POR ESDRAS E NEEMIAS


Missão e personalidade de Esdras —7, 1-10
O rescrito de Artaxerxes — 7,11-26
Viagem de Esdras de Babilônia para a Palestina — 7,12- 8,36
A ruptura dos matrimônios com estrangeiras 9- 10,17
Lista dos culpados— 10,18 - 44

NEEMIAS

Vocação de Neemias: sua missão em Judá —1-2,10


Decisão de reconstruir as muralhas de Jerusalém — 2,1-10
Os voluntários na reconstrução — 3,1-32
Reações dos inimigos dos judeus — 3-4,17
Dificuldades sociais sob Neemias. Apologia de sua administração —5, 1- 19
Intrigas dos inimigos de Neemias. Término da muralha —6-7,3
O repovoamento de Jerusalém — 7,4 - 5
Lista dos primeiros sionistas — 7,6 - 72
Dia do nascimento do judaísmo: Esdras faz a leitura da Lei. A festa das Tendas — 8, 1-18
Cerimônia expiatória — 9,1-37
Processo verbal do compromisso assumido pela comunidade — 10,1- 40
O sinecismo de Neemias. Listas diversas — 11,1-3
A população judaica em Jerusalém — 11,4-20
Notas complementares — 11,21- 25
A população judaica na província — 11,26 - 36
Sacerdotes e levitas que voltaram sob Zorobabel e Josué — 12,1-9
Lista genealógica dos sumos sacerdotes — 12,10-11
Sacerdotes e levitas no tempo do sumo sacerdote Joaquim — 12,12 - 26
Dedicação da muralha de Jerusalém — 12,27 -43
Uma época ideal — 1244-13,3
A segunda missão de Neemias — 12,4-31

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Estes livros originariamente constituíam uma só obra com o das Crônicas. Depois que foram
separados de Crônicas, ficaram sendo um só volume chamado "de Esdras". A divisão em dois data da era
cristã, quando se começou a falar em Esdras II; o primeiro foi, com o tempo, dito simplesmente "de
Esdras", e o segundo "de Neemias" (talvez por causa de 2Esdr 1,1: "Palavras de Neemias, filho de
Helcias").
Esdr e Ne referem os acontecimentos relativos à volta do povo exilado na Babilônia para a Terra
Santa e à restauração da vida religiosa e civil desse povo - o que cobre uma época que vai de 538 a 430 ou
talvez 398. Foi este um período de grandes lutas para o povo judeu: o entusiasmo e a alegria dos que
voltaram à pátria, viram-se logo sufocados pelos obstáculos preparados pelos adversários. Na verdade, a
terra de Judá estava ocupada por estrangeiros, que se opunham à reconstrução da cidade e do Templo de
Jerusalém; os próprios samaritanos, irmãos de meio sangue dos judeus, hostilizaram a estes; o contado
com os estrangeiros, especialmente os casamentos mistos e as relações comerciais, punham em perigo a
fé dos judeus; além disto, a penúria de bens materiais levava os recém-chegados ao crime e ao desanimo.
- O povo foi superando devagar estes obstáculos, exortado pelos profetas Ageu, Zacarias e Malaquias e
guiado pela chefia enérgica de Esdras e Neemias.

A designação dos dois livros a partir das respectivas personagens principais, Esdras e Neemias, é
mais recente, mas foi assimilada mesmo nas edições impressas da Bíblia massorética.

AUTORIA E DATAÇÃO

Não é dada qualquer indicação sobre o autor destes livros, mas admite-se ser um só: o mesmo
chamado Cronista, que redigiu e compôs a vasta síntese histórica dos dois livros das Crônicas, seguidos
de ESDRAS E NEEMIAS. Um dos indícios mais significativos é a identidade entre os últimos versículos
de 2Crônicas 36,22-23 e os primeiros versículos de ESDRAS 1,1-3, o que sugere a continuidade da
narrativa. Pode, assim, situar-se esta obra nos finais do séc. IV ou início do séc. III aC..

QUESTÃO CRONOLÓGICA

Discute-se qual dos dois deverá ser colocado em primeiro lugar. Muitos preferem a sucessão
NEEMIAS-ESDRAS; mas ainda não se encontrou uma solução satisfatória para estabelecer a cronologia
dos acontecimentos em questão. O texto fala da chegada de Esdras a Jerusalém, no sétimo ano do rei
Artaxerxes (Esd 7,7) e indica a sua atividade reformadora (Esd 8-10); depois, vem Neemias, no vigésimo
ano de Artaxerxes (Ne 2,1) e a sua preocupação pela reconstrução das muralhas (Ne 1-7); surge outra vez
Esdras, para a leitura solene da Lei (Ne 8-9); e, finalmente, Neemias, por ocasião de uma segunda estadia
em Jerusalém, no ano 32.° de Artaxerxes (Ne 13,6-7).

Teriam estado estes dois homens ao mesmo tempo em Jerusalém, a trabalhar independentemente?
A resposta mais aceitável é a seguinte: a atividade de Neemias seria toda ela anterior a Esdras (Ne 1-7 e
10-13, onde aparece como construtor e reformador); mais tarde, talvez no ano 7.° de Artaxerxes II (e não
Artaxerxes I), por volta de 398-397 aC., veio Esdras a Jerusalém: empreendeu reformas (Esd 7-10),
restaurou o culto e fez a solene leitura pública da Lei (Ne 8-9). Ao aplicar a sua perspectiva teológica a
este emaranhado de dados, o redator final é que terá desorganizado a cronologia real dos acontecimentos.
No entanto, não se pode negar ou diminuir o valor histórico das informações veiculadas por estes livros.
Concordam perfeitamente com os dados das fontes bíblicas e profanas, como, por exemplo, os papiros
das ilhas Elefantinas (Egito).

149
DOCUMENTAÇÃO UTILIZA

Na composição destes dois livros, o Cronista utilizou como fontes diversos documentos antigos
(entre eles, as memórias pessoais das duas personagens em questão), que ele reproduziu e organizou,
relacionando-os uns com os outros, segundo a sua visão teológica, de forma a obter um conjunto
harmonioso. Assim, podem encontrar-se:

a) documentos oficiais em hebraico (listas, estatísticas, como as de Esd 2 e Ne 7,6-68; 10,3-30;


11,3-36; 12,1-26) e em aramaico (correspondência diplomática, decretos oficiais: Esd 4,6-6,18; 7,12-26;
b) memórias de Esdras (Esd 7-10), com partes redigidas na primeira pessoa (Esd 7,27-9,15) e
outras na terceira: Esd 7,1-10; 10; Ne 8-9;
c) memórias de Neemias: Ne 1-7; 10; 12,27-13,31.

DIVISÕES E CONTEÚDO

A. Esd 1-6 B. Esd 7-10 C. Ne 1,1-7,4 D. Ne 7,5-10,40 E. Ne 11-13


volta dos exilados, Esdras: Neemias: Esdras: Neemias
reinício do culto reforma missão como proclamação da Lei (continuação)
e reconstrução do religiosa, governador, na festa das Tendas - repovoamento de
templo, sob mulheres dificuldades na e Jerusalém e Judá
a liderança do príncipe estrangeiras reconstrução da compromisso - segunda missão
Zorobabel, o muralha de - o sábado e as
sacerdote Jerusalém e na mulheres
Josué administração estrangeiras
e os profetas do povo
Ageu e Zacarias

O livro de ESDRAS divide-se em duas grandes partes:

I. Regresso do Exílio e reconstrução do templo: 1,1-6,22; Um altar foi erguido em 537 sobre o
lugar do Templo e este começou a ser reconstruído (3, 1 -13); mas a obra foi interrompida por causa das
hostilidades dos samaritanos (4,1 -24). Finalmente em 520 recomeçou a edificação do Templo, que estava
terminado em 515, ano da dedicação do mesmo (5,1 -6, 22).

II. Organização da comunidade ( Reforma moral do povo): 7,1-10,44. 2): Esta teve um dos seus
pontos mais nevrálgicos na separação dos casamentos mistos(9,1-10,17).

150
O livro de NEEMIAS consta também de duas partes:

I. Reconstrução das muralhas e da cidade de Jerusalém: 1,1 -7,22. Note-se o heroísmo com
que lutavam os filhos de Judá para realizar seu intento: durante o dia trabalhavam e durante a noite
montavam guarda para não ser sobressaltados pelos inimigos (Ne 4, 1 6s).

II. Reforma religiosa e social do povo: 8,1 -13, 31. A aliança foi renovada sob a orientação de
Esdras (9,38-10,39). Os muros de Jerusalém foram solenemente dedicados (12,27-42), e o povo se
adaptou aos preceitos litúrgicos e às normas sociais da Lei de Moisés (12,43-13,31).
Estas duas partes andam à volta de certos temas dominantes, que se apresentam por esta ordem:
1. Neemias passa da corte persa para governador de Jerusalém: 1-2;
2. Construção das muralhas, apesar de inúmeras dificuldades: 3-6;
3. Recenseamento do povo, celebração da Lei e renovação da aliança: 7-10;
4. Repovoamento de Jerusalém e das terras da Judeia: 11;
5. Medidas para garantir o culto e a pureza dos costumes: 12-13.

Os primeiros capítulos de Esdras são ilustrados pelas noticias que nos fornecem os profetas Ageu,
Zacarias e Malaquias.
Esdr e Ne apresentam rica documentação, muitas vezes contemporânea aos fatos relatados: listas de
repatriados e da população de Jerusalém (Esdr 2,1 -67; Ne 7, 6-65), atos e decretos dos reis da Pérsia
(Esdr 1, 2; 4,1 7-22; 6, 2-12; 7,12-26), correspondência dos adversários dos judeus com a corte persa (4,
9-16; 5, 7-17). Deve-se observar, porém, que a exegese ou interpretação de Esdr-Ne é muito difícil, pois
os documentos citados não se acham em ordem cronológica: por exemplo, na seção de Esdr 4, 6-6, 18
(escrita em aramaico, quando o resto do livro se acha em hebraico) os acontecimentos da época do rei
Dario I da Pérsia (521 -486) são narrados após os dos reinados de Xerxes I (486-464) e Artaxerxes I (464-
424), quando na verdade são anteriores a estes; em consequência, o leitor do livro só encontra a
continuação de Esdr 4, 5 em Esdr 4,24 (pulando 4, 6-23). A lista dos repatriados é apresentada duas vezes
(cf. Esdr 2 e Ne 7).
As dificuldades de recompor a autêntica sequência dos acontecimentos são tais que alguns
estudiosos julgam dever deslocar alguns capítulos de Esdr-Ne. Eis precisamente como se coloca o
problema: em Esdr 7, 7 está dito no ano 7º de Artaxerxes, Esdras foi da Pérsia para Jerusalém. Ora quem
foi esse Artaxerxes, rei da Pérsia? Dois personagens vem ao caso: Artaxerxes I Longimano (464-424) e
Artaxerxes II Mnemon (404-359). Se admitimos que Esdras viajou sob Artaxerxes I, diremos que se foi
em 457 (464-7); Neemias teria viajado para Jerusalém no ano 20 do mesmo Artaxerxes, ou seja, em 444
(cf. Ne 2,1); tal é a sentença clássica. Todavia há quem pondere que a obra de Esdras é uma obra de
remate (renovação da Aliança, plena restauração da vida religiosa, social e moral do povo), e não uma
obra de começo; Esdras, dizem, supõe o trabalho de Neemias. Se isto é verdade, diremos que Neemias foi
para Jerusalém no ano 20 de Artaxerxes I (444) e que Esdras seguiu para lá no ano 7º de Artaxerxes II, ou
seja, em 397; em tal hipótese, os capitules 7-10 de Esdras deveriam ser colocados no fim da obra do
cronista. - A questão fica aberta; apenas as datas da grande atividade de Neemias em Jerusalém são
certas: 444-433 aC.

Para a compreensão religiosa de Esdr-Ne, tal questão é secundário. Mais importante é conhecer as
idéias e a mentalidade que animaram a restauração, do que a sequência exata dos fatos.
A restauração teve importância capital na história do povo eleito: significa o nascimento do
judaísmo propriamente dito. Judaísmo vem de Judá; ora é esta a tribo que volta do exílio para reconstruir
a vida do povo messiânico (era a tribo de Davi e do futuro Messias). O judaísmo assim oriundo tem suas
características:
1 ) noção de Deus cada vez mais transcendental, a tal ponto que os judeus não ousavam pronunciar
o santo nome de Javé, mas diziam "o céu", "o Altíssimo", "a Glória", "Ele"...;

151
2) estrita observância da Lei cultivada principalmente pelos fariseus, que multiplicavam os
preceitos e desenvolviam minuciosa casuística;
3) a mística dos "pobres de Deus", que eram também mansos e humildes, depositando sua confiança
unicamente em Deus;
4) expectativa cada vez mais viva do Messias e da consumação da história.
Por ter colecionado os escritos do Antigo Testamento e renovado a Aliança com Javé depois de
restauração de Jerusalém, Esdras é chamado "o pai do judaísmo".

TEMAS ESPECÍFÍCOS
- A reconstrução. Enquanto os livros das Crônicas concentram a atenção no primeiro templo,
idealizado ideado por Davi e construído por Salomão, e no culto ai celebrado os livros de Esdras e
Neemias enfocam especialmente o segundo templo, construído depois do Exílio. Mas não se trata apenas
do templo, como também dos muros da cidade, pois estes garantem a Jerusalém o estatuto de capital -
principal razão da oposição dos samaritanos e de outros habitantes da região

- A pureza religiosa. Entre as utilidades de Esdras destacam-se sua luta contra os casamentos de
judeus com mulheres estrangeiras, porque punham em risco a integridade e a pureza da religião. Esdras
mostrou-se duro e intransigente, exigindo a dissolução desses matrimônios, pois colocava a fidelidade às
tradições religiosas acima de quaisquer outros valores.

- Esdras, "pai do judaísmo antigo". Isso aparece sobretudo em Ne 8-9. Esdras parece ter sido quem
organizou a religião do "resto de Israel " Os judaítas na Palestina e os demais israelitas na diáspora - em
torno da Torá (a Lei, ou melhor, a Instrução) de Moisés, agora recolhida nos "cinco rolos" que
conhecemos até hoje, o Pentateuco.

- Neemias, modelo de apóstolo leigo, atuando na política, muito ativo, justiceiro, completamente
despido de interesses próprios, esperando sua recompensa apenas da parte do SENHOR, sensível aos
problemas comunitárias, sinceramente preocupado com a sorte dos desafortunados, severo mas leal com
seus adversários, e ao mesmo tempo profundamente religioso, persuadido de que a salvação do povo
estava condicionada à fidelidade ao SENHOR e à sua Lei.

PERSPECTIVA TEOLÓGICA

ESDRAS e NEEMIAS narram acontecimentos ocorridos logo após o edito de Ciro (538 aC.), que
permitia o regresso do cativeiro da Babilônia. Mostrando a situação difícil dos repatriados, fazem
sobressair o esforço pela restauração do povo, no aspecto material e religioso.
Contêm uma admirável mensagem doutrinal, centrada em três preocupações fundamentais:
* O templo,
* a cidade de Jerusalém e
* a comunidade do povo de Deus.
Após as provas do Exílio, com as suas más consequências no aspecto religioso, o povo organiza-se
numa grande unidade nacional e religiosa. Meditando na Lei, compreende como o castigo lhe foi
mandado por Deus, devido à sua infidelidade, e como, apesar de tudo, a misericórdia divina se mantém
para com o resto de Israel, detentor das grandes promessas em relação ao Messias. A Palavra de Deus é,
assim, a base da reconstrução do povo que volta do Exílio.

152
OS TEMPLOS DA BÍBLIA

Templo Data Descrição Referencia


Plano detalhado recebido por
Tabernáculo cerca 1444 aC. Moisés do Senhor. Ex 25 - Ex 25-30
(Templo móvel) 30; Construído por artesãos Ex 35,30 – 40,38;
divinamente indicados. Lv 10,1-7
Profanado por Nadab e Abiú.
Planejado por Davi.
Templo de Salomão 966-586 aC. Construído por Salomão. 2Sm 7,1-29; lRs 8,1-66;
Destruído por Jr 32,28-44
Nabucodonosor.
Vislumbrado por Zorobabel.
Construído por Zorobabel e
Templo de 516-169 aC. pelos anciãos dos judeus. , Esd 6,1-22; : Esd 3,1-8;
Zorobabel Profanado por Antíoco 4,1-14; Mt 24,15
Epífanes.
Templo de Zorababel Mc 13,2,14-23; Lc 1,11-
Templo de Herodes 19 aC.-70 d.C. restaurado por Herodes, o 20; 2,22-38; 2,42-51;
Grande. Destruído pelos 4,21-24; At 21,27-33
romanos.
Encontrado no coração do
crente. O corpo do crente é;o lCor 6,19-20; 2Cor 6,16-
Templo atual Tempo presente único templo , do Senhor até 18
a volta do Messias.
A ser construído durante a
Templo de Período da Tribulação Tribulação pelo Anticristo. A Dn 9,2; Mt 24,15; 2Ts
Apocalipse 11 ser profanado e destruído. 2,4; , Ap 17,18

vislumbrado pelo profeta


Templo (Milenar) Ezequiel. A ser construído Ez 40,1 - 42.20; Zc
de Ezequiel Milênio pelo Messias durante seu 6,12-13
Reino milenar.
O maior templo de todos (“O
Senhor, o Deus Todo-
Templo eterno da Reino eterno Poderoso e o Cordeiro são o Ap 21,22; Ap 22,1-21
presença de Deus seu santuário”) , Um templo
espiritual.
O templo (gr. hieron) é um lugar de adoração, um espaço sagrado ou santo construído, principalmente, para
a adoração nacional de Deus.

153
O calendário sagrado dos judeus
Mês do ano Nome do Equivalente Equivalente Número Referência
sagrado mês cananeu moderno de dias
1 Nisã Abib (Ex Março-abril 30 Ne 2,1; Est 3,7
13,4;
23,15;34,18,
Dt 16,1)
2 Iar Zive (1Rs Abril-maio 29
6,1.37)
3 Sivã Maio-junho 30 Est 8,9
4 Tamuz Junho-julho 29
5 Abe Julho-agosto 30
6 Elul Agosto-setembro 29 Ne 6,15
7 Tisri Etanim Setembro-outubro 30
(1Rs 8,2)
8 Marquesvã Bul (1Rs Outubro-novembro 29 ou 30
6,38)
9 Quisleu Novembro-dezembro 29 ou 30 Ne 1,1; Zc 7,1
10 Tebete Dezembro-janeiro 29 Est 2,16
11 Sabate Janeiro-fevereiro 30 Zc 1,7
12 Adar Fevereiro-março 29 ou 30 Esd 6,15;
Est 3,7.13; 8,12;
9,1,15.17.19.21
Os meses hebraicos possuíam alternadamente 29 e 30 dias. O ano hebraico, mais curto do que o nosso,tinha
354 dias. Assim, a cada período de aproximadamente 3 anos ( 7 vezes 19 anos), era acrescentado um ano
adicional de 29 dias – veadar – entre adar e nisã. O calendário civil – calendário oficial para reis,
nascimentos e contratos – era um pouco diferente desse Calendário Sagrado

154
Tobias

Escrito sob a forma de um romance de característica sapiencial, este livro narra-nos a história de
Tobit, de Sara, mulher de seu filho Tobias, e das respectivas famílias. Apresentados como israelitas
piedosos, que sempre permaneceram fiéis ao Senhor seu Deus, mesmo no meio das piores tribulações,
constituem, por isso mesmo, um paradigma de comportamento nas circunstâncias normais da vida.
Dentro desta perspectiva, toda a trama se desenrola em torno de questões práticas que vão sendo
resolvidas sempre com uma fé inabalável em Deus e dentro da fidelidade absoluta à sua vontade.
Atribuindo-lhe uma linguagem dos nossos dias, poderíamos dizer que se trata de um tema de
amor. Amor de dois jovens esposos; amor das diversas personagens dentro do quadro das respectivas
famílias; amor dos fiéis pelo seu Deus que, através dos séculos e do suceder-se aparentemente inocente
dos acontecimentos, guia o seu povo em direção ao cumprimento do seu destino de realização plena.

História de Tobit — 1, 1-2 VII. Ragüel —7,1-16


I. O exilado— 1,3-22 VIII. O túmulo— 8,1-21
II. O cego— 2-3, 1-6 IX. As bodas— 9-10,1-13
III. Sara —3,7-17 X. Os olhos— 11, 1-18
IV. Tobias —4, 1-21 XI. Rafael —12, 1-21
V. O companheiro—5 - 6, 1 XII. Sião— 13-14,1
VI. O peixe —6,2-19 XIII. Nínive— 14,2-15

O TEXTO

A história da sua transmissão é algo atribulada e só com alguma dificuldade entrou no conjunto
dos livros canônicos. Com efeito, é considerado apócrifo pelas Igrejas Evangélicas, não faz parte do
cânone hebraico e só o Concílio de Hipona, em 393, o admitiu como inspirado. O livro foi redigido em
aramaico, língua esta que, sendo próxima do hebraico, rapidamente se tornou também veículo de
comunicação em toda a zona do Crescente Fértil e das suas zonas circundantes. Não chegou até nós
nenhuma versão do texto nesta língua. Assim, o conhecimento que temos desta obra, é através das suas
traduções em grego e latim.

AMBIENTE E CRONOLOGIA

Não há unanimidade acerca da data de composição do livro. Para uns, teria sido escrito
provavelmente entre os anos 200 e 180 aC. e para outros numa data muito posterior. Como quer que seja,

155
todo o texto deixa perceber um ambiente ligado à diáspora, em torno à época do exílio persa. Contudo, e
independentemente das considerações cronológicas, é um texto com uma intencionalidade didática e
edificante evidente, visível não só a partir da sua forma narrativa, em jeito de saga, mas também a partir
da constatação do pouco cuidado que o autor colocou nas referências cronológicas, históricas e
geográficas, que resultam, na sua maioria, incoerentes.

CONTEÚDO
Embora incluído entre os "Livros Históricos", Tobias é do gênero sapiencial e deve ser lido como
tal. É uma história didática. Usa, a vida familiar do velho Tobit e as "aventuras" do jovem Tobias para
ensinar o que significam, em diversas circunstâncias da vida o "temor de Deus ", a piedade, as boas obras
a justiça e a proteção de Deus para judeus fiéis no meio do mundo pagão. É um ensinamento concreto
para os judeus da Diáspora, do gênero do midraxe: utilizando temas da Torá (a "instrução ") cria uma
mensagem para a atualidade. Os principais temas retomados da Torá são os casamentos dos Patriarcas,
Isaac e Jacó (Gn 24 e 28), a separação e reencontro de Jacó e seu f ilho Benjamim (Gn 42 - 45).

O livro é construído como um romance clássico, de modo simétrico, tendo como centro o
casamento do jovem Tobias:

Percebe-se que o centro do romance é o casamento do jovem Tobias com uma mulher da mesma
estirpe, para fundar uma família judaica piedosa, ao modelo do pai Tobit e dos antepassados (as histórias
de Abraão, Isaac e Jacó estão continuamente no pano de fundo). O mal de Tobit (a escuridão dos olhos) é
narrado como o símbolo que emoldura um problema maior: o do casamento na Diáspora. O "Deus que
cura" (Rafael) ajuda a resolver este problema central - e também a “escuridão" de Tobias. O verdadeiro
desenlace, porém, consiste na revelação de Deus e sua providência na figura de seu anjo: pois Deus é o
ator principal deste drama.

TEMAS ESPECÍFICOS

156
- A Providência de Deus. No livro de Tobias, Deus providencia soluções lá onde os meios
humanos são insuficientes, especialmente pelo envio do anjo, que representa o próprio Deus. No mundo
mecanicista em que vivemos, a fé numa “providência divina" parece ultrapassada além de os
exploradores e apressares parecerem mais bem “providenciados ". Mas a fé na providência não significa
necessariamente que tudo deve terminar num “final feliz” (como a história de Tobias); significa que a
busca da vontade de Deus "dá certo ", realiza as aspirações profundas dos justos: Deus está com aqueles
que o amam.

- Ás boas obras e a ética nas pequenas coisas do dia-a-dia. A justiça do velho Tobit não é feita de
belos ideais, mas de gestos concretos: dar esmolas(1,16s) e, sobretudo, enterrar os mortos em tempo de
perseguição, arriscando perder os bens e a própria vida (1,17-20; 2,3-8).

- O espírito de família, a relação pais-filhos. Transparece no livro uma relação harmoniosa de pais
e filhos, de solidariedade e mútua preocupacão - exatamente o que ensina o mandamento de "honrar pai e
mãe ". Parece contudo, que o conflito entre o escrupuloso Tobit e sua mulher perturba essa imagem (2,14,
cf. Jó 2,9). O pouco respeito religioso dessas mulheres deve ser visto no quadro de uma cultura em que a
religião e a piedade eram antes de tudo atribuições do homem, enquanto a mulher era considerada
"infante ", como mostra a legislação levítica, em voga naquele tempo (Nm 30,4-16).

- Será que o livro de Tobias tem preconceito contra o matrimônio? Os maridos da jovem Sara
morrem na noite nupcial, Tobias abstém-se durante três noites antes de unir-se a Sara... Ora, este detalhe
não se encontra nos textos considerados originais, mas somente no texto ampliado de S Jerônimo (Tb
6,18 segundo a Vulgata). O livro de Tobias não tem preconceito contra o matrimônio, considera-o como
dever de todo judeu e o vê com muita alegria, quando dá certo! O quadro do livro é a vida familiar de
Tobit e o centro é o feliz casamento de Tobias.

- O livro de Tobias contém belíssimas preces de louvor, de súplica e de ação de graças,


comparáveis aos mais belos salmos sobretudo a ação de graças em Tb 13.

- O povo de Deus na Diáspora. Como os judeus da Diáspora entendiam sua própria história e sua
situação no meio do mundo pagão? Como cidadãos, cooperam - até em alto nível com os governantes
justos, mas defendem-se ou escondem-se dos injustos e daqueles que não lhes dão a liberdade de seguir a
Lei de Moisés - que, no Império persa, valia como "lei do rei" para os judeus. A situação de diáspora
explica também a importância de um casamento "patriarcal": a conservação do patrimônio (cf. o dinheiro
depositado com o parente) e dos costumes judaicos. Patrimônio e matrimônio a serviço da conservação do
povo.

- A medicina popular. O arcanjo Rafael, primeiro "médico sem fronteiras", ensina a Tobias alguns
remédios de medicina popular, que certamente foram avidamente aprendidos pelos leitores ouvintes do
livro...

O ESQUEMA GERAL DA OBRA É A SEQUÊNCIA DA SUA HISTÓRIA:

Origens de Tobit e a sua piedade (cap. 1).


Tobit no cativeiro (2,1-9).
A sua resignação nas provas (2,10-3,6).
Sara, no meio da sua aflição, ora ao Senhor (3,7-17).
Discurso de Tobit a seu filho (cap. 4).
O filho de Tobit empreende a viagem, acompanhado por um anjo (5,1-6,9).
Bodas do filho de Tobit com Sara (6,10-8,9).
Gabael assiste às bodas (cap. 9).
Regresso de Tobias para junto de seus pais (10-11).
157
Revelação do anjo (cap. 12).
Cântico de Tobit (cap. 13).
Morte de Tobit e Ana (cap. 14).

MENSAGEM TEOLÓGICA

Depois do Exílio, enquanto uma parte do povo judeu se reuniu à volta de Jerusalém, um grande
número permaneceu na Babilônia e nos outros territórios em redor de Israel: no Egito, na Assíria e nos
territórios que atualmente constituem a zona norte do Irão. Muito provavelmente, o livro de TOBIT nasce
dentro deste ambiente linguístico e geográfico.
Ao ser um texto narrativo de caráter "romanceado", a atenção do leitor é levada a centrar-se nas
personagens, nas suas genealogias escrupulosamente israelitas e na forma fiel e piedosa segundo a qual
orientam as suas vidas. Estas características, típicas dos intervenientes, são ainda postas em relevo graças
ao recurso sistemático a comparações, quer com os outros membros do povo de Israel, quer com as
personagens reais com as quais cada um deles se vai relacionando.

Assim, o texto avança claramente em dois níveis paralelos e concêntricos de desenvolvimento:


 por um lado, o nível da fidelidade e piedade de Tobit e dos seus familiares diretos;
 por outro, a infidelidade do povo e a impiedade dos governantes. Todo o enredo, na sua
forma simplista, está impregnado de um inconfundível sabor sapiencial e de referências indisfarçáveis,
por exemplo, à História de José e à personagem de Jó.
Nesta simplicidade linear, o texto não é capaz de criar qualquer tensão dramática. Desde o início,
o leitor tem a sensação de já saber o que vem a seguir. Seguindo as regras típicas deste gênero, o texto
avança num crescendo de complicação com sucessivos momentos de resolução, atingindo o clímax ou
ponto de viragem quando ficam resolvidas as duas dificuldades principais ligadas à questão da herança: o
aspecto financeiro e a descendência, que se supõe venha a seguir-se à conclusão feliz do casamento de
Sara e Tobias. Apesar disto, e na sua ingenuidade, o livro de TOBIT respira um ambiente de fé
incondicional em Deus. Para além das tribulações e dificuldades sofridas, as personagens centrais vivem
com a certeza inabalável da presença de Deus, como condutor da História, e da recompensa que hão de
ter pela sua fidelidade.
O próprio nome de Tobit (abreviatura hebraica de "Tôbiyyâh", que quer dizer "Deus é bom", ou "o
meu bem está em Deus") confirma a ação da divina Providência, que vela por aqueles cuja fé é inabalável
e os ajuda a vencer as provações, acabando por lhes dar uma recompensa muito acima de toda a
expectativa, como no caso do próprio Tobit.

158
Judite
III. JUDITE
I. CAMPANHA DE HOLOFERNES Apresentação de Judite — 8,1-8
Nabucodonosor e Arfaxad — 1,1-12 Judite e os anciãos — 8,9-36
Campanha contra Arfaxad — 1, 13-16 Oração de Judite — 9,1-14
Campanha ocidental — 2,1-20
Etapas do exército de Holofernes — 2,21-3,10 IV. JUDITE E HOLOFERNES
Alarme na Judéia — 4,1-8 Judite dirige-se a Holofernes — 10,1-23
As grandes súplicas — 4,9-15 Primeira entrevista de Judite e Holofernes — *11-12, 1-9
Conselho de guerra no acampamento de Holofernes - 5,1-24 Judite no banquete de Holofernes — 12-13, 1-10
Aquior é entregue aos israelitas —6, 1-21 Judite leva para Betúlia a cabeça de Holofernes — 13,11-20

II. ASSÉDIO DE BETÚLIA V. A VITÓRIA


Campanha contra Israel — 7,1-32 Os judeus assaltam o acampamento assírio — 14-15, 1-7
Ação de graças — 15-16, 1-20
Velhice e morte de Judite —16, 21-25

Este livro, cujo nome é o da sua figura principal, mostra-nos como Israel domina todas as dificuldades
quando obedece ao Senhor. As pessoas e os lugares nele descritos fazem crer que o autor pretendeu dar-lhes
nomes fictícios, embora não se saiba exatamente por que. O significado de alguns deles quadra bem com o
próprio conteúdo do livro. O nome da heroína, Judite, que lhe serve de título, simboliza "a judia", expressão
frágil e desamparada do próprio Israel, sob a ameaça dos inimigos. O importante, contudo, é a lição que nos é
dada pelo seu cântico: só os que temem o Senhor podem ser grandes em todas as coisas.
O livro de Judite tem por cenário as conquistas de um rei assírio dito Nabucodonosor, cujo General
Holofeines ai avançando pela Asia anterior (1,1-3,10). Os judeus, porém, dispuseram-se a resistir (4,1-15). Ao
saber disto, o pagão Aquior, aliado de Hololernes, aconselhou-o a não atacar os israelitas, pois muitas vezes o
Deus de Israel defendera seu povo (5,1-24). Holofernes, porém, tendo entregue Aquior aos judeus para que
perecesse com eles (6,1-21), empreendeu o cerco da cidade israelita de Betúlia (7,1-18). Os habitantes desta
achavam-se prestes a render-se, quando a viúva Judite resolveu intervir, prometendo lutar por seu povo (8,1-
36). Depois de ter orado fervorosamente (9,1-14), revestiu-se de seus mais preciosos ornamentos, e penetrou no
acampamento inimigo, encantando todos os guardas por sua formosura (10,1-17). Hololernos, ao vê-la, mandou
que residisse perto de sua tenda (10,18-12,8). Quatro dias depois, o General assírio, vencido pela paixão, deu
um banquete, para o qual convidou Judite (12,10-20). A alta noite, Holofemes estava embriagado a dormir, e
Judite a sós com ele na mesma tenda. Então rezou, e com a espada do próprio Holofernes, cortou a cabeça do
General; logo a seguir, regressou para Betúlia (13,1-10), onde foi recebida com grande alegria (13,11-20). Ao
ver os fatos, Aquior converteu-se à religião judaica (14,1-10). No dia seguinte, os israelitas simularam um
ataque e puseram os assírios em fuga (14,11-15-7). Por fim, o povo de Betúlia canta a glória de Judite e esta
louva a Deus em ação de graças (15,8-16,25).
A finalidade do autor sagrado era avivar a fé de Israel em Deus, que é capaz de libertar das calamidades o
seu povo. contanto que este se mostre fiel aos preceitos da Aliança. Verifica-se que os meios que salvam
Betulia do poder inimigo, são espirituais: uma viúva fraca, munida das forças que o jejum e a oração lhe confere
(8,1-9,14; 13,1-10).
O rei Nabucodonosor entra em cena porque é o tipo dos perseguidores de Israel, é o adversário de Deus
por excelência, "o grande rei, o Senhor de toda a terra" (Jt 2,5); a vitória de Israel sobre este adversário, síntese
de todos os inimigos de Deus, é um prenúncio da vitória final do bem sobre o mal (16, 2-21). O universalismo
ou a proposta de salvação para todos os povos aparece na conversão de Aquior, que, vendo a gloriosa façanha
do Senhor por meio de Judite, se converte a verdadeira fé (cf. 5,5-21 e 14,5-10).
É digno do nota o fato de que a heroína do livro é uma viúva. A viuvez como estado de consagração a
159
Deus foi sendo estimada por Israel nas proximidades da era cristã (tenhamos em vista a viúva Ana de Lc 2, 36-
38). A Igreja vê em Judite, a mulher fortalecida pela graça de Deus, uma figura de Maria SS.
- Verdade é que Judite usa de ambigüidade e falsidade para com Holofernes; Isto não é censurável na guerra:
Holofernes é que merece ser censurado por haver cedido às paixões e não ter desconfiado da armadilha que
uma mulher do acampamento inimigo poderia estar preparando contra ele: o texto, aliás, enfatiza que Judite só
realizou seu papel depois de ter jejuado e orado (9, 2-14; 12,5-9: 13,4-7).
O autor deve ter sido um judeu da Palestina, a nós desconhecido, que escreveu na época dos Macabeus
(fins do século II aC.); os judeus, tendo então que lutar por suas tradições religiosas e nacionais, seriam
reconfortados pela evocação do episódio de Judite.

TEXTO

Aquele que terá sido o texto original hebraico ou aramaico do Livro de JUDITE há muito que
desapareceu. O testemunho escrito que chegou até nós era constituído por três recensões gregas, uma
versão siríaca, a antiga versão latina e a tradução latina feita por São Jerônimo. As poucas recensões
hebraicas que se conhecem são consideradas pouco fidedignas para nos darem a conhecer o texto original,
uma vez que se apresentam como elaborações livres feitas sobre o mesmo texto.
Segundo Orígenes e São Jerônimo, este livro não era considerado canônico pelos judeus da
Palestina. Entretanto, foi traduzido pelo Targum, e o Talmude atribuiu-lhe um grau inferior de inspiração.
Contudo, no séc. I d.C. o livro fazia parte do cânone dos judeus de Alexandria. Tudo isto contribuiu para
o fato de alguns Padres da Igreja terem posto em causa, e mesmo negado, a sua inspiração.
Com efeito, o texto que chegou até nós apresenta dados históricos e geográficos que põem muitos
problemas, quer de situação, quer de identificação. Por exemplo: Nabucodonosor é posto a lutar contra
um Medo, de nome Arfaxad, que não se sabe exatamente quem é. Diz-se, igualmente, que conquistou
Ecbátana, quando se sabe que ele nunca conquistou esta cidade nem combateu os Medos. A cidade de
Betúlia, o Sumo Sacerdote Joaquim e a própria Judite, excetuando a filha de Jacó e Lia, não aparecem
referidos em nenhum outro texto do Antigo Testamento.

DIVISÃO E CONTEÚDO

O livro de JUDITE divide-se em duas partes:

I: 1-7 II: 8-16


A campanha de Holofernes, O povo de Deus
sua chegada à Judéia e é salvo por Judite
o cerco de Betúlia

I. Antecedentes do cerco a Betúlia (1,1-6,21): II. Vitória dos Judeus (7,1-16,25):


a situação torna-se difícil em Betúlia (7);
o poder de Nabucodonosor (1); Judite diante dos chefes do povo (8);
expedição de Holofernes (2); a oração de Judite (9);
procedimento das nações gentias (3); a caminho do acampamento assírio (10);
os Judeus preparam-se para a guerra (4); na presença de Holofernes (11);
discurso de Aquior a Holofernes (5); Judite na ceia de Holofernes (12);
resposta de Holofernes (6). regresso triunfante à cidade (13);
ataque contra os assírios (14);
vitória completa dos Judeus (15);
cântico de Judite (16,1-17)
conclusão da história de Judite (16,18-25)
160
Nabucodonosor, rei dos assírios em Nínive, manda seu general, Holofernes com um exército para
castigar aqueles países no ocidente que se recusaram a tomar parte na sua campanha contra a Média.
Todos os povos submetem se e reconhecem a divindade de Nabucodonosor (cc. 1-3).
Holofernes já penetrou até à planície de Jezrael; a ameaça aproxima-se da Judéia e de Jerusalém.
O sumo sacerdote Joaquim manda os habitantes de Betúlia (que fica na planície) ocuparem os
desfiladeiros. No acampamento dos inimigos o amonita Aquior chama a atenção sobre a proteção divina
de que gozam os judeus, mas Holofernes replica ufanando-se da divindade de Nabucodonosor.
Depois de se ter enfocado bem esse aspecto religioso do conflito, as hostilidades se agravam.
Betulia é assediada, a provisão de água é bloqueada. Os habitantes, já informados a respeito do inimigo
por Aquior (que os assírios expulsaram), caem no desespero, e Ozias, o governante da cidade, resolve
aguardar durante mais cinco dias a intervenção de Deus, antes de se entregar.
Nesta situação desanimadora apresenta-se Judite, a qual, em vez do ultimato inaudito de Ozias,
oferece para o prazo marcado os seus préstimos (cc. 4-8). Com uma oração de confiança em Deus, Judite
executa o seu plano que a leva até ao acampamento inimigo, onde se apresenta como cúmplice de
Holofernes. Elogiada e aceita por esse, ela fica três dias no acampamento sem se tornar infiel as abluções
rituais, orações costumadas e leis da alimentação. No quarto dia, convidada pelo eunuco Bagoas para um
banquete com Holofernes, sendo à noite deixada sozinha com ele, Judite aproveita a ocasião e degola o
general, dominado pelo vinho.
De volta a Betúlia, o seu relatório provoca o entusiasmo de seus patrícios, bem como a conversão
de Aquior. Na manhã do quinto dia os assediados passam ao ataque e espalham o pânico entre os
inimigos que, vendo se sem chefe, fogem espavoridos. Sabendo da vitória, o sumo sacerdote vem a
Betúlia e leva Judite em triunfo a Jerusalém, onde ela, depois de homenageada, canta o seu hino. Até
avançada velhice Judite, em Betúlia, é testemunha da tranquilidade que o país agora goza por muito
tempo (cc. 9-l6).
TEMAS ESPECÍFICOS

-A ambição ilimitada. O "Nabucodonosor” desta história e seu general Holofernes encarnam a


ambição ilimitada, chegando a provocar uma verdadeira "guerra mundial” como, naquele tempo, se deu
com Alexandre Magno e com seu ridículo sucessor Antíoco Epifanes (vencido por Judas Macabeu). Em
nosso tempo conhecemos assim Hitler e outros.
- A resistência. Uma população numericamente insignificante decide resistir a essa ambição
ilimitada, e consegue... com a ajuda de Deus.
- A reintegração de Israel e a integração dos amigos não judeus. Judite, a "judia”, “filha de Judá",
reintegra todo Israel. O livro traz alusões a todas as partes de Israel e descreve até o protótipo dos pagãos
integrados a Israel - como os prosélitos na diásporá -, o amonita Aquior.
-A figura da mulher. Judite, a viúva, combina a feminilidade com a determinação, torna-se,
como Débora, "mãe em Israel" (cf. Jz 5, 7). Israel não é só dos patriarcas...
- A salvação na história de Israel. A mistura de diversos momentos históricos faz de Jt uma
meditação sobre toda a história de Israel: os diversos momentos em que Deus se mostrou salvador do
povo. Neste sentido cabe orar sempre os hinos de libertação contidos em diversas páginas do livro.

TEOLOGIA

Quando Holofernes e os assírios sitiaram Betúlia, esgotou-se a água na cidade, e os seus habitantes
estavam na iminência de perecer. Foi então que uma viúva, chamada Judite, traçou e pôs em prática um
plano, que levou os sitiantes à debandada e deu a vitória final aos israelitas.
Como quer que seja, e para além dos pormenores históricos e geográficos, a doutrina do livro
merece a nossa atenção. Estamos diante da afirmação de verdades que em nada põem em causa o
conjunto da teologia do AT:
* proclama-se a providência de Deus para com o seu povo;
*a onipotência, realeza e sabedoria universal de Deus;
* a idéia da dor e do sofrimento como prova;
161
*a centralidade, reverência e valor do templo;
*o valor do jejum, da oração e dos atos de penitência.
Este livro manifesta, sobretudo o amor de Deus pelos pequenos, servindo-se de todos os meios para
os defender. No nosso caso, de uma mulher, que nunca tinha participado numa guerra.

Ester

Preliminares Ester se apresenta no palácio — 5,1-14


Texto Deuterocanônico → Sonho de Mardoqueu
→ Conspiração contra o rei IV. DESFORRA DOS JUDEUS
Desgraça de Amã — 6,1 - 13
I. ASSUERO E VASTI Amã no banquete de Ester — 6,14-7, 10
O banquete de Assuero — 1,1-8 A benevolência real para com os judeus — 8,1 - 12
A rainha Vasti recusa-se a participar do banquete 1, 9 - 22
Texto Deuterocanônico → Decreto de reabilitação
II. MARDOQUEU E ESTER
Ester torna-se rainha — 2,1-18 Decreto de reabilitação — 8,13- 17
Mardoqueu e Amã — 2,19 -3,6 O grande dia dos Purim — 9,1 - 19

III. OS JUDEUS AMEAÇADOS V. A FESTA DOS PURIM


Decreto de extermínio dos judeus — 3,7-15 Instituição oficial da festa dos Purim — 9,20 - 32
Mardoqueu e Ester irão conjurar o perigo — 4,1-17 Elogio de Mardoqueu — 10,1 -3
Texto Deuterocanônico → Disse Mardoqueu
Texto Deuterocanônico Nota sobre a tradução grega do livro —10, 3k
→ Oração de Mardoqueu —4, 17a – 17i
→ Oração de Ester — 4,17j – 17y

O livro de ESTER é uma apaixonada descrição das experiências dramáticas por que passou a
comunidade hebraica de Susa, quando esta cidade era capital do império persa. O texto sugere que esses
acontecimentos afetaria a vida de todos os judeus residentes dentro das fronteiras daquele imenso
império, que se estendia desde a Índia até à Etiópia. Quer dizer que os episódios narrados atingiam todos
os judeus do mundo e as consequências diziam respeito à sua sobrevivência.
As figuras centrais são um judeu de nome babilônico Mardoqueu e uma sua parente e protegida,
chamada Ester, nome de ressonâncias simultaneamente babilônicas e persas. Mardoqueu surge como
chefe da comunidade judaica; Ester é a personagem decisiva no desenrolar dos acontecimentos.
O livro descreve uma ameaça de morte que se transformou numa afirmação de triunfo.
Semelhante sucesso merece ser celebrado e recordado. E, de fato, o livro de ESTER culmina numa
festa anual, ainda hoje celebrada entre os judeus: a festa de "Purim", ou das "sortes" lançadas e
transformadas.
Como o livro de Judite, o de Ester descreve a história de uma israelita que, por sua castidade e
piedade, se tornou instrumento de libertação para o povo de Deus
O rei Assuero deu, certa vez, grande banquete: por essa ocasião, a rainha Vasti recusou-se a
comparecer em público e foi repudiada (1,1-22). Em seu lugar, entrou Ester, israelita, prima órfã de um
israelita chamado Mardoqueu, que residia em Susa (Pérsia) e serve na corte do rei (2,1-20).
Em seguida, Mardoquou pediu a Ester que intercedesse junto a Deus e ao rei pela salvação do seu
povo (4, 1-17). Após ter jejuado e orado, ela e os judeus de Susa, durante três dias. Ester convidou o rei e
Amã para cearem com ela (5,1-5). A rainha, ajudada pela Providência Divina, conseguiu do rei, novo

162
decreto que concedia aos judeus a faculdade de se vingarem dos seus opressores no dia previsto para o
extermínio dos israelitas; Amã foi enforcado por ordem de Assuero (5,6 - 8,14). Em conseqüência, os
filhos de Israel causaram grande morticínio entre os persas (8, 15-9, 19). Para comemorar o acontecimento,
Mardoqueu mandou instituir a festa anual de Purim (9,20-32).
O livro de Ester reproduz traços de história ornamentados para servir à finalidade religiosa e moral.
De um lado, o autor se refere explicitamente aos Anais dos reis da Pérsia (2,23; 10,2): as circunstâncias da
corte e da administração do reino concordam com o que se conhece por outros escritos; além disto, a festa
de Purim, até hoje celebrada pelos judeus, parece atestar um fato histórico. Suposto o fato histórico, o rei
Assuero seria Xerxes I (486-65 aC.).
De outro lado, chama-nos a atenção o silêncio dos autores profanos sobre o episódio que tão vasta
repercussão teria tido no reino persa. Já que estes não mencionam nenhuma rainha da Pérsia chamada
Ester. conclui-se que a heroína israelita, assim como a repudiada Vasti tenha sido apenas uma das
concubinas prediletas de Xerxes I, que leve sempre como esposa a rainha Amestre.
Notemos também a composição artificiosa do livro de Ester, obra-prima da literatura judaica. As
antíteses perpassam e dominam o livro, dando-lhe caráter dramático de admirável beleza:
* duas jovens, concubinas do rei: Vasti, pagã, repudiada; Ester, israelita, exaltada.
* dois homens. ministros do rei: Amã, não judeu, exaltado, depois condenado à morte:
Mardoqueu, israelita, desprezado, condenado à morte, mas, por fim, exaltado.
* dois decretos do rei: um, contra os judeus (3, 12-15): outro, em favor dos judeus (8, 9-14);
* dois banquetes oferecidos por Ester: para Amã, significaram humilhação (5,9-14) e morte (7,3-
10): para Mardoqueu, a passagem da morte (5, 14) para a glória (6, 11; 8, 2);
* os judeus repudiados ao extremo tornavam-se progressivamente estimados ao extremo.

A finalidade do livro é levantar os animos dos judeus, que, após o exilio, viveram sempre sob o
domínio estrangeiro (persas, gregos, egípcios, sírios, romanos). A Providência rege os acontecimentos e
cumpre seus desígnios, mesmo que tudo pareça indicar o contrário; a chave para entender a tese do livro
está em Est 4,13-17.

TEXTO

Esta multiplicidade de experiências tem a sua expressão no próprio estado do texto chegado até nós,
com dois estratos bem distintos: algumas seções, que constituem a parte mais longa e mais antiga estão
em hebraico e parecem representar o fio condutor da história; outras encontram-se só em grego e são
suplementos, ampliações e reformulações do mesmo assunto, mas com um espírito e um horizonte algo
diferentes, tentando recriar e reformular novas perspectivas. Estas novidades do texto grego vão sendo
inseridas ao longo de toda a história descrita.
São Jerônimo, ao preparar a edição da Bíblia em latim, chamada Vulgata, para que estas
interrupções não cortassem a sequência do texto hebraico, decidiu colocar em primeiro lugar a tradução
contínua do hebraico e acrescenta-lhe os suplementos em grego, numerados nos capítulos 11 a 16. E
assim se apresentava o livro de ESTER, nas traduções que dependiam diretamente da Vulgata.
No entanto, esta solução tornava mais difícil a leitura dos suplementos, que não representavam
uma sequência completa. Por isso, é hoje mais habitual manter as interpolações do texto grego no seu
lugar correspondente na narrativa, distinguindo-as do texto hebraico por um tipo de letra e por uma
numeração diferentes.
O livro pode ter sido escrito em hebraico na época dos Macabeus (167-160). Por volta do ano 100
aC.. terá sido traduzido para o grego e enriquecido com os fragmentos deuterocanónicos.

HISTORICIDADE

163
Literariamente, esta narrativa apresenta-se como descrição histórica. Aliás, em 9,32 e 10,2 existem
alusões explícitas ao fato de ter sido escrito aquilo que acontecera com Ester e com Mardoqueu. Esta
fisionomia literária condiz bem com o caráter mais ou menos histórico do seu conteúdo. A descrição dos
ambientes e dos costumes tem alguma exatidão.
No entanto, numerosos indícios levam-nos a pensar que os muitos elementos de figuras e
experiências históricas podem ter sido elaborados nesta obra, que é construída segundo o modelo literário
de um romance histórico. Os nomes de Mardoqueu e de Ester dão aos seus heróis certa verossimilhança
histórica. O nome de Assuero, dado ao rei, é a versão bíblica normal para o bem conhecido nome de
Xerxes. E isto constitui mais uma razão de verossimilhança histórica. A vida da corte, aqui descrita,
corresponde igualmente bem à imagem histórica; pelo contrário, o fato de Mardoqueu ter sido exilado de
Jerusalém no tempo de Nabucodonosor e estar ainda, mais de cem anos depois, a dirigir estes
acontecimentos levanta fortes dúvidas. Além disso, os conflitos religiosos e culturais descritos, e mesmo
os nomes da rainha rejeitada e da nova rainha escolhida por Assuero, ou Xerxes, são inteiramente
desconhecidos na corte persa.
É possível, por conseguinte, que tenham sido acumuladas aqui, numa única história, muitas
experiências dramáticas de comunidades judaicas em contextos sociais adversos; e também muitas
esperanças que, entretanto, as foram reanimando, garantindo-lhes a sobrevivência. De tudo isso poderá ter
resultado este livro, como memória exultante e como razão de esperança.
De fato, em ESTER condensam-se experiências de rejeição e de ameaça, que punham em causa a
sobrevivência do judaísmo e, por antítese, descreve-se a forma como todos os perigos se transformaram
em retumbante afirmação dos seus ideais. Tão entusiasta quiseram os judeus tornar a sua vitória, que não
conseguiram evitar excessos: da pura autodefesa, passaram a gestos exagerados de vingança.

ORIGEM, ACEITAÇÃO E DIVISÃO

Os problemas quanto ao seu conteúdo vão desembocar na data de composição deste livro. A
opinião mais aceita é a de que o texto hebraico teria sido escrito durante o séc. III ou II aC.. Nessa altura,
o império persa já tinha terminado. Significaria isto que as situações descritas se referiam ao tempo dos
persas, mas os problemas e as preocupações reais que, naquele momento, levavam a escrever este livro,
podiam ser confrontações com outros inimigos. De fato, no séc. III aC. ou depois, os conflitos do
judaísmo eram sobretudo com o helenismo. E, se assim foi, o livro de Daniel e o de Judite dão
testemunho de um recurso literário muito semelhante: servir-se de uma história referente a épocas do
passado para enfrentar e combater dramas próprios do momento presente.
O Novo Testamento não deu muita importância a este livro, pois não se refere a ele. O judaísmo,
pelo contrário, sempre o valorizou bastante. A festa de Purim, aqui iniciada, também não consta no
calendário de Qumrân, nem o livro é referido na biblioteca da seita. Mas, para o judaísmo, ESTER foi
sempre um dos mais importantes dos cinco "rolos" ou "livros" cuja leitura ocorria regularmente em certas
festas. O Cânon hebraico ou judeo-palestinense inclui só o texto hebraico de ESTER, classificando-o na
categoria dos "Escritos" ou "Literatura". O Cânon grego ou judeo-alexandrino inclui também os
suplementos gregos, considerando-os igualmente canônicos, aparecendo ESTER entre os livros
históricos.
O esquema geral do livro é aquele que se nos apresenta através da narrativa em hebraico:
I. Ester torna-se rainha: 1-2,23;
II. Conspiração contra os judeus: 3,1-5,14;
III. Haman é condenado à morte: 6,1-7,10;
I. Os hebreus vingam-se dos inimigos: 8,1-11.

TEMAS ESPECÍFÍCOS

164
- O nacionalismo religioso, o antijudaísmo e a desforra dos judeus. O fanatismo religioso que pode
transparecer neste escrito é anterior à visão de Cristo. Se se deve louvar a fidelidade ao Deus de Israel,
não é preciso concordar com a desforra desprovida do espírito do Sermão da Montanha. “examinai tudo e
retende o que é bom” (1Ts 5,21). À luz da pregação de Jesus e da teologia de Paulo, o nacionalismo
judaico extremo não é aceitável para os cristãos, mas isso não justifica o antijudaísmo e as perseguições
pela cristandade. Conservando este escrito, mesmo em sua forma mais radical, a Igreja nos lembra de
nossas raízes no povo eleito e nos estimula à compreensão adequada desta parte de nossa memória.
- Ester ocupa um lugar entre as' 'mulheres de valor", na Bíblia: Sara, Agar, Rebeca, Raquel; Tamar
Rute, Débora, Judite. Com esta última, ele tem em comum o uso de sua elegância para defender seu
povo junto ao dominador estrangeiro. A diferença é que no caso de Judite o dominador estrangeiro era o
tirano em pessoa (Holofernes, pensado à imagem e semelhança de Antíoco Epífanes) , enquanto no caso
de Ester o soberano estrangeiro é o rei persa, normalmente tolerante para com os judeus, mas, no caso,
enganado por um conselheiro perverso. Seja como for, as mulheres judaicas são fortes, como já disseram
as parteiras egípcias ao faraó que queria que eliminassem os recém-nascidos (Ex 1,19)
-A intervenção de Ester em prol de seu povo suscitou, no cristianismo, a aplicação mariológica de
alguns textos: também Maria intervém por seu povo, a Igreja, e por todos aqueles que buscam Deus
(5,1b-2; 7,2b-3; festa de n. Sra. Aparecida). Esta interpretação, evidentemente, só se aplica a estes
versículos, abstração feita do conjunto da obra.

CONTEÚDO
Escolhida entre as moças mais bonitas do reino de Assuero (Xerxes), Ester, depois de uma grande
festa, é feita rainha por esse rei persa, que não conhece sua origem judaica. Por sua influência na corte ela
frustra os planos assassinos de Amã contra os judeus do reino pérsico. A subsequente alegria e a vingança
dos judeus levam à instituição da festa dos purim, no mês de Adar. Por causa desse conteúdo, o livro é
particularmente popular entre os judeus, sendo considerado, pela tradição judaico, como o rolo bíblico
(Megilloth) por excelência. Os LXX e a Vg tem um texto mais comprido. Nos LXX os acréscimos, que
são vários, estão no próprio texto do livro, na Vg estão no fim do livro.
São:
(1) A: Sonho de Mardoqueu (LXX: antes de 1,1; Vg: 11,2-12).
(2) Mardoqueu descobre uma conspiração (Vg: 12,1-6).
(3) B: Edito do rei sobre a exterminação dos judeus (LXX: depois de 3,13; Vg: 13,1-7).
(4) C: Oração de Mardoqueu (LXX: depois de 4,17; Vg: 13,8-18).
(5) Oração de Ester (Vg: 14,1- 9).
(6) D: Ester vai ter com o rei (LXX: depois de 4,17; Vg: 15,14-19).
(7) E: Disposição em favor dos judeus (LXX: depois de 8,12; Vg: 16,1-24).
(8) F: Explicação do sonho de Mardoqueu (LXX: depois de 10,3; Vg: 10,4-13, aqui, portanto, a
explicação precede ao sonho).
(9) G: O livro de Est é levado para o Egito (LXX: depois de 10,3; Vg 11,1).

Vg 15,1 13 é paralelo de 4,13ss. Todos os acréscimos enumerados são canônicos. A questão se são
também autênticos, responde-se de diversas maneiras. Hoje em dia julga-se, cada vez mais, que os
acréscimos são bastante antigos, mas não pertencem ao texto original. Tendem eles a dar um caráter mais
religioso ao conteúdo, em si profano, do livro. Também em tempos posteriores acrescentaram-se a esse
livro tão popular ainda muitos outros suplementos (não-canônicos). Não é possível determinar ao certo se
os acréscimos foram escritos originariamente em grego ou em hebraico.

