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Gamaliel Carreiro
Universidade Federal do Maranhão
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All content following this page was uploaded by Gamaliel Carreiro on 23 January 2020.
REINTERPRETANDO O CRESCIMENTO
NO BRASIL*
Resumo: os mais recentes dados publicados pelo IBGE (2010) indicam que os pentecos-
tais continuam sendo os impulsionadores do crescimento evangélico no país e
a Assembleia de Deus a igreja que mais cresce. O presente trabalho tem como
foco reinterpretar estes dados e propor uma leitura alternativa a essa vigente.
Para isso elegemos duas variáveis de análise: a avaliação da metodologia uti-
lizada pelos pesquisadores que definem o que é AD e o modelo administrativo
da própria instituição.
O
tema do crescimento evangélico no Brasil tem sido debatido no interior da socio-
logia da religião já há mais de quatro décadas. O presente texto é uma tentativa
de pensar o impacto do modelo organizacional, e da cultura organizacional como
variáveis importantes nos estudos que versam sobre este assunto com especial
importância focaremos o caso da Igreja Assembleia de Deus. Concentrarei mi-
nha reflexão em dois aspectos distintos relacionados ao modelo organizacional,
qual seja: primeiramente como elemento metodológico importante na interpre-
tação do crescimento dos grupos no Brasil e segundo, como variável de análise.
Uma primeira constatação neste sentido diz respeito a falta de trabalhos que foquem
o modelo organizacional das instituições religiosas e que atribuam a ele um
papel que, julgo ser importante na interpretação do crescimento dos grupos
religiosos. Diferentemente do que ocorre em outros campos de pesquisa que
tratam do crescimento de outras organizações, em que uma sociologia das
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* Recebido em: 03.06.2014. Aprovado em: 21.06.2014.
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Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Professor no Departamento de So-
ciologia e Antropologia da Universidade Federal do Mato Grosso. E-mail: Gamasc72@
hotmail.com.
A pesquisa mais recente realizada pelo Datafolha (2013) com 180 municípios brasi-
leiros indica que os evangélicos já seriam 28% da população. Deste montante
19%seriam de origem pentecostal e a maior fatia membros da Assembleia de
Deus (AD). Mais de 60% dos evangélicos no Brasil hoje dizem pertencer as
AD. Como entender esta afirmação? É um erro metodológico tomar as Assem-
bleias de Deus como uma única instituição religiosa. E este leva a outros erros
de análise.
Qualquer pesquisa que se faça com grupos religiosos precisa de uma unificação meto-
dológica no trato dos diferentes grupos, sobretudo quando se quer compará-
-los. Os grupos religiosos são, na grande maioria dos casos, organizações ins-
titucionalizadas, com laços formais que unem as muitas organizações atuantes
no mercado a um centro. Possuem ainda um caráter jurídico ora mais ora
menos unificador tanto em suas dimensões nacionais como locais. Embora
existam muitos grupos não formalizados atuando no Brasil, esta não é a regra.
Os movimentos religiosos se institucionalizam (convenções, denominações,
etc), criam estatutos, constituições, regras de conduta e regras de filiação ins-
titucional e é por isso que é possível dizer com certa margem de segurança que
Como variável de análise, nos interessa saber qual o impacto do modelo organizacio-
nal para crescimento ou fragmentação das instituições. Tentaremos sustentar
que o modelo administrativo desta instituição tem um impacto muito grande
no crescimento das instituições, mas é um problema para as organizações em
âmbito nacional. Uma estrutura organizacional de tipo patrimonialista e per-
sonalista é muito eficiente para o crescimento individual das igrejas locais,
mas é prejudicial para o crescimento das AD no âmbito nacional, dado o grau
de fragmentação do poder. Antes, porém, de proceder tal analise, cumpre-nos
fazer algumas considerações em termos de teoria das organizações.
O tema da estrutura organizacional foi alvo de intensas discussões teóricas durante a
década de 60 e a primeira metade dos anos 70 na administração e mesmo no
interior da sociologia das organizações, a partir daí, constatou-se um declínio
no interesse dessa temática. A importância dos estudos sobre estrutura orga-
nizacional está relacionada a vários motivos, dentre os quais, o fato de que a
estrutura organizacional circunda e influencia os agrupamentos e processos de
comportamento organizacional, que, por sua vez, influenciam a eficiência, a
flexibilidade e a interação com o ambiente circundante, bem como separam as
partes da organização entre si e ajudam a mantê-las interligadas.
