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CA.

MÍNko DO O�ÍENTE
,

G UIA HIST 0 RIC 0 · 11


,
l O S E S A �m E n t o D E rl1 A t o s
I O � C E F E � � E P A V L O

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:

Livros
Horizonte
C,A..MiHHO
DOOAiEHTE
do a c t u a l Beco dos To u c i n h e i ros - h i pó t e s e m a i s p l a u s íve l . Q u a n t o à
com a Estrada de Marv i l a , e d a í C a l ça d a do D u q u e de Lafõe s , a o u t ra
desc i a u m a p e q u e n a azi n h aga e m l i ga ç ã o entre a R u a do G r i l o e a
d i recção ao r i o , d e q u e as E s t r a d a de Marvi l a , s e r i a
Escad i n h as d e D. Gastão são uma i n i c i a l m e nte a v i a d e a c e s s o a o
tén u e r e m i n i s cên c i a . A l i á s , esta C o n v e nto d e S ã o B e n t o d e X a b r e g a s ,
ú l t i m a az i n h a g a parece ser o e i x o f l e c t i n d o p e l a p e q u e n a C a l ça d a d o
i n i c i a l m e nte e s t r u t u r a n t e da z o n a o l i va l , t u d o m a i s ta r d i a m ente
o r i g i n a l do G r i l o , d i v i d i n d o e n t r e s i a l terado e m s i m u l t â n e o c o m as
a s d u a s p r i n c i pa i s p r o p r i e d a d e s g r a n d e s obras r e a l izadas p e l o s
d e s t a p arte s u l da zo n a : a d e A n t ã o d u q u e s d e Lafõ e s . C i t e - s e , a i n d a o
de o l i v e i ra , d e p o i s Le i t e d e S o u s a , e p e q u e n o B e c o do G r i l o , d e l i m i t a n d o
o refe r i d o Penedo c i t a d o p e l a a s u l os t e rr e n os d a M a n u t e n ç ã o
c o n d e s s a d e Atoug u i a , M i l i t a r - o utrora a c e r c a das G r i l a s
D . F i l i p a , i n t e grado d e p o i s n o - e hoje sem saída, possível
conj unto d o s s e n h ores d a s I l h a s rem i n i s cên c i a d e o utra azi n h a g a
D e s e rt a s . Só com a p o s t e r i o r entre p r o p r i e d a d e s . O q u e p o d e m o s
a b e r t u r a da C a l ç a d a d o G r i l o , m a i s c o n c l u i r e n t r e t a n t a s i n c ó g n itas é
am p l a e desafogada, é q u e esta q u e a p a r t i r de m e ados do s éc u l o
estre ita azin h a g a s e t o r n o u o b s o l e t a , X V I toda esta zona conhece u m a
n ã o d e i x ando e s s e f a c t o d e profunda a l teração, q u e r na s u a
contr i b u i r para u m a m a i o r e s t r u t ura v i á r i a fun c i o n a l , q u e r n a
d i f i c u l d a d e d e l e i t ura da orgân i ca p r o p r i e d a d e , ass i s t i n d o à i n s t a l ação
de t o d a a zo n a . progres s i va de fam í l i a s da nobreza
A d a t a d e f i n i t iva da a b e r t u r a da i m ed i atam ente l i gada à corte.
C a l ç a d a d o G r i l o co n s t i t u i m a i s o utra A abertura a o l on g o d a praia da
i n có g n it a . No e n tanto , n o t e - s e q u e o actual Rua d e Xabregas, pro l o n gada
l i m ite s ul do Convento do G r i l o a o depo i s p e l a C a l çada d e D. G astão
l o n g o d a cal çada, erg u i d o e m e Rua do G r i l o , bem c o m o as v i a s
meados do século XVI I , obedece já p a r a o i n t e r i o r - c a l çadas d o
ao s e u traçado l ev e m e n t e o b l í q u o , G r i l o , do D u q u e d e Lafões e d o
p o d e n d o ass i m p e n s a r - s e q u e a obra O l i v a l - , v i eram d e fi n i r a orgâ n i ca
da n ova v i a púb l i ca que l i gava a de toda a á r e a , a i n d a h o j e
zona r i b e i r i n h a do G r i l o à I l h a d o i n a l terada, pontuada por a l g u m as
G r i l o e à Estrada d e Marv i l a s e r á const ruções m a i s s i gn i fi c ativas
Em cima: Escadinhas d� D. Gastão, antiga via pública de ligação à
a n t e r i o r a essa d a t a , o u , p e l o m e n o s , zona da Ilha do Grilo. que de s e g u i d a i re m o s con h e cer
Em baixo: muros antigos de caminhos publicas na zona de con­
s i m u l t â n e a , o q u e tal vez s e j a a fluência de vias ainda hoje chamada a Ilha do Grilo. com m a i s deta l h e.

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A Z O N A 00 G RILO N A C AR T A DE FILI PE

F O LQ U E ( 1 8 5 6- 5 8 ) .
A C alça d a d o G rilo, a b e rta
p o s s ivelm e n t e na se gun d a m et a d e
d o s éc ulo X V II,
s ep a r a duas á r e a s bem d i s t i n ta s .
P ara n o r t e fi c a m o s d o i s c o n ve n to s
a g o s t i n ho s d e sc alços - os G rilos
e as G r ilas - e , para sul, o e s p a ç o
é d o m i n ad o pelas d u as p r o p r i e d a d e s
d o s L e i te d e S o u s a ( d e p o i s
T a v a r e d e ) e d o s S e nhores das I lhas
D e s e rt as. S e p ar a n d o estas d u a s
últi m as n o ta-se o t r a ç a d o d a a n t i g a
a z i nhaga d o G r i lo, j á n esta d a t a
s e m fu n ção, s u b s t i t u ída pela m a i s
a m pla C alça d a d o G rilo.

e as d uas dos i rmãos D. Francisco e p o r i n i c i at i va d e D . L u ísa d e G usmão d e d ução, - que a mesma s e terá
D. Antó n i o Mascarenhas, e s ta ú l t ima o s d o i s c o n v e n t o s mas c u l i n o e d e f ixar n o s ít i o a i n da h oje chamado
d e p o i s dos d u q u e s de Lafõe s (24). femi n i n o d o s A g o st i n h o s D escalços, a I l h a do G r i l o, no t o p o da act ual
Na de G on ça l o Vasques da C u n ha, c h amados o s G r i l o s e as G r i las . C a l çada d o G r i l o. A í s e cr uzavam
do lado s up e r i o r da r ua, e n a Q ua n t o à exacta local izaçã o fís i ca n o i t i n er á r i o an t i go os cam i n h o s
d e D . Fra n c i sco Mascaren has, da o r igem do topón imo, e stamos em v i n d o s d e C h e ias e d e Xabregas
da banda do r i o, se v i r iam a e r g u e r c r e r - mai s uma vez por m e ra - e s t e pro l o n game n t o p e la rav ina
0 0 G R I L 0 A 0 B E AT 0

Se c o m parados com Xabregas, c h e ias - N ossa S e n h ora da Conceição d o loca l . É al i ás prá t i ca m u i t o c o m u m


ou Marv i l a, topón i m os com M o n t e O l i vete -, i n stal o u - s e n a topon í m i a trad i c i onal de L i s b oa,
referênc ias q u e s e perdem na defi n i t i vam e n t e a c o n f u s ã o bastan do l e mbrar o caso do Rato,
m em ór i a dos tem pos, o Grilo e o topon ím i ca, esten d e n d o - s e h oje e m a alcu n h a d o fun dador d e um
Beato s ã o relat i vam e n t e rece n t e s . d ia n a g ír i a pop ular o t er m o Beato c o n v e n t o q u e logo s e estendeu n ã o
Q uan t o ao segun do, o Beato, m u i t o além da sua pri m i t i va origem, s ó à casa re l i g i osa m a s ao s ítio o n d e
a s ua gén ese é bem c o n h e c i da, lançando progres s i va m e n t e no o l v i d o a m esma s e erg u e u . Q uan t o a o u s o
refer i n d o -se ao padre A n t ó n i o da o n o m e trad i c i onal d o s í t i o d o Gri l o, d o t o p ó n i m o , sab e m o s q u e, em 1519,
C o n c e i ç ã o, m a i s c o n h e c i d o p e l o q u e t e i mosam e n t e r e s i s t e na ao i n s t i t u i r o morgado de Vaque iros,
Beato A n t ó n i o, a c uja i n i c iativa s e d e s i gnação d e d uas v ias púb l i cas: a condessa d e A t o u g u ia, D . F i l i pa de
deve n o s finais do s é c ulo X V I a R ua e a Cal çada do Gr i l o . A zevedo, se refere a i n da às casas que
o i n íc i o d a tota l recon strução S e a or i ge m d o Beato é , p o is, b e m estão junto deXabregas do Penedo,
d o C on v e n to dos Cónegos d e S ã o c o n h e c i da, já o m e s m o n ã o s e pas sa m orgado e s s e depo i s i n t e grado n a
l o ã o Evan gel i s ta, d i to s os L ó i os, com o Gri lo, e n v o l t o em t o ta l propriedade dos sen h ores d a s Ilhas
an teriorm e n t e con h e c i d o por São m i stér i o . N ã o s e c o n s eg u i u ap urar D e s ertas (21), ao Gri l o . N o e n tanto, a
Bento d e Xabregas (25). A f i g ura n e m a sua razão, n e m o p o n t o exacto partir de m eados do s éc u l o X V I
s i m pá t i ca do e c l e s i á s t i c o q u e re u n i u a partir d o qual n as c e u, o u s o do t e r m o G r i l o com eça
a part i r d e s e t e tostões a qua n t i a q u e esten d e n d o - s e d e p o i s a u m a área a g e n era l i zar -se, s urg i n d o
l h e perm i t i u erg u er uma das m a i ores mais vasta. No e n tan t o, poderão n a d o c u m e n tação várias referênc ias
casas conven t ua i s d e L i sboa depressa adiantar - s e a l g u m as c o n s i derações, ao s í t i o, apesar d e a i n da no s é c ulo
s e torn o u alvo de c u l t o p ú b l i co, natura l m en t e c o n j e c t ura is, nasc i das XV I I I s e usar a fórm u l a (oo.) adiante
c o n f u n d i n do-se o n o m e d o Beato da conjugação d e dados d i s perso s deXabregas, onde chamam o Grilo,
A n t ó n i o com a casa re l i g i o sa que recolhidos ao l o n g o da i nvest i gaçã o . c o m o se e s creve refer i n d o - s e à
tan t o acar i n h ou. Essa i d en t i f i cação Com eçando p e l o n o m e, a m a i s f u n dação do Convento das Gri las.
seria con sagrada e a l argada ao i m e d iata exp l i cação provirá da I m e d iata é a n í t i da demarcação d o
tran sferir-se para a I greja dos L ó i os, fartura de gri l os em terren o s e n t ã o âm b i t o abran g i d o p e l o termo: tem
no â m b i t o da gran d e reforma das e s s e n c i a l m e n t e rura i s . Mas, a s er i n íc i o ass i m q u e a R ua d e Xabregas
fre g u e s ias d e L i s boa, a an t i ga essa a origem, seria m a i s nat ura l que começa a s u b ir, h o j e Cal çada de
fre g u es ia de São Bar t o l o m e u, o termo fosse usado n o p l ural, dan do D. Gastão, e s t e n d e n d o - s e depo i s até
gan hando essa nova c i rc u n s cr i ç ã o ao s í t i o o n o m e d e os Gr i l o s . O uso ao Beato, e n g l oban d o i n i c i a l m e n t e
o n o m e d e S ã o Bart o l o m e u d o Beato, d o termo n o s i n g ular p o d erá p erm i t ir várias gran des q u i n tas, d e q u e
abran g e n do toda a an t i ga área do conj ect urar a h ip ó t e s e da pre s e n ça s e destacam a d e A n t ã o d e O l ive ira
Gri l o . D e p o i s, com a transferên c i a dom inante por al i de a l g ué m c o m a (de p o i s L e i t e de S o usa) (20),
d a s e d e d a freg u e s i a para a l c u n ha ou ape l i d o de Gri l o, a dos sen h ores das I l has Desertas
a i greja do C o n v e n t o do Gri l o (22) depressa serv i n do c o m o referência (21), a de G o n ça l o Vasques da C un ha

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2 - FRANCISCO DE MELO DA CUNHA

DE MEN D O NÇ A E MENESES

I. Marquês de Olhão
o

Óleo s/tela (I09x90 cm)

Escola portuguesa, c. 1 8 1 8.
Membro do Conselho da Regência e
chefe do levantamento do Algarve contra
os franceses ( 1 808), o marquês de Olhão
foi figura com relevo político no largo
periodo em que a corte se encontrou no
Rio de Janeiro. Esta pintura, denotando
já idade avançada, deverá datar
exactamente desse período.
Desconhece-se o autor, certamente
um dos vários artistas de segunda linha
então a trabalhar em Lisboa. (L.A.)

3 - T RISTÃ O DA CUNHA DE MENDONÇ A

Óleo s/tela (290x21O cm)

Julião Barbosa (?)


Escola portuguesa, c. 1725.
Tristão da Cunha está representado de
pé, com armadura e apoiado numa mesa
onde repousa o elmo emplumado, tendo
em fundo um cortinado escarlate.
O modelo deste retrato é o de D. João
IV, de Avelal" Rebelo, seguindo a norma
do retrato de aparato europeu do século
XVII. Foi mandado pintar pelo filho
quando das obras em Xabregas, na
sequência da reabilitação da memória do
pai, que lhe permitiu a recuperação das
comendas e outros benefícios. N o Livro
e
das Coisas do Morgado (A.M.O, caixa 1 0) , J u l ião Barbosa, pintores inscritos na o destinado à câmara, pela verba
de cerca de I 728, existem verbas de I rm andade de São Lucas, passiveis de 9 1 0 1 60 réis, e este de seu pai
pagamento de uma pintura na câmara e autores respectivamente do retrato para o camarim, no valor de
outra no camarim, a Manuel de Jesus e equestre de Pedro da Cunha, 3 1 0 400 réis. (L.A.)

41
o
I - P ED RO DA CUNH A E MENDONÇA

Óleo s/tela (290x21 O cm)

Manuel de Jesus (?)


Escola portuguesa, c. 1725.
Este retrato equestre descende de uma
tipologia do século XVII com alguma
difusão entre nós, mesmo em azulejo,
como na quinta dos marqueses de
Fronteira. Esta tipologia transmite a
função m i litar dos altos estratos
aristocráticos, ostentando um bastão
de comando como general em batalha.
A pintura, de dimensões idênticas às do
retrato de Tristão da Cunha, revela outra
mão. A esforçada anatomia do cavalo, o
fundo de paisagem e mesmo os toques de
ouro na indumentária e arreios sugerem
que esta tela terá sido mais cara que o
outro referido, sendo atribuível por isso
a Manuel d e Jesus, cuja factura foi maiol'
que a do seu colega J u lião Barbosa,
presumível autor do retrato de Tristão.
(AMO, caixa 1 0). (LA)
o
Na página ao lado: um dos dois grandes salões do Palácio Olhão, servindo ultimamente de s ala de jantaI'". É notável o reve stiment o de azulejos com motivos de batalhas. possivt:!mente referentes à Guerra da Restauração
(ver Guia do Azulejo).
Em cima: outro grande salão do Palácio Olhào. com revestimentos de azulejos do século XVIII e pintura mural neogótica sobreposta. realizada sob a dire cção do arquitecto José Maria Nepomuceno.

1 lANrrr. Corpo Cronológico. P. I, mç. 31, doe.108. 5 lANfIT, RP. Santa Engrácia, Casamentos, L.o I, n. I32V. '4 AMO, Núcleo Cunhas e Mendonças, Cx.9, doe. 169.
6
Publ.por Banha de Andrade. António A . . História de IANfIT, RP, Santa Engrácia, Casamentos, L. ° I, n. 124v. '5 IANfIT, CN, C-9A, L.0 340, fl.63-64v.
um fidalgo quinhen tista pOI·tugués - Tristão da Cunha. 1 lANfTT, RP, Santa Engrácia, Óbitos, Cx. 25, L.0 I, 16 AMO, Núcleo Meios, século XVlII, doe. 33.
Lisboa, Faculdade de Letras. 1974. pp. 224-225. fI. 128v. 11 AM O, Nüeelo Cunhas e Mendonças. Cx.IOA,
2 Andrade. Francisco de. Crónica de El-rei D. joão IIl, 8 lANfTT, RP, Santa Engrácia, Casamentos, Cx.16, L o I , doe.222a).
Coimbra. 1795. Vol.I. pp. 62. e Andrade. Ferreira de, n.207v. [8 AMO, Núcleo Cunhas e Mendonças, doe. 203.
Palácio Reais de Lisboa, Lisboa, 1949, p. 13. 9 IAN fIT, RP, Santa Engrácia. Casamentos, Cx.16, L. o I, 1 9 AMO, Núcleo Cunhas e Mendonças, ex.IOA, doe. 231.
AM 20 AM
3 O, Núcleo quinhentista, Cx. 2 , doe. 4. Publicado por fl. 225· O, Núcleo Cunhas e Mendonças, Cx. IOA, doe.230.
Banha de Andrade, António A., ob. cit., pp. 226-238; e 10 IANfTT , RP, Santa Engrácia, Casamentos, Cx. 16. I,L. o 21 AMO, Núcleo Cunhas e Mendonças, Cx. 12, doe.293.
por Arruda, Luisa, «O Palácio de Xabregas», fl. 23L "IANfIT, RGT, L. 0 198, fl,. 36v-37.
II
ln Claro-Escuro, n. O' 6 e 7, Maio-Novembro, 1991. Esta Meneses, Luís de, Conde de Ericeira, História de Portugal 'l3 Portugal, Fernando e Alfredo de Matos, Lisboa em 1758
autora estuda este palácio desenvolvidamente, em termos Restaurado, Lisboa, 16g8. T. I, p. 85 - Memól'ias PaJ'oquiais de Lisboa. Lisboa, 1974,
12 AM
históricos e artísticos, publicando inúmera documentaçào. O, Núcleo Melos, seculo XVII, Cx. 9 , doe. 8. p.II6.
4 lANfIT, RP. Santa Engrácia, Óbitos, ex. 25, LO I, '3 lANfIT, RP, Santa Engrácia, Casamentos, Cx. 17, L o 3,
fl·44v. f1. 6IV

39
- ou possivelmente redefinir -, a
rampa de acesso ao pátio, permitindo­
-lhe não introduzir qualquer escadaria,
elemento central na matriz palaciana.
As opções expressas na orgânica esco ­
lhida, certamente menos dispendiosas,
não deixam de significar alguma ambi­
guidade na conformação ao modelo
assumido do grande palácio aristocrá­
tico , onde a escadaria é sempre um
dado essencial, mantendo-se aqui,
apesar da grandeza do conjunto , uma
certo tom de casa de quinta. Facto que
não deixa de ser sentido pelo prior após
o terramoto, ao escrever que a entrada
para o -pátio é agreste. Ou seja, falta
aparato , tão ao gosto do barroco aris­
tocrático .
Conhecemos o nome do responsável
pelas medições, Manuel Pereira arqui­
tecto das obras da Congregação do
Oratório, sendo de aceitar a sua autoria Uma das informações mais interessantes Do conjunto hoje visível, destacam-se
para todo o projecto . Infelizmente só constante da documentação é a citação os azulejos que revestem grande parte
um estudo mais aprofundado das estru­ do grande vestíbulo como a sala vaga. do interior, bem como algumas pintu­
turas permitiria separar o que é então Ela permite-nos ter uma noção mais ras murais, de várias períodos do século
feito de novo e o que já existia, sendo aproximada da orgânica destas grandes XIX, em especial a intervenção de gosto
de ter em conta a informação que man­ casas, funcionando esse amplo vestíbulo neogótico de José Maria Nepomuceno
dou fazer ( .. .) uma parede na frontaria nobre - ao qual seriam possivelmente no grande salão (ver Guia do Azulejo) .
da estrada (. . .) toda velha no que toca às destinados os magníficos panos indo­ Destacam-se, ainda, alguns interessantes
duas antecâmaras (. . .) que era neces­ -portugueses com as armas dos Cunha retratos e os referidos panos armoriados,
sário fazer-se de novo até às sacadas - como um espaço vago, isto é, sem de que restam somente dois, dos quais
(oo.). Ou seja que já existiria uma função definida, simultaneamente li­ Luísa Arruda, que tem pormenorizado o
parede - uma muralha sobre o rio para gação entre os vários quartos - , partes estudo deste palácio , elaborou as respec­
criar o necessário nivelamento -, específicas do todo - e local para tivas fichas. (JSM)
sendo agora feita de novo até às sacadas recepções e festividades familiares, além
e abrindo -se nesse novo quarto baixo as do qual só tinham acesso os mais ínti­
indispensáveis estrebarias, cocheiras. mos ou de mais cerimónia.