165
TEOLOGIA

É, sobretudo, na teologia que se nota a diferença mais sensível entre o texto hebraico e os textos em
grego.
No texto hebraico não existe sequer referência ao nome de Deus. Seja qual for a razão que levou a
uma narrativa de aspecto aparentemente laico, pressupõe-se que, por detrás das vicissitudes da
experiência histórica, existe uma outra instância da qual poderá vir a resposta para os problemas, se os
humanos não forem capazes de os resolver (ver 1,14). É uma evidente referência a Deus, implícita mas
forte. Além disso, toda a narrativa se desenvolve num ambiente e com uma ressonância sapiencial clara.
Ora toda a sabedoria oriental, mesmo quando expressa numa linguagem aparentemente profana, está
imbuída de um profundo humanismo religioso.
Uma das evidentes novidades do texto grego é a maneira como sublinha os vários aspectos
teológicos, em concreto a intervenção de Deus como providente condutor dos acontecimentos históricos.
À primeira vista, pareceria que foi esta a razão que levou aos acrescentos gregos. Mas, fosse ou não essa a
intenção principal, o fato é que o texto grego enquadra toda a história no contexto de um sonho, que é
contado no princípio e explicado no fim. Tudo o que acontecera já tinha sido revelado a Mardoqueu por
meio daquele sonho: estava previsto e cumpriu-se tal qual.
Isto é a expressão de uma concepção de História conduzida providencialmente, que vê os
acontecimentos como um plano de Deus. Precisamente no final do capítulo 4, ao aproximar-se o
momento decisivo, é que o texto grego insere os suplementos da letra C, com uma oração de Mardoqueu
e outra de Ester, cheias de ressonâncias bíblicas.
Aliás, conflitos como os apresentados neste livro costumam empurrar as partes em litígio para
comportamentos, que só quando excessivos dão a sensação de vitória. De fato, na Bíblia, o castigo dos
maus, mesmo quando é atribuído a Deus, tem frequentemente aspectos excessivos.
É também importante, do ponto de vista religioso, o fato de o livro de ESTER servir como texto
justificativo da festa religiosa de "Purim", que se tornou uma das mais pitorescas do calendário religioso
dos judeus, semelhante ao nosso Carnaval.

166
o
1 Macabeus

I. PREÂMBULO IV. JÔNATAS, CHEFE DOS JUDEUS E SUMO


Alexandre e os Diádocos — 1,1- 9 SACERDOTE (160-143 AC.)
Antíoco Epífanes e a penetração do helenismo em Israel — Prevalece o partido helenista. Jônatas lidera a resistência —9,
1,10-15 23 - 31
Primeira campanha no Egito e saque do Templo 1,16-28 Jônatas no deserto de Técua. Episódios sangrentos junto a
Intervenção do Misarca e construção da Cidadela 1,29- 39 Mádaba — 9,32 - 42
Instalação dos cultos pagãos — 1,41-64 A passagem do Jordão — 9,43 - 49
Fortificações de Báquides. Morte de Alcimo —9, 50 - 57
II. MATATIAS DESENCADEIA A GUERRA SANTA O cerco de Bet-Basi — 9,58 -73
Matatias e seus filhos — 2,1-14 Competição de Alexandre Balas. Jônatas é por ele nomeado
A prova do sacrifício em Modin — 2,15-28 sumo sacerdote —10, 1 -21
A prova do sábado no deserto — 2,29-38 Carta de Demétrio I a Jônatas — 10,22 - 45
Atividade de Matatias e seus seguidores — 2,39-48 Jônatas repele as ofertas de Demétrio. Morte do rei 10,46 - 50
Testamento e morte de Matatias — 2,49-70 Casamento de Alexandre com Cleópatra. Jônatas elevado a
estratego e governador — 10,51 - 66
III. JUDAS MACABEU, CHEFE DOS JUDEUS (166-160 A.C) Demétrio II. Apolônio, governador da Celessíria, é vencido
Elogio de Judas Macabeu — 3,1 - 9 por Jônatas — 10, 67 - 89
Primeiras vitórias de Judas — 3,10 - 26 Ptolomeu VI dá apoio a Demétrio II. Morre Alexandre Balas
Preparativos de Antíoco contra a Pérsia e a Judéia. Regência e também Ptolomeu — 11,1-19
de Lísias — 3,27 - 37 Primeiras relações entre Demétrio II e Jônatas — 11,20 -29
Górgias e Nicanor invadem a Judéia com o exército da Síria Novo decreto em favor dos judeus — 11,30 -37
— 3,38 - 45 Demétrio II é socorrido em Antioquia pelas tropas de Jônatas
Reunião dos judeus em Masfa — 43,6 - 60 — 11,38 -53
A batalha de Emaús — 4,1 - 27 Jônatas contra Demétrio II. Simão retoma Betsur. O
Primeira campanha de Lísias —4, 28 - 35 reencontro de Asor — 11,54 - 74
Purificação e dedicação do Templo — 4,36 -61 Relações de Jônatas com Roma e Esparta — 12,1 -23
Expedição contra os idumeus e os amonitas — 5,1 - 8 Jônatas na Celessíria, Simão na Filistéia — 12,24 - 34
Preparativos das campanhas à Galiléia e ao Galaad 5,9 - 20 Obras em Jerusalém — 12,35 -38
Expedições à Galiléia e ao Galaad — 5,21 - 54 Jônatas cai nas mãos de seus inimigos — 12,39 -53
Revés em Jâmnia —5, 55 - 62
Vitórias na Iduméia e na Filistéia — 5,63 - 68 V. SIMÃO, SUMO SACERDOTE E ETNARCA DOS
Fim de Antíoco Epífanes — 6,1 -13 JUDEUS (143-134 AC.)
Subida ao trono de Antíoco V — 6,14 -17 Simão assume o comando — 13,1 -11
Judas Macabeu põe cerco à Cidadela de Jerusalém — 6,18 -27 Simão repele Trifão da Judéia — 13,12 -24
Campanha de Antíoco V e de Lísias. Batalha de Bet-Zacarias Jônatas é sepultado no mausoléu de Modin, construído por
— 6,29 - 47 Simão — 13,25 -30
Tomada de Betsur e cerco do monte Sião pelos sírios — Favores de Demétrio II a Simão — 13,31 -42
6,48- 54 Gazara é tomada por Simão — 13,43 -48
O rei concede aos judeus a liberdade religiosa — 6,55-63 Simão toma posse da Cidadela — 13,49 -53
Demétrio I torna-se rei. Báquides e Alcimo são enviados à Elogio de Simão — 14,1- 15
Judéia — 7,1-24 Renovação da aliança com Esparta e Roma — 14,16-24
Nicanor na Judéia. Combate de Cafarsalama — 7,25 - 32 Decreto honorífico em favor de Simão — 14,25-49
Ameaças contra o Templo — 7,33 -38 Carta de Antíoco VII e cerco de Dora — 15,1-14

167
O dia de Nicanor em Adasa —7, 39 -50 Volta da embaixada de Roma para a Judéia e promulgação da
Elogio dos romanos — 8,1-16 aliança com os romanos — 15,15-24
Aliança dos judeus com os romanos — 8,17 - 32 Antíoco VII, ao assediar Dora torna-se hostil a Simão e o
Combate de Beertet e morte de Judas Macabeu — 9,1 - 18 censura — 15,25 -36
Funerais de Judas Macabeu — 9,19 - 22 O governador Cendebeu molesta a Judéia — 15,37-41
Vitória dos filhos de Simão contra Cendebeu — 16,1 - 10
Fim trágico de Simão em Doe. Sucede-lhe seu filho João —
16,11 -24

Com o título de MACABEUS são designados dois livros que fazem parte da Sagrada Escritura,
embora sejam conhecidos mais dois com este nome na antiga literatura judaica. Nos primeiros séculos da
Igreja, houve algumas dúvidas em considerá-los parte do Cânone. De fato, não constam no Cânone da
Bíblia Hebraica dos judeus palestinenses; mas fazem parte da Bíblia do judaísmo de Alexandria. Este fato
veio a criar, por parte das igrejas protestantes, uma atitude de reserva para com eles; quanto aos outros
dois, cedo lhes foi recusada a classificação de livros bíblicos, tanto pelos judeus como pelos cristãos.

NOME

Chamam-se MACABEUS, não porque tal fosse o nome do seu autor, mas porque Judas - o
protagonista dos principais acontecimentos narrados nos dois livros - foi denominado "Macabeu". Porém,
foi São Clemente de Alexandria (séc. III d.C.) quem, pela primeira vez, lhes atribuiu esse título, que se
tornou corrente na tradição cristã.
Muito provavelmente, com esse nome ter-se-á querido salientar a missão que Deus, Senhor da
História, quisera confiar a Judas Macabeu. De fato, o termo "macabeu" aparece em Is 62,2 com o
significado de "designado de Deus", que corresponde perfeitamente à qualidade de chefe com que Judas é
descrito em 2Mac 8,1-7. Também é muito semelhante ao que se diz dos chefes carismáticos do período
dos Juízes e ao papel dos que têm a missão de libertar o povo de um poder político ou de uma cultura que
não respeita a fé de Israel.

AUTOR E MENSAGEM

O 1.° livro dos MACABEUS é obra de autor desconhecido, mas bom conhecedor da Palestina e imbuído
da fé que caracteriza o povo eleito. É precisamente esta fé que o leva a narrar a História recente do seu
povo, para impedir os seus irmãos de raça de serem infiéis à aliança.
No horizonte, está o confronto entre a fé de Israel e os novos modos de viver da cultura
helenística, em que o judaísmo da diáspora se encontra. Para responder a essa situação concreta e
precaver da traição à fé, o autor vai buscar este período histórico e os modelos de fé nele encontrados.
Tocado pela dura experiência do tempo do domínio selêucida, com Antíoco IV Epifânio à cabeça, volta-
se para a raiz da fé, que é a aliança do Sinai, e diz ao povo: "Deus está sempre atento e vai fazer surgir
homens corajosos e determinados, para resistirmos à imposição dos valores culturais que ameaçam as
atitudes de vida exigidas pela aliança". Por isso, mais que descrever objetivamente o que fizeram esses
homens, o autor preocupa-se em mostrar como, por atitudes idênticas às deles, o povo fiel pode continuar
a viver a sua fé no Deus único e a manter a sua identidade nacional.

GÉNERO LITERÁRIO E VALOR HISTÓRICO

lMac é uma história dos Macabeus como sendo "a raça dos homens a quem era dado salvar Israel"
(5,62). A atitude do autor, portanto, não é estritamente objetiva, mas antes propagandística. Para ele os
Hasmoneus representam e garantem a verdadeira observância da Lei e dos costumes dos antepassados;
por conseguinte, os que a eles se opõem, só podem ser goyim e "filhos do diabo". Daí que ele põe na boca
de Judas e Jônatas orações e discursos, nos quais insiste não apenas na legitimidade mas até na santa
necessidade da sua revolta.
168
A heroicidade dos Macabeus na sua luta contra os pagãos é abençoada pelo céu, e o autor a realça
mais, indicando números incríveis para o efetivo dos exércitos inimigos. Aos seus olhos a revolta dos
Macabeus é um acontecimento que abala o mundo, toda a política internacional dos Selêucidas é
interpretada por ele nesta mesma luz (1,41- 43; 3,27-31; 6,5-13). Acentua bem as vitórias de seus heróis,
mas disfarça às vezes as suas derrotas (6,48-54).
Quanto à forma, ele procura chegar a uma composição bem equilibrada imitando conscientemente
em linguagem e formulação a antiga literatura histórica de Israel. Não se trata, portanto, de historiografia
no sentido moderno da palavra, mas não se pode duvidar da exatidão substancial da apresentação dos
fatos (o que aliás a finalidade do livro exigia). A exatidão dos dados topográficos e cronológicos resiste a
toda crítica. Os fatos, narrados em estilo vivo e natural, podem ser enquadrados com a maior facilidade
na história do Oriente Médio Antigo. Tudo isso fala em favor da historicidade, que ainda por cima é
garantida pelo fato de o autor não ter forçado os fatos dentro de um esquema de causalidades.
Os dois livros dos MACABEUS são históricos, segundo os critérios historiográficos da época, e
com uma acentuada preocupação religiosa e edificante. Mais que uma narração objetiva dos
acontecimentos do mesmo período, nem sempre concordantes, porque entre si distintos e independentes,
assemelham-se a dois evangelhos sinóticos:

* o 1.° livro abrange o período que vai de 175 aC. a 134 aC. (subida ao trono de João Hircano);

* o 2.° livro cobre o período de 175 aC. a 160 aC. (morte de Nicanor).

VALOR RELIGIOSO

Muitos daqueles que não reconhecem lMac (livro deuterocanônico) como livro sagrado,
consideram-no um escrito puramente profano, sem nenhum valor teológico Esse julgamento parece
confirmar-se pelo fato de nele não se encontrar o nome de Deus. Isso, porém, deve-se à reverência
escrupulosa do Judaísmo posterior para com o Criador. O autor está, sem dúvida nenhuma,
profundamente convencido da verdade de que Javé, indicado pelo termo "céu" (3,18s.50.60; 4,10.40;
9,46; 12,15; 16,3) ou simplesmente pelo pronome pessoal “Ele” (2,61; 3,22.53; 16,3), tem a sorte do
povo nas suas mãos. Chama-o de "Salvador de Israel (4,30; cf. 2,61; 3,19; 12,15; 16,3). Mesmo as
arações não faltam (3,46-54; 4,10s.30-33; 7,37s,41s; 9,46; 11,71; 12,11), mas é verdade que não se
encontra em lMac aquele contato íntimo entre Deus e o homem, tão característico das narrativas sobre os
patriarcas e da literatura profética. A lei mosaica, pelo contrário, ocupa um lugar central; ela é o tesouro
mais precioso que é preciso defender com a espada na mão e pela qual é preciso dar até a vida. A história
dos Macabeus ensina serem o zelo sadio e realista pela Lei e a observância da Lei o caminho seguro para
chegar à prosperidade e felicidade (cf. sobretudo 14,4-15); essêncialmente, portanto, uma exortação a
maior generosidade. A concepção desta felicidade era bastante material, mas ficava na linha de toda a
esperança de salvação no AT. O importante é que a obra deixou uma abertura para um progresso ulterior
dentro do judaísmo (cf 4,46; 14,41).

DIVISÃO E CONTEÚDO

1,1-64 2,1-70 3,1-9,22 9,23-12,53 13,1-16,24


os antecedentes: Matatias convoca Judas Macabeus Jônatas, prestígio Simão. Á dinastia
AIexandre Magno, a guerra santa reconquista e internacional dos hasmoneus.
helenização, reconsagra o Advento de
cultos pagãos templo João Hircano

A narração dos acontecimentos está distribuída em quatro blocos:

# no primeiro traça-se o ambiente político e cultural criado por Alexandre Magno,


169
que origina a revolta dos Macabeus (1,1-2,70);

# no segundo narram-se os feitos gloriosos de Judas Macabeu (3,1-9,22);

# no terceiro descrevem-se os feitos de Jónatas (9,23-12,54) e,

# no quarto, os feitos do Sumo Sacerdote Simão, fundador da dinastia dos Hasmoneus

(13,1-16,24).

O seu conteúdo poderá ser divido nas quatro partes que apresentamos a seguir:
I. Ambiente político e revolta de Matatias (1,1-2,70):
Alexandre Magno (1,1-9);
Antíoco Epifânio (1, 10-40);
perseguição religiosa (1,41-64);
feitos de Matatias (2,1-70).
II. Judas Macabeu (3,1-9,22):
primeiras vitórias de Judas (3,1-4,35);
purificação do templo (4,36-61);
guerra contra os povos vizinhos (5);
morte de Antíoco na Pérsia (6,1-17);
Antíoco Eupátor ataca a Judeia e faz a paz com os judeus (6,18-63);
Demétrio, sucessor de Eupátor, declara guerra a Judas Macabeu (7);
Judas Macabeu alia-se aos romanos (8);
morte de Judas Macabeu (9,1-22).
III. Feitos de Jónatas, sucessor de Judas Macabeu (9,23-12,54):
modificação da situação dos judeus (9,23-73);
Jónatas aproveita-se da guerra civil dos sírios (10);
confirmação da situação de Jónatas (11);
aliança com os romanos e com os espartanos (12,1-23);
Jónatas em poder de Trifon (12,24-54).
IV. Simão, príncipe do povo judeu (13,1-16,24):
Simão procura resgatar seu irmão (13,1-32);
Simão assegura a liberdade do seu povo (13,33-53);
Simão é aclamado príncipe do povo judeu (14);
Antíoco Sidetes volta-se contra os judeus (15);
morte de Simão (16).

170
2o Macabeus

I. CARTAS AOS JUDEUS DO EGITO Fuga e confissão de Nicanor — 8,34 - 36


PRIMEIRA CARTA 1,1-10 Fim de Antíoco Epifanes — 9,1 - 17
SEGUNDA CARTA Carta de Antíoco aos judeus —9, 18 - 29
Destinatários Purificação do Templo —10, 1 -8
Ação de graças pela punição de Antíoco — 1,11-17
O fogo sagrado milagrosamente preservado — 1,18-36 VI. LUTAS DE JUDAS CONTRA OS POVOS
Jeremias esconde o material do culto — 2,1-12 VIZINHOS E CONTRA LÍSIAS, MINISTRO DE
A biblioteca de Neemias — 2,13 -15 EUPÁTOR
Convite à festa da dedicação do Templo — 2,16-18 Inícios do reinado de Antíoco Eupátor — 10,9 -13
Górgias e as fortalezas da Iduméia — 10,14 - 23
II. PREFÁCIO DO AUTOR 2,19 - 32 Judas vence Timóteo e toma Gazara — 10, 24 -38
Primeira campanha de Lísias— 11,1 -12
III. EPISÓDIO DE HELIODORO Paz com os judeus. Quatro cartas referentes ao tratado —
A vinda de Heliodoro a Jerusalém — 3,1-12 11,13 -38
A consternação da cidade — 3,13 - 23 Episódios de Jope e de Jâmnia — 12,1 - 9
Castigo de Heliodoro — 3,24 -34 Expedição ao Galaad — 12,10 -16
Conversão de Heliodoro —3, 35 - 40 A batalha do Cárnion —12, 17 -26
Desmandos do superintendente Simão — 4,1-6 Retorno por Efron e Citópolis —12, 27 -31
Jasão, sumo sacerdote, introduz o helenismo — 4,7-20 Campanha contra Górgias — 12,32 -37
Antíoco Epifanes aclamado em Jerusalém — 4,21-22 O sacrifício pelos mortos — 12,38 - 45
Menelau torna-se sumo sacerdote — 4,23-29 Campanha de Antíoco V e de Lísias. Execução de Menelau
Assassínio de Onias — 4,30-38 — 13,1 -8
Lisímaco perece no decorrer de uma revolta — 4,39-42 Preces e vitória dos judeus perto de Modin — 13,9 - 17
Menelau é absolvido a peso de ouro — 4,43-50 Antíoco V faz acordo com os judeus —13, 18 - 26
Segunda campanha no Egito —5, 1-4
Agressão de Jasão e repressão de Epifanes — 5,5-14 VII. LUTAS CONTRA NICANOR, GENERAL DE
Pilhagem do Templo —5, 15 - 23 DEMÉTRIO I.
Intervenção do misarca Apolônio — 5, 24 -27 O dia de Nicanor
Instalação dos cultos pagãos — 6,1-11 Intervenção do sumo sacerdote Alcimo — 14,1 -14
171
Sentido providencial da perseguição — 6,12-17 Nicanor faz amizade com Judas — 14,15 - 25
O martírio de Eleazar —6, 18 -31 Alcimo reacende as hostilidades e Nicanor ameaça o Templo
O martírio dos sete irmãos —7, 1 -42 — 14,26 -36
V. VITÓRIA DO JUDAÍSMO. MORTE DO Morte de Razias —14, 37 - 46
PERSEGUIDOR E PURIFICAÇÃO DO TEMPLO Blasfêmias de Nicanor — 15,1 -5
Judas Macabeu na resistência — 8,1-7 Exortação e sonho de Judas — 15,6 -16
Campanha contra Nicanor e Górgias —8, 8 -29 Estado de ânimo dos combatentes — 15,17 - 24
Timóteo e Báquides são derrotados — 8,30 - 33 Derrota e morte de Nicanor — 15,25 -36
Epílogo do abreviador — 15,37 -39

O 2.° LIVRO DOS MACABEUS não é, como facilmente se poderia supor, a continuação do
primeiro, nem tem o mesmo autor. De comum entre os dois existe apenas o clima de perseguição à fé,
orquestrada igualmente pelos Selêucidas, embora narrada de um modo menos histórico e mais edificante.
Mas convém ter em conta o que se disse no início da Introdução a 1o Macabeus, quanto ao seu nome e à
sua classificação como livro bíblico.

AUTOR

O autor, que terá escrito no Egito, pretende edificar a fé dos judeus deste país, também
perseguidos por Ptolomeu. Com um estilo vivo e uma tendência para exagerar a caracterização das
personagens - pois quer apresentá-las como heróis na fé a um povo que está a sofrer por causa dela -
pretende mostrar que a perseguição é apenas um castigo justo e medicinal, merecido pelos pecados
cometidos, para convidar à conversão de vida e à fidelidade à aliança.

CONTEÚDO E DIVISÃO

Na sua forma atual, o livro poderá resumir-se no esquema seguinte:

cartas aos judeus do Egito (1,1-2,18)


prefácio do autor/abreviador (2,19-32)
corpo da obra:
3,1 -40 4,1 -5,27 6,1-7,42 8,1-10,8 10,9-13,26 14,1 -15,36

A conversão Antíoco Perseguição Vitórias de Governo de Alcimo e


de Heliodoro Epífanes religiosa: Judas e morte Antíoco V Nicanor
e a propaganda os mártires de Epífanes Eupátor
helenística
Epílogo do autor (15,37-39)

Introdução (1,1-2,32): primeira carta (1,1-9);


segunda carta (1,10-2,18);
prefácio do autor (2,19-32).
1- Causas da rebelião dos Macabeus (3,1-7,42):
preservação do templo (3);
Onias, pontífice (4);
matanças de Antíoco em Jerusalém (5);
a perseguição religiosa (6);
martírio dos sete irmãos (7).
2- Rebelião dos Macabeus (8,1-10,8):
primeiras vitórias dos Macabeus (8);
morte de Antíoco (9);
purificação do templo (10,1-8).
3- Campanhas militares de Judas Macabeu (10,9-15,36).
Novas vitórias do Macabeu sobre os povos vizinhos (10,9-12,45);
172
guerra e paz entre Antíoco Eupátor e Judas Macabeu (13);
Demétrio, rei da Síria, declara guerra ao Macabeu (14);
Nicanor, general dos sírios, é vencido por Judas Macabeu (15,1-36).
4- Epílogo (15,37-39): considerações do autor.

ESTRUTURA
2Mac começa com duas cartas (l,l-l0a; 1,10b-2,18), nas quais os judeus de Agito são convidados
a celebrarem a festa da dedicação do templo, e um breve prólogo (2,19-32). A narrativa que forma o
corpo do livro divide-se em duas partes, terminando ambas com a morte de um perseguidor dos judeus e a
instituição de uma festa.
 A primeira parte (3,1-10,8) abre com a descrição de uma salvação milagrosa do
templo (3) que deu ensejo à intrigas dos sumos sacerdotes Jasão e Menelau as quais levaram afinal a
pilhagem e profanação do templo por Antioco IV (4-7); em seguida narra-se a vitória do judaísmo contra
o helenismo (8,1-10,8).
 A segunda parte narra a luta de Judas contra os povos vizinhos (10,9-38), suas
vitórias sobre os generais de Antíoco V (11,1-13,26) e sua luta contra Demétrio I, terminando com a
vitória sobre Nicanor em 161 (14s).
VALOR RELIGIOSO
Deus é um Deus que está sempre perto, pronto para atender as orações de seus fiéis. lMac acentua
a importância da atividade pessoal do homem para alcançar a felicidade, sem negar, no entanto, a
necessidade da oração para assegurar a ajuda indispensável do céu; em 2Mac, pelo contrário, esse último
aspecto é o mais frisado. Também a vida do após-morte ocupa um lugar surpreendeste neste livro (7;
14,16); os mortos podem até interceder em favor dos vivos (15,11-16), os quais, por sua vez, podem pelas
suas orações ajudar os mortos (12,39-45).
Além dos livros canónicos lMac e 2Mac existem ainda dois livros apócrifos.
*3Mac narra como os judeus do Egito, ajuntados por Ptolemeu IV Filópator (221-203) no
hipódromo de Alexandria para serem pisados por elefantes embriagados, foram salvos de modo
miraculoso. Como nos livros canônicos 1-2Mac, trata-se, portanto, de uma perseguição de judeus; há
também certa semelhança entre a tentativa de Filôpator para entrar no santo dos santos do templo de
Jerusalém e a narrativa sobre Heliodoro em 2Mac 3. Visto que 3Mac já conhece os acréscimos
deuterocanônicos de Dn (cf. 3Mac 6,6 com Dn 3,[47]s.[50]), não pode ter sido escrito antes do fim do
século II aC. De outro lado, a insistência com que se fala sobre a inviolabilidade do templo de Jerusalém,
parece excluir uma data de composição posterior a 70 dC. Essa narrativa patética, cheia de exageros e
inverossimilhança psicológicas, pode ter um núcleo histórico (cf. Fl. Jos. c.Ap.2,5).
* 4Mac é uma obra didática, conhecida também sob o título mais exato: sobre o intelecto
soberano. Trata, na forma de um discurso, sabre o poder supremo do intelecto, dirigido pela piedade,
sobre as paixões. O autor ilustra a sua argumentação com fatos tirados de 2Mac (a intrepidez de Onias, o
martírio de Eleazar e dos sete irmãos anônimos). O livro foi escrito provavelmente pelo início da era
cristã por um autor desconhecido.
TEMAS ESPECÍFICOS

-A teologia da história. Para o autor de 2Mc, todos os eventos colaboram para realizar o plano de
Deus na história, mesmo as derrotas e perseguições dos judeus, que os ajudam a aperfeiçoar seu caminho
sem demora (6,12-17).
-A ressurreição e a vida eterna. Sobretudo os episódios dos sete irmãos mártires (2Mc 7), da
morte de Razis (14,46) e do sacrifício pelos falecidos (12,38-45) mostram com clareza a fé na
imortalidade e na ressurreição dos justos (cf: Dn 12,1-2). Na Sabedoria de Salomão, escrita pouco depois,
encontramos a mesma convicção. Embora a fé na ressurreição hoje, por muitos, seja considerada
alienante, 2Mc mostra que ela é um incentivo a dedicação total à causa nobre e justa. Talvez deva-se dizer
que foi a fé na ressurreição que sustentou a insurreição dos macabeus contra Antíoco Epífanes.

173
- O martírio. Este tema é em parte uma consequência do anterior: : a fé na ressurreição leva ao
dom da própria vida, pois está nas mãos de Deus. Dai o martírio pela causa religiosa ocupar um lugar de
destaque em 2Mc. As histórias de Eleazar (6,18-31) e dos sete irmãos (7,1-42) tornaram-se exemplares
na tradição judaica e serviram de modelo para as "paixões" dos mártires na tradição cristã.

MENSAGEM

Dado o objetivo da obra, a lei - como expressão da aliança - e o templo são os pontos de referência da fé,
a necessitar de revigoramento para não se deixar absorver pela pressão da nova cultura. Por isso, ao lado
daqueles que, por debilidade ou oportunismo sócio-político, renegam a fé, o autor coloca os que se
refugiam em Deus e vão para o campo de batalha, apoiados nas armas da oração, do jejum e da leitura da
Bíblia.
Neste quadro de fé no Deus da aliança, que protege os que morrem por ela em vez de a renegar,
surgem alguns ensinamentos desenvolvidos depois no cenário da revelação.
¨ É o caso dos anjos, como agentes de Deus para executar o seu projeto (2,21; 3,24-26; 10,29; 11,6-8; 15,23),
¨do valor da oração dos vivos para conseguir de Deus o perdão dos pecados dos defuntos (12,43-45),
¨ bem como do valor da intercessão dos "santos" que estão na outra vida, em favor dos que ainda
peregrinam na terra (15,12-16); e ainda
¨ a questão da ressurreição dos fiéis (7,9.14.23.28-29.36; 12,43-45; 14,46) e a retribuição depois da morte,
tanto para os fiéis como para os que fizeram mal ao povo, pois Deus dará a cada um segundo o que tiver
merecido.

174
Livros Sapienciais
175
O termo "Sabedoria" tem uma vasta gama de significados. Pode ser descrito como aplicação da
mente à aquisição de conhecimentos, a partir da experiência humana; habilidade prática no exercício
de uma atividade profissional ou para fugir a situações de perigo; prudência na linguagem e no
comportamento; discernimento em ajuizar aquilo que é bom ou mau para o ser humano; capacidade
para detectar as formas de sedução e de engano.
A sabedoria é, pois, um conhecimento baseado na experiência acumulada ao longo da vida e
enriquecida através de várias gerações, que se fixou gradualmente em máximas, sentenças e provérbios breves
e ritmados, recheados de imagens ou comparações.
O povo de Deus apercebeu-se da importância que a sabedoria tinha para a vida, pois não era possível
regulamentar todas as áreas da vida apenas pela lei de Moisés e pela palavra dos profetas. Havia, portanto,
espaços a preencher por opções e iniciativas pessoais. Daí ser preciso adquirir conhecimentos e capacidade
crítica para avaliar pessoas e coisas, situações e acontecimentos da vida.
Confrontando o conjunto da sabedoria de Israel com outros corpos literários do AT, não será difícil
verificar que os Livros Sapienciais formam um mundo à parte, caracterizado pela fé na sabedoria divina que
rege o universo e cada pessoa em particular.
No âmbito sapiencial, o centro de interesse e de atenção desloca-se do povo, enquanto tal, para o
indivíduo; da História, para a vida quotidiana; da situação peculiar de Israel, para a condição humana
universal; das vicissitudes históricas do povo da Aliança, para a existência no mundo enigmático da criação;
das intervenções prodigiosas de Deus, para as relações entre causa e efeito; da esfera da Lei e do culto, para o
mundo das opções livres e da iniciativa pessoal; da autoridade de Deus, para a esfera da experiência e da
tradição humana; dos oráculos dos profetas, proclamados como palavra de Deus, para o uso de todos os
recursos da razão e da prudência, em ordem à orientação da própria vida; da imposição da Lei, para a força
persuasiva do conselho e da exortação; do castigo, apresentado como sanção externa, para a consequência
negativa, resultante de uma escolha errada ou de um ato insensato.
A sabedoria divina, cósmica, é aquilo que em hebraico se chama "hokmah"; mas o seu conceito pode
também ser expresso por "sedaqah" = "justiça".
Ao contrário da palavra profética, a sabedoria exige o empenho de todas as capacidades e dons de que
o ser humano dispõe (Eclo 15,14-20; 17,1-14). Mais do que procedendo do alto, como a Lei, a Profecia e a
própria História, a sabedoria surge e cresce a partir de baixo, ou seja, da experiência humana.
Sábio é quem sabe adaptar-se a esse sistema cósmico, descobrir o seu mecanismo operativo e entrar na sua
essência. "Insensato", ou mesmo "ímpio", é quem não descortina as regras desse jogo ou não se interessa por
elas.

ORIGEM

A reflexão sapiencial deve ter acompanhado o ser humano desde os seus primórdios. Contudo,
certas épocas históricas privilegiaram a recolha de tradições e impeliram as novas formulações
sapienciais.
A origem do pensamento sapiencial em Israel é tradicionalmente relacionada com a figura de
Salomão (1Rs 3,4-15; 5,9-14), que se tornou protótipo de todos os Sábios. Ele organizou a sua corte em
conformidade com o modelo das cortes de outros países mais evoluídos, especialmente o Egito;
promoveu intensas relações políticas e comerciais com os povos vizinhos. Ora isso exigia uma preparação
adequada dos funcionários de Israel, tanto a nível central como local, em escolas apropriadas de caráter
sapiencial, também à semelhança do que já existia junto de outros povos. Foi Salomão que protagonizou
toda essa dinâmica em Israel. Por isso, não é de admirar o fato de lhe terem sido atribuídas obras do
gênero sapiencial muito recentes, que, efetivamente, nada têm a ver com ele. Era o costume antigo da
pseudo-epigrafia, que se verifica em muitos casos da Bíblia.
Nos tempos a seguir ao exílio da Babilônia procedeu-se à recolha e fixação do patrimônio
religioso e cultural de Israel. Da recolha, fixação e ordenamento de todo esse material viriam a surgir os
grandes blocos literários do AT, dentre as quais algumas coleções de provérbios. Era necessário preservar
a identidade religiosa e cultural de um pequeno povo e relançar a esperança num futuro bem melhor,
perante as ameaças de outras culturas dominantes, como a babilônica e, mais tarde, a grega.
A esse respeito, é emblemática a passagem de Ne 8,1-8, em que sacerdotes e levitas instruem o
povo sobre a lei de Deus. Os homens do culto tornam-se homens do livro. Os profetas estão já em vias de
176
desaparecimento. A palavra de Deus e a sua vontade passaram a ser procuradas no livro, nos textos
escritos. Por isso, os responsáveis têm que se dedicar ao estudo, à reflexão, à cultura e à escola. É neste
clima de exigência intelectual, onde também aparecem escribas leigos, que se desenvolve a reflexão
sapiencial, outrora apanágio do ambiente da corte e dos funcionários do Estado.
Na investigação e procura da sabedoria, Israel não foi totalmente original. Este pequeno povo
soube assimilar a sabedoria dos povos vizinhos, sobretudo o Egito e a Mesopotâmia, e adaptá-la segundo
a perspectiva da sua própria experiência religiosa.

OS LIVROS

Os livros resultantes da compilação dos antigos provérbios e das novas reflexões sapienciais recebem
o nome de SAPIENCIAIS porque ensinam a sabedoria como arte de viver.

Salmos
Provérbios
Eclesiastes (ou Qohélet)
Cântico dos Cânticos
Sabedoria
Eclesiástico (ou Ben Sira) constituem esse conjunto.

Os Salmos são um livro de características especiais, embora integrado neste conjunto.


Ao analisar o conjunto dos Livros Sapienciais do AT, verifica-se uma diferença formal, que acabará por
conduzir a uma particularização no próprio conteúdo. Trata-se da distinção entre a sabedoria proverbial e a
tratadística ou intelectual. A primeira exprime, em frases breves, verdades universais ou condicionadas por
determinadas situações. Geralmente são máximas compostas de um só versículo em duas partes ou dísticos
(existem, por vezes, unidades maiores) e encontram-se mais nos livros dos Provérbios, de Ben Sira e em parte
do Eclesiastes e da Sabedoria. O seu objetivo é oferecer observações sobre a vida concreta. Seguindo tais
instruções, o homem adapta-se à ordem social, que é o reflexo da ordem cósmica.
Esta forma de sabedoria não se ocupa das coisas últimas da existência humana, mas assume o pragmatismo e a
crítica face à sociedade em que se desenvolve.
A sociedade é considerada como um fato consumado que o sábio não pretende mudar, mas apenas
adaptar-se a ela, descobrindo as suas regras do jogo. É uma atitude que difere profundamente da posição
assumida pelos profetas da época anterior ao Exílio; mas não se trata de uma atitude alheia à fé.
Diferente é o conteúdo da sabedoria tratadística, que, por vezes, como em Jó, assume a forma de diálogo, ou a
de um monólogo-confissão, como no Eclesiastes. Ocupa-se essencialmente de problemas fundamentais da
existência humana. E a solução que ambos propõem - submeter-se aos planos de Deus - é tipicamente israelita,
mesmo se desligada de qualquer enquadramento histórico. Assim, vemos semelhanças entre Provérbios e Ben
Sira. Também Jó e Eclesiastes se assemelham no seu temperamento inconformista.
A Sabedoria, por seu lado, é uma espécie de enclave tardio, do âmbito cultural grego.
O mundo que o sábio procura conhecer é o mesmo que foi criado por Deus: um mundo que não é
fundamentalmente hostil, porque foi criado bom desde o princípio (Gn 1); um mundo que se submete a Deus e
do qual o próprio homem é constituído senhor (Gn 1,3-31). A principal preocupação dos Sábios é o destino
pessoal dos indivíduos. Daí a importância dada ao problema da retribuição.
Mas os Sábios, que tanto apelam à experiência, têm que enfrentar situações de contradição na própria
esfera da experiência. É o confronto dramático entre Jó e os seus amigos, com estes a defenderem a tese
tradicional de que a justiça ou sabedoria leva automaticamente à felicidade, ao passo que a injustiça conduz à
ruína. Perante o problema do justo infeliz, não há resposta que satisfaça a compreensão humana. Contudo, o
livro sugere que, apesar de tudo, é preciso aderir a Deus pela fé.
Também o livro do Eclesiastes, embora com uma perspectiva diferente de Jó, realça a insuficiência das
respostas tradicionais ao problema do justo infeliz, dentro da perspectiva terrena; mas não admite que a
felicidade possa ser exigida como algo devido necessariamente ao homem, pois não se pode pedir contas a
Deus.
Ben Sira assume plenamente a doutrina tradicional dos Provérbios e exalta a felicidade do sábio
(14,20-15,10); mas sente-se perturbado perante a idéia da morte e intui que, afinal, tudo depende dessa última
hora (11,26).
177
Foi o livro da Sabedoria, originário do ambiente cultural grego - onde a filosofia platônica
proporcionava a idéia da imortalidade espiritual, sem a necessária ligação com o elemento material - que veio
afirmar pela primeira vez e de um modo explícito: "Deus criou o homem para a imortalidade" (2,23). Um
novo caminho se abre à reflexão sapiencial sobre o destino do justo infeliz: depois da morte, a alma fiel gozará
de uma felicidade eterna junto de Deus, enquanto os ímpios receberão o devido castigo (3,1-12).
É sintomática a insistência dos sábios de Israel na idéia do temor de Deus, sobretudo no período mais
tardio: "O temor do Senhor é o princípio da sabedoria." (Pr 1,7) É que, sem o temor de Deus, qualquer tipo de
sabedoria perde o seu próprio fundamento e, por isso, a sua validade para uma reta condução da vida.

PERSONIFICAÇÃO DA SABEDORIA

Na fase do desenvolvimento sapiencial anterior ao Exílio, a sabedoria parece limitar-se ao âmbito


da experiência histórica e religiosa de Israel.
Mas, depois do Exílio verifica-se uma evolução substancial: a partir daí, a sabedoria tende a ser
considerada como uma realidade autônoma, distinta de Deus e do homem. Quer dizer: começa a surgir
um processo da personificação da sabedoria.
Para além de uma sabedoria proverbial, que regula com sucesso a vida do homem, os sábios
começam a desvendar e a admirar uma sabedoria observável a partir da ordem, harmonia e movimento do
Universo. É o que o livro do Gênesis no capítulo 1 apresenta em linguagem catequética, e os Salmos 8,19
e 104 apresentam em forma de oração.
O próprio livro do Deuteronômio fala de "leis tão sábias" dadas a Israel que provocam a
admiração dos outros povos vizinhos (Dt 4,5-8). Ben Sira chega mesmo a identificar a sabedoria com a lei
do Altíssimo (24,22-23) e diz que a sabedoria estabelece a sua morada em Israel sob a forma de lei (24,8).
Também o livro dos Provérbios fala da sabedoria presidindo à obra da criação (Pr 8,25-36). Trata-se
sempre da mesma sabedoria que leva o homem ao encontro com o universo de Deus e ao encontro com o
Deus do Universo.
A apresentação da sabedoria como um ser distinto de Deus e do homem, que age por si - ou seja,
como uma pessoa - mais do que qualquer outra coisa ou aspectos, quer sobretudo realçar a preciosidade e
autenticidade dessa mesma sabedoria. Temos aqui algo que ultrapassará os limites da simples
personificação literária, mas que ainda não chega verdadeiramente ao conceito de "hipóstasis", guardando
o seu mistério, que o Novo Testamento virá, em parte, desvendar.
No prólogo dos Provérbios, vemos a sabedoria a convidar para a sua mesa (9,1-6); a ameaçar
quem a rejeita, porque a vida ou a morte do homem depende da sua capacidade de acolher ou de rejeitar a
sabedoria (Pr 8,25-36). Ela pertence à esfera de Deus: só Ele a possui verdadeiramente e pode enviá-la
como companheira e amiga do homem. É por isso que Ben Sira e o autor do livro da Sabedoria se dirigem
a Deus em atitude de oração, pedindo o dom da sabedoria (Sb 8,21; Sir 39,5-6).

LEITURA CRISTÃ

Por meio dos sábios, e num ambiente de mentalidade sapiencial, Israel faz uma leitura do seu passado
histórico, perscrutando a sabedoria de Deus em ação na vida das grandes personagens do passado (Sir 44-
50), conduzindo o povo no período mais significativo da sua História: o Êxodo (Sb 10-12; 16-19).
Em síntese, mediante a aplicação da inteligência e da reflexão, a sabedoria acaba por constituir a
mentalidade dominante no Judaísmo do pós-exílio, recuperando e atualizando, tanto o patrimônio peculiar
de Israel enquanto povo da aliança, como a sua experiência humana mais vasta, comum a outros povos da
região do Médio Oriente.
Esta teologia sobre a sabedoria prepara já o ambiente para o NT, onde Jesus aparece como aquele
que é "mais sábio do que Salomão" (Mt 12,42), a "sabedoria de Deus" (1Cor 1,24.30), o único meio de
salvação para todos (Jo 14,6), porque Ele é a sabedoria incriada que encarnou no seio da humanidade.
*************************************************

178

NOME E DATA

A personagem central desta história é que parece não ser uma figura hebraica. O nome de Jó só
aparece neste livro, em Ez 14,14.20 e Tg 5,11, como uma figura lendária do passado, situado nos tempos
patriarcais e dotado de grande sabedoria. O autor israelita aproveitou tal figura para elaborar esta obra, do
gênero sapiencial. Isto denota apreço pela sabedoria universal ou a vontade de reconhecer todos os
valores, onde quer que eles se encontrem.

A data do livro é outra difícil questão. Grande parte dos estudiosos situa-o após o Exílio,
baseando-se quer na dúvida corajosa face às categorias do pensamento religioso tradicional, quer em
certas influências aramaicas sobre o hebraico em que o livro está escrito, quer numa certa abertura ao
mundo exterior a Israel, para contrariar o ambiente xenófobo que se vivia em Jerusalém, depois do Exílio
(séc. V aC.), testemunhado em Esdras e Neemias. Mas há quem pense que o livro poderia ser bastante
mais antigo. Argumentos: alguns aspectos linguísticos e o tema, que já tinha raízes em realizações muito
anteriores nas literaturas do Médio Oriente Antigo.
I. PRÓLOGO 4. ELOGIO DA SABEDORIA
Satanás põe Jó à prova - 1,1-2,13 A sabedoria é inacessível ao homem 28,1-28
5. CONCLUSÃO DO DIÁLOGO
II. DIÁLOGO Queixas e apologia de Jó:
I. PRIMEIRO CICLO DE DISCURSOS A. Os tempos antigos — 29,1-20
Jó amaldiçoa o dia do nascimento — 3,1-26 B. A tribulação presente— 30,1-31
Confiança em Deus — 4 -5,27 Apologia de Jô —31,1 - 40b
Só o homem abatido conhece sua miséria — 6-7,21
O curso necessário da justiça divina —8, 1-22 III. DISCURSOS DE ELIÚ
A justiça divina domina o direito — 9-10,22 Intervenção de Eliú — 32,1-22
A sabedoria de Deus desafia a Jó — 11,1-20 A presunção de Jó— 33, 1-33
A sabedoria de Deus manifesta-se principalmente por seu O fracasso dos três sábios na tentativa de desculpar a Deus 34,1-37
poder destruidor — 12- 14,22 Deus não fica indiferente aos afazeres humanos — 35,1-16
2. SEGUNDO CICLO DE DISCURSOS O sentido verdadeiro dos sofrimentos de Jó — 36,1-21
Jó condena-se por sua linguagem — 15,1-35 Hino à sabedoria onipotente —*36-37, 1-24
Da injustiça dos homens à justiça de Deus —16-17,16
A ira não prevalecerá sobre o princípio da justiça — 18,1-21 IV. OS DISCURSOS DE IAHWEH
O triunfo da fé no abandono de Deus e dos homens - 19,1-29 PRIMEIRO DISCURSO
A ordem da justiça não tem exceção —20, 1-29 A sabedoria criadora confunde Jó — *38-40, 1-5
O desmentido dos fatos — 21,1-34 SEGUNDO DISCURSO
3. TERCEIRO CICLO DE DISCURSOS O domínio de Deus sobre as forças do mal — 38,6-14
Deus castiga unicamente em nome da justiça — 22,1-30 Beemot —38,15-24
Deus está longe, e o mal triunfa — 23-24,25 Leviatã —38,25 -41,26
Hino à onipotência de Deus —25-26ª, 5a- 14 Última resposta de Jó — 42,1-6
Baldad fala a esmo — 26,1-4
Por ser inocente, Jó conhece o poder de Deus — 27,1-12 V. EPÍLOGO
Discurso de Sofar: o maldito —27, 13-24 Iahweh repreende os três sábios —42, 7 - 9
Iahweh restaura a felicidade de Jó — 42,10 -17

LIVRO, TEMA E TEXTO

179
O livro de JÓ constitui, no contexto da Bíblia, um dado bem característico e original. Em
primeiro lugar, porque enfrenta a questão da experiência religiosa pessoal como um objeto de reflexão e
porque o faz com uma profundidade humana e um dramatismo dignos do melhor humanismo e da mais
requintada arte literária; em segundo lugar, porque nem representa muito diretamente a linguagem
teológica mais característica do Antigo Testamento.

O fato é que este livro se impôs como um dos mais elevados momentos literários da Bíblia; e, para
a História da teologia, da filosofia e da cultura, até aos dias de hoje, ficou a ser um verdadeiro marco
miliário da tomada de consciência dos dramas da experiência humana.

A importância que este livro assumiu na Bíblia e nas religiões bíblicas - Judaísmo e Cristianismo -
veio-lhe também, em grande parte, do fato de nele se exprimir um dos temas máximos da cultura e da
literatura humanistas do Médio Oriente Antigo. É a questão do sofrimento e das suas repercussões, quer
diretamente na experiência de quem sofre, quer indiretamente na interação que se produz entre as
concepções morais e outras categorias religiosas fundamentais, tais como sofrimento e doença, pecado e
castigo, santidade e felicidade. Enfim, é o problema de saber se existe alguma correlação justa ou lógica
entre a maneira honesta como se vive e a maneira como a vida nos corre. Nos tempos bíblicos mais
antigos, o Egito, a Mesopotâmia e Canaã deixaram-nos exímios exemplos literários deste esforço de
reflexão. É entre eles que o livro de JÓ encontra a sua base e se destaca como valor de primeira grandeza.

A maior parte do livro está escrita num hebraico de grande qualidade literária, que levanta, pelo seu estilo
e vocabulário originais, algumas dificuldades de tradução. É natural que os simples leitores de uma Bíblia
o notem ao comparar várias traduções e verificar como estas assinalam dificuldades de tradução de vários
termos e passagens. Muito se tem estudado sobre ele e muito há ainda a estudar até se poder atingir a
melhor compreensão, tanto do vocabulário como das subtilezas de construção sintática.

GÉNERO LITERÁRIO, ESTRUTURA E FORMAÇÃO

Do ponto de vista literário, o livro de JÓ apresenta-se dividido em duas seções principais, que se
notam bem pela forma, pelo estilo e pelas idéias. A seção inicial e a final, ambas escritas em prosa,
apresentam-nos a personagem central do livro, a figura de Jó. É o que, no esquema proposto mais adiante,
se chama prólogo e epílogo biográficos. No prólogo, Jó aparece bem situado numa vida honesta e
simultaneamente feliz; mas, depois, passa por experiências de desgraça que levantam a questão de saber
se ele era, de fato, ou se continuou ou não a ser honesto; no epílogo, a sua situação aparece, por fim,
inteiramente restaurada.

Esta evolução na ação dá importância à segunda seção do livro, que constitui a sua maior parte.
Toda ela é uma discussão acesa sobre os problemas suscitados pelo aparecimento do sofrimento e de
grandes desgraças na vida de um homem que não tinha culpa nem pecado. Esta parte em poesia é o
essencial do livro, embora assente na situação de vida descrita pelo texto em prosa. O modelo literário é
inspirado possivelmente nas discussões que se faziam nos ambientes culturais da época. Cada amigo
apresenta um tipo de argumentação, e a discussão decorre, sem que Jó, apesar do seu estado de
sofrimento, se mostre desfalecido. Até para esclarecer as relações com Deus é utilizado o mesmo
esquema. Numa intervenção final, Deus responde a todas as discussões anteriores. O livro apresenta-se,
assim, como um autêntico tribunal de consciência, para o qual o próprio Deus é citado e onde toma
assento.

Muitos estudiosos pensam que estas duas seções podem não ser da mesma época nem ter sido escritas
pelo mesmo autor. A primeira é mais popular; a segunda é claramente mais complexa e profunda. Além
disso, a parte designada como "Discurso de Eliú" (32-37) apresenta claros indícios de ter sido
acrescentada posteriormente, quanto mais não seja porque ele não aparece na lista dos amigos que,
segundo a narrativa inicial, foram ter com Jó para o consolar. Estes aspectos da formação e da estrutura
do livro são indícios de que a sua redação pode ter tido uma história razoavelmente complexa.
Estrutura.
180
(A) O quadro que forma o prólogo (1-2) e o epílogo (42,7-17) dos diálogos compõe-se de 8 ou 9 cenas:
1,1-5 descrevem a piedade e felicidade de JÓ;
1,6-12 uma audiência celeste;
1,13-22 a primeira provação de JÓ;
2,1-6 outra audiência de Javé;
2,7-10 a segunda provação;
2,11-13 a visita dos amigos (Elifaz, Baldad e Sofar);
em 42,7-9 Javé condena os amigos de JÓ por causa do que falaram sobre Deus;
em 42,10-17 Deus dá a JÓ uma felicidade ainda maior do que antes. Essa última cena menciona uma
visita dos parentes de JÓ (42,11) que, depois da atitude hostil de sua mulher (2,9) e de seus amigos, forma
o início de sua reabilitação social.

(B) O diálogo, introduzido pela visita dos três amigos, desenrola-se em três séries.

(1) 3-11. O próprio JÓ abre a discussão com uma queixa amarga sobre a sua sorte (3) dando
ensejo à animadversão de Elifaz: nenhum mortal é puro diante de Deus; em vez de se queixar, JÓ faria
melhor em dirigir-se a Deus (4s). Jó insiste que a sua queixa se justifica; seu sofrimento e insuportável;
que Deus lhe dê logo o golpe de graça (6s). Agora Jó responsabiliza Deus pelo seu sofrimento: Ele castiga
o homem sem levar em conta a sua inocência (9s). Sofar critica com veemência a linguagem ousada de
Jó; seu sofrimento supõe culpa; converta-se, e há de melhorar (11).

(2) 12-20. Jó distancia-se de seus amigos e dirige se a Deus, declarando que não mereceu o
sofrimento (12-14). Responde-lhe Elifaz que Jó tornou-se inimigo de Deus (15). À face da morte, Jó
dirige o seu olhar para Deus, a fim de que Esse o declare justo (16s). Depois de um protesto violento de
Baldad contra a atitude de Jó (18), esse suplica seus amigos tenham compaixão, porque a mão de Deus o
feriu. Contudo, continua a esperar de Deus a defesa de sua inocência e censura as palavras irrefletidas dos
amigos (19; o sentido de vv 25-27, em que Jerônimo e muitos outros autores eclesiásticos viram a fé de
JÓ na ressurreição, é muito discutido). Assim mesmo, Sofar sustenta o ponto de vista de seus colegas
(20).

(3) 21-27. JÓ abre o terceiro ciclo com uma rejeição aberta da doutrina tradicional da retribuição:
piedade e prosperidade, injustiça e sofrimentos não são correlativos (21). Elifaz, então, o acusa de ser um
malfeitor, sendo por isso castigado (22). Jó continua a defender a sua inocência (23s). A resposta de
Baldad é breve e parece fragmentária (25). Em 26s Jó toma ainda duas vezes a palavra; de Sofar nada
mais é mencionado, a não ser que se lhe queira atribuir 27,13-23.

(C) O hino à sabedoria em 28 forma uma composição à parte.

(D) Depois de recordar a felicidade anterior (29) e depois de uma queixa sobre o seu sofrimento (30), Jó
declara solenemente a sua inocência e desafia Deus para levantar alguma acusação contra ele (31).

(E) Depois desse desafio esperar-se-ia a intervenção de Deus. Inesperadamente, porém, aparece um
desconhecido, Eliú, que censura tanto Jó como os seus amigos e traz um novo elemento ao debate: Deus
deixa o justo sofrer ( sofrimento), para purificá-lo e educá-lo (32-37).

(F) Javé aceita o desafio de Jó e aparece "na tempestade". Os amigos de Jó são condenados, mas a ele
mesmo também não é dada razão. Deus lembra a Jó as maravilhas da criação que superam o saber e o
poder humanos e são uma prova de seu poder e sua sabedoria infinitos. Se Jó quer criticar a Deus, que
governe então o mundo em seu lugar. Acabe com as desordens, aniquile os ímpios, e o próprio Deus o há
de elogiar. Se não é capaz, compete-lhe uma atitude mais modesta (38,1-40,14). A descrição do
hipopótamo e do crocodilo acentua ainda a impotência do homem (40,15-41,26). A Jó nada resta a fazer
senão "pôr a mão na boca" e submeter-se (40,3-5; 42,1-6).

181
DIVISÃO E CONTEÚDO

Propomos o esquema seguinte:

(Moldura narrativa)
I. A história de Jó: como começou (1,1-2,13)
Retrato de Jó - Primeira série de provações - Segunda série de provações - Chegada dos três amigos
(Corpo dramático)
II. Queixa de Jó na presença dos três amigos (3,1-31,40)
* Monólogo inicial de Jó (3,1-26)
* Três ciclos de debates (4,1-27,23)
1° cicio (4,1-14,22) 2° ciclo (15,1-21,34) 3° ciclo (22,1-27,23)
discursos de Elifaz, Baldad e Sofar discursos de Elifaz, Baldad e Sofar discursos de Elifaz, Baldad
e respectivas respostas de Jó e respectivas respostas de Jó (falta o de Sofar) e respostas de Jó
* Digressão sobre a sabedoria (28,1-28)
* Monólogo final de Jó (29,1-31,30)
III. Intervenção de Eliú (32,1-37,24)
* Quatro discursos de Eliú, sem resposta de Jó
I. Resposta de Deus e reação de Jó (38,1-42,6)

* Primeiro desafio de Deus (38,1-39,30) * Segundo desafio de Deus (40,6-41,26)


* interpelação de Deus e resposta de Jó (40,1 -5) * Arrependimento de Jó (42,1-6)

(Moldura narrativa)
V. A história de Jó: final feliz (42,7- 1 -17)

As partes I e V constituem a moldura narrativa: narram a história folclórica do homem que perdeu
suas riquezas, mas continuou respeitoso para com Deus e no fim recobrou em dobro o que perdeu. É a
história da “paciência de Jó ".
As partes centrais ( II, III e IV) são compostas de diálogos dramáticos. Põem em cena um
processo contra Deus, porque este não recompensou a piedade e justiça que marcaram a vida de Jó.
Nesses diálogos o assunto é a "impaciência de Jó".
* Depois de um discurso inicial de Jó, em que ele denuncia a desgraça de seu viver; seguem-se
três ciclos de debates com os três "amigos", Elifaz, Baldad e Sofar. Em cada ciclo, os três tomam
alternativamente a palavra, recebendo cada qual uma resposta de Jó. Só no terceiro ciclo falta a
intervenção de Sofar, cujo pensamento parece integrada na resposta geral de Jó a Baldad (cap. 27). Em
compensação um redator ulterior acrescentou o poema sobre a sabedoria no cap. 28, para acentuar que
Deus é incompreensível. Mas nos caps. 29-31, Jó conclui o debate retomando as agudas criticas a Deus e
aos "amigos" (que pouco consolo lhe deram). O debate dos três amigos é dominado pela teologia da
retribuição: Deus retribui aos justos o bem, aos maus a maldade - e isso, nesta vida, pois sobrevida ou
ressurreição ainda não fazem parte da consciência religiosa de Israel. Pela lógica da retribuição só há duas
explicações para o sofrimento de Jó: ou Jó está sendo castigado por ser culpado; ou Jó é justo, e então o
sofrimento é passageiro e Jó será recompensado. As respostas de Jó, porém, desmancham essas
alternativas: Deus é incompreensível, transcendente, a ponto de parecer absurdo e não ser possível pedir-
lhe satisfação.
*Pela introdução de um novo personagem, Eliú, a parte IV acrescenta com muita habilidade novos
acentos ao debate - uma nova teologia, por assim dizer: o sofrimento pode ser uma pedagogia de Deus.
Além disso, no fim de seus arrazoados, Eliu sugere que o ser humano pode ter um intercessor junto de
Deus, diminuindo assim a insuperável transcendência que se expressou nas respostas de Jó.
*Depois dos debates, intervém Deus mesmo, julgando insensato o palavrório de Jó, porque o
homem é pequeno demais para compreender o que Deus faz, mesmo que lhe admire as obras

182
maravilhosas - e incompreensíveis. .. Por duas vezes, Deus, "do meio da tempestade" (38,1; 40,6), fala a
Jó para desafiar sua inteligência. Da primeira vez, o acento cai nas obras de Deus na natureza; da
segunda vez sobressai a descrição bastante humorística dois animais mitológicos, Beemot e Levíatã,
representados com nítidos traços egípcios. A reação de Jó é duas vezes a mesma. retira sua palavras
insensatos. Mas da segunda vez diz algo a mais: "vejo-te com meus próprios olhos " (42,5): Jó teve a
experiência de Deus, e isso lhe basta. Sofrendo ou não, ele sabe agora que Deus está com ele - bem mais
perto dele do que daqueles teólogos que nada entenderam e acabaram sendo censurados por Deus.
A parte V retoma a história folclórica, em que o justo é duplamente recompensado por sua
fidelidade e paciência. Mas depois daquilo que Jó aprendeu sobre a grandeza de Deus e seu mistério, isso
já não importante. ..