O sentido do termo estrutura tanto na administração como na engenharia são seme-
lhantes e indicam que ela é a base para o funcionamento da organização. Hall
(2004) considera três funções básicas de uma estrutura organizacional na ad-
ministração. A primeira função é a realização de produtos organizacionais e
o atingimento de suas metas; em segundo lugar, as estruturas se destinam a
minimizar ou regulamentar a influência da variação individual, de modo que
prevaleçam as exigências organizacionais sobre as individuais; e por fim, é
função da estrutura organizacional estabelecer as posições de exercício de po-
der, tomada de decisão e execução de atividades.
Hampton (1983) corrobora com esse ponto de vista e acrescenta que a estrutura contri-
bui com a organização quando esclarece as responsabilidades e autoridade dos
membros, facilita a comunicação e o controle, auxilia na tomada de decisão e
diferencia as atividades que são executadas.
Hatch (1997) concebe a estrutura organizacional como o relacionamento entre as partes
de um todo organizado. Igualmente, Bowditch e Buono (1992, p.167) admi-
tem que a estrutura organizacional pode ser definida como “padrões de tra-
balho e disposições hierárquicas que servem para controlar ou distinguir as
• Complexidade
• Coordenação e controle
Refere-se aos instrumentos, formais ou informais, utilizados para que as tarefas reali-
zadas na organização sejam devidamente integradas, portanto, implica entre
tantas formas de trabalho, no controle de resultados.
A função do controle abrange as atividades desenvolvidas pelos administradores para
adequar os resultados reais e os planejados. Para haver coordenação e controle
é necessário que haja três condições básicas:
1) Padrões ou normas dos resultados desejados.
2) Informação para que se possam comparar os resultados reais e os planejados.
3) Ação corretiva, porque sem a capacidade de ação corretiva a função de
controle não tem sentido. A ação corretiva serve para avaliar se os resultados
planejados foram satisfatórios, e se não foram, quais as razões disso.
Segundo Gibson, Ivancevich e Donnelly (1981), o controle é o cumprimento de uma
sequência lógica. As atividades de controle abrangem seleção e alocação do
pessoal selecionado, inspeção do material, avaliação de desempenho, análise
Por outro lado, para Stoner; Freeman (1992, p. 232) a coordenação refere-se ao “processo
de integrar objetivos e atividades de unidades de trabalho separadas (departa-
mentos ou áreas funcionais) com a finalidade de realizar com eficácia o que foi
planejado pela organização”. Já Wagner e Hollenbeck (2000, p. 301) argumen-
tam que a coordenação “é um processo no qual as ações, de outro modo desorde-
nadas, são integradas de forma a produzir um resultado desejado”.
Quando se pensa em estrutura dois elementos são de fundamental importância, a saber:
a divisão do trabalho em diferentes tarefas e a consecução da coordenação
entre tais tarefas”. Para Serra, estruturar uma organização consiste, fundamen-
talmente, em dividir tarefas (diferenciação) e coordená-las (integração). Uma
vez que haja diferenciação, é necessário haver coordenação. Na visão de Mint-
zberg (1995) a operacionalização da coordenação com vistas à integração de
esforços na organização se dá através dos seguintes mecanismos básicos:
• Ajustamento mútuo: coordenação obtida pelo simples processo de comuni-
cação informal ou pela troca direta de informações entre os membros da or-
ganização;
• Supervisão direta: ocorre quando uma pessoa assume a responsabilidade pe-
las atividades de um grupo de pessoas, dando a elas instruções e monitorando
suas ações;
• Padronização: coordenação por meio de padrões e procedimentos pré-estabe-
lecidos. Pode ocorrer por meio da padronização das habilidades (especifica-
ção do tipo de treinamento necessário para executar o trabalho), da padroni-
zação do processo de trabalho (especificação ou programação das seqüências
do trabalho) e padronização das saídas (especificação dos resultados de tra-
balho esperados) (MINTZBERG, 1995, apud SERRA, 2005, p. 37).
Ainda no entender de Mintzberg, sendo a padronização uma forma de coordenação na
qual as regras e procedimentos são formalizados, é correto pensar na formali-
zação também como uma forma de se obter coordenação e controle.
• Centralização
De um modo geral, esta categoria está diretamente associada ao processo decisório da
organização, logo, diz respeito à concentração e distribuição de poder entre
os níveis organizacionais. “Nesse sentido, a possibilidade de centralização ou
descentralização de uma estrutura dependerá do quanto o poder estará centra-
lizado sob a posse de poucos ou repartido entre muitos” (SERRA, 2005, p.39).
Da mesma maneira Wagner; Hollenbeck entendem a centralização como a
concentração de autoridade e decisão na cúpula de uma empresa. Por sua vez,
Bowditch e Buono (1992), citam este componente organizacional como o lo-
cal da autoridade para tomada de decisões na organização.