38
D u as p e q u e n as s a l a s d o p i s o i nfer i o r
d o P a l á c i o O lhão, r e s s a l t a n d o a s
p i n turas m u ra i s q u e c r i a m a i l u sã o
d e u m e s paço m u i to m a i o r ,
não datadas n e m a s s i nadas,
A pri m e i ra ( e m c i m a) recria
o a m b i e n te d e uma t e n d a ,
e n treven do-se u m a c a m p a n h a
m i l itar, S e r á even t u a l m e n t e u m a
l em b r a n ç a d o s fei t o s na G u ert'a
Pe n in s u l a l' do 1 ,° m arq u ê s d e O l h ão ,
d e p o i s u m d o s m e m b ro s d a
Regê n c i a d o R e i n o , r e a l i zada
p o s s i ve lm e n t e d u rante este
p e r ío d o , A s e g u n d a ( e m b a i x o ) ,
c o n t e m p o r â n e a d a p r i m e ira,
reprod u z o a m b i e n t e de um e s p a ç o
n a t u l'al n ão o r d e n a d o
- o j ardim/ s e l v a -,
já de s e n s i b i l i d a d e r o m â n tica, c u j o
gosto p a l'e c e ter s i d o i ntrod u z i d o
n a s v á r i a s estadas e m L i s b o a d o
p i n t o r fr a n c ês J ean P i l l e m e n t ,
E s t e s d o i s i n teres santes
a p o n ta m e n to s d eco rativ o s terão
s i d o r e a l i zados p o r um dos v á r i o s
c o n t in u ad o r e s d e s s e m e s t re fran c ê s
e m a c t i v i d ad e d u ran te e s te p e ri o d o ,

37
II - COMENTÁRIO conjura, como conta o conde da
Ericeira. Só em seguida, depois de uma
o enorme casarão que se alonga pela complexa trama de ligações matrimo­
Rua de Xabregas com a sua imponente niais e processos de partilhas entre
fachada, resulta na sua imagem actual diversos ramos de descendentes de
das grandes obras de total reconstrução Tristão da Cunha, o primeiro proprie­
levadas a cabo por Pedro da Cunha e tário conhecido , é que as casas de
Mendonça, 2 . o senhor de Valdigem, a Xabregas vêm a cair, em parte também
partir de 1717. Apesar de apresentado por compra a outros parentes, no
habitualmente como um perfeito exem­ referido Pedro da Cunha e Mendonça,
plar do gosto seiscentista, a verdade é a cuja iniciativa se deve como vimos a
que data j á portanto do século XVlII, total transformação . Para mais , seu
sendo o belo portal mesmo de 1724. neto homónimo, 4. o senhor de Val­
Ora se tivermos em atenção que por digem, casou com uma parente filha do
essa mesma altura j á se construía o monteiro -mor, vindo o filho de am­
Convento de Mafra, através do qual bos , o 1. o marquês de Olhão , a herdar
D . João V impunha com determinação também essa casa e o importante ofício.
a opção estética pelo barroco romano , Embora nada se saiba documental-
podemos pensar que tal atitude teve as mente, é natural que as primitivas casas
suas resistências, mantendo-se os estra­ de Tristão da Cunha, na sua posse des­
tos aristocráticos ciosamente apegados de 1524, tivessem originalmente o seu
aos critérios estéticos anteriores, aliás acesso pela antiga via que corria sobre a
definidos no período áureo do seu ravina, de que o truncado Beco dos
poder social e político . Toucinheiros é ainda uma reminiscên-
A história desta propriedade , possível cia . A existência ainda hoje do pátio
de apurar graças à simpática dispo­ virado a poente, abrindo-se nele o
nibilidade de acesso ao arquivo dos portal principal de acesso directo ao
marqueses de Olhão , andava envolta andar nobre, parece sem dúvida confir­
nalguma confusão, uma vez que no mar esta leitura, impondo simulta­
século XVII ali encontramos como neamente algumas condicionantes à
proprietário o monteiro-mor do rei­ apreciação do projecto de alterações
no. Ainda por cima, quer Francisco de levado a cabo no século XVlII. Como
Melo , monteiro-mor, quer seu irmão foi corrente em toda esta zona, a aber­
Jorge de Melo são figuras de primeira tura do caminho pela praia determi­
linha no processo político da Restau­ nou a reorientação de todo o conjunto .
Alguns pormenores interiores do Palácio dos hfarqul!'sC's de
ração , realizando-se aqui em Xabregas Olhão, ressaltando o revestimento de a2uh�:j os setecentista e as Mas Pedro da Cunha manteve-se fiel à
pinturas murais oitocentistas, os dois dementas decorativos mais
algumas das reuniões preparatórias da ma.rcantes deste edifício. estrutura primitiva limitando-se a abrir
depois de descontadas as respectivas
tornas, e ampliá-las através de grande
campanha de obras iniciadas em 1713
prolongando-se pela década de vinte,
conferindo-lhe a imponência que
ainda hoje se aprecia. Em 1717, pela
sentença da acção contra o pedreiro
pela demora no avanço das obras
apura-se do compromisso deste (1713)
em fazer toda a obra do seu ofício assim
do quarto novo que se há-de fazer,
estrebarias, cocheiras e mais obras em o
quarto baixo das mesmas casas
conforme planta que tem tirado ( . ) e
. .

igualmente que mandou fazer nas suas


casas junto ao convento de Xabregas
uma parede na frontaria da estrada (. ..)
toda velha no que toca às duas antecâ­ Coroamento do portal nobre do palácio. com as armas dos Cunhas (172 4).
maras (. ..) que era necessário fazer-se casa e todas as benfeitorias, acréscimo possíveis acomodações com grandeza;
de novo até às sacadas (00.)19. Para o de casas, reedificação de todas, destas acha-se restaurado das ruínas que pa ­
jardim mandou fazer 17 colunas de em que moro, as quais benfeitorias deceu no terremoto que foram pou­
pedra com seus capitéis e varas. Daquele importam muita considerável fazenda, cas23• O sucessor na casa, Francisco
ano de 1 7 17 data também um treslado (. . ) também tenho neles o excesso do
. de Melo da Cunha Mendonça e Mene­
da certidão de medição da obra de preço da sua compra, porque me custará ses, herdou por sua mãe o ofício de
carpinteiro (. . . ) em um quarto novo o muito mais dinheiro do que eram dos monteiro -mor e o inacabado palácio
( . . ) e oficinas, e casas de criados
. morgados que recebi do preço das destes, ao Combro . Pelos seus serviços
(00. )20. Esta avaliação foi feita por vendas de outras casas que tinha ao cais recebeu o título de conde de Castro
Manuel Pereira arquitecto das obras da do Carvão. Marim (I80�) e de marquês de Olhão
Congregação do Oratório, que esteve Aquando do terramoto era proprie ­ (I808) . Este fidalgo promoveu várias
ligado às obras do palácio. Em 17�4 tário Pedro da Cunha de Mendonça e campanhas de beneficiação no palácio
certificava ter ido ao palácio avaliar toda Meneses, sendo o palácio descrito pelo - das quais se destacam as inúmeras
a obra que nele tem feito o mestre prior da freguesia: sito na rua que vai pinturas murais - nomeadamente,
pedreiro Domingos da Silva, a qual foi de Xabregas para o Grilo, da banda do entre 1819-�3. Mais tarde, D. Rita, viúva
o portal principal, e xadrez de pedraria Norte, a entrada para o pátio é agreste, do herdeiro da casa, levou a cabo grandes
em toda a sala vaga ( . )21. No testamen­
o o a galeria cai toda sobre a estrada para obras, em que se destaca a intervenção
to" refere Pedro de Mendonça que de banda do sueste dominando o mar. do arquitecto José Maria Nepomuceno.
bens livres tinha todo o móvel da minha Tem seu jardim e hortas e todas as (JFP)

35
Fachada do Palácio Olhão sobre a Rua de Xabregas, com o portão lateral de acesso â rampa que sobe para o pátio, e fachada sobre o pátio com o portal nobre de acesso â sala \'aga.

Esta propriedade até ao século XVIII no oratório de D. Francisca de Men ­ de 1708, ainda morador à Bica do
entrou em vários processos de parti­ donça, ao Grilo'3 que se casa um filho Sapato'5, casou-se com uma filha de
lhas, pelo que, a sua posse coube, em do monteiro-mar com uma filha de Garcia de Melo , monteiro-mar, já de­
parcelas, a mais do que um proprie­ Tristão da Cunha, irmão do referido funto , pelo que teve direito por conta
tário . Daí que as casas foram habitadas, Simão , governador de Angola e senhor de legítimas e legados , a mais de
em simultâneo , por vários elementos da de Valdigem. 7 contos de réis'6, vindo , mais tarde, a
casa do monteiro -mar, família com Ao sucessor do referido governador, ficar herdeiro de sua cunhada, também
ligações aos Mendonça de Santa Clara , Pedro da Cunha de Mendonça, se deve filha do monteiro-mor'7. Numa me­
e que novamente se liga aos Cunha , o retorno definitivo de Xabregas à Casa mória que escreveu em 1712 fala das
descendentes de Simão , filho segundo dos Cunha. Herdando a casa de seu pai benfeitorias que fizera nas casas ao cais
do embaixador de D. Manuel, em cuja com grandes dívidas - sendo mais tarde do Carvão (ver Santa Apolónia) - que
posse ficaria definitivamente o Palácio compensado pela reabilitação de Tristão vende mais as da Bica do Sapato - e
de Xabregas. Esta união consuma-se da Cunha - via-se obrigado em 1702 na Quinta da Espiçandeira, bem como
pelo casamento (1655) de uma filha a pedir um empréstimo de 1 0 000 em outras fazendas'8 no Barreiro, na
do monteiro-mar Francisco de Melo , cruzados para com eles acudir ao reparo Quinta da Telhada e em todos os casais
D . Francisca de Mendonça, com Simão de suas fazendas e estado'4. Nos pri­ do morgado.
da Cunha que, em 1686, tinham os meiros anos de Setecentos, contudo, Habilitado às casas de Xabregas pela
seus aposentos junto ao convento de devido a vários processos de heranças e morte do tio Simão (1701), obrigadas
S. Francisco de Xabregas e, em 170 3 , é partilhas invertia-se a situação. No ano por inventário, acabou por comprá-las,

34
, . ,.,

o PA LAC I O 0 LI=IAO

I - RESENHA HISTÓRICA dito o Grande, vice-rei da Índia, per­


manecendo na sua descendência. Se-
PALÁ C I O dos marqueses de
o
gundo tudo indica, terá sido alvo
Olhão , também conhecido por de partilhas por seus netos, Tristão
Palácio de Xabregas, tem uma história da Cunha e D. Guiomar Henriques.
que remonta ao reinado de D. Manuel, O primeiro ficou com outra quinta ao
monarca que ali tinha umas casas onde Grilo , onde morreu em 16324, vendida
vivera o cardeal infante D. Afonso e que após a morte de seu neto , Gonçalo
constituíam o núcleo edificado primi­ Vasques da Cunha, sem geração, para
tivo da propriedade. No ano de 1524 a construção do Convento dos Grilos.
ordenou o rei que se desse a Tristão da D. Guiomar ficou com as casas de
Cunha 800 000 réis (.. J em parte de Xabregas que, pelo seu casamento com
pago de I 203 390 réis que há-de haver Manuel de Melo , monteiro-mor, fo ­
da demasia que mais valem as suas casas ram integradas nesta casa.
de Xabregas que dele houve o cardeal Os assentos paroquiais da freguesia
meu muito amado e prezado irmão do de Xabregas onde, segundo o cronista de Santa Engrácia registam a presen­
que as casas do dito cardeal meu irmão de D . João III>, D . Leonor se aposentou ça da família Melo ao longo do século
que foram do arcebispo D. Martinho com a pequenina infanta D. Isabel XVII, datando de 1616 o casamento
que por elas lhe deu e que escambaram depois da morte de D . Manuel. Na de D . Vicência, filha daquele casal
por nossa autoridade; para ficarem as carta de partilhas3 (1528) feita por (. . J dentro do oratório das casas de
do dito Tristão da Cunha ao cardeal e morte de sua mulher, D. Antónia, D. Guiomar Henriques nos Paços
as do cardeal ao dito Tristão (.. J e isto antes da partida dos filhos - Nuno , de Xabregas (.. Js. Outros dois filhos
sem avaliação dos chãos e pátios de Simão e Pêro Vaz - para a Índia, deu a destes, ambos conspiradores de 1640,
ambos os ditos assentos que ainda não eles todos três misticamente o dinheiro ali são referenciados: o diplomata
são feitos (.. J'. A propriedade de que El-rei (. . J tomou da troca das Francisco de Melo , monteiro-moI', e
Xabregas entrava dessa forma na posse casas de Xabregas, que passava de um Jorge de Melo . Um, pelo registo matri­
dos descendentes de Tristão da Cunha, conto de réis. Uma vez realizadas as monial (1616)6 e pelo óbito (r65r)7,
em que se manteve até aos nossos dias partilhas e faltando-lhe para cumpri­ casando-se três filhas suas nos anos
com passagem entre vários ramos dessa mento da terça 426 666 réis, tratou de 1 6528, 16549 e 1655'°. Quanto a
mesma família. Tristão de os haver (. . J pelas casas de Jorge de Melo afirma o conde de Eri­
Tristão da Cunha, senhor de Gestaçõ e Xabregas, as quais casas com todo o seu ceira que promoveu em Xabregas algu­
Panóias, ilustre navegador e embaixador assento como ora estão foram avaliadas mas das reuniões dos conjurados" e, em
de D . Manuel ao papa, a quem presen­ em 500 000 réis. Por herança tocou 1661, permanecia (. . J nas casas de
teou com o primeiro elefante vindo da a propriedade ao filho primogénito , o morada (.. J em Xabregas'2 , falecendo
Índia, entrou assim na posse das casas não menos célebre Nuno da Cunha, em 1665.

33
Planta do piso térreo de São
Francisco de Xabl'egas,
levantada após a saída dos
frades em 1 834. AHMF,
Plantas do Ministério do
Reino, Cx. 5270, IV/C/ l 1 4(5 I),
Legenda: I - Corpo da
igreja; 2 - Sacristia;
3 - Casa De profundis;
4 - Refeitório;
DOO
5 - Cozinha;
6 - Arrecadações;
7 - Casa do Capítulo;
8 - celas; 9 - Claustro;
1 0 - pátios; I I - Portaria;
1 2 - Capela da Paixão;
1 3 - Capela; 1 4 - casa da
lenha; 15 - latrina;
1 6 - escadas para o 1 .0
plano; 1 7 - jal'dim;
1 8 - caixas de latrinas;
1 9 - poços.

IAlmeida, Fortunato de, Histól"ia da Igz'eja em 7 Lopes, Fernão, Crónica do Senhor Rei D. Fernando, 15 Senão, Vitor, "Documentos dos pI'otocolos notal"iais
POI'lugal, Porto - Editora Portucalense, 1967-71. Biblioteca de Clássicos Portugueses, VaI. III, de Lisboa C . . )", in Boletim Cultural, n . O 90, 1 . 0 e 2 . °
pp. 143-146. p . 62. Tomos, p p . 101-102.
6
2 IANrIT, Chancelaria de D . Monso V, L. ° XV, 3 Compilação das escripturas da Ordem de Christo 1 Andrade, Ferreira de, Palácios Reais de Lisboa,

fls. 118v. Doe. transcrito por Viterbo, Sousa, ordenada por Alvará dei-rei D. Sebastião; 2 . a parte. Lisboa, 1949, p. 51. Transcreve este autor várias
Diccion8l'io Historico e Documental dos Architectos, Escrituras de Doações, testamentos, etc. , n. o I, passagens da CI'ónica Suáfica e do Memol"ial.
Engenheiros (. . .), Lisboa, Imprensa Nacional, 19°4. fls. 120-121. 17 Branco, Manuel Bernardes, Histól"ia das DI'dens

pp. 499-5°1. 9 IANrrT, Colecção Especial, Diplomas Emanados do A.fonáslicas em Portugal, Lisboa, Livraria Editora d e
3 Soledade, Fr. Fernando da, Historia Serafica Poder Real. ex. 3 2 . n . 04-7. Tavares Cardoso e Irmão, 1 8 8 8 , p . 126. Transcreve a
Chronologica da Ordem de S. Francisco na Provincia 10 Conceyção, FI'. Apollinario da, Cla ustro Fnnciscano, CJ'ónica Seráfica, T. I. p. 187.
Lisboa, 1705, ParI. III, L.0 I,
de Portugal, Lisboa, Offi.cina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1740, 1& Mendonça, JoachimJoseph Moreira de, Historia

Cap. XXVII . p. 1 2 2 . p·38. Universal dos Terremotos, Lisboa, Officina de


4 Belem, Fr. Jeronymo de, ChJ'onica Senlfica da Santa
r
I Sobre a La condessa de Atouguia \,jd. Viterb o , Sousa. Antonio Vicente da Silva, 1758, p . 135.
Provinda dos Algarves (. . .), Lisboa, 1755, T. III, p. 13. «A avó materna de Mfonsa de Albuquerque», 19 Portugal, Fernando e Alfredo de Matos, Lisboa
5 Santiago, Fr, Rodrigo de, Memorial d a Santa ln Auhivo Historico POJ·tuguez, Lisboa, 19°3. Vol. I , em 1758 - A.femórias P8J'oquiais de Lisboa, Lisboa,
Provinda dos Algarves da Ordem Serafica, IANITT, pp. 409-421 1974·
CSFX, p. 1 4 . ., BNL, Cad. 648. 2°IANITT. CSFX, Notícia dos Breves Apostólicos,
6 Compilação das escripturas d a Ordem d e Christo I] Oliveira, Cristôvão Rodrigues de, Lisboa em 1551 - Cartas e Decretos Régios C ..), n. 274.
2 1 IANrIT
ordenada por Alvará dei-rei D . Sebastião; 2, a parte, Sumário, Lisboa, Livros Horizonte, 1987, p. 73. , CSFX, Notícia dos Breves C . . ), n. 273.

Escrituras d e Doações, testamentos, etc., n . o 2, fls. '" Soledade, Fr. Fernando da, ob. cie Part. III, L.0 I, n Pereira. Luís Gonzaga, A.fonumentos Sacros de Lisboa

118v-1I9· Cap. XXXI . p . 133. em 1833. Lisboa, BNL, 1927. pp. 2II-212.