TEOLOGIA

O livro de JÓ é essencialmente uma obra de reflexão e meditação; é mesmo um espaço para


levantar questões ainda hoje dramáticas. Chamar teologia ao seu pensamento pode até fazer crer que ali se
apresenta uma catequese ortodoxa e tranquila. E não é o caso. No entanto, podemos servir-nos da palavra
teologia, enquanto aqui é focado um conjunto de problemas, cuja solução acaba por ir desembocar, em
última análise, na concepção que se tem sobre Deus.

Por um lado, em JÓ rejeita-se um sistema de pensamento religioso: as posições moralistas e


tradicionais da equivalência entre o sofrimento de uma pessoa e algum pecado por ela cometido. É o
pensamento maioritariamente defendido pelos amigos de Jó, com alguns matizes de diferença entre cada
um deles. Por outro lado, o pensamento religioso do livro parece aproximar-se da nova consciência de Jó,
de onde emergem verdades já bastante evidentes para ele, mas que o deixam ainda muito inseguro e
mesmo escandalizado. Mas nem todas as suas idéias são confirmadas, após a contemplação da sabedoria
(28), o discurso de Eliú (32-37) e a intervenção final de Deus. Se as teses da religiosidade tradicional e
popular sofrem uma forte contestação, também as novas sensações iniciais de Jó chegam ao fim algo
esbatidas. JÓ empreende uma reflexão amadurecida e profunda.

Em suma, neste livro recusa-se que a causalidade de todo o sofrimento deva ser atribuída, seja ao
homem, seja a Deus. A ética e o ciclo da vida com os seus percursos naturais de sofrimento e morte são
dois processos coexistentes, mas autônomos. Pretender misturá-los é simplista e inútil.

A justiça e a ação de Deus não se podem medir com as regras de equivalência que são normais em
justiça distributiva. Eis um dos mais marcantes contributos do livro de JÓ para esta importante questão do
humanismo e da experiência religiosa.

A sua atitude básica perante o sofrimento não é de moral legalista, nem é pietista, nem
expiacionista. É uma atitude de corajoso acolhimento do real; é contemplativa e verificadora; é um
caminho de sabedoria. É, por conseguinte, um espaço de transformação de si mesmo e dos fatos. É ainda
acolhimento do Deus invisível nas experiências humanas de paraíso e de deserto (19,25-26; 1Cor 13,12).

TEMAS ESPECÍFICOS

O problema central do livro não em primeiro lugar um problema de teodicéia i. é, de como


conciliar o sofrimento não merecido com a justiça de Deus, mas de moral prática, i. é, de como integrar o
sofrimento na existência humana. Quanto a isso, os amigos de Jó representam a concepção mais antiga
tradicional: todo sofrimento é castigo pelo pecado; que Jó examine a sua consciência, se converta e faça
penitência. Jó, porém, na base de sua própria experiência, protesta com veemência contra a atitude fria e o
julgamento categórico de seus amigos. Certo de si mesmo, ele testemunha a sua inocência, ousa desafiar a
Deus para provar o contrário e, apesar de certos momentos em que receia o contrário conta com uma
183
reabilitação pública da parte de Deus. E é o que acontece. Com isso o livro rompe o impasse a que
chegara a doutrina veterotestamentária da retribuição. A vida não se deixa dividir direitinho em seções,
nas quais a felicidade e a piedade, calamidades e impiedade andem sempre juntas; para a razão humana a
vida é muitas vezes caótica ou mesmo absurda. O autor, porém, crê na imperscrutável sabedoria de Deus
e, profundamente consciente de sua própria pequenez, entrega-se a Ele

- Os nomes de Deus e a transcendência dele. Nas partes centrais, Deus é chamado com um termo
que só raras vezes se encontra no resto da Bíblia: Shadday, o "Poderoso”. Não se conhece a origem nem
o significado exato deste nome, mas no contexto ele acentua a transcendência de Deus: Deus está acima
de nosso pensar e agir, como o céu acima da terra. A Deus não se pedem contas. ("moldura narrativa ",
caps. 1-2 e 42, Deus. é chamado o SENHOR-YHWH, “Javé” -, como de costume na Bíblia)

- A legitimidade da busca de compreender. A transcendência de Deus não impede a busca de


compreender, ainda que essa busca só leve a acentuar ainda mais essa transcendência. Nesse sentido, o
questionamento de Jó é uma espécie de “desmitologização", afasta o modo mitológico de imaginar Deus.
As imagens de um Deus feito à nossa imagem e semelhança (Deus cobrador) caem no chão (cf. Os 11,9:
"sou Deus, não um ser humano").

- Os juízos injustos provocados pelo pensamento da retribuição. O pensamento da retribuição


(Deus retribui o bem e o mal, ao modo das nossas contabilidades) pode provocar juízos muito injustos: da
miséria da pessoa se deduz sua culpabilidade. É o raciocínio dos que dizem que os pobres são culpados de
sua pobreza. Conforme a mesma lógica dever-se-ia dizer que os ricaços são exemplos de virtude...

- A nobreza ética em Jó. Ao contrário desses juízes injustos, a autodefesa de Jó, revela no
sofredor grande nobreza. O autor põe em cena um homem que sequer tem um caco para coçar suas
feridas, mas que apresenta um currículo ético invejável (pai dos pobres, etc.). O autor não faz isso para
mostrar que aquele que o mundo despreza pode ser uma pessoa de virtude sem igual.

- A gratuidade de Jó e de Deus. Na moldura narrativa, Satã quer por Jó à prova para ver se sua
justiça e piedade é "sem motivo” (= gratuita, não interesseira); e Deus entra no jogo provando-o “sem
motivo " (= sem a intenção de lhe retribuir algum mal). Isso nos ensina que o ser humano não precisa de
favores de Deus para ser justo e respeitoso para com Deus. Basta que Deus seja Deus. Deus não tem fins
utilitários. É o que no antigo catecismo se chamava o "amor perfeito " a Deus: amar a Deus por ele
mesmo, mas no caso de Jó talvez se diga melhor: o "temor perfeito".

- O uso de temas mitológicos. Embora “desmitologizador”, o livro de Jó não tem medo de usar
imagens que não são propriamente científicas. Usa imagens mitológicas exatamente porque sabe que são
apenas imagens. Assim, fala da natureza e da criação em termos que nada tem a ver com a história natural
que se ensina em nossas escolas (Deus fixa os astros no firmamento, instala o mundo nas suas colunas de
sustento etc.) e introduz seres mitológicos quase que para divertir o leitor (o Beemot e o Leviatã, nos
caps. 40 e 41). De modo semelhante, atribui à iniciativa de Satanás a provação gratuita que Deus manda
sobre Jó. Satanás é um "advogado do diabo", fazendo parte da corte dos "filhos de Deus", os anjos
("filho" sentido semítico, genérico). O livro fala também de um misterioso intermediário,ou intercessor,
uma espécie de anti-satanás. São "figuras": não importa que existam fisicamente tais quais, mas sim, que
aconteça que eles representam. Para nós, a intercessão ou mediação definitiva entre o homem e Deus é
realizada não por um ser supraterrestre, mas por um homem de sangue e carne, Jesus de Nazaré, numa
maneira que lembra a existência de Jó, o justo sofredor.

184
185
Notas da Bíblia da mulher
186
1,1 A localização de Uz é incerta (veja Introdução: Contexto). Apesar de ficar próxima a um deserto,
Uz era uma área bastante fértil para permitir que ló prosperasse consideravelmente por meio da
agricultura e de rebanhos.
Não se sabe o significado do nome "Jó". Diferentemente de outros patriarcas, Jó não é apresentado
com uma genealogia. Assim, a história de Jó é de interesse universal. Ele representa todos os justos que
sofrem. Há outras referências bíblicas a Jó (Ez 14,20; Tg 5,11).
Jó é "integro" (lit. "sem mácula moral", "que tem integridade") e "reto" (lit. "justo", "direto")
quanto a seu modo de vida. Ele não afirma ser impecavelmente perfeito e admite seus pecados Os 13,26;
14,16). Ele é, sim, caracterizado por uma motivação pura e pela integridade de caráter. Apesar de os
amigos de Jó dizerem o contrário sobre ele, Deus usou aquelas mesmas palavras para descrever Jó (Jó 1,8;
2,3), sendo, também, esses os pontos da vida de Jó atingidos pela tentação de Satanás (veja Jó 1,8; 2,9,
notas).

1,2-3 Prosperidade e paz eram vistas como sinais do favor de Deus, enquanto pobreza e calamidade
significavam o castigo de Deus ( veja Introdução: Temas). Essa tradição tem suas origens na promessa de
Deus de abençoar a obediência e de amaldiçoar a desobediência.
Mesmo que Deus, com freqüência, faça as pessoas prosperarem, a obediência não produz,
necessariamente, uma vida próspera. Por outro lado, nem sempre a calamidade indica perversidade. O
Livro de Jó, com sua ênfase na soberania e sabedoria de Deus, refuta a idéia limitada e tradicional da
retribuição.

1,5 Blasfemar contra Deus ou amaldiçoá-lo era uma questão de tamanha seriedade que as pessoas
relutavam até em proferir essa frase. No texto hebraico, a palavra "blasfemado" é, literalmente,
"abençoar", apesar de a frase ser, obviamente, um eufemismo para "blasfemar" ou "amaldiçoar" (veja Jó
1,1; 2,5-9). "Amaldiçoar a Deus" era o pecado em questão no Livro de Jó. Satanás previu esse pecado (Jó
1,1; 2,5); a esposa de Jó sugeriu-o (Jó 2,9), mas Jó nunca o cometeu (Jó 1,22; 2,10).

1,6 A opinião de Deus acerca de Jó é apresentada nesta parte do prólogo como referência para comparar
todas as outras opiniões (Jó 1,6-2,8). A expressão "filhos de Deus" refere-se a seres angelicais a serviço de
Deus. Esses seres foram criados e, assim, são limitados; de modo algum são iguais a Deus. Aqui, são
mostrados reunidos ao redor do trono de Deus para relatar atividades e receber outras ordens.

1,8 "Meu servo" é um título de honra reservado àqueles que têm um compromisso singular com o
Senhor (Abraão, Sl 105,6.42; Jacó ou Israel, Is 41,8; Moisés, Êx 14,31; Josué, Is 24,29; Davi, 2Sm 7,5.8;
(saías, Is 20,3 e os profetas, 2Rs 9,7). No NT, o Senhor usou esse título para elogiar aqueles que haviam
feito o que era certo (Mt 25,21). O próprio Deus descreveu Jó para Satanás (veja v. 1, nota; Jó 2,3).

1,9-10 A acusação de Satanás de que Jó era fiel a Deus apenas porque Deus o havia abençoado atacava
não apenas os motivos que levavam Jó a adorar a Deus, como também os métodos de Deus tratar com seu
povo. Satanás argumentou que Deus havia colocado ao redor de Jó e de suas posses uma "sebe" de
proteção que ninguém podia penetrar sem a permissão do Senhor. Ele sugeriu que era só isso que
mantinha Jó fiel a Deus (veja também Jó 3,23, nota).

1,20 Jó rapou a cabeça. No antigo Oriente Próximo, o costume de cortar o cabelo era um símbolo de
desamparo, destruição e desgraça inapropriado para o povo de Deus. Jó rapou sua cabeça como um ato
deliberado, para mostrar como se encontrava devastado (veja Introdução: Data). Jó expressou sua
tristeza mais profunda sem um traço qualquer de ressentimento ou de rebel dia. Ele adorou a Deus com a
única coisa que lhe restava — um coração humilde, dependente e devoto (veja Dt 12, Adoração; Rm 10,
Acesso a Deus).

187
1,21 Jó não encarava suas posses como algo que ele merecesse, mas sim como dádivas de Deus
para sua vida. Como poderia ressentir-se com a mão que removia essas bênçãos, se foi ela mesma que as
havia concedido? Em momento algum ló amaldiçoou nem culpou os sabeus, o fogo, os caldeus, o vento
ou seus servos. Ele jamais vacilou sobre quem lhe concedera suas bênçãos nem sobre quem tinha poder
para dar ou para tirar a vida. O uso que Jó faz do nome pessoal de Deus (heb Javé, SENHOR) é repetido
três vezes neste versículo como uma confissão da dependência de Jó a Deus.

1,22 Jó não pecou. O sofrimento dá a uma pessoa muitas oportunidades de pecar, quando ela
procura aliviá-lo ou colocar culpa sobre algo ou alguém (veja artigo A vida equilibrada: conciliando fé
pessoal e vida prática). A aceitação de Jó de seu sofrimento vai além daquela de Eli (lSm 3,11-18) ou de
Davi (2Sm 16,11). Eles sofreram justamente, enquanto Jó sofreu injusta mente. Sua fé, motivo de seu
sofrimento, foi seu único console (Jó 1,20-22).

2,7 Os sintomas das aflições físicas de Jó são descritos como tumores malignos, pele queimada
e caída, febre e calafrios (Jó 30,30), coceira insuportável, membros inchados, úlceras que faziam surgir
vermes (Jó 7,5), mau hálito (Jó 19,17), tosse, ossos si corroendo, diarréia, sentimentos de pânico (Jó 21,6),
depressão pesadelos terríveis que causavam insônia.

2,9 A esposa de Jó já foi chamada de "ajudadora do diabo". Outros sugeriram que uma das
tribulações de Jó foi o fato de a vida de sua esposa ter sido poupada. A literatura rabínica trata-a mais
compassivamente. Por outro lado, quando tristeza e amor se entrelaçam, o raciocínio de qualquer mulher
pode ser afetado. Jó tratou sua esposa com sensibilidade e respondeu educadamente ao seu conselho
amargurado. Ele manteve sua responsabilidade de liderança espiritual ao responder à fé imatura de sua
esposa que estava disposta a aceitar o bem mas não o mal das mãos de Deus.

2,11 Elifaz (lit. "Deus é ouro" ou "Deus é vitorioso") era de Temã, uma cidade conhecida por sua
sabedoria (Jr 49.7). Bildade (lit. "filho de Hadade" ou "Baal é Senhor") era de Suá, possivelmente mais
para o sul, próximo ao rio Eufrates (veja também Gn 25.2,6). Zofar (lit. "pequeno pássaro") era de Naa-
mate, na região noroeste da Arábia. Não há, porém, qualquer consenso sobre o significado desses nomes
ou sobre onde ficavam os lugares mencionados.

2,13 Ninguém falou. De acordo com o Talmude, os consoladores deviam permanecer em


silêncio até que o pranteador se dirigisse a eles. Os amigos de Jó ofereceram o consolo mais eficaz
enquanto permaneceram em silêncio.

3,1-26 O primeiro discurso de Jó aos seus amigos é um lamento expressando a tristeza intensa de
Jó por sua vida presente. O lamento derramava diante de Deus frustrações verdadeiras e tristezas; não
tinha a finalidade de informar a Deus, mas sim de compartilhar sentimentos com ele.

3,12 A expressão "regaço que me acolhesse" pode ser uma alusão ao fato de as mulheres, com
freqüência, se ajoelharem ou se curvarem para dar à luz (veja 1Sm 4,19) ou ao costume de colocar uma
criança recém-nascida no colo do pai como garantia de aceitação e legitimidade da criança.

3,13 O desejo de Jó de ter descanso de seu sofrimento motivou-o a fazer este discurso. Jó usou quatro
termos para expressar esse anseio por repouso: "repousaria" (heb. shakah), "tranqüilo" (heb. shagat),
"dormiria" (heb. yashen) e "descanso" (heb. nuah).

3,23 O cerne da queixa de Satanás era sua percepção de que Deus havia cercado Jó com uma sebe de
segurança (Jó 1,9-10). Ironicamente, Jó queixou-se de ter sido cercado por Deus de todos os lados por
tumulto do qual não havia como escapar nem como ser socorrido.

4,1—5,27 O argumento do primeiro discurso de Elifaz, provavelmente o mais velho dos amigos que
falaram, descrevia o desabafo de Jó como sendo vergonhoso e desprovido de devoção. Muitos cristãos

188
acreditam, erroneamente, que é necessário desconsiderar ou reprimir sentimentos de angústia ou tristeza,
a fim de mostrar devoção. Deus, porém, nunca repreendeu Jó por seu lamento (Jó 3,1-26).
Elifaz argumentou tomando por base sua experiência pessoal de que Deus castiga o perverso e
recompensa o justo. Ele questionou se qualquer homem podia ser justo diante de Deus (Jó 4,12-21).
Assim, concluiu que o pecado devia ser a raiz do sofrimento de Jó e sugeriu que Jó se arrependesse e
aprendesse com Deus (Jó 5,8-27). Apesar de algumas palavras de Elifaz conterem verdades gerais, ele
estava errado quanto à razão do sofrimento de Jó.

4,10-11 As cinco referências distintas a leões nestes versículos (leão, leão feroz, leõezinhos, leão velho,
leoa) ilustram a abrangência da ira de Deus.

4,12-16 A visão de Elifaz é semelhante àquelas de outros profetas do AT, pois não é auto-explicativa, e
aquilo que é ouvido prevalece sobre o que é visto. Contudo, não há registro algum de um profeta do AT
que tenha recebido a visão de "um espírito" (v. 15). O clima que envolvia seus "pensamentos de visões
noturnas" era mais assustador do que surpreendente (v. 13). A condenação posterior de Elifaz por Deus é
a confirmação de que essa voz ouvida no silêncio não veio de Deus (Jó 42,7).

5,1 O desejo e a necessidade de um mediador repetem-se (Jó 9,33; 16,19,21). Ninguém pode ficar
diante de Deus sem um mediador (lTm 2,5).

6,1—7,21 A primeira réplica de Jó expressa seu anseio por um fim ao seu sofrimento ou até mesmo à
própria vida. Ele se queixou de que seus amigos não haviam sido de ajuda e ainda haviam questionado seu
caráter (Jó 4,1—5,27). Jó continuou mantendo sua integridade. Não lhe passou pela mente a idéia de que
Deus o havia abandonado, mas sim o motivo de Deus tê-lo escolhido como alvo de tantas dificuldades.

6,4 As flechas do Todo-Poderoso (heb. Shaddai, lit. "Todo-Poderoso", "Todo-Suficiente"). Das muitas
vezes que este nome é usado no AT, a maioria aparece no Livro de Jó, mostrando a profunda dependência
de ló em relação a Deus para suprir todas as suas necessidades. Para alguns, esses acontecimentos podem
ser "os dardos inflamados do maligno" (Ef 6,16), mas Jó escolheu chamálos de "flechas do Todo-
Poderoso".

6,8-10 O suicídio nunca foi uma opção, apesar de Jó ter desejado a morte. Uma tragédia por suas
próprias mãos teria dado fim ao plano de Deus de restaurar tudo na vida de Jó em dobro. Nessa atitude, está
inerente a idéia de que tanto a vida quanto a morte estão nas mãos de Deus (veja Gn 4; Eutanásia; Gn 9,
Santidade da vida).

6,14 O termo compaixão (heb. chesed, lit. "piedade" ou "misericórdia") sugere um amor leal e
normalmente é usado para descrever o amor inabalável de Deus para com seu povo. Assim, Jó perguntou
por que o temor que seus amigos tinham a Deus não os levou a ter compaixão por ele.

6,15-20 Jó comparou seus amigos às torrentes no deserto (heb. wadi), que corriam pelo vale pedregoso
durante as épocas de chuvas e com neve derretida na primavera, mas que secavam no verão (veja Jr
15.18). Até mesmo caravanas pereceram por terem confiado nessas torrentes e terem sido "deixadas na
mão". Essa ilustração mostra como as esperanças podem ser destruídas. Quando Jó mais precisou de seus
amigos, eles não apenas não tinham nada a lhe oferecer, como o injuriaram e condenaram.

7,6 O caráter passageiro da vida. Encontramos aqui um interessante jogo de palavras, uma vez que a
palavra hebraica para "esperança" tem dois níveis de significado. Seu significado secundário é "fio".
Assim, tanto a lançadeira do tecelão como os dias de Jó terminariam sem fio ou sem esperança.

8,1-22 O primeiro discurso de Bildade tinha como ponto de partida a tradição da retribuição, na qual
todo sofrimento é resultado do pecado (Jó 6,1—7,21). Ele ficou impaciente com as contínuas declarações
de inocência da parte de )ó. Apesar de usar cruelmente os filhos mortos de Jó como exemplos (Jó 8,4),

189
Bildade afirmou que, se ao menos Jó se arrependesse, Deus iria restaura-lo à sua integridade. Como
Elifaz, Bildade estava errado quanto às razões para o sofrimento de Jó.

8,4 O argumento de Bildade de que os filhos de Jó haviam sido castigados por seus pecados era injusto.
Não apenas isso ia contra o retrato apresentado de Jó e de sua família (Jó 1,1-5) como também a retidão
de Jó, expressa em relação à sua calamidade, ressaltava seu sofrimento imerecido.

9,1 A segunda réplica de Jó empregou a imagem de um tribunal (vs. 19,32), fazendo referência a Deus
como o Juiz (v. 15), às testemunhas (Jó 10,17) e até mesmo a um árbitro (Jó 9,33). A soberania de Deus
sobre toda a criação é incontestável. Seus caminhos são insondáveis e inquestionáveis. Jó queixou-se
livremente para o Senhor, perguntando porque havia sido tão incessante e intensamente examinado. Jó
reconhecia Deus como Criador, Preservador e Destruidor da vida. As interrogações de Jó eram perguntas
íntegras dirigidas Àquele que sabe todas as respostas.

9,9. As estrelas e corpos celestes. A "Ursa" é uma constelação do Norte, chamada de Ursa Maior, e a
Órion uma constelação conhecida dos céus do Sul. "O Sete-estrelo" é um agrupamento de estrelas na
constelação de Touro (veja Am 5,8) e a expressão "recâmaras" refere-se às hostes de estrelas nos céus do
Sul. Apesar de culturas pagãs adorarem as estrelas e corpos celestiais, os adoradores de Javé não
confundiam a criação com o Criador (veja Is 45,9-13; 55,8-9).

9,24 A existência do mal e do sofrimento parece colocar em dúvida o caráter e o poder de Deus.
Externamente, Deus parece impotente ou indiferente diante da perversidade. Contudo, Jó sabia que Deus
era tanto absolutamente bom e Todo-Poderoso, permi- tindo o mal e o sofrimento apenas por algum
tempo (Ap 21,4). Deus usa até o sofrimento e o mal para realizar seus propósitos maiores. Esse fato
contrariava o argumento de Bildade de que apenas o perverso sofre (Jó 8,1-22, especialmente v. 20).

9,33 Um árbitro (heb. yakash, lit. "juiz ou árbitro") sugere o papel de um mediador ou de alguém que
arbitra, negocia e ajuda a reconciliar duas partes, não de alguém que está numa posição mais elevada
julgando duas partes. Jó sentia o imenso abismo entre Deus e o homem (v. 32) e ansiava intensamente
restaurar seu relacionamento com Deus. Esse Mediador é, mais tarde, personificado em Jesus Cristo, que
como Deus e homem não apenas faz a mediação como também perdoa (veja lTm 2,5).

10,8-12 Jó é obra das mãos de Deus (v. 3; Jó 14,15). Estes versículos afirmam a onisciência, onipotência
e onipresença de Deus em sua criação e na preservação do homem (Sl 139). Jó expressou suas idéias
sobre a formação da vida descrevendo o embrião com uma analogia, como faziam os antigos. A analogia
entre a concepção de uma pessoa e a produção do "queijo" (v. 10, no texto hebraico, um hapax
legomenon, ou uso do termo apenas uma vez) sugere o derramar o "leite" (sêmen) no ventre para coalhar
como um "queijo" macio (embrião). A "pele e carne" são o revestimento visível que compõe a parte
externa, enquanto os "ossos e tendões" são a estrutura (v. 11). Jó, a criatura, lembrou o Senhor de quão
ternamente o Criador o formara e de como ele não apenas lhe dera "vida" como também sustentara essa
vida por sua "benevolência" (heb. chesed). As razões para que Deus permitisse a destruição de Jó eram
conhecidas apenas pelo coração de Deus (vs. 8,13).

10,20 A aflição de Jó era tanta que ele imaginava que haveria alívio se Deus deixasse de notá-lo.

11,1-20 O argumento do primeiro discurso de Zofar deixou implícito que Jó estava mentindo sobre
sua retidão e que Deus havia castigado Jó menos do que ele merecia (vs. 1-6). Ele sugeriu que, se Jó se
arrependesse de seus pecados, Deus certamente iria restaurá-lo (vs. 13-20). Diferentemente de Elifaz,
que argumentou partindo de uma revelação pessoal (Jó 4,1—5,27), e de Bildad, que argumentou
partindo da tradição (Jó 8,1-22), Zofar falou tomando por base sua própria visão simplista de mundo e
de Deus. Assim como os outros dois amigos, ele afirmou que os perversos, e não os justos, vão sempre
sofrer.

190
12,1—14,22 A terceira réplica de Jó expressou sua impaciência com seus amigos e acusou-os de fazer
especulações impensadas. As frases feitas dos amigos não podiam explicar sua miséria. O Deus
soberano era responsável, e Jó desejava apresentar sua situação diante dele. Jó afirmou sua inocência e
estava certo de que acabaria sendo justificado.

12,9 A mão do Senhor fez isto (veja Jó 1,14-19). O motivo ou propósito, porém, era a causa da
especulação por parte de seus amigos e a fonte da angústia de Jó.

13,20-21 Jó fez dois pedidos. Ele pediu a Deus que acabasse comseu sofrimento aliviando sua mão de
sobre ele e que lhe permitisse ficar diante do Senhor sem entrar em completo terror. De acordo com o
pensamento de Jó, essas duas coisas eram necessárias para uma audiência justa.

13,24 O silêncio do Senhor quanto às possíveis razões para seu estado de alienação da presença de Deus
causaram o sofrimento de Jó bem como suas óbvias aflições. Aquilo que ele via como alienação era mais
doloroso do que a perda de suas posses e conforto. Acima de todas as coisas, Jó prezava seu
relacionamento com Deus.

14,13-14 Certamente Jó estava cansado da vida, mas o suicídio ou eutanásia não eram opções viáveis.
O tempo perfeito de Deus e seu controle sobre a vida incluem também o tempo certo da morte (veja Gn 4,
Eutanásia; Gn 9, Santidade da vida).

15,1-35 O argumento do segundo discurso de Elifaz acusava Jó sarcasticamente de hipócrita mentiroso,


afirmando mais uma vez que nenhum ser humano é puro diante de Deus (vs. 1-16). Ele falou, por
experiência própria, que os que recebem castigos são sempre os perversos (vs. 17-35). Para Elifaz, era
inconcebível que uma pessoa justa tivesse que suportar um longo sofrimento. Isso era reservado aos
perversos. Assim, Elifaz só podia concluir que Jó era um pecador (vs. 2-6).

16,1 A quarta réplica de Jó lamentava o fato de seus amigos serem "consoladores molestos", que na
verdade agravavam sua tristeza em vez de aliviá-la (v. 2). Ele afirmou sua retidão mesmo estando ainda
confuso por ter sido escolhido como o alvo de Deus. Alquebrado e cansado, Jó via alívio na morte.

16.15 A miséria do pranto. Jó cobriu-se de panos de saco ou de tecido grosso para simbolizar a
degradação, a tristeza e a miséria que sentia em sua humilhação (veja Jó 1,20). O termo "orgulho" (lit.
"chifre") é usado figurativamente para denotar força e dignidade. Assim, revolver o "orgulho no pó"
indicava a perda de toda a honra e poder e também era sinal de grande humilhação, algo como dizer,
hoje em dia, "estar na lama".

16,19 A testemunha celeste ou mediador é uma referência ao próprio Deus, que testificou do céu
acerca da inocência de Jó. Jó apelou para a justificação de Deus. Ele havia sido julgado incorretamente
por seus amigos na terra. Sua oração era para que al guém defendesse sua causa. O Árbitro celeste só
seria revelado com a vinda de Cristo (veja 1Jo 2,1-2).

18,1 O segundo discurso de Bildade trabalhava a questão de como os perversos são castigados usando
uma descrição paralela ao próprio sofrimento de Jó. Ele insinuou que Jó estava sofrendo por causa de seu
pecado. Seu discurso era desprovido de compaixão e de esperança.

18,8-10 Do universo da caça são usadas seis palavras para descrever as armadilhas preparadas para
prender o homem perverso. A rede, empregada principalmente para prender os pés (v. 8); a boca de forje,
uma rede que forma um piso falso sobre um buraco (v. 8); a armadilha, que apanha os pés da vítima (v.
9); o laço, que prende (v. 9); a corda, que apanha a vítima e a levanta do chão (v. 10) e a armadilha, termo
que inclui todos os recursos acima (v. 10). Mais uma vez, o autor revelou não apenas sua habilidade
literária como também seu vasto conhecimento de caçada.

191
19,1-29 A quinta réplica de Jó relatava que foi Deus quem estabeleceu suas tragédias (vs. 7-12) e que
todos o haviam abandonado (vs. 13-20). Suplicando por piedade, ele ansiava que suas palavras fossem
registradas (vs. 23-24). Mantendo sua retidão e crendo que o julgamento pertence a Deus, Jó almejava a
justificação por seu Redentor (vs. 23-29). Ele advertiu seus amigos sobre sua própria vulnerabilidade ao
julgamento de Deus (v. 29).

19,17 A perda dos entes mais queridos. Tendo em vista que todos os filhos de Jó morreram (Jó 1,18-
19), essa referência poderia ser a seus irmãos ou ser uma expressão estereotípica mais geral. A natureza
repulsiva das doenças que afligiam ló havia afastado dele aqueles que eram mais próximos e a quem ele
mais amava. A ênfase é sobre o isolamento que Jó sentia. A rejeição da esposa seria a maior de todas as
tragédias.

19,23-24 Jó queria que suas palavras fossem registradas para sempre, como seria feito com as provas
materiais num tribunal. O testemunho pessoal de Jó foi registrado aqui de modo mais indelével do que
"com pena de ferro e com chumbo". Suas palavras foram "esculpidas na rocha"; o que ele disse "vive e é
permanente", pois ficou registrado nas Escrituras Sagradas (1Pe 1,23).

19,25 O resgatador ou redentor (heb. go'el) era o parente mais próximo. De acordo com a lei levítica,
quem estava endividado ou era levado cativo precisava de um "resgatador " para pagar seu resgate ou
conseguir sua libertação. No AT, essa relação é retratada de maneira mais comovente por Boaz, que agiu
no lugar do marido falecido de Rute. No NT, Jesus Cristo foi o maior de todos os "resgatadores". Esse
termo também era um dos títulos dados a Deus no AT, que redimiu seu povo do cativeiro no Egito. Esse
redentor iria levantar-se como única testemunha fiel de Jó, para argumentar em favor de sua justificação.
Os filhos de Jó estavam mortos e ele havia sido abandonado pelo resto da família e amigos, de modo que
não possuía um resgatador na Terra para defendê-lo. O testemunho de Jó era certo: ele veria Deus, que não
mais se esconderia dele (Jó 9,11; 13,24). Já esperava plenamente ver a Deus com seus próprios olhos, ou
seja, enquanto estivesse revestido de seu corpo físico e não apenas em espírito (v. 27).

20,1-29 O argumento do segundo discurso de Zofar. Sentiu-se compelido a responder às palavras de


Jó (Jó 19,1-29) e continuou insistindo que Deus certamente castigava os perversos (Jó 20,4-29) Assim
como os outros amigos, ele insistiu na culpa de Jó sem ao menos considerar qualquer declaração ou prova
apresentada a ele por Jó (vs. 27-29).

21,1.34 A sexta réplica de Jó refutou as afirmações de seus amigos (veja Jó 20,1-29) ao afirmar que os
perversos prosperam, vivem bem e morrem em paz, mesmo que escarneçam de Deus. Jó considerou seus
amigos ingênuos e inexperientes por insistirem que apenas os perversos sofrem na vida. Um olhar sobre
o mundo é prova suficiente de que tal expressão teológica é errada.

21,1-34 A intenção de satanás era levar Jó a questionar a sabedoria de desconfiar em Deus (Jó 1,9-11).
Aqui, Jó escarneceu dos ímpios que questionavam o Todo Poderoso.

22,1-30 O argumento do terceiro discurso de Elifaz acusou Jó com brutalidade e aspereza de fazer o mal,
contrário a tudo o que Jó havia feito ou em que havia crido (vs. 4-11; contrastar com Jó 29,12-1 7). Assim, o
julgamento foi realizado, e Jó foi declarado culpado. O único recurso para tal situação era o arrependimento
(vs. 21-30). Elifaz tinha conhecimento de parte da verdade, mas aplicou-a incorretamente. Ele determinou
que a origem do sofrimento de Jó era seu pecado.

22,2 Elifaz questionou como Deus poderia beneficiar-se da retidão da humanidade, uma vez que Jó
perguntava continuamente ao Senhor por que ele permitia que o justo sofresse. Pensar que Deus precisa
do homem para qualquer coisa seria dar importância demais ao homem e de menos a Deus. De acordo
com Elifaz Deus só estava interessado em castigar o pecado (vs. 4-5; Jó 35,1-16, nota).

192
23,1 A sétima réplica de Jó continuou expressando seu anseio por uma audiência com Deus (vs. 1-7).
Apesar de Deus parecer ausente, Jó estava certo de que Deus sabia que ele seria aprovado como verdadeiro
(vs. 8-12). Ele afirmou o direito soberano de Deus de fazer aquilo que quisesse, mas declarou também
estar aterrorizado com Deus, que nem mesmo o protegeu "das trevas" (v. 17). Jó passou, então, a enumerar
as muitas formas pelas quais os perversos fazem o inocente sofrer. Continuou declarando sua
inocência e afirmou a justiça de Deus no futuro julgamento dos perversos (Jó 24,23-24). Jó expressou sua
confiança na retidão absoluta de Deus (Jó 24,25).

23,10 Ele conhece o meu caminho. Mesmo diante de tantas provas físicas contra ele, Jó ainda apegava-se
tenazmente à crença de que Deus tudo conhece e se preocupa conosco. Deus sabia que Jó era inocente e
que se ergueria dessa calamidade como ouro (veja 1Pd 1,6-7).

23,17 Essa escuridão profunda deve ter sido o divino silêncio que chegava a doer nos ouvidos de Jó e
que ele vivenciou ao não receber respostas às suas perguntas e à sua situação. O que Jó temia mais do que
tudo não era tanto o seu próprio sofrimento, mas o rompimento de sua relação pessoal com Deus e um
silêncio evasivo do Criador.

24,1 Períodos específicos de julgamento são sugeridos pela palavra "tempos". Jó não se queixou de que
Deus não julgava; pelo contrário, sua preocupação era a de que o julgamento de Deus não vinha em
épocas determinadas. A lição, para Jó, era a de que a retribuição não funciona de acordo com um
cronograma terreno e humano, mas sim de acordo com a vontade divina.

24,18-25 O justo e o perverso. O texto hebraico foi traduzido de diferentes maneiras. Alguns sugerem
que Jó aquiesceu às opiniões de seus amigos. Por outro lado, só porque essas palavras não se parecem
como ponto de vista de Jó sobre o perverso, isso não significa, necessariamente, que ele não as tenha
falado. Em momento algum, Jó afirmou que os perversos sempre prosperam e nunca são castigados. Ele
simplesmente questionou por que Deus tratava o justo e o perverso da mesma forma.

25,1-6 No terceiro discurso, Bildade empregou uma tática e uma argumentação diferentes perguntando
como um homem "gusano" e "verme" poderia declarar-se justo diante de um Deus santo (v. 6). Se aquilo
que Bildade disse anteriormente fosse verdade, a saber, que todos os perversos sofrem, então todos estariam
sofrendo e ninguém teria a vida próspera que Bildad afirmava pertencer aos justos.

26,1 Em sua oitava réplica, Jó repreendeu Bildade por não ser de ajuda alguma (Jó 25,1-6). Falou, então,
de modo muito mais eloqüente e complexo sobre como os caminhos de Deus são incompreensíveis para a
humanidade (vs. 1-14). Era impossível para Jó concordar com a teologia de seus amigos (Jó 27,1-6).
Apegou-se enfaticamente à sua integridade e amaldiçoou seus inimigos com a inutilidade e o castigo,
destino dos perversos.

26,7 Uma compreensão de espaço que vai além dos conhecimentos de sua época é demonstrada aqui. De
acordo com as idéias daquele tempo, a terra era um disco plano cercado de água (v. 10).

26,14 Jó compreendia que seu conhecimento de Deus era limitado e dependia da revelação de Deus de si
mesmo. Essa idéia contrastava com os conceitos generalizados e cheios de certeza de seus amigos (Dt
29,29).

28,1 Os monólogos de Jó começaram com um discurso sobre a sabedoria (vs. 1-28). A sabedoria não se
encontra na criação, mas sim no Criador (vs. 20-28). Então, como se colocasse um caso diante de um
tribunal, Jó apresentou:
1 – Seus dias abençoados do passado, quando o favos de Deus era evidente e ele era tido em alta
193
estima pelos homens (Jó 29,1-25);
2 – Seu momento presente de perda e calamidade, quando até homens sem valor zombavam dele
( Jó 30,1-31); e
3 – Seu clamor como parte queixosa pedindo uma futura audiência com o Todo Poderoso para
apresentar o seu caso (Jó 31,1-40).
Ao recapitular sua vida íntegra, Jó abriu-se para maldições, case tivesse agido de má fé ou
escondido qualquer iniqüidade em seu coração.

28,28 O temor do Senhor. Tanto Jó quanto seus amigos afirmaram ter sabedoria própria. Apesar de
personificada, a sabedoria é, claramente, uma manifestação de Deus, não simplesmente algo a ser obtido.
Apesar de os crentes poderem conhecer e compreender muitas coisas, não podem alcançar o nível de
sabedoria do Criador. Jó estava ciente de que a verdadeira sabedoria não se encontra no entend imento
humano, mas provém somente de Deus (Pv 1,7; 9,10).

29,12-17 As obras de retidão de Jó contrastam claramente com as acusações de Elifaz (Jó 22,5-9)

30,11 O que Deus fez a Jó é retratado como a corda frouxa de um arco. Sem uma corda estendida, um
arco não tem utilidade alguma, e o arqueiro vê-se indefeso. Jó sentia-se inútil, indefeso e exasperado.

30,20-23 As aflições de Jó eram insuportáveis, porém ao mesmo tempo suportáveis, pois haviam sido
permitidas por Deus que, na visão de Jó, havia subitamente se voltado contra ele sem qualquer razão ou
explicação. Jó estava perplexo com o silêncio de Deus. O verbo traduzido por "combater" (heb. Batam,
lit. "agir com ódio", v. 21) provavelmente é um jogo de palavras com o nome de Satanás (heb. satan, lit.
"
acusar"; veja Jó 1,6-12; 2,1-7). Jó sentia que Deus o estava combatendo e agindo com ódio contra ele
como faria com Satanás. Ironicamente, Jó estava certo, no sentido de que Deus havia permitido as
adversidades de Jó concebidas e enviadas por Satanás.

30,31 A voz de Jó, como a harpa e a flauta, costumava entoar cânticos de gozo e de alegria, mas havia
passado a murmurar cantos fúnebres e lamentos.

31,1-40 Jó estava desesperado para proclamar sua própria retidão. Ele invocou quatro maldições sobre si
mesmo, caso não fosse considerado inocente (v. 8.10.22.40). Ao fazê-lo, sua posição absolutamente sem
culpa diante de Deus tornou-se ainda mais nítida (vs. 35-37).

31,1 Jó teve cuidado para não dar lugar à lascívia ao fazer uma aliança com seus olhos de permanecer
inocente (Tg 1,14-15). As pessoas pecam quando permitem que seu desejo de pecar seja concebido e
cresça.

31,9-10 O pecado de adultério, que implica relacionamento com a esposa de outro homem, era sério por
causa dos danos causados à família. Esta seção mostra em detalhes os pecados aos quais estão expostos os
homens fortes. Apesar de os verbos "moer" (heb. tachan) e "encurvar" (heb. kara') poderem sugerir
servidão, não se pode negar as conotações sexuais do contexto. Essa maldição é particularmente
humilhante e hedionda. O adultério é descrito como fogo por causa da capacidade destrutiva da paixão
sexual ilícita (v. 12). O sofrimento de uma esposa em caso de adultério do marido — um pecado
cometido contra ela — é totalmente compreensível pela natureza da família. Certamente isso explicaria,
em parte, a determinação de Jó em evitar o adultério.

32.1 A importância do discurso de Eliú é amplamente discutida entre os estudiosos. Eliú não foi
incluído nos três amigos como tendo falado o que era incorreto e, portanto, necessitando da oração
intercessora de Jó no final. Assim, alguns dizem que Eliú acrescentou outra dimensão extremamente
194
necessária à discussão sobre o sofrimento, equilibrando a argumentação dogmática dos outros três.
Contudo, por causa de seu tom arrogante, sua verbosidade moralista e pelo fato de ter feito acusações
contra Jó semelhantes às de seus amigos, outros estudiosos não consideram suas palavras abrangentes
nem substanciais.
Alguns sugerem que o discurso de Eliú poderia ser um acréscimo posterior ao texto, por causa de
sua qualidade poética relativamente inferior em relação ao restante do livro e pelo fato de que nem Eliú
nem suas palavras foram mencionados antes ou depois de sua fala. Alguns consideram seu discurso uma
interrupção que tira a atenção do desafio intenso de Jó a Deus. Outros acreditam que o discurso é uma
preparação para que Jó ouça Deus. A falta de comentários da parte de Deus sobre as palavras de Eliú
poderia ser interpretada tanto como concordância quanto como indiferença em relação a elas. De qualquer
modo, o discurso de Eliú é visto de maneira mais positiva do que os discursos dos outros três.

32,6 O argumento do primeiro discurso de Eliú. Decepcionado com aquilo que os mais velhos tinham
a dizer, Eliú declarou ter o Espírito de Deus (v. 8; Jó 33,4) e, até mesmo, conhecimento perfeito (Jó 36,4)
para ser o "porta-voz" que Jó precisava (Jó 33,6). Ele acusou Jó de iniqüidade por insistir em sua própria
inocência e exigir uma resposta de Deus (Jó 33,8-22). Ele afirmou que Deus jamais faria algo injusto (Jó
34,10-12) e não falaria com os homens por meio de seus sonhos, suas aflições nem utilizando um
mediador.

33,23-24 O modo de agir de Deus consiste em nos trazer de volta para perto de si por meio do
arrependimento. Em sua graça, ele pode enviar um "intercessor" para ajudar o pecador a aprender as lições
que quer ensinar e, assim, "redimi-lo" da morte. A passagem pode estar apontando para o futuro Messias-
Mediador que verdadeiramente redime, livra e resgata (veja 1Tm 2,5-6).

34,1 O argumento do segundo discurso de Eliú defendia ferozmente o direito que Deus tem de agir
com soberania, um ponto que Jó nunca colocou em dúvida. Ele acusou Jó de falar por ignorância e com
rebeldia, apesar de Deus não ter, em momento algum, repreendido Jó por tais atitudes. Ele acusou Jó de
queixarse de que não havia lucro em deixar de pecar (uma declaração que Satanás esperava de Jó, mas ele
se recusou a fazer). Contudo, ainda que Jó estivesse sendo castigado por manter sua inocência, fica a
pergunta sobre quais eram os pecados pelos quais ele estava sendo castigado, em primeiro lugar.

35,1-16 O argumento do terceiro discurso de Eliú era de que Jó pensava demais em si mesmo ao
protestar contra seu castigo injusto por Deus. Eliú afirmou que a retidão ou iniqüidade de uma pessoa
afetava principalmente a ela mesma, não a Deus (vs. 7-8). Deus não ganha nada com a retidão do ser
humano (veja Jó 22,2, nota). Assim, as muitas palavras de Jó não tinham sentido. As Escrituras, porém,
ensinam que, ao mesmo tempo que Deus não depende da humanidade para nada, ele se agrada com a
obediência (veja Jó 1,8; 2,3; Mt 25,21.23) e se entristece com a desobediência (veja Sl 78,40; Mt
25,26.30). Faltava à teologia de Eliú esse conhecimento fundamental de um Deus pessoal.

36,1 O argumento do quarto discurso de Eliú continuou a explicar a teologia da retribuição tanto de
modo positivo (Deus abençoa o justo, vs. 5-12) quanto de maneira negativa (Deus julga o perverso, (vs.
13-21). Ele incentivou ló a ouvir, a aprender de Deus e a arrepen der-se. Concluiu explicando como Deus
fala em sua magnífica criação e através dela, tornando-o digno de nosso temor e reverência. Apesar de, em
sua essência, o discurso de Eliú não conter nada de novo, de fato ele preparou Jó para os discursos de
Deus.

38,1 Deus apareceu a Jó do meio de um redemoinho. O redemoinho tanto mostra quanto esconde seu
poder. É um acontecimento tremendo encontrar-se na presença do Senhor (Ex 19,10-25;33,17-23). Deus
começou a fazer perguntas retóricas para Jó relacionadas à sabedoria do Criador, questões que Jó não
soube responder (Jó 38,1-3). Suas perguntas mostraram seu domínio sobre a criação da Terra, do mar, do
tempo, da morte, da luz e da escuridão, do clima, dos céus e dos animais — tanto selvagens quanto
domésticos (Jó 38,4—39,30). Quem não pode responder a essas perguntas não deve ousar corrigir Aquele
195
que tudo planejou e sustém (Jó 38,4-7).
É surpreendente que Deus fale tanto da natureza, em vez de tratar de questões morais,
especialmente para os leitores ocidentais, ensinados a ter certo preconceito velado em relação à teologia
natural, que afirma que Deus se revela através da natureza. O Livro de Jó não mostra esse tipo de aversão.
Em lugar de tentar esmagar Jó com seu conhecimento e sabedoria infinitos, Deus lhe conferiu dignidade
ao falar-lhe dessas coisas. Os discursos de Deus enfatizam que se Jó pode confiar nele para manter o uni
verso funcionando, pode também confiar em Deus para dirigir sua vida.

38,2-3 Jó demonstrou falta de conhecimento quando formulou suas perguntas a Deus. Suas palavras,
em si, demonstraram falta de sabedoria. Deus fez as perguntas para Jó.

38,7 As estrelas da alva, talvez Vênus ou Mercúrio, e os "filhos de Deus", ou anjos, cantaram louvores
juntos, regozijando-se ante a cena da criação. Quão maravilhoso seria ouvir o universo todo louvando o
Criador.

38,31-33 O Zodíaco pode ser uma referência a uma constelação ou estrela, mas não é possível identificá-
lo com certeza. A imagem mostra Deus liderando as estrelas como se elas formassem uma cadeia,
prendendo-as ou atando-as para cruzarem os céus. Essa linguagem figurada mostra o poder soberano de
Deus sobre o firmamento (veja Jó 9,9; Am 5,8).

39,13-18 O avestruz, considerado pouco inteligente por causa de sua aparência desajeitada, mostrava a
soberania de Deus na criação. Ao que parece, o avestruz também tem, aparentemente, uma forma
arriscada de cuidar de sua cria. Contudo, esta, que é a mais pesada de todas as aves, apesar de não ser
capaz de voar, pode correr mais rápido que um cavalo veloz.

40,3-5 A primeira resposta de Jó a Deus. Subitamente, Jó tomou consciência de sua verdadeira posição.
Aturdido, caiu em silêncio. Contudo, ele não confessou ter errado naquilo que disse.

40,6—41,34 Os temas do segundo discurso de Deus. Jó não ousou criticar o julgamento de Deus. Jó não
era poderoso o suficiente para julgar o mundo; ele nem sequer era capaz de lutar contra duas das criaturas
mais selvagens e ferozes de Deus — o hipopótamo, em terra firme, e o crocodilo, na água. Jó não podia
dominar o que havia sido feito pelas mãos de Deus (veja Jó 38,1, nota). Nota-se que os discursos de Deus
não trataram diretamente de nenhuma das questões que ló desejava discutir, nem explicaram por que Jó
passava por todas essas adversidades. Apesar de esperarmos que Deus explicasse as propostas de Satanás
quanto a Jó, isso não acontece. O que Jó mais precisava não era saber por que as coisas aconteciam, mas
sim saber quem estava no controle.

40,15 O hipopótamo aqui se refere ao Beemote, um animal desconhecido comumente identificado com
o hipopótamo. A linguagem empregada lança mão tanto da poesia quanto da hipérbole, mas ainda assim
descreve um animal de grande força, que, apesar de ser temido pelo homem, é usado por Deus para os seus
propósitos.

41,1 O crocodilo aqui mencionado é chamado de leviatã em outras versões. Leviatã, uma grande criatura
marinha, é desconhecida; porém, pela descrição, assemelha-se a um crocodilo. Não se trata,
necessariamente, de uma criatura mítica. O termo "leviatã" é usado simbolicamente como o objeto da ira
de Deus (veja Is 27,1; comparar com Ap 12,9). De qualquer modo, o que está sendo argumentado é que Jó
e a humanidade não podem controlar criaturas tão temíveis. Ainda assim, Deus usa esses animais para seus
propósitos.

42,1-6 Ao ver Deus no meio do redemoinho, Jó foi completamente humilhado e arrependeu-se (Jó
196
38,1). Finalmente, percebeu que Deus, e somente Deus, controla o universo.

42,6 Jó não declarou não ter pecados, mas estava com a vida em ordem diante de Deus. Ele não
confessou supostos pecados encobertos como sendo a causa de seu sofrimento. Contudo, confessou sua
falta de fé em Deus e a amargura de sua atitude durante o tempo de seu sofrimento (vs. 4-6).

42,7 Deus acusou os três amigos de Jó de falarem o que não era certo sobre ele, sobre seus caminhos e
sobre suas razões para permitir a aflição. Apesar de as palavras serem parte do jargão teológico típico,
eram distorcidas e incompletas.

42,8 Sete novilhos e sete carneiros. Esse era um sacrifício considerado excepcionalmente grande para
três homens, indicando, assim, a gravidade de seus pecados para Deus (veja Ez 45,21-25). Apesar de os
amigos de Jó não terem orado por ele, Jó foi instruido a ser seu intercessor. Esse privilégio concedido a
Jó mostrou a alta consideração de Deus por ele e justificou-o da culpa que lhe havia sido atribuída por
seus amigos. As palavras da esposa de Jó e dos três amigos foram contrárias à sabedoria de Deus (veja
Jó 28,28; Pv 9).

42,10 A restauração de uma porção dobrada de tudo aquilo que ele havia perdido foi um dom
gracioso de Deus, não uma recompensa pela bondade de Jó nem uma restituição que lhe era devida.

42,11 As dádivas são típicas do período patriarcal e é costumeiro serem concedidas depois de uma
calamidade. Contudo, Jó foi próspero por causa de Deus, não pela generosidade de sua família e amigos.

42,7-17 O Senhor justificou a Jó, que assumiu um papel ativo na restauração de seus três amigos. Deus
não castigou os três amigos, mas ofereceu-lhes perdão. Não se ouviu qualquer reclamação da parte de Jó.
Sem o epílogo, pode-se ter a impressão de que o maior resultado da fé foi o sofrimento, o que poderia
sugerir um Deus sádico. O sofrimento, em si, não tem qualquer valor intrínseco, mas serve como prova da
identidade e das crenças verdadeiras. Também é uma "estufa" para o crescimento e desenvolvimento do
caráter. Enquanto ninguém pode negar que a adoração é maravilhosa quando tudo corre bem, somente o
coração partido conhece uma intimidade com Deus ainda mais abençoada. Contudo, Deus não deixa seu
povo alquebrado ou desesperado para sempre. A questão não é se Deus vai recompensar o justo e castigar
o perverso, mas quando ele vai fazê-lo. Quer aconteça mais cedo, quer mais tarde, na Terra ou no céu, as
recompensas serão dadas no tempo perfeito de Deus.

197
Salmos

O nome atual do LIVRO DOS SALMOS, ou simplesmente SALMOS, está diretamente ligado à
mais antiga designação utilizada para esta coleção de poemas ou cânticos religiosos. O nome português
deriva da palavra grega "Psalmoi" e esta é já utilizada na antiga tradução grega, chamada dos Setenta,
para traduzir o termo hebraico "mizmorôt", (cânticos). Este parece ter sido o seu nome hebraico mais
antigo.
Por isso, quando o Novo Testamento lhe chama "biblos psalmôn" (Lc 20,42; At 1,20), está a usar
uma designação correta e formal. No entanto, já nos textos de Qumrân e em alguns autores cristãos
antigos aparece o nome que atualmente lhe é dado na Bíblia Hebraica: "Sepher Tehillim", "Livro dos
louvores".

TEXTO E INTERPRETAÇÃO

O tempo tão longo da formação dos SALMOS e o fato de terem vindo a ser objeto de leitura e
utilização contínuas, e mesmo quotidianas, torna possível que o texto, um dos mais antigos da Bíblia,
possa ter sofrido influências derivadas dessa leitura e mesmo algumas transformações de conteúdo e
sentido. A leitura repetida, geração após geração, e a acumulação interpretativa que assim se forma,
atribui a estes textos uma riqueza transbordante de conteúdos.

COMPOSIÇÃO E DATA

A tradição hebraica e cristã sempre atribuiu uma grande importância a Davi, como estando na
origem dos SALMOS. Isso representa bem o ascendente que esse rei teve na criação das instituições em
que Israel via espelhada e assente a sua vida cultual e espiritual, nomeadamente o culto do templo de
Jerusalém. E é ao culto que está certamente ligada a composição da maior parte dos SALMOS.
No entanto, estes poemas religiosos foram compostos ao longo de muitos séculos e alguns deles
poderão ter sido compostos não muito antes do tempo do Novo Testamento.
Nada impede que a maioria seja anterior ao Exílio e alguns deles possam mesmo ser do tempo de
Davi; alguns podem até ser mais antigos. É que estes hinos religiosos são herdeiros e, em certos casos, em
linha direta, da poesia religiosa da tradição cananaica, que os hebreus, em boa parte, aproveitaram. Houve
certamente épocas privilegiadas na produção destes SALMOS; a de Davi poderá ter sido uma delas.

USO E LUGAR NA BÍBLIA

Para os hebreus, os SALMOS não tinham tanta importância como os livros atribuídos a Moisés, por
exemplo. Daí terem sido colocados na terceira seção, a dos "Escritos", depois da "Lei" (Torá) e dos
"Profetas". Há nesta gradação algum escalonamento quanto à respectiva valorização teológica. Mas, na
vida religiosa, os SALMOS representavam um patrimônio muito utilizado e um elo fundamental de
transmissão da fé; alguns deles são, seguramente, dos textos mais repetidos de toda a Bíblia.
Do judaísmo ao cristianismo, a vivência religiosa de grande parte da humanidade teve o seu alimento e a
sua expressão mais natural no texto dos SALMOS.
Se pensarmos que o modelo básico e até um ou outro salmo podem ter vindo diretamente da
cultura religiosa de Canaã anterior aos hebreus, maior é o seu percurso e a sua representatividade. Cantar

198
um salmo, hoje‚ é um ato de comunhão religiosa e humana que atravessa milênios de experiência.