Hall salienta que além da centralização ser sistematicamente associada à questão da
tomada de decisão, ela também pode se referir à maneira pela qual as ativida-
des são avaliadas. Nestes termos, independentemente do nível organizacional
em que as decisões sejam tomadas, haverá centralização, quando a avaliação
for efetuada por pessoas no topo da organização. Um dado interessante em
relação a esta questão, é que a imagem que a organização tem de seus mem-
bros, pode ser revelada por intermédio da centralização. Sobre isso pode se
inferir que quanto mais centralizada é uma organização mas se pode imputar
a desconfiança da cúpula em relação ao pessoal para que tomem decisões ou
se auto-avaliem. Ao contrário das organizações menos centralizadas, que in-
dicam abertura e confiança por parte da direção, favorecendo a autonomia dos
seus membros.
Em termos típicos ideais existem pelo menos quatro grandes modelos administrativos
de gerenciar igrejas cristãs, a partir dos quais se desdobram muitas formas mis-
tas. O congregacionalismo; o presbiterianismo; o episcopal e o representativo.
Em função do espaço que temos, não faremos uma digressão sobre eles. cum-
pre pontuar que, as ADs, em tese, são regidas por um modelo congregacional
, mas na prática suas raízes estão mais próximas de um episcopado coronelis-
ta, tese esta já defendida por outros pesquisadores e que parece se sustentar
ainda hoje.
Diferentemente do congregacionalismo em que, em termos ideais, temos uma igreja
forte e lideranças fracas, no sistema assembleiano teríamos uma ênfase no
líder local e não na comunidade e isto aparece institucionalizado nas normas
da CGADB e que ao nosso ver é o céu e o inferno desta instituição. O artigo
5.º do estatuto da CGADB esclarece que são membros da Convenção Geral,
os ministros (pastores e evangelistas), devidamente consagrados, integrados e
registrados na CGADB, como também os ministros jubilados, todos creden-
ciados pela respectiva Convenção Estadual ou Regional.
O artigo 14º da instituição afirma, entre outras coisas, que cada con-
venção estadual ou regional deve cadastrar e registrar na con-
venção geral, os ministros devidamente consagrados
. Dessa forma, através das convenções estaduais os pastores das Assembleias
de Deus, se vinculam à Convenção Geral. Em outros termos, a igreja como
comunidade não tem a menor importancia, mas sim seu pastor. É com ele que
a convenção negocia. Esta é sem dúvida uma organização com líderes fortes e,
literalmente, suas igrejas. Não por acaso, Jean-Pierre-Bastian, (1994, p.126)
afirmar que “a maior parte das igrejas pentecostais tem dirigentes que são
chefes, proprietários, caciques e caudilhos de um movimento religioso criado
por eles mesmos e transmitido de pai para filho de acordo com o modelo pa-
trimonial e ou por nepotismo de reprodução”.
Para Freston (1994, p. 86), O sistema de governo das Assembleias de Deus pode ser
caracterizado como oligárquico e caudilhesco. Surgiu em determinado mo-
mento histórico e foi muito útil no controle dos missionários das comunidades
que iam surgindo. Um traço cultural importante que foi muito bem absorvido
como modos operandis na administração pastoral das comunidades religiosas
foi o coronelismo nordestino.
Tomando como exemplo a CGADB, a AD, de um modo geral, possui quatro instâncias
importantes que merecem apreciação a saber: a própria CGADB como orga-
nização nacional de caráter legal representativa; as Convenções Estaduais; os
Ministérios e suas congregações; e as Igrejas locais com suas respectivas con-
A iniciativa individual talvez seja o traço mais marcante da cultura organizacional as-
sembleiana. O pastor como agente individual é o principal elemento no nasci-
mento de uma igreja. Uma consequência disso é que o poder está nas mãos dos
pastores-presidentes das igrejas-mães locais. São eles os verdadeiros donos do
poder na AD. Comandam sozinhos seus campos e searas com poderes quase
ilimitados. Segundo Hoffnagel (1978, p. 78): “Embora aconselhado pelo mi-
nistério o pastor-Presidente permanece a fonte última de autoridade em tudo,
assim como o patrão da sociedade tradicional, que mesmo cercado de conse-
lheiros, maneja sozinho o poder”
CONCLUSÃO
Abstract: the latest data published by the IBGE show that Pentecostals remain the drivers
of evangelical growth in the country and the Assembly of God (AD) the fastest
growing church. This work focuses on reinterpreting these data and proposes
an alternative reading to this current one. For this we chose two variables: the
evaluation of the methodology used by the researchers that define what is AD
and the administrative model of the institution itself.
Notas
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