31
arquitectónico mais interessante é, sem
dúvida, a grande igreja de planta centra­
lizada, prejudicada na fruição do seu
espaço magnífico por uma inestética
bancada provisória imposta pela adap­
tação a teatro. Sem se pôr em causa a
acção meritória do Teatro Ibérico que ali
funciona, cuja persistência é de louvar,
seria conveniente que a sua continuidade
fosse conciliável com a salvaguarda de um
espaço daquela qualidade, sem dúvida a
mais notável igreja - a par com as da
Memória e dos Mártires - erguida em
Lisboa no período de reconstrução
pombalina. Seria indispensável reabrir a
grande tribuna do coro - outrora desti-

nada ao órgão - imprescindível entrada


de luz e introdutora de um sentido
cenográfico barroco de belo efeito .
Realce-se a fixação n a solução da planta
centralizada - não redonda ou elíptica,
mas sim oitavada - interessante perma­
nência de um gosto muito em voga no
período de transição do barroco lisboeta,
de que as igrejas do Bom Sucesso, ainda
do século XVII, ou a do Menino Deus, já
dos primeiros anos do século XVIII, são,
entre outras, sempre citados paradigmas.
São Francisco de Xabregas merece,
assim, quer pela qualidade arquitec­
tónica, quer pelo relevo das figuras
envolvidas na sua construção , uma
atenção que infelizmente não tem"
merecido, nem da parte dos podere�
públicos, nem dos estudiosos do pa­
Dois asp�ctos da escadaria interior de São Francisco de Xabregas. um dos apontamentos arquitectónicos mais bem conservados. trimónio lisboeta. (JSM)


- como o remate em frontão contra­
curvado visível nas duas fachadas
parecem justificar essa aproximação e ,
sobretudo, o tratamento excepcional
que os franciscanos observantes pare­
cem ter merecido da parte de um poder
político pouco inclinado às concessões
eclesiásticas. D. Frei Manuel do Cená-
culo surge, assim, como um dos mais
constantes esteios das reformas pom­
balinas no campo do ensino e cultura,
recebendo com mãos largas os apoios
indispensáveis para obras de tal magni­
tude , como as levadas a cabo nesses dois
conventos da sua Ordem.
D. Frei Manud do Cenáculo. principal impulsionador da «,cons­
trução de São Francisco, segundo retrato publicado na ft,lemoria
O esquema adoptado na nova cons­
descripti1'3 do Assalto, Entrdda e Saque da Cidade de E\·ord (. . .) 1887.
trução insere-se num padrão comum
Fachada da Igreja de São Francisco de Xabregas.
II - COMENTÁRIO em Lisboa, de que o inacabado projec­
to de Santos-o-Novo ou o Mosteiro de sacadas, aliás de recorte idêntico a outras
A actual imagem externa de São Fran­ São Bento, ambos dos primeiros anos existentes na antiga parte conventual
cisco de Xabregas decorre da total re­ do século XVII, parecem ter sido os do referido Mosteiro de Jesus (hoje Aca­
construção que o edifício sofreu depois modelos. Trata-se de uma grande fa­ demia das Ciências).
do terramoto, sob a égide de D. Frei chada rectangular com a igreja exaltada Apesar das profundas transformações
Manuel do Cenáculo e o apoio activo do ao centro e dois corpos simétricos de internas sofridas por este edifício devi­
marquês de Pombal. Trata-se, pois, da cada lado . O traçado vertical da igreja­ do às adaptações industriais a partir de
mais importante construção conventual originariamente completado pela desa­ meados do século XIX, ainda subsistem
construída de raiz no período pomba­ parecida cobertura mais alta do corpo significativas estruturas da arquitectura
lino , devendo aproximar-se das obras central (como surge no desenho de primitiva, algumas delas em vias de
então também realizadas na outra casa Gonzaga Pereira) - é acentuado pelo recuperação - caso do claustro - por
da mesma congregação, o Convento de toque elegante - embora pesado - do iniciativa dos actuais responsáveis.
Jesus (hoj e freguesia das Mercês) cuja frontão contracurvado que contraria Cite-se a portaria, recentemente res­
reconstrução (não total) se deve também o pendor horizontal do conjunto , taurada, a escadaria conventual, ainda
ao mesmo patrono - o referido D. Frei animando em gosto ainda barroco um revestida de azulejos pombalinos, e
Manuel - tendo essa casa a particulari­ prospecto marcado por uma sobriedade o referido claustro, de grande sobrie­
dade de ser vizinha das propriedades chã. Essa insinuação barroca é pros­ dade nas suas arcarias de pilastras, até
de Pombal, na Rua Formosa (hoje de seguida no desenho cuidado do coroa­ hoj e coberto e subdividido em várias
O Século) . Algumas afinidades de gosto mento de algumas das janelas com dependências. Mas o apontamento

29
Na sua descrição, em 1833 , Gonzaga
Pereira diz que o mosteiro era compos­
to por (. . .) quinze dormitórios, grande
livraria, enfermaria, casa de conclusões
como em poucas partes, e tudo con ­
servado (. . .)22 . O mesmo autor refere ,
entre outras peças, a existência de gran­
de número de imagens de madeira,
l' ___ -.�...:... _
dirigidas por José de Almeida, a ins­
Fachada de São Francisco de Xabregas e, ao lado, as armas reais inseridas na moldura do frontão superior do corpo da igreja.
tância de D. João V, a estampa de
Frei João dos Arcanjos registou a cele­ suas portas todas de caixilhos com vi­ Nossa Senhora das Dores, gravada por
bração das cerimónias da bênção da draças e da mesma sorte todas as janelas Francisco Bartollozzi e um quadro de
nova igreja (7.3 . 1771) , descrevendo-a da igreja e coro. Sobre estas está o órgão Guido Reni. Logo no ano seguinte era
(. . .) completamente acabada, assim de com uma bem guarnecida varanda que a sua igreja profanada e saqueada. Com
pinturas no tecto e quadros, como de ocupa toda a parede, ficando as outras a extinção das ordens monásticas e con­
talha em todos os altares2I• No da duas paredes do dito coro todas guar­ sequente saída dos religiosos, o antigo
tribuna da capela-mor, junto às quatro necidas de retábulos. O arco para a edifício conventual foi ocupado por
colunas , erguiam-se quatro grandes parte do corpo da igreja o guarnece uma diversas corporações militares, depois
imagens: S. Domingos, S. Boaventura, grade de pedra sobre a qual está uma substituídas por actividades fabris que,
S. Francisco e Santo António, e nos dois charola de talha com um crucifixo juntamente com dois grandes incêndios
nichos que estão no meio da capela-mor grande de marfim. À trasladação do (1844 e 1878) , o descaracterizaram
uma estátua de S. Pedro , e outra de Santíssimo Sacramento da igreja velha profundamente. Primeiro, a indústria
S. Paulo. Assim descreve o xabregano o para a nova assistiram, entre várias de­ de fiação e lanifícios, depois, os tabacos
novo templo : Tem o corpo da igreja zenas de altos dignatários, Frei Manuel (ver Guia do Património Industrial) .
uma teia de pau-preto e amarelo, e das do Cenáculo, o principal Costa, os Actualmente acolhe serviços do Insti­
mesmas madeiras oito confessionários marqueses de Pombal e o de Penalva, tuto de Emprego e Formação Profissio­
com ralos de arame amarelo que saem os condes da Vidigueira, o de Vale de nal (IEFP) e na igreja está instalado o
da dita teia. Duas varandas de talha e Reis e o da Azambuja. Teatro Ibérico . (JFP)
nos arredores e das especiarias, açúcar e camareiro -mor de D. João III, recebeu
pescado dados pelo rei. A austeridade licença dos frades para fazer ali junto
dos xabreganos está bem patente no umas casinhas térreas para vir ter nelas
recheio das suas celas: barra, enxergão, as doenças (. . .) prometendo que por
colchão, 2 cobertas, 2-3 cadeiras, 2-3 sua morte as derrubaria. Seu filho não
tamboretes e 1-2 bancas'". Primitiva­ cumpriu tais disposições, antes fez um
mente de modestas dimensões o mos­ divertido jardim para seu recreio,
teiro teve de aumentar em tamanho para fazendo do edifício casas de jogo e o u ­
acompanhar o número crescente de reli­ tras demasias e desconcertos/5•
giosos. De 50 frades e 6 servidores em Refira-se a nota curiosa de, no ano de
155113, passou para 90 religiosos em 1557, (. . .) comunicava-se o mar ainda
1620 e 144 em 1758. naqueles tempos com o ribeiro que
Para o seu acrescentamento - edifício e corre junto à fonte da Samaritana, por
terrenos - contribuíram vários patro­ onde entrava (. . .) um braço dele, o
nos ao longo dos temposl4-, destacan­ qual distando pouco do convento, e
do-se a Casa de Atouguia com o seu não havendo ainda para aquela parte o
palácio encostado ao mosteiro , incor­ dormitório grande, esta foi a causa da
porado nos bens da Coroa em 1759 ruína que ainda hoje testemunham Portal latt:ral do Conv�nto de São Francisco, possivdmenle uma
das unicas reminiscências do conjunto anterior ao terramoto.
depois de o conde ter sido um dos alguns livros que se acham na livraria/7•
sentenciados do atentado a D. José. O terramoto de 1755 marcou a história D . Frei Manuel do Cenáculo , com
Tinha tribuna para a capela-mor - deste edifício . Moreira de Mendonça maiores dimensões e diferente estrutu­
cujo retábulo foi dourado e estufado diz que (. . .) padeceu muito em igreja, ra e orientação. A nova igreja, de plan­
pelo pintor de têmpera Tomé da Costa e dormitórid8• Já o cenário pintado ta centralizada, deixou de estar virada a
Resende (1648)15. Benfeitores da insti­ pelo prior da freguesia (1759)19 é mais sul , para passar a olhar o rio . A sua pri­
tuição foram também D. Gonçalo de negro , dizendo que padeceu total ruína me ira pedra foi lançada em 2 4 . 5 . 1766
Castelo Branco, senhor de Vila Nova (. . .) em forma que necessita todo ree­ pelo secretário de Estado Francisco
de Portimão , a rainha D. Leonor, e dificado, estando os religiosos vivendo Xavier de Mendonça. A cerimónia, a
D . João II a quem os xabreganos com grande discómodo nas habita ­ que assistiram seus irmãos, o conde de
ficaram a dever a sua cerca, estendida ções de madeira que na cerca fizeram, Oeiras e Paulo de Carvalho, além da
pelo monte que o rei lhes doara, e onde sendo -lhes impossível a restauração do mais fidalguia da Corte, foi realizada
fizeram uma ermida. Para enriqueci­ convento e igreja pelas limitadíssimas (. . .) no claustro velho deste convento
mento da igreja contribuíram os reis esmolas com que tem sido socorrido. (. . .) tendo-se colocado um cofre de
D. Sebastião e D . Catarina, D . Maria Só se tem reparado o princípio de um pedra cheio de relíquias (. . .) no lugar
Henriques, João Pestana, Estêvão Fer­ dormitório, o refeitório quase acaba ­ em que vai a parede da tribuna por trás
reira da Gama e Gil Anes. Outros, do, e a cozinha em que se vai cuidando. do altar-mar, ao lado do Evangelho,
atraídos pelos bons ares de Xabregas, A casa franciscana foi reconstruída, sob cujo chão servia de claustro antiga -
como D . Francisco de Castelo Branco, a égide do marquês de Pombal e de mente20•

27
SÃo FRANCISC O D E X AB REG AS Guia da Azulejo), o aspecto geral resulta fundadora, D. Guiomar de Castro.
NO P AINEL D O MUSEU D O AZ ULEJ O das grandes obras levadas a cabo por Frei A capela-mor era o panteão da família, ali
(F OTO A.N.F.) Diogo César, no século XVII, adaptando sendo sepultada, entre outros membros
Como esta imagem nos elucida, ao romano a primitiva construção, como desta antíga casa, a condessa D. Filipa de
o Convento de São Francisco de Xabregas conta o cronista da Ordem. Realce-se Vilhena, figura lendária da Restauração.
anterior ao terramoto nada tinha a ver o pórtico de três arcos, conhecido por O palácio desapareceu no processo de
com o edifi c io de hoje. Além de mais pórtico capucho dada a sua constante reconstrução do novo convento
modestas proporções, a fachada da igreja utilização nas construções das várias pós-terramoto. Dessa construção
estava orientada a sul, abrindo sobre o congregações franciscanas. Junto ao primitiva a única reminiscência será u m
Terreiro de Xabt'egas. Como este painel é convento, com tribuna sobre a portal de desenho mais antigo ainda
de finais do século XVI I (segundo a capeia-moI', erguia-se o Palácio dos subsistente na fachada, possível porta
recente atribuição de José Meco - ver Condes de Atouguia, herdeiros da lateral da primitiva igreja. OSM)
� C 0 n V E nT0 D E S . F RA n C I S C 0 D E X A B R E GA S

I - RESENHA HISTÓRICA Frei Estêvão de Aguiar de (. . .) toda a


pedra e cantaria e argamassa das paredes
C ONVENTO de Santa Maria de e arcos e portais dos nossos Paços de
O Jesus de Xabregas,
• cabeça da Xabregas que são acerca da cidade de
Província dos Algarves dos franciscanos Lisboa (. . . )9 , autorizando-o a desfazer
observantes desde 15331, foi fundado aquelas paredes para a construção ,
pela condessa de Atouguia, D . Guiomar noutro local, de um oratório , origem
de Castro , avó materna de Afonso de do Convento de S. Bento de Xabregas
Albuquerque, em 1460. Detentora de (Beato).
imensa fortuna, a quem até o próprio Foi desta propriedade que D . Afonso V
rei recorria, pediu ela a D . Afonso V, fez mercê por esmola livre pura irre­
porquanto não achava nenhum lugar vogável doação internvos a D. Guiomar,
tão disposto para isto como o vale de iniciando-se o novo mosteiro francis-
Xabregas por ser perto do mal' e isso cano, ainda em 1455. Refira-se que já
mesmo da dita cidade (. . . ) , lhe quisesse no dito log06. Deles já não usufruiu a em 1450 D . Afonso V intentara fundar
outorgar as casas e pardieiros que fo ­ dinastiajoanina, tendo sido destruídos ao casa aos franciscanos naquele mesmo
ram paços que são em o dito logo de tempo do rei D . Fernando. Ao descre­ local, o que não se concretizou. Os reli­
Xabregas, com o laranjal e certo pedaço ver o cerco de Lisboa pelos castelhanos, giosos que vieram da ilha da Madeiraro
-

de terra nossa que é horta, tudo junto Fernão Lopes diz que estes (. . .) quei­ - em 17.4.1460 receberam o novo mos­
com os ditos paços para em eles mandar maram uns graciosos paços d'el-rei, teiro, entregue solenemente pela con­
fazer o dito mosteiro'. cerca da cidade, junto com o mar, onde dessaIl , com as condições de sempre se
Vários cronistas fazem referência a estes chamam Xabregas, no começo de um manter na família dos observantes e da
antigos paços - já com os ameaças vale de muitas e aprazíveis hortas (. . . )7. capela-mm' do templo ficar reservada
da ruína estavam totalmente desampara ­ D. João I ainda pensou na sua recons­ para seu jazigo e de seus descendentes.
dos3 onde �s monarcas da I. a dinastia
- trução , trocando umas casas suas por A igreja não só acolheu o panteão dos
se recreavam, retirando-se dos rebuliços duas almuinhas com seus chãos e vínha condes de Atouguia, seus patronos e vizi­
da corte e para divertimento pelo agra ­ da Ordem de Cristo (. . .) em Xabregas nhos durante séculos, como a sepultura
dável da vista< (. . . ) ou (. . .) por ser o sítio onde o dito senhor rei queria fazer uns de muitas outras figuras, como o vizi­
mais são, deleitoso e alegre que têm Paçosjunto de outros quejá aí tinha (. . .) nho Tristão da Cunha, o cronista Duarte
todos os arredores de LisboaS. D. Pedro I e que as ditas suas almuinhas podiam Gaivão , ou o pintor Vieira Lusitano .
possuiu-os de facto , pois refere uma receber dano da feitura dos ditos paços e Não tendo rendas o convento manti­
sentença sobre umas almuinhas em da pousada delesB• Contudo , tal recons­ nha-se de esmolas, cuja soma rendia
Xabregas, que partiam com (. . .) rossio trução não se verificou, encontrando­ 4650 cruzados anuais, provenientes de
do concelho e com caminho que vai -se os paços em ruínas quando , em missas, dos alforges, benesses particu­
de Lisboa para os meus paços que são 1426, o mesmo monarca fez doação a lares, vinho , azeite e carne, que pediam

25
T a l v ez p o r o v e l h o p a ç o d e
X a b r e g a s t e r fi cado d a n i f i c a d o p e l o
t e rr a m o to , o 4 . ° c o n d e d e U n h ã o ,
m o rto e m 1 7 5 9 , m an d o u i n i ci a r
uma nova residência n a extensão
p o e n te d a s u a q u i nt a , c h a m a d a a
A m o r o s a , a b r i n d o d i re c t a m e n te
s o b r e a E str a d a d e C h e i as .
E s t e e d i fí c i o , q u e o s R e g i s t o s
d a D é c i m a, a par t i r d e 1 7 6 2 ,
d e s i g n a m p o r q uarto i n a c a b a do,
n u n ca c h eg o u a s er c o m p l e t a d o ,
fal t an d o - l h e o i m pr e s c i n d ív e l
a n d a r n o b re d e sacadas,
bem c o m o o utr o s cor p o s .
N o e n tanto, a n ec e s s i d a d e d a s u a
c o n s t r u ç ã o p ar e c e confi r m ar s e t e c e n t i s t a s . Parece, ass i m , d es c o n t a d o s o s a r r a n j o s
o m a u e s t a d o e m q u e se e n c o n tr a v a i n fer i r- s e , a p e s a r d a a u s ê n c i a d e e m o d i f i c a ç õ e s o i to c e n t i s t a s ,
o v e l h o p a ç o , q u er por for ç a d o c o n fi r m a ç ã o d o c u m en t a l , a i d e i a datará d a i n s t a l a ç ã o defi n i t i v a d o s
s i s m o , q u er d e v i d o à i n a d e q u a ç ã o d e q u e a a c t u a l i m a g e m exter n a m ar q u e s e s d e N i s a , o u seja,
a o s r e q u i si t o s p a l a c i a n o s d o P a l á c i o d e X abr egas, d o ú l t i m o q u a rt e l d o século X V I I I .

I Sousa, Frei Luís de, Anais de D . João III, Livraria 13 Barbosa, Vilhena, Az'quú'o PitaI'csco, VaI. VI , p . 8 6 . �6 Andrade, Ferreira de. Palácios Reais de Lisboa,
Sá da Costa - Editora. Lisboa, 1938, p. 39. 1 1 IANfTT, C . M . D . , C x . I , Doe. 3 6 . ob. cit.. p . 3 8 .
:I Ferreira de Andrade, Palácios Reais de Lisboa, 15 IANfTT, C . M . D . , C x . I , N . o 3 3 . 27 IANfTT, Chancelaria d e D . João V , L. ° IOO,
Lisboa,Editorial Império, 1949. pp. 1 3 - 1 9 . 16 IANfTT, C . M . D . , Cx, I , D o e . 3 6 . fls. 243-243v, L . 0 1 0 5 , fls. I09V-IIO, L . 0 107,
3 B.N. C o d . 11352, p p . 46-48. '7 IANfTT, Chancelarias de D . Filipe I I , L . 0 1 2 , fls. 266v-267v. L. ° 117, fls. 315v-316.
4 IANfIT, CSFX. Tombo das obrigações das capelas, /Js. 353v-354, L . 0 10, /Js. 355v, L . 0 1 6 , /Js. 31, L . 0 1 7 , 1111 Portugal, Fernando e Alfredo de Matos, Afemóáas
fls. 8Sv e segs. fls. 101, L . 0 2 0 , fls. 231, L.0 4 5 , f l s . 2 6 0 ; D . Filipe III, Paroquiais, Lisboa, Coimbra Editora, 1974, p. 114.
5 Veloso, Queiroz, D. Sebastião, Lisboa, 1935. Empresa L.0 5, /Js. 254, L . 0 2 5 , /Js. 82 e 8 6 , L.0 27, /Js. 2 9 1 ; '9 IANITT, RGT, L. ° 271, /J. 43V.
Nacional de Publicidade, p . 2 9 . Chancelaria de D . João IV, L. o 1 8 , f l s . 152v-154v 30 IANfIT, RGT, L. ° 2 7 1 , fls. 4I-44v.
6 Machado, Diogo Barbosa, Memórias d e el-z-ei e L. o 20, fl. 2 1 8 , 31 Barreto, D. José Mascarenhas, Alemórias do A'[arquês
D. Sebastião, Parto I, L . o I, C. VI, p . 7 7 . •8 IANITT, C . M . D . , C x . I, Do". 3 5 , 39, 4 0 , 7 2 , 7 3 , 74. de FI'onteiJ'a e d 'Alol'na, (1802-1824), Coimbra•
7 Livro I de Canso e d e c . de el r e i D . Sebastião. n. I 19 lANfTT. C . M . D . , Cx. 1 , Doe. 34. '926, p. 102.
(Arquivo Municipal). �o lANfTT, C.M.D., Cx. I , Doe. 36. Vid. does. 34 e 3 7 . 32 Noronha, Eduardo d e , O último mal'qués d e Nisa,
8 B . N . Cod. 938. cap. 39. pp. 5 1 - 5IV - Memorial de 111 IANfTT, C.M.D . , C x . I , N . o 3 5 . Porto, 1909, p. 2 0 .
Pêro Raiz Soares, iniciado em 1565. �2 IANfTT, Chancelaria de D . Filipe II, L. O 2 , fls. 232v, 3 3 Idem, p . 4 0 .
9 Belem, Frei Jeronymo de, Chronica SeI'afica da Santa L . 0 3 . fls. 232v e 356, L . 0 7 , fls. 88v. L.0 9 , fls. 8 2 , 31 Guimarães, J . Ribeiro, Sum31'io d e 'faria HistoJ'ia,
Provincia dos Algarves, Lisboa, 1755, Tomo III, L.0 2 5 , /Js. 2 6 v ; D . Filipe III, L . 0 1 3 , /Js. 243, Lisboa, Rolland & Seuiond, 1 8 7 5 , p . 184.
p . 160. L. ° 2 5 , /Js. 8 6 .
la
B . N . C a d . 938. cap. 7. p p . 12- 12v. �3 lANfTT. Chancelaria de D . Filipe I I I . L . ° 2 5 .
" B .N. Cod. 938, cap. 3', pp. 46-46v. /Js. 8 7 - 8 7 v
111 Holanda, Francisco, Da Fábáca Que Falece à Cidade �4 C . M . D . , C x . I, Doe. 3.
de Lisboa , ln Renascença Portuguesa , VaI. IV, Porto, �5 Meneses, Luis de, Conde d a Ericeira , História
1879. p . 10 - ed. critica ao autógrafo de 1571. de pOI·tugal Restaurado, Lisboa, 1698, VaI. 11,
fols. I4v-15v. p . 108.