ORGANIZAÇÃO

O LIVRO DOS SALMOS engloba, na atual Bíblia Hebraica, um conjunto de 150 cânticos de que
os Sl 1 e 2 constituem a abertura e o Sl 150 representa o encerramento. Mas, na história antiga do texto
bíblico, as numerações dos Salmos variaram bastante, sem que se modificasse o seu conteúdo literário.
Este conjunto de cânticos era dividido de maneiras diferentes, de tal modo que resultava um número umas
vezes inferior e outras superior ao de 150, que se tornou o número canônico no texto hebraico.
Um resto desta antiga variedade na numeração dos Salmos é aquela que ficou na tradução grega
dos Setenta, de onde transitou para as traduções latinas dela dependentes e ainda se encontra em antigas
traduções portuguesas. Nestas, os Salmos que se encontram entre o 9 e o 147 levam um número a menos.
Esta segunda numeração é adotada pelas edições litúrgicas.
As razões destas divergências são várias: uso litúrgico, anotações musicais, erros de copistas... Alguns
salmos ocorrem duas vezes: segundo a numeração dos LXX, Sl 13 = Sl 52; Sl 69=Sl 39,14-18; SI 107
= SI 56,8-12 + SI 59, 8-14.
A numeração nas duas Bíblias é a seguinte:

BÍBLIA HEBRAICA SETENTA E VULGATA


1-8 1-8
9 9,1-21
10 9,22-39
11-113 10-112
114 113,1-8
115 113,9-26
116,1-9 114
116,10-19 115
117-146 116-145
147,1-11 146
147,12-20 147
148-150 148-150

A organização de vários conjuntos no interior do LIVRO DOS SALMOS traduz também algo da
história da sua composição: temos coleções de
* "Salmos de Davi": 3-41 e 51-72;
* "de Asaf": 50 e 73-83;
* "de Coré": 42-49; 84-85; 87-88;
* "Cânticos de peregrinação": 120-134;
* "Salmos de aleluia": 105-107; 111-118; 135-136; 146-150.
Alguns outros Salmos foram dispersos por entre estas coleções.
Finalmente, o saltério foi dividido, sem dúvida à imitação do Pentateuco, em cinco livros:
Livro I - Sl 1 - 41;
Livro II - Sl 42 - 72;
Livro III - Sl 73 - 89;
Livro IV - Sl 90 - 106;
Livro V - Sl 107 - 150;
separados por curtas doxologias (isto é, uma aclamação de louvor a Deus): 41,14; 72,18-20; 89,52;
106,48. O Salmo 150 serve de longa doxologia final, ao passo que o Salmo 1 é como que um prefácio
para dar início ao conjunto.
199
CLASSIFICAÇÃO DOS SALMOS

O conteúdo e o contexto dos SALMOS fazem com que todos tenham um aspecto semelhante. São
expressões de vivência religiosa e de oração. Mesmo assim, existem gêneros literários que identificam
todo um grupo de Salmos, com temas, processos, fórmulas e estruturas semelhantes.
O mais normal é existir certa mistura de gêneros literários, de modo que cada salmo pode partilhar
elementos provenientes de vários gêneros. Podem-se destacar, no entanto, os seguintes gêneros literários:

Salmos de louvor ou hinos. São hinos de louvor utilizados com muita frequência na liturgia das festas, e
dos quais se conhecem muitos outros exemplos dispersos pela Bíblia, tal como o Magnificat e outros, no
Novo Testamento. Veja-se Sl 8, 19, 29, 33, 100, 103, 104, 111, 113, 114, 117, 135, 136, 145, 146, 147,
148, 149, 150. Semelhantes a estes são os:

"Salmos da realeza de Javé", que celebram a Deus como rei: Sl 47, 93, 96, 97, 98, 99; e os
"Cânticos de Sião", que celebram Sião ou Jerusalém como cidade de Deus: Sl 46, 48, 76, 84, 87, 122.
Salmos individuais de súplica, confiança ou ação de graças. São claramente os mais numerosos de todos,
o que revela bem a atenção à experiência e aos problemas pessoais da fé, no âmbito da liturgia do povo
bíblico. As três categorias traduzem um conteúdo específico:
de súplica: Sl 5, 6, 7, 13, 17, 22, 25, 26, 28, 31, 35, 36, 38, 39, 42, 43, 51, 54, 55, 56, 57, 59, 61,
63, 64, 69, 70, 71, 86, 88, 102, 109, 120, 130, 140, 141, 142, 143;
de confiança: Sl 3, 4, 11, 16, 23, 27, 62, 121, 131; e
de ação de graças: Sl 9, 10, 30, 32, 34, 40, 41, 92, 107, 116, 138.

Salmos penitenciais: Os seguintes sete salmos: 6, 32, 38, 51, 102, 130 e 143 são conhecidos sob o nome
de "Salmos penitenciais" desde a antiguidade cristã (provavelmente desde S. Agostinho; cf. ML 32,63),
dado o seu espírito e o uso litúrgico tradicional. Essa denominação é motivada pelos sentimentos de
arrependimento e penitência, revezados por súplicas à misericórdia de Deus, que predominam nesses
salmos. As dores da alma são testemunhadas em linguagem colorida e cheia de imagens, perfeitamente de
acordo com o modo como os orientais manifestam a sua tristeza e seus pesares. Os sofrimentos espirituais
do salmista identificam-se às vezes com o triste estado de espírito do povo israelita, pelo qual o salmista
implora piedade (Sl 102,13-15). Estes salmos prestam-se perfeitamente a ser rezados pelo cristão,
sobretudo os comoventes cânticos de penitência Miserere (Sl 51) e De Profundis (Sl 130).

Salmos coletivos de súplica, confiança ou ação de graças. Partem de uma experiência humana coletiva e
exprimem a vivência comunitária que se realiza no culto. São claramente menos numerosos do que os
individuais.
Exemplos de súplica: Sl 12, 44, 58, 60, 74, 79, 80, 82, 83, 85, 90, 94, 106, 108, 123, 126, 137;
de confiança: 115, 125, 129;
de ação de graças: 65, 66, 67, 68, 118, 124.

Salmos reais. Têm como tema a importante função exercida pelos reis dentro da comunidade de Israel.
Sendo embora um tema diferente do dos "Salmos da realeza de Javé", têm certamente algumas analogias
com as esperanças messiânicas, porque estas voltam-se para uma figura com alguns contornos de rei.
Exemplos: Sl 2, 18, 20, 21, 45, 72, 89, 101, 110, 132, 144.

Salmos didáticos. Tal é o título que se pode dar a um certo número de SALMOS que ajudam a refletir
sobre temas, acontecimentos e valores importantes. Podem subdividir-se em
"Salmos sapienciais" ou de meditação: 1, 37, 49, 73, 91, 112, 119, 127, 128, 133, 139;
"Salmos históricos": 78, 105;
"Salmos de exortação profética": 14, 50, 52, 53, 75, 81, 95; e
"Salmos rituais": 15, 24, 134.
200
Salmos imprecatórios, preces em que o salmista pronuncia sua maldição sobre os
* inimigos de Israel (Sl 79,6.12; 83,10-19; 129,5-8) ou
* sobre adversários ou perseguidores pessoais (Sl 5,11; 6,11; 7,10.16; 10,12; 28,4; 31,19; 35,4-6; 40,15;
54,7; 58, 7-11; 69,23-29; 109,6-19; 139,19; 140,9-12, 141,10, 143 12; cf. Jr 15,15; 17,18; 18,21-23).
Para se compreenderem essas preces que tão longe estão da doutrina e do exemplo de Jesus (Mt 5,39.44;
6,14; Lc 23,34), é preciso observar:
a) que a revelação do AT foi a preparação do NT, e por conseguinte imperfeito;
b) que a maldição, no Oriente antigo e entre os israelitas, era uma arma defensiva perfeitamente
legítima;
c) que a linguagem dos orientais é mais apaixonada do que a nossa.

(a) Como revelação preparatória, o AT é necessariamente imperfeito em alguns pontos; os preceitos


morais deviam levar em conta a mentalidade dos israelitas (cf. Mt 19,8; Mc 10,5). Entre essas
imperfeições Jesus coloca a lei do talião "olho por olho, dente por dente" (Lv 24,19s; Gn 9,6; Jz 1,6s; Gn
4,14.23s) e o ódio ao inimigo (Mt 5,43). Era proibido odiar os patrícios (Lv 19,17s.34; Ex 23,4s; Pr 25,21
Jó 31,29s; Eclo 28,1-7), mas de outro lado bastante comum, sendo considerado a atitude mais natural para
com os inimigos (2Sm 19,6s; Sl 131,21; cf. lTes 2,15; Tacit. Hist. 5,5). A exigência de Jesus (Mt 5,44) foi
realmente um mandamento novo (Jo 13,34; 15,12), que corrigiu a lei antiga. Portanto, não podemos julgar
a atitude dos israelitas, nem dos devotos adoradores de Javé, pela norma da perfeição evangélica.

(b) A maldição era a defesa normal dos israelitas, sobretudo daqueles que não dispunham de outros meios
para se defender. O próprio Javé ameaçava com a sua maldição a quem transgredisse a sua lei (Dt 27,15-
26) e a quem amaldiçoasse os seus protegidos (Gn 12,3); Ele mesmo, portanto, aplicava também a lei do
talião (Gn 12,3; Dt 32,21; Jr 5,19; cf. Pv 1,26-28), para provar a sua justiça. Quando o piedoso israelita,
portanto, pronunciava a sua maldição sobre adversários e perseguidores, ele julgava basear-se no poder e
na justiça de seu Deus (p. ex., Sl 7,9s.12.18; 31,2; 28,4; 35,7s), e estava convencido de promover, pelas
suas imprecações, a punição dos criminosos e a restauração do direito (p. ex., Sl 28,4; 35,7s). Isso lhe
parecia tanto mais necessário, porque não conhecia outra retribuição senão nesta vida e porque
considerava os apressares de seu povo e seus inimigos pessoais como os inimigos do próprio Javé (Sl
74,23; 83,6; 139,21; Jr 15,15).

(c) O temperamento fogoso, a viva imaginação e o rico vocabulário dos orientais explicam as expressões
apaixonadas com que a malícia dos adversários geralmente é descrita. Sua boca é cheia de fraude e
violência (Sl 10,7; 59,13), sua língua é aguda como a das serpentes (Sl 140,4); atiram flechas (S1 11,2;
37,14; 64,4), armam redes (35,7s; 51,7; 140,6) e cavam um fosso (7,16; 35,8) para as suas vitimas. Essas
expressões poderiam referir-se a meios mágicos de que os maus se serviam para perder os piedosos, mas
com mais possibilidade são linguagem figurada que descrevem de modo concreto suas falsas acusações e
atentados (cf. Sl 5,6), como muitas outras imagens, inspiradas pela guerra e pela caça (p. ex., 37,14s;
Jr 20,10) e descrevem os adversários como leões que espreitam (Sl 10,9; 22,14) ou como touros e búfalos
ameaçadores (22,13). Da mesma maneira devemos julgar também a torrente de imprecações em alguns
salmos; como provam também muitos paralelos babilônicos, isso é perfeitamente de acordo com o
temperamento oriental, tratando-se apenas de variações sobre o único tema, "Deus castigue seu adversário
injusto". Algumas imprecações talvez nem devam ser tomadas a sério, porque são contraditórias (p. ex.,
S1 109,8 e vv 18s; S1 59,12 e v 14). Alguns exegetas concluem tratar-se de fórmulas estereotípicas ou
tiradas de outro contexto (mágico), em que o poeta exprime o seu desejo de libertação e de ver
restabelecido o direito. As tentativas de outros exegetas para colocar as maldições na boca dos inimigos
do salmista não convencem, e violentam o texto. Aliás, os salmistas nunca teriam tido a coragem de
repetir maldições preferidas contra si próprios, renovando-lhes assim a força.

201
TIPOS DE SALMOS

Categoria Descrição Referências


dos Salmos

Orações pelo livramento de Deus; Sl 3-5; 7; 12 - 13; 22; 25 - 28; 35; 37-
Lamentação conforto em tempos de desespero e 40; 42- 44; 54 - 57; 59 - 61; 63 - 64; 69 -
de desanimo. 71; 74; 79 - 80; 83; 85 - 86; 88; 90; 109;
120; 123; 140 - 142

Penitência Orações centradas no pecado e no Sl 6; 32; 38; 51; 102; 130; 143
perdão.

Ação de graças Louvor a Deus por seus elos Sl 8; 18 - 19; 29 - 30; 32 - 34; 36; 40 -
graciosos; gratidão pelas muitas , 41; 66; 103 - 106; 111
bênçãos de Deus.

Aleluia Salmos de louvor para serem Sl 113 - 118


cantados nos dias santos.

Entronização Descrição do governo soberano de Sl 47; 93; 96-99


Deus; reconhecimento de Deus
como Criador poderoso e soberano
Senhor.

Peregrinação (ou Cânticos de louvor entoados pelos Sl 43; 46; 48; 76; 84; 87; 120 - 134
ascensão; ou viajantes que iam às , festas
degraus) judaicas; expressão de reverência e
de celebração.

Proclamação do reinado do rei


Real terreno e do Rei celestial; reflexão Sl 2; 18; 20 - 21; 45; 72; 89; 101; 110;
sobre a necessidade de fazer do 132; 144
Senhor o soberano condutor da vida
diária.

Sabedoria Instrução para o caminho da Sl 1; 37; 119


justiça; determinação de buscar a
vontade e a direçáo de Deus em
momentos de decisão.

Imprecatório Pedido de manifestação da ira e do Sl 7; 35; 40; 55; 58 - 59; 69; 79; 109;
juízo de Deus contra os inimigos; 137; 139; 144
expressão de sentimentos sinceros
sobre os outros e solução de
conflitos.

Nota: O Livro dos Salmos é uma coletânea de orações, poemas e hinos que destacam
pensamentos sobre Deus e o espírito de louvor e de adoração. Alguns salmos eram usados como

202
cânticos nos cultos de louvor do antigo Israel. Este quadro apresenta um dos sistemas

IMPORTÂNCIA
Não foi sem motivo que a reforma litúrgica prescrita pelo Concílio Vaticano II deu lugar de
destaque aos Salmos, p. ex. introduzindo na Missa o Salmo de Meditação entre as leituras. Eles contem
em si toda a Bíblia, como disse Santo Tomás de Aquino. Repetem em forma de oração o que os outros
livros inspirados expõem narrando ou exortando. Falam da criação, da história dos patriarcas, do êxodo,
da conquista da Palestina, do cativeiro de Babilônia e da espera do Messias. No Novo Testamento os
Salmos são citados mais de 100 vezes. Jesus na cruz rezou o Salmo 22, cujo começo lemos em Mc 15,34
e Mt 27,46 e morreu, pronunciando o v. 6 do Salmo 31. Certos textos como Sl 110,1 ("Oráculo do Senhor
ao meu Senhor: senta-se à minha direita) e Sl 118,22 ("a pedra que os pedreiros rejeitaram ficou sendo a
pedra principal ") serviram de fundamentação bíblica para a pregação dos Apóstolos. Pelo fato de serem
inspirados, os Salmos fazem parte daquela linguagem sublime que o próprio Espírito Santo intercede por
nós, como escreveu S. Paulo em Rm 8,26. Por isso a Igreja fez dos Salmos o núcleo de sua oração oficial,
com a qual se santificam os diversos momentos do dia, a assim chamada “Liturgia das Horas”.
Os salmos têm parte relevante na oração da igreja (Missa, Sacramentário e Liturgia das Horas).
Por isto o cristão deve procurar iniciar-se especialmente na compreensão dos mesmos. Cristo, como
membro do povo de Israel, rezou-os; fez passar por esses cânticos os sentimentos da sua santissima alma
na tristeza, na perseguição, na alegria...; o cristão, que é membro de Cristo, há de rezar os salmos em
união com o Senhor Jesus nas diversas ocasiões da sua vida; há de proferi-los também com a igreja, que
prolonga a obra de Cristo através dos séculos. Verdade é que a linguagem dos salmos não é fácil para os
cristãos: recorre, por exemplo, a muitos antropomorfismos (Deus é configurado à semelhança do
homem), atribuindo a Deus braços, mãos, pés, ouvidos, olhos, boca, lábios... comparando Deus com
fenômenos da natureza (trovão, vento, chuva, rochedo, montanha) ou com obras humanas (cidadela, muro
de proteção, refúgio, escudo, espada...). Este modo de falar quer dizer que Deus está muito perto do
homem e se relaciona com este de maneira viva e dinâmica. Outra fonte de dificuldades para se
entenderem os salmos é o conceito de cheol, no qual bons e maus, inconscientes, se encontrariam após a
morte. Este conceito, porém, foi cedendo ao de vida póstuma consciente, como se nota, por exemplo, em
Sl 72(73),25s.28; 26(27),13s; 15(16),9-11; 48(49),16.

Nome
Os nomes de Deus
Descrição Referência
Aba (aram. Abba) Paizinho -- diminutivo de pai Mc 1,.36

Altíssimo (aram. Illaya) Aquele que é exaltado


Dn 7,25
Ancião de dias (aram. Attiq Yomin) Dn 7,9
Deus (heb. 'Elohim) *Gn 3,3
Deus Altíssimo (heb. 'El 'Elyon) Gn 14,18-20
Deus Eterno (heb. 'El Olam) Gn 21,33
Juiz (heb. Shapat) Gn 18,25
O Deus que vê (heb. 'El Roi) *Cri 16,13
O Santo de Israel (heb. Qedosh Yisra'el) Is 1,4
O SENHOR é minha Bandeira (heb. YHWH-Nissi) Êx 17,15
O SENHOR é o meu Pastor (heb. YHWH-Rohi) S1 23,1
O SENHOR é Paz (heb. YHWH-Shalom) Jz 6,24
O SENHOR Proverá (heb. YHWH-Yireh) Gn 22,14
Pai (heb. 'Ab) 2Sm 7,14
Senhor (heb. 'Adonai) SI 2,4
*1Sm 1,20
SENHOR dos Exércitos (heb. YHWH-Sabaoth) 1Sm 1,3
SENHOR, Justiça Nossa (heb. YHWH-Tsidekenu) Jr 23,6
Todo-Poderoso (heb. Shaddai) *Rt 1,20
Veja também Lm 3.22, nota: tópicos sobre os Atributos de Deus (Êx 33; Dt 4; 32; 2Cr 19; Jó 23; 42; SI 25;
89; 90; 102;
203
Is 6; 65; Jr 23; *Referências nas quais uma mulher usou este nome.

TEOLOGIA

Sistematizar o pensamento que nos é oferecido no LIVRO DOS SALMOS tem muito a ver com
tudo o que anteriormente se disse da sua leitura. Não é verdadeiramente um livro, nem foi feito de uma só
vez; não tem, portanto, uma doutrina uniforme e explícita. A sua verdadeira unidade é a da atitude de
oração que em todos eles se exprime.
Mesmo assim, há idéias que são expressas com mais ou menos intensidade. A utilização que
tiveram fez deles a expressão literária das verdades religiosas fundamentais. É o caso das expectativas
messiânicas, facilmente associadas aos Salmos de temática real.
Mas o que eles traduzem mais explicitamente é sobretudo a concepção de Deus e de todos os
elementos decisivos da experiência religiosa: um Deus que governa o mundo, a vida e a História, que é
acolhedor e próximo, disposto a atender os pedidos de socorro, os gritos de desespero e os anseios de
esperança, tanto de cada indivíduo como de toda a comunidade.
Devido a esta representatividade, os SALMOS tornam-se como que um tratado de teologia
bíblica, uma vez que a sua expressividade orante encerra sutilezas tão íntimas que facilmente escapariam
aos tratados catequéticos ou mesmo proféticos.

204
ESQUEMA do Livro dos SALMOS

SALMO 1 SALMO 31 (30) SALMO 61 (60)


Os dois caminhos —1,1-6 Súplica na provação— 31, 1-25 Prece de um exilado— 61, 1-9
SALMO 2 SALMO 32 (31) SALMO 62 (61) Só de Deus vem a
O drama messiânico— 2,1-12 A confissão liberta do pecado! 32, 1-11 esperança-62, 1-13
SALMO 3 SALMO 33 (32) Hino à Providência — SALMO 63 (62)
Apelo matinal do justo perseguido— 3,1- 2 33, 1-22 Desejo de Deus —63, 1-12
SALMO 4 SALMO 34 (33) SALMO 64 (63)
Oração da tarde —4,1- 9 Louvor à justiça divina— 34, 1-23 Castigo dos caluniadores —64, 1-11
SALMO 5 SALMO 35 (34) SALMO 65 (64)
Oração da manhã— 5,1- 13 Prece de um justo perseguido 35, 1- 28 Hino de ação de graças 65, 1-14
SALMO 6 SALMO 36 (35) Malícia do pecador e SALMO 66 (65)
Súplicas durante a provação —6,1-11 bondade de Deus —36, 1-13 Ação de graças pública 66, 1-20
SALMO 7 SALMO 37 (36) SALMO 67 (66)
Prece do justo perseguido —7,1-18 A sorte do justo e do ímpio —37, 1-40 Prece coletiva após a colheita anual 67, 1-8
SALMO 8 SALMO 38 (37) SALMO 68 (67)
Poder do nome divino— 8,1-10 Prece na angústia —38, 1- 23 A gloriosa epopéia de Israel— 68, 1-36
SALMO 9-10 Deus abate os ímpios e SALMO 39 (38) O nada do homem SALMO 69 (68)
salva os humildes — *9-10,1-18 frente a Deus —39, 1-14 Lamentação —69, 1-37
SALMO 11 (10) SALMO 40 (39) Ação de graças. SALMO 70 (69)
Confiança do justo— 11,1-7 Pedido de socorro— 40, 1-17 Grito de angústia —70, 1-6
SALMO 12 (11) SALMO 41 (40) SALMO 71 (70)
Contra o mundo falsa— 12,1-9 Prece do doente abandonado —41, 1-14 Súplica de um ancião— 71, 1-24
SALMO 13 (12) SALMO 42-43 (41-42) SALMO 72 (71)
Pedido confiante— 13,1-6 Lamento do levita exilado *42-43, 1-5 O rei prometido— 72,1-20
SALMO 14 (13) SALMO 44 (43) SALMO 73 (72)
O homem sem Deus —14, 1-7 Elegia nacional —44, 1-27 A justiça final— 73, 1- 28
SALMO 15 (14) SALMO 45 (44) SALMO 74 (73) Lamentação após o
O hóspede de Iahweh — 15, 1-5 Epitalâmio real —45, 1-18 saque do Templo —74, 1-23
SALMO 16 (15) SALMO 46 (45) SALMO 75 (74)
Iahweh, minha parte na herança 16,1-11 Iahweh é a nossa fortaleza —46, 1-12 Julgamento total e universal— 75, 1-11
SALMO 17 (16) SALMO 47 (46) SALMO 76 (75)
Súplica do inocente— 17,11-15 Iahweh é rei de Israel e do mundo 47, 1-10 Ode ao Deus terrível — 76, 1-13
SALMO 18 (17) SALMO 48 (47) SALMO 77 (76) Meditação sobre o
"Te Deum" real — 18, 1-51 Sião, a montanha de Deus— 48, 1-15 passado de Israel —77, 1-21
SALMO 19 (18) SALMO 49 (48) SALMO 78 (77)
Iahweh, sol de justiça —19, 1-15 O nada das riquezas —49, 1-21 As lições da história de Israel 78, 1-72
SALMO 20 (19) SALMO 50 (49) SALMO 79 (78)
Prece pelo rei —20,1- 10 Para o culto em espírito —50, 1-23 Lamentação nacional— 79,1- 13
SALMO 21 (20) SALMO 51 (50) SALMO 80 (79)
Liturgia de coroação —21, 1- 14 Miserere —51,1-21 Oração pela restauração de Israel 80, 1-20
SALMO 22 (21) SALMO 52 (51) SALMO 81 (80)
Sofrimentos e esperanças do justo 22,1-32 Julgamento do cínico— 52, 1-11 Para a festa das Tendas —81, 1-17
SALMO 23 (22) SALMO 53 (52) SALMO 82 (81)
O bom Pastor 23, 1-6 O homem sem Deus —53, 1-7 Contra os príncipes pagãos— 82, 1-8
SALMO 24 (23) SALMO 54 (53) SALMO 83 (82)
Liturgia de entrada no santuário —24, 1-10 Súplica ao Deus justo 54, 1-9 Contra os inimigos de Israel — 83, 1-19
SALMO 25 (24) SALMO 55 (54) SALMO 84 (83)
Súplica no perigo— 25,1-22 Prece do caluniado —55, 1-24 Canto de peregrinação— 84, 1-13
SALMO 26 (25) SALMO 56 (55) SALMO 85 (84)
Súplica do inocente— 26, 1-12 O fiel não sucumbirá— 56, 1-14 Oração pela paz e pela justiça- 85, 1-14
SALMO 27 (26) SALMO 57 (56) SALMO 86 (85)
Junto a Deus não há temor — 27, 1-14 No meio de "leões"— 57, 1-12 Súplica na provação— 86, 1-17
SALMO 28 (27) SALMO 58 (57) SALMO 87 (86)
Súplica e ação de graças —28,1-9 O Juiz dos juízes terrestres —58, 1-12 Sião, mãe dos povos —87, 1-7
SALMO 29 (28) SALMO 59 (58) SALMO 88 (87)
Hino ao Senhor da tempestade 29, 1-11 Contra os ímpios —59, 1-18 Súplica do fundo da angustia 88, 1-19
SALMO 30 (29) Ação de graças após um SALMO 60 (59) SALMO 89 (88)

205
perigo mortal— 30, 1-13 Prece nacional após a derrota 60, 1-14 Hino e prece ao Deus fiel —89, 1-53

SALMO 90 (89) SALMO 110 (109) SALMO 132 (131)


Fragilidade do homem —90, 1-17 O sacerdócio do Messias— 110,1-7 Para o aniversário da transladação da
SALMO 91 (90) SALMO 111 (110) Arca 132, 1-18
Sob as asas divinas— 91, 1-153 Elogio das obras divinas—111, 1- 10 SALMO 133 (132)
SALMO 90 (89) SALMO 112 (111) A vida fraterna— 133, 1-3
Fragilidade do homem— 90, 1-16 Elogio do justo —112, 1-10 SALMO 134 (133)
SALMO 91 (90) SALMO 113 (112) Para a festa noturna —134, 1-3
Sob as asas divinas —91, 1-16 Ao Deus de glória e de amor —113, 1-9 SALMO 135 (134)
SALMO 92 (91) SALMO 114 (113 A) Hino de louvor— 135, 1-21
Cântico do justo —92, 1-16 Hino pascal— 114, 1-8 SALMO 136 (135)
SALMO 93 (92) SALMO 115 (113 B) Grande ladainha de ação de graças
O Deus majestoso —93,15 O único Deus verdadeiro—115, 1-18 Aleluia! —136, 1-26
SALMO 94 (93) SALMO 116 (114-115) SALMO 137 (136)
O Deus justo —94,23 Ação de graças— 116, 1-19 Canto do exilado— 137, 1-9
SALMO 95 (94) SALMO 117 (116) SALMO 138 (137)
Invitatório—95, 1- 11 Convite ao louvor— 117, 1-12 Hino de ação de graças —138, 1- 8
SALMO 96 (95) SALMO 118 (117) Liturgia para a SALMO 139 (138)
Iahweh, rei e juiz —96,1- 13 festa das Tendas— 118, 1-129 Homenagem ao Deus onisciente—
SALMO 97 (96) SALMO 119 (118) 139,1-24
Iahweh triunfante— 97, 1- 12 Elogio da lei divina— 119, 1-176 SALMO 140 (139)
SALMO 98 (97) SALMO 120 (119) Contra os maus —140, 1-14
O juiz da terra— 98,1-9 Os inimigos da paz— 120, 1-7 SALMO 141 (140)
SALMO 99 (98) SALMO 121 (120) Contra a sedução do mal— 141, 1-10
Deus é rei justo e santo— 99, 1- 9 O guarda de Israel —121, 1-8 SALMO 142 (141)
SALMO 100 (99) SALMO 122 (121) Prece de um perseguidor— 142, 1-8
Convite ao louvor —100,1-5 Saudação a Jerusalém —122, 1-9 SALMO 143 (142)
SALMO 101 (100) SALMO 123 (122) Súplica humilde— 143, 1-12
O espelho dos príncipes —101,1- 8 Oração dos deserdados— 123, 1-4 SALMO 144 (143)
SALMO 102 (101) SALMO 124 (123) Hino para a guerra e a vitória —144, 1-
Oração na infelicidade— 102, 1-29 O salvador de Israel— 124,1-8 15
SALMO 103 (102) SALMO 125 (124) SALMO 145 (144)
Deus é amor— 103, 1-22 Deus protege os seus 125, 1-5 Louvor ao Rei Iahweh— 145,1-21
SALMO 104 (103) SALMO 126 (125) SALMO 146 (145)
O esplendor da criação—104, 1- 35 A volta do exílio— 126, 1-6 Hino ao Deus que socorre — 146,1- 10
SALMO 105 (104) A história SALMO 127 (126) SALMO 147 (146-147)
maravilhosa de Israel —105,1- 45 Abandono à Providência— 127, 1-5 Hino ao Onipotente— 147, 1 -20
SALMO 106 (105) SALMO 128 (127) SALMO 148
Confissão nacional— 106, 1-48 Bênção para o fiel— 128, 1-6 Louvor cósmico—148, 1-14
SALMO 107 (106) Deus salva o SALMO 129 (128) SALMO 149
homem de todo perigo —10,1-43 Contra os inimigos de Sião— 129, 1-8 Hino triunfal —149, 1-9
SALMO 108 (107) Hino matinal e SALMO 130 (129) SALMO 150
prece nacional —108, 1- 14 De profundis— 130, 1-8 Doxologia final — 150, 1-6
SALMO 109 (108) SALMO 131 (130)
Salmo imprecatório —109, 1-31 O espírito de infância— 131, 1-3

206
Provérbios
O livro dos PROVÉRBIOS é o primeiro e o mais representativo documento da literatura
sapiencial de Israel. Trata-se de uma antologia de coleções heterogêneas, de origens e datas diferentes,
abrangendo um período de tempo que se estende do séc. X ao séc. V aC.. A tradição hebraica é unânime
na aceitação do livro dos PROVÉRBIOS; o NT cita-o várias vezes e a Igreja primitiva tê-lo-ia utilizado
na catequese moral para os catecúmenos. De fato, ainda hoje este livro nos ensina a ciência da vida.

AUTOR

O livro é atribuído a Salomão (1,1) e há razões que se podem apontar como justificativas disso: a tradição
considera este rei especialmente dotado com o dom de sabedoria (1Rs 3,9-12; 5,12-14; 10,1-9) e foi ele o
patrocinador e o autêntico fundador da tradição da sabedoria em Israel. Ganhou, por isso, o estatuto de
maior Sábio, a cuja autoridade no campo da literatura sapiencial facilmente se recorria para conferir
maior importância à obra de um autor anônimo (pseudo-epigrafia).
A ele se atribuem as duas coleções basilares da obra, com máximas que podem remontar, em
parte, ao início da monarquia: 10,1-22,16, com o título de "Provérbios de Salomão", e 25-29, introduzida
pela expressão: "Também estas são sentenças de Salomão, recolhidas pelos homens de Ezequias, rei de
Judá."
Por tudo isso, o livro é apresentado como sendo de Salomão. Mas o subtítulo das pequenas seções,
mencionando sábios anônimos (22,17-24,34) e as sentenças de Agur e de Lemuel (30,1-31,9) dizem
claramente que o título geral não pretende ter um caráter de objetividade.

TEXTO E GÉNERO LITERÁRIO

O gênero literário dos provérbios é muito antigo, tanto em Israel, como nos países vizinhos. As
informações bíblicas, segundo as quais se praticava na corte de Salomão a sabedoria dos provérbios (lRs
4,29-34; 10,1-13.23-25) são perfeitamente fidedignas e é muito natural que a antiga tradição judaica, bem
como a cristã, tenha considerado Salomão como o autor de Prov. A composição do livro, porém, prova
que é antes obra de diversos colecionadores, dos quais alguns já devem ter trabalhado antes do cativeiro.
As coleções 2 e 5 devem ser as mais antigas; a coleção 1 é a mais recente; a linguagem e o estilo provam
que não foram redigidas antes do século V.

O livro evolui das formas mais simples de máximas breves - aquilo que tecnicamente recebe a designação
de "mashal", termo hebraico que inclui as mais diversas formas de metáfora, desde pequenas parábolas,
descrições exemplares ( como a mulher de valor, no cap. 31), charadas, complexas e elaboradas de
sentenças, aforismos, enigmas e até algumas reflexões teológicas, até os provérbios às vezes um tanto
rudes e unilaterais da sabedoria popular, chegando a ser tão unilaterais que o próprio livro completa um
provérbio por outro,diferente. Portanto, não se trata de um tratado sistemático de teologia moral! - Tudo é
expresso em forma poética, na qual encontramos o paralelismo sinonímico, antitético e sintético, embora
este com menos frequência; e também em forma de comparações, de poemas numéricos e alfabéticos. Isto
confere à obra uma grande riqueza literária.
Essa evolução formal reflete igualmente uma evolução na própria concepção de sabedoria, que vai
da simples capacidade e habilidade humanas, mais ou menos de sabor profano, a uma realidade mais
transcendente que pertence à esfera divina.

207
O livro enquadra-se no contexto do movimento sapiencial do Médio Oriente antigo, donde recebe a
mesma inspiração temática e expressiva. Por isso, não é de admirar a atribuição de duas pequenas
coleções a sábios estrangeiros (30,1-14; 31,1-9) e a grande afinidade entre 22,17-23,11 e as máximas de
Amenemope, livro sapiencial egípcio; trata-se da existência de uma corrente literária internacional, de que
Israel também fazia parte.

DIVISÃO E CONTEÚDO

Tanto na Bíblia hebraica como nas traduções gregas e latinas o livro Pv é chamado "Provérbios de
Salomão", pois trata-se de uma coleção de provérbios, antigamente atribuídos ao rei Salomão. Estes
provérbios são o reflexo poético (geralmente dísticos com paralelismo antitético; às vezes poemas com
número maior de versículos) da doutrina dos sábios. Esse livro, portanto, trata de todos os assuntos, sobre
os quais os sábios, para o bem de seus semelhantes, projetaram sua luz. Raramente estão ordenados
segundo o assunto; quando existe alguma ordem (o que se verifica poucas vezes) então é uma ordem de
caráter poético ou pedagógico, p. ex., para facilitar a memorização.
O livro começa por uma breve introdução geral (1,1-7), onde se explicita o seu conteúdo, se
justifica o título e se afirma que, no limiar de todo o conhecimento está o temor do Senhor. Depois,
apresenta um conjunto de nove coleções independentes, diferentes em extensão, estilo, conteúdo e época:

I. 1,8-9,18: advertências de um pai educador (1,2-9), sobre a sabedoria contra as más


companhias e a mulher leviana (2,16-19; 5,1-23; 6,20-35; 7,1-27); a sabedoria, exaltada
e personificada, toma a palavra ((1,10-33; 8; 9,1-12), faz o elogio de si mesma, define as
suas relações com Deus desde a eternidade, descreve o seu papel na criação e fala do seu
maior desejo: comunicar-se ao ser humano, para o orientar no processo do
conhecimento do meio em que vive, em ordem a que Deus possa ser encontrado nessa
mesma realidade (8,35). Também aparece a "Senhora Insensatez", em oposição à
Sabedoria (9,1-6 e v.13-18).
II. 10,1-22,16: coincide com a primeira coleção de Salomão e é constituída por sentenças
muito antigas que se ocupam da vida moral. Exclusivamente dísticos, tratando dos
aspectos mais diversos da sabedoria pratica, sendo o comportamento do sábio (piedoso)
comparado com o do estulto (ímpio).
III. 22,17-24,22: primeira coleção de advertências e conselhos, sem título, de poemas
quase todos de um maior número de versículos. Muitos têm uma forma especial por
conter um motivo por que alguma coisa deve ser feita ou omitida. Uma parte baseia-se
no livro egípcio da sabedoria de Amenemope (22,17-23,14);, escrito em meados do
primeiro milênio aC(?) de notável sátira feita à embriaguez (23,29-35).
IV. 24,23-34: segunda coleção dos sábios; sob o título: "Também isto é de sábios", alguns
provérbios quase todos de mais de dois versículos, sobre a insinceridade e a preguiça.
V. 25,1-29,27: segunda coleção de Salomão, cuja compilação se atribui aos sábios que
estavam ao serviço do rei Ezequias. Tem sinais de parentesco com a primeira (10,1-
22,16) e nela se encontram alguns dos provérbios mais puros, tanto na forma como no
conteúdo, especialmente nos capítulos 25-27. Os capítulos 28-29 distinguem-se pelo seu
espírito religioso, com frequentes alusões ao Senhor; recordam a observância da lei e
contrapõem os malvados e os justos.
VI. 30,1-14: provérbios de Agur,) 30,1-14, com o titulo "Palavras de Agur - sábio de
origem estrangeira, filho de Jaque, de Massa". Essa coleção é introduzida por um
monólogo que lembra Jó 40,4s e 42,2-6, e consta de uma confissão vv 5s), uma oração
vv 7-9) uma exortação (v 10) e uma lamentação (vv 11-14). Este trecho, portanto, não
pertence propriamente ao gênero dos provérbios..
VII. 30,15-33: provérbios numéricos, organizados segundo o modelo de uma enumeração
progressiva terminada por uma exortação.
VIII. 31,1-9: provérbios de Lemuel, outro sábio estrangeiro, rei de Massa, que sua mãe lhe
ensinou; três provérbios de três versículos cada um..
208
IX. 31,10-31: célebre poema, elogio da mulher exemplar (Poema alfabético), onde se nota
certa relação com a sabedoria apresentada no capítulo 9, porém, é um poema
independente. Que essas coleções originariamente foram independentes, prova-se não
apenas pelos títulos (em parte guardados), mas também pela ordem diferente em que se
encontram na versão dos LXX (1-2-3-6-4-7-8-5-9). Alguns "doublês" em diversas
coleções (sobretudo em 2) evidenciam que também essas coleções não são unidades
literárias, mas foram compostas de unidades menores, as quais será difícil reconstruir
exatamente.

TEMAS ESPECÍFICOS

- Valor da educação. Mesmo abstraindo do valor religioso, a atenção dada à educação, neste escrito que
é contemporâneo de Sócrates e Platão -, é sumamente importante para toda a humanidade. À diferença da
educação grega, baseada na razão, a educação judaica se baseia na tradição. É concebida como
transmissão da experiência das gerações passadas e como "disciplina ", ou seja, correção de tendências e
atitudes consideradas prejudiciais ou anti-sociais. Mas na visão de Israel, a educação não é meramente
profana: o principio da sabedoria é o temor do Senhor
- De pai para filho, de mestre para discípulo. Descobrimos no livro os diversos âmbitos de
transmissão: de pai para filho no âmbito patriarcal e tribal, de preceptor para príncipe no âmbito da corte,
do mestre para os discípulos (chamados respectivamente pai e filhos) no âmbito da escola depois do
exílio.
- A descoberta da Sabedoria. Se, no âmbito tradicional, por "sabedoria" se entende habilidade
(assim claramente em Ex 31,3), no livro dos Provérbios (como no Segundo Isaias, Is 55), surge a
Sabedoria personificada, considerada como uma entidade de caráter divino e que inspira aqueles que a ela
se abrem. Aqui também está uma diferença em relação à filosofia clássica grega, que se articula como
busca dialética da Sofia, enquanto no mundo bíblico, talvez por influência da tradição profética, a
sabedoria vem da escuta dessa entidade divina, que está junto de Deus desde o inicio de suas obras
(Pr 8,22-31).
- A Sabedoria é representada como mulher, especialmente nos caps. 1- 9 (8,22-31; 9,1.!) e no
fim (31,1, e a mulher de valor em 31,10-31 parece a encarnação concreta da Dama Sabedoria). Os desti-
natários de seus ensinamentos são os homens, especialmente príncipes e jovens senhores.
- Prudência e discernimento. Se no mundo grego a sabedoria é fruto do raciocínio estrito, na
Bíblia ela se encontra pela “prudência", tradução um tanto convencional uma atitude intuitiva, que
contém elementos de providência, de perspicácia, de juízo, bom senso e de discernimento (binâ). Por isso
a pessoa não deve ser impetuosa ou violenta, pois os impetuosos não escutam o bom senso de seu
coração, nem tomam o tempo necessário para discernir.
- A Lei como educação. O modelo de sabedoria que os colecionadores dos Provérbios tinham
diante dos olhos era, bem antes de Salomão, a Lei dada a Moisés e ao povo eleito. Quem dirige sua vida
por ela, encontrará o caminho da vida. Todavia, podemos ver aqui um indício de que a Lei deve ser
combinada com a sabedoria, para não se tornar fanatismo ou formalismo. Como já dizia o Dt, a própria
Lei é instrução de sabedoria como nenhum outro povo a possui (Dt 4,6).

TEOLOGIA

Tal como no aspecto literário, também no doutrinal este livro não apresenta unidade. De uma forma
genérica, ensina a arte de bem viver, pondo em relevo a preocupação pelos simples, especialmente os
jovens sem experiência, procurando incutir-lhes uma personalidade firme, guiada pela sabedoria e
piedade filial, evitando a preguiça, o vinho, as más companhias, as mulheres de má vida, os desmandos da
língua, a iniquidade.
Esta moral pode parecer apenas natural e laica; mas não há dúvida que a religião é a base de toda a
moralidade dos Provérbios. Por isso, "o temor do Senhor", princípio e coroamento da sabedoria, fonte de

209
felicidade, aparece como chave e fecho deste livro (1,7; 31,30), embora não sejam muitas as referências
diretas à lei, ao culto e à aliança, noções fundamentais na religião hebraica.
Quanto ao problema da retribuição e do além, o livro mantém-se na linha tradicional de uma retribuição
individual, terrena, e ignora a reação de Jó, o Eclesiastes e os profetas exílicos.
Apresenta um certo otimismo, na medida em que o homem aparece inserido num mundo em que pode
fazer as suas opções em ordem a ter êxito na vida, tornando-se responsável por ele próprio. Foi uma
ampla experiência humana que permitiu formular provérbios anunciadores da recompensa atribuída à
justiça, à bondade e à humildade, assim como da punição reservada a atitudes opostas. Contudo, também
já se nota a percepção de que essa recompensa não obedece a nenhum automatismo, pois acima de toda a
sabedoria e habilidade está Deus, o soberano absoluto da natureza, dos acontecimentos e do coração
humano (21,30-31).
Os escritores do Novo Testamento parecem aludir, mais de uma vez, a Pr 8, 22-36, passagem em que a
Sabedoria é personificada. Cristo é dito Sabedoria e Poder de Deus em 1Cor 1, 24.30; Cl 2, 3; existia
junto ao Pai desde toda a eternidade (Pr 8, 22s = Jó 1,1; 8, 58); por Ele tudo foi feito (Pr 8, 24-31 = Jó 1,
3; Cl 1,16); habitou entre os homens por própria iniciativa (Pr 31 = Jó 1,14); a estes comunica verdade e
vida (Pr 8, 32-36 = Jó 14, 6; Lc 11, 9s).
A Liturgia adapta a Maria Virgem os textos de Pr 8,22-36. Este procedimento é justificada pois
Maria foi a sede da Sabedoria e a obra-prima da Sabedoria Divina; a estes títulos, ela participa do elogio
da Sabedoria.

TÍTULOS E SOBTÍTULOS DO LIVRO DE PROVÉRBIOS

1 Título geral — 1, 1-7


I. Prólogo
RECOMENDAÇÕES DA SABEDORIA
O sábio: Fugir dos maus companheiros— 1,8 - 19
A sabedoria: discurso aos indiferentes— 1,20 -33
A sabedoria contra as más companhias— 2, 1-22
Como adquirir a sabedoria —3, 1 -12
As alegrias do sábio—3, 3-35
Escolha da sabedoria— 4, 1-27
A desconfiança frente à estrangeira e os verdadeiros amores do sábio— 5, 1-23
A fiança imprudente— 6,1-5
O preguiçoso e a formiga— 6,6-11
O Insensato— 6,12 -15
Sete coisas abomináveis 6,16-19
Continuação do discurso paterno— 6,20 -7,27
Segundo discurso da Sabedoria 8, 1-11
Auto-elogio da Sabedoria: a Sabedoria régia —8,12-21
A Sabedoria criadora —8,22-31
O convite supremo —8,32-36
A sabedoria hospitaleira— 9,1-6
Contra os zombadores— 9,7-12
A senhora insensatez arremeda a Sabedoria— 9,13-18
II. A grande coleção salomônica —10 -22,16
III. Coleção dos Sábios— 22,17-24,22
IV. Seqüência da coleção dos Sábios —24,23-34
V. Segunda coleção salomônica— 25-29,27
VI. Palavras de Agur— 30,1-33
VIII. Palavras de Lamuel —31, 1-9
IX. A perfeita dona-de-casa— 31,10-31

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Eclesiastes

O nome grego Eclesiastes é a tradução do hebraico Qoheleth = o homem que fala na qahal ou na
assembléia, ou o orador, o pregador. Tal titulo é tirado de Ecl 1, 2.12; 7, 27; 12, 8-10; significa que o
autor pertence ao circulo dos sábios, e que no seu livro transmite reflexões já propostas em uma
assembléia de sábios ou discípulos.
O livro começa com a expressão "Palavras de Qohélet, filho de Davi, rei de Jerusalém",
geralmente considerada como título da obra. No contexto da literatura sapiencial do Médio Oriente,
encontram-se obras semelhantes a este livro, tanto no Egito (o "Diálogo do Desesperado com a sua
Alma", os "Cantos do Harpista") como na Mesopotâmia (especialmente o diálogo acróstico chamado
"Teodiceia Babilônica").

NOME

O texto grego traduziu o termo hebraico "Qohélet" por "Eclesiastes", que se transferiu para o
latim e, depois, para as outras línguas. Daí o título do livro aparecer como ECLESIASTES, por influência
grega e latina, ou como QOHÉLET, que é a tendência das traduções modernas, transliterando o hebraico.
Qohélet é identificado em 1,1 com o filho de Davi, rei de Jerusalém. Um tal filho de Davi só
poderia ser Salomão. Porém, um estudo sério, tanto no plano da linguagem como no plano da doutrina,
situa o livro num período posterior ao regresso do Exílio e anterior à época dos Macabeus. O fato de
aludir ao rei Salomão, nada significa; atribuí-lo àquele soberano não passa de uma ficção literária por
parte de alguém que procura um patrocínio de peso para as suas próprias reflexões.
Apesar da influencia helenista, o livro foi acolhido na sinagoga (como confirma Ecl 1,1,
"chancela" que o atribui a Salomão, símbolo da Sabedoria em Israel). Recebeu um lugar de honra e consta
entre os rolos festivos (meguilot), sendo lido na festa das Tendas, no fim da colheita e da vindima. Ás
exortações para usar bem os dons da vida cabem perfeitamente nesse quadro!

AUTOR

O autor do Eclesiastes não é Salomão, embora isto seja insinuado em 1,1.12; 2,3.7.8... É um judeu
da Palestina que viveu no séc. III aC. Com efeito, a linguagem hebraica do livro se ressente de
arramaismos e do enxerto de dois vocábulos persas. Além disto, as críticas feitas ao rei e ao reino (4,13-
16; 10,5s) e à corrupção dos magistrados (3,16; 4,1; 5,7; 10,16-19) não condizem com a época de
Salomão (séc. X aC.).

DIVISÃO E CONTEÚDO
Primeira parte —1,1-4 Segunda parte
Prólogo —1, 5- 11 Prólogo — 7,1-7
Vida de Salomão — 1,12 -2,26 A sanção — 7,8 - 8,17
A morte — 3,1-22 O destino — 9,1-12
A vida em sociedade —4-5,8 Sabedoria e insensatez — 9,13 - 12,8
O dinheiro — 5,9 - 6,12 Epílogo — 12,9-14

Além do titulo (1,1) e de um epílogo (12,9-14), Ecl contém sobretudo certo número de
considerações sobre a vaidade de tudo o que é terrestre, conforme é indicado no início e no fim: vaidade
das vaidades, tudo é vaidade (1,2; 12,8). Entre esse inicio e esse fim encontram-se provérbios

211
(especialmente na segunda - parte do livro), e meditações sobre a brevidade da vida, a inutilidade das
labutas do homem, o fracasso das suas obras, etc., alegando geralmente a própria experiência do autor.
Repetidamente chega-se à conclusão: goza da vida e dos bens desta terra; pois isso é a única coisa que o
homem tem de todo o seu trabalho (2,24; 3,22; 5,17; 8,15; 9,7; 11,7). No entanto, em tudo isso, o autor
não é materialista, pois considera os prazeres da vida como um dom de Deus (2,28; 5,18s), sabendo que o
homem terá de prestar contas a Deus sobre tudo, também sobre o uso dos bens materiais (3,17; 11,9;
12,4).
Em grande parte a sua visão da vida, aparentemente materialista e pessimista, provem de suas
idéias sombrias a respeito da vida após a morte nos infernos (9,7-10; 11,8), de sorte que as decepções da
vida terrestre não lhe foram suavizadas pela perspectiva de um feliz além-túmulo. Ecl não foi escrito em
aramaico mas em hebraico; em vocabulário, linguagem e estilo esse hebraico apresenta certas
semelhanças com os livros posteriores do AT.
É praticamente impossível resumir o assunto do livro. Mas há um tema que tudo atravessa: a
precariedade das ocupações humanas. Tudo é "vaidade ", ou seja, conforme o sentido hebraico original da
palavra: neblina, ilusão.
Os assuntos não são organizados conforme um roteiro sistemático; cada parte pode ser lida
independentemente. Todavia os dois primeiros capítulos e a meditação sobre a velhice constituem uma
moldura que cria a atmosfera para as demais matérias: um ancião reconhece o caráter ilusorio (fascinante,
mas sem valor definitivo) das coisas da vida e adverte os seus jovens discípulos. Para fins didáticos pode-
se esboçar o seguinte esquema:

1,2-11 1,12-2,26 3,1-11,6 11,7-12,8 12,9-14

Prólogo: Reflexão programática: Sobre a observação da vida e as palavras dos Juventude Duplo
fala do O autor faz a sua sábios: e velhice epílogo
retorno autocrítica, constatando a 3,1-15: introdução: poema sobre o tempo
cíclico inutilidade dos esforços 3,16-6,10: observações: família, comércio, dia-a-
das do homem para se libertar dia
coisas da condição humana. A 6,11-9,6: ensino dos sábios, o que se tenta e o que
conclusão a que chega é: se consegue
"também isto é ilusão" 9,7-11,6: conselhos práticos
2,26

O livro de Eclesiastes é próximo ao de Jó. Ambos tratam do problema da retribuição de Deus aos
homens: enquanto Jó parte da realidade do mal (da doença...), o Eclesiastes procede do vazio ou da
deficiência de todos os bens; enquanto o livro de Jó decorre sob as forma de um diálogo entre Jó e seus
amigos, o do Eclesiastes é um monólogo: o autor discute consigo mesmo a respeito da possibilidade de
encontrar felicidade no gozo do prazer (2,1-11), no trabalho (2,18-23), no cultivo da sabedoria (2,12-17),
nas riquezas (5,9-7,1), e verifica que em tudo há decepções para o homem; todos os bens se assemelham a
vaidade, isto é, a sopro ou vento: escapam quando alguém os quer segurar nas mãos (1,2.14; 2,1.11...).
Tudo se encaminha para a morte, que põe termo a tudo: 2,17; 3,19-21. Ninguém sabe o que acontece
depois desta: 3,19-22. Em consequência, o sábio aconselha o leitor a gozar dos prazeres materiais que a
vida presente lhe oferece: 3,12s; 8,15; 9,7-9 (coma, beba, vista-se bem e perfume a cabeça em companhia
da esposa).
Quem lê o livro, pode, à primeira vista, ficar confuso. O autor fala, sem nexo lógico, de muitos
assuntos, demonstrando não só pessimismo em relação a tudo, mas também ceticismo: parece não ter
ideal, nem animo na vida. Dá também a impressão de ser materialista, pois recomenda o gozo dos
prazeres materiais do momento e afirma que "o homem não leva vantagem sobre os animais...; todos vêm
do pó e voltam ao pó" (Ecl 3,19s).
Todavia uma leitura mais atenta do livro permite mais exata compreensão do mesmo.
Consideremos o seguinte:
- o autor de Ecl, como o de Jó, não tinha noção de uma vida póstuma consciente. Compartilhava a
idéia de que, após a morte, o ser humano entra em estado de torpor e se torna incapaz de receber a
retribuição de seus atos bons e maus; por conseguinte, julgava que é nesta vida que Deus exerce sua
212
justiça para com uns e outros. Ora a experiência bem mostra que os ímpios são, muitas vezes, sadios e
ricos, ao passo que os fiéis sofrem perseguição e miséria (cf. 9,2). isto leva o autor do Ecl ao desanimo.
- Além disso, notemos que o Eclesiastes não é um pensador especulativo, dado à metafísica. É,
sim, um homem prático que fala do que ele observa e experimenta. Em conseqüência, ele diz que
"ninguém sabe se o alento do homem sobe para cima e alento do animal baixa à terra" (3,21). Na verdade,
ninguém vê a alma de um vivente percorrer a sua trajetória depois da morte deste. Observemos, porém,
12,7: "O espírito volta a Deus, seu Autor".
- Quando o Eclesiastes recomenda o gozo dos bens materiais, ele não o faz como os ateus: ao
contrário, na falta de perspectiva de recompensa no além, ele convida seus discípulos a gozar dos bens
que Deus lhes dá no decorrer desta vida. Observemos bem os dizeres de 2,24: "O único bem do homem
é comer e beber e desfrutar do produto do seu trabalho; e ainda isso notei que é dom de Deus", ou os de
9,9: "Desfruta a vida com a mulher que amas, todos os dias que dure a tua vida fugaz que Deus te
concedeu debaixo do sol". Se Deus dá algum prazer, o Eclesiastes julga legítimo usufruí-lo como sendo
dom de Deus.
- As proposições sem nexo e quase contraditórias que o Eclesiastes apresenta, hão de ser
entendidas como partes da discussão que o autor estabelece dentro de si a respeito das possibilidades de
encontrar a felicidade. Quando discutimos, consideramos sucessivamente propostas contraditórias, mas só
nos responsabilizamos pela decisão final que se segue à discussão. Assim também no Eclesiastes; todas as
proposições do corpo de livro hão de ser consideradas como encaminhamento da conclusão final, que o
autor afirma como sendo sua tese ou sua mensagem: "Em conclusão e depois de ter ouvido tudo: teme a
Deus e guarda os mandamentos, porque este é o dever de cada homem. Pois Deus julgará todas as coisas,
mesmo as ocultas, boas e más" (12,13s).
Esta conclusão bem mostra que o autor não é um cético, nem um ateu: depois de haver discutido o
problema da retribuição, ele o acha insolúvel; por isto, chama seu discípulo para o realismo: sejamos fiéis
a Deus e entreguemos nossas obras ao julgamento do Senhor. Nesta proposição está timidamente expressa
a esperança da que haverá uma retribuição póstuma. Qualquer ímpeto de desespero ou revolta é superado
por esse fecho do livro, que representa a última palavra do autor temente e submisso a Deus.
- Podemos mesmo dizer que as expressões de amargura do Eclesiastes significam a insatisfação da
criatura humana que espera uma resposta cabal para os seus anseios naturais. Todo homem foi feita para
vida, a justiça, a verdade, o amor..., de modo que, quando não os encontra, sente amargura; o Eclesiastes,
através das suas afirmações quase irreverentes, pedia a revelação da vida póstuma consciente, na qual
cada um encontrará a plena satisfação das aspirações mais fundamentais que Deus lhe deu. Assim o
Eclesiastes se coloca no caminho do Evangelho; é um orado em demanda do Evangelho. A sua mensagem
de temer a Deus e observar os mandamentos é absolutamente válida também para os cristãos; no Novo
Testamento, porém, é completada pela certeza de que existe a justa retribuição no além, de modo que
todas as desordens escandalosas da vida presente serão devidamente apagadas, cedendo a plena ordem;
cf. Mt 5,3-31; 25,31-46; Lc 16,19-31.

TEMAS ESPECÍFICOS

- A proclamação geral da "vaidade" na roda da vida. A grande mensagem do Eclesiastes para


seu tempo- e também para nosso tempo de desenfreado consumismo - é mostrar que, além das coisas
eternamente estabelecidas por Deus, toda a agitação humana é mera ilusão: fascinaste, mas passageira...

- O poema sobre o tempo. Na mesma 1inha leia-se o belo poema sobre o tempo, que abre as
reflexões sobre a vida cotidiana (Ecl 3,1-8). "Remir o tempo " é um programa de vida humilde, mas
realista, para quem não consegue sondar o mistério de tudo que existe.

- O poema sobre a juventude e a velhice. Dando sequência à exorta,caio de semear e colher na


hora certa (11,6), o autor conclui seu ensinamento ensinando a usar bem a luz da juventude para enfrentar
serenamente o apagar das luzes (Ecl 11,7-12,8).

213
TEOLOGIA

Em forma tipicamente sapiencial de reflexão, de confissão, de máximas e de considerações


várias de características autobiográfico, o autor chama a atenção para a finalidade da existência humana.
Este não é pessimista, nem otimista, nem oportunista; mas sim realista, lúcido, inconformista e franco,
atento ao próprio ritmo da vida e consciente da radical insuficiência do homem, face à realidade da morte,
para resolver o mistério da existência.
Refletindo sobre a própria experiência o autor não orienta o seu pensamento segundo um plano
bem definido; vai seguindo a mesma dinâmica da vida, marcada por antinomias, paradoxos, enigmas,
dramas, repetições, correções, mistérios... e por clareiras de felicidade. E chega à célebre conclusão de
que tudo é ilusão, isto é, inconsistente e incompreensível à razão humana. Esta expressão aparece no
princípio e no fim do livro (1,2 e 12,8), formando uma inclusão literária, sinal da importância que o autor
lhe quer conferir.
O livro é uma obra desconcertante, ao questionar valores que, na perspectiva da sabedoria
tradicional, gozavam de um estatuto especial. O próprio autor procura identificar-se com Salomão (1,1),
que tivera tudo o que um hebreu podia idealizar para uma vida feliz: sabedoria, poder, glória, riqueza,
amor, fama e prestígio. Tal identificação realça melhor a ilusão de tudo o que existe sobre a terra.
A morte é apresentada como o absurdo de toda a existência, atingindo a todos igualmente, ricos e pobres,
sábios e insensatos, homens e animais (3,19-22.
Seguindo o exemplo de Jó, ECLESIASTES também apresenta o problema da retribuição do bem e
do mal, contradizendo as posições tradicionais (8,9-15). O mistério do além atormenta-o, mas ele não
vislumbra nenhuma saída (3,21; 9,10; 12,7). A realidade encontra-se cheia de coisas incompreensíveis: a
natureza não faz mais do que repetir-se ciclicamente; a História não traz nada de novo porque, na
verdade, cada geração apenas repete o que outras precedentes fizeram; a incongruência e o acaso
dominam a vida; falta uma lei de retribuição inequívoca, de modo a convencer o homem acerca do valor
do seu comportamento moral.
No entanto, ECLESIASTES é um homem de fé. Perante situações absolutamente
incompreensíveis para a razão humana, acaba reconhecendo que a Deus não se pode pedir contas (7,13);
que o homem deve aceitar na vida tanto as provações como as alegrias (7,14) e que é preciso observar os
mandamentos e temer a Deus.
Diante da incompreensibilidade da vida e o absurdo da morte, o homem, por um dom especial que
Deus colocou no seu coração, acaba por intuir uma certa visão de conjunto da realidade (3,11.14),
percebendo que deve existir um sentido global das coisas (8,17).
Para ECLESIASTES, a sabedoria vale mais do que a insensatez, mas apenas na ordem prática,
para um melhor adestramento nas tarefas da vida quotidiana; por vezes, a riqueza faz viver melhor do que
a pobreza. Neste caso, deve--se viver intensamente as alegrias que a vida possa oferecer. Estas são um
dom de Deus, no verdadeiro sentido da palavra (3,13; 5,17; 8,15; 9,9). Tudo isso depende unicamente de
uma intervenção imperscrutável de Deus na vida da humanidade, sem que esta possa fazer algo para
merecê-lo. Por isso, cada homem e cada mulher deve viver no temor de Deus, consciente de estar
totalmente nas suas mãos. O temor de Deus parece ser a atitude religiosa fundamental de ECLESIASTES
que, não rejeitando a prática religiosa hebraica (4,17-5,6), não a considera uma garantia para a
prosperidade e a felicidade humanas.
Na linha do livro de Jó, ECLESIASTES põe em causa as certezas da sabedoria tradicional, mas
ainda não tem soluções para as substituir. É uma obra de transição, situando-se na encruzilhada do
pensamento hebraico; e cria expectativa para uma nova luz que, sendo dom de Deus, ilumina todo o
homem que vem a este mundo (Jo 1,9). Representa ainda uma etapa do progresso religioso que,
superando as concepções antigas, prepara os espíritos para uma revelação mais perfeita.

214
Cântico dos Cânticos

Título e Prólogo — 1,1 Terceiro poema Quinto poema


A AMADA— 1,2-4 O POETA —3,6-11 O AMADO —6,4-12
O AMADO— 4, 1-15 CORO —  7 ,1
Primeiro poema A AMADA— 4,16 SULAMITA
A AMADA— 1,5-7 O AMADO—  5, 1 O AMADO— 7,2-10
CORO— 1,8 A AMADA— 7-8, 1-3
O AMADO— 1,9-11 Quarto poema O AMADO— 8,4
DUETO— 1-2,7 A AMADA —5,2-8 Epílogo— 8,5
CORO — 5,9 A AMADA— 8,6-7
Segundo poema A AMADA —5,10-16 Apêndices
A AMADA— *2-3, 1-4 CORO  —6,1 Dois epigramas —8,8-12
O AMADO— 3, 5 A AMADA— 6,3 Últimas adições— 8,13-14

O título de CÂNTICO DOS CÂNTICOS representa, em hebraico, uma fórmula de superlativo;


significa o mais belo dos cânticos ou o cântico maior e coincide com as duas primeiras palavras do texto.
Nessa espécie de introdução, muito sumária, a autoria do livro é atribuída a Salomão, como acontece com
os Provérbios e a Sabedoria. Não sendo verossímil, tal atribuição exprime a fama de sábio que o antigo
rei conservou na tradição hebraica (ver 1Rs 5,12-14). Com este espírito condizem bem algumas
conotações salomônicas da própria figura do amado.
O tema deste pequeno livro é o amor de um homem chamado Salomão (3, 7-9) e rei (1, 4.12) por
uma jovem designada como "a Sulamita" (7, 1), que é guarda de vinhas e pastara (1, 6s). Os diversos
poemas do livro descrevem o curso desse amor, que vai desde o primeiro despontar até a união nupcial,
passando por fases de hesitação. É certo que entre as sucessivas seções do livro não há ordem
estritamente lógica; todavia pode-se perceber a evolução da trama do livro em sentido de amor
progressivo. A obra assim redigida não fala de Deus e apresenta cenas de forte paixão; é o que tem
provocado estranheza através dos séculos, suscitando as mais diversas interpretações do livro.
O cânon judaico conta o C. entre os Hagiógrafos, e considera-o como um dos cinco Megilloth (=
Rolo – assim são chamados desde o tempo da formação do Talmude , os cinco livros do AT, que, nas
cinco principais festas judaicas, eram lidos inteiramente. São os seguintes:
Cântico dos cânticos – na Páscoa,
Rute – no Pentecostes,
Lamentações –na comemoração da destruição de Jerusalém,
Eclesiastes – na festa do Tabernáculo e
Ester – na festa”Purim”.

GÉNERO LITERÁRIO E DIVISÃO

É universalmente aceite que o código utilizado para escrever o CÂNTICO DOS CÂNTICOS é o
de um epitalâmio ou cântico nupcial. Neste gênero literário, e nesta obra em concreto, estão presentes os
modelos de poesia lírica que floresceram no Próximo Oriente Antigo, tanto na Mesopotâmia como no
Egito. Talvez este último tenha servido particularmente de modelo para o autor hebraico do CÂNTICO.
Muitíssimos autores consideram o C. como uma alegoria, intencional desde o princípio, que canta a
relação entre Javé e Israel, sob a imagem do amor mútuo conjugal e da fidelidade entre esposo e esposa.
Matrimônio e fidelidade matrimonial são muitas vezes usados, no AT, como imagem da relação entre
Javé e o povo e da fidelidade à aliança (Os 3,1-3; Jr 31,17-22; Ez 16,8; Is 50,1; 52,1s; 54,4-8; 62,4s etc.);
a mesma imagem teria sido usada, e plasticamente elaborada no C. Assim pensam a tradição judaica
(Targum; Rasi; Qimhi; Maimônides), a maior parte dos exegetas católicos e muitos protestantes.
Conforme Buzy (Bibl.) o C. contém sete cânticos, que todos eles desenvolvem o mesmo tema tríplice:
215
a provação da esposa,
a mútua admiração de esposo e esposa e
a posse recíproca.
Conforme ele, o C. foi escrito propositadamente para contrabalançar os escritos dos profetas que, de
acordo com a sua missão, podiam apenas frisar a infidelidade de Israel. Assim julga também Kuhn que vê
na esposa uma alegoria da sabedoria. A. Robert (Bibl.), seguido por A. Feuillet (Bibl.) caracteriza o C.
como prolongamento da tradição profética sobre as núpcias entre Javé e seu povo. Teria sido composto
num tempo em que o estilo antológico estava em voga, e em que os temas e as imagens do C. (esposo e
esposa; rei; pastor; vinha; dormir e despertar; procurar e encontrar, etc.) haviam ganho um sentido
soteriológico e escatológico, sob a influência da pregação profética anterior (Os, Jr, Ez, Dt, Is III). Os
cinco poemas de que é constituído o C. teriam o seu "Sitz im Leben" na situação histórica do pós-exílio,
até a missão de Neemias, inclusive (444), situação essa em que se vivia entre esperança e medo, entre
expectativas e decepções; o andamento dramático do cântico teria assim refletida essa evolução histórica
e psicológica. No seu amor, na sua misericórdia infinita, Javé lembra incessantemente à esposa infiel a
sua felicidade de outrora, e afinal a recebe de novo, com todo o entusiasmo de um primeiro amor; tudo
isso dá ao enredo dramático uma notável unidade. Dificuldades contra esta interpretação são, entre outras,
as seguintes: em nenhum lugar do C. o autor faz transparecer uma intenção de alegorizar, o que não se dá
com as outras passagens alegóricas do AT (p. ex. Os 1,2; Is 54,5; 62,4); os paralelos bíblicos mais óbvios
do C. cantam o amor conjugal em si mesmo (cf. Dubarle, RB 1954,77-81); os autores bíblicos não têm o
costume de aplicar a Javé imagens diretamente sexuais; afinal: na linguagem profética clássica Israel é
sempre a esposa infiel.
Muito melhor é a interpretação figurada do Ct. Admite que, sob a imagem do esposo, esteja
diretamente simbolizado o próprio Deus e, sob a imagem da esposa, a filha de Sion, ou seja, o povo de
Israel. Sabemos que, a partir da pregação dos profetas, a figura das núpcias era muito usual para designar
a aliança travada entre o Senhor Deus e seu povo; ver Is 5,1-7; Ez 16,1-63; 23,13-21; Jr 3,20...
Conseqüentemente, diremos que o autor de Ct quis descrever as peripécias do amor que nasce e, após
muitas vicissitudes, se consuma nas núpcias, para ilustrar o relacionamento vigente entre Javé, o Deus da
Aliança, e Israel, o povo de dura cerviz rebelde. Em perspectiva cristã, pode-se identificar o Cristo com o
Esposo do Ct. e a Igreja com a Esposa - o que bem condiz com o costume do Novo Testamento; ver Mt
9,15; 22,1-14; Lc 12,35-37; 2Cor 11,2s; Ef 5,23-32; Jo 3,29. Mais particularmente ainda, os místicos
cristãos consideram sob a figura da Esposa a Virgem Maria, e, por último, toda e qualquer alma fiel. Sem
dúvida, o amor de Deus se revela, de modo muito vivo, na Paixão do Senhor Jesus, quando Cristo se
entrega pelos pecadores, contrariando todas as regras do bem senso humano; cf. Rm 5,8s; 1Jo 4,7-21 .
Cenas de veemente amor e as descrições minuciosas da figura da esposa não devem escandalizar o
leitor, mas lembram-lhe o estilo dos orientais, sempre dado a termos concretos e exuberantes; tais
passagens devem levar a compreender ainda melhor o extraordinário amor de Deus pelo seu povo. Os
grandes místicos cristãos, especialmente S. Bernardo (+ 1153) e S. João da Cruz (+ 1591), interpretam o
Cântico em sentido alegorizante, procurando descobrir nessa obra a descrição das fases da vida espiritual
do cristão.
Entre os judeus antigos, a canonicidade do Cântico foi posta em dúvida por causa das expressões
aparentemente provocadoras do livro; houve rabinos que restringiam o uso desse livro entre os judeus.
Contudo o Sínodo de Jamnia, por volta de 100 d.C., confirmou o livro no catálogo sagrado. O Cântico
ficou sendo o texto lido habitualmente na Páscoa dos judeus, pois propõe a aliança entre Deus e seu povo,
aliança travada solenemente por ocasião da primeira Páscoa. Entre os cristãos, não houve dúvida a
respeito da canonicidade de Ct.
O livro é interessante também do ponto de vista da cultura judaico, pois reproduz costumes matrimoniais
até hoje vigentes no povo judeu: assim, por exemplo, a celebração das núpcias na primavera (2,11s) e
durante sete dias; tais dias são chamados "a semana do rei", pois, enquanto duram, o esposo e a esposa
fazem as vezes de rei e rainha; antes do dia final, a esposa, tendo uma espada na mão direita, dirige coros
que cantam a beleza dos dois nubentes (cf. 4,1-15;6,3-7,9); finalmente, o esposo, acompanhado por seus
amigos, vai buscar a esposa à noite e a leva para o seu domicilio (cf. 3,6-11; 8,5-7).
Em suma, o Cântico dos Cânticos é mais um documento que, do seu modo, considera o mistério
da aliança de Deus com os homens, que enche toda a história sagrada.
216
DIVISÃO

A atual divisão em oito capítulos não significa sequer uma repartição do texto com maior
evidência do que muitas outras já propostas.

6,4-7,10 “Tu és bela,


1,2-2,7 “Que ele me beije" 3,1 -5,1 “Procurei o amado” minha amada"
5,2-6,3 “Eu durmo, mas 8,5-14 “O amor é
2,8-17 “É a voz de meu amado” meu coração vigia" forte como a morte"
7,11-8,4
“Eu sou para meu amado”

TEMAS ESPECÍFICOS
- O amor de amado e amada. O assunto não é o casamento, mas o amor. Quase não se fala em
casamento, não por ser esse rejeitado, mas porque o assunto é outro: o amor como tal. Numa sociedade
em que os casamentos muitas vezes eram arranjados desde a primeira infância, o Cântico focaliza o amor
como tal: o amor é forte como a morte (8,6). Nesse sentido, embora o texto não o diga, parece ser uma
elaboração poética de Gn 2,23-24.
- A simplicidade e beleza do amor. A simplicidade natural e o realismo corporal com que o amor
dos dois amantes é descrito são para o leitor moderno uma desintoxicação. Nossa cabeça foi estragada por
séculos de repressão sexual e pela atual comercialização hedonista do sexo como produto de consumo. O
Cântico nos devolve à inocência do paraíso.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ

A leitura do CÂNTICO DOS CÂNTICOS está sobretudo marcada, desde sempre ou quase, por
uma transposição de sentido que faz dele uma alegoria, em que o amado é Deus ou o Messias, novo
Salomão, e a amada é Israel ou a Igreja, como nova comunidade de Israel. Pode subsistir alguma
dificuldade em definir quando é que começou esta leitura alegórica do CÂNTICO. Há quem pense que tal
significado já está presente no momento da composição do texto, como intenção primeira do autor. Pelo
menos, parece verossímil considerar que a atribuição de tal significado alegórico tenha constituído a razão
principal para a inclusão definitiva deste livro no Cânon dos livros da Bíblia hebraica, no séc. I d.C..
Deste modo, o CÂNTICO DOS CÂNTICOS transformou-se no principal veículo para exprimir
uma antiga concepção bíblica da experiência religiosa, sobretudo como uma relação amorosa com Deus.
Algumas das mais conseguidas formulações anteriores desta concepção de Deus encontravam-se em
Oseias (Os 2,4-25), em Jeremias (Jr 2,20; 31,1) e Isaías (Is 57,3-33). E assim, para além da leitura mais
explícita na tradição judaica desde a antiguidade, que entende o CÂNTICO DOS CÂNTICOS como uma
grande alegoria messiânica, avulta igualmente, e com raízes bíblicas não menos antigas, a leitura deste
poema como a metáfora universal da relação religiosa com Deus.
O NT fez a transposição da metáfora do esposo-esposa do AT para Cristo-Igreja (Ef 5,21-33; ver
Jo 3,29; Ap 22,17). Aqui se joga uma sutilíssima concepção de Deus, ainda não suficientemente
explorada; e aqui se encontra o essencial da leitura mística e poética que o CÂNTICO DOS CÂNTICOS
tem recebido na tradição ocidental e cristã e da qual podemos dar como exemplos maiores as leituras de
São Bernardo, na Idade Média, e de São João da Cruz, na Idade Moderna.
Possivelmente, a grande dificuldade na leitura do CÂNTICO residiu no desequilíbrio instaurado
por uma espécie de totalitarismo alegórico das interpretações. Só muito tarde se permitiu considerá-lo
naquilo que ele é: epitalâmio, canto de admiração e de um grande amor entre uma mulher e um homem,
onde o desejo e o corpo fazem parte do jogo de sedução e fruição.
É este o sentido natural do CÂNTICO DOS CÂNTICOS. E, porque não se teme enunciar o sentido das
palavras, é que nos podemos abrir à revelação escatológica da presença guardada entre elas: a presença de
Deus.

217
Sabedoria
Com o livro da SABEDORIA, encontramo-nos no fim do AT, num momento fundamental do
diálogo entre o judaísmo e a cultura grega. Neste sentido, ele é um bom predecessor do NT. Por isso, a
sua língua é o grego e pertence aos chamados livros Deuterocanónicos, por se encontrar apenas na Bíblia
grega e, consequentemente, não entrar nem no Cânon judaico (da Bíblia hebraica) nem, mais tarde, no
Cânon das igrejas protestantes.

AUTOR E DATA

Atribuído a Salomão por algumas versões e manuscritos antigos, o livro da SABEDORIA é


certamente da responsabilidade de um autor anônimo bem distante de Salomão no tempo, que não poderá
situar-se para além do ano 50 aC. (entre 150 e 50 aC.). Isso manifesta-se nos indícios de caráter literário e
histórico. A atribuição do livro a Salomão, nos cap. 6-9, e só implicitamente, deve-se ao fato de a tradição
bíblico-judaica situar este rei na origem do gênero literário sapiencial, o que faz dele o Sábio por
excelência (7,1-21; 8,14-16; 9; ver 1Rs 3,5-9; 5,9-14; 10,23-61). Muito provavelmente, o autor foi um
judeu de Alexandria, no Egito - onde residia uma forte comunidade judaica - que utilizou a pseudonímia.
Como fruto dessa comunidade, o livro está marcado culturalmente por uma forte influência helenista.
O autor conhece, por um lado, a História do seu povo e a fé num Deus sempre presente e pronto a
intervir nela; e por outro, sente a forte atração que as principais filosofias helenísticas e as diversas
religiões exercem na vida dos seus irmãos de raça e de fé. Por isso, tenta estabelecer o diálogo entre fé e
cultura grega (6-8), de modo a sublinhar que a sabedoria que brota da fé e conduz a vida dos israelitas é
superior à que inspira o modo de viver dos habitantes de Alexandria.
Com este livro, o autor dirige-se, pois, a dois destinatários diferentes: aos judeus de Alexandria,
direta ou indiretamente perseguidos pelo paganismo do ambiente; e aos próprios pagãos, sobretudo aos
intelectuais helenistas, mais abertos à cultura hebraica, intentando, porventura, convertê-los ao Deus
verdadeiro.

ESTRUTURA E CONTEÚDO

Esta proposta de vida, assente na revelação de Deus, manifestada na História e no mundo criado, é
desenvolvida em três partes:

1,1-5,23 6,1- 9,22 10,1-19,22

Exortação aos príncipes (1,1; 6,1) Preces para obter a Meditação sobre a história,
sobre a justiça que vem da sabedoria Sabedoria especialmente do Egito

I. A Sabedoria e o destino do homem (1,1-5,23): descreve-se a sorte diversa dos justos e dos ímpios,
à luz da fé; sendo a justiça imortal (1,16), Deus reserva a imortalidade aos justos. Sábio é aquele que, desde a
vida presente, sabe escolher os valores de modo definitivo, não se deixando iludir por bens transitórios
opostos à Lei de Deus.

II. Elogio da Sabedoria (6,1-9,18): origem, natureza, propriedades e dons que acompanham a
sabedoria (7,22-8,1), como personificação de Deus (ver Pr 8; Eclo 24); elogio da sabedoria, elevando-a acima
dos valores mais apreciados neste mundo. A sabedoria é dom de Deus, que deve ser implorado e que é de
modo especial, útil aos reis.

III. A Sabedoria na História de Israel (10,1-19,22): como se retomasse a primeira parte do livro, o
autor estabelece uma comparação entre os ímpios (no caso, os egípcios, idólatras) e os justos (os israelitas). As
218
pragas do Egito e a travessia do Mar Vermelho são recordadas de modo que se perceba a proteção da
sabedoria sobre os filhos de Israel. Ela guiou a coletividade do povo como guiou e guia o individuo justo. Esta
terceira parte é uma releitura do Êxodo (11,1-19,17) em estilo de midrache, isto é, de modo a realçar a lição
religiosa dos acontecimentos passados. Mas o autor também manifesta conhecimentos profundos de outros
livros: Gn, Pr, Eclo e Isaías. Merece um relevo especial a brilhante polémica contra a idolatria.
Para se entender devidamente o conteúdo de Sb, é necessário reconstituir as circunstancias em que o
livro se originou.
Tendo Alexandre Magno (+ 323 aC.) fundado a cidade de Alexandria no Egito, muitos judeus foram
estabelecer-se nesta cidade e neste pais, constituindo aí uma colônia próspera do ponto de vista religioso e
cultural. Contudo os judeus no Egito conviviam com filósofos epicureus e materialistas (cf. Sb 2,1-20) e com
pagãos que praticavam a idolatria e o culto de animais (cf. Sb 12,24; 13,1-15,19). Corriam o perigo de ser
tentados e absorvidos pela civilização e a cultura do país em que se achavam; eram zombeteados, desprezados
e ameaçados pelos sábios e poderosos pensadores locais (cf. Sb 2,17-20); muitos israelitas cediam à pressão
pagã. Em vista disto, um judeu de Alexandria no século I aC. resolveu escrever o livro da Sabedoria, que em
suas primeira e terceira parte é uma apologia da fé judaica e da Providência Divina em favor do povo
eleito: recordando o passado glorioso de Israel (principalmente a saída do Egito, que fora atingido por pragas
diversas e prometendo a recompensa aos fiéis seguidores da Lei (Sb 3-5), o autor queria dissuadir os seus
correligionários de aderir aos costumes pagãos.
A parte central do livro (Sb 6-9) também obedece a essa finalidade apologética. Exaltando a sabedoria,
o autor quer mostrar aos leitores que a Sabedoria judaica em nada era inferior à grega; ao contrário, mais
nobre ainda era, pois tem sua origem em Deus (Sb 9,9) e participa dos predicados do próprio Deus (Sb 7,22-
27); ela é colaboradora de Deus na criação e na conservação do mundo como na santificação dos justos (7,21;
8,1-6; 9,3s.9-12). É familiar a Deus (8,3) e assistente do seu trono (9,4). - Nenhuma seção do Antigo
Testamento vai tão longe na descrição e personificação da Sabedoria. O autor sagrado quer opô-la à sabedoria
grega, que era cultuada nas religiões de mistérios conforme rituais secretos e indecorosos (cf. Sb 14, 23).

TEMAS ESPECÍFICOS

-A Sabedoria como atuação onipresente de Deus. No ambiente egípcio (e helenista em geral), havia
grande apreço pela Sabedoria, que se chamava Sofia (de onde: filo-sofia). O autor ensina a reconhecer nas
próprias tradições de Israel sobre a criação e a historia a presença dessa Sofia, que não é senão a atuação e
inspiração ("espírito") de Deus.
- A limitação do governante e a necessidade do dom da Sabedoria. Salomão apresenta-se como
simples ser humano, e é por isso que ele pede a Sabedoria, que é um dom de Deus, para dar conta daquilo que
por si mesmo não conseguiria. É uma lição para os governantes.
-O esforço para adquirir a Sabedoria. É preciso madrugar por ela (6,14). Não é fruto de passivo
consumismo.

- A virtude do "justo" em oposição ao hedonismo e ao poder do mais forte. No conjunto 1,16-


3,12, o "justo" no tradicional sentido bíblico tem Deus por Pai e pode contar com ele quando se trata do
destino definitivo (Sb 2 chega a ser uma prefiguração de Cristo). A filosofia hedonista (aproveitar a vida)
conduz à prepotência e à violência, como ainda hoje.
- A vida eterna. A vida dos justos e nas mãos de Deus para sempre (3,1). autor não explica como, mas
o afirma, para ensinar a fidelidade inabalável aos princípios da justiça e da sabedoria (no sentido da tradição
de Israel).
- A origem da idolatria. Com fineza psicológica, descreve como uma necessidade humana - guardar
algo do jovem falecido- se transforma em idolatria, imposta inclusive a pessoas que nada tem a ver com o
falecido... (14,15-20). Tal endeusamento, descrito aqui com grande fineza psicológica, ocorre ainda hoje.
- O "Espírito" (Santo, de Deus). Estabelecendo uma ponte entre a cultura hebraica e a grega, Sb
insiste em chamar a ação transformadora de Deus de "Espírito ", num sentido que prepara a futura
terminologia cristã. Une o conceito grego de espírito-inteligência ao conceito bíblico de sopro- dinamismo de
Deus (7,22-8,1). Esse Espírito de Deus está presente em todo o universo (1,7).

219
TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ

Do ponto de vista Doutrinário, Sb é de grande importância não só por apresentar tal imagem da
Sabedoria, mas também por desvendar um pouco a sorte póstuma do homem. A concepção do Cheol (lugar
subterrâneo, onde estariam, inconscientes, bons e maus depois da morte) cede a noção mais próximas do Novo
Testamento e mais exatas. Com efeito; segundo Sb, o homem, criado por Deus com especial benevolência (cf.
7, 1; 9,1 s), consta de corpo e alma; cf. 9,15; 15,11. A alma não é preexistente ao corpo, apesar do que
parecem insinuar os vers. 8, 19s; este trecho apenas significa que existe boa harmonia e correspondência entre
corpo e alma. Deus fez o homem para a imortalidade, de acordo com a sua imagem, mas foi por inveja do
diabo ou do tentador que a morte entrou no mundo (cf.2,23s; Gn 2,17; 3,1 -19). Acontece, porém, que as
almas dos justos, depois de vida reta levada na terra, gozam de plena felicidade ou do fruto de suas labutas; cf.
3,1 -9; 5,16s. Assim o problema do mal, tão tormentoso para Jó e Ecl, se resolve na teologia do Antigo
Testamento; a prosperidade dos maus e os sofrimentos dos bons já não são a última palavra de Deus; mas é
após a vida terrestre que se exerce plenamente a justiça de Deus, restabelecendo a reta ordem dos valores.

É de notar, porém, que o livro da Sabedoria só fala de bem-aventurança póstuma sem mencionar a
ressurreição dos corpos (Dn 12,1-3 e 2Mc 7,9.14 já haviam professado a ressurreição dos corpos). O silêncio
de Sb sobre a ressurreição póstuma explica-se talvez pelo fato de que no Egito a filosofia grega era contrária a
esta concepção; por isto o judaísmo no Egito terá levado mais tempo para admitir não só a retribuição
póstuma, mas também a ressurreição da carne.
Na verdade, o livro de Sb alude não poucas vezes à filosofia grega; o autor mostra que a conhecia
bem, embora não se tenha deixado por ela afastar das genuínas concepções religiosas do judaísmo; cf. 2, 1-5
(a teoria dos átomos); 2,1-9 (o materialismo dos epicureus); 11,23-12,7 (o humanismo helenista)... Além disto,
o vocábulo grego do texto original de Sb é rico de termos muito usuais na filosofia da época; cf. 2,23; 11,17;
14,3. O autor, aliás, se dirige aos juízes e aos reis da terra, procurando mostrar-lhes os caminhos da verdadeira
filosofia; cf. 1,1 -15; 6,1-11; 8,10-15.
O livro da Sabedoria, escrito tardiamente e em língua grega, não foi reconhecido como canônico pelos
judeus; por conseguinte, também não se encontra no catálogo dos protestantes. Foi, porém, adotado como
escritura canônica pelos cristãos desde os primeiros séculos, que viam em Sb o passo mais adiantado do
Antigo Testamento em relação ao Novo.
Muitos judeus seriam tentados a seguir o caminho dos "ímpios" e a renegar a sua fé, tanto pela perseguição ou
pelo ridículo a que eram sujeitos por causa das práticas dessa fé, como pela vida moral fácil que os
alexandrinos levavam, em contraste com as exigências apontadas pela Lei (2,1-20). Mais que uma categoria
ou classe de pessoas, os "ímpios" - que são o contraponto dos "justos" ao longo de todo o livro - personificam
um estilo de vida oposto e hostil, por vezes, ao que deveria constituir o do judeu crente. Esta temática pode
caracterizar-se pela idéia de justiça, nos seus três sentidos bíblicos: como virtude da equidade, isto é, dar a
cada um o que lhe pertence; como cumprimento perfeito da vontade de Deus; e, finalmente, como força ou
ação de Deus, que nos livra de toda a espécie de mal.
O autor resolve o problema da felicidade dos justos e infelicidade dos ímpios pela retribuição ultraterrena para
os justos. Face a um ambiente religioso, filosófico e cultural, que apresentava um estilo de vida material e
formalmente atraente, era imperioso dar razões fortes da fé, mesmo em termos racionais e vitais, para que ela
não aparecesse inferiorizada como proposta ou estilo de vida. Por isso o autor mostra excepcionais
conhecimentos de toda a Bíblia e da vida cultural helenística.
Uma segunda idéia teológica fundamental deste livro é a personificação da Sabedoria divina.
Enquanto, para os gregos, a sabedoria era um meio para chegar ao conhecimento e contemplação divina, para
o autor, ela é uma proposta de vida, um alguém que está presente em toda a vida e que preside à vida toda; que
fala, estimula e argumenta. A sabedoria é assim porque é o reflexo da vontade e dos desígnios de Deus
(9,13.17); porque partilha da própria vida de Deus e está associada a todas as suas obras (8,3-4) e tem a ver
com o espírito de Deus (1,6; 7,7.22-23; 9,17); é ela que torna a religião judaica muito superior às religiões
idólatras (cap. 13-15). Numa palavra, a sabedoria é um outro modo da revelação de Deus; isto é, o próprio
Deus atua na História de Israel (cap. 11-12; 16-19) e no mundo criado por meio da sua sabedoria. Ela
prefigura o amor e a sabedoria de Deus que culmina em Jesus Cristo, também chamado "Sabedoria de Deus"
(ver 1Cor 1,24.30).

220
ESBOÇO: TÍTULOS E SUBTÍTULOS DO LIVRO DA SABEDORIA

I. A Sabedoria e o destino humano.


Procurar a Deus e fugir do pecado— 1,1-15
A vida segundo os ímpios —1,16-2,20
Erro dos ímpios— 2,21-24
Comparação entre a sorte dos justos e a dos ímpios— 3, 1-12
A esterilidade vale mais que uma posteridade ímpia— 3,13-4,6
A morte prematura do justo— 4,7-19
Os ímpios comparecem em julgamento— 4,20-5,14
Destino glorioso dos justos e castigo dos ímpios —5,15-23

II. Salomão e a busca da Sabedoria


Os reis devem procurar a Sabedoria — 6,1-11
A Sabedoria se deixa encontrar —6,12-21
Salomão descreve a Sabedoria — 6,22-25
Salomão era apenas um homem — 7, 1-6
Estima de Salomão pela Sabedoria - 7,7-14
Apelo à inspiração divina 7,15-21
Elogio da Sabedoria— 7,22 -8,1
A Sabedoria, esposa ideal para Salomão— 8,2-8
A Sabedoria é indispensável aos governantes —8,9-16
Salomão pede a Sabedoria— 8,17-21
Oração para obter a Sabedoria— 9, 1-18

III. A Ação da Sabedoria na história


De Adão a Moisés— 10, 1-14
O Êxodo 10-11,1-3
Primeira antítese: o milagre da água— 11,4-14
Moderação divina para com o Egito —11,15-20
Razões desta moderação 1,211-12, 2
Moderação de Deus para com Canaã —12,3-11
Razões desta moderação— 12, 12-18
Lições dadas por Deus a Israel —12,19-22
Ainda os egípcios. Seu castigo progressivo —12,23-27
O processo da idolatria. Divinização da natureza —13, 1-9
O culto aos ídolos —13,10-14,11
Origem do culto aos ídolos— 14,12-21
Conseqüências do culto aos ídolos— 14,22-31
Israel não é idólatra— 15, 1 -6
Loucura dos fabricantes de ídolos— 15,7 -13
Loucura dos egípcios: sua idolatria universal —15, 14-19
Segunda antítese: as rãs— 16, 1 -4
Terceira antítese: gafanhotos e serpente de bronze1—6,5-14
Quarta antítese: granizo e maná —16,15-29
Quinta antítese: trevas e coluna de fogo —17-18,4
Sexta antítese: noite trágica e noite de libertação —18,5-19
Ameaça de extermínio no deserto— 18,20-25
Sétima antítese: o mar Vermelho— 19, 1 -12
O Egito mais culpado que Sodoma— 19,13 -17
Uma nova harmonia —19,18-21
Conclusão —19, 22

221
Eclesiástico
Prólogo do tradutor — 1,35 Paradoxos —20,9-17 Medicina e doença— 38, 1-15
I. Coleção de sentenças Palavras inábeis —20,18-23 O luto —38,16-23
A origem da sabedoria— 1, 1-10 A mentira —20,24-26 Profissões manuais —38, 24-34
O temor de Deus— 1,11-21 Sobre a sabedoria —20,27-31 O escriba— 39,1-11
Paciência e domínio de si —1, 22-24 Diferentes pecados— 21, 1-10 Convite ao louvor a Deus —39,12-35
Sabedoria e retidão—1,25-30 O sábio e o insensato— 21,11-28 A miséria do homem —40, 1-11
O temor de Deus na provação— 2, 1-18 O preguiçoso— 22, 1-2 Máximas diversas —40,12-27
Deveres para com os pais —3, 1-16 Os filhos degenerados— 22,3-8 A mendicância  —40,28 -30
A humildade— 3, 17-24 Sabedoria e loucura— 22,9-26 A morte— 41, 1-4
O orgulho— 3,26-29 Vigilância —*22-23, 1-6 Destino dos ímpios V41,5-13
Caridade para com os pobres 3-4, 1-10 Os juramentos— 23,7-11 A vergonha —* 41-42, 1-8
A Sabedoria educadora— 4,11-19 As palavras impuras— 23,12-21 Cuidados de um pai para com sua filha— 42,9-11
Pudor e respeito humano—4,20-31 A mulher adúltera —23,22-27 As mulheres— 42,12-14
Riqueza e presunção—5, 1-8 Discurso da sabedoria— 24, 1-22 II. A glória de Deus
Constância e domínio de si— *5-6- 1,4 A sabedoria e a lei— 24,23-34 I. NA NATUREZA —42,15 -25
A amizade— 6,5-17 Provérbios— 25, 1 - 2 O sol— 43, 1 -5
Aprendizagem da sabedoria —6,18-37 Os anciãos —25, 3 - 6 A lua —43,6-8
Conselhos diversos —7, 1-21 Provérbio numérico —25,7-11 As estrelas— 43,9-10
Os filhos— 7, 22-26 As mulheres —*25- 26,1-18 O arco-íris— 43,11-12
Os pais— 7,27-28 Coisas contristadoras —26,2-8 Maravilhas da natureza— 43,13-33
Os sacerdotes 7,29-31 O comércio —27,9 -13 II. NA HISTÓRIA
Os pobres e os provados —7,32-36 A palavra— 27,4 -7 Elogio dos antepassados —44, 1 -15
Prudência e reflexão— 8,1-7 A justiça—27,8-15 Henoc— 44,16
Tradição— 8,8 -9 Os segredos— 27,16-21 Noé —44,17-18
A prudência —8,10 -19 Hipocrisia —27,22-29 Abraão— 44,19-21
As mulheres— 9, 1 -9 O rancor— 27-28,1-7 Isaac e Jacó —44,22-23
Relacionamento com os homens —9,10-18 As querelas— 28,8-12 Moisés— 45, 1-5
O governante —10, 1 -5 A língua —28,13-26 Aarão —45,6-22
Contra o orgulho—10,6-18 O empréstimo — 2,9 1-7 Finéias — 45,23 -26
As pessoas dignas de honra —10,19-25 A esmola —29,8 -13 Josué — 46,1-6
Humildade e verdade —10, 26-31 A fiança— 29,14-20 Caleb —46,7-10
Não confies nas aparências —11,1 -6 A hospitalidade— 29,21-28 Os Juízes — 46,11
Reflexão e vagar —11,7-11 A educação— 30, 1-13 Samuel —46, 12-20
Confiança só em Deus 11,12-28 A saúde —30,14-20 Natã— 47 1
Desconfiar dos maus 11,29 -34 A alegria —30,21-25 Davi — 47,2-11
Os benefícios— 12,1-7 As riquezas —31, 1-11 Salomão — 47,12-22
Verdadeiros e falsos amigos —12, 8-18 Os banquetes—31,12-31 Roboão— 47,23
Freqüentar seus semelhantes— 13,1-26 Os banquetes —32, 1-13 Jeroboão— 47,24-25
A verdadeira felicidade —14,1-2 O temor de Deus —*32-33, 1-6 Elias— 48, 1-11
Inveja e avareza— 14,3-19 Desigualdade de condições— 33,7-19 Eliseu —48,12-14
Felicidade do sábio—* 14-15,1-10 A independência— 33,20-24 Infidelidade e castigo— 48,15-16
Liberdade humana— *15-16, 1-14 Os escravos— 33,25-33 Ezequias— 48,17-25
A retribuição é certa— 16,17 -23 Os sonhos— 34, 1-8 Josias— 49, 1-3
O homem na criação— *16-17- 1,14 As viagens— 34,9-17 Últimos reis e últimos profetas 49,4-10
O juiz divino— 17,15-24 Sacrifícios —34, 18-26 Zorobabel e Josué— 49, 11-12
Convite à penitência— 17,25-32 Lei e sacrifícios —35, 1-10 Neemias —49,13
A grandeza de Deus— 18, 1 -7 A justiça divina — 35,11-24 Recapitulação— 49,14-16
O nada do homem —18, 8 -14 Oração para a libertação e restauração de O sacerdote Simão —50, 1-21
A maneira de dar —18,15-18 Israel —36, 1-17 Exortação —50,22-24
Reflexão e previsão—18,19-29 Discernimento —36,18-20 Provérbio numérico— 50,25-26
Domínio de si mesmo—*18-19,1-3 Escolha de uma mulher— 36,21-27 Conclusão— 50,27-29
Contra o falatório—19,4-12 Falsos amigos —37, 1-6 Hino de ação de graças —51, 1-12
Verificar o que se ouve dizer—19,13-17 Os conselheiros— 37,7-15 Poema sobre a procura da sabedoria—
Verdadeira e falsa sabedoria —19,20-30 Verdadeira e falsa sabedoria —37,16-26 51,13-30
Silêncio e palavra —20, 1-8 A temperança —37,27 -31

222
O livro de BEN SIRA coloca ao tradutor e ao leitor vários problemas difíceis. É um livro muito usado no
judaísmo; especialmente citado no Talmud, exerceu bastante influência na liturgia judaica (festa do
Grande Perdão; Oração das 18 Bênçãos). Apesar de ser estimado e usado pelos cristãos e de fazer parte da
coleção dos livros religiosos em Alexandria, os cristãos dos primeiros séculos tiveram alguma hesitação
em relação a ele, provavelmente por causa da história complicada da sua transmissão e pelo fato de não
ter sido integrado no Cânon judaico. É, portanto, um livro deuterocanónico.

NOME

Desde os primeiros séculos do Cristianismo até há pouco tempo, o nome mais comum para
designar este livro era "Eclesiástico" (do latim "Ecclesiasticus liber" Os cristãos de língua latina deram-
lhe o titulo de "Ecclesiasticus", pois este livro era apresentado aos catecúmenos - àqueles que se
preparavam para o Batismo- como manual de iniciação aos bons costumes e à história do Antigo
Testamento; era o livro da "Ecclesia" (Igreja); dai dizer-se "Eclesiástico".), o que significa o livro da
igreja ou da assembleia, por antonomásia. São Cipriano, falecido em 248, parece ter sido o primeiro a
usar esse nome, devido ao uso que dele se fazia na Igreja antiga. Com efeito, de entre os Livros
Sapienciais, é este o mais rico de ensinamentos práticos, apresentados de um modo paternal e persuasivo.
Apesar de se lhe chamar também "Sirácida", derivado de uma forma alternativa de "Sira", os principais
manuscritos gregos usam o título de "Sabedoria de Jesus, filho de Sira" (51,30), ou então, "Sabedoria de
Sira". Porque o texto considerado pela Igreja como canônico é o grego, parece aceitável a adoção
moderna de livro de "Sirácida" ou de BEN SIRA como título, apesar da longa tradição do uso de
"Eclesiástico".

AUTOR E DATA

Excetuando os escritos proféticos, é este o único livro do Antigo Testamento do qual temos a certeza de
conhecer o autor: "Sabedoria de Jesus, filho de Sira", como vem assinalado no fim, em jeito de assinatura
(51,30; ver 50,27). Segundo muitos autores, terá assinado a sua própria obra, por influência helenística.
Jesus Ben Sira, ou Sirácida, terá vivido em Jerusalém (50,27) no início do séc. II aC., como se pode
deduzir do louvor que faz a Simão, Sumo Sacerdote (50,1-21). Para a identificação de tal Simão com
Simão II é decisiva a notícia que nos é dada pelo tradutor grego da obra, filho ou neto do autor, que
escreve por volta de 132 aC., correspondente ao ano 38 de Ptolomeu VII Evergetes .
O livro deve ter sido escrito por volta de 180 aC. e antes da trágica situação que começa com a destituição
de Onias III, filho de Simão, em 174 aC., quando da violenta perseguição de Antíoco Epifânio (175 aC.) e
da consequente sublevação dos Macabeus (167 aC.). O próprio BEN SIRA nos fornece alguns dados
sobre a sua identidade e o seu trabalho. Em 51,23 fala da própria escola e convida os ignorantes a
inscreverem-se para poderem adquirir gratuitamente a sabedoria (51,25).
O período em que BEN SIRA compõe a sua obra e estabelece, na sua própria casa, uma escola de
formação sapiencial, está profundamente marcado por uma forma de civilização que se chama
"helenismo." É uma forma nova de vida, cuja expansão no Médio Oriente ocorreu depois de Alexandre;
caracterizava-se essencialmente pela convivência de culturas, pelo sincretismo religioso, por um
universalismo que tende a abolir as fronteiras de raças e de religião, pela glorificação das forças da
natureza e pelo culto do homem.
Perante o dinamismo e a expansão sempre crescente do helenismo na própria Palestina, o judaísmo
começou a sentir ameaçada a sua própria existência. E BEN SIRA, apesar da sua abertura de espírito em
relação a certos valores do mundo grego, toma consciência de que esse novo movimento de idéias e de
costumes se opõe a certas exigências fundamentais da religião judaica (2,12-14). Com outros judeus
piedosos, pressente o fim da coexistência pacífica entre o helenismo e o judaísmo e prevê o momento da
cisão entre as duas visões diferentes do mundo.
Em 198 aC., depois da batalha de Pânias, a Palestina passou do domínio dos Ptolomeus do Egito para
uma outra, mais hostil, dos Selêucidas de Antioquia da Síria. Antíoco III (223-187) e o seu sucessor

223
Seleuco IV (187-175) ainda foram bastante favoráveis aos judeus, concedendo-lhes privilégios e isenções,
contribuindo até, pessoalmente, para as despesas do culto no templo (2Mac 3,3). Mas a situação política
precipitou-se rapidamente com Antíoco Epifânio (175-164), que, devido ao jogo de influências, destituiu
Onias III do cargo de Sumo Sacerdote e desencadeou uma violenta perseguição contra os seus opositores.
Esta situação política posterior a Ben Sira, aliada à situação religiosa e cultural acima descrita, viria a
provocar a sublevação judaica chefiada pelos Macabeus. Foi precisamente perante a invasão
avasssaladora do helenismo que ele escreveu para defender o patrimônio religioso, histórico, sapiencial e
cultural do judaísmo, a sua concepção de Deus, do mundo e da eleição privilegiada de Israel. Neste livro
procura convencer os seus compatriotas de que possuem, na sua Lei revelada, a sabedoria autêntica e, por
isso, não devem capitular perante o pensamento e a civilização dos Gregos.

TEXTO

Originariamente, BEN SIRA foi escrito em hebraico; mas esse texto, perdido durante séculos, só foi
descoberto a partir de 1896 na velha sinagoga do Cairo, em diversos fragmentos de vários manuscritos
medievais. Mais tarde, outros pequenos fragmentos foram encontrados numa gruta de Qumrân. Em 1964
foi encontrado na fortaleza de Massada, junto ao Mar Morto, um longo texto que abrange 39,27-44,17,
numa escrita do início do século I aC.. O texto hebraico ainda foi conhecido por São Jerônimo, que
faleceu em 419.
Felizmente já havia, pelo menos, uma tradução grega, feita no Egito pelo neto do autor. Foi esta
que entrou para a Bíblia grega, sendo depois aceite pela Igreja como texto canônico. O autor da tradução
acrescenta-lhe um prólogo. Hoje reconhecem-se dois estados do texto hebraico: um antigo, que serviu de
base à versão grega feita no Egito por volta de 130 aC. (texto grego I); outro mais recente, revisto na
perspectiva das idéias farisaicas, entre 50 e 150 da nossa era, e utilizado para uma revisão do texto grego,
entre 130 e 215 da nossa era (texto grego II). A versão siríaca estará ligada ao texto hebraico revisto..

DIVISÃO

1-23 24,1 42,14 42,15-50,31 51(Apênd.)

Máximas sapienciais Fala a Sabedoria personificada. Elogio da criação Oracão


colocadas na boca do sábio Outras máximas do sábio e dos antepassados Exortacão

A primeira parte reúne provérbios de diversas origens e matérias, geralmente do ponto de vista da classe
tradicional, observante da Lei, embora helenizada - O que corresponde à situação do judaísmo antes da
insurreição nacionalista dos Macabeus. O âmbito dos provérbios e máximas aqui arroladas é nitidamente
cidadino, mesmo quando falam do lavrador ou do artesão. Os temas tocam em comércio, política, vida de
sociedade, bens da família, educação do filhos e controle da mulher, além de esporádicas considerações
em relação ao culto. Tudo isso é refletido à luz da “sabedoria” e do “temor de Deus”.
A segunda parte começa com a auto-apresentação da Sabedoria personificada, principal dom e
mesmo cooperadora de Deus (Eclo 24), continuando depois com provérbios e máximas pouco
sistematizadas.
A terceira parte combina um elogio à obra criadora de Deus com um elogio dos antepassados, escrito à
moda helenista. Também aqui transparece a finalidade didática: é um texto a ser decorado como síntese
de história pátria. No elogio dos antepassados destaca-se a figura do sumo sacerdote Simão II, que viveu
por volta de 195, bem antes que a crise do helenismo abalasse Jerusalém, custando a vida a seu filho,
Onias III. O último capítulo é uma oração atribuída a Jesus Bem Sirac.

224
TEMAS ESPECÍFICOS

- A sabedoria: saber viver, Lei e dom de Céus. O primeiro sentido da sabedoria no mundo
judaico é a habilidade no dia-a-dia. Sábio (sensato, prudente) é quem sabe lidar de modo inteligente com
seus afazeres, com seus amigos (o texto usa muitas vezes os termos "próximo ", "companheiro ", "outro
"), com os poderosos e com as autoridades... e com a própria esposa. Tudo isso, porém, não é cínico
pragmatismo (usar os outros), e sim, obediência à Lei e ao mandamento de Deus, que deseja que seus
filhos convivam em justiça, bondade (misericórdia, piedade) e paz. E como a Lei (Torá) é um
ensinamento instrução) que vem de Deus, essa sabedoria pode ser identificada com a Lei como grande
dom de Deus. É o jugo suave (51,26) que depois será aperfeiçoado pelo ensinamento de Jesus de Nazaré
(Mt 5,17-20; 11,30).
- A Sabedoria personificada. Era bem ao gosto da época apresentar as qualidades e os dons de
Deus em forma personificada. Antecipando o livro da Sabedoria de Salomão, no qual essa tendência
chega ao auge, Eclo contém uns belos trechos sobre a Sabedoria personificada (p.ex Eclo 24).
- Sinagoga e Templo, sacerdócio e sacrifício. Neste livro transparecem as principais formas da
"assembléia " no século 2° aC (às vezes chamada em grego ekklesia, "igreja "): a sinagoga e o templo.
Em geral, o livro é destinado a ser lido na sinagoga, especialmente na diáspora (Alexandria do Egito e. o)
Mas diversas alusões ao templo e ao sacerdócio, e sobretudo o cap. 50, dedicado à função litúrgica do
sacerdote Simão, mostram que o auge é a liturgia do templo, especialmente no Dia do Grande Perdão, o
Yom Kippur (50,5). Entretanto, o verdadeiro sacrifício é o do dia-a-dia: justiça, bondade, paz.
- "Moral burguesa"? Eclo está sendo considerado hoje como um livro de "moral burguesa ". Se
esta qualif cação significa "cidadina", pode estar certa. Pois, de fato, é um livro feito para quem vive na
cidade, Jerusalém, Alexandria ou qualquer outro centro do judaísmo. Ora, quem pensa que se trata de
uma moral que justifique a dominação existente, leia 13,19, sobre pobres e ricos.
- A mulher. Apesar de algumas belas frases sobre a companheira perfeita, Eclo excede aquilo que
nossa sensibilidade admite em termos de preconceito contra a mulher Desconte-se o tradicional
patriarcalismo semítico e, sobretudo, o fato de que a sociedade de Jerusalém, naqueles anos, estava sendo
invadida por costumes novos e mulheres pouco discretas, à maneira da cultura internacional (helenismo),
o que devia provocar uma reação conservadora.

TEOLOGIA

O livro de BEN SIRA testemunha uma época de transição onde já se começam a esboçar os traços
característicos do judaísmo como forma evoluída de religião bíblica. Trata-se de um judaísmo poliforme,
onde o próprio cristianismo viria lançar raízes. Mas é diferente da tendência rabínica posterior, a que o
ramo preponderante do farisaísmo, especialmente a partir de 70 da nossa era, viria dar um aspecto
monolítico.
Do confronto helenismo-judaísmo, BEN SIRA assimila o que considera bom e compatível com a sua fé;
mas rejeita o que se opõe à essência da fé judaica e alerta para os perigos da cultura envolvente e
dominante. A respeito do Cânon das Escrituras, o Prólogo menciona já a divisão tripartida "Lei, Profetas
e os outros livros" (ver 39,1-3), e o próprio livro cita ou menciona mais ou menos diretamente muitos
desses livros sagrados.
O autor faz ainda uma síntese da religião tradicional e da sabedoria comum, à luz da sua própria
experiência. O tradutor grego quis tornar este manual de conduta acessível a todos aqueles "que, em terra
estrangeira, querem instruir-se, reformar os seus costumes e viver segundo a Lei" (Prólogo). A
identificação entre a sabedoria e a Lei de Deus (24,23) é a afirmação mais inovadora e característica de
BEN SIRA, tal como é inovadora a inserção da História no gênero sapiencial.
A série de personagens da História de Israel, cujo relato se apresenta na parte final do livro (44,1-
50,21), tem o objetivo pedagógico de despertar o orgulho em pertencer a um povo de grandes homens.
Porque eles seguiram a palavra de Deus com toda a fé e coragem e foram bem sucedidos, são uma lição
para o povo e serão sempre lembrados na posteridade.

225
BEN SIRA defende a fé tradicional do seu povo: Deus é eterno e único (18,1; 36,4; 42,21), é autor
de uma criação perfeita, apesar dos seus mistérios e contradições aparentes (42,21.24); e, diante dela, o
próprio Ben Sira, como o salmista, enche-se de um especial entusiasmo (39,12-35; 42,15-43,33). Deus
tudo conhece (42,15-25); "Ele é tudo" (43,27), governa o universo com justiça e prudência (16,17-23) e
retribui com equidade (33,13); é misericordioso, capaz de perdoar e de salvar no tempo da aflição (2,11);
é Pai, não apenas de Israel, de quem é o Deus único (17,17-18; 24,12), mas também de cada indivíduo
(23,1). Esta concepção constitui um progresso considerável na teologia do judaísmo.

PRÓLOGO DO TRADUTOR GREGO

"Muitos e excelentes ensinamentos nos foram transmitidos pela Lei, pelos Profetas, e por outros Escritos
que se lhes seguiram; e, por causa disso, convém louvar Israel pela sua instrução e pela sua sabedoria. E,
como não se deve aprender a ciência apenas pela leitura, (5) é preciso que os amigos do saber possam
também ser úteis aos de fora, tanto por palavras como por obras escritas.
Foi por isso que Jesus, meu avô, depois de se ter aplicado com afinco ao estudo da Lei, dos Profetas (10)
e dos outros Livros dos nossos antepassados, e tendo adquirido neles uma grande ciência, quis também
escrever alguma coisa de instrução e de sabedoria, a fim de que as pessoas desejosas de aprender,
familiarizando-se com essas coisas, pudessem progredir ainda mais em viver segundo a Lei.
(15) Sois, portanto, convidados a ler este livro com benevolência e atenção, e a ser indulgentes pois, não
obstante todo o engenho com que nos aplicamos, (20) parece não termos conseguido traduzir
adequadamente a ênfase de certas expressões, porque as coisas ditas em hebraico perdem muita da sua
força, quando traduzidas em língua estrangeira. E isto não acontece somente com este livro, pois também
a Lei, os Profetas (25) e os outros Livros são muito diferentes, quando se compara a versão com o texto
integral.
No ano trinta e oito do reinado de Evergetes, cheguei ao Egito e, tendo ali permanecido algum
tempo, observei uma diferença não insignificante na instrução. (30) Por isso, julguei muito necessário
trabalhar com cuidado e zelo para traduzir este livro.

226
Livros Proféticos
A palavra profeta não significa necessariamente "aquele que prediz o futuro", mas sempre designa
"aquele que fala em nome de Deus", seja para predizer o futuro, seja para interpretar o presente.
Os profetas, assim entendidos, sempre existiram no povo de Israel a partir de Abraão, o confidente do
Senhor (cf. Gn 18,17-19). A primeira mulher tida como profetisa é Maria, irmã de Moisés; cf. Ex 15, 20.
A partir de Samuel (séc. Xl aC.) até Malaquias (séc. V aC.), a série dos Profetas foi ininterrupta. Também
na época de Samuel e depois, floresceram os chamados "colégios de Profetas" (cf.1Sm 10,5; 19, 20; 1Rs
20, 35; 2Rs 2, 3.5.7.15; Am 7,14); eram comunidades que viviam em pobreza (cf. 2Rs 4,38s; 6,1-6) e
obediência (cf. 1Sm 19,20; 1Rs 22,11; 2Rs 2,3.5.7.15...); os seus membros entravam em êxtase sob o
influxo de sugestão individual ou coletiva (cf. 1Sm 10,10-12; 19,20-24), impulsionados por música, canto
e dança (cf.1Sm 10,5; 2Rs 3,15).
Os Profetas exercem papel importante na história de Israel; eram conselheiros dos reis, que os
dissuadiam de fazer alianças com povos estrangeiros (pois estas levavam facilmente o povo à idolatria),
ou censuravam as injustiças e os abusos cometidos na corte ou pelo povo; reprimiam a idolatria e os
falsos cultos que se infiltravam na praxe da população israelita.
Houve, sem dúvida, falsos profetas: alguns, sem ter o chamado divino, se apresentavam como
profetas para ganhar dinheiro (cf. 1Rs 22,13; Is 30,10; Mq 2,11; 3,5.11); procuravam justificar os vícios
em vez de os censurar devidamente (cf. Jr 23, 9,40; Ez 13,1-16; Jr 14,14s); anunciavam falsas
calamidades ou ocorrências (cf. Dt 18,20-22; Mq 3,5; Jr 28,9); eram negligentes no cumprimento do seu
dever (Ez 3,17-21; 13, 22s; 33,2-4).
Antes do exílio (587-538), os Profetas tinham a missão de mostrar ao povo e aos reis as suas
faltas, em virtude das quais o Senhor Deus os entregava aos estrangeiros; lutavam não só contra os falsos
cultos, mas também contra o otimismo que animava os ouvintes com relação ao futuro da nação (cf. Is 22,
13s; Jr 21, 8s; 28,1-17). Sobressaiam então Isaias, Jeremias, Oséias e Amós.
Durante o exílio na Babilônia, os Profetas procuraram erguer o animo do povo, sustentando-lhe a
esperança abatida pelo duro golpe recebido dos estrangeiros. Veja Ezequiel e o chamado "segundo Isaias"
(Is 40-55), que acompanharam o povo na Babilônia; cf. Ez 16,1-63; 20, 39-44; 36,16-38; 40-48; Is 45,1-
25; 48, 20-22; 50,1-11...
Depois do exílio, Ageu, Zacarias e Malaquias incentivaram o povo a reconstruir o templo, os
muros e a cidade de Jerusalém e a empreender a reforma religiosa, moral e social da comunidade judaico,
predizendo a glória do futuro Messias.
O profetismo é um fenômeno cujas raízes se estendem pelo Médio Oriente Antigo. Tem a ver, por
um lado, com experiências religiosas e místicas fora do comum (veja-se, nomeadamente, 1Sm 19,20-24);
e, por outro, com um olhar penetrante e capaz de intuir ou receber a comunicação de verdades profundas
(Nm 24,3-4), ou com a autoridade na transmissão dessas verdades em nome de Deus (Jr 1,17-19).