23
fendida de gosto clássico é a principal Registos da D écima, referindo -se a
reminiscência existente da construção construção inacabada pelo 4. o conde
joanina. Aliás, realce-se que o mesmo de Unhão de um novo palácio na parte
corre sensivelmente à mesma altura que alta da propriedade da Amorosa, sobre
o piso da nova Igrej a da Madre de Deus, a Estrada de CheIas, decorrendo possi­
reforçando a ideia de unidade entre os velmente desta iniciativa a confusão
dois conjuntos. sobre a existência de obras no velho
Já em tempo dos Filipes, e por influên­ edifício junto ao rio . O quarto cons­
cia de D . Cristóvão de Moura, foi o truído por esse senhor ainda se pode
paço doado em dote à sobrinha deste, apreciar na esquina da referida Estrada
D. Margarida de Távora, para casar de Chelas com a Rua da Amorosa.
com D. Martim Afonso de Castro , N o interior, resistiram ao incêndio e às
depois vice-rei da Índia. A essa senho­ adaptações o grande pátio quadrado , a
ra se deveITl grandes obras de transfor­ escadaria interior - talvez um dos
mação , erguendo-se então o tal andar poucos apontamentos mais antigos, de
nobre que nunca chegara a construir­ desenho muito sóbrio de matriz clássi­
-se. Vários autores referem que as ca -, e a cozinha abobadada de dimen­
grandes obras de transformação e sões pouco habituais em palácios
acabamento das fachadas do palácio que privados, mais ajustada ao movimento
Pormenor da cimalha e coruchêu. compõem a sua imagem actual se deve­ de um paço real. Quanto à capela, infe­
Outra dúvida sobre o paço constitui a ram ao 4 . o conde de Unhão, infor­ lizmente em situação que não permite
referência que lhe é feita por Francisco mação que seguimos em obra anterior fotografá-la em condições, são nulas
de Holanda. Dela inferiu Jorge (Lisboa, Um Passeio a Oriente) . No as informações sobre a data da sua
Segurado a atribuição ao mesmo do entanto , parece de corrigir tal infor­ construção . Realcem-se os alçados com
proj ecto inicial, o que ele próprio mação por duas notícias contem­ serliana das tribunas laterais da capela­
parece contrariar afirmando apresentar porâneas. Em 1758 é afirmado que pelo - moro (JSM)
algumas imperfeições, ou descuidos no terremoto padeceu ruína o quarto alto,
desenho, afirmação descabida em obra o qual se mandou lançar abaixo estando
própria. Mas o mais importante hoje o palácio só no segundo quarto, o
consiste no desenho de lembrança que que parece confirmar que a actual
Holanda anexa ao seu texto, onde se imagem externa resulta de obras poste­
exalta o grande soco em que ainda hoje riores a esta data, muito possivelmente
o edifício se suporta . Aliando esta após o Palácio de Xabregas se ter torna­
imagem à informação posterior das do residência principal dos marqueses
freiras de que o edifício não passara dos de Nisa, uma vez que perderam com
entressolhos pode aceitar-se que esse o terramoto o seu palácio junto a São
soco de cantaria almofadada de junta Roque. A segunda notícia consta dos

22
termo. A criadagem constituía um bata­ II - COMENTÁRIO
lhão33. Jogador, perdia numa noite o pa­
trimónio de uma família, sem pestanejar! o velho paço de Xabregas é um edifício
- esbanjou a fortuna da Casa de Nisa, que tem andado envolto nalguma
incluído o Palácio de Xabregas, vendido nebulosidade histórica quer na sua
depois de hipotecado - após ter hospe­ génese, quer nos sucessivos proprie­
dado o político espanhol general Primo tários. D . João III adquiriu (1556) os
Deste fidalgo boémio partiu a iniciativa terrenos ribeirinhos que ficavam entre
na Câmara dos Pares da lei de abolição São Francisco e a Madre de D eus a fim
dos morgadias. de construir um paço junto a este últi­
Depois de vendido a um particular mo convento, e mantendo até São
(I862) o palácio foi adquirido pelo Francisco um vasto logradouro , defini­
Estado em I867, ano em que sofreu um tivamente batido e ampliado em I575 ,
grande incêndio que o descaracterizou já por D . Sebastião. Ora se pensarmos
totalmente, poupando apenas a capela. que é da iniciativa do mesmo D. João III
Um dia depois escrevia Ribeiro de a transformação da modesta casa inicial
Guimarães acerca do edifício : o governo das Clarissas, fundação de D. Leonor,
Porlal nobre de acesso ao pátio.
adquiriu em praça o palácio, pela quantia construindo a nova igreja sobrelevada e
de 22 contos de réis, se bem nos lembra, o magnífico claustro , paredes-meias à própria Ribeira , construções de
e foi à praça porque estava hipotecado a com o novo paço , não se pode deixar de D. Manuel eivadas de barbarismos para
um credor da casa de Nisa, destinando -o conjecturar na relação entre eles, desti­ a opção estética pelo gosto ao romano
desde logo a asilo para a mendicidade. nando -se possivelmente a nova igreja de D . João III. Hoje não se pode deixar
O governo já havia feito obras consi­ do padroado real a servir na dupla de lastimar que o tempo de um ano
deráveis no palácio, talvez no valor de função de templo monástico e capela entre o início das obras (r556) e a
mais de 20 contos (. )34 A instalação do
. . . real, pressupondo uma ligação física morte do rei (I557) tenha sido curto
Asilo D . Maria Pia, em I87I, com capaci­ entre os dois edifícios, que de facto para acabar o novo paço , pois , como
dade para recolher 800 individuas - ao ainda existia na planta anexa - anterior nos elucida um documento da Madre
qual foi anexado o edifício do extinto às grandes transformações do século de D eus , não passara ( . ) dos entres­
. .

Convento da Madre de Deus - implicou XIX - e o cronista da Ordem confirma solhas (. ) e assim se vê em algumas
. .

grandes obras, entregues a José Maria (I75 5) , dizendo que a rainha D . Cata­ partes da dita obra que o intento era
Nepomuceno, que não foram as últimas rina intentou continuar os seus paços ( ) fazer-se no alto deles o aposento
. . .

do século XIX. Em I884 a capela e par­ a té ele, como mostra ainda hoje o seu real. De facto , o seu acabamento teria
te do edifício foram cedidos à Escola risco. O projecto régio de Xabregas, ditado um tratamento diferenciado do
Industrial Afonso Domingues. Já no que ganha assim outro enquadramen­ sítio de Xabregas, já que seria mais difí­
século XX , por decreto de 31.I2 . I942, o to , estabelecia um novo pólo urbano cil ao progresso liberal construir uma
conjunto foi integrado na Casa Pia, agora de referência na cidade, funcionando linha de comboio ao nível do primeiro
Colégio de D . Maria Pia. (JFP) como alternativa quer a Belém quer andar de um paço real.

21
(futuro duque) de Palmela, e D. Fran­
_,o
cisca Xavier, com o 3 . o marquês de
o

I �� llJ ii
Castelo Melhor. Este último casamento
1

i 'II I -�D;
( _�
0" 00 f 1 constituiu - segundo o marquês de
D oa Fronteira31 - um dos últimos que
I
_ I DO D ·
----- houve nesta capital, em que se obser­
r� vassem os antigos costumes e etiquetas
aristocráticas. E acrescenta : o palácio
magnificamente mobilado pelo pai da
noiva, não era inferior a uma l'esidên-
cia real. Compôs-se o cortejo de 60
equipagens, que se o visse um estran­
geiro ( . . ) pouco conhecedor dos nossos
costumes, julgaria que era o casamento
d'algum príncipe de sangue. Tinham
os marqueses na cocheira, nos primei­
ros anos do século XIX, 12 bestas de
Pátio do palácio.
carruagem, três cavalos de acompanhar
sem que mais nela se trabalhasse. No 5. o conde de Unhão , viveu e morreu e 1 besta de servir a casa.
testamento referiu-se o conde à ermida (1768) em Xabregas, e casou com a 4. a D. Domingos Xavier, 9. o marquês, nota­
que faço tenção de fazer na terra que marquesa de Nisa, unindo assim as duas bilizou-se quer pelo talento quer pelas
hora se chama Siqueiro, junto das casas casas, passando o edifício de Xabregas excentricidades, numa aura acentuada
que determino fazer na estrada que a ser conhecido como Palácio dos Mar­ pela perda de um olho no manejo das
vai da Cruz da Pedra para Chelas'9• queses de Nisa. A propriedade, com­ armas. Tinha fama de estúrdia incor­
Esta obra é confirmada pelos livros de posta do palácio , horta, mais casas e rigível. Mais alto que baixo, bem pareci­
Arruamentos que referem o palácio que lojas, estendia-se até à Samaritana, do, com acentuado porte fidalgo, com
está por acabar na propriedade do prolongando -se pela Estrada de CheIas, inimitável distinção de maneiras era,
marquês de Nisa, no lado direito da com outra na Rua da Amorosa, com nessa época, simultaneamente o homem
Estrada de CheIas. casas e horta. Em 1773 foi avaliada em mais estimado dos que partilhavam do
O testamento de D. Rodrigo (1759)30 4 6 8 4 0 0 réis. A D . Eugénia, 7 . a seu convívio ( . .) e mais temido pela
demonstra as dívidas da Casa de Unhão, marquesa de Nisa (1784), condessa da burguesia de Lisboa, que o supunha a
afirmando possuir um bastão que esteve Vidigueira e de Unhão, sucedeu o filho própria incarnação do Lucifel{J'. Fundou
na mão de S. Francisco Xavier determi­ D . Tomás, 8 . o marquês, que teve um a «Sociedade do Delírio» que deu brado
nando se guardasse em morgado perpé­ único filho, D. Domingos, 9.0 mar­ em Lisboa. A vivenda do marquês de Nisa
tuo com a condição de os sucessores quês de Nisa. Após as Invasões Fran­ ( . .) imitava os antigos palácios dos
imediatamente ao nome da pia usem cesas, a 7 . a marquesa casou duas filhas sumptuosos patrícios romanos - regur­
do apelido de Xavier. D . João Xavier, no palácio: D. Eugénia, com o conde gitava de «clientes» no sentido latino do

20
hipótese de ali se construir um novo
convento de Comendadeiras de Avís,
solução que se tornou mais uma dor de
cabeça para as freiras, alegando que o
novo convento cresceria forçosamente
em edifícios altos (. . .) aumentando o
inconveniente dos edifícios que agora
estão feitos por Dona Margarida.
E acrescentavam que naqueles paços e
casas anexas vivia inúmera gente secular
à sombra do amparo do rei - e assim se
hão -de ir dos paços perto de 200
almas, e muitas delas pobres" .
A D . Margarida sucedeu sua filha
D. Francisca de Távora, igualmente
dama da rainha, que recebeu - entre
outras mercês •• - em dote de D . Filipe Fachada norte do palácio sobre o Largo do Marqul!s de Nisa. antigo Terreiro de Xabregas. com o portal de aceno ao pátio.
III o título de conde para quem com ela
casasse . O contemplado foi Fernão 4. O conde de Unhão, fez obras no palácio. O terramoto afectou bastante o edifício
Teles de Meneses com o título de conde Ferreira de Andrade, desconhecendo que, segundo descrição coeva (1758) ,
deJuro e Herdade e uma vez fora da lei com que fundamento, cita Braamcamp tinha a sua entrada para a parte do
mental da sua vila de Unhão·3 (1630) . Freire que imputa àquele fidalgo, ape­ nascente, obra antiga e tosca, de duas
O palácio , agora na Casa de Unhão , sar de ter a Casa sobrecarregada de ordens de galeria para o Sueste, e Leste,
voltou a sofrer obras no século XVII. dívidas e hipotecas, a edificação do pa­ pelo terremoto padeceu ruína o quarto
Refere um documento (r694) que por lácio de Xabregas·6• De facto , na dé­ alto, o qual se mandou lançar abaixo
ocasião da marquesa de Unhão fazer cada de quarenta, por várias vezes estando hoje o palacio só no segundo
obras nas casas de Xabregas se tirou D . Rodrigo pediu licença régia para quarto·8• Contudo , ficou em estado
daquele lugar o açougue que desde que o brigar bens de morgado , face às habitável, aí morrendo D . Rodrigo
se lembra a memória dos homens esteve grandes despesas e dívidas com que se (17 5 9 ) . Refere a mesma fonte que
nele tão próxim o ao Convento da debatia a sua casa. Os 15 000 cruzados D . Rodrigo , depois do terramoto,
Madre de Deus e ao de S. Francisco·4• anuais que recebera para alimentos determinou fundar outro palácio nas
Após a Restauração aqui esteve presa a (1735) e os mais de 30 000 cruzados de mesmas terras pertencentes ao do sítio
duquesa de Mântua, antes da transfe­ rendas hipotecadas aos credores não lhe de Xabregas na borda da estrada, que vai
rência para o Convento de Santos·5 • bastavam para suprir os gastos , porque da Cruz da Pedra para Cheias, e com
Os velhos paços de Xabregas per­ depois disso tinha (. . .) feito algumas efeito se principiou esta obra magnífica
maneceram nesta casa mais de dois despesas muito precisas na sua Casa de que se vê com grandeza um dos quar­
séculos. N o século XVIII, D. Rodrigo , (. . .) (r741)·7. tos. Suspendeu-se há muito tempo

19
D. Cristóvão de Moura, o que lhe valeu
inúmeras mercês para efeito do seu
casamentaI), entre elas a doação ao
marido dos Paços de Xabregas. Invoca­
vam as freiras, não só os privilégios
concedidos pelos reis, proibindo a
edificação de casas entre a Cruz da Pedra
e o Mosteiro de S . Francisco, nem da
banda do mar, nem da banda de terral8,
bem como a devassidão do mosteiro
perturbando-lhes a clausural9• Alega­
vam (1605) que nestes chãos estão
principiados uns paços reais contíguos
com a cerca do dito mosteiro e há neles
quantidade de casas em que a rainha
Dona Catarina (. . .) viveu muito tempo,
A fazer fé no desenho de Francisco de Holanda. o soco em que assenta o actual Paládo dos Marqueses de Nisa será a única reminisc�nda do
(. . .) porém nenhuma casa se levantou
paço real inidado em 1556 por D. João III.
tanto que fosse mais alta que a cerca do
(ainda que com algumas imperfeições, da cortel3• Deste último quartel do sécu­ dito mosteiro e não passou a fábrica
ou descuidos no desenho) que por sua lo XVI pouco se sabe do palácio, por destes paços dos entressolhos (. . .) e
morte não ficaram acabados (. . . ) e se certo hospedando particulares, nas assim se vê em algumas partes da dita
lhe parecer m uito (. . .) acabe V. A. os palavras das freiras da Madre de Deus - obra que o intento era (. . .) fazer-se no
paços de Enxobregas (. . .). E se tiver depois os reis fizeram mercê a algumas alto deles o aposento real; e porém
saudade do m onte e da caça (enquanto pessoas nobres de moradas nos ditos vendo-se o prejuízo que se fazia com a
é obrigado a ter conta com Lisboa e Paços'4. Do litígio entre as religiosas e dita obra ao (. . .) mosteiro deixaram os
com sua corte) cerque meia légua de uma dessas moradoras, D . Margarida de reis de a continuar, e a que estava feita
terra dali até Chelas e a té além de Távora, que no palácio realizava grandes se cobriu com uma trouxa. Arrastan-
S. Bento, e faça um parque com (. . .) obras, pois as ergue a mais do que a rai­ do -se o litígio por mais de um ano ,
matas e arvoredos (. . .) muito melhores nha as tinhal5 , se sabe um pouco mais da D . Margarida, bem protegida, levou
que as que fez em Fontainebleau El-Rei sua história. Esta senhora era casada com por diante os seus intentos - fez (. . .)
de França". D . Martim Monso de Castro - falecido outras casas altas levantadas por cima
Em 1586 escrevia o padre Sande: o em Malaca em 1607, sendo vice-rei da dos m uros do dito mosteiro, as quais
extremo desta parte da cidade é afor­ Índia - a quem D. Filipe II fizera mercê poderão ter de alto 15 palmos, e com
moseado por outro magnífico palácio de que pudesse viver neles, e fazer alguns janelas menores que as dos paços, e
real que D. João III mandou edificar reparos se fossem necessários'6 . algumas para o dito mosteiro'o.
com grande dispêndio, com o fim de D . Margarida levantou mais um andar O facto de D . Margarida usufruir do
servir aos reis de Portugal para desvio no palácio . Era ela sobrinha do vice-rei palácio há pouco tempo justifica a

18
f) P A Ç 0 D E X A B R E G A S

I - RESENHA HISTÓRICA referindo -se à Madre de Deus, que esta


memorável rainha pela grande devoção

E III numa propriedade à parte de


STE palácio foi iniciado por D . João que tinha a este convento in ten tou
continuar os seus paços até ele, como
Enxobregas, para as casas de D. Fran­ mostra ainda hoje o seu risc09 • Em
cisco d'Eça'. A tradição que a rainha 1569, D . Sebastião se aposentou nos
D. Leonor fora a fundadora do palácio paços de Enxobregas (. . .), com a rainha
foi esclarecida por Ferreira de Andra­ sua avó e o cardeal D . Henrique, e ali
de2 que, todavia, não apurou o local da houve conselho Real todos os dias o
sua residência em Xabregas. Ora é ela qual durou 15 dias contínuos e tapavam
própria que o esclarece na doação à o caminho com alabardeiros que não
Madre de D eus da propriedade que passasse a gente senão ao longo do mar
comprara a D . Inês - onde fizera o e isto por causa dos grandes brados que
mosteiro (. . .) em que às vezes eu por por casas, novas e velhas, com suas lojas davam e do falar alto que os não ouvis­
minha especial consolação pouso e assim e sobradadas, e ainda de mais cinco sem as pessoas que passavam pelo pé das
os meus que me servem3 • D. João III casas térreas do hortelão de baixo e janelas'o.
adquiriu (r556) no vale de Enxobregas outras seis da horta de cima , ficando o Foi D . Sebastião que mandou regu­
um assento de casas, hortas, árvores, e vendedor por almoxarife dos novos larizar em 1575 o grande terreiro ,
olival, entre o Mosteiro da Madre de Paços. entulhado de lenha e terra por cima,
Deus e o Mosteiro de São Francisco de Por morte de D. João III (1557) os onde trabalharam mais de 300 homens .
Enxobregas para nele mandar fazer uns Paços já estavam funcionais, acolhendo À sua volta ergueram-se palanques de
Paços4. O terreno era foreiro ao Hospi­ por largos períodos a viúva, D. Cata­ dois e três sobrados, entre os quais o da
tal de Todos-os-Santos e pertencia a rina, que ali hospedou o padre Fran­ rainha e da infanta D. Maria. Toda a
António Álvares Estaço. Confrontava da cisco de BOlja, enviado especial de fidalguia participante compôs-se com
banda do sul com a praia do mar, assim C arlos V5 , depois do que, devido a os mais ricos jaezes que no mundo se
como vai da horta do Mosteiro da Madre grande tempestade, o palácio de Enxo ­ podiam ver, e riquíssimas camisas mou­
de Deus, do acabamento das parreiras no bregas (. . .) padeceu não pequena ruína riscas, com todos os outros atavios que
lado de longo da praia até ir pelo rio em muitas das suas salas, alagando umas para tal auto se requeriam". Francisco
acima e da parte do Mosteiro de São e derrubando outras6• Falava-se então de Holanda desenhou o palácio de me­
Francisco com o dito rio que vem por da necessidade de um cais para defen­ mória para D. Sebastião, a quem escre­
entre as hortas, e da parte do norte, horta der a propriedade das inundações7 • veu: lembra -me que el-rei vosso avô
que trás António Gonçalves, (. . .) e do D . Catarina aqui morreu em 1 5 7 8 , (. . .) determinou de se aposentar em
poente com estrada que vai da cidade para pouco depois de ali fazer testamento. Lisboa. E para isto (. . .) escolheu o sítio
o Mosteiro de Chelas. A propriedade, O cortejo fúnebre , até Belém , foi de Enxobregas (. . .) em que começou
que custou 100 000 réis, era composta memorávelB• Diz Frei J erónimo (r755), uns paços, os melhores de Portugal

17
o coro da �,íadre de Deus, com o caddral das freiras, exemplar notável da estêlica barroca portuguesa, nascida da harmonia contraditória entre a simplicidade estrutural da arquitectura e a exuberância da talha
e da pintura.