PROFETISMO E PROFETA

Em meio à diversidade, os profetas convergem em dois pontos: a fidelidade à Aliança e a certeza


da salvação. Deus fez aliança com o povo e não desiste. E para fazer com que o povo sempre volte à
fidelidade, Deus o adverte, o castiga, mas não desiste de lhe oferecer a salvação.
Essa aliança de amor e fidelidade, tantas vezes desprezada pelo povo, é cantada pelos profetas em
diversas imagens, mas a principal é a imagem nupcial, que atravessa as profecias de Oséias, Jeremias,
Ezequiel e o Terceiro Isaías. Israel e Judá (Jerusalém) são apresentados como a noiva-esposa que Deus
adquiriu para si, mas que se tornou infiel. Contudo, Deus é Deus, não um ser humano: por isso ele é fiel,
apesar das infidelidades que trazem a infelicidade para o povo (Os 11). Ele e fiel, retoma o povo infiel,
restaura-o, faz de Jerusalém a noiva ataviada por Deus mesmo (Is 54; 60; 62), figura que encontraremos
no fim do último livro da Bíblia, o Apocalipse ( Ap 21,9-22,5).

227
Na sua preocupação com a retidão do povo e a fidelidade à Aliança os profetas criticam
violentamente qualquer atentada contra a honra de Deus ou o bem do povo. Nesse sentido, proferem
censuras contra todos os inimigos do povo, tanto os estrangeiros quanto os próprios chefes do povo, os
poderosos e ricos, que vendem o pobre por um par de sandálias (Am 8,4-7) e o devoram como carne de
panela (Mq 3,1-4). Apresentam o ideal de um povo que escuta a vontade de Deus e que, em vez de
recorrer à violência cumpre a justiça: os humildes é que herdarão a terra (Sf 2,3; cf. Sl 37,1q), porque
Deus é quem tem a última palavra. O fato de Jesus assumir esse modo de ver no Sermão da Montanha
(Mt 5,5 e.o.) nos ajuda a ver em Jesus o profeta definitivo.
Dentro da própria Bíblia nota-se que o fenômeno do profetismo se formou de muitos elementos e
experiências que foram evoluindo e criando um conceito enriquecido de vários matizes, capazes de conter
até alguns contrastes (Zc 13,2-6). A variedade de nomes utilizados para o exprimir é um sinal claro disso;
e o nome que ficou a ser mais utilizado (nabi') não é, afinal, o mais claro de todos os que existiam para
designar tal conceito.
Talvez as duas conotações mais marcantes de profeta sejam a de "vidente" e a de "porta-voz" que
transmite certa mensagem em nome de outro. O termo "profeta", usado em português, deriva do grego e
sublinha esta segunda idéia, isto é, alguém que fala como porta-voz de outro.Na Bíblia, o conceito de
profeta aparece também aplicado a muitas outras figuras, cujos nomes não constam da lista definitiva dos
livros sagrados.
A Bíblia hebraica chama "profetas anteriores" ou antigos a uma grande parte dos livros que nós
classificamos, na pegada dos Setenta, como livros históricos; e "profetas posteriores", ao conjunto de
livros cuja autoria, de algum modo, se atribui a um profeta. Aqueles que designamos aqui por Livros
Proféticos são as obras dos chamados "profetas escritores", se bem que a questão da autoria, como
dissemos, não seja linear e tenha de ser estudada caso a caso e em pormenor.

LIVROS

No Antigo Testamento, estes profetas costumam ser divididos em dois grupos: "Profetas Maiores"
e "Profetas Menores". Essa divisão diz respeito ao tamanho dos textos conservados, não à importância,
pois os profetas Amós, Oséias e Miquéias, por exemplo, são certamente "grandes profetas menores”.

"Profetas Maiores". São Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. O livro das Lamentações aparece
como uma espécie de prolongamento do livro de Jeremias, embora já não se costume traduzir o parágrafo
inicial da tradução grega que o atribuía expressamente a Jeremias. Como um segundo anexo a Jeremias
temos o livro profético de Baruc; faz parte dos livros "deuterocanônicos" e é atribuído a um secretário de
Jeremias, de nome Baruc.
Isaías, Jeremias e Ezequiel são identificáveis como três figuras históricas de profetas dos séculos
VIII, VII e VI, respectivamente, com notórias e decisivas intervenções na cena histórica, especialmente os
dois primeiros.
Daniel aparece na tradição da Bíblia grega entre os "Profetas Maiores"; mas na Bíblia Hebraica é
classificado entre os "Escritos", dando a entender que é visto como um gênero de literatura diferente da
dos profetas. E é realmente diferente, apesar de ter muitos pontos de convergência.

"Profetas Menores". Alguns apresentam-se como figuras historicamente mais definidas; é o caso
de Oseias, Amós, Miqueias, Ageu e Zacarias. De outros, como Joel, Abdias, Naum, Habacuc, Sofonias e
Malaquias, pouco se sabe ao certo, podendo mesmo acontecer que alguns sejam apenas nomes simbólicos
da própria obra literária ou da respectiva mensagem.
Jonas também aparece na Bíblia grega entre os "Profetas Menores"; mas, na Bíblia hebraica, faz
parte dos "Escritos". De fato, além da narração contida no livro, historicamente nada mais se sabe acerca
da personagem de quem recebe o nome.

228
Isaías
O livro de ISAÍAS apresenta como título "Visão de Isaías, filho de Amós" (1,1) e aparece como o
primeiro dos "Profetas posteriores", em relação aos "Profetas anteriores" (Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e
2 Reis). É uma obra de 66 capítulos, com três partes muito distintas na época, na temática, na inspiração
literária e nos autores: Primeiro Isaías: 1-39; Segundo Isaías: 40-55; Terceiro Isaías: 56-66.
Apresentaremos uma breve introdução antes de cada um desses blocos, partindo do pressuposto de que se
trata de três profetas diferentes, cujos escritos foram recolhidos sob o nome comum do profeta ISAÍAS,
do séc. VIII aC..

CONTEXTO HISTÓRICO
Para compreendermos o contexto destes três profetas, será útil não esquecer os seguintes fatos
históricos da sua época:
740: morte de Ozias; Joatão, rei de Judá; vocação de Isaías.
736: Acaz, rei de Judá (736-716).
734: guerra Siro-efraimita.
732: a Síria é anexada pela Assíria.
721: queda da Samaria e fim do Reino do Norte.
716: Ezequias, rei de Judá (716-687).
703: embaixada de Merodac-Baladan.
701: invasão de Senaquerib.
587: queda de Jerusalém.
539: queda da Babilônia.
538: édito de Ciro.
520-515: reconstrução do Templo.
445-423: Neemias em Jerusalém.
397: Esdras em Jerusalém.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


ISAÍAS prega a política da fé ("se não acreditardes, não subsistireis": 7,9) e da confiança em Deus,
razão por que a sua profecia está eivada de temas messiânicos ligados à dinastia, segundo as promessas
feitas por Deus a Davi (2Sm 7,13-16).
O messianismo de ISAÍAS arranca deste chão dinástico, que vai influenciar decisivamente as
correntes messiânicas posteriores e o messianismo de Jesus Cristo, tão bem expresso nos evangelhos da
infância de Mateus e Lucas. Ligado ao tema da fé, está o tema central da santidade de Deus (1,4 nota; 6,3-
4) e o tema do "resto" (1,9 nota; 4,3 nota; 6,13; 10,20-22).

229
PRIMEIRO ou PROTO - ISAÍAS 1-39
O profeta dos cap. 1-39 nasceu pelo ano de 760 aC.. Era de família nobre, talvez aparentado com a
família real, e homem de elevada cultura. Viveu numa época muito agitada e exerceu o seu ministério
aconselhando a casa de Davi durante mais de quarenta anos como guardião da justiça e do temor a Deus
(desde a atividade inicial na tempo do rei Ozias, por volta de 740 aC (Is 6,1), passando por Acaz (cf. 7,1)
até nos dias de Ezequias 700aC (cf. 36,1).Durante sua atividade, Jerusalém se viu em perigo diversas
vezes: 1) por volta de 735 aC, quando Acaz, rei de Judá, teve medo de sofrer as conseqüências da aliança
de Aram (= Síria) e Israel contra a Assíria, razão pela qual se aliou aos assírios; 2) depois da conquista de
Samaria pelos assírios (722 aC), quando, no reinado de Ezequias, esses dominadores se apresentaram
diante das portas de Jerusalém, respectivamente em 712 e 701 aC.

Isaias foi a voz da consciência para o rei Acaz, depois foi confidente critico de Ezequias e
finalmente, segundo a tradição, foi martirizado pelo sucessor deste, o ímpio rei Manassés.

É um profeta ligado à corte, mas não dos profetas dependentes dos reis, pois manifesta-se sempre
livre e independente, pronto para criticar os pecados dos reis, dos nobres e do povo em geral. A sua
personalidade foi de tal modo forte, que a tradição funde na sua pessoa as três partes do livro que leva o
nome de Isaías.

DIVISÃO E CONTEÚDO
O PRIMEIRO ISAÍAS é uma das grandes obras da literatura universal. O autor é um grande poeta
que usa a lei das assonâncias e sabe tirar partido dos sinais dos tempos. É um grande teólogo da História,
que fala através de símbolos e metáforas com uma carga emotiva e apelativa muito profunda. O estilo é
clássico e nobre.
O livro é formado por coleções de oráculos (mensagens), cânticos, apocalipses, agrupadas mais
segundo os temas do que segundo a ordem cronológica. Deste modo, temos:
I. Oráculos sobre Judá e Jerusalém (1,1-6,13).
II. Livro da Consolação (7,1-12,6), que corresponde ao tempo da guerra siro-efraimita.
Também é chamado "Livro do Emanuel".
III. Oráculos contra as nações estrangeiras (13,1-23,18).
IV. Apocalipses (24,1-27,13 e 34,1-35,10), que anunciam a renovação futura (escatologia) e são
de um autor pós-exílico.
V. Oráculos de salvação de Israel e Judá (28,1-33,24).
VI. Apêndice Histórico, relacionado com o reinado de Ezequias (36,1-39,8).

Is 1-35 contém notáveis profecias messiânicas. Em Is 7, 10-25 o Messias aparece como o Emanuel
(= Deus conosco), que há de nascer de uma jovem (que no texto grego dos LXX é dita"virgem"); cf. 7,
14. Em 9, 1-7 nasce o Menino prometido como "Admirável conselheiro, Deus Forte, Pai do século futuro,
Príncipe da Paz" (cf. 9, 5). Em 11, 1-9 o tronco de Davi floresce e produz um rebento, que é o Messias.
Este faz descer sobre a terra a plenitude do Espírito do Senhor e cumpre as promessas de restauração da
natureza violentada pelo pecado.

230
Por estes vaticínios Isaias se impõe como um dos maiores profetas do Antigo Testamento
I. Primeira parte do livro de Isaías Contra os árabes — 21,13-17
1. ORÁCULOS ANTERIORES À GUERRA Contra a alegria de Jerusalém — 22,1-14
SIRO-EFRAIMITA Contra Sobna — 22,15 - 25
Título — 1,1 Contra Tiro — 23,1-18
Contra um povo ingrato —1,2-9 4. APOCALIPSE
Contra a hiprocrisia —1,10-20 O julgamento de Iahweh — 24,1-6
Lamentações sobre Jerusalém —1,21-28 Cântico sobre a cidade destruídas — 24,7-16
Contra as árvores sagradas —1,29-31 Os últimos combates— 24, 17-23
A paz perpétua —2,1-5 Hino de ação de graças — 25,1-5
O esplendor da majestade de Iahweh —2,6-22 O banquete divino —25,6-12
A anarquia em Jerusalém —3,1-15 Hino de ação de graças —26,1-6
As mulheres de Jerusalém —3,16-24 Salmo — 26,7-19
A miséria em Jerusalém— 3,25 - 4,1 A passagem do Senhor — *26-27, 1
O rebento de Iahweh —4,2-6 A vinha de Iahweh — 27,2- 5
O cântico da vinha —5,1-7 Graça e castigo — 27,6-11
Maldições— 5,8-24 Retorno dos israelitas —27,12-13
A Ira de Iahweh —5,25 5. POEMAS A RESPEITO DE ISRAEL E DE JUDÁ
Um chamado dirigido aos invasores— 5,26-30 Contra Samaria — 28,1-6
2. O LIVRO DO EMANUEL Contra os falsos profetas — 28,7-13
Vocação de Isaías — 6,1-13 Contra os maus conselheiros — 28,14-22
Primeira intervenção de Isaías — 7,1-9 Parábola — 28,23-29
Segunda intervenção—7,10- 17 A respeito de Jerusalém — 29,1-12
Anúncio de uma invasão— 7,18-25 Oráculo — 29,13-14
Nascimento de um filho de Isaías — 8,1-4 O triunfo do direito — 29,15-24
Siloé e o Eufrates — 8,5-10 Contra a embaixada enviada ao Egito — 30,1-5
A missão de Isaías —8,11-20 Outro oráculo contra uma embaixada — 30, 6-7
A marcha durante a noite— 8,21-23 Testamento — 30,8-17
A libertação —9,1-6 Deus há de perdoar — 30,18-26
As provações do reino do norte— *9-10,1-4 Contra a Assíria — 30,27-33
Contra o rei da Assíria 10,5-19 Contra a aliança egípcia — 31,1-3
O pequeno resto —10,20-23 Contra a Assíria — 31,4-9
Confiança em Deus —10,24-27 O rei justo — 32,1-5
A invasão —10,28-34 O tolo e o nobre — 32,6-8
O descendente de Davi —11, 1-9 Contra as mulheres de Jerusalém — 32,9-14
A volta dos dispersos —11,10 -16 A efusão do Espírito — 32,15-20
Salmo— 12, 1-6 A salvação esperada — 33,1-16
3. ORÁCULOS SOBRE OS POVOS ESTRANGEIROS A volta a Jerusalém — 33,17-24
Contra a Babilônia — 13,1-22 O julgamento de Edom  — 34,1-17
A Fim do exílios — 14,1-2 O triunfo de Jerusalém — 35,1-10
A morte do rei da Babilônia — 14,3-23 APÊNDICES
Contra a Assíria — 14,24-27 A invasão de Senaquerib — 36,1-22
Contra os filisteus— 14,28-32 Recurso ao profeta Isaías — 37, 1-7
A respeito de Moab— 15,1-9 Partida do copeiro-mor — 37,8-9
O pedido dos moabitas —16,1-6 Segundo relato a respeito da intervenção de Senaquerib —
Lamentação de Moab— 16,7-14 37,10 - 20
Contra Damasco e Israel — 17,1-14 Intervenção de Isaías — 37,21-29
Contra Cuch — 18,1-7 O sinal dado a Ezequias — 37,30-32
Contra o Egito — 19, 1-15 Oráculo a respeito da Assíria — 37,33-35
Conversão do Egito — 19,16-25 Castigo de Senaquerib — 37,36 -38
A propósito da tomada de Azoto — 20,1-6 Doença e cura de Ezequias — 38,1 -8
A queda da Babilônia — 21,1-10 Cântico de Ezequias — 38,9 -20
A respeito de Edom — 21,11-12 Embaixada da Babilônia — 39,1-8

231
SEGUNDO OU DÊUTERO- ISAÍAS: 40-55
Os capítulos 40-55 constituem a segunda parte do livro de Isaías, por isso, chamado SEGUNDO
ISAÍAS ou Dêutero-Isaías. Este bloco se deve a um autor ou a autores anônimo(s) que pregaram e
escreveram na Babilônia, anunciando aos israelitas aí deportados a iminente liberdade e a volta à Terra
Santa (séc. Vl aC.).. A primeira deportação dos judeus para a Babilônia deu-se em 597; em 586 é a
conquista de Jerusalém e a segunda deportação.

AUTOR
O profeta a quem chamamos SEGUNDO ISAÍAS exerce o seu ministério profético durante a
última parte do exílio babilônico, exortando os judeus a não desanimarem. Para isso, apresenta o Deus-
Javé, criador do céu e da terra, Senhor da vida e da História, como o único Deus; diante dele, todos os
deuses babilônicos, a começar por Marduc, nada são e nada valem.

DIVISÃO E CONTEÚDO

A situação histórica suposta por Is 40-55 difere da do séc. VIII (Is 1 -35):
- os reinos de Samaria e Judá já não existem; os seus cidadãos foram despojados e deportados, em
castigo de suas infidelidades; cf. 42, 18-25; 43,5-7.26-28; 47, 6;
- Jerusalém e o Templo estão destruídos e a sua restauração é profetizada: cf. 44,26-28; 45,13;
49,15-17.19; 52, 9;
- a nação que retém os judeus, é Babilônia, opulenta e arrogante, mas prestes a cair em ruínas; cf.
47, 1-11;
- o rei Ciro da Pérsia parece conhecido aos leitores; Javé o dirigirá contra a Babilônia; cf.40,
10s.27; 41,10-13; 46, 12s; 48,20.
Tem-se a impressão de que o autor dos dizeres está fisicamente presente aos seus ouvintes, pois os
interpela em tom vivo e caloroso; cf. 40, 21.26.28; 43,10; 48,8; 50,10... Nunca dirige palavras
condenatórias contra Israel, mas apenas contra Babilônia; cf. 41,11-16; 42,14-17; 43,14s. Os oráculos de
consolo são marcantes, predizendo o cumprimento das antigas promessa messiânicas (cf. 41,25-29; 46,8-
12), a libertação do povo e a travessia pelo deserto em demando da Terra Santa (cf. 41,17-20; 43,1-7; 49,
7-26), a glória da futura Jerusalém (cf. 51,17-52,2; 54,1-3.11 -17), a conversão dos gentios (cf. 45,14-
17.22-25; 55,3-5).
Inseridos em 40-55, estão os quatro "Cânticos do Servo de Javé", que falam da expiação prestada
por um Servo inocente em favor dos seus irmãos pecadores. São profecias messiânica que projetam nova
luz sobre o sentido do sofrimento; este pode recair sobre os justos, que assim prestam satisfação pelos
pecados alheios. Dispõem-se do seguinte modo: Is 49,1-6: Is 42,1-4:; Is 50,4-9: Is 52,13-53,12:

Este livro divide-se em duas partes:

40-48 49-55
Deus Libertador de Israel Restauração de Israel e salvação universal
Cântico: Cânticos:
1º : 42,1-4 os predicados do Servo de Javé 2º : 49,1-6; a vocação do Servo de Javé;
3º : 50,4-9 a ingrata missão do Servo de Javé;
4º : 52,13-53,12 a morte e a glorificação do
Servo de Javé.

232
TEOLOGIA
Em 539, o rei Ciro da Pérsia derrota o rei babilônico Nabónides, cruza o Tigre e conquista a
Babilônia. No mesmo ano, Ciro publica um édito sobre a libertação dos judeus. O SEGUNDO ISAÍAS
continua a sua doutrinação, cujos conteúdos perfazem os nossos capítulos 40-55: descreve o segundo
êxodo como superior e mais glorioso que o primeiro, o de Moisés; da História concreta passa à Teologia
do Deus criador e salvador, de modo que a Teologia comanda a História, pois tudo depende do mistério
da vontade divina inscrito no centro da mesma História.
É o primeiro evangelista da História da Salvação, que anuncia a Boa-Nova da salvação-libertação
com imagens e símbolos que ultrapassam qualquer história. Destacam-se nele os famosos Cânticos do
Servo (cap. 42; 49; 50,4-9; 52,13-53,12), que se integram nas duas partes deste livro: 40-48 e 49-55.
O autor é mais poeta e teólogo que historiador. De fato, o estilo do SEGUNDO ISAÍAS é muito diferente
do Primeiro, pois quem impera e tudo comanda no SEGUNDO é a retórica ao serviço da Teologia e da
Fé.
II. Livro da consolação de Israel Deus, Senhor de todo o universo — 45,20-25
Anúncio da libertação — 40,1-11 Queda da Babilônia — 46,1-13
A grandeza divina — 40,12-31 Lamentação sobre a Babilônia — 47,1-15
Ciro instrumento de Iahweh — 41,1-7 Iahweh tinha predito tudo — 48,1-11
Israel escolhido e protegido por Iahweh — 41,8-20 Iahweh escolheu Ciro — 48,12-15
A nulidade dos ídolos — 41,21-29 O destino de Israel — 48,16-19
Primeiro canto do Servo — 42, 1-9 O fim do Exílio — 48,20-22
Canto de vitória — 42,10-17 Segundo canto do Servo — 49,1-7
A cegueira de Israel — 42,18-25 A alegria da volta — 49,8-26
A Deus protetor e libertador de Israel — 43,1-7 A punição de Israel — 50,1-3
Iahweh é o único Deus — 43,8-13 Terceiro canto do Servo — 50,4-11
Contra a Babilônia — 43,14-15 Eleição e bênção de Israel — 51, 1-3
Os prodígios do novo Êxodo —43,16-21 O Reino da justiça de Deus — 51,4-8
A ingratidão de Israel — 43,22-28 O despertar de Iahweh — 51,9-11
Bênção sobre Israel — 44,1-5 Iahweh, o consolador — 51,12-16
Só há um Deus— 44,6-8 O despertar de Jerusalém — 51,17-23
Os ídolos são nada — 44,9-20 Libertação de Jerusalém — 52, 1-6
Fidelidade a Iahweh — 44,21-23 Anúncio da salvação — 52,7-12
Deus criador do mundo e senhor da história — 44,24-28 Quarto canto do Servo — 52-5,3 1-12
Ciro instrumento de Deus — 45,1 -7 A compensação de Jerusalém — 54,1-10
Prece — 45,8 A nova Jerusalém — 54,11-17
O poder soberano de Iahweh — 45,9-13 Convite final — 55,1-11
Conversão das nações pagãs — 45,14-19 Conclusão— 55,12-13

TERCEIRO OU TRITO-ISAÍAS: 56-66


III. Terceira parte do livro de Isaías Vocação de um profeta —61,1-9
Promessa aos estrangeiros — 56,1-9 Ação de graças —61,10-11
Indignidade dos chefes — 56,10 -57,2 Esplendor de Jerusalém — 62,1-9
Contra a idolatria —57,3-13 Conclusão — 62,10-12
A salvação para os fracos— 57,14-21 O julgamento dos povos — 63,1-6
O jejum que agrada a Deus. —  58,1-12 Meditação sobre a história de Israel — 63-64, 1-11
O sábado —58,13-14 O julgamento futuro — 65,1-25
Salmo de penitência— 59,1-20 Oráculo sobre o Templo — 66,1-4
Oráculo — 59,2-1 Julgamento sobre Jerusalém — 66,5-17
Esplendor de Jerusalém — 60,1-22 Discurso escatológico — 66,18-24

O 3° Isaias (56-66). Difere de Is 1-35 e Is 40-55 tanto por seu fundo histórico como por sua
temática e seu estilo. O 3° Isaias recolhe os oráculos de um profeta que retoma temas de seu predecessor
(o Segundo Isaias) à luz da situação nova que se criou depois da volta dos exilados a Jerusalém Por volta
de 535-515 aC). Procura animar os repatriados a reconstruir não somente as pedras (da cidade e do
Templo), mas a sociedade, os laços humanos, em fraternidade e justiça, conforme o ensinamento dos
233
antigos profetas. Assim, uma diversidade de temas concentra-se em redor do núcleo 60 - 62, que canta a
glória renovada de Jerusalém.

56 – 59 60-62 63-66
Exortações à justiça A nova glória de Jerusalém Oráculos escatológicos

Vejamos, como a situação histórica de Is 56-66 já não é a do exílio (538 aC )

- o povo já habita a montanhosa e acidentada região da Palestina (Is 57,5-7), que contrasta com as
planícies da Babilônia, irrigadas por belos canais;
- Jerusalém se acha parcialmente povoada, mas ainda não devidamente reconstruída;cf.60,10;61, 4;
- as cidades menores da Terra Santa ainda se encontram devastadas; cf. 64, 9;
- o Templo Santo ainda está em ruínas (cf.64,10s), embora já se pense em reconstruí-lo (66,1)
- o povo vive angustiado não por causa da opressão de inimigos, mas em virtude da infidelidade dos
próprios judeus; cf. 57, 3-5; 59, 9-12; 61,1-3; 63, 18s;
- os chefes da comunidade ocupam-se mais consigo do que com o povo; cf. 56,10-12;
- contudo o Senhor enviará sua salvação, mas não por obra de Ciro ou do Servo de Javé; cf. 60,22;
61,1-3; 62,7s; 66,12s;
- o Senhor promete a reconstrução do Templo (cf. 56,5-8; 58,2; 62,9; 66,6.20), que será famosos
centro do culto de Javé (cf. 60, 7.13).

O Profeta, em Is 56-66, deixa de ser propriamente o Consolador, para fazer as vezes de Pastor,
Doutor e Salmista. Lembra as severas exigências do culto e da Lei do Senhor, em particular o sábado (cf.
56,2.4-6; 57,6-12; 58,13s; 65,1-6; 66,3s). Repreende os idólatras e infiéis (cf. 56, 8-57,13; 58,1-5; 66,17).
Recita profissões de fé e de penitência (cf. 59,1-4; 63,7-64,11). Transmite instruções a respeito do jejum e
da oração (cf. 58,1-12).
O livro de Isaias deixou-nos profecias messiânicas tão vivas que Isaias é chamado "o Evangelista
do Antigo Testamento".

PROFECIAS DE ISAÍAS CUMPRIDAS

A profecia O cumprimento
O Messias... Jesus Cristo...
nascido de uma virgem (Is 7,14). nasceu de uma virgem chamada Maria (Lc 1,26-31)
teria um ministério galileu (Is 9,1-2). ministrou na Galiléia para os gentios (Mt 4,13-16).
haveria um herdeiro para o trono de Davi (Is 9,7) foi-lhe dado o trono de seu pai Davi (Lc 1,32-33).
teria seu caminho preparado (Is 40,3-5). foi anunciado por João Batista (Jo 1,19-28).
seria cuspido e espancado (Is 50,6). foi cuspido e espancado (Mt 26,67)
seria exaltado (Is 52,13). foi altamente exaltado por Deus e pelo povo (Fp 2,9-10).
seria desfigurado pelo sofrimento (Is 52,14; 53,2). foi açoitado pelos soldados que lhe colocaram uma coroa
de espinhos (Mc 15,15-19)
faria uma expiação de sangue (Is 53,5). derramou seu sangue para expiar nossos pecados
(lPd 1,2).
seria amplamente rejeitado (Is 53,1,3). não foi aceito por muitos (Jo 12,37-38).
levaria nossos pecados e sofrimentos (Is 53,4-5). morreu pelos nossos pecados (Rm 4,25; lPd 2,24-25).
seria nosso substituto (Is 53,6-8). morreu em nosso lugar (Rm 5,6.8; 2Cor 5,21).
voluntariamente aceitaria nossa culpa e punição calou-se sobre o nosso pecado (Mc 15,4-5; Jo 10,11;
(Is 53,7-8). 19,30).
seria sepultado no túmulo de um rico (Is 53,9). foi sepultado no túmulo de José, um homem rico de
Arimatéia (Mt 27,57-60; Jo 19,38-42).
salvaria os que cressem nele (Is 53,10-11). proveu salvação para todos os que crêem (Jo 3,16;
At 16,31).
morreria pelos transgressores (Is 53,12). foi contado entre os transgressores (Mc 15,27-28;
Lc 22,37).
curaria os quebrantados (Is 61,1-2). curou os quebrantados (Lc 4,18-l9).

234
Temas específicos
O livro de Isaias inteiro mostra a participação ativa dos profetas na vida de seu povo.

1 - Primeiro Isaías

- A obra de Deus (o Deus que age). A visão inaugural 6,1-6 apresenta o Deus glorioso, aclamado
pelos serafins como "Santo, santo, santo": ele executa os planos que concebe e faz das outras nações
instrumentos em suas mãos, tema que os profetas ulteriores repetirão.
- Deus e o povo pecador. Israel (Judá) é infiel política e religiosamente (o que constitui uma
unidade, já que a fidelidade ao Senhor implica a rejeição de outros senhores). Deus corrige o povo pelo
castigo (37,11), mas salvará ao menos um "resto " (10,20-21) - tema que as profecias ulteriores
repetirão.
- O “conhecimento" de Deus, tema que aparece desde as primeiras linhas e que não aponta uma
questão teórica, mas prática: entender o que Deus deseja de nós na prática e reconhecer Deus como nosso
guia e Senhor.
- A salvação, em perspectiva messiânica O descendente de Davi (o rei de Judá) é representante de
Deus na terra. Neste sentido, Isaías cria oráculos notáveis em torno do descendente davídico, sobretudo
no "Livro do Emanuel'' (caps. 7-11).

2 - Segundo Isaías

- Ridiculariza os deuses da Babilônia, que se mostraram impotentes; assim, critica qualquer forma
de idolatria, sobretudo do poder e da riqueza.
- No seu texto destacam-se sobretudo os cânticos do Servo, que para os cristãos se tornaram
prefigurações de Cristo, visto ele mesmo ter falado de seu sofrimento em termos hauridos destes textos
( Mc 8,31-33; 9,32-34; 10,30-32.45). Ora, à luz dos acontecimento do século 20 (o holocausto dos judeus
e tantos outros genocídios, o desmantelamento das estruturas de justiça e fraternidade), torna-se relevante
a interpretação segundo a qual o Servo incorpora a comunidade: as comunidades sofrem por lutarem para
que no mundo haja justiça e "conhecimento de Deus".

3 - Terceiro Isaías

- O entusiasmo que sucedeu à volta do exílio (538 aC) deu lugar à constatação de abusos e
egoísmo, vinte anos depois. Por isso, o Profeta apresenta uma mensagem, ao mesmo tempo exigente (Is
58) e utópica, (60-61 e 66) de justiça e fraternidade. Também aqui idolatria e outros desvios dos povos do
Império persa são combatidos. Para nós hoje, sua mensagem é uma advertência a respeito da insuficiência
do progresso material, quando não vier acompanhado de justiça e fraternidade sob o olhar de Deus.

TEOLOGIA
Predomina a visão escatológica, através dos opostos: julgamento dos inimigos e salvação dos israelitas,
oposição entre povo fiel e infiel. O profeta pretende inspirar confiança e fé ao povo, no meio das
dificuldades, do desânimo e da pobreza.

O CERNE DO LIVRO DE ISAÍAS


Contraste Isaías 1-39 Isaías 40-66
Local Cercanias de Jerusalém Exílio babilônico
Mensagem Juízo Consolo e esperança
Visão do Messias Rei Messiânico Servo Sofredor
235
Jeremias
JEREMIAS é o nome dado ao livro do profeta cuja vida melhor conhecemos, pois a sua obra nos
oferece inúmeros dados, tanto pessoais como sociais e históricos, relativos ao seu tempo. Nasceu por
volta de 650 aC., em Anatot, aldeia da tribo de Benjamim, situada a uns 5 km a nordeste de Jerusalém, de
uma família de ascendência sacerdotal. Este fato marcará de forma decisiva a sua mensagem,
especialmente a vinculação às tradições provenientes das tribos do Norte e a insistência com que sublinha
a importância da aliança mosaica. No que diz respeito à sua personalidade, temos diversos capítulos de
caráter autobiográfico: 1; 20,1-6; 26; 28-29; 34,8-22; 36-38; 45. Mais significativos ainda são os textos
chamados "confissões", em que ele testemunha, a par das suas angústias, o seu enamoramento por Deus:
11,18-12,6; 15,10-21; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18.

CONTEXTO HISTÓRICO
Jeremias viveu num dos períodos mais conturbados da história do povo de Israel: o fim do reino de
Judá e a destruição de Jerusalém (587/86) pelo império da Babilônia; e foi chamado à vocação profética
ainda na sua juventude (1,6-7), no ano treze do reinado de Josias (1,2), em 626. Numa primeira época
manifesta a esperança na restauração da unidade do povo, tarefa na qual se empenhara o rei Josias,
através da sua reforma religiosa, com um momento forte em 622 (2 Rs 22,1-23,30), e estava centrada no
movimento deuteronomista.
Com as mudanças políticas que se deram no Médio Oriente, a partir de 625, altura em que a
Babilônia começou a impor-se politicamente, essa esperança foi-se esfumando pouco a pouco; e, com a
morte do rei Josias às mãos do faraó Necao (em 609), fica traçado o destino do reino, devendo o profeta
suportar as trágicas consequências daí resultantes.
Os dois reis que sucederam a Josias, Joaquim (609-597) e Sedecias (597-586), apenas adiaram por
algum tempo o destino já traçado sobre Jerusalém após a morte de Josias. Podemos dizer que Jeremias se
viu confrontado entre o imperativo da sua missão profética e a perseguição sistemática por parte dos seus
contemporâneos, que o acusavam de estar na origem do descalabro da pátria. São deste período os
oráculos mais dramáticos do livro, que refletem a experiência do profeta e a tragédia iminente que pairava
sobre Jerusalém e o reino de Judá.

A OBRA DE JEREMIAS

Em 605, Jeremias ditou ao seu secretário Baruc os oráculos que ele tinha preferido desde o
começo da sua missão ou desde 626 (cf. 36, 2); Baruc leu-os para o povo no Templo. Então o rei Joaquim
de Judá, mandou queimar esse escrito (cf. 36, 27). Em consequência, o Profeta os ditou de novo,
acrescentando-lhes ainda outros vaticínios (cf. 36, 32). O rei Sedecias, posterior a Joaquim, mais uma vez
mandou encarcerar Jeremias com o traidor da pátria (cf. 37-39). Jerusalém tendo caldo sob os golpes de
Nabucodonosor em 587, Jeremias foi libertado da prisão e quis ficar na Terra Santa, junto a Godolias, que
o invasor colocara como Prefeito à frente de Judá (cf. 40,1 -6). Todavia Godolias foi assassinado por
judeus, que fugiram para o Egito levando consigo o Profeta (cf. 42, 1 -43,13). Neste país, Jeremias ainda
exortou a sua gente à penitência (cf. 44, 1 30). Reza a tradição, à qual parece aludir Hb 11, 37, que
Jeremias morreu apedrejado pelos judeus que não o queriam ouvir no Egito.

Jeremias era dotado de grande sensibilidade, de modo que sofreu profundamente durante toda a
vida de profeta. Desde o início, o Senhor lhe disse que deveria "arrancar e destruir, exterminar e demolir"
(1,10). Ele tinha que anunciar a desgraça numa atitude aparentemente derrotista e antipatriótica (cf. 20, 8-
236
10); os reis, os sacerdotes, os falsos profetas e o povo o tinham como "homem discutido e debatido pelo
país inteiro" (cf. 15, 10). A dor que tal situação lhe causava, exprime-se frequentemente através das
"confissões" ou relatos autobiográficos de Jeremias; cf. 12,1-6; 15,10s.15-21; 20,7-13.14-18. Apesar dos
seus momentos de fadiga, o profeta reagia sempre, depositando finalmente sua confiança em Deus.
"Louvai Javé, pois livra a alma do pobre das mãos dos perversos!" (20,13).

Por ter sido o homem das dores, Jeremias é tido como figura do Cristo Jesus; é o tipo do arauto da
Palavra de Deus que sofre duras contradições por ser fiel á sua missão. Pelo mesmo motivo, Jeremias dá
inicio, na história do povo de Deus, à corrente dos "pobres (anawim) de Javé"; em tal contexto, pobre é
aquele que carece de amparo humano e, por isto mesmo, mais se apoia em Deus; conserva a fé e a
confiança numa alma destituída de qualquer presunção ou arrogância.

CONTEÚDO

O livro de Jeremias é de rico conteúdo. Eis alguns traços importantes da sua mensagem:

a) O livro é, em muitas de suas partes, o espelho da piedade e dos íntimos sentimentos de Jeremias
em relação a Deus e ao seu povo. Especialmente as passagens ditas "Confissões" testemunham a
familiaridade do profeta com o Senhor Deus: 11 ,18-23; 12,1-6; 15, 10-21; 17, 12-18; 20,7-18 (o autor
propõe a Deus as suas indagações, os seus gemidos e as suas preces). Ocorrem, sim, sentimentos de
vingança (12,13; 17,18; 18,21-23), de desanimo (12,3; 15,10.16s; 20,7-10), mas superados por palavras
de encorajamento e confiança (12,5; 15,19-21;20,11-13)e de verdadeiro amor ao povo de Judá ameaçado
(4,19-21;8,21-9,1;14,1-15,5.11; 18,20). A oração de Jeremias tem grande valor junto a Deus (7,16; 11,14;
14,11).

b) A nova e definitiva Aliança é descrita a partir da experiência pessoal e mística do profeta: a Lei
de Deus estará gravada nos corações (31,31-33 e 24,7; 32,39); todos conhecerão a Deus no seu íntimo
(31,34a) e receberão o perdão dos pecados para levar a vida nova (31, 34b; 33,8). O Messias será Filho de
Davi e instaurador de nova ordem (23,1 -8). Merecem ser lidas atentamente as passagens seguintes, em
que a volta do exílio e a ordem messiânica são descritas simultaneamente: 31,10-23; 33, 6-22. Confira-se
Hb 8,8-13; 10,15-17; Mt 26,28; 2Cor 3, 2.6.14: 1Jo 2, 12-14.

O texto de JEREMIAS pode dividir-se nas seguintes seções temáticas:


1-25 26-29 30-33 . 34- 45 46-51 Apêndice: 52
Oráculos Relato Restauração e Relatos da Contra as
contra Judá autobiográfico nova aliança situação de |Judá nações Resultado das
(1,1-25,14) e (26,1-29,32) (30,1-33,26) (34,1-35,19) estrangeiras palavras de
contra os povos (46,1-51,64) Jeremias
e relato
(25,15-37)
autobiográfico
(36,1 45,5)

Devido à forma como a obra está organizada e à falta de ordem cronológica, nem sempre é fácil seguir a
mensagem do profeta no seu desenvolvimento. Por vezes, sucede também que as versões atuais são
apresentadas a partir do texto grego, conhecido por tradução dos Setenta, que não corresponde
integralmente ao original hebraico, pois, além de ser mais breve (cerca de um oitavo), os textos
encontram-se numa ordem diferente.

237
TEOLOGIA
A mensagem que JEREMIAS nos oferece é profundamente espiritual e teológica. Dela, apraz-nos
destacar a doutrina da nova aliança (31,31-34), bem como a sua permanente confiança no Senhor que o
ajuda a superar todas as adversidades com que se vê confrontado. Jeremias, dotado de grande
sensibilidade, é um testemunho vivo de homem plenamente apaixonado pela causa de Deus e pela
identidade espiritual e religiosa do seu povo. É neste sentido que devem ser lidos os seus oráculos sobre a
infidelidade do povo e o castigo de Deus. Aliás, ele viveu esta paixão até ao fim e por causa dela terá
dado a vida.
Além da veemência com que proclamava os seus oráculos, o profeta recorria também,
frequentemente, a gestos simbólicos com um forte acento nacional, capazes de impressionar os seus
ouvintes e de os interpelar à conversão.
Apesar das constantes proclamações de que a pátria seria destruída, Jeremias não foi um profeta ao
serviço da Babilônia. Soube pôr o projeto de Deus acima dos interesses políticos e exortar os homens do
seu tempo à fidelidade, embora se constate que os seus apelos foram em vão. Por isso Jerusalém viria a
ser destruída em 587 e o povo de Israel partiria para o exílio na Babilônia, a fim de expiar o seu pecado.
Jeremias, maltratando durante os anos de sua missão, foi exaltado pelos pósteros, que lhe atribuíram
grande autoridade. Foi tido como o amigo e o intercessor de seu povo junto a Deus no além; cf. 2Mc
15,13-15; 2,1-8. É citado em Dn 9,2 e Eclo 49,7 (8s). Propondo uma Aliança nova fundada sobre a
religião do coração, Jeremias tornou-se o pai do judaísmo em sua corrente mais pura; exerceu influxo em
Ezequiel (cf. Ez 36,23-32), no 2° Isaias (cf. Is 49,1; 52,13-53,12) e em vários salmos (cf. Sl 138 ou 139;
39 ou 40; 41 e 42 ou 42 e 43...). A sua vida de abnegação a serviço de Deus o fez imagem do Servidor de
Javé (Is 53), que é o próprio Cristo

Temas específicos
- A confiança exclusiva em Deus. Deus fez um pacto com o povo (a Aliança); a busca de outras
alianças é apostasia deste pacto, é "adultério ".

- O realismo político de Jeremias. O profeta reconhece que os donos do mundo são agora os
babilônios e interpreta o poder deles como instrumento de Deus para punir os asssírios e também os
próprios israelitas, se não forem fiéis à Aliança.

- A vocação profética. Ser profeta é uma eleição, mas implica em rejeição e sofrimento. Há quem
veja em Jeremias o Servo Sofredor de Is 52-53. Antes valeria dizer que a vida de Jeremias é o espelho da
vocação do povo eleito como tal: ser testemunha de Deus “oportuna e inoportunamente " (cf 2Tm 4,2).

- As confissões de Jeremias. Espalhado pelo livro pode-se reconhecer a coleção que os estudiosos
chamam de "Confissões de Jeremias", meditações sobre sua própria experiência de profeta: 11,18-12,6;
15,10-21; 17,14-18; 18,18-23; 20,1-18. Estes textos nos permitem compreender por dentro o drama
vivido pelo profeta.

- A nova Aliança. Este tema, que aflora também em Ezequiel, tornou-se decisivo para a
compreensão cristã: Jesus é quem realiza a promessa da nova Aliança.

238
CRONOLOGIA DE JEREMIAS

Ano Acontecimento Referencia


640-609 aC. ,Josias reina sobre Judá. 2Rs 22,1 – 23,30
628/627 a C. A reforma de Josias começou com a remoção dos altos e 2Cr 34,1-7
de todos os vestígios de cultos estrangeiros.
627 aC Assurbanipal, o último dos grandes reis assírios, morre.
627/626 aC. Jeremias foi chamado por Deus para ser profeta. Jr 1,1-2
626 aC. Nabopolassar ganhou independência da Assíria e fundou o
Novo império Babilônico.
622 aC. Josias reconstruiu o templo; o Livro da Lei foi encontrado. 2Rs 23,1-25; 2Cr34,8-
35,19
612 a.C Nínive, capital da Assíria, caiu diante da coalizão medo-
babilônica.
614 a.C Os medos, liderados por Ciáxares; capturaram Assur,
capital da Assíria
609-605 a C. O Egito governa a Palestina e a Síria.
609 a.C Josias foi morto pelo exército egípcio na batalha de 2Rs 23,29; 2Cr 35, 20-25
Megido.
609 aC. Jeoacaz (Salum) governou durante três meses. Seu reinado 2Rs 23,31-34; 2Cr 36,1-
marcou uma reviravolta na atitude da corte em relação a 4; Jr 22,11-12
Jeremias.
609-598 a.C Jeoaquim (Eliaquim) era rei de Judá. 2Rs 23,34 -24,7.
609-598 aC. O rolo de Jeremias foi lido no templo e no palácio e Jr 7,1-15, 26,1-24; 36,1-
queimado durante o , reino de Jeoaquim. 26
608 aC. O templo em Jerusalém foi destruído Jr 26.1-24
605 aC. A Babilônia ganhou a supremacia no Oriente Próximo ao Jr 25,1; 46,2
derrotar o Egito na batalha de Cárquemis.
605 aC. Deportação na qual Daniel foi levado
605 aC. Jeremias resume seu ministério a Baruque Jr 45,1-5
602 aC. Jeoaquim rebelou-se contra Nabucodonosor. 2Rs 24,1
598/597 aC. Nabucodonosor vinga-se; deportação de judeus para a
Babilônia, na qual Ezequiel foi levado. 2Rs 24,8-16
598-597 aC. Joaquim (Jeconias) reinou sobre Judá por 3 meses antes de 2Rs 24,8-16; 2Cr 36,9-
ser deportado para a Babilônia. 10; Jr 22,24-30
597-586 aC. Zedequias (Matanias) governou sobre Israel. 2Rs 24,17 – 25,7; 2Cr
36,11-14; Jr 52,1-11
594 aC. Seraías visitou a Babilônia no meio de revolta e agitação. Jr 51,59
588 aC. Jeremias ficou numa cisterna enquanto Jerusalém estava 2Rs 25,1;
sitiada. Jr 32,1-2; 37,1 – 38,28;
39,1; 52,4; Ez 24,1-2
587 aC. Jeremias adquiriu um campo em Anatot. Jr 32,6-15
586 aC. Jerusalém foi destruída; os judeus foram deportados para a 2Rs 25,2-10; Jr 39,1 –
Babilônia; Jeremias foi libertado. 40,7; 52,5-27

587-582 aC. O governador Gedalias foi morto. Alguns judeus fugiram 2Rs 25,22-26
para o Egito , levando Jeremias com eles.
582 aC. Deportação de judeus para a Babilônia. Jr 52,30

561 aC. Joaquim foi libertado da prisão. 2Rs 25,27; Jr 52,31

239
ESBOÇO DO LIVRO DE JEREMIAS
1 Título — 1,1-3
I. ORÁCULOS CONTRA JUDÁ E JERUSALÉM
1. NO TEMPO DE JOSIAS
Vocação de Jeremias — 1,4-19
As pregações mais antigas: a apostasia de Israel — 2,1-37
A conversão — 3,1-4
O reino do Norte convidado à conversão — 3, 6-13
O povo messiânico em Sião — 3,14-18
Continuação do poema sobre a conversão —3,19-4,4
A invasão vinda do Norte — 4,5-31
Os motivos da invasão — 5,1-17
A pedagogia do castigo — 5,18-19
Por ocasião de uma fome (?)— 5,20-25.
Retomada do tema —5,26- 31
Ainda a invasão — 6,1-30
2. ORÁCULOS PROFERIDOS SOBRETUDO NO TEMPO DE JOAQUIM
O culto verdadeiro.
a) O ataque contra o templo — 7,1-15
b) Os deuses estrangeiros — 7,16-20
c) O culto sem fidelidade — 7,21-28
d) Novamente o culto ilegítimo; ameaça de exílio — 7,29 -8,3
Ameaças, lamentações, instruções. Desvio de Israel — 8,4-7
A lei na mão dos sacerdotes — 8,8-9
Retomada de um fragmento de ameaça — 8,10 -12
Ameaças à Vinha-Judá — 8,13-17
Lamentação do profeta por ocasião de uma fome — 8,18-23
Corrupção moral de Judá — 9,1-8
Tristeza em Sião — 9,9-21
A verdadeira sabedoria — 9,22-23
A circuncisão, falsa garantia — 9,24-25
Ídolos e o verdadeiro Deus — 10,1- 16
Pânico na terra —10,17-25
Jeremias e as palavras da Aliança — 11,1-14
Reprimenda aos freqüentadores do Templo 11,15-17
Jeremias perseguido em Anato— 11,18-23
A felicidade dos maus — 12,1-6
Lamentações de Iahweh sobre sua herança invadida 12,7-13
Julgamento e salvação dos povos vizinhos — 12,14-17
O cinto que não serve para nada — 13,1-11
Os odres de vinho que se entrechocam — 13,12-14
Perspectivas de exílio —13,15-17
Ameaças a Joaquin — 13,18-19
Admoestações a Jerusalém que não se converte — 13,20-27
A grande seca — 14-15,4
As desgraças da guerra — 15,5-9
A vocação renovada — 15,10-21
A vida do profeta como sinal — 16,1-13
A volta dos dispersos de Israel —16, 14-15
Anúncio de invasão —16, 16 -18
A conversão das nações — 16,19-21
240
Faltas cultuais de Judá — 17, 1-4
Sentenças de sabedoria — 17, 5-11
Confiança no Templo e em Iahweh — 17,12-13
Prece de vingança — 17,14-18
A observância do sábado — 17,19-27
Jeremias junto do oleiros — 18,1-12
Israel esquece-se de Iahweh — 18,13-17
Por ocasião de um atentado contra Jeremias — 18,18-23
A bilha quebrada e a altercação com Fassur —19 -20,6
Extratos diversos das "Confissões" — 20,7-18
3. ORÁCULOS PROFERIDOS PRINCIPALMENTE DEPOIS DE JOAQUIM
A resposta aos enviados de Sedecias — 21,1-10
Endereço geral à Casa real — 21,11 -22,9
Oráculo contra diversos reis. Contra Joacaz — 22,10-12
Contra Joaquim — 22,13-19
Contra Joaquin — 22,20-30
Oráculos messiânicos. O rei do futuro — 23,1-8
Opúsculo contra falsos profetas 23,9-40
Os dois cestos de figos — 24,1-10
4. BABILÔNIA, FLAGELO DE IAHWEH — 25 ,1-13

II. INTRODUÇÃO AOS ORÁCULOS CONTRA AS NAÇÕES


A visão da taça — 25,3-8

III. AS PROFECIAS DE FELICIDADE


1. INTRODUÇÃO: JEREMIAS É O VERDADEIRO PROFETA
Prisão e julgamento de Jeremias — 26,1-19
2. O LIVRETE PARA OS EXILADOS
A ação simbólica do jugo e a mensagem aos reis do ocidente —  27, 1-22
A altercação com o profeta Hananias — 28,1-17
A carta aos exilados — 29,1-23
Profecia contra Semeias — 29,24-32
3. O LIVRO DA CONSOLAÇÃO
A restauração prometida a Israel — 30,1-24
A restauração do povo — 31,1-22
Restabelecimento prometido a Judá — 31,23-26
Israel e Judá — 31,27-28
A retribuição pessoal 31,29-30
A Nova Aliança — 31,31-34
Permanência de Israel — 31,35-37
Reconstrução e grandeza de Jerusalém — 31,38-40
4. ANEXOS AO LIVRO DA CONSOLAÇÃO
A compra de um terreno, penhor de um futuro feliz — 32,1-44
Outra promessa de restauração — 33,1-13
As instituições do futuro — 33,14-26
5. DIVERSOS
A sorte final de Sedecias — 34,1-7
O caso da libertação dos escravos — 34, 8 -22
O exemplo dos recabitas — 35,1-19

IV. OS SOFRIMENTOS DE JEREMIAS


O rolo de 605-604 — 36,1-32
Julgamento de conjunto sobre Sedecias — 37,1-2
241
Sedecias consulta Jeremias durante a interrupção do assédio em 588 — 37,3-10
Prisão de Jeremias. Melhoria de sua sorte — 37,11-21
Jeremias na cisterna. Intervenção de Ebed-Melec — 38,1-13
Último encontro de Jeremias com Sedecias — 38,14-27
Sorte de Jeremias na queda de Jerusalém — 39,1-14
Oráculo de salvação para Ebed-Melec — 39,15-18
Ainda a sorte de Jeremias — 40,1-6
Godolias governador; seu assassínio — 40,7-41,18
A fuga para o Egito — 42-43, 1-7
Jeremias prediz a invasão do Egito por Nabucodonosor — 43,8-13
O Último ministério de Jeremias: Os judeus no Egito e a rainha do Céu — 44, 1-30
Palavra de consolo para Baruc — 45-46,1

V. ORÁCULOS CONTRA AS NAÇÕES


Oráculos contra o Egito. A derrota de Carquemis — 46, 2-12
A invasão do Egito — 46, 13-28
Oráculo contra os filisteus — 47,1-6
Oráculos contra Moab — 48,1-47
Oráculo contra Amon — 49,1-6
Oráculo contra Edom — 49,7-22
Oráculo contra as cidades sírias — 49,23-27
Oráculo contra as tribos árabes — 49,28 -33
Oráculo contra Elam — 49,34 -39
Oráculo contra a Babilônia — 50, 1
Queda de Babilônia, libertação de Israel — 50,2-20
A queda da Babilônia anunciada em Jerusalém — 50,21-28
O pecado de insolência — 50,29-32
Iahweh redentor de Israel — 50,33-40
O povo do Norte e o leão do Jordão — 50,41-46
Iahweh contra a Babilônia — 51,1-19
O martelo de Iahweh e o monte colossal — 51,20-26
Em direção ao fim! — 51, 27-33
A vingança de Iahweh — 51,34-40
Elegia sobre a Babilônia — 51,41-43
A visita de Iahweh aos ídolosm — 51,44-57
Babilônia arrasada — 51,58
Oráculo jogado no Eufrates — 51,59-64

VI. APÊNDICES
A catástrofe de Jerusalém e o favor concedido a Joaquin— 52, 1-34

242
Lamentações
Primeira lamentação — 1, 1- 22
Segunda lamentação — 2, 1-22
Terceira lamentação — 3, 1-66
Quarta lamentação — 4, 1-22
Quinta lamentação — 5, 1-22

As Lamentações vêm a ser uma coleção de cinco cânticos, que choram a queda da Cidade Santa
Jerusalém em 587 aC. Os quatro primeiros são acrósticos, isto é, as letras iniciais dos seus versículos
formam o alfabeto hebraico segundo a série das suas 22 letras. O quinto cântico não é acróstico, mas tem
tantos versículos (22) quantas são as letras do alfabeto hebraico.

No primeiro cântico, o poeta e a cidade personificada lamentam a destruição de Jerusalém;


reconhecem a culpa do povo. No segundo cântico o autor lastima a punição de Jerusalém e exorta a
cidade à penitência (2,1-19); em 2,20-22, de Jerusalém pede misericórdia. No terceiro cântico, o autor
descreve a sua dor diante da desgraça de Jerusalém e sua esperança na misericórdia divina. No quarto
cântico, mais uma vez é pranteada a ruína de Jerusalém castigada segundo a justiça. O quinto cântico
tem a forma de oração ("Oração do Profeta Jeremias", conforme a Vulgata latina), que implora a ajuda de
Deus para as vitimas da catástrofe de Jerusalém. Em 4,21s lê-se uma predição de ruína para Edom, povo
vizinho de Judá, que, após 587 aC., longe de apoiar Judá vencido, aproveitou-se da desgraça de
Jerusalém.

A tradição atribui ao profeta Jeremias a autoria das Lamentações, apoiando-se em 2Cr 35, 25, que
apresenta o profeta como autor de Lamentações. Essa tradição, porém, começou a ser posta em xeque por
Hermann von der Hardt, em 1721; hoje não é mais aceita. Na verdade, Jeremias não teria dito que a
inspiração profética se havia esgotado (cf. Jr 42, 7-22 e Lm 2, 9), nem teria esperando auxilio do Egito
(cf. Jr 37,7s e Lm 4,17), nem teria elogiado o rei Sedecias (cf. Jr 22,13-28; 37,17s e Lm 4,20), nem teria
apelado para a culpa dos pais (cf. Jr 31,29 e Lm 5,7)... Mais: o estilo espontâneo de Jeremias dificilmente
se teria enquadrado dentro do rígido artifício dos poemas acrósticos.

Em consequência, as Lamentações são atribuídas a um ou mais autores anônimas (há quem julgue
que os cc. 1 e 5 são de autores diferentes): terão sido redigidas na própria Terra Santa, sob o impacto
recente da catástrofe de 587 aC....; a finalidade terá sido litúrgica, isto é as Lamentações devem ter sido
compostas para comemorar todos os anos a queda do Templo e de Jerusalém no dia que os judeus
consagravam a tal evento (9 do mês de Ab = julho/agosto). A Igreja lê as Lamentações nos últimos dias
da Semana Santa para relembrar o drama do Calvário. É de notar que esses cânticos fúnebres são
perpassados por vivo sentimento de arrependimento e de inabalável confiança em Deus - o que dá valor
permanente a esse pequeno livro.

MENSAGEM
O autor lamenta-se da situação miserável em que o povo de Israel e as suas instituições se
encontram; e fala da humilhação extrema a que chegaram Israel e Jerusalém. Tudo isto, como
consequência do mau proceder do povo e da sua infidelidade à Aliança.
A situação é interpretada à luz da fé como um castigo e como um tempo de purificação, dado haver
243
uma esperança última de que Deus voltará o seu olhar clemente para o povo (fim da 5.ª Lamentação).
Por tudo isso, tanto judeus como cristãos fazem uso destes poemas na liturgia, em momentos
significativos da sua História: os judeus, nas festas de jejum, em que recordam a destruição de Jerusalém,
no ano 70, pelos romanos; os cristãos, na liturgia da Semana Santa, ao recordarem os sofrimentos da
Paixão de Cristo.

TEMAS ESPECÍFICOS

- A contrição. O povo reconhece que sua situação lamentável é a conseqüencia da infidelidade à


Aliança. Reconhece a própria culpa, o que é fundamental para que aconteça uma verdadeira renovação - e
isso vale também para qualquer individuo ou sociedade hoje.

- A esperança. Quem não tem esperança não lamenta, mas se fecha no niilismo. 0 lamento é uma
forma de expressar a "esperança contra toda esperança". Por isso o tom de esperança em que termina o
último lamento é altamente significativo, não só para o povo exilado, mas para qualquer um. Existe
“volta".

- O servo sofredor. Sobretudo o terceiro lamento evoca o individuo que sofre pelo povo, e é neste
sentido que a liturgia cristã integrou as Lamentações na liturgia da Sexta-feira Santa, como evocação de
Jesus na hora de seu sofrimento e morte.

244
Baruc
Este escrito recebe o nome de LIVRO DE BARUC (= Bento) a partir de 1,1-3, onde o seu autor se
apresenta e nos descreve um pouco da história dos desterrados da Babilônia, após a tomada de Jerusalém
por Nabucodonosor.

AUTOR
Quem é Baruc? No livro de Jeremias, BARUC é apresentado como "escriba" ou "secretário" do
profeta (Jr 36,4-32) e estreitamente ligado a algumas etapas da sua vida (Jr 32,12-16), chegando, mesmo,
a refugiar-se com ele no Egito (Jr 43,1-7).
Pelo texto, vemos também que desempenhou uma tarefa importante junto dos exilados, fazendo-se
aí porta-voz do profeta de Anatot.
Mas o nome dado ao autor deste escrito é certamente um pseudônimo, técnica muito comum no
campo literário em todos os tempos, e também no mundo bíblico. Isto é tanto mais provável quanto este
livro não remonta ao período do exílio da Babilônia, embora algumas das suas fontes e os episódios
narrados se situem nesse contexto.

LIVRO
Recolhendo estes elementos, um autor anônimo, que se esconde por trás do nome de BARUC,
compôs esta obra a partir de diversas fontes e com gêneros literários diferentes.
O autor denota influências dos profetas da época do Exílio, especialmente de Jeremias, Ezequiel e
Segundo Isaías, quer nos temas abordados, quer na forma literária. Também é de salientar a linguagem de
tipo sapiencial e mesmo apocalíptico, a que recorre com frequência.
Trata-se de um livro que não figura na Bíblia hebraica, fazendo parte da lista dos chamados livros
Deuterocanónicos. O texto que chegou até nós é apenas conhecido na versão grega, sendo clara a intenção
de o apresentar como um livro profético.

DIVISÃO E CONTEÚDO

Baruc não é, propriamente, um livro profético e sim, sapiencial É uma narrativa simbólica,
desenvolvida a partir de dados das Escrituras antigas, aproximando-se do gênero midraxe.

1. Apresentação (1,1-14). 0 livro apresenta-se como escrito por Baruc e lido em presença do rei Jeconias,
exilado em Babilônia, mas reabilitado na corte de Nabucodonosor (2Rs25,27-30) e, por isso, símbolo da
restauração do povo. A ocasião da leitura ao rei teria sido a realização de uma coleta para o povo e os
sacerdotes em Jerusalém e o reenvio dos objetos de culto que tinham sido levados como presa pelos
babilônios. A introdução mostra certa confusão de referencias históricas, com é o caso também no livro
de Judite.

II Ato penitencial (1,15-3,8). Depois da apresentação do cenário, o livro convoca o povo para uma
celebração penitencial, que é na realidade uma meditação sobre o comportamento de Israel na história da
salvação.

III. meditação sapiencial (3,9-4,4). Num estilo que lembra por um lado o Dt e os profetas, e por outro Jó
e Pr, segue uma meditação sobre a Lei.
245
IV. Exortação e consolação (4,5- 5,9), dirigida a Jerusalém, também com fortes lembranças dos escritos
anteriores (Dt, Lm, etc., Assim, o conjunto do livro (caps. 1-5) resulta um escrito de exortação que exalta
o valor das tradições (Lei e Profetas) e das promessas salvíficas a respeito de Jerusalém.

Anexo: O capítulo 6 de Baruc ou epístola de Jeremias encontra-se nos manuscritos gregos do


Antigo Testamento logo depois de Lm, como livro à parte. Os textos latinos e sírios a anexam a Br como
sendo Br 6. O texto original parece ter sido hebraico.

A carta vem a ser uma exortação aos exilados para que não caiam na idolatria do ambiente
babilônico em que se acham; chama a atenção para a inércia dos ídolos, que não têm vida e são incapazes
de ajudar. Observemos os refrões: "Por conseguinte, não os temais" (vv. 15.22.28.64.68)ou "Como crer
ou dizer que são deuses?" (vv. 39.44.49.56) ou "Quem não vê que não são deuses?' (vv. 51.63.68). O
autor da carta valeu-se de textos de Profetas anteriores como Is 1,29; 2,18; Mq 1,7; 5, 12s; Jr 2,5.8.25-29;
5,19; 11,12s... Mais diretamente ainda o autor se inspirou em Is 40,55, e Jr 10,3-16. Além destas fontes, o
escritor consultou sua própria experiência: 6,3-5 (as pompas da idolatria); 6,8.10.12-14.19 (os ornamentes
das estátuas); 29,42s (os abusos do culto).

O autor não é Jeremias, como geralmente reconhecem os estudiosos; o titulo da carta elemento
acrescentado posteriormente, talvez porque Jeremias foi autor da epístola consignada em Jr 29. O texto
deve-se a um anônimo, que pode ter escrito no fim do séc. IV aC., quando a idolatria da Babilônia tomava
novo surto. A finalidade é acautelar os judeus da diáspora e incitá-los à fidelidade religiosa.

Esquematizando:
1,1-14 1,15-3,8 3,9 -4,4 4,5-5,9 Anexo: 6,1-72
Apresentação Liturgia Meditação Exortação e Epistola de
penitencial sapiencial consolação Jeremias

TEMAS ESPECÍFICOS

- A Sabedoria, a Lei e os Profetas. Sobretudo nos caps. 3-4, Br fala da sabedoria de Deus que supera
tudo. Subentenda-se que essa Sabedoria está presente em Israel na forma da lei e dos Profetas, não só nos
escritos, mas em toda a tradição que mantém o povo em contato com a Instrução (Torá) da parte de Deus.
-A conversão. Como nas Lamentações, forte acento recai na consciência do pecado do povo e a
conseguinte conversão e penitência. Se for verdade que o grande pecado de nosso tempo é ter esquecido o
pecado, Br pode nós ensinar bastante.
-A Epistola de Jeremias (Br 6) fala, sob a aparência dos deuses da Babilônia, da ideologia do mundo
helenista no século 2° aC. Talvez fale também dos falsos deuses de nosso tempo.

246
Ezequiel
1,1-3 Introdução — III. DURANTE E APÓS O CERCO DE JERUSALÉM
1,4-28 Visão do "carro de Iahweh" 33, 1-9 O profeta como atalaia
2 – 3,15 Visão do livro 33,10-20 Conversão e perversão
3,16-21 O profeta como espia 33,21-22 A tomada da cidade
33,23-29 A devastação da terra
I. ANTES DO CERCO DE JERUSALÉM 33,30-33 Resultados da pregação
3,22-27 Ezequiel privado da palavra 34,1-31 Os pastores de Israel
4-5,17 Anúncio do cerco de Jerusalém 35, 1-15  Contra os montes de Edom
6,1-10 Contra os montes de Israel 36,1-38 Oráculo sobre os montes de Israel
6,11-14 Os pecados de Israel 37,1-14 Os ossos secos
7,1-14 O fim próximo 37,15-28 Judá e Israel reunidos em um só reino
7,15-21 Os pecados de Israel 38-39,20 Contra Gog, rei de Magog
8,1-18 Visão dos pecados de Jerusalém 39,21-29 Conclusão
9-10,17 O castigo
9,18-22 A Glória de Iahweh deixa o Templo IV. A "TORÁ DE EZEQUIEL
11,1-13 Ainda os pecados de Jerusalém 40,1-40 O templo futuro
11,14-21 A nova aliança prometida aos exilados 40,5 O muro exterior
11, 22-25 A Glória de Iahweh deixa Jerusalém 40,6-16 O pórtico oriental
12,1-20 A mímica do emigrante 40,17-19 O átrio exterior
12,21-28 Provérbios populares 40,20 -23 O pórtico setentrional
13,1-16 Contra os falsos profetas 40,24 -27 O pórtico meridional
13,17-23 As falsas profetisas 0,28-31 O 4átrio interior. Pórtico meridional
14,1-11 Contra a idolatria 40,32-34 O pórtico oriental
14,12-23 Responsabilidade pessoal 40,35-37 O pórtico setentrional
15, 1-8 Parábola da vinha 40,38-46 Anexos dos pórticos
16,1-63 História simbólica de Jerusalém 40,47 O átrio interior
17,1-24 Alegoria da águia 40,48-49 O Templo. Ulam
18, 1-32 Responsabilidade pessoal 41,1-2 O Hekal
19,1-14 O Lamentação sobre os príncipes de Israel 41,3-4 O Debir
20,1-44 História das infidelidades de Israel 41,5-11 As celas laterais
21,1-22 A espada de Iahweh 41,12-15 O edifício ocidentais
21,23-32 O rei da Babilônia na encruzilhada 41, 16-21 Ornamentação interior
21,33-37 O castigo de Amon O 41, 22 altar de madeira
22,1-31 Os crimes de Jerusalém 41,23 – 26 As portas
23,1-49 História simbólica de Jerusalém e de Samaria 42,1-14 A Dependências do Templo
24,1-14 Anúncio do cerco de Jerusalém 42,15-20 Dimensões do átrio
24,15-27 Provações do profeta 43,1-12 A volta de Iahweh
43,13-17 O altar
II. ORÁCULOS CONTRA AS NAÇÕES 43,18-27 Consagração do altar
25, 1-7 Contra os amonitas 44 ,1-3 Uso da porta oriental
25, 8-11 Contra Moab 44, 4 -9 Regras de admissão no Templo
25,12-14 Contra Edom 44,10 -14 Os levitas
25,15-17 Contra os filisteus 44,15 -31 Os sacerdotes
26,1-14 Contra Tiro 45,1-6 Divisão da terra. A parte de Iahweh
26,15-21 Lamentação sobre Tiro 45,7-12 A porção do príncipe —
27, 1-36 Segunda lamentação sobre a queda de Tiro 45,13 -17 Oferendas para o culto
28,1-10 Contra o rei de Tiro 45,18-24 A festa da Páscoa
28,11-19 A queda do rei de Tiro 45,25 A festa das Tendas
28,20-23 Contra Sidônia 46,1-24 Regulamentos diversos
28,24-26 Israel libertado das nações 47,1-12 A fonte do Templo
29,1-21 Contra o Egito 47,13-23 Limites da terra
30, 1-26 O dia de Iahweh contra o Egito 48,1-29 A partilha da terra
31,1-18 O cedro 48,30-35 As portas de Jerusalém
32,1-16 O crocodilo
32, 17-32 Descida do Faraó ao Xeol

247
Ezequiel (hebr. "Yehezq'el" = "Deus é forte", ou "Deus dá força") era filho do sacerdote Buzi. Ele
próprio foi sacerdote em Jerusalém, o que se comprova pela linguagem de que se serve e pela atitude que
tomou quanto ao culto. Deve ter nascido em 620 aC., em Jerusalém, na época do rei Josias. A sua mulher
faleceu subitamente antes da destruição da cidade de Jerusalém (Janeiro de 586). Em 597, por altura da
primeira deportação, foi para a Babilônia com a família, tendo-se instalado em Tel-Aviv. Ali se situa a sua
visão do carro do trono de Deus com a sua glória, no quinto ano da deportação do rei Joaquim, ou seja, em
592. É então que sente a vocação para profeta, quando contava cerca de 30 anos de idade (1,1-28; 2,1-7). A
sua atividade profética na Babilônia dura cerca de vinte anos (1,2; 29,17), sendo a última profecia do ano 570.

CONTEXTO E AUTOR
As condições em que viviam os exilados deviam ser muito difíceis. Muitos foram condenados a
trabalhos forçados. A principal colônia foi a de Tel-Aviv, junto ao rio Eufrates, mais precisamente nas
margens do Cobar (1,1.3; 3,15). À sua frente estavam os anciãos (8,1; 14,1; 20,1). Mas o sofrimento interior
dos exilados era muito grande por se encontrarem longe da pátria, de Jerusalém e do Templo. O Salmo 137 é
uma autêntica balada dos exilados, traduzindo a amargura e a saudade do povo, a quem os carcereiros pediam
cânticos de alegria.
A tentação da dúvida e do desespero ameaçava profundamente a sua alma. Muitos terão pensado: o
nosso Deus abandonou o seu povo; os deuses pagãos levaram a melhor sobre o Deus de Israel! De fato, os
Babilônios cantavam vitória: o deus Marduk triunfara. Ali, em terras da Mesopotâmia, o culto das divindades
pagãs devia exercer sobre os Judeus uma forte impressão. Além disso, a feitiçaria e a adivinhação eram uma
tentação constante para eles (13,17-23; Jr 29,8).
Outra idéia que o profeta refuta é esta: a sorte dos que ficaram em Jerusalém não é melhor do que a dos
exilados em 597. Os primeiros julgavam-se "a carne na marmita" (11,3) e julgavam ter direito aos haveres dos
seus compatriotas desterrados (11,15; 33,24). O profeta promete que estes hão de regressar à pátria, onde
recomeçarão uma vida nova (11,17-20).
Ezequiel mostra um interesse muito particular por tudo o que diz respeito ao sacerdócio, pois ele mesmo
era sacerdote (1,3). O templo constitui o objeto das suas preocupações constantes; o primeiro fora profanado
pelos ritos impuros (cap. 38) e, por isso, a glória de Deus o deixou; o segundo é descrito com muitos
pormenores nos últimos capítulos. Deus voltará a habitar nele e a sua glória o cobrirá. Refere-se ao papel dos
sacerdotes, às festas, ao calendário religioso (cap. 44-46).
A sua mentalidade sacerdotal revela-se ainda na insistência com que fala da Lei, das infrações que Israel
lhe fez, ao longo da História (20) e das impurezas legais (4,14; 44,7); na preocupação em distinguir entre o
sagrado e o profano (45,1-6; 48,9-10); no cuidado em regular os casos de direito e de moral; no tom casuístico
dos seus ensinamentos (18); na semelhança inegável que há entre as expressões mais típicas da sua mensagem
e a linguagem do Código de Santidade (Lv 17-26). A sua obra enquadra-se na corrente sacerdotal, como a de
Jeremias se enquadra na "deuteronomista."
Porque foi constituído "guarda da casa de Israel" (3,17; 33,7), o profeta sente-se responsável pela
salvação de cada um dos seus compatriotas (3,16-21; 33,1-2; 20). A ele se dirigem os anciãos, desejosos de
obter uma resposta para os seus problemas (8,1; 14,1; 20,1). Insurge-se com veemência contra os falsos
profetas e profetisas (13,10.18-19), e contra aqueles que fazem correr ditos enganadores e provocam a
confusão entre o povo (8,12; 9,9; 11,15; 12; 22; 18,2.25.29; 33,17.20.24).
Uma das questões que mais tem preocupado os intérpretes do livro de EZEQUIEL é o lugar onde o
profeta desenvolveu a sua atividade: teria sido só na Babilônia ou só em Jerusalém, ou na Babilônia e em
Jerusalém? A hipótese tradicional diz que foi só na Babilônia; e ainda hoje parece a mais viável. Longe da
pátria, nas margens do rio Cobar, após a deportação de 597, recebe a vocação profética, anuncia a ruína de
Jerusalém e do seu templo e profetiza a futura restauração de Israel. É daí que se dirige aos habitantes de
Jerusalém, insistindo com frequência na catástrofe iminente da cidade santa. O seu pensamento está
constantemente em Jerusalém; numa das visões, é mesmo conduzido em espírito até lá, onde contempla o
culto idolátrico praticado no santuário e assiste ao incêndio da cidade (ver 8-11). Certas passagens, como
11,24-25 mostram bem que ele se encontra no Exílio.
LIVRO
O livro de Ezequiel apresenta a pregação profética de Ezequiel na primeira pessoa do singular; apenas
dois versículos estão na terceira pessoa (1, 3 e 24,24). O livro tem assim uma certa unidade. Mas deve-se notar
248
que não foi escrito de uma só vez nem é todo diretamente da mão do profeta Ezequiel; é de crer que tal obra
seja devida a discípulos, que trabalharam a partir dos escritos e recordações do mestre, combinando-os entre si
e completando-os. Os indícios de compilação são vários:
- repetições: 3,17-21 e 33, 7-9; 18,25-29 e 33,17-20; 7,1 -4 e 7, 5-9; 1,4-2,2 e 10, 8-17...
- inserções: a visão do carro divino (1,4-3,15) é interrompida pela do livro (2,1 -3, 9). O relato de 10,1-22 só
continua em 11,22, cortado pela descrição dos pecados de Jerusalém...
- as datas fornecidas nos cc. 26-33 não seguem ordem cronológica; cf. 26, 1; 29,1; 30,20; 31,1; 32,1; 32, 17;
33,21.
Todavia pode-se dizer que os discípulos foram fiéis ao mestre, pois conservaram, além do uso da
primeira pessoa do singular, a unidade de estilo e de expressões: "Filho do homem", "Sabereis que eu sou o
Senhor...", "Foi-me dirigida a palavra do Senhor...", "Fez-se a mão do Senhor sobre mim..."
Ezequiel recorre frequentemente a gostos simbólicos: 4,1-5,4; 12,1 -7; 21,23s; 24,22-24; 37,15s. É
também dado a visões: 1,1; 1,4-28; 10s; 37,1-14; 43,1-7, textos estes que põem o leitor diante de quadros
fantásticos. Também revelam fecunda imaginação as alegorias referentes às duas irmãs Oola e Ooliba (c. 23),
ao naufrágio de Tiro (c. 27), ao faraó-crocodilo (cc. 29 e 32), à árvore gigante (c. 31 )...

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS
No livro encontramos várias visões, ações simbólicas, parábolas e alegorias. É certo que os outros
profetas também as empregam; mas, em EZEQUIEL, estes processos literários têm aspectos característicos
muito especiais.
Assim, as visões são mais extensas e escritas com mais pormenores do que as dos seus colegas. Por
exemplo, Isaías e Jeremias também tiveram visões, que lhes indicaram a vocação para o profetismo; mas,
essas experiências, simples e discretas, não têm a grandiosidade das de EZEQUIEL. Numa visão um tanto
complexa e misteriosa, que teve do carro de Deus (1-3), o profeta contemplou a glória do Senhor. Contudo,
evita falar dos elementos divinos de maneira humana; diz sempre "eram algo como", "assemelhavam-se a",
etc.
Outras visões grandiosas foram a dos ossos ressequidos (37), que traduz bem o seu talento poético, e a
das faltas de Jerusalém (8-11). Nos capítulos finais (40-48) apresenta a visão do novo Reino de Deus;
descreve o templo futuro, fala da nova lei e do culto, como verdadeiro legislador, e divide a Palestina entre as
tribos de Israel, à maneira de autêntico senhor.
É costume dizer-se que Isaías é o profeta da razão e do raciocínio, que Jeremias e Oseias são os profetas
da sensibilidade, e EZEQUIEL é o profeta das visões, da imaginação e do simbolismo. Na alegoria da leoa
e dos leõezinhos (19,1-9), na da videira estéril (15) e nos quadros simbólicos, que descrevem a história de
Israel (16 e 23), nota-se bem a sua prodigiosa imaginação.
As ações simbólicas são também frequentes em EZEQUIEL. Por meio delas desperta a atenção dos ouvintes e
ele mesmo dá a interpretação, sempre que lhe pedem (12,9; 21,12; 24,19; 37,18). O cerco de Jerusalém (4), o
aniquilamento do povo até se tornar um pequeno resto (5,1-4), a ida para o cativeiro (12,1-7), as dificuldades
do cerco (12,17-20), o terror causado pelo anúncio da ruína da cidade (21-22), a hesitação do rei da Babilônia
quanto à escolha do caminho a tomar (21,23-28), a impossibilidade de se lamentarem pela queda de Jerusalém
(24,15-24) e a reunificação dos reinos (37,15-22), são os acontecimentos anunciados nessas ações simbólicas.
As parábolas e alegorias são também frequentes neste livro. Algumas delas possuem uma rara beleza
poética e sobressaem pela sua extensão e riqueza de pormenores. Assim, a parábola de Jerusalém comparada a
uma mulher adúltera (16); a das duas irmãs infiéis e prostitutas, acerca da Samaria e de Judá (23); a da videira
estéril, sobre Judá (15); a da águia, acerca de Nabucodonosor (17,3-7); a da leoa e dos leõezinhos, sobre Judá
(19,1-9); a da videira plantada por Deus, sobre Judá (17,1-10; 19,10-14); a da floresta incendiada, sobre
Jerusalém (21,1-5); a do navio que naufraga, acerca de Tiro (27); a do crocodilo, sobre o Egito e o faraó (29,1-
6; 32,1-8); a do cedro que é arrancado, sobre o faraó (31). A extraordinária veia poética de EZEQUIEL e a sua
prodigiosa imaginação estão bem patentes em todas estas parábolas.

ESTRUTURA E CONTEÚDO
A estrutura do livro é a seguinte:
I. Vocação para o profetismo: 1,1-3,27;

249
II. Oráculos de ameaça contra Judá e Jerusalém: 4,1-24,27;
III. Oráculos contra as nações: 25,1-32,32;
IV. Oráculos de salvação para Israel: 33,1-39,29;
V. Novo reino, novo templo e novo culto: 40,1-48,35.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


Nos primeiros capítulos da obra encontramos os mesmos temas que se nos deparam em Jeremias: o
povo de Judá gravemente culpado pelas faltas que cometeu; a justiça de Deus que vai castigar Israel; o cerco
de Jerusalém; a tomada da cidade com a destruição do templo; a deportação para o cativeiro; etc. Mas em tudo
isto podemos apontar alguns pormenores, próprios de EZEQUIEL. Vejamos alguns:
A história de Israel é considerada como uma apostasia contínua do povo, pois Israel deixa-se corromper desde
o início. Já na sua infância se entregou à idolatria no Egito e, depois, no deserto e em Canaã (16). Jeremias e
Oseias ainda se tinham referido a alguns momentos de fidelidade de Israel (Jr 2,2; Os 2,16-17; 11,1), mas
EZEQUIEL nem um sequer apresenta. Quer assim exprimir, da maneira mais evidente, que o povo é
corrupção total, desde o começo da sua existência.
A observância estrita da lei levítica de pureza é um tema predileto no livro de EZEQUIEL. Como
sacerdote que era, refere-se frequentes vezes à distinção entre o puro e o impuro (22,26; 44,23). Deve ter tido
uma educação muito rigorosa, nesse domínio: treme perante a exigência de comer algo que seja impuro (4,14).
Alude muitas vezes ao povo que se mancha com os seus pecados (14,11; 20,30; 37,23), em particular com os
pecados de idolatria (20,7.8.31; 22,3.4; 23,7.30; 37,23) e com os sacrifícios de crianças (20,26.31); o templo é
profanado com os cultos idolátricos (5,11; 7,22.24; 24,21) e o país, com as faltas do povo (36,17) e com os
cadáveres dos mortos (39,12.14.16). A profanação do sábado merece-lhe, também, alguns reparos especiais
(20,13.16.21.24; 22,8; 23,38). A idéia dominante é a de que o povo e a terra devem ser santos, como Deus é
santo.
Além desses pecados, insurge-se também contra certos males de ordem moral e social, como os outros
profetas: o desprezo e abandono dos pais (22,7); a opressão das viúvas e dos órfãos (22,7.25); o desprezo dos
pobres (18,7.16); a opressão dos estrangeiros (22,7); a usura, a extorsão e a corrupção (18,7-8; 22,12); a
luxúria e o adultério (18,6; 22,10-11); o assassínio e o homicídio (18,10; 22,2-4.6-9.12.27; 33,25; 36,18).
Um tema considerado inovador na teologia de EZEQUIEL é o da responsabilidade individual de cada
um, que contrasta com a idéia tradicional da responsabilidade coletiva. É dele que, depois, vai derivar, no
Judaísmo posterior, a crença na retribuição após a morte. Nos cap. 8-11 e 18 elabora os princípios morais da
responsabilidade religiosa individual: cada pessoa é responsável pelas ações que pratica.
A presença de Deus no meio do seu povo, mesmo entre os exilados, é outro ponto em que insiste
amiúde. Deus não abandona o seu povo. A visão do carro de Deus (1-3) mostra que Ele não está ligado à
Palestina, mas acompanha o seu povo por toda a parte. Assim, combate uma idéia errada, que estava muito
difundida.
A esperança na restauração futura de Israel é inculcada com a visão da ressurreição dos ossos
ressequidos (37): Deus faz reviver os ossos, como também há-de fazer voltar Israel para a sua pátria (ver pág.
1420). Os capítulos 34-39 contêm vários oráculos sobre a salvação futura de Israel.
O messianismo não é em EZEQUIEL uma idéia frequente, como em Isaías. Contudo, aparecem elementos
relativos à esperança messiânica, aqui e além: o pequeno "resto" donde sairá a salvação (5,3; 6,8-10; 9,8-9), a
salvação no futuro (16,59-63; 17,22-24; etc.). Não se trata de um messianismo real e glorioso, como em Isaías.
O futuro David será o pastor do seu povo (34,23-31) e o bom pastor (34). No NT encontramos estas idéias na
boca do próprio Cristo.
O Judaísmo posterior e o NT foram muito influenciados pela Apocalíptica de EZEQUIEL. Neste
capítulo, EZEQUIEL é um precursor. A profecia sobre Gog (38-39) fala-nos dos últimos tempos e da vitória
final de Deus sobre todos os inimigos; Daniel, o próprio Jesus Cristo e São João, no seu Apocalipse, irão
desenvolver este pensamento. Neste aspecto, EZEQUIEL aproxima-se de Isaías.
Uma última idéia teológica merece referência: é a que se relaciona com o futuro templo e distribuição do país
pelo santuário, pelo rei e pelas doze tribos. Expressa um ideal político e religioso que seria bastante
desenvolvido, e que, apesar de não ter sido propriamente posto em prática, ainda explica certas peculiaridades
do Judaísmo restaurado.
250
Daniel
Os jovens hebreus na corte de Nabucodonosor —1, 1-21 Visão do Ancião e do Filho de Homem 7,9-14
O sonho de Nabucodonosor: a estátua compósita Interpretação da visão — 7,15-28
O rei interroga seus adivinhos — 2,1-13 Visão de Daniel: o carneiro e o bode
Intervenção de Daniel — 2,14-45 A visão — 8,1-14
Profissão de fé do rei — 2,46-49 O anjo Gabriel explica a visão — 8,15-27
Adoração da estátua de ouro A profecia das setenta semanas
Nabucodonosor levanta uma estátua de ouro — 3, 1-7 Oração de Daniel — 9,1-19
Denúncia e condenação dos judeus — 3,8-23 O anjo Gabriel explica a profecia — 9,20-27
Cântico de Azarias na fornalha — 3,24 -50 A grande visão
Cântico dos três jovens — 3,51-90 O TEMPO DA CÓLERA
Reconhecimento do milagre — 3,24-30 Visão do homem vestido de linho — 10,1-8
O sonho premonitório e a loucura de Nabucodonosor 3,31-33 Aparição do anjo —10, 9-19
Nabucodonosor relata seu sonho — 4,1-15 O anúncio profético —10,20-11,2
Daniel interpreta o sonho — 4,16-24 Primeiras guerras entre Selêucidas e Lágidas — 11, 3-20
O sonho torna-se realidade — 4,25-34 Antíoco Epifanes — 11,21-39
O festim de Baltazar 5-6,1 O TEMPO DO FIM
Daniel na cova dos leões Fim do perseguidor — 11,40-12,1
Inveja dos sátrapas — 6, 2-10 Ressurreição e retribuição — 12,2-4
Oração de Daniel — 6,11-16 A profecia reservada — 12,5-13
Daniel atirado aos leões — 6,17-25 Susana e o julgamento de Daniel 13, 1-64
Profissão de fé do rei — 6,26-29 Daniel e os sacerdotes de Bel — 14,1-22
Sonho de Daniel: os quatro animais Daniel mata o dragão — 14,23-30
A visão dos animais — 7,1-8 Daniel na cova dos leões — 14,31-42

O nome de Daniel, que em hebraico quer dizer "o meu juiz é Deus", aparece no livro de Esdras 8,2
e em Neemias 10,7 como sendo um dos exilados que regressaram da Babilônia para a Palestina.
E isso pode significar que era utilizado como nome de pessoa entre os hebreus, na época pós-exílica. No
entanto, como nome de pessoa, Daniel é muito antigo no Médio Oriente e parece ter conhecido grande
atrativo fora da sociedade hebraica. Por isso, o profeta Ezequiel fala de um certo Daniel, muito afamado
pela sua piedade e sabedoria (14,14.20).
Sobre o outro Daniel, um sábio da antiguidade, que Ezequiel refere e que também é mencionado na
epopeia de Aqhat (escrita antes do séc. XIII aC. e descoberta em Ugarit), conhecemos apenas a figura de
um rei que se apresenta como um rei ideal, muito devoto e imerecidamente sofredor.

AUTOR E CONTEXTO
Nem o Daniel regressado do Exílio nem o Daniel rei, da literatura de Canaã, podem ser o autor
deste livro. O nome de DANIEL foi-lhe atribuído como símbolo; na verdade, parece ajustar-se bem a uma
obra cujo conteúdo tinha muito a ver com a dura experiência judaica vivida no Exílio e se ligava
profundamente à sabedoria representada pela antiga tradição de Israel e de toda a região de Canaã.
A situação histórica em que este livro apareceu coloca o seu autor no reinado de Antíoco IV, Epifânio, rei
helenista da dinastia dos Selêucidas, que governava a Palestina a partir da sua capital dinástica em
Antioquia. Foi este rei que tentou a morte da religião judaica e a helenização da Palestina.

GÉNERO LITERÁRIO
Nos capítulos 1 a 6, o autor serviu-se de histórias antigas que pertenciam a um gênero tradicional
de literatura didática e educativa, chamado "hagadá", então muito em voga. Daniel já era uma figura
exemplar nessas histórias, que tinham o objetivo de inculcar esperança e fé nos judeus perseguidos por
Antíoco IV e assediados por outros perigos. Assim como Deus protegera Daniel e os seus companheiros

251
de todos os perigos e ameaças, assim faria também com os outros judeus fiéis à lei.
O autor não tem em vista descrever fatos históricos, mas apresentar histórias moralizadoras e edificantes,
que poderiam ter um fundo ou núcleo real histórico, mas de segunda importância. Os dados internos do
livro, sob o ponto de vista linguístico, histórico e teológico, obrigam-nos a datar a sua versão final por
altura da morte do rei Antíoco IV, em 165 ou 164 aC..
Por seu lado, os capítulos 7 a 12 pertencem ao gênero apocalíptico, também frequente naquele
tempo, que apreciava a comunicação de revelações. "Apocalipse" quer dizer, precisamente, "revelação".
Esta literatura, por condições sociais e razões de mentalidade, apreciava a pseudepigrafia. Foi um gênero
de literatura dos mais comuns no ambiente judaico da Palestina entre o séc. II aC. e o séc. III d.C., tempo
das origens do cristianismo e do judaísmo rabínico.
A literatura apocalíptica era diferente da literatura bíblica tradicional, mas também continuou
alguns dos seus gêneros e temas mais importantes. Teve início sobretudo no interior da literatura profética
do tempo do Exílio e prolongou, em grande parte, o horizonte representado pelos profetas. Por outro lado,
reatou profundos laços com a antiga literatura sapiencial e revalorizou a utilização teológica das antigas
mitologias de Canaã, que sempre constituíram, ao longo da Bíblia, um manancial para a criação teológica.
O vigor fantástico do imaginário apocalíptico deve-se também ao fato de esta literatura procurar a
interpretação profunda das antigas mitologias.

TEXTO
A complexidade e a riqueza históricas de DANIEL notam-se também no fato de o texto de que
atualmente dispomos nos ter sido transmitido em três línguas diferentes: os capítulos 1,1 a 2,41 e 8 a 12
encontram-se em hebraico; a longa seção didática de 2,4b a 7,28 está em aramaico; e em grego, o hino de
3,24-90 e as histórias educativas dos capítulos 13 e 14.
Os dois últimos capítulos encontravam-se, em grego, separados do livro de DANIEL; foi a tradução
latina da Vulgata que os juntou. Estas partes não foram reconhecidas como texto bíblico pelo judaísmo
rabínico e palestinense do final do séc. I d.C.; mas o judaísmo alexandrino e o cristianismo já as
consideravam como igualmente bíblicas e, por conseguinte, canônicas.
As edições da Bíblia ligadas à Reforma costumam seguir a lista oficial do judaísmo da Palestina; as
edições católicas e ortodoxas seguem a Bíblia do cristianismo primitivo, que foi sobretudo a Bíblia em
grego usada pelo judaísmo helenista. Por isso, estas seções de DANIEL em grego chamam-se
deuterocanônicas.

DIVISÃO E CONTEÚDO
A parte canônica divide-se em duas seções:
- narrativa (1,1 - 6,28) e apocalíptica ( 7,1-12, 13).
A parte deuterocanônica contém a história de Susana, uma jovem inocente que Daniel salva por
sua sabedoria (13,1-64), a história dos sacerdotes de Bel, que Daniel desmascara (14,1-21), e a do dragão,
que Daniel mata (14,22-42); estes episódios do c. 14 são o eco da polémica judaica contra a idolatria que
inspira a seção de Dn 1-6, ao passo que o c. 13 põe em relevo a sabedoria de Daniel, já salientada em 1-6.

DANIEL tem quatro partes bem distintas:


Parte narrativa ( 1-6) Cap. 7 Apocalipse de Daniel (8-12) Anexos
deuterocanônicos
Daniel e seus companheiros na Babilônia (1) A visão do O carneiro e o bode (8) *história
Sonho da estatua dos pés de barro (2) filho do As setenta semanas (9) de Susana(13)
homem
Episódio dos três jovens(+cânticos) (3) O anjo revelador e os sucessores de *bel e o dragão (14)
Sonho da grande árvore (fim 3-4) Alexandre; Antíoco Epífanes (10)
Banquete de Baltazar (5) A restauração dos justos; apoteose (12)
Daniel na cova dos leões(6)

252
Na I parte - História de Daniel (1,1-6,29) - oferece-se à espiritualidade judaica uma série de
modelos de perseverança, em confronto com normas de vida moral e religiosa do ambiente, por vezes,
agressivo.
Na II parte (7,1-12,13) exprime-se uma espiritualidade de esperança face às mais difíceis ameaças.
As perspectivas de escatologia individual dão um passo significativo neste livro com a idéia da
ressurreição dos mortos (12), aspecto em que a antropologia do AT era menos explícita. A III e IV partes
são também independentes uma da outra.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


O pensamento religioso de DANIEL representa um dos mais vincados elos de ligação entre o
Antigo e o Novo Testamento e mostra que entre ambos existe uma profunda continuidade de idéias. Com
o seu texto bem inserido no contexto do pensamento apocalíptico, este livro exprime uma profunda
consciência de que Deus preside e governa a História dos homens e dos povos, como garantia contra as
injustiças e o mal. Deus aparece sobretudo como o supremo legislador, de quem dependem os passos, as
etapas, os percursos e a segurança da experiência humana.
Mas é no campo das concepções messiânicas (7) que o livro de DANIEL atinge um dos pontos
mais representativos, com a figura de sabor transcendente e humilde que se apresenta como "um filho de
homem". No NT, esse título passará a ser uma importante componente da Cristologia e vai estar presente,
tanto pela letra como pelo espírito, nas modalidades de messianismo que dentro dele se verificam.
Quando o judaísmo do tempo de Jesus esperava sobretudo um Messias-rei, triunfador dos romanos, Jesus
apresentou-se como um Messias-Servo sofredor, na mais profunda humanidade, e como Messias "Filho
do Homem" vindo do Céu (7,13; Mt 26,64; Mc 14,61-64).
O Apocalipse de João torna-se quase o espelho neotestamentário do livro de DANIEL, na sua visão
da História e da Teologia. É através da comparação entre ambos que se pode apreciar a continuidade de
idéias que existe entre o Antigo e o Novo Testamento.
O livro de Daniel tem importância teológica, pois apresenta o modo de o´pensar dos judeus do séc.
II aC. ou quase no limiar da Revelação cristã: observemos ai:
-A angelologia (doutrina dos anjos) muito evoluída; cf. Dn 7,10.16; 8,16-18; 9,21-23; 10,10-21;
12,1-13;
-A afirmação da ressurreição para a vida ou para o opróbrio; cf. Dn 12,2s (passo notável em relação
a Jó e Ecl).
- A visão da história como realização de um sábio plano de Deus que termina no Reino Messiânico
consumado (cc. 2; 7-8; 10-12)

253
TEMAS ESPECÍFICOS

-A apocalíptica e a compreensão ampla da história. O estilo apocalíptico, que já encontramos em


Ezequiel, não é primitivo ou ingênuo, mas baseia-se numa visão ampla da história (talvez possibilitada
pelo contato com a cultura grega). Deus dá a conhecer (apocalipse = "revelação ") as grandes linhas da
história, e isso, na ética da vitória final dos justos. Os potentados pensam que dominam o mundo, mas a
realidade profunda aquela que o apocalíptico enxerga não é essa. O "apocalipse de Daniel " (Caps. 7 e 8-
12) é um esboço de ampla envergadura, abrangendo quatro séculos de história, desde os babilônios (por
volta de 600) até os sucessores de Alexandre Magno, especialmente Antíoco Epífanes, por volta de 170
aC. A visão ampla da história - os sucessivas surgimentos e declínios dos impérios (as quatro feras de Dn
7) ensina aos “piedosos” (hasidim, os hassideus) que nenhum império deste mundo tem a última palavra.
Se a historiografia anterior (Js, Jz, 1-2Sm e 1-2Rs) representa a memória em tempos de soberania
nacional, os apocalipses abrem a perspectiva histórica ampla em tempos de perseguição, a esperança do
povo perseguido.

-A fidelidade ao Deus de Israel. Em todas as páginas lemos a fidelidade ao Deus de Israel em


contexto contrário, quer de Daniel e os jovens na Babilônia, quer dos piedosos nos séculos anunciados

254
nos caps. 6-12. Esta fidelidade não é apenas interior, mas exterior (observar as leis alimentares, não
adorar as estátuas idolátricas) - mensagem valiosa no tempo da redação do livro, quando alguns judeus
procuravam esconder sua circuncisão (cf. 1Mc 1,15). E também hoje.

- Os mártires. Em diversos momentos o livro de Daniel enfatiza os mártires, quer na realidade crua
de sua morte por fidelidade à Aliança (o sumo sacerdote Onias, Dn 11,22; cf lMc 12), quer à luz da
proteção que Deus lhes confere (os três jovens, Dn 3, o próprio Daniel, Dn 6). O tempo da redução final
do livro (2°séc. aC) é o tempo do martírio (a perseguição de Antíoco Epífanes), do qual nos informam os
livros dos Macabeus (sobretudo 2Mc).

-A futilidade do sistema babilônico e do sistema idólatra em geral. Divertem-nos as paródias que


ocorrem no livro: a superioridade do regime alimentar judaico sobre os churrascos dos babilônios (1), a
estátua do gigante dos pés de barro (2), os carrascos engolidos por sua própria fogueira (3), a loucura do
rei (4), as feras que se devoram entre si (7), o engodo do culto idolátrico (14)... Lembre-se, porém, de que
o principal visado dessas paródias não são os ídolos da Babilônia (550 aC) e sim, o poder de Antíoco
Epífanes e sua religião e cultura de importação grega, no tempo da redução do livro (165 aC). Isso nos
leva a atualizar para hoje a mesma crítica a toda forma de idolatria, ou seja, de sistemas que querem
ocupar o lugar de Deus

- A justiça de Deus vencedora da hipocrisia. A história de Susana (ausente do hebraico e


precedendo Dn no texto grego) vem completar de modo feliz a visão apocalíptica "macro", oferecendo
uma olhada "micro " no cotidiano da comunidade judaico da Diáspora. O Deus que age na "grande
história " age também no cotidiano: chama o “profeta das grandes visões " para desvendar a hipocrisia
dos anciãos que assediam a casta Susana.

SONHOS E VISÕES
Sonho de Sonho de Daniel Visão de Daniel Reino representado
Nabucodonoso (Dn 7,1-14) (Dn 8,1-27 )
(Dn 2,1-13)

Cabeça de fino ouro Como um leão com asas Babilônia


Sonhos e (Dn 2,32) de águia
visões (Dn 7.4).

O peito e os braços de Como um urso (Dn 7,5) Um homem com dois Medo-persa
prata (Dn 2,32) chifres, um mais alto do que
o outro (Dn 8,3).

O ventre e os quadris de Como um leopardo com Um bode com um chifre


bronze (Dn 2,2). quatro asas e quatro notável, quatro chifres e um Grécia (Macedônia)
cabeças (Dn 7,6). chifre pequeno (Dn 8,5.8-9).

As pernas de ferro, os Animal incomparável


braços de ferro e barro com dez chifres e um Roma
(Dn 2,33) chifre pequeno
(Dn 7,7,9)

interpretação A estátua representava Roma derrotaria os A Grécia derrotaria medos e Reino de Deus
impérios mundiais gregos, mas o Messias persas (Dn 8,20-21).
sucessivas, que seriam voltaria
derrotados (Dn 2,39- eventualmente e
40). No final, porém, o receberia o Reino com
Reino de Deus seus santos
conquistaria esse reino (Dn 7,19-22).
(Dn 2,35)
O segundo sonho de Nabucodonosor (Dn 4,1-18) não é incluído, porque não se refere a profecias sobre as nacões.

255
Os profetas menores
Os profetas Oséias, Amós, Miquéias, Joel, Abdias, Jonas, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias,
Malaquias são chamados "menores", não porque tenham pouca importância, mas porque nos deixaram
escritos pequenas, que já no séc. II aC. eram colecionados num só volume, mais ou menos igual ao
volume de um dos profetas maiores (Is, Jr, Ez); o Eclesiástico, escrito no século III aC., supõe já realizada
a compilação dos doze profetas num só rolo; cf. Eclo 49,10.
O texto hebraico, o grego dos LXX e a Vulgata latina chamam-nos "os doze Profetas". A designação
de "Profetas Menores" aparece pela primeira vez em S. Agostinho, + 430 (Da Cidade de Deus 18,29).
A ordem dos Profetas Menores no catálogo sagrado varia no texto hebraico e no dos LXX. Não é
cronológica; torna-se difícil assinalar e época precisa de um ou outro desses homens de Deus. Como quer
que seja, eles recobrem um período que vai do séc. VIII ao séc. III aC.; fornecem-nos dados importantes
para o nosso conhecimento da história de Israel e dos povos vizinhos. Os seus escritos breves e cheios de
imagens apresentam especiais dificuldades para o intérprete; aludem a fatos históricos e pormenores dos
costumes do Israel antigo de maneira sucinto e nem sempre clara.
O texto dos LXX coloca os profetas menores antes dos maiores. Apresentaremos breves notas
introdutórias em cada Profeta Menor, seguindo a provável ordem cronológica, e não a ordem do Canon.

As mulheres nos Profetas Menores

Profeta Data do Reis de Reis de Reis da Reis da Figura feminina


ministério Israel Judá Assíria Babilônia principal
Oséias 755-725 a.C Jeroboão II Uzias Jotão Trglate-Pileser III Gômer (Os 1-3)
Zacarias Acaz Salmaneser V
Salum Ezequias
Menaém
Pecaías
Peca
Oséias
Joel cerca de 835 Jeú Joás Salmaneser III Os servos do Senhor
a.C receberam seu Espírito (Jl
2.29).
Amós cerca de 760 Jeroboão II Uzias Assur-dã III "Vacas de Basã", as mulheres
aC. cobiçosas de Samaria (Am 4,1).
Obadias cerca de 586 Jeroboão II Zedequias Nabucodonosor II
a.C
Jonas 800- 750 aC. Uzias Adade-nirari III
Salmaneser IV
Assur-dã III
Miquéias 750-686 aC. Jeroboão II Jotão Tiglate-Pileser III triunfo futuro do povo do Senhor
Zacarias Acaz Salmaneser V identificado como a filha de Sião
Salum Ezequias (Mq 4,ó-13).
Menaém
Pecaías
Peca Oséias
Naum Alguma época Manassés Assurbanipal Nabopolassar Nínive como uma grande
entre 663-612 Amom Josias meretriz seduziu outras nacões
aC. (Na 3,4).
Habacuque 609-605 aC. Jeoaquim Nabopolassar
Sofonias cerca de 62 5 a. Josias Assurbanipal Nabopolassar O remanescente fiel, como
C. a"filha de Sião", vai se alegrar
com a fidelidade do Senhor (Sf
3,14-15).

Profetas Data do Reis de Judá Reis da Figura feminina principal


Ministério Pérsia
Ageu 520 a.C Zorobabel (governador de Dario I
Judá)
Zacarias cerca de 520 a.C Zorobabel (governador de Dario I visão da mulher no efa (cesto) que
Judá) representa o mal (Zc 5,5-11).,
Malaquias cerca de 435 aC. Neemias (governadorde Artaxerxes I "A mulher da tua mocidade" (Ml
Judá) 2,14-16).

256
Amós
1, 1 Título
1, 2 Exórdio
I. Julgamento das nações vizinhas de Israel e do próprio Israel
1,3-5 Damasco
1,6-8 Gaza e a Filistéia
1,9-10 Tiro e a Fenícia
1,11-12 Edom
1,13-15 Amon
2,1-3 Moab
2,4-5 Judá
2,6-16 Israel
II. Advertências e ameaças a Israel
3,1-2 Eleição e castigo
3,3-8 A vocação profética é irresistível
3, 9-12 A corrupta Samaria perecerá
3,13-15 Contra Betel e as habitações luxuosas
4, 1-3 Contra as mulheres de Samaria
4, 4-12 Ilusão, impenitência, castigo de Israel
4,13 Doxologia
5, 1-3 Lamentação sobre Israel
5, 4-7 Sem conversão não há salvação
5,8-9 Doxologia
5,10-13 Ameaças
5,14-15 Admoestações
5,16-17 Iminência do castigo
5,18-20 O dia de Iahweh
5,21-27 Contra o culto externo
6,1-7 Contra a falsa segurança dos grandes
6, 8-14 O castigo será terrível
III. As visões
7,1-3 Primeira visão: os gafanhotos
7,4-6 Segunda visão: a seca
7,7-9 Terceira visão: o fio de prumo
7,10-17 Conflito com Amasias. Amós expulso de Betel
8,1-3 Quarta visão: o cesto de frutos maduros
8, 4-8 Contra os defraudadores e exploradores
8,9-10 Anúncio do castigo: escuridão e luto
8,11-12 Fome e sede da palavra de Deus
8, 13-14 Novo anúncio de castigo
9,1-4 Quinta visão: a queda do Santuário
9,5-6 Doxologia
9, 7-10 Todos os pecadores perecerão
9,11-15 IV. Perspectivas de restauração e de fecundidade paradisíaca

Amós era natural de Técua (Judá); cf. 1,1. Pastor de gado e cultivador de sicômoros (7, 14), era
homem simples, de linguagem franca e rude. Exerceu o ministério profético por chamado de Deus (7,5),
que levou para o Reino da Samaria, onde profetizou sob o rei Jeroboão II (783-743 aC.). Este monarca foi
próspero em seus empreendimentos e dilatou as fronteiras do reino (cf. 6,14; 2Rs 14, 25). O bem-estar
provocou o luxo na construção das casas (3,15; 5,11; 6,8), depravação dos costumes (2,6-8; 4,1; 6,1-6),
culto idolátrico (4,4; 5, 21-23; 8,14). As calamidades passadas não tinham deixado recordação na mente
do povo (4,6-11 ); este esperava o dia do Senhor (dia do julgamento final) como se fosse ocasião de mais
bem-estar para Israel (5,18-20; 9,10).
257
Em meio à prosperidade, ressoou a voz de Amós censurando os vícios, principalmente nas cidades
em que os reis cismáticos de Israel tinham construído santuários: Samaria (3,9; 4,1; 6,1-6), Gálgala (5,5) e
Betel (4,4; 5,5s; 7,13). Toda a população de Samaria foi severamente repreendida, principalmente os
chefes e maiorais; a queda do reino, que ocorreria em 721, foi predita em 7,8s; 8,2. Incomodado pelo
profeta, Amasias, que devia ser o responsável pelo Templo em Betel, denunciou Amós ao rei Jeroboão
(7,10) e expulsou o Profeta para a sua pátria (Judá). cf. 7,13s. Amós soube predizer também a salvação
para os bons; é ele quem, pela primeira vez, utiliza a expressão "o resto" de José, para designar os poucos
que não se tenham contaminado e com os quais Deus recomeça a sua obra; cf. 5,15. A expressão volta na
pregação dos Profetas posteriores; cf. Jr 6,9; 31,7; Mq 2,12; Sf 3,13... O ministério de Amós deve ter sido
breve (dois anos apenas? Cf. 1, 1).

ÉPOCA
Depois da divisão dos dois reinos, a seguir à morte de Salomão, o reino do Norte viveu períodos de
grande instabilidade. Estava sujeito aos constantes ataques dos reinos arameus do Norte, a lutas internas e
consequente perda de territórios e influência.
A situação alterou-se no início do séc. VIII: a Assíria começou a expandir-se, atacou Damasco, o
que permitiu a Israel recuperar alguns territórios e reorganizar-se internamente. Governa então em Israel
Joás e, logo a seguir, Jeroboão II. Durante este reinado houve um certo progresso social e econômico: a
população aumentou, os palácios eram luxuosos, cresceram os recursos agrícolas e desenvolveu-se a
indústria. O livro de AMÓS dá-nos conta deste progresso.
A melhoria da situação econômica vai ter, no entanto, um reverso da medalha: o pequeno
proprietário vê-se sufocado pelos interesses dos mais poderosos, acentua-se a divisão entre ricos e pobres,
a ambição dos ricos não conhece fronteiras, geram-se injustiças sociais gritantes e os pobres acabam por
ficar à mercê dos que detêm o poder. Empréstimos com juros, hipotecas, serviço como escravo,
falsificação dos pesos e das medidas no comércio, corrupção nos tribunais, luxo desmedido dos ricos...
- todas estas situações são denunciadas por AMÓS.
Com a decomposição social, vem também a corrupção religiosa: santuários pagãos, falsidade do
culto (tanto se adorava o Senhor como outras divindades; praticava-se o culto para encobrir as injustiças
sociais), falsa segurança e complexo de superioridade por pertencer ao povo escolhido.
É nesta situação de prosperidade econômica e política, de injustiças e desigualdades sociais, de
paganismo e corrupção religiosa que atua o profeta AMÓS.

DIVISÃO E CONTEÚDO
Depois do título (1,1) e de um breve prólogo (1,2), o livro de AMÓS divide-se em quatro partes:
I. Oráculos contra sete nações vizinhas de Israel e contra Judá e Israel (1,3-2,16).
II. Oráculos contra Israel (3,1-6,14). Nesta parte encontram-se as principais críticas de AMÓS contra a
corrupção social e religiosa e o anúncio do castigo (3,13-15; 5,1-3.16-20; 6,8-14).
III. Castigos divinos (7,1-9,10). São cinco visões, das quais as primeiras quatro começam com a mesma
fórmula e a quinta é diferente. No meio das visões encontra-se a narração da expulsão de AMÓS do
santuário de Betel (7,10-17) e outros oráculos (8,1-14; 9,7-10).
IV. Esperança messiânica como oráculo de salvação (9,11-15).

O livro é quase todo em poesia, excetuando o primeiro versículo do cap. 1, todo o cap. 7 e os
três primeiros versículos do cap. 8. É preciso lê-lo como um poema e ter alma de poeta para o interpretar.
Esta receita aplica-se, aliás, a quase todos os textos proféticos e a muitos outros textos bíblicos.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


O tema dominante do livro de AMÓS é o castigo. Nas duas primeiras visões pode ver-se que o
profeta ainda intercede e pede perdão pelo povo; nas outras três verifica-se que já não há remédio e que a
258
catástrofe é iminente.
Segundo AMÓS, o luxo e a ostentação da riqueza, a exploração dos pobres e dos oprimidos, a
fraude e todo o tipo de injustiças sociais, o culto sem o necessário compromisso ético, o sincretismo
religioso e as falsas seguranças apoiadas na eleição de Israel são contrárias ao plano de Deus na História.
E, como Deus não tolera todos os abusos, a única forma de fazer o povo sentir estes males é o castigo por
meio da invasão militar.
Dizer isto em tempos de Jeroboão II, numa época de prosperidade econômica, pareceria obra de
um louco. O certo é que, algumas décadas mais tarde (em 722), as tropas assírias conquistam a Samaria e
o Reino de Israel desaparece do mapa.
AMÓS não se limita a anunciar o castigo; explica porque é que ele vai acontecer, e aponta a única
saída possível: "Buscai o Senhor e vivereis." (5,6); "Buscai o bem e não o mal." (5,14) Lutar por uma
sociedade mais justa é, para este profeta, o meio de escapar do castigo.
É notável a sua descrição do "Dia do Senhor", apresentado como um dia de trevas e de
calamidade, mesmo para o povo eleito (8,8-14). Os evangelistas e, com eles, a Igreja Apostólica
interpretam o martírio de Cristo, o Eleito de Deus, à luz destes textos de AMÓS (Mt 27,45-46; Mc 15,33-
41; Lc 23,44-49; Jo 19,36-37).

259
Oseias
Título — 1,1 Contra o culto puramente exterior —8,11-14
I. Casamento de Oséias e seu valor simbólico Tristezas do exílios — 9, 1-6
Casamento e filhos de Oséias — 1,2-9 O anúncio de castigo é causa de perseguição ao profeta 9,7- 9
Perspectivas do futuro — 2,1-3 Castigo do crime de Baalfegor — 9,10 - 14
Iahweh e sua esposa infiel —2, 4-25 Castigo do crime de Guilgal — 9,15- 17
Oséias retoma a esposa infiel e a põe à prova. Explicação do símbolo —3,1-5 Destruição dos símbolos idolátricos de Israel  — 10,1 - 10
II. Crimes e castigo de Israel Israel decepcionou a expectativa de Iahweh —10, 11-15
Corrupção geral — 4,1-3 Iahweh vingará o seu amor desprezado — 11,1 - 6
Contra os sacerdotes —4,4-11 Mas Iahweh perdoa —11,7-9
O culto de Israel é somente idolatria e desordem —4,12-14 Volta do exílio — 11,10-11
Advertência a Judá e a Israel — 4, 15-19 Perversão religiosa e política de Israel — 12,1-2
Os sacerdotes, os grandes e os reis levam o povo à perdição — 5,1-7 Contra Jacó e Efraim— 12,3-9
A guerra fratricida— 5,8-12 Perspectivas de reconciliação — 12,10-11
Ineficácia das alianças com o estrangeiro — 5, 13-15 Novas ameaças — 12, 12-15
Conversão efêmera a Iahweh— 6,1-6 Castigo da idolatria — 13,1-3
Crimes passados e presentes de Israel —6- 7 17 Castigo da ingratidão — 13,4-8
Israel arruinado por apelar ao estrangeiro — 7,8-16 Fim da realeza — 13,9-11
Alarme — 8,1-3 A ruína inevitável —13-14, 1
Anarquia política e idolatria — 8, 4-7 III. Conversão e renovação de Israel
Israel perdido por apelar ao estrangeiro — 8,8-10 Retorno sincero de Israel a Iahweh — 14,2-9
Advertência final —14,10

Não se sabe quando e onde nasceu Oseias. O livro diz-nos o nome do seu pai (Beeri) e da sua
esposa (Gomer). Sobre este matrimonio (narrado nos cap. 1-3) não possuímos dados seguros. Alguns
pensam que se trata de pura ficção literária; outros admitem um matrimonio real, mas discutem se a
mulher já era prostituta antes do casamento ou se prostituiu depois. O certo é que o profeta se serve desta
experiência, real ou simbólica, para descrever as relações de Deus (marido) com o seu povo infiel
(esposa).
Oseias era, com certeza, do reino do Norte, onde exerceu a sua atividade, provavelmente na
Samaria, Betel e Guilgal. Conhece bem a política do Reino de Israel e está informado acerca das tradições
históricas e religiosas ligadas ao Norte; todas as cidades que menciona são do Norte e nunca se refere a
Jerusalém. Devia ser um homem culto, a avaliar pela variedade e riqueza de imagens que utiliza.