tudo sensível na reinvenção da fachada ' IANITT. C MD . doe.5. I


] Belem, Fr. Jeronymo de, oh. dt., L . 0 XIII, cap. V,
, IANITT. CMD, doe.3. pp. 1 7 ·
e no piso superior do claustrim de 3 lANfTT, CMD, doc.17 . 1 4 Belem, FI'. Jeronymo d e , o h . c i t . , L.0 XIII, cap. XlII,
.. Belem, FI'. Jeronymo de, Chronica Serafica da Santa pp. 51-52.
D. Leonor, a mais recente investigação Provincia dos Algar\'t:s (.. . ) , Lisboa, Mosteiro de '5 Keil, Luís, Boletim de Arte e iL'queologia, Lisboa,
S. Vicente de Fora, 1755, L. ° XIII, cap. I, p. 3. 2.3.1923. n . o 2. pp. 37-41
parece poder enquadrá-la na perspecti­ 5 Belem, Fr. Jeronymo de, oh. cit., L . 0 XlII, cap. I , 16 Portugal, Fernando e Alfredo de Matos, Lisboa em
pp. 3 · 1758 - Memól"ias Paroquiais, Lisboa, 197'h pp. III,
va de um gosto neogótico então muito 6 BNL, eod. 11.352, pp. 46-48. 309-310 e 320.
7 BNL, ms. 246. n.
o 53 17
em voga, com outras intervenções pon­ Mendonça, JoachimJoseph Moreira de, Historia
, IANITT, CMD, doe. 72. Unh'el'sal dos Te1'l'emotos, Lisboa, Officina de

tuais da mesma responsabilidade nesta 9 Documentos do Arquivo Histórico da CML. Lisboa. Antonio Vicente da Silva, 1758, pp. 132.
CML, 1964, Livros de Reis, VIII, doe. n. ° 3 6 , 1� Castro, João B . de, A1appa de Portugal Antigo e
Zona Oriental, caso provável da capela p · 40. lIfoderno, Lisboa, Officina de Francisco Luiz. Ameno,
la Cardoso, Jorge, Agiologio Lusitano, Lisboa, ofr. 1763, T. III. P. V, pp. 273-274.
da Quinta do Roma ou das pinturas Craesbeckiana, 1652, coI. 2. a , T.I, pp. 375. 19 Telles, Liberato, A-fosteiro e egreja da Madre de Deus,
II
Belem, Fr. Jeronymo de. oh. cit.. L.0 XIII. Cap. II. Lisboa, Imprensa Moderna. 1899.
cenográficas documentalmente certifi­ pp· 5
" IANITT. CN, C - 12A. L.0 279. fl,. 57v-58v.
cadas do Palácio Olhão . (JSM)

13
parece ser o primeiro grande projecto
divulgador em Lisboa da arquitectura ao
romano, atitude deliberada do referido

monarca, sendo o claustro da Madre


de Deus, obra da sua iniciativa, um
dos primeiros e melhores exemplares
lisboetas desse gosto de matriz clássica
importado de Itália. Além das inter­
venções de sucessivos monarcas neste
mosteiro do padroado real, realcem-se
os donativos na segunda metade do sécu­
lo XVII de Luís Correia da Paz, homem
de negócios de Lisboa morador às Portas
da Cruz, referido especificamente a
propósito do novo revestimento de
azulejos, possivelmente os belos painéis
holandeses colocados nessa época.
Quanto à polémica intervenção do
arquitecto José Maria N epomuceno , na
Coro baixo da Madre de Deus, antigo espaço da igreja de D. Leonor que depois funcionou como capítulo, com a escada para a igreja aberta no
século XIX. Na parede a lápide tumular de António Moniz Barreto, morto no naufrágio da grande armada de D. Manuel de Meneses ( 1627). segunda metade do século XIX, sobre-

12
(. . . ) a despesas (. . . ) de D . José 1'6. de Santa Auta, retratando a chegada
Moreira de Mendonça diz que (. . . ) teve das relíquias de Santa Auta a Xabregas.
algumas ruínas nas paredes exteriores7. O portal ficou como entrada da igreja
J. B . de Castro testemunha que (. . . ) construída por D . João III . Foi também
grande ruína experimentou a igreja deste com este arquitecto que se retirou a
mosteiro, a qual quase milagrosamente cúpula da torre da igreja. As obras foram
se susteve aos impetuosos abalos (. . . ) . continuadas, até ao fim do século, pelo
Levaram as religiosas toda a força dele no condutor de obras públicas, Liberato
Coro (. . . ) . Apearam-se meias paredes da Teles, que delas deixou memória19 . Em
capela-mor, a parede do coro corres­ parte da Escola Profissional de D . Maria
pondente à igreja, e algumas oficinas do Pia - que substituiu o Asilo (1928) -
interior da clausura, que tudo se acba instalou-se o Museu do Azulejo (1965)
quase reparado com mão larga ( . . ) do
. que , em 1980, passou a Museu Nacional
rei D . J osé'8. De referir que um dos do Azulejo. (JFP)
grandes problemas deste mosteiro foi a
falta de água, ao que lhe acudiram os II - COMENTÁRIO
padroeiros régios : D . Leonor fez à
sua custa a Fonte da Samaritana (151o) ; O Convento da Madre de Deus é um dos
D . Sebastião mandou abater todas mais importantes monumentos de Lis­
as árvores juntas aos canos (r568) ; boa cuja história e riqueza patrimonial
D . Catarina fez mercê de dois poços de têm sido bem valorizadas pelo Museu da
água no vale de CheIas (r566 e 157:Ü ; e Azulejo que nele se alberga, pelo que
em 1609 recebeu o mosteiro uma outra remetemos a informação mais detalhada
fonte . para os estudos específicos que dele
No ano de 1872 , pouco depois da morte tratam (ver ainda o Guia do Azulejo) .
da última freira, o mosteiro foi anexado Convirá aqui realçar o seu relevo na
Claustro de D . João III. no Mosteiro da Madre de Deus, uma
pelo vizinho Asilo D. Maria Pia, pelo definição do sítio de Xabregas, criando das primeiras afirmações em Lisboa da estética renascentista
(pormenor).
que, juntamente com a igreja, recebeu um pólo que veio a determinar a evolu­
obras de restauro e adaptação, dirigidas ção da zona. É natural que o acesso ao de engrandecimento que levou a cabo
durante anos por José Maria N epo­ mosteiro tenha levado à reconversão das na casa das Clarissas, parecem delinear
muceno - cujo trabalho gerou acesa vias públicas e ao incremento de movi­ um programa de grande envergadura.
polémica. Entre outras intervenções, a mento por terra e rio em toda a área de com o propósito de dotar Lisboa final­
fachada exterior foi refeita e reintegrada Xabregas, conduzindo a uma atenção mente - como acentua Francisco de
no estilo manuelino - depois da alegada régia sobre este núcleo lisboeta. O pro­ Holanda - de um palácio real obedecen­
descoberta do primitivo portal da igreja jecto posterior de D. João III, após 1556, do aos padrões clássicos então em voga.
.da fundadora entaipado numa parede de erguer um paço paredes-meias com O conjunto da intervenção régia joani­
da sala capitular - com base nos painéis o convento, aliado às profundas obras na em Xabregas - convento e paço -

Il
pedraria, e devotíssimas capelas, sepa ­ a fábrica da nova sacristia para que muito
radas umas das outras, onde as religiosas concorreu!3. As suas esmolas foram bem
atraídas do amor do céu, gastam a maior aproveitadas pelo sacristão da igreja, o
parte do tempo, que lhes fica livre das padre José Pacheco , a quem - segundo o
obrigações da comunidadelI• citado cronista - se deve o mais precioso
Na Madre de Deus se mandaram sepultar desta igreja, em que se tem gasto muitos
D . Leonor e a irmã D. Isabel, duquesa de mil cruzados. Ele fez todos os ornatos de
Bragança, e a infanta D. Maria estipulou talha sobre o arco da capela-mal', os do
em testamento que ficaria no capítulo interior da mesma, tecto e COlpO da igre­
novo da Madre de Deus até ir para a Luz. ja, tudo dourado. A nova sacristia é obra
No ano de 1626, D . Frei João de Portu­ muito do seu particular empenho (. . . )
gal, bispo de Viseu, sagrou o altar-mOl'. procurou que tudo fícasse igual em
Foi, no entanto, com D. Pedro II que o correspondência . (o o .) Mudo u -lhe a
mosteiro e, sobretudo, a igreja, conhe­ serventia para a parte da epístola da
ceram grande riqueza decorativa, no capela -mal'. ( ) Chegou o custo desta
o o .

abadessado da Madre Soror Luísa de sacristia a quase vinte mil cruzados. (. . . )


S. Francisco, sendo encarregado João A magnífica casa do antecoro correu
Rebelo de Campos para as obras. Para a também por sua conta, como também
prossecução destas teve papel decisivo outras muitas obras da igreja, e dentro da
Luís Correia da Paz, deputado do Tribu­ clausura, que, como é procurador do
o portal original da 1bdre de Deus inserido na actual igreja depois
nal da Junta do Comércio do Brasil, que mosteiro, em tudo mostra bem desem ­
da renovação oitocentista, dirigida por Jos!!: !\,faria Nepomuceno.
Segundo o que então se afirmou. foi encontrado embebido na espes­
recebeu licença das religiosas, em agra­ penhado o seu ministério!�. O papel
sura da parede do actual coro bai..'to, localização da igreja primitiva.
decimento, para abrir (o o .) um carneiro determinante do padre Pacheco na deco­
pela problemática das frequentes inun­ jazigo e sepultura das grades da igreja ração da Madre de Deus foi confirmado
dações. Em 1567 é mandado fazer um cais para dentro e via que vai para a capela por Luís Keil, que publicou'5 o livro das
ao redor do mosteiro (. . .) para reparo e maior. Lê-se na escritura (30. 5 . 1686) contas dos trabalhos executados na
resguardo (. . .)9. Lê-se no Agiologio que não só acudiu (.. . ) perenemente às sacristia pequena - iniciados em 1746 ,
Lusitano que a igreja é obra d'el-rei necessidades temporais do sustento das durando mais de 4 anos - com um custo
D. João III, cuja capela-mar, em edifício religiosas, como também para o lustroso de 3 439 480 réis, sem contar com a
e perfeição, é das boas fábricas do reino!O. adorno com que a igreja da Madre de grande parte das madeiras que vieram,
O cronista Frei Jerónimo diz (1755) que Deus hoje se vê, mandando-a azulejar por esmola, do Brasil e da Casa da Índia.
D. João III (o o .) desfez a primeira igreja, e toda à sua custa, e tão custosamente como Acerca dos estragos provocados pelo
erigiu a que hoje existe com o Coro, e a parece e concorrendo também para as terramoto de 1755 recolhe-se unanimi­
sua capela-mar, o que tudo se acha me­ mais obras que nela se fazem e tem feito dade dos textos coevos. O prior de Santa
lhorado de novo com uma rica, e exce­ com largas e liberais esmolas!2. Engrácia escreve (1759) que padeceu
lente sacristia. (. . . ) Edificou o segundo D. João V igualmente contribuiu para a alguma ruína (. . . ) e grande abalo a igre­
claustro (o o .), com suas varandas de rica decoração da igreja, em especial para ja, uma e outra cousa se acha reedificada

10
() rll 0 S T E I R 0 D A rll A D R E D E D E U S

I - RESENHA HISTÓRICA dores, que seria cedida ao seu procurador


na condição que ele seja obrigado a dar

D comprou em 1509, por 1 300 000


LEONOR, mulher de D. João II, água no verão em abastança para os tan­
• ques que estão dentro no pomar das
réis , a D. Inês, viúva de Álvaro da Cunha, freiras (. . . ) : a que lhes as madres manda­
um terreno com casas e hortas que parte rem pedir e quanto à herdade chamada
do levante com horta de Beatriz Eanes e das Pegadas ela mandei cercar e a dou às
)
do norte com o caminho que vai para freiras (. . . ) para sempre para nela (. . . )
Chelas e do noroeste com os penedos a estenderem e enxugar a roupa para que
.(-
que chamam as Pegadas e do sul com a ;i lha não furtem e para o que lhes for
('
praia do mar. Álvaro da Cunha comprara ,/
f
.: necessário (. . .)6.
a propriedade a Fernão Peres Ú4:99)2. � � 'J
"I/ ... , As clarissas da Madre de Deus, além das
I " :.
D. João III confirmou a venda à sua tia, graças pontifícias que receberam ao longo
isentando -a do foro de 1800 réis (1524)3. padroado real, doando-o em testamento dos séculos, recebiam um fundo da Coroa
D. Manuel pediu a propriedade à irmã às religiosas as suas casas de Xabregas em
- para sua sustentação, visto não terem bens
para instalar a rainha D . Maria, sua se­ que fiz o Mosteiro da Madre de Deus com patrimoniais e por guardarem estreitíssi­
gunda mulher, mas D. Leonor declarou todas suas oficinas (. . .) com seu curral e ma pobreza e não aceitarem dotes estipu­
que já (. . .) entregara as chaves das casas a casas em derredor do curral em que às lados, necessitavam de meios para a
outra maior rainha, que é a dos céus; e vezes eu por minha especial consolação conservação da vida. Tinham rendas con­
nesta forma se escusoul. A licença para o pouso (. . .) assim mandei fazer outras signadas em vários serviços públicos e
novo mosteiro foi concedida em 1508 casas (. . .) em que ora pousa o padre recebiam donativos.7 D . João III confir­
pelo papa Júlio II. D . Leonor foi auto­ confessor (. . . ) com outrasjunto e paredes mou (1524 e 1526) a proibição de cons­
rizada a trazer as primeiras religiosas, que meias com ele para (. . . ) o procurador do trução de casas entre os mosteiros de
professariam a Primeira Regra de Santa mosteiro. À mesma D . Inês comprara Xabregas de Lisboa, e o que fez a rainha
Clara. Ajustou-se em 20 o seu número , uma herdade que se chama das Pegadas minha tia nas casas que foram de Álvaro
alargado depois para 33 pela rainha que partem com as casas que mandei fazer da Cunha, a saber, desde as ditas casas até
D. Catarina (r567). Tanto calor deu a para o confessor e para o procurador o dito mosteiro de Xabregas ao longo da
rainha fundadora à fábrica do mosteiro, como acima é dito para a cidade até à praia e valados das hortas, como também
que tendo este a possível comodidade Cruz de Pedra a qual jaz entre os cami­ por dentro daquelas hortas dentre os
para entrarem as primeiras religiosas, em nhos: o que vai para Enxobregas e o que vai ditos mosteiros se não possa fazer, nem
23. 6.1509 se deu princípio à igreja, que para Chelas e entesta em o cerco do dito faça por nenhuma pessoa de qualquer
hoje é o Capítulo, a qual benzeu D. Mar­ mosteiro (. . .). Ainda lhes doou outra qualidade e condição (. . . )8. À singeleza
tinho da Costa, Al'cebispo de Lisboa, em horta com suas casas, poço de nora e
- imposta pela Regra à obra de D . Leonor,
18 de Julho do mesmo an05• Recolhida tanque com suas árvores e olival - onde se D . João III sobrepôs alguma grandeza,
no mosteiro, D. Leonor deixou-o ao instalaram o confessor, frades e servi- promovendo vultuosas obras, acrescidas

9
An t e r i o r m e n t e a t a l data, a l i gação F O N T E DA S A M A R I T A N A

e n t re Xabregas e C h e i as reduz i a - s e à Hoje ,'e c o l h i d a n o M u s e u d a C id a d e,

estre i t íss i m a e contorcida A z i n h aga e s t a b e l a p e ç a de arte p ú b l i c a

da Amorosa, ou, em a l tern a t i va , e s tava l o c a l i z a d a p e r t o d o T e rr e i r o

o b r i g ava a u m a d i gressão a t é à C r u z d e X ab r e g a s , faz e n d o p a r t e d o

d a Pedra p ara s e e n t rar n a E s t r a d a d e s i s t e m a d e a b a st e c i m e n t o d e á g u a


C h e i as, c u j a l argura não era, n o a o M o st e i r o d a M a d r e d e D e u s ,
e n t a n t o , m u i t o m a i s desafogada, c r i a d o p e l a r ainh a D. L e o n o r e m
como a i n d a podemos constatar. 1 5 1 0 . N ã o d i s p o m o s d a i n fo r m aç ã o
A i n s t a l ação i n d u s t r i al n esta z o n a e o s o b r e a d ata d a c o l o cação n e s s a
traçado do cam i n h o - d e - ferro i m p ô s , fon t e d e s t e c o n j u n to e s c u l t ó r i c o
p o i s , u m a a l teração rad i c a l d a q u e a ad o r n av a, m ar ca d o já p e l o s
e s t r u t ura v i á r i a d e Xabregas , c ân o n e s d a e s t é t i c a r e n as c e n ti sta,
pross e g u i d a com a abertura j un t o d o enc o m e n d a a i n d a d e D . Leonor o u ,
r i o d a para l e l a R u a da M a n u t e n ç ão e , p o s s i ve l m en t e , j á d e D . J o ão I I I ,
m a i s recen t e m e n t e , de u m a l i gação n o â m b i to d a s gran d e s o b r as q u e
d i recta para a I n f a n t e D . H e n r i q u e , l e v o u a c a b o n o m e s m o m os t e i r o.
q u e v e i o c u r i o s a m e n t e repor a l g u m a C a s o a e s co l h a do fontan ár i o s e
rem i n i s cên c i a da i d e i a p r i m i t iva d e d e v a à r ainh a fun d a d o r a , tra tar · s e · á
u m a m p l o Terr e i ro d e Xabregas. c o m efe i t o , d e u m d o s p " i m e i r o s
A j á v e n t i l ada a l teração da l i n h a s i n a i s er u d i t o s d a i n tr o d u ção e m
d o cam i n h o - de - ferro - dentro d o L i s b o a d es s a n o v a n o r m at i v i d a d e
processo d e con strução da nova q u e t ã o p r o fu n d am ente m ar ca r á o
G are d o O r i e n t e - será com certeza g o s t o o fi ci a l d e s d e então v i gente.
Em cima: viaduto do caminho-de-ferro em Xabregas. a p e dra d e t o q u e q u e perm i t i rá
Em baixo: Beco dos Toucinheiros, reminiscência de um antigo
caminho que ligava Xabregas ã parte superior da ravina, truncado n u m h i p o t é t i c o futuro uma
pelo traçado do caminho-de-ferro.
r e d ef i n i çã o de toda a z o n a , com a
ú n i c a rem i n i s cên c i a . Ou s e j a , m a i s c o n com i ta n t e reva l ori zação de u m
uma v e z se constata a d é b i l l i gação p a t r i m ó n i o r i q u í s s i m o de uma p a r t e
entre a l i n h a coste i ra e o i n t eri or, d a c i dade c uj a h i s t ó r i a e s t á
un i ca m e n t e garan t i d a p r i m i tivamente i n d e l ev e l m e n t e l i gada às f i g uras d a
pelo próprio este iro f l u v i a l q u e r a i n h a D . L e o n o r e d e D. J oã o I I I .
s u b i a até c h e i a s . O s e u progre s s i vo O s í t i o d e Xabregas fo i , d e facto,
assoreamento, tornando-o i navegáve l , como t u d o o parece i n d i c iar, u m
ve i o p erm i t i r o l ançamento n o s e u dos l o c a i s e l e i t os como zona n o b r e
l e i t o da a c t u a l R u a G u a l d i m Pa i s , d a c i dade cortesã q u e então se
aberta s ó n o entanto em 1 9 3 3 . c o m e ç a a d e f i n ir. (J5M).

6
de três grandes pontos de referên c i a m ed i evais em Xabregas, o n d e d e p o i s
- B e l ém, na z o n a o c i d e n t a l , a s e ergueu o refer i d o C o n v e n to
R i b e i ra, ao centro, e Xabregas , na de São Fran c i s c o , i n formação q u e não
zona o r i e n ta l , defi n i n do - s e os n ovos s i gn i f i ca necessa r i a m e n te cons truções
l i m i tes geográficos da área envolvente de grande aparato, pois paço é,
da c i d a d e . O facto é q u e o Terre iro en tão, toda a casa onde o rei p o usa.
de Xabregas gan h a foros d e local C o m o v i m os, o topón i m o a l argava - s e
n obre d a corte, sendo a l argado e i n i c i a l mente a u m a á r e a m a i s v a s t a ,
reg u l ar i z ado por D. S e b a s t i ã o em 157 5 estando h o j e rest r i n g i da à f a i x a
para o c é l ebre torn e i o de Xabregas , r i b e i r i n h a e n t r e a Cruz da Pedra
descrito p or J orge Ferreira de e o i n ício da C a l çada d e D . G a s tão,
Vasco n c e l o s . Terre iro este que começo da a c t u a l zona d o G r i l o .
o a c t u a l v i ad u to d o c a m i n h o - d e - ferro A p r i m e ira construção q u e começa a
l i m i to u ao actual Largo do Marquês dar form a ao l oc a l é o Convento
de N i s a , p á l i d a rem i n i s c ê n c i a do d e São Fran c i sco d e Xabregas ( 1 8 ) ,
am p l o l ogradouro pri m i t iv o . Mas i n i c i ado n o s é c u l o XV, c u j a estrut ura
sobre que rea l i dade s e exerceu essa p r i m i t iva t i n h a outra o r i e n t ação, com
s u c e s s i v a vontade rég i a ? O sítio d e o pórt i co vi rado a sul, ou seja, sobre
Xabregas - o u Enxobregas c o m o o e s t e i ro e o futuro terre i r o .
a p a r e c e n a documentação m a i s A transformação defin i t i v a do s í t i o é
a n t i g a - res u l t a do povoamento da obra como v i m o s de D. J o ã o I I I , q u e
Troço da calçada já existente em 1509, depois chamada Rua
pequena reentrâ n c i a d o e s t e i ro do rio adqu i r i u os terrenos e n t r e São Direita da Madre de Deus.

que o r i g i n ar i amente subia até C h e i as, Fran c i sco e a Madre de D e us e aí terra até ao r i o parece l im itado à
cujo a s s o reamento levou ao i n i c i o u a construção d e um paço real A z i n h a ga (hoje rua) da Amorosa,
desenvo l v i m e n t o deste n ú c l e o urb a n o ( I Ú j unto ao ú l t i m o destes l i gação e s t r e i t a e s i n uosa que desce
m a i s j un t o a o r i o . A i n d a e m 1557 s e conventos, então submetido também d o troço s up e r i or da Estrada de
r e l at a n um d o c u m e n t o de São a profunda reconversão. Q u an t o à C h e i as, bordejando a propriedade
Fran c i s c o (18 ) que o mar ainda rede v i á r i a a n t e r i or ao Caminho do d e p o i s a d q u i r i d a por D. J oão I I I ,
naqueles tempos (com un i cava) com Oriente, as i n formações concretas são e a i n d a i n t egrada n o conjunto dos
o ribeiro que corre junto à fonte da bastante escassas, agravadas p e l a m arqueses d e N i sa (hoje Casa P i a ) .
Samari tana, por onde entrava (. . . ) i n ex i stên c i a d e cartas a n t e r i o res a o Para o l ad o oposto, s u b i a p o r detrás
u m braço dele. São c o n h e c i das sécu l o X I X e, a i n d a por c i m a , d e S ã o Francisco uma estreita via que
d i versas q u i ntas p r i m i t i va s , a l g u m a s profundamente a d u l teradas p e l as d ava acesso às q u i n tas l o ca l i zadas
d e l a s a d q u i r i das, quer por D . Leonor, m o d i f i cações i m postas p e l o traçado sobre a barroca - como a de Tristão
quer p o r D. J oão I I I , para a e x e c ução da l i n h a férrea. Antes da abertura d a C u n h a (de p o i s O l h ão) (19) - da
dos seus sucessivo s proj ectos, e há d a R u a da Madre de Deus e da q u a l o a c t u a l Beco dos To u c i n h e i ros,
m e s m o referê n c i a s a uns p aços rea i s a c t u a l Rua d e Xabregas, o acesso por t r u n cado p e l o c o m b o i o , const i t u i a
F o l h a n° 2 3 da Carta Topográfic a d e
F i l i pe F o l q u e ( 1 8 5 6 - 5 7 ) , referente à
z o n a de X abregas. N ote-se
a d o m i n ante dos três grandes
conj u ntos - M ad re de D e u s, P aço e
São F t'a n c is c o -, cuja relação e ntre s i
e c o m o r i o é j á então c o n d i c i o nada
pelo traçado d a l i n h a d o c a m i n ho-de­
-ferro, recent e mente i n au g u rada.
A n e c ess i d a d e d e c ri ação de tal u d e s ,
q u e r fro nteiro à M ad re d e D e u s , q u e r
j unto a S ã o Francisco, b e m co m o o
l a n ç a mento do viad uto sobre
o Largo do Marquês de N is a ,
des c a racterizaram p o r c o m pl eto esta
área, tornando i rreco n h e c ível a i d e i a
d e u m terreiro a m plo, frontei r o a o
r i o . A l é m disso, tru n c o u a função d a
ant i g a R u a d o s T o u ci n h e i ro s , d epois
t ra n sfor m a d a e m s i m p l es beco.
D e real çar, ainda, o carácter
e m i n entem ente r i b e i r i nh o deste
n ú cl eo c o m escas s a penetração para
o i nterior, só resolvida pela abert u r a
n o l eito d o antigo esteiro fl u v i a l d a
R u a G uald i m Pais, e m 1 93 3 . N esta
t'e presentação o fu ndo do Largo d o
M at'q uês d e N isa é a i n d a fech ado p o r
u m renq u e d e construções, d e p o i s
arrasadas p a r a a b r i r a n ova r u a .
A l iás, n ota-se no d e s e n h o o traçado
d e u m a d e p ress ã o i rregu lat· a sul de
São Francisco, pos sível rem i n i s c ê n c i a
d o traçado do refet"ido esteiro q u e ,
c o m o s a b e m o s paI' d o c u m entação
do c itado convento, corria
exacta m e nte ju nto d e l e.

4
XA B R E GA S

A o contrário do que aconteceu com o num poder essen c i a l m ente m a r ít i m o . que o rei tran sform ava a R i b e i r a e
topó n i m o de S a n t a Apo l ó n i a, c ujo E s s a vontade d e a b r i r d e v e z a c i dade B e l ém , a r a i n h a v i úva erguia m es m o
âmbito s e foi a l argando com o correr a o r i o, perm i t i d a com certeza por s o b r e o r i o o s e u Convento da Madre
do tempo, com o de Xabregas d e u - s e u m a m a i o r segurança n o controle da d e D e us (1 6), correndo até o risco de
o fen ó m e n o i nverso. Até a o s é c u l o n avegação f l uv i a l - a construção d a o ver i n undado n as i n vern i a s . A l ém
XVI a d e s i gnação abran g i a u m a área Torre de B e l ém tem n e s s e processo d i sso d i s p u n h a res i d ê n c i a p ró p r i a
m u i to m a i s vasta do que a q u e l a que u m papel e m b l e m á t i c o - n ão se a n e x a ao m e s m o convento, que
hoje con h ecemos, esten d e n d o - s e, de l i m i t o u, n o entanto, à i n i c i at i v a esco l h e u para sep u l t ura, n ã o sendo
facto, a t o da a f a i x a r i b e i r i n h a entre desse m o n arca. O u m e l h or, e l a de exc l u i r a h ipótese de se dever à
a C r u z d a Pedra e o l i m ite de Marv i l a, i n sere-se n um a d i n â m i c a anteri or, s u a i n i c i at i va a abertura da R ua da
ou sej a, desde a Madre de D e u s até c u j o s p r i m e i ros s i n a i s se encon tram Madre de Deus, já c i tada em 1509,
a o Beat o . Prova-o a d e s i g n ação do exactamente nessa vasta zona p o u c o depo i s Rua D i r e i t a da Madre de De us,
Convento de S ã o Bento de Xabregas, m a i s que despovoada que d a v a e n t ão i n i c i a n d o ass i m o processo de
a i n d a em uso n o s é c u l o XV I I I, só p e l o n o m e genérico de Xabregas. a l teração viária de toda a zona c o m
depo i s d e f i n i t ivamente subst i t u ída C o m efei to, as fun dações e m m eados o l ançamento da nova estrada
p e l a de o Beato, em m em ó r i a d o seu d o s é c u l o XV d o Convento dos L ó i o s r i b e i r i n h a, que agora se baptizo u
reco n s t r u tor, o padre A n tó n i o da - São Bento de Xabregas (Beato), p o r c o m o Caminho do Oriente. Ao d e i xa r
Conce i ç ã o, m a i s con h e c i do pelo Beato i n i c iat iva da r a i n h a D. I s a b e l , m u l h er o s e u convento n o padroado rég i o,
Antón i o. Esta progress i va repart ição de D . Afonso V e mãe de D . J oão I I, c r i o u a obrigação de os r e i s o l h arem
topo n ím i ca a part i r do séc u l o X V I, e de São Fran c i sco de Xabregas, com com atenção p ara essa zona da
autonom i zando des i gn ações l oc a i s a p o i o de D. Afonso V e o patro c ín i o c i dade, acção i m ed i atamente
i n i c i a l m e n te m u i t o res tritas - c o m o d a condessa de A t o u g u i a, D . G u i om ar prossegu i d a p e l o s e u herdeiro
é o caso d o G r i l o - é o s i n a l m a i s de C a s tro, ambos l o c a l izados n a i m e d i ato, o sobri n h o D. J oã o I I I .
s i n t o m á t i c o d o escasso povoamento parte b a i x a j unto a o r i o e com acesso Este r e i protag o n i z a n a verdade o
i n i c i a l da m argem i m e d i ata d o r i o, f l uv i a l , const i t uem n a verdade o grande projecto de transformação d e
que s ó se desenvo l ve a partir dos i n í c i o de uma m udança rad i c a l na Xabregas, cujos det a l h es ana l isaremos
i n íc i os d o referido s é c u l o X V I . orgân i ca f u n c i o n a l de todo este a d i an t e ao tratarmos d o paço q u e
C o m o j á a trás se s i n a l i z o u, a esco l h a arra b a l d e l i sboeta, começando a a q u i c o m e ç o u a construir (17).
da R i be i r a p o r D . Man u e l p ara n e l a m a rgem do r i o a trans form a r - s e A d i a n t e - s e desde já que o monarca
erguer o s e u p a ç o n ovo, acentuada l e n tamente n a f a c h a d a n o b r e d a parece ter t i do em mente a def i n ição
p e l a l o ca l i zação n a pra i a do Reste l o própria c i dade. E s t a verd a d e i r a de um p ó l o a l tern a t i vo ao Terre i ro d o
d o Most e i ro d o s J er ó n i m os, v e i o dar «revo l uç ã o » da relação da c i dade Paço, d e s e j a n d o transformar o
u m novo e s t i m u l o à zona r i b e i r i n ha, c o m o r i o seria assumida de forma terreiro de Xabregas em verdade i ra
a l iás perfeitamente aj ustada m u ito n ít i d a pela ra i n h a D . Leon o r, praça real, n u m a redefi n i ção da
à cap i t a l de u m Estado estribado i r m ã de D . M a n u e l . Ao mesmo t e m p o frente r i b e i r i n h a d o r i o dotada agora

3
� Q U i n TA L E I T E D E S 0 U S A

I- RESENHA HISTÓRICA

HISTÓ RIA desta Quinta do Grilo


A mantém-se envolvida em algum
mistério , surgindo várias referências
dispersas que lhe parecem dizer res­
peito , sem se conseguir até ao momen­
to encontrar o elo de ligação entre os
seus intervenientes. Antão de Oliveira,
nomeado por D. Manuel provedor das
capelas da infanta D. Brites', parece ter
instituído um morgado mais tarde
referido em que a propriedade estaria
incluída. Mas tudo indica que fosse esta
mesma a quinta de além de Xabregas a
par do Grilo" referida por D . Guiomar
Figueira e sua filha, D. Joana de Cas­
tro , ambas viúvas ao tempo que ins­
tituíram uma capela em S. Francisco
de Xabregas (r 5 8 2 ) . Deixaram por
administradora D . Filipa de Castro ,
filha de Antão de Almeida (ou Oli­
veira?) de Azevedo, estribeiro -mor do
cardeal-infante , e neta de D. Antónia António (ou Antão) de Oliveira de Oliveira, no início do século XVIII,
de Castro , cunhada e tia das testadoras , Azevedo tinha uma pedreira junto da era senhor da Quinta do Grilo, como
com a condição (. . . ) que casará a dita sua Quinta do Grilo , da qual ofereceu a administrador do morgado instituído
senhora Dona Filipa de Castro com pedra e o chão para a construção e adro por António de Oliveira de Azevedo,
homem Fidalgo de geração dos Castros da ermida de D. Gastão Coutinho, cujo (. . . ) seu sexto avô, ao qual morgado sua
legítimos e verdadeiros deste Reino das sobrinho , Luís Gonçalves da Câmara terceira avó anexara a sua terçé, assente
treze arruelas e terá o apelido e se Coutinho , passados anos lhe comprou numas casas na Rua de Nossa Senhora
chamará de Castro . Em r6r6 adminis­ a pedreÜ'a e terra que se lhe seguié. dos Remédios. Outro documento con­
trava a capela D. João de Castro , genro Já em r656, a viúva de D. Gastão , firma a instituição de Antão de Oliveira
de Antão de Oliveira (ou Almeida?) D . Isabel Ferraz, lhe tinha comprado e refere que àquele (. . .) morgado ane­
de Azeved03, que adoptou o nome uma terra junto aos seus aposen­ xara a sua terça sua quarta avó D. Antó­
Castro. tos fronteiros5• Luís Cid da Silva e nia de Castr07• Um outro documento

49
e Oliveira'·. Pastor de Macedo refere o
«Pátio de Luís Side» (1724) e o « Pátio
do Side» (1738) , ano em que ali mor­
reu o abade José Moura'3.
Os bens de Luís Cid passaram para sua
irmã, D. Constança da Silva Azevedo e
Castro , 5 . a senhora da Lagoa do
Cardo , no Algarve, casada com Fernão
Leite de Sousa Matos, 9 . ° senhor do
morgado de Nossa Senhora da Espe­
rança. O neto destes, Fernão Leite
de Sousa, sargento-mor de Lisboa, em
1748 já vivia na sua quinta do sítio do
Grilo'4. Natural da Ameixoeira (1717) e
habilitado pelo Santo Ofício'5, por
morte da avó D. Constança - legítima
administradora dos quatro morgados
Fachada sobre o pátio da Quinta Leite de Sousa, arranjo datável da segunda metade do século XVIII. Notem-se as duas janelas cegas,
correspondentes a duas paredes mestras mais antigas, evidenciando o carácter do arranjo palaciano que sofreu esta casa de quinta. que instituíram o reverendo cónego
refere Luís Cid como administrador do de que se não seguia prejuízo algum António de Alm eida, D. Maria de
do morgado instituído por Antão de no imediato sucessor que era um filho Azevedo, D. Inês Maria da Silva e Lopo
Oliveira seu terceiro avô8, que tinha, de idade de I4 anos. No ano Roiz de Almeida'6 - ficou como admi­
Este Luís Cid, filho de Francisco de Al­ de 1717, viu -se na necessidade de sub­ nistrador da casa , apesar da oposição
meida da Silva e de D , Isabel de Lacer- -rogar umas casas do morgado de Antão de seu tio mais novo, José Leite de
da, irmã do cardeal Pereira de Lacerda, de Oliveira - várias propriedades que Sousa. Receoso que este (. . .) se u tili­
bispo do Algarve, ampliou a proprie­ fizera no chão junto à sua quinta do zasse dos seus rendimentos despedira
dade do Grilo, pertença do morgado - Grilo (. . .) pela grande conveniência logo alguns soldados do seu regimento
uma quinta extramuros desta cidade com que ficava o dito morgado (. . .) a cobrar com alguma violência todos os
no sítio do Grilo em a qual quinta e terem estas casas menos perigo de caídos que se achassem na província de
ele suplicante tinha acrescentado duas incêndios e ruínas, por serem de abó­ Além Tejo, donde estavam as mais
moradas de casas que hoje rendiam bada, ao que as do dito Foro estavam Fazendas dos ditos morgados. Entre os
IDO 000 réis em cada um an09. Obri- expostas como já lhe sucedera (. . .) e bens de morgado encontravam-se (. . .)
gou este rendimento para segurar a constar valer de principal o Foro do umas casas nobres sitas na sua quinta do
tença que permitiria a profissão na Luz morgado reFerido I70 000 rslO• A viúva Grilo (. . .) cujas casas precisavam de
de uma filha natural, D . Margarida, de Luís Cid, D . Mariana da Silva e muitos reparos e juntamente de lhes
necessitando de provisão régia (r7n) , Sousa, faleceu nas casas da quinta, acrescentar mais três casas e outras
pelas tais benFeitorias estarem Feitas em (172 6)lI, quatro anos depois do filho , obras de que necessitavam para aco­
o chão da dita quinta que era de morga - Francisco Dionísio de Almeida da Silva modação do suplicante e sua Família'7,


Para conseguir realizar as obras, uma vez Sem geração , caiu a casa (1829) na
que se encontrava sem meios, contra­ posse de uma prima, lO. a senhora de
tou-se com os mestres João Duarte, Tavarede e das Lezírias de Buarcos -
pedreiro, e Manuel Luís da Costa, car­ sucessora no morgado de Nossa
pinteiro , consignando-lhes �OO 000 Senhora da Esperança em Santarém - e
réis anuais nos rendimentos da quinta e mãe do r . o conde e barão de Tavarede,
mais bens do morgado (1747) . Igual­ João de Almada e Quadros . Manteve-se
mente levaram obras as casas pequenas a Casa de Tavarede na posse da Quinta
que ficam à face da rua . É possível que o do Grilo durante a maior parte do
pintor-dourador Bernardo da Costa século XIX Antes da viragem do século
.

Barradas tenha trabalhado nas casas estava a propriedade transformada - de


do Grilo , uma vez que no testamento acordo com o nome dos proprietários
(r747) afirma ser credor de Fernão - na Vila Zenha, depois Vila Maria
Leite de Sousal8 • Luísa, que, juntamente com a insta­
Esta propriedade, de dimensões con­ lação de uma escola pública e de um
sideráveis - estendendo-se até ao Palácio colégio privado, descaracterizaram por
Olhão e à Ilha do Grilo -, era consti­ completo os interiores das antigas casas
tuída por casas grandes dentro do nobres. (JFP)
Cunhal da casa da Quinta L�ite de Sousa. A parte inferior em
pátio, cocheira, estrebaria, dois quartos cantaria rusticada corresponde ao edifício inicial. depois
acrescl!'ntado com o arranjo mais tardio do piso nobre. com o
nobres e um pequeno , mais de duas II - COMENTÁRIO cunhal agora talhado em cantarias lisas, sem ter havido portanto
qualquer vontade de conformar a parle nova ao gosto preexistente.
dezenas de lojas, um armazém e a quin­
ta, composta por horta, parreiras e A profunda transformação sofrida após mentação daquela família, o mesmo se
terra de pãol9, por vezes arrendada. Na meados do século XIX pelas duas afirmando em obra anterior (Lisboa,
década de sessenta u m dos quartos propriedades que compunham o actual Um Passeio a Oriente) . No entanto , a
nobres esteve arrendado ao desembar­ amontoado informe de construções análise cuidada da documentação e da
gador Francisco Xavier de Assis que se erguem à esquerda e à direita da cartografia e , sobretudo , a definição
Pacheco . No ano de 18 O 1 era arren­ pequena Calçada de D . Gastão , deter­ mais ponderada do primitivo esquema
datário da quinta e dois quartos nobres, minou alguma dificuldade na distinção viário da zona, tornou claro que tal
por 500 000 réis , Francisco de Melo entre elas e a correcta definição do identificação não era correcta, tratan­
Cogominho, servido por 4 criados de âmbito de cada uma . Para mais, saben­ do-se de facto da quinta que fora de
escada acima, 1 cozinheiro, 1 moço de do-se por informações seguras que as Antão de Oliveira e depois da família
cozinha, 1 moço de copa, 5 criados de propriedades dos senhores das Ilhas Leite de Sousa, caindo por herança, já
escada abaixo e � carruagens20• Desertas, herdeiros de D. Gastão Cou­ no século XIX nos condes de Tavarede.
,

A Fernão Leite de Sousa sucedeu (1799) tinho , se dividiam dos dois lados da via Esta enorme quinta ocupava toda a
sua filha natural, r . a viscondessa de pública, levou-nos à identificação ini­ frente da Rua de Xabregas e o começo
Condeixa, pelo casamento com Pedro cial desta quinta como sendo as casas da da Calçada de D. Gastão, desde a Quinta
Ataíde e Melo, que viveram no Grilo . banda de cima referidas em vária docu- dos Cunha (Olhão) até à pequena

51
de cantaria rusticada, gosto muito em informação de construções anexas
voga desde finais do século XVI, abobadadas nos inícios do século
poderemos avançar com a datação XVIII, e , sobretudo , a existência de
provisória da construção desde esse uma grande campanha de obras a
período até inícios do século XVIII, partir de 1747, depois da quinta cair
dado não se ter encontrado nenhum na posse de Fernão Leite de Sousa ,
documento que afirme inequivoca­ falecido já na década de noventa .
mente uma data precisa . No entanto, Deverá ser da iniciativa deste o acesso
as informações recolhidas que remon­ pelo portão a nascente - hoj e desman­
tam a 1582, parecem apoiar a hipótese telado para entrada de viaturas - e a
de uma presença de casas nobres já abertura no referido muro de suporte
vinculadas desde inícios do século de um portal fronteiro ao pátio em
XVII . O mais certo é a realização de declive , dando acesso ao vestíbulo e à
o portão de acesso ao pálio da Quinta Leite de Sousa, hoje cm
parle desmanchado para facilitar a entrada de viaturas, dado que o sucessivas obras e alterações, como a escadaria , cuj a articulação interior
pátio funciona hoje como logradouro público.
documentação aliás parece também denota o carácter de adaptação não
azinhaga que subia a encosta , hoje difi­ co nfirmar. Mais tarde , em confor­ muito cuidada. Sobre a estrutura anti­
cilmente reconhecível nas apertadas mação da rede viária e da conco ­ ga fez-se correr uma nova fachada
Escadinhas de D. Gastão. A existência mitante subalternização dos velhos nobre palaciana, cujo rigor simétrico
desta azinhaga, que ligava ao esquema caminhos, ou meSlno o seu desapa­ de 13 aberturas de sacada não condiz
viário mais antigo , é determinante recimento físico , o conjunto vai ser com a anterior estrutura dos suportes
para se compreender a divisão da reorientado organicamente , abrin ­ do muro , obrigando a que duas dessas
propriedade , bem como a organização do-se ao rio e à via pública. Temos j anelas sejam cegas por coincidirem
primitiva do edifício nobre da quinta.
Este, que hoj e apresenta a sua entrada
para nascente, virava -se primitiva­
mente a poente , definindo uma estru­
tura muito comum em U em torno de
um pátio. Dado o declive da ravina ,
era suportada a parte traseira sobre
o rio por um muro sustentado em
arcaria e forte cunhal rusticado -
espécie de criptopórtico -, o qual
permitia o indispensável nivelamento
das dep endências superiores e a
existência de armazéns na parte baixa ,
sem comunicação interna inicial. Pelo
desenho evidenciado por esse cunhal Pormenor do primeiro lanço da escadaria interior do palácio. com reycstimento de azulejos da segunda metade do sêculo XVIII.

52
cOln anteriores paredes mestras. Estas
obras ter-se-ão arrastado por bastante
tempo, dado que o modelo das guardas
de ferro dessas sacadas e os azulej os que
decoram a parte acrescentada são já
posteriores ao terramoto, com interes­
santes exemplares entre estes últimos de
padrões ditos pombalinos (ver Guia do
Azulejo) .
Não foi possível apurar a data exacta em
que por meados do século XIX os
condes de Tavarede , últimos detentores
do vínculo , parcelaram a quinta em
várias propriedades. Na parte rural,
sobre a Rua de Xabregas, foi erguida
uma importante unidade têxtil (ver
Guia do Património Industrial) onde ASSISTÊNCIA ESCOLAR DO BEATO E OLIVAIS crianças, dispondo ainda de gabinete de
hoje se situa um supermercado e um Faiança portuguesa, s/marca, cerca de assistência médica e instalações
inestético prédio de rendimento . 1913 sanitárias pat'a banhos q uentes e d ispen­
Quanto ao conjunto da casa e A antiga Escola Central n .0 20 da Vila sário com roupa, tudo acondicionado
dependências foi transformado em víla Zenha (hoje Escola Primária n .0 2 1 ) , que em edificio então constt'uído de raiz
operária - hoje Maria Luísa -, com funciona na Q uinta Leite de Sousa, era fechando o antigo pátio poente da casa
profundas transformações e acrescen­ frequentada pelos filhos dos operários da dos Leite de Sousa. Este serviço de
tos . Num anexo que fechou o antigo Zona Oriental, com naturais carências j antar, com múltiplas peças, mantém-se
pátio superior da casa funcionou um de vária ordem. Em 1 9 1 3, foi fundada a n u m grande armário possivelmente
Centro Republicano e no seu corpo Assistência Escolar do Beato e O livais, destinado de origem à sua guarda, ainda
principal estão agora sediadas uma esco ­ inaugurada pelo então pt'esidente da hoje perfeitamente conservado pela
la primária pública e outra privada, o República, Manuel de Arriaga. Anexa à atenção da actual responsável da escola
Colégio Camilo Castelo Branco . (JSM) escola é construída uma cantina para 1 44 na antiga cozinha da q uinta. (LA)

I IANfTT, Chancelaria de D. João III, L o 61, fI. I32v. 6 IANfTT, Chancelaria de D. Pedro II, L.o 55. O . q·9\'. I]
...
Pastor de 1 1acedo, Lisboa de Lês a Lês, Lisboa, Cl\,[L,
2 Tombo das obrigações das capelas do Convento de 7 lANfIT, Chancelaria de D. Pedro II, L. ° 54. O. 115. 1985, VaI . 111, pp. 293- - lANfIT, RP. Santa Engrácia.
S . Francisco de Xabregas. ln Andrade, Ferreira d e , 8 IANfIT, Chancelaria de D . João V, L . 0 37, Óbitos, Cx. 26, L. ° 3, fls. 156 e L. ° 4 , fl . 130.
Palácios Reais de Lisboa, Lisboa, 1 9 4 9 . pp. 55· Os. I O O - I OO\'. l-j. IANfTT, CN, C - I z B , Cx. 65, L. 0 647, fls. 2 0 - 21\'.
:I Andrade, Ferreira de, Palácios Reais de Lisboa, Editorial '.l IANrrT, Chancelaria de D . João V. L.0 3 7 , " IANfTT. HSO. Mç. 2 . di!. 3 7 .
Império, 1949. p . 5 5 · O S . I O O - - IOO\'. ,6 IANfIT. Chancelaria de D . João V. L.0 9 8 , fls. 22"-229.
-t Santa Maria, FI'. Agostinho de, Salltuario l\lariano. 'o lANfIT, Chancelaria de D . João V. L.0 4 5 , n. 2 6 2 . 17 IANfTT. Chancelaria de D. João V, L.0 117, fls. 37\'-38.
Lisboa. Officina de Antonio Pedrozo Galram, 1 7 0 7 . !! IANfTT, RP, Santa Engrácia, Óbitos, Cx. 2 6 , L O 3 , ,8 IANfTT, RGT, L.0 240, fls. I24V-127v.
pp. 1 9 7 - 1 9 8 . 11. 1 i 6 . '9 AHTC, D C , Santa Engrácia. Arruamentos. Mç_ 430.
20
5 Index d a s Notas de vários Tabeliàes de Lisboa, Lisboa, l :t IANrrr, RP, Santa Engrácia, Óbitos. Cx. 2 6 , L.0 3 , AHTC, D C , Santa Engrácia, Arruamentos, l\,[ ç. 449.
BNL. 19'19. T. 'I. p . 6. O . I 2 2\'.

53
,
G P A L A C I 0 D 0 S S E n H 0 R E S D A S I L H A S D E S E RT A S

I- RESENHA HISTÓRICA

MORGAD O do Grilo com a Ca­


O • pela de Nossa Senhora do Rosá­
rio da Restauração foi instituído por
D. Gastão Coutinho, um dos Aclama­
dores de 164 0, tornando-se depois a
residência principal dos seus herdeiros,
os Câmara Coutinho , senhores das
Ilhas Desertas, elevados em 1 8 2 3 a
condes da Taipa. D . Gastão Coutinho ,
comendador de Sant' Iago de Caldelas,
na Ordem de Cristo, foi capitão-mor na
Índia, onde serviu oito anos antes de
receber a mercê da capitania da fortaleza
de Chaul (1593) 1 . Depois da Restauração
pertenceu ao Conselho da Guerra, foi
governador das Armas de Entre Douro e Coutinho, irmã de D . Gastão , e de descendentes de seu sobrinho e sucessor.
Minho e capitão-general de Tânger, Francisco Gonçalves da Câmara, 6 . o Tinha a capela quatro capelães e um
recebendo pelos serviços as mercês de senhor das Ilhas Desertas e morgado de tesoureiro, aos quais lhes mandou fazer
alcaide-mor de Torres Vedras e o senho­ Vaqueiros. casas (. . .)7 o sobrinho do fundador.
rio da Terra de Regalados. Antes de casar No cimo da calçada, depois chamada de Apesar de providos pelo administrador,
com D . Isabel Ferraz, em Palhavã D. Gastão, edificou D. Gastão Couti­ os capelães careciam de aprovação e
(r7. r2. r6r4) 2 , era morador nos coutos nho uma grande capela em cumprimen­ beneplácito do geral dos Lóios e de dois
de Alcobaça, na Quinta do Carvalhal to de um voto a Nossa Senhora do cónegos eleitos pela comunidades, sem
Benfeito, morgado de família, vivendo Rosário (ver texto anexo) já concluída cujo consentimento se pode remover
depois na Rua do Norte (r633-34)3 e, (r645) quando D. Gastão e D . Isabel algum dos capelães. Para a fábrica da
pelo menos a partir de r640, no Grilo . nela instituíram uma missa quotidiana mesma capela se depositam em S. Bento
Juntamente com a mulher instituíram (. . .) na sua ermida da dita quinta que cada ano 5 000 réis e se dão mais 4: para
morgado de todos os seus bens, por eles edificaram para que a dita missa se a sacristia do mesmo convento.
escritura de instituição que entre si diga ainda em sua vidaS. Ficou esta ermi­ Depois da morte de D. Gastão a pro ­
fizeram (r652)+, na qual nomearam da por cabeça do morgado do Grilo, priedade da quinta foi ampliada. A
por herdeiro o sobrinho D. Luís da fazendo -se aí sepultar o instituidor viúva, D . Isabel Ferraz, comprou uma
Câmara Coutinho - nomeado também (r653)6, juntando-se-Ihe, com o decor­ terra (r656)9, junto aos seus aposen­
nos bens da Coroa - filho de D . Filipa rer dos séculos, os restos mortais dos tos, a António de Oliveira de Azevedo,

55
dispêndios registou numa memória,
declarando nào só as dívidas que dei­
xara ao morgado , como (. . . ) as despesas
que fez na compra do foro desta quinta
do Grilo, e outras mais obras e benfei­
torias da mesma quinta'3. No primeiro
quartel do século XVIII , à imagem de
outras grandes casas senhoriais, por
várias vezes a das Ilhas Desertas recor­
reu ao expediente de sub- rogar bens de
morgado e da Coroa - com o respecti­
vo aval régio - para contornar proble­
mas de solvência financeira e de
suportar as onerosas campanhas de
obras. Nas benfeitorias que tinha feito
Fachada sobre o antigo Largo de D. Gastão do Palácio dos Senhores das Ilhas Desertas, composta por dois corpos justapostos possivelmente de
na Quinta do Grilo sub-rogou (1713)
épocas diferentes e hoje bastante descaracterizadas na sua estrutura original.
600 000 réis, quantia equivalente à da
detentor da grande quinta vizinha segundo do segundo matrimónio do venda de umas casas do morgado a Santa
(depois dos Leite de Sousa) , que já ofe­ terceiro capitão, Simão Gonçalves da Justa que (o o .) não podia reedificar por
recera a pedra e o chão para a cons­ Câmara, com D. Isabel da Silva, filha de não ter dinheiro e estar fazendo obras
trução do adro da ermida de D. Gastão . D . João de Ataíde, da Casa de Atouguia. mais precisas na quinta do Grilo, cabeça
Anos depois, comprou-lhe D . Luís a D . Gastão José (8. ° senhor) sucedeu a do dito morgado, cujas benfeitorias
pedreira e terra que se lhe seguiaIO. seu pai nas Ilhas Desertas, no morgado importavam em mais de 4000 cruzados,
Acresceu a este conjunto fundiário os do Grilo e outros, a que juntou, por o que tinha feito, e importaria em mais
penhascos integrados no morgado de linha materna, os de Punhete, instituí­ de ou tros quatro as benfeitorias que ia
Vaqueiros (1519) as casas que estão
- do por D . Francisco de Sande , e o da continuando na dita quinta'4. A falta de
junto de Xabregas do PenedoI1 pela - Taipa, por D. Maria da Silva, viúva bens livres capazes de segurar o dote e
2 . a condessa de Atouguia, D . Filipa de de João Rodrigues Pereira, senhor de arras 20 000 cruzados - para a rea­
-

Azevedo , morgado esse que veio a cair Cabeceiras de Basto, dando corpo à lização do casamento do primogénito ,
nesta casa das Ilhas Desertas , ali vivendo grande casa dos senhores das Ilhas D . Luís (9 . °) , com D . Isabel de Men­
e morrendo o referido Francisco Gon­ Desertas, com a propriedade hereditária donça, filha dos condes de Vale de Reis,
çalves da Câmara e Ataíde'2 • de Regalados , a alcaidaria-mor de levou D . Gastão (8.°) a obrigar bens
D . Luís Gonçalves da Câmara Cou­ Torres Vedras e o ofício de vedor da de morgado e da Coroa <r715)I 5 .
tinho , foi 7. ° senhor donatário das Casa das Rainhas. Este D. Gastão (8 . ° ) , Ascendendo as dívidas da casa a 70 000
Ilhas Desertas - morgado separado da estribeiro-mor da rainha, fez grandes cruzados, em 1732 , por especial graça,
Casa dos Capitães do Funchal em 1519 a obras no Grilo, onde seu pai já tinha fez novo empenhamento de bens de
favor de Luís Gonçalves de Ataíde, filho feito alguns melhoramento s , cujos morgado , por tempo de 30 anos'6•
A Gazeta de Lisboa, que com frequên­
cia noticiava as cerimónias religiosas na
Ermida de Nossa Senhora do Rosário ,
regista a morte de D. Gastão (1736)1"
aos 74 anos. No ano seguinte noticiava
a visita à ermida , do rei, do príncipe
e do infante D. Pedro , que depois da
oração fizeram a honra ao padroeiro
dela, D. Luís (9 . 0 ) , de lançar água ben ­
ta na sepultura de seu papB. No dia
seguinte foi a vez da rainha com a prin­
cesa do Brasil ali assistirem aos festejos
da rainha Santa Isabel. Em 1745 rea­
lizou-se o casamento de D. Leonor
Josefa da Câmara, filha de D. Luís , com
D. António Álvares da Cunha, depois RC510S das antigas quatro moradias para os capelães, fronteiras ao palácio e abrindo sobre o primitivo Largo de D . Gastão. Estas casas foram
renovadas no século XVIII pelo principal D. Francisco de Sales da Câmara, filho segundo desta família que nelas morou. Nota-se. ao fundo.
1. ° conde da Cunhal9. uma dessas antigas casas, com quatro sacadas no piso nobre. lendo a seguinte sido transformada em armazém. A Qutra construção de topo é

A um dos filhos de D . Gastão ( B . O) , um acrescento posterior. erguido em parle sobre o traçado original da antiga via pública, hoje Escadinhas de D. Gastão.

D . Francisco d e Sales d a Câmara, prin­ eminência da calçadinha q u e sobe - assim chamado já em 17 7 6 22 -


cipal da Patriarcal, também coube a para ele, sobre uma rocha, na parte do mantendo-se o filho, senhor da casa,
iniciativa de grandes obras no Grilo . sueste sobre o mar não tem mais espe­ no palácio. Falecida em 17B1, fez o seu
Seu pai a elas faz referência no testa­ cialidade do que a excelente varanda testamento no sítio do Grilo (. . ) às .

mento (1736), declarando que o Prin­ para o poente, que mandou fazer o casas em que reside (. )23 Nesse ano . . .

cipal (. . .) tem feito muitas benfeitorias excelentíssimo Principal D. Francisco D . Gastão sub-rogou 985 000 réis nas
nas casas em que mora defronte das em de Sales, e um embarcadouro excelen ­ obras que fizera na propriedade, tendo
que eu vivo , e também na quinta te com sua porta no mesmo palácio. (. ) acrescentado no seu palácio no
. .

con tígua às mesmas casas20• Estas obras A entrada que fica ao norte na mes­ sítio do Grilo, cabeça do mesmo morga ­
não foram alheias à promessa - a que ma calçada que vai para o Grilo não do, um quarto que reedificara de novo
anuiu o sucessor da casa - de que em corresponde à magnificência do novo «a fundamentis» , com o qual se tinha
sua vida fosse senhor e possuidor tanto quarto, cuja galeria cai sobre a dita a umentado o dito prédio nas melhores
dessas casas, como da quinta. D . Fran­ varanda2I• a comodações para os sucessores do
cisco de Sales usufruiu dessa proprie­ Entretanto , viúva desde 1744, D . Isabel mesmo vínculo. Constou ainda no auto
dade até falecer, em 1755, juntamente Libânia partilhou o palácio sobre o rio de vistoria (. . ) ter-se feito de novo um
.

com a que possuía em Almeirim , onde com seu filho D. Gastão (1 0 . ° ) até à cais pela frente do mar revestido todo de
instituiu capela. morte do Principal, depois do que enxelharia tanto por esta parte como
Do palácio diz o prior Luís Barbuda se instalou D. Libânia nas casas nobres por cima todo lajeado, e também a
Cr759) que (. . . ) situado ao Grilo na fronteiras ao «Largo de D. Gastão» mesma reformação desta rede nova; e

57
novo em 2 50 0 000 réis, e o reparo das descobrindo o túmulo de D. Gastão
casas místicas em 400 000 réis2�. Coutinho, que está do lado da Epístola,
A Quinta do Grilo é descrita entre a é que senti uma certa comoção que
segunda metade do século XVIII e n unca pude explicar e que me fez dizer
meados do século XIX'5, do lado do a minha sogra que a capela era magnífi­
rio : palácio , armazéns, terce nas e as ca, mas que o lugar onde se recebiam as
quatro moradas de casas onde assistem bênçãos nupciais, entre dois túmulos,
os capelães da ermida, sita no palácio ; era triste29.
do lado oposto : casas com cocheira e o 1 2 . ° senhor das Ilhas Desertas,
estrebaria, o palácio, ou casas nobres, D . Gastão da Câmara Coutinho Pereira
com cocheira, loja e quarto por cima e de Sande, baptizado na ermida em
a quinta. Do palácio deixou colorido 17933°, L ° conde da Taipa (r823),
testemunho, no primeiro quartel do casado com D . Francisca de Almeida,
século XIX, o marquês de Fronteira, viúva do L ° marquês de Valada , reuniu
que ali namorou e casou com D . Maria em 1863 todos os morgados de sua casa
Constança, filha de D. Luís Gonçalves sob o título de Vaqueiros31 . Castilho , a
da Câmara Coutinho (II. 0 ) e irmã do propósito da transferência da freguesia
conde da Taipa . No faustoso palácio dos de S. Bartolomeu para o Grilo (1836) ,
sogros - diz o marquês - se encon­ alude à (. . .) influência do conde da
travam ali os primeiros talentos musicais Taipa, que então morava num palácio
de Lisboa e, muitas vezes, se dançava até histórico (hoje transformado) no vizi­
de madrugada26• Fala das representações nho Largo de D. Gastã032• Entre re­
nas salas do Grilo , num período em que construções e mutilações, é bem visível
o teatro era muito frequentado pela so­ do exterior a estrutura, outrora sobre o
ciedade, onde esteve hospedada durante rio , da varanda e do embarcadouro da
anos a família Mieterni, protegida por casa que em outros tempos se impunha
sua sogra - e acrescenta: O teatro do a quem andava pelo rio . Da capela -
Grilo era dirigido por artistas distin­ citando Manuel Bernardes B ranco
Dois outros aspectos da grande varanda/cais do Palácio dos
Senhores das Ilhas Desertas. vendo-se a antiga varanda sobre que
tos da época. O famoso Bontempo, o (1883) - nem vestígios se encontram33•
abriam as salas nobres. hoje com barracões escolares.
primeiro rabeca Pin to Palma, e os (JFP)
que por cima do cais onde havia um Jordanis, tomavam parte nas partidas
quintal, se reformaram duas casas, musicais que ali havia27. Na capela do
m uito bem acabadas e forradas de Grilo recebeu as bênçãos nupciais
chumbo, e que no pardieiro que havia (1821)'8, naquele que foi o último casa­
no pátio, fizera o suplicante quatro mento ali realizado . Da cerimónia dei-
casa� com paredes quase todas novas, xou a sua impressão : Só quando me
avaliando -se toda esta obra feita de levantei e beijei a mão de minha sogra,
II - COMENTÁRIO

Não é fácil deslindar na amálgama de


construções que hoj e se erguem dos
dois lados da Calçada de D. Gastão o
conjunto palaciano que outrora cons­
tituiu uma das mais celebradas re­
sidências aristocráticas de Lisb o a .
Torna-se necessário u m esforço quase
inventivo p ara tentar discernir no
meio de tanta desarrumação a estru­
tura primitiva do conjunto de edi­
fica ções, já de si múltiplas, que
compunham esta residência com de­
pendências dispostas dos dois lados da
via pública. O melhor é começar por
reco rrer à carta de Filipe Folque
(18 5 6 ) , traçada ainda em vida do Restos d o antigo muro d e suporte da varanda sobre o cais. com a primith'a balaustrada setecentista.

conde da Taipa , 1 3 . o senhor das Ilhas


Desertas, falecido em 1 8 6 6 . Do lado encontra-se uma série de quatro casas cio propriamente dito , mais a grande
nascente da rua, sobre o rio , ergue-se j ustapo stas - renovadas no século capela anexa com acesso pela rua ,
isolado um conjunto compacto de XVIII pelo principal D. Francisco de sabemos que já de si devia ser bastante
construções , que englobava a desa­ Sales da Câmara que nelas residiu - complexo , dadas as constantes obras
parecida capela - infelizmente não o riginariamente destinadas aos cape­ e acrescentos que a documentação
sinalizada - e onde se destaca a cele­ lães da ermida fundada por D. Gastão refere. Com algum esforço , ainda se
brada varanda sobre o rio , hoje atafu­ C outinho , hoj e adulteradas pela pode isolar um pequeno torreão
lhada de b arracões escolare s . Essa junção de outras construções laterais quadrado , talvez o ele mento mais
varanda debruçava-se directamente o itocentistas. Qualquer destes con­ antigo , além do grande corpo rectan­
sobre o cais - renovado em finais do j untos fronteiros se encontram recua­ gular adossado que fecha a norte a
século XVIII - constituindo -s e o dos em relação à via pública, hoje dela referida varanda sobre o cais, cons­
conjunto como que uma ilha solitária separados por gradeamentos que os trução da iniciativa de D. Gastão da
proj ectada sobre o rio, funcionando isolam. No entanto , como se percebe C âmara Coutinho , 8. o senhor das
aliás como uma espécie de metáfora da referida carta, anteriormente for­ Ilhas Desertas. Quanto à fachada sobre
das Ilhas Desertas de que os proprie­ mavam um logradouro comum, espé­ a rua é bastante simples , modesta
tários eram senhores. Da banda do cie de pátio nobre da casa, citado em mesmo , parecendo esconder do pas­
poente da rua, entre as escadinhas vária documentação como Largo de seante a exuberância de um conjunto
de D . Gastão e a Calçada do Grilo, D . Gastão. Da parte nascente, o palá- palaciano que só visto do rio revelava

59
toda a sua variedade e riqueza, num só as diversas propriedades dos dois
efeito de surpresa tão ao gosto barro­ lados da via pública.
co que não deixa, também, de insi­ O elemento mais importante deste
nuar um certo culto pelo secretismo conjunto era, sem dúvida, a grande
intimista sensível na tradição palaciana capela , j azigo durante dois séculos de
lisboeta. todos os membros desta família. As
Se quanto ao conjunto edificado as constantes visitas régias e as divf!rsas
dúvidas são imensas, o mesmo se passa cerimónias nela desenroladas, sobre-
quanto à estrutura das duas proprie­ tudo a festa da padroeira a 2 de Julho ,
dades de cada lado da rua. Sabemos fizeram época nos anais lisboetas,
que a condessa de Atouguia integrou acentuando o relevo de se tratar de
em 1519 no morgado de Vaqueiros as um dos poucos monumentos vivos
casas que estão junto de Xabl'egas do à Restauração de 1640, sempre lem­
Penedo. Sabemos que esse morgado , b rada nas bandeiras expostas que
no século XVlI, estava na posse de D . Gastão Coutinho ganhara nas suas
Francisco Gonçalves da Câmara e campanhas militares. Deste interes­
Ataíde, 6 . o senhor das Ilhas D esertas, sante monumento nada resta , não
casado com D . Filipa Coutinho , irmã deixando de constituir um enigma
de D. Gastão Coutinho, fundador da A actual Rua da Manutenção, outrora cais de embarque da como é que ela desapareceu sem deixar
propriedade dos senhores das Ilhas Desertas.
Ermida de Nossa Senhora do Rosário traços na documentação, já que até
da Restauração , e criador com sua a capela foi fundada no tal penedo ao presente nada foi encontrado . As
mulher , D . Isabel Ferraz, do morgado do morgado de Vaqueiros, lançando b andeiras e o enorme túmulo de
do Grilo que tinha por cabeça essa alguma confusão sobre a conjugação mármore de D. Gastão Coutinho , um
mesma capela. Sabemos, por outros das várias propriedades em questão . dos quarenta do I. o de Dezembro -
documentos, que os terrenos da pe­ Parece, todavia, pouco provável que que tanto impressionou o marquês
dreira para erguer o adro da capela e D . Gastão pudesse instituir um vín­ de Fronteira que nesta capela casou
as casas fronteiras para os capelães culo num terreno propriedade do em 1821 -, mais a devota imagem de
foram adquiridos (1656) pela referida cunhado , o qual, por variada infor­ Nossa Senhora do Rosário da Res-
D . Isabel ao vizinho António de Oli- mação , sabemos que viveu com ele em tauração sumiram-se para sempre na
veira de Azevedo , senhor da quinta permanente litígio . Só o eventual poeira de uma memória colectiva
depois dos Leite de Sousa, parecendo , aparecimento do arquivo desta casa infelizmente muito pouco interessada
pois, que D. Gastão fundou a capela poderia resolver esta complexa em­ em cuidar de si.
em terrenos diversos daqueles que brulhada, que definidamente perdeu Como informação complementar de
possuía seu cunhado, o referido Fran ­ sentido uma vez que D. Luís Gonçalves interesse histórico , diga -se que o I . o
cisco da Câmara. N o entanto , Frei da Câmara Coutinho, 7. o senhor das senhor das Ilhas Desertas, então parte
Agostinho de Santa Maria afirma no rihas Desertas, foi o único herdeiro do integrante da capitania do Funchal,
século XVlII (ver texto anexo) que pai e do tio materno, reunindo numa foi João Gonçalves Zarco da Câmara ,

60
o celebrizado povoador da ilha da
Madeira. Mais tarde, seu neto, Simão
Gonçalves da Câmara, 3 . o capitão ,
veio a separar as Ilhas D esertas em
senhorio autónomo a favor do filho
do seu segundo casamento, Luís Gon­
çalves de Ataíde, portanto 4. o senhor
das Ilhas D esertas, neto pela mãe dos
condes de Atouguia. O neto deste,
o referido Francisco Gonçalves da
Câmara , 6. o senhor, tentou suceder
na capitania do Funchal como pri­
meiro descendente por varonia da
família , ao extinguir -se no século
XVII a linha principal, a dos condes da
Calheta , perdendo vários processos
para a Casa C astelo Melhor , que veio a
ser a herdeira. No entanto , e como
representantes da linha varonil pri­ CAIS DOS SENHORES DAS ILHAS DESERTAS ao longo da margem . Os I'estos do cais
mogénita da descendência dos capitães o progressivo avanço da margem do rio dos senhores das I lhas Desertas,
do Funchal, os sucessivos senhores fez desaparecei' uma das i m agens mais na actual Rua da Manutenção, é u m a
desta casa usaram exclusivamente as marcantes da Zona Oriental de Lisboa, das poucas reminiscências dessa
armas de Câmara em chefe , sem mis­ marcada pela sucessão d e var i ados cais realidad e d e outrora, cuja lembrança
turas , apesar de todos os outros mor­ de acostagem, alguns públicos está bem viva nas referências
gados que na casa caíram. (JSM) e o u tros de carácter privado, que lhe faz o marquês de Fronteira
servindo as diversas casas d ispostas nas suas Memórias.

l lANlTT, Chancelaria de D. Sebastião, L.0 23. Os. 279. II IANfTT, Vínculos, Santarém, n. o 21, ns. 6 . 25 AHTC, D C , Santa Engrácia, Livros de Arruamentos,
:I lANlTT, RP, Casamentos, L. o I , n. 3°'1. I� IANfTT, RP, Santa Engrácia, Óbitos, Cx. 25, L . o I . mçs. 420-465.
3 Macedo. Luís Pastor de. Lisboa de Lés a Lés, Lisboa, 1] lANfTT, RGT, L . o 2 1 0 , n s . 70v. 26 Barreto, D . José Mascarenhas. Memórias do Marquês de
CML. Vol. IV. p . 123. I{ IANfTT, Chancelaria de D . João V. L.0 38, n. 165v. Fronteú'a e d'A/orna, Coimbra, Imprensa da
4 lANfIT. Vínculos, Santarém, n. o 21. IS IANfTT. Chancelaria de D. João V, L.0 42. n . 297. Universidade, 1926, P. I, (1802-1818), p. 156.
5 Index das nolas de vários tabeliães de Lisboa, Lisboa, 16 IANfTT, Chancelaria de D . João V, L. 0 82. n. 12v. 27 Barreto, D . JOSé Mascarenhas, oh. dI. P. II, (z818-
BNL. 1944. T. 3. p . 170. 17 Gazeta de Lisboa de 30.8.1736; e lANfIT, RP, Santa -1824). p. 181.
6 IANITT. RP. Santa Engrácia, Óbitos, ex. 25. L o I . Engrácia, Óbitos, Cx. 26, L . ° 4, n. 43v. 2S lANfIT. RP, S . Bartolomeu, Casamentos, L. o 4 .
7 Costa, P. Antonio Carvalho d a , COI'ografia Portuguua. IS Gazeta de Lisboa de 11.7.1737. n . 2v.
Braga, Typographia de Domingos Gonçalves Couvea. 19 Gazeta de Lisboa de 16.3.1745; e lANfTT, RP. Santa '29 Barreto, D. JOSé Mascarenhas. oh. dI. P. II, (1818-
1868-69. p . 262. Engrácia, Casamentos, ex. 19, L. o 6 , n. 26v -1824). p. >23·
II Santa Maria. P. Francisco de. eco Abel'to na Tens, off. 20 lANfTT, RGT, L. ° 210, n. 7IV. ]0 IANfIT, RP, S . Bartolomeu, Baptismos, L. 0 3 , n. 5 5 .
de Manoel Lopes Ferreyra, 1697. L.0 2, p. 493. 2 1 Portugal, Fernando e Alfredo de Matos, Lisboa em 1758 31 IANrIT, Vínculos, Santarém, n. o 21.
9 Index das notas de vários tabeliães de Lisboa, Lisboa, - ,Memórias Paroquiais, Lisboa, Coimbra Editora,I974, 32 Castilho, Júlio de. Lisboa Antiga - Baiuos Orientais,
BNL. 1949. T. 4. p . 6 . p . 1I6. Lisboa. CML. 1938. Vol. XI. p.71.
10 Santa Maria, Fr. Agostinho de , Santual'io Mariano, 2 2 IANrIT, RP. Beato, Óbitos, L.0 I , n . 26. 31 Branco, Manuel Bernardes, História das Ol·dens
Lisboa, Officina de Antonio Pedrozo Galram, 17°7, " lANfIT. RGT. L. 0 315. !ls. 160'161. Afonásticas em Portugal, Lisboa, Livraria Editora de
pp. 197-198. 2� IANrIT, Chancelaria de D. Maria I, L. ° 16, n. 3I3v. Tavares Cardoso e Irmão, 1888, VoI. III, p. 256.

61
França, com o regente D, Pedro e os seus
amigos, facto que determinou a exclusão
de D. Gastão da expedição do M indelo.
Reintegrado na Câmara dos Pares, mas
afastado do exército, o conde da Taipa fez
dessa tribuna o local adequado para as
suas violentas diatribes, que não
pouparam ninguém, fazendo época n a
sociedade lisboeta a s u a verve sempt'e
cáustica, de que Costa Cabral seria a viti­
ma seguinte, Depois da Regeneração o
conde afastou-se da vida pública, residindo
fl'equentemente nas suas propriedades de
Almeirim. N u ma das suas viagens ribate­
janas teve como companheiro Almeida
Garrett, surgindo citado como o conde
D, GASTÃO DA CÂMARA COUTINHO PEREIRA T. nas Viagens na Minha Terra. caso de José Elias Garcia. O Estado Novo
DE SA ND E i n tegrou os centros republicanos no
I , ° conde da Taipa, 1 3, senhor das Ilhas
° ELIAS GARCIA ensino particular, exercendo um activo
Desertas ( 1 795-1 866) Busto de José Elias Garcia controle sobre as suas actividades, em
(Fotografia publicado tiO HISTÓRIA DE PORTUGAL de Alberto Nunes, I BBB especial o ensino, i mpondo algumas
Pitlheiro Chagas), Mármore branco t'egras que constituíram um manifesto
Militai' brilhante e oradO!' truculento, o Pertenceu este busto ao Centro Escolar retrocesso, como a separação dos sexos
conde da Taipa é uma figUl'a marcante da Republicano Elias Garcia, que funcionou no ensino primário, contrária à tradição
instauração do regime l iberal. Apesar de na Calçada de D. Gastão, n.O 1 5 , 1 .° DtO., destes centros.
ser um dos autot'es da Vila-Francada em pal'te do antigo Palácio dos Senhores Ao Centro Elias Garcia pel·tencia este
( I B23), q ue lhe valeu o título de conde, das Ilhas Desertas. O centro foi fundado busto realizado pelo escultor Alberto
depressa se ligou a outros aristocl'atas que em 20 de Abril de 1 90B, destinando,se, Nunes, bem como fotografias de notáveis
lutaram pela causa da l iberdade - como muitos outros que então existiram republicanos, caso de Manuel de Arriaga
Terceit'a, Palmela, Saldanha ou Fronteira, em Lisboa, à propagação e promoção das ou Afonso Costa, assinadas por Júlio
este último seu cunhado - de acordo, ideias republicanas, difusão da instrução Navais, assim como óleos do mesmo
aliás, com as reticências que a sua classe pelos seus associados e à promoção de fotógrafo executados a pat·tir das
sempre levantou aos excessos do despo, palestras sobre temas políticos. Este centro fotografias. A salvaguat'da deste
tismo pombalino, No entanto, ficaram funcionou até Abt'jJ de 1 975. património deve,se ao cuidado do
também explícitas as divergências com os Habitualmente estes centros escolhiam Sr. João Mendes, actual locatário do
liberais radicais, sendo disso paradigma o para evocação algumas das grandes edificio, que também preservou o arquivo
corte dramático, ainda no exilio em figuras do ideário republicano, como é o do Centro Elias Garcia. (LA)
moça muito simples, mas muito devota da nova casa (o o .) em que hoje se vê a

Senhora do Rosário da Restauração de N. a Sr. a a quem o tempo ocultou o ermida (o o .) que então era um quintal

que se venera na sua Ermida do Grilo nome, deixando-lhe só o de Antunes, daquelas mesmas casas e quinta do

(in Frei Agostinho de Santa Maria, com que sempre entre a gente da casa Grilo.

Santuario Mariano, Lisboa, 1707, T. I) era nomeada. ( ) o o . A ela apareceu a (. . .) Continuou a obra com tanto fervor

Senhora por repetidas vezes, e lhe e cuidado que a Senhora se colocou

( )
o o . Depois daquele memorável sábado mandou dissesse a D. Gastão Coutinho na sua ermida no dia de São João

primeiro de Dezembro do ano de I640 lhe satisf'


JZesse a sua promessa, edifican ­ Baptista do ano de I644, levando-a do

(. . .) saíram vários fidalgos a render as do-lhe a casa que lhe prometera. (o o.) oratório em procissão as mesmas comu­

fortalezas que à cidade de Lisboa ficavam Na manhã do dia seguinte acharam a nidades ( )
o o . . No ano de I65� ins­

vizinhas. Um destes foi D. Gastão imagem sobre a cama da moça, tendo a tituíram D. Gastão Coutinho

Coutinho, que tinha sido um dos Senhora as contas ao pescoço e três mulher (o o .) um morgado (o o .) e dis­

(o o .). E este fidalgo tocou ir voltas em um braço da mesma moça. puseram em seus testamentos que depois

render a fortaleza de Cascais, em que Divulgou-se o sucesso pela casa e vizi­ de mortos lhe dessem sepultura à vista

depois de grande trabalho (o o .) entrou nhança ( )


o o . . Vieram os religiosos (de desta mesma Senhora, onde seu sobri­

dentro dela em os dez do mesmo mês. Xabregas e Beato) com grande concurso nho lhes mandou lavrar dois majestosos

E tratando de ir dar graças (o o .) foi à de povo e com procissão levaram a Santa túmulos de ricos mármores com ele­

ermida da mesma fortaleza, em cujo Imagem da câmara em que a moça gantes epitáfios e armas de sua nobreza.

altar achou uma imagem de N. a Sr a. do dormia para o oratório das casas, (o o .) e Também (. . . ) deixaram quatro capelães

Rosário ( ) à
oo. qual depois de lhe dar ali repetidas vezes a viram suar, e fazer perpétuos que quotidianamente dizem

graças pela mercê que Deus lhe tinha muitas maravilhas; porque deu vista a missa pela alma deles instituidores e de

feito ( )
o o . pediu favor à mesma para a cegos, sarou coxos e aleijados e deu seus ascendentes e descendentes (. . .) e

continuação da começada empresa da saúde a muitos enfermos que vindo de dispuseram que a festa principal (. . .)

aclamação (o o .) prometendo -lhe que se romaria ( )


o o . untando-se com o azeite fosse em � de Julho, dia da visitação de

lhe desse bom sucesso nela lhe faria uma de sua lâmpada voltavam livres das N. a S. a. A tudo isto deu inteira satisfação

casa onde com mais decência fosse enfermidades (o o .). Adoeceu a moça Luís Gonçalves Coutinho da Câmara,
venerada. Antunes gravemente em o princípio do mandando edificar as casaspara moradas

Feito este voto (o o .) tomou a imagem da ano de I643 ( ) o o . e pouco antes da sua dos capelães, defronte da mesma ermida

Senhora do altar ( ) o o . por prémio da última hora mandou dizer a D. Gastão (. . .) com a perfeição que ainda hoje se vê

vitória, (deixando em seu lugar outra Coutinho que se não queria edificar (o o .). No dia da festa, além da armação da

que para isso mandou fazer logo), e a (. . . ) a casa que prometera, tornasse a ermida, se põem nela as bandeiras que

mandou a sua mulher D. Isabel Ferraz, levar a imagem à mesma parte de onde D. Gastão Coutinho ganhou assim aos

para que a colocasse no oratório da a tirara. (o o .) Quis logo dar princípio e galegos na província de Entre Douro

quinta do Grilo, que era de seu cunhado vendo-se perplexo na escolha do sítio e Minho (. . . ) como em Tânger aos

Francisco Gonçalves da Câmara (o o .). (o o .) se sentiu um tremor de terra e mouros. É visitador desta capela o geral

Na referida quinta do Grilo deÍxou sua se viram milagrosamente abertas umas da Congregação dos Cónegos de São

mulher, em cujo serviço havia uma covas que mostravam ser os alicerces João Evangelista. (. o o )
$ C 0 n V E nT0 0 0 G R I L0

I - RESENHA HISTÓRICA Parece que durante aquele interregno


de tempo os religiosos se acomodaram

O da Conceição do Monte Olivete,


C ONVENTO de Nossa Senhora em algumas casas ali existentes, até
• à construção de edifício próprio . Este
cabeça da Ordem dos Eremitas Descal­ ergueu-se numa quinta que a rai­
ços de Santo Agostinho , foi fundado nha mandou se tomasse, pertença de
na zona do Grilo - daí a designação Gonçalo Vasques da Cunha, situada no
:li .
de Grilos - pela rainha D . Luísa de sítio de Xabregas, para nela se fazer
Gusmão, viúva de D. João N. Pre­ gasalho para confessor, capelães e mais
tendendo fundar dois conventos, um religiosos que haviam de assistir no
masculino e outro feminino, a rainha mosteiro das religiosas recoletas ca ­
solicitou ao geral da Ordem a auto­ puchas de Santo Agostinho que a

.
rização para concretizar a sua ideia mesma senhora fundou no dito sítio
(25 .4. r663) passando-se patente em
r 6 · 5 ·1663'· ./
) ( . . ) e em efeito se tomou a dita quinta
e nela estão já os ditos religiosos8
r
Os cinco reformadores - vigário, con­ (r6. 6 . 1665) . Entretanto , falecendo o
fessor, capelão , sacristão , e um outro, aponta o ano de r6643, e justifica vendedor, coube aos seus sucessores
vindos do Convento da Graça - que se o orago de Monte Olivete por uma a efectivação da venda, cujo valor im­
haviam de descalçar e vestir o hábito devota imagem de N. Senhor orando portou à rainha 4000 cruzados, depois
reformado dos Agostinhos , pararam na no Horto, que estava em uma capeli­ de emanado