ÉPOCA
Oseias deve ter começado a sua atividade logo a seguir a Amós, nos últimos anos do reinado de
Jeroboão II (752-753 aC.). Ora, a seguir a este rei, o Reino do Norte entrou num período de decadência e
instabilidade política: nos trinta anos seguintes haverá seis reis, quatro dos quais ocuparam o trono pela
força.
O perigo mais grave, porém, vinha da Assíria, um poderoso império que estendia as suas fronteiras,
aniquilando os outros reinos e deportando as suas populações. Face a este poderio só havia duas
soluções: submeter-se, pagando pesados tributos para não sofrer as consequências da derrota; ou procurar
manter a independência, organizando a defesa em coligação com outros reinos, normalmente com o
Egito, que ainda mantinha certo prestígio mas que, na prática, se revelava ineficaz.
Parece ter sido neste contexto de alianças contra a Assíria que Pecá, rei de Israel, em união com
Damasco, declarou guerra a Judá. O rei de Judá pediu o auxílio da Assíria, que derrotou Damasco e
destronou o rei de Israel. Esta guerra, chamada siro-efraimita (734-732 aC.), foi uma catástrofe para
Israel. O reino ainda se manteve, numa situação extremamente debilitada, sob o reinado de Oseias (último
rei de Israel e homônimo do profeta); mas desapareceu em 722 aC., quando Salmanasar V, rei da Assíria,
conquistou a Samaria, depois de o rei Oseias se ter negado a pagar tributo.
260
A par da difícil situação política interna e externa, é necessário ter em conta a situação religiosa
para compreender as intervenções deste profeta. As alianças com outros povos tinham sempre
implicações religiosas: a religião desses povos entrava em Israel. Além disso, neste período, a religião de
Israel parece ter sofrido muitas influências cananeias, pela atração que os cultos de Baal (divindade
cananeia) exerciam nos sacerdotes e no povo. Era a Baal que se atribuía a fertilidade do solo, as chuvas e
as colheitas. Quando a terra produzia, agradecia-se a Baal praticando o seu culto; quando havia carestia,
realizavam-se ritos para implorar de Baal a fecundidade do solo.
OSEIAS é implacável na crítica a esta manipulação religiosa por parte dos sacerdotes: o Deus de
Israel não admite concorrência de qualquer gênero, e não é Deus apenas para algumas ocasiões; Ele é o
Deus da História, que acompanhou o seu povo, com quem fez uma aliança; é preciso voltar a essas
experiências fundadoras do povo e eliminar de vez todos os ídolos. OSEIAS exprime tudo isto com a
riqueza das suas imagens.
Não sabemos até quando o profeta exerceu a sua atividade. Há quem date os seus últimos oráculos
por volta de 725 aC. e pense que foi para Judá alguns anos antes ou a seguir à queda da Samaria. Se não
há certezas acerca disto, o certo é que a sua pregação foi conhecida no Sul e ali se terá realizado a redação
final do livro.

DIVISÃO E CONTEÚDO
O livro de OSEIAS apresenta algumas dificuldades de compreensão, ou porque o texto hebraico
está mal conservado, ou porque se contrapõem oráculos de condenação e de salvação sem uma evidente
relação entre si. No seu conjunto, o livro pode dividir-se em duas partes distintas:
I. Simbolismo do matrimonio e da família (1,2-3,5); contém um relato biográfico (1,2-9), um outro
autobiográfico (3,1-5), alguns oráculos de salvação (2,1-3.18-25) e o poema da relação entre o esposo e a
esposa (2,4-17).
As relações entre Javé e Israel são simbolizadas pelo casamento de Oséias. Este se casa com uma
mulher leviana (Gomer), que o engana; cai na escravidão, depois de abandonar Oséias, mas é resgatada
por este, que a recebe de novo como esposa. Julga-se que o episódio assim relatado (Os 1-3) é fato
histórico; serviu para significar a união entre o Senhor e seu povo, violada pelas infidelidades de Israel,
que aderiu aos deuses de Canaã
II. Crimes e castigos de Israel (4,1-14,9); Israel é censurado por sua prevaricação política e religiosa do
momento presente (4,1 -9, 9) e do passado (9,10-14,1). O livro se encerra com uma liturgia de penitência
(13,2-10).
Epílogo sapiencial (14,10).

TEOLOGIA

A mensagem de OSEIAS coincide, em grande parte, com a de Amós: denúncia das injustiças e da
corrupção religiosa. OSEIAS insiste, particularmente, na corrupção do culto e da política: no culto,
condena toda a idolatria, a adoração de Baal, os cultos de fertilidade e a falsidade do culto ao Deus de
Israel, que serve apenas para encobrir as injustiças de todo o tipo; na política, condena as alianças com a
Assíria ou com o Egito, porque levam a esquecer o poder salvador de Deus.
OSEIAS desmistifica a História, adotando uma posição crítica quanto ao passado de Israel. É a
partir desta visão da História que desenvolve a teologia do amor nupcial de Deus pelo seu povo: Deus
ama com um amor fiel; ao contrário, o povo responde com infidelidades.
Só o castigo, a ruína e a invasão poderiam fazer ver ao povo o seu pecado. Mas, ainda assim, depois
da dureza de todas as críticas e do anúncio da desgraça, o castigo não é a última palavra deste profeta.
Mesmo que o povo não esteja totalmente arrependido, Deus acolhe-o e ensina-o como esposo e como pai,
e o seu amor gratuito acaba por triunfar.

261
O casamento de Oséias e a apostasia de Israel
O Casamento de Oséias Advertências dos Profetas de Israel

Noivado Lembre-se do "amor de sua noiva" (Jr 2,2).


Casamento (Os 1,2) Proteja e cuide de sua noiva (Ez 16,8-14).
Filhos (Os 1,3) Cuidado para rido negligenciar seus filhos e filhas
(Ez 16,20-21).
Adultério (Os 3,1) Permaneça fiel à aliança do casamento
(Jr 5,7; Ez 16,15-34).
Afastamento (Os 3,3-4) Resolva os conflitos e restitua a intimidade
(Jr 3,8-10; Ez 16,35-52).
Restauração (Os 3,5) Renove os votos do casamento e reconstrua o
relacionamento (Ez 16,53-63).
Nota: Os estágios do relacionamento entre Oséias e Gômer são exemplos dos estágios
do relacionamento entre Israel e Javé descritas pelos profetas.

262
Miqueias
Miqueias era natural de Moréchet (1,1), provavelmente Moréchet-Gat, uma aldeia de Judá, 35 km a
sudoeste de Jerusalém, numa região próxima da Filisteia. Era uma terra de camponeses, mas não isolada,
uma vez que à sua volta se encontravam fortalezas importantes de Judá (Azeca, Marecha e Láquis). As
incursões assírias e todos os problemas relacionados com militares e funcionários reais que acudiam
àquela zona geravam instabilidade e abusos, de que as principais vítimas eram os pequenos proprietários
de terras.
Nada sabemos do estatuto social de Miqueias. Era certamente alguém ligado à terra, e as suas
críticas contra os nobres da época fazem supor que se tratava de um camponês pobre, de um trabalhador
da terra ou de um pequeno proprietário.

ÉPOCA
O título do livro situa a atividade do profeta nos reinados de Jotam, de Acaz e de Ezequias; quer
dizer, entre 740 e 698 aC., aproximadamente. As suas intervenções contra a injustiça social e a
exploração a que são votados os camponeses enquadram-se perfeitamente nesta época. No entanto, é
difícil precisar a sua ação nos tempos de Jotam e de Acaz. Certo é que 1,2-7 supõe a existência da
Samaria e, portanto, o profeta atuou antes da sua queda em 722 aC.. A tradição contida em Jr 26,18; cf.
Mq 3,12.afirma que Miqueias desenvolveu o seu ministério em tempos de Ezequias; por conseguinte,
podemos situá-lo algum tempo antes da queda da Samaria (722-701 aC.).
Miqueias atuou no reino do Sul na mesma altura de Isaías. Experimentou pessoalmente as várias
incursões assírias deste período e os problemas de ordem militar, política e social. Dá-nos uma visão
pessimista da sociedade: as maquinações dos latifundiários (2,1-5), a situação das viúvas e dos órfãos
desamparados e sem patrimônio (2,8-10), a ambição desmedida dos dirigentes e consequente exploração
do pobre (3,1-4), os juízes corruptos (3,9-11) e os profetas subornados (3,5.11), a desconfiança geral,
mesmo no interior da própria família (7,5-6).

DIVISÃO E CONTEÚDO

I. O processo de Israel —1, 1 O vencedor futuro da Assíria — 5,4-5


AMEAÇAS E CONDENAÇÕES O futuro papel do Resto entre as nações — 5,6-7
O julgamento de Samaria — 1,2-7 Iahweh suprimirá todas as tentações — 5, 8-14
Lamentação sobre as cidades da Planície — 1, 8-16
Contra os usurários — 2,1-5 III. Novo processo de Israel
O profeta da desgraça — 2,6-11 REPREENSÕES E AMEAÇAS
Promessas de restauração — 2, 12-13 Iahweh processa o seu povo — 6,1-8
Contra os chefes que oprimem o povo — 3,1-4 Contra os defraudadores na cidade — 6,9-15
Contra os profetas mercenários? — 3, 5-8 O exemplo de Samaria — 6, 16
Aos responsáveis: anúncio da ruína de Sião — 3, 9-12 A injustiça universal — 7,1-7

II. Promessas a Sião IV. Esperanças


O reino futuro de Iahweh em Sião — 4,1-5 Sião sob os insultos da inimiga — 7,8-10
A reunião do rebanho disperso em Sião — 4, 6-8 Oráculo de restauração — 7,11-13
Assédio, exílio e libertação de Sião — 4, 9-10 Oração pela confusão das nações — 7,14-17
As nações pisadas na eira — 4,11-13 Apelo ao perdão divino — 7,18-20
Desastre e glória da dinastia de Davi — 4,14-5, 3

263
O livro apresenta-se dividido em quatro partes, onde alternam ameaças e promessas. Esta
organização do texto pode ser atribuída a redatores posteriores e a autenticidade de algumas seções é
discutível. Muitos pensam que houve releituras dos oráculos de MIQUEIAS no tempo do Exílio. Mas, tal
como o texto se apresenta, desenvolve-se do seguinte modo:

I. Ameaças (1,2-3,12). Começa com um discurso motivado pelos pecados de Jacó-Israel e de Judá (1,2-
7), que provocam a ruína da Samaria e de Judá; denunciam-se os ricos, os grandes proprietários e os
opressores dos pobres, os falsos profetas, os chefes e os sacerdotes (cap. 2-3).
II. Promessas (4,1-5,14). Estes capítulos centram-se no tema da salvação.
III. Ameaças (6,1-7,7). O cap. 6 abre com um processo entre Deus e o seu povo, a que se seguem duros
ataques contra a injustiça e a falsidade.
IV. Promessas (7,8-20). O livro termina com o reconhecimento das culpas por parte do povo (7,8-10),
um oráculo de salvação (v.11-13), uma súplica (v.14-17) e a certeza do perdão (v.18-20).
Enfim 7, 8-20 é um cântico de restauração de Jerusalém. Miquéias não poupa os homens
gananciosos, os credores sem compaixão, os comerciantes fraudulentos, as famílias divididas, os
sacerdotes e os profetas cobiçosos, os chefes tirânicos, os juízes venais, e propõe o quadro ideal: "praticar
a justiça, amar com misericórdia e proceder humildemente diante de Deus" (6, 8), o que resume a
doutrina dos Profetas em geral.

TEMAS ESPECÍFICOS

- A injustiça no âmbito rural. Miquéias vive preocupado com os que, perdendo seus bens, tornam-
se presa dos poderosos, autoridades civis e militares, sacerdotes e falsos profetas, que invocam em
proveito próprio as tradições estabelecidas de Israel.

- Deus não fica indiferente. Deus há de intervir contra seu próprio povo. Impressiona, em Mq, a
ausência de oráculos contra as potências estrangeiras. O problema está no próprio povo. "Povo meu, o
que fiz eu de mal contra ti!?" (Mq 6,3 - cf. liturgia de Sexta-feira Santa).

- O anuncio do Messias, nascido do interior de Judá (Mq 5). Este tema marcou profundamente o
Novo Testamento e a tradição cristã.

- Caminhar com Deus. Em três expressões, Mq 6, 8 sintetiza o caminho da vida que o profeta nos
propõe. "respeitar o direito, amar a fidelidade e caminhar com teu Deus".

TEOLOGIA
MIQUEIAS usa uma linguagem viva e dinâmica, tornando-se um dos grandes defensores da justiça.
Preocupa-o a situação daqueles que, espoliados dos seus bens, se convertem em presa fácil na mão dos
poderosos. Estes são os grandes proprietários de terras, as autoridades civis e militares, os sacerdotes e os
falsos profetas; são os que se baseiam no automatismo das promessas divinas, os que pensam estar
seguros, invocando as grandes tradições de Israel. Do outro lado temos o povo, vítima dos desmandos dos
poderosos: os que não têm terras nem casas, os órfãos e todos os oprimidos.
Deus não pode ficar impassível. Por isso, MIQUEIAS anuncia o castigo a Jerusalém e à Samaria,
principais focos das injustiças e arbitrariedades e da duplicidade de interpretações das tradições antigas.
Mas o profeta reconhece também a validade das promessas; por isso proclama a esperança num futuro de
justiça para o resto de Jacó, pelo caminho da humildade e da conversão. Não se limita, pois, a denunciar e
a anunciar o castigo, mas também promete a conversão e a salvação.

264
Sofonias
I. O dia de Iahweh em Judá — 1, 1 Inimigo no sul: a Etiópia — 2,12
Prelúdio cósmico — 1,2- 3 Inimigos ao norte: Assíria — 2,13-15
Contra o culto dos deuses estrangeiros v 1,4- 7
Contra os altos dignitários da cortei — 1,8-9 III. Contra Jerusalém
Contra os comerciantes de Jerusalém — 1, 10-11 Contra os dirigentes da nação — 3,1-5
Contra os incrédulos — 1,12-13 A lição das nações — 3,6-8
O dia de Iahweh — 1,14-18
Conclusão: apelo à conversão — 2, 1-3 IV. Promessas
Conversão dos povos — 3,9-10
II. Contra as nações O humilde Resto de Israel — 3,1-113
Inimigo no ocidente: os filisteus — 2, 4-7 Salmos de alegria em Sião — 3,14-18
Inimigos no oriente: Moab e Amon — 2,8-11 A volta dos dispersos — 3,19-20

A genealogia de 1,1 é extraordinariamente completa, comparada com a dos outros profetas: por ela
remonta-se até Ezequias, que poderia ser o rei de Judá que governou de 727 a 698 aC.. Se assim fosse,
Sofonias seria de ascendência real. Mas esta identificação não é segura. As referências a Jerusalém e o
conhecimento que revela das diversas partes da cidade (1,10-11) parecem confirmar que o profeta era de
Judá e atuou em Jerusalém durante o reinado de Josias (640-609 aC.).

ÉPOCA E AUTOR
No reinado de Josias, Judá estava sujeito à Assíria havia quase um século, quando Acaz pediu ajuda
a Tiglat-Piléser III contra Damasco e a Samaria, em 734 aC.. Durante o longo reinado de Manassés (698-
643), o jugo assírio pesou sobre Judá e as influências estrangeiras penetraram em todo o lado, tanto nos
costumes como nas práticas religiosas. Em 2 Rs 21,3-9 é narrada a introdução de cultos estrangeiros:
reconstrução dos lugares altos, altares a Baal, prática de adivinhação e magia e outros cultos idolátricos.
Quando o rei Josias subiu ao trono, Judá necessitava de uma série de reformas, tanto no plano social
e político como no plano religioso. Sofonias deve ter dado um impulso a estas reformas, pois denuncia a
introdução de costumes estrangeiros (1,8), o sincretismo religioso (1,4-5), a violência dos poderosos
(1,8.11; 3,3), os príncipes, os juízes, os profetas e os sacerdotes (3,3-4).
A reforma que Josias empreendeu, ao descobrir o Livro da Lei (622 aC.), teve principalmente em
vista o plano religioso e, nessa altura, consultou um profeta a propósito do conteúdo do Livro (2 Rs 22).
Esse profeta não foi Sofonias, que provavelmente já teria morrido. Tudo isto faz supor que a sua atividade
se tenha desenvolvido entre 640 e 630, alertando para a necessidade das reformas.

DIVISÃO E CONTEÚDO
O livro de SOFONIAS pode dividir-se em três seções:
I. O "Dia do Senhor" em Judá (1,2-2,3), um dia de juízo universal, tenebroso e terrível, que afeta
principalmente Judá.
II. Oráculos contra as nações (2,4-3,8), vizinhas de Judá, e um último (3,1-8) dirigido contra Jerusalém.
III. Promessa de restauração (3,9-20). É uma mensagem de alegria pela presença do Senhor em
Jerusalém e pelo "resto de um povo pobre e humilde" (3,12), salvo por Ele.
265
TEMAS ESPECÍFICOS

- O povo humilde possuirá a terra. Não os que confiam nas armas, mas os humilhados de Judá (e
Israel) possuirão a herança legada por Deus. Esta mensagem não convenceu os reis, nem antes nem
depois de Sofonias. Contudo, ela continua válida até hoje: a violência não é capaz de fundar uma
comunidade.

- A alegria da presença do SENHOR, isto é, do culto autêntico e da justiça praticada diante de sua
face. Sem isso, o templo não garante a presença do Senhor.

TEOLOGIA
Como os grandes profetas do séc. VIII, SOFONIAS denuncia as injustiças, a idolatria e todo o
sincretismo religioso, os abusos das autoridades. Face a esta situação, anuncia o juízo de Deus para
castigar os culpados. Mas a sua palavra não se detém no castigo: o juízo de Deus, uma vez aplicado, abre
o caminho da salvação para todos os povos, principalmente para Judá e Jerusalém. É aqui que subsistirá
um "resto" _ tema iniciado por Amós e identificado em SOFONIAS com os que procuram o Senhor na
humildade e na pobreza (os pobres de Javé: anawim).

266
Naum
De Naum sabemos apenas que nasceu em Elcós (1,1), um lugar que não aparece citado em qualquer
outro texto do AT. Alguns situam a localidade na Galiléia; outros, em Judá. Partindo de 2,1, parece que a
sua pregação se exerceu em Judá e, mais provavelmente, em Jerusalém. Logo, Elcós deveria situar-se em
território de Judá.

ÉPOCA
O livro de NAUM centra-se num fato histórico bem preciso: a queda de Nínive, capital do império
assírio, em 612 aC.. A questão é saber se Naum escreveu antes deste acontecimento ou se celebrou o
acontecimento, em forma de liturgia, depois de ele ter ocorrido.
Tudo parece indicar que o livro de NAUM tenha sido escrito antes da destruição de Nínive. No
texto faz-se referência ao que aconteceu a Tebas (Nó-Amon), no Egito, apontando-o como exemplo do
que sucederá a Nínive (3,8). Ora Tebas foi destruída em 668 ou 663 aC. (provavelmente, até terá sido
destruída duas vezes) e reconstruída por volta de 654 aC.. No contexto da mensagem de NAUM não faria
muito sentido falar da destruição de Tebas depois de ela já estar reconstruída.
Além disso, o texto também faz referência ao jugo assírio que pesa sobre Judá; e a opressão assíria
fez-se sentir em meados do séc. VII aC., durante o reinado de Manassés (698-643). Sendo assim, o livro
terá sido escrito no período entre a destruição de Tebas e a sua reconstrução (668 e 654 aC.).

DIVISÃO E CONTEÚDO
Prelúdio Salmo —1,1
A ira de Iahweh— 1, 2-8
Sentenças proféticas contra Judá e contra Nínive (a Judá) — *1-2, 1-10
O assalto — 2,11
Sentenças sobre o leão da Assíria — 2,12-14
Sentença sobre Nínive, a prostituta — 3,1-7
O exemplo de Tebas — 3,8-11
A inutilidade dos preparativos de Nínive — 3,12-15
O envio de gafanhotos — 3, 16a --17b
Lamentação fúnebre — 3, 18-19

O título do livro orienta o leitor para Nínive (1,1). Segue-se um salmo (1,2-8) que canta o poder de
Deus na Natureza e na História, protegendo os que confiam nele e castigando os inimigos.
I. Em 1,9-2,3 há pequenos oráculos dirigidos alternadamente a Judá (1,9-10.12-13; 2,1.3) e a Nínive
(1,11.14; 2,2): para Judá fala-se de consolação e alegria; a Nínive e ao seu rei anuncia-se o castigo.
II. 2,4-3,19 é dedicado à destruição de Nínive. Em 3,8-11 o profeta inclui o exemplo de Tebas, como
dissemos, para mostrar que todas as defesas da cidade de Nínive são inúteis. O livro termina num cântico
fúnebre, apresentando o desastre como consumado (3,18-19).

TEOLOGIA
Como profeta, NAUM resulta estranho: não tem em conta os pecados do seu povo, é nacionalista e
deleita-se, com uma alegria quase cruel, a anunciar a destruição da cidade de Nínive. Neste ponto, a sua
mensagem é o contrário da de Jonas.
Mas seria injusto considerar NAUM um vingativo. O problema que ele aborda é o da justiça de
Deus na História, uma questão que preocupava os judeus e os homens de todos os tempos: que acontece
quando o opressor não se converte? Poderá Deus tolerar o poder de um império que mata sem compaixão,
267
que semeia violências e sangue por todo o lado? NAUM dá a resposta: Não! A fidelidade de Deus e a sua
justiça não o podem permitir. Por isso, Nínive deve ser destruída, tem que se travar a difusão dos seus
erros e pôr fim à arrogância que se repete na História.

Habacuc
Nada sabemos da pessoa deste profeta: nem o seu lugar de nascimento, nem a sua família, nem
sequer o período em que viveu. Esta falta de dados não impede ver no livro de HABACUC alguém
profundamente enraizado na História do seu tempo e em toda a problemática da ação de Deus na História.
Habacuc profeta não deve ser identificado como o homônimo de Dn 14,32-38.

ÉPOCA
A menção dos caldeus, "aquele povo feroz e impetuoso / que se espalha pela superfície da terra /
para se apoderar de habitações que não são suas" (1,6), leva a colocar a profecia de HABACUC na época
em que os Babilônios começaram a dominar todas as regiões do Próximo Oriente Antigo (final do séc.
VII aC.) e impuseram o seu jugo sobre Judá. Assim, HABACUC situar-se-ia nos tempos do rei Joaquim
(609-597 aC.) ou no período a seguir a 597, data da primeira deportação para a Babilônia.
Muitos elementos cultuais presentes no livro (o mais claro de todos é o cap. 3) fazem com que
alguns comentadores o relacionem com as liturgias penitenciais de tempos posteriores. Mas é preciso
sempre discernir se os oráculos proféticos foram retocados para uso litúrgico, ou se os elementos da
liturgia é que foram reelaborados em forma profética. Como essa distinção não é fácil, mantemos no
início do domínio babilônico a composição provável do livro.

DIVISÃO E CONTEÚDO
O livro apresenta-se estruturado em três partes:
I. Diálogo entre o profeta e Deus (1,2-2,4), formado por duas queixas do profeta (1,2-4 e 1,12-17)
e duas respostas de Deus (1,5-11 e 2,1-4). A primeira queixa coloca o problema da justiça: porque
triunfam os ímpios? A primeira resposta divina não satisfaz o profeta, pois os babilônios acabam por se
exceder e são mais cruéis do que os outros. Por isso, o profeta queixa-se de novo (1,12-17), não
compreendendo como Deus olha em silêncio para os traidores. A segunda resposta aponta para o
cumprimento da palavra divina: o profeta recebe a palavra e aguarda o seu cumprimento.
II. Maldições contra o opressor (2,5-20): inclui cinco imprecações, condenando todos os crimes
cometidos pela tirania dos poderosos.
III. Um salmo (3,1-19) que celebra o triunfo definitivo de Deus na Natureza e na História.

Título — 1, 1
I. Diálogo entre o profeta e o seu Deus
Primeira lamentação do profeta: a derrota da justiça —1,2-4
Primeiro oráculo: os caldeus flagelo de Deus — 1,5-11
Segunda lamentação do profeta: as extorsões do opressor —1,12-17
Segundo oráculo: o justo viverá por sua fidelidade — 2,1-4

II. Maldições contra o opressor III. Apelo à intervenção de Iahweh


Prelúdio — 2,5-6 Título — 3,1
As cinco imprecações Prelúdio. Súplica — 3,2
I 2,7- 8 Teofania. A chegada de Iahweh — 3,3-7

268
II 2,9-11 O combate de Iahweh — 3,8-15
III 2,12-14 Conclusão: Temor humano e fé em Deus — 3,16-
IV 2,15-18 19
V 2, 19-20
TEOLOGIA
O grande tema do livro de HABACUC é o da justiça divina. Deus é o Senhor da História, e esta
soberania de Deus só se compreende na fé (2,4). A sucessão de crimes e violências que caracterizam os
impérios leva o profeta a interrogar-se diante de Deus, esperando o castigo dos opressores.
Mas o castigo violento gera violência e o problema fica sem solução. O profeta supera esta questão,
convencido de que Deus é a única fonte de fortaleza e todo o império opressor acabará por ser castigado,
mesmo que não se compreendam as circunstâncias históricas.
“O justo viverá pela fé" (2,4b). Esta frase conhecida pela citação paulina em Gl 3,11 significa na
realidade (como traduzimos): “o viverá por sua fidelidade " (fé = fidelidade). Mesmo se Deus não parece
realizar a retribuição (recompensa do justo e castigo do impio), o justo será fiel ao Deus de Israel e à Lei,
e nisso estará a sua salvação. Portanto, ao ler Habacuc não devemos estreitar nossa interpretação no
sentido da polêmica contra o legalismo que domina Gl 3. Mas este exemplo ajuda nos a compreender em
que consiste a verdadeira fidelidade: em Habacuc, consiste em viver como judeu fiel à Lei dada a Moisés
e ao povo de Israel; em Paulo, consiste em ser fiel ao ensinamento e exemplo de Jesus, pouco importando
as prescrições legalistas de certos judaizantes.

269
Ageu
Pouco se sabe do autor ou do profeta que dá nome a este livro. Dele se fala em Esd 5,1; 6,14. O
nome de Haggai, que significa "minha festa", será possivelmente um apelido para caracterizar a sua
dedicação ao culto e ao templo. O seu ministério foi de curta duração (de Junho a Dezembro de 520 aC.).
Pertence, portanto, ao último período do profetismo, o do pós-exílio, durante o reinado de Dario (tal como
Zacarias).

Em 538 aC, o rei Ciro da Pérsia decretou volta dos judeus a Jerusalém para reconstruir a cidade e
o templo. Dedicaram o altar e iniciaram a reconstrução da Casa do Senhor. Em 522, com a morte do rei
Cambises, a continuidade política na Pérsia ficou abalada. Iniciou-se o reinado de Dario, deixando maior
liberdade aos judeus. Nessa circunstância, o profeta Ageu (Ag) convoca o povo para um novo esforço de
continuar a Construção do templo, com o chefe dos judeus repatriados, Zorobabel, e o sacerdote Josué.
Como cada pronunciamento é introduzido por uma descrição na terceiro pesoa, podemos supor que o
livro é um resumo to pelos discípulos de Ageu.

DIVISÃO E CONTEÚDO
O livro do profeta AGEU não tem título e consta apenas de dois capítulos. Fala do profeta na
terceira pessoa, o que supõe um grande trabalho redacional. O texto atual deve ser obra de um discípulo
do profeta, que resume a pregação do seu mestre.

A reconstrução do Templo — 1,1-15


A glória do Templo — 2,1-9
Consulta aos sacerdotes — 2,10-14
Promessa de prosperidade agrícola — 2,15-19
Promessa a Zorobabel — 2,20-23

Tematicamente, poderá ser dividido em quatro oráculos, datados pelo próprio autor ("No ano...",
"No dia..."):

1.° oráculo: 1,1-15 2.° oráculo: 2,1-9 3.° oráculo: 2,10-19 4.° oráculo: 2,20-23
O insucesso econômico e A intervenção de Deus A partir da fundação do A eleição de Zorobabel
o mau tempo provêm de garantirá a glória futura do templo o povo será em tempo de conflito
não terem terminado a templo abençoado escatológico
reconstrução do templo

Todos se referem ao templo e a Zorobabel, o chefe da comunidade, que tinha vindo da Babilônia
com os desterrados.
Nos quatro oráculos pronunciados entre o sexto e o nono mês do segundo ano de Dario if im
agosto-dezembro de 520 aC, Ageu deixa o seguinte recado:

270
- Reconstruir o templo e o povo em honra de Deus. O afinco de Ageu em promover a reconstrução
do templo explica-se porque o templo era o ponto de referência para a reunião do povo, seu ponto de
encontro, símbolo de sua de identidade religiosa e nacional. Aí se haveria invocar o nome de Javé, "o
Senhor dos exércitos", nome que lembra os antigos grandes feitos de Deus no meio do seu povo.

Datas das profecias de Ageu e Zacarias


Acontecimento Data bíblica* Referência Data**

Ordem para reconstruir 1º dia do 6º mês (elul) no 2º ano do rei Dario (1-6-2)
Ag 1,1 29 de agosto de 520 aC.
O início da reconstrução 24º dia do 6º mês (elul) no 2º ano do rei Dario(24-6-2) Ag 1,15 21 setembro de 520 aC.

Anúncio da glória futura 21º dia do 7º mês (tisri) no 22º ano do rei Dario (21-7-2) Ag 2,1 17 outubro de 520 aC.

Chamado ao arrependimento 8º mês (marquesvã) do 2º ano do rei Dario (8-2) Zc 1,1 out./nov. de 520 a,C.

Ordem para a purificação 24º dia do 9º mês (quisleu) do 2º ano do rei Dario (24-9-2) Ag 2,10 18 de dezembro de 520 aC.

Anúncio de Zorobabel 24º dia do 9º mês (quisleu) do 2º ano do rei Dario (24-9-2) Ag 2,20 18 dezembro de 520 aC.

Visões noturnas 24º dia do 114º mês (tebete) do 2º ano do rei Dario (24-11-2) Zc 1,7 15 fevereiro de 519 aC.

Pergunta sobre o jejum 4º dia do 9º mês (quisleu) do 4º ano do rei Dario (4-9-4) Zc 7,1 7 dezembro de 518 aC.

Término do templo 3º dia do 12º mês (adar) do 6º ano do rei Dario (3-12.6) Ed 6,14-15 12 março de 516 a.C

* A data é determinada de acordo com o ano do reinado do monarca persa, nesse caso Dario I. Os meses estão de acordo
com o calendário sagrado judaico e não com o persa
* * Essas datas modernas são aproximadas; as datas do calendário judaico abrangem partes de dois meses em nosso
calendário.

TEOLOGIA
As más condições econômicas, a divisão entre os residentes e os repatriados e a situação geral de
pobreza tinham conduzido o povo a uma situação de desânimo. O profeta atribui esta situação à falta de
piedade que se manifesta no pouco interesse pela reconstrução do templo de Jerusalém.
Os trabalhos de construção, pelo contrário, significariam o renascer da verdadeira piedade e
despertariam a benevolência do Senhor com a consequente melhoria de situação. Ao lado desta finalidade
imediata e material, aparece uma outra, não menos material mas de horizontes mais amplos: reconstruir o
templo significa renovar a esperança nas grandes promessas escatológicas, no futuro maravilhoso que o
Senhor tem preparado para o seu povo.
Este futuro também tem a ver com as outras nações: convencidas ou derrotadas, hão de afluir a
Jerusalém com as suas riquezas (2,7.22); Israel conseguirá vencer, conduzido pelo seu Messias davídico
(2,20-23), recebendo como dom a paz (2,9); o grande dia virá acompanhado de grandes convulsões
cósmicas. Zorobabel e a sua obra são a antecipação desta promessa.

271
Zacarias
As diferenças de estilo e conteúdo entre os conjuntos 1-8 e 9-14 deste livro são tais que, hoje, é
consensual que se trata de dois livros de época e autor diversos. Também é verdade que a sua junção não
foi obra do acaso, uma vez que os contatos entre os dois conjuntos são suficientemente fortes para o
justificarem. Analisamos cada um deles separadamente.

PRIMEIRA PARTE (1,1-8,23)

AUTOR E LIVRO
No AT há mais de trinta pessoas com o nome de Zacarias. Do profeta diz-se que era "filho de
Baraquias, filho de Ado" (1,1.7; 7,1.8) ou "filho de Ido" (Esd 5,1; 6,14). Sem entrarmos na discussão que
o caso suscita, vamos considerá-lo como da descendência de Ado, um dos sacerdotes regressados do
Exílio referidos por Ne 12,4 (ver Is 8,2).
Situando-se na linha dos profetas clássicos, aparecendo mesmo na continuidade literária de alguns
deles (2.° Is e Ez), o texto de ZACARIAS pode colocar-se perfeitamente entre o gênero profético e o
apocalíptico.

DATA E CONTEÚDO

A atividade do profeta Zacarias (cap. 1-8), a partir da cronologia que o livro nos apresenta, estende-
se do oitavo mês do segundo ano de Dario (520 aC. - dois meses depois da primeira profecia de Ageu) até
ao nono mês do quarto ano (518), isto é, por dois anos. Se não temos nenhuma confirmação desta
cronologia, também é verdade que não há nada que a desminta. Antes, ela concorda perfeitamente com o
que se sabe de ZACARIAS: um dos grandes impulsionadores da reconstrução do templo, juntamente com
Ageu.
Podemos dividir esta primeira parte em duas grandes seções, antecedidas de uma breve introdução:
Introdução (1,1-6): um apelo à conversão.
Primeira seção (1,7-6,15): é a seção principal do livro. Apresenta-nos oito visões com breves oráculos
disseminados pelo meio daquelas.
272
Segunda secção (7,1-8,23): é um conjunto de oráculos, que surgem numa aparente desordem.
TEOLOGIA
Esta primeira parte do livro é certamente autêntica e está centrada em perspectivas messiânicas. A
reconstrução do templo - como em Ageu - é uma das grandes preocupações do profeta, com a restauração
nacional e as suas exigências de pureza e moralidade. O governo da comunidade é confiado ao Sumo
Sacerdote Josué, ou Jesua, e ao governador Zorobabel (6,11-12; Esd 3,1-7).
O Messias - designado pela palavra "Gérmen" (3,8) - exerce o poder régio; entretanto, isso mesmo é
dito acerca de Zorobabel em 6,12. É este, pois, que traz em si as esperanças dos repatriados. Os dois
ungidos, Josué e Zorobabel (4,14), governarão em perfeito acordo (6,13). Temos, assim, a idéia antiga do
messianismo real associada às preocupações sacerdotais de Ezequiel.
A influência deste profeta manifesta-se no papel relevante que têm as visões na tendência
apocalíptica, na insistência na pureza e na conversão futura dos pagãos. Mas Jerusalém continuará a ser a
parte escolhida por Deus, porque Ele voltará ao templo que vai ser reconstruído (2,15-17). Deus
purificará a Terra Santa de todo o pecado. Na Babilônia, considerada como o centro do paganismo, será
construído o templo do pecado (5,5-11).

SEGUNDA PARTE (9,1-14,21)

AUTOR E DATA
Para uma grande parte dos especialistas, estamos diante de uma antologia de textos de origem
diversa que foram recolhidos e "colados" a Zacarias.
Esta segunda parte (9-14) é muito diferente. Os oráculos não apresentam data e são anônimos; não falam
nem de Zacarias nem da restauração do templo. Julga-se que foram redigidos nos últimos decênios do
séc. IV aC., após o reinado de Alexandre Magno (+ 323). Carecem de unidade, pois constituem duas
seções, cada uma das quais tem um titulo (cf. 9, 1 e 12,1) - o que tem levado, os estudiosos a falar de
Dêutero-Zacarias e Trito-Zacarias (como falam de Segundo Isaias e Terceiro Isaias). O 2º Zacarias
refere-se a fatos históricos difíceis de precisar; o 3º é um apocalipse que descreve as glórias de Jerusalém
dos últimos tempos.
Assim sendo, não parece ser possível falar de uma unidade de autor, nem de uma data precisa.

DIVISÃO E CONTEÚDO

Primeira parte Retrospecção sobre o passado nacional — 7,4-14


Exortação à conversão — 1,1-6 Perspectivas de salvação messiânica — 8,1-17
Primeira visão: os cavaleiros — 1,7-17 Resposta à questão do jejum — 8,18-19
Segunda visão: chifres e ferreiros — 2,1-4 Perspectivas de salvação messiânica — 8,20-23
Terceira visão: o medidor — 2,5-9 Segunda parte
Dois apelos aos exilados — 2,10-16 A nova terra — 9, 1 - 8
Quarta visão: a veste de Josué — 3,1- 9a O Messia s — 9,9-10
A vinda do "Rebento — 3,8-10 O restabelecimento de Israel — 9,11-17
Quinta visão: o lampadário e as oliveiras — 4,1-13 Fidelidade a Iahweh — 10,1-2
Três palavras relativas a Zorobabel — 4,6b -10a Libertação e retorno de Israel 10 – 11,1-3
Sexta visão: o livro que voa — 5,1-4 Os dois pastores — 11,4-17
Sétima visão: A mulher no alqueire — 5,5-11 Libertação e renovação de Jerusalém — 12 -13, 1-6
Oitava visão: os carros — 6,1-8 Prosopopéia da espada: o novo povo — 13, 7-9
A coroa ex-voto — 6,9-15 O combate escatológico; esplendor de Jerusalém —14, 1-21
Questão sobre o jejum — 7,1-3

Esta segunda parte carece de unidade, tanto literária como do ponto de vista do conteúdo.
Podemos, no entanto, subdividi-la também em duas seções:
A primeira seção (9,1-11,17), em que se fala da salvação do povo escolhido, pode dividir-se em três
273
blocos: 9,1-10,2; 10,3-11,3; 11,4-17 (+13,7-9).
A segunda seção (12,1-14,21), caracterizada pela repetição da fórmula "Naquele dia..." (17 vezes), é de
tom claramente escatológico. Trata-se da renovação de Jerusalém (12-13) e do combate escatológico (14).

TEMAS ESPECÍFICOS

A riqueza temática de Zc transforma este livro num dos escritos que mais influenciaram o Novo
Testamento.

- O messianismo. O Primeiro Zacarias vibra com a certeza de que Deus realizará sua promessa
feita a Davi, de enviar aquele que conduzirá seu povo. Mas essa missão pode estar presente em outra
pessoa que o soberano político. Pode estar no sumo sacerdote, Josué. Pode haver dois “pastores ". Certo é
que as promessas de Deus não caem por terra.

- O Dia do Senhor. Com o decorrer dos anos, no Segundo Zacarias, acentua-se mais a esperança
de que um dia o Senhor Deus intervenha diretamente na história para sancionar as ações humanas - o
ajuste de contas: castigo do mal e recompensa do bem e para firmar a paz e o bem-estar (a harmonia) para
sempre. Esse é o Dia do Senhor, ao mesmo tempo temível e desejável.

- A festa do povo. Sobretudo no último capítulo do Segundo Zacarias (Zc 14), a festa do Povo (no
caso, a festa das Tendas, maior festa do judaísmo) simboliza essa paz e harmonia, na qual Deus surge
como a luz de seu povo.

- A santidade da Casa do Senhor. É significativo que a última palavra dessa profecia é uma
advertência contra os comerciantes na Casa do Senhor, ou seja, contra aqueles que “privatizaram" para
seus negócios o lugar de encontro de Deus com seu povo. Mais significante ainda é que essa frase
inspirou a atuação principal de Jesus quando de sua chegada a Jerusalém - ação que, ao que parece, está
na raiz de sua condenação à morte: a purificação do templo. A santidade de Deus é inalienável. E porque
ele é santo, também o é o seu povo, ao qual ele dedica seu amor No tempo de Zacarias, esse povo era em
primeiro lugar mas não exclusivamente, o povo de Israel, reduzido a um pequeno resto. Desde Jesus
conhecemos melhor as preferências de Deus: todos os oprimidos, e excluídos, bem como todos os justos
que dedicam a estes o seu amor. Tais constituem com Cristo e em Cristo (Jo 2,21), a Casa do Senhor por
excelência (1Cor 3,9).

TEOLOGIA
O texto do Segundo ZACARIAS está repleto da esperança messiânica, que se vinha apagando na
comunidade. É, por isso, um dos textos mais usados no NT para descrever a figura do Messias. As
imagens que usa revelam dependência de outros escritos proféticos anteriores (especialmente Isaías e
Ezequiel); mas a novidade da perspectiva em que as usa concede-lhes uma clara singularidade teológica.
A imagem do salvador guerreiro, que consegue a vitória numa luta encarniçada, não é nova; que a
salvação seja conseguida por um "traspassado" (12,4), por um rei humilde (9,9) ou pelo pastor rejeitado
(11,4-17) não serve somente para dar alento aos desesperados de um tempo, mas aos de toda a História, e
foi vista como profecia do Messias Sofredor

274
Malaquias
O livro de MALAQUIAS é o último na lista tradicional dos doze profetas menores; "o selo dos
profetas", como lhe chama a tradição judaica. É possível que, de início, este livro não referisse o nome do
seu profeta-autor. A referência a um "mensageiro da Aliança", em 3,1, com a expressão hebraica
"male'aki = meu enviado", pode ter dado origem a um nome de pessoa correspondente a essa expressão,
conservando o mesmo sentido. MALAQUIAS - que em 1,1 aparece como nome próprio do profeta
enviado por Deus - encontra-se ainda na forma de "meu mensageiro" em 3,1. A Setenta traduziu também
em 1,1 por "meu enviado" e não pelo nome de Malaquias.

LIVRO
Este livro deve ter sido escrito por volta de 450 aC., ou seja, pouco antes do ano de 445, em que
Neemias proibiu aos judeus os casamentos mistos. As suas atitudes enquadram-se no ambiente posterior
ao regresso do Exílio, passados que foram os primeiros entusiasmos de restauração. O particularismo
nota-se na aversão a Esaú por parte de Deus (1,3) e na recusa dos casamentos mistos (2,11).

DIVISÃO E CONTEÚDO
Oráculo —1, 1
O amor de Iahweh por Israel — 1,2-5
Acusação contra os sacerdotes — 1,6 -2,9
Casamentos mistos e divórcios — 2,10-16
O dia de Iahweh — 2,17 -3,5
Os dízimos para o templo — 3,6-12
O triunfo dos justos no Dia de Iahweh — 3,13-21
Apêndices — 3,22-24

Depois de uma introdução (1,2-5), em que se fala da eleição de Israel, seguem-se alusões às faltas
cometidas contra a aliança de Levi pelos sacerdotes e pelos fiéis (1,6-2,9), aludindo-se a um culto
universal. Vem, depois, uma série de queixas contra os casamentos mistos e os divórcios (2,10-16). Em
seguida, o profeta anuncia "o Dia do Senhor" (2,17-3,5) com a purificação do sacerdócio. As
dificuldades que os israelitas experimentam acabarão quando estes voltarem a cumprir os seus deveres
cultuais (3,6-15). No "Dia do Senhor" os bons serão recompensados e os maus castigados (3,16-21). Um
apêndice (3,22-24) exorta à observância da Lei de Moisés e refere uma futura vinda do profeta Elias.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


Imbuído de espírito deuteronomista, o autor coloca o acento no culto. Insurge-se com violência
contra os sacerdotes, que, pelas suas infidelidades, impedem a chegada da era messiânica. O sacerdote é o
mensageiro do Deus do universo (2,7).
O universalismo é outra idéia própria de MALAQUIAS. O culto será transformado, na era
messiânica (1,11), na linha da adoração em espírito e verdade (Jo 4,23). A condenação dos divórcios
(2,14-16) prepara igualmente a que será proferida por Cristo (Mt 5,31-32).
A vinda do dia do Senhor é preparada por um mensageiro (3,1; ver Is 40,3), que, na parte final do
livro, é comparado a Elias, precisando-se aí também a importância da sua missão (3,22-24). Mais tarde, o
Evangelho comentará esta passagem (Mt 17,10-13; Lc 1,17) e reconhecerá na figura de Elias a silhueta de
João Batista, o Precursor do Messias (Mt 11,10; Mc 1,2; Lc 7,27).
Algumas características do seu pensamento justificam a tradição bíblica de situar o livro de
MALAQUIAS na passagem do Antigo para o Novo Testamento.

275
Abdias
Título 1ª
Prólogo 1c,2-4
O aniquilamento de Edom 1, 5-9
A falta de Edom 1,10-15
No dia de Iahweh, desforra de Israel sobre Edom 1, 16-18
O novo Israel 1, 19-21

Do autor do livro nada se sabe, a não ser o seu nome: Abdias, que significa "Servo do Senhor".
É um dos chamados Profetas Menores. O menor de todos, se atendermos à extensão do seu livro, se é que
se lhe pode chamar livro, pois tem apenas 21 versículos. Mas a extensão nada conta, quando há algo a
dizer em nome de Deus.

DATA E CONTEÚDO
Não é fácil determinar a data da sua composição. Parece, no entanto, que deve ter sido escrito a
seguir a 586 aC., data da destruição de Jerusalém. Esta referência histórica bastará para uma justa leitura
do livro, admitindo embora alguns acrescentos posteriores.
No que respeita ao seu conteúdo, temos:
v.1: o título.
v.2-14: exortação à luta contra Edom, contra quem é pronunciada uma profecia (v.2-9), por se ter
regozijado com a destruição de Jerusalém e ter contribuído para agravar os seus sofrimentos (v.10-14).
v.15-21: fala-se do "Dia do Senhor", que trará consigo a ruína de todos os povos e o começo de melhores
dias para Israel.

276
Joel
1,1 Título
I. A PRAGA DE GAFANHOTOS
1. LITURGIA DE LAMENTAÇÃO E DE SÚPLICA
1,2-12 Lamentação sobre a desolação do país
1,13-20 Apelo à penitência e à oração
2,1-2 Alarme no dia de Iahweh
2,3-9 A invasão dos gafanhotos
2,10-11 Visão do dia de Iahweh
2,12-17 Apelo à penitência
2,18 2. RESPOSTA DE IAHWEH
2,19 -20 Fim do flagelo e libertação
2,21-27 Visão da abundância
II. A NOVA ERA E O DIA DE IAHWEH
3, 1-5 1. EFUSÃO DO ESPÍRITO
2. O JULGAMENTO DOS POVOS
4,1-3 Temas gerais
4, 4-8 Ataques contra os fenícios é os filisteus
4,9-14 Convocação dos povos
4,15-17 O dia de Iahweh
4,18-21 3. ERA PARADISÍACA DA RESTAURAÇÃO DE ISRAEL

De Joel, filho de Petuel, nada se sabe para além do que pode deduzir-se da sua obra. O profeta
exerceu o seu ministério em Jerusalém e foi um homem profundamente conhecedor do mundo rural,
embora se suponha que não fosse de origem camponesa. De fato, a sua qualidade poética, o conhecimento
profundo dos profetas anteriores e a maneira como trata a própria língua, situam-no num ambiente
cultural muito mais elaborado.

DATA E CONTEÚDO
São vários os problemas que este livro nos coloca, desde a interpretação até à sua unidade, data e
estrutura.
Modernamente os especialistas entendem que, a partir das referências do livro à situação interna de
Jerusalém e à situação internacional, e tendo em conta o estilo literário do profeta e a própria língua, é
possível estabelecer uma data. As investigações modernas apontam para uma data imediatamente a seguir
ao exílio da Babilônia (séc. V-IV aC.), altura em que não havia rei e a Judeia era uma província do
Império Persa.
Coerente, no seu conjunto, apesar de algumas pequenas interpolações (como, por exemplo, 4,4-8), o
livro parece dividir-se em duas grandes partes:

I: Um desastre agrícola (1-2) II: O Dia do Senhor (3-4)


Uma praga de gafanhotos (1,2-13) Realizam-se a efusão do Espírito Santo sobre o povo
e uma seca (1,14-20) fazem o profeta pensar em (cap. 3), os sinais em Judá e no mundo, a guerra
pragas maiores (2,1-11), o que provoca um santa, a transformação econômica, o julgamento das
convite à conversão (2,12-17) e uma resposta do nações pagas (cap. 4).
Senhor (2,19-27).

I. 1,2-2,27: um desastre agrícola, constituído por uma praga de gafanhotos (1,2-12) e uma grande seca
(1,13-20), fazem o profeta pensar em calamidades maiores. Em 2,1-11, a sua imaginação transforma os
gafanhotos num exército que vem destruir a cidade. Esta catástrofe nacional é um convite à conversão
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(2,12-17), que proporciona a resposta de Deus (2,18-27).

II. 3,1-4,21: os acontecimentos anteriormente descritos são elevados à categoria religiosa de "Dia do
SENHOR". JOEL, para além da efusão do espírito, joga com três temas: os sinais no céu e na terra (3,3-
4; 4,15-16); a salvação de Judá (3,5; 4,16b) manifestada no plano político (4,17) e econômico (4,18), a
condenação das nações estrangeiras (4,1-14).

TEMAS ESPECÍFICOS

-A liturgia penitencial. Joel é muito atual, porque convoca o povo todo à penitência não apenas
os reis, que, alias, já não existem (o país está sendo governado pelos estrangeiros). Isso reforça o
sentimento da responsabilidade comum.

- A efusão do Espírito Santo sobre o povo. Como todos são responsáveis, o Espírito da profecia
(= de interpretar Deus) é dado a todos. A efusão universal do Espírito é sinal do tempo fina1, tempo da
presença definitiva de Deus junto a seu povo; segundo a interpretação cristã, isso realizou-se no
Pentecostes (At 2,16-21).

- Esperança a partir de um desastre agrícola. A importância da natureza, da agricultura, a tal


ponto que a vida da natureza se torna símbolo da nação. Quem sabe, a fragilidade de nossa ecologia nos
levará a pensar no projeto de Deus?

TEOLOGIA
JOEL apresenta-se como um profeta da esperança. Passaram os tempos difíceis do exílio na
Babilônia. As grandes catástrofes que atingiram o povo já pertencem ao passado. O profeta espera a
mudança definitiva anunciada por Jeremias e Ezequiel. Mas, passaram tantos anos e ainda não aconteceu
a efusão do espírito de Deus anunciada por eles. O tempo da liberdade ainda não chegou. Os inimigos do
povo não foram ainda castigados! Que dizer das promessas e da palavra do Senhor?
Precisamente a partir de uma calamidade histórica e prevendo desastre ainda maior, Joel reabre os
seus ouvintes à esperança. As promessas não caíram no vazio; ele crê no seu cumprimento, e anuncia-o.
Para isso, convida o povo a preparar-se pela penitência e pela oração. O Senhor derramará o seu espírito
sobre toda a humanidade. As esperanças alimentadas durante os séculos anteriores, desde Moisés até aos
profetas que se lhe seguiram, vão cumprir-se, muito para além do que se poderia imaginar, no dia do
Pentecostes (At 2).

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Jonas
Jonas difere de todos os outros livros proféticos. Narra a história de um Profeta que recusou a
ordem do Senhor para que fosse pregar aos ninivitas. Milagrosamente colhido pela Providência, Jonas vai
a Nínive e consegue converter a grande cidade. Eis, porém, que se entristece por haver comunicado a
mensagem da fé a pagãos. Então Deus lhe afirma que a misericórdia divina atinge todos os povos.
Sabemos, por 2Rs 14,25, da existência de um profeta chamado Jonas, "filho de Amitai", que terá
exercido a sua missão no tempo de Jeroboão II (séc. VIII aC.). O nome e a filiação coincidem, de fato,
com o protagonista deste livro. Mas não foi esse profeta quem escreveu, como poderemos verificar pela
data em que ele deve ter sido escrito. Entretanto, a sua leitura mostra-nos que o autor, além de ser hábil
artista, possuía uma larga formação bíblica. São claras, na sua obra, influências de alguns Salmos, de
Jeremias, Ezequiel, Joel e outros.

LIVRO E DATA
JONAS é um caso único na literatura profética: nunca utiliza o substantivo "nabi" (profeta), nem
o verbo "profetizar", nem a fórmula do mensageiro; e toda a pregação do profeta se resume em 3,4:
"Dentro de quarenta dias Nínive será destruída."
O livro é uma narração didática, teológica, e não histórica.
A base histórica é muito reduzida: apenas o nome do profeta do tempo de Jeroboão II, como já
dissemos, e que, na altura, apoiou as idéias nacionalistas do rei, atitude à qual se opõe o livro. O segundo
elemento de aparência histórica é a cidade de Nínive. Mas não há qualquer testemunho que fale ou
suponha tal missão profética e a correspondente conversão sensacional.
A data da composição não pode ser deduzida senão a partir das suas características literárias e da
sua teologia. O estilo, o vocabulário e certos aramaísmos (1,5.6.7; 3,7; 4,11) apontam para um período
posterior ao regresso do Exílio (séc. V), como pensa a maioria dos críticos.

DIVISÃO E CONTEÚDO

A fuga de Jonas (1) O peixe (2) A pregação (3) A lição (4)


Jonas foge da vocação Um grande peixe Com muita gana Jonas Pelo exemplo da
de Deus empreendendo engole Jonas e depois se põe a pregar a mamoneira, Deus
uma viagem, mas atrai de três dias o devolve destruição de Nínive, mostra a Jonas que sua
uma tempestade e é à terra, perto de mas a cidade se ira é infundada.
abandonado ao mar. Nínive. converte...

TEMAS ESPECÍFICOS

-Para nós hoje, este livro nos ajuda a compreender melhor o tamanho da misericórdia de Deus.
Sua palavra pode atingir os que parecem mais afastados de nosso modo de ver Deus (que talvez precise
de algum corretivo...). E um livro para libertar aqueles cuja fé é pouca e acanhada.

- A cidade. Uma cidade do tamanho de Nínive, habitada pelo inimigo mais caracterizado de Israel,
certamente não suscitava a simpatia dos judeu, de tradição campestre, que no tempo de Neemias tiveram
de ser forçados a povoarem Jerusalém (Ne 11,1). Talvez a profecia de Jonas inspire à Igreja mais amor à
cidade e mais abertura às suas estruturas e cultura.
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- A ingrata gratuidade do profeta. "O profeta propõe, mas Deus dispõe ". Como Jeremias, Jonas
experimenta que a palavra de Deus não o deixa em paz e que anunciar castigos pode deixá-lo ridículo. O
profeta não é dono: é apenas um servo no plano de Deus.

- O estrangeiro. Ao lado do livro de Rute, o livro de Jonas representa a discreta oposição à


xenofobia, que no tempo de Esdras e Neemias tomou conta da população de Jerusalém.

TEOLOGIA
O autor reage contra o particularismo sócio-religioso muito aceite na época de Neemias e Esdras,
mostrando os desígnios de salvação que Deus tem para com os pagãos, mesmo que sejam inimigos de
Israel, ao enviar-lhes um pregador. Rompendo assim com esse particularismo, no livro toda a gente é
simpática: os marinheiros pagãos no momento do naufrágio, o rei, os habitantes e até os animais de
Nínive; todos, exceto o único israelita que aparece em cena - o profeta.
Deus, por seu lado, compadece-se do seu profeta e de todos, porque a sua misericórdia é
universal. Para conseguir tais intentos, o narrador serve-se de um profeta de que se conhecia pouco mais
que o nome, fazendo uma composição cheia de hipérboles e de humor, fácil de fixar.
De fato, a aventura de Jonas no ventre do "grande peixe" (2,1) ficou na imaginação popular e
tocou a fantasia dos artistas de diversas épocas. Não esqueçamos, porém, que a mensagem fundamental
deste livro é a do amor universal de Deus.

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FLORES E PLANTAS
Deus criou as plantas no terceiro dia (Gn 1,11-13) e, ao criar o homem, ele o
colocou num jardim para cuidar dele e conservá-lo (Gn 2,15). Um dos momentos
finais da vida do Senhor foi passado num jardim – orando e buscando a vontade do
Pai (Mt 26,36). A Bíblia diz que Jesus levava sempre os discípulos para lá. Todos os
anos, as chuvas da primavera transformam as encostas secas dos montes da Palestina
num rico tapete colorido de flores silvestres e de plantas bulbosas. Embora os
escritores antigos. assim como os eruditos bíblicos, discutam algumas referências em
relação à flora e às espécies mencionadas, a tabela a seguir pode ser útil para um
vislumbre de como seriam as plantas mencionadas na Bíblia.

Veja também Gn 1,29.31; 2,5.8; Lc 22,39-40; Jo 18,1-2;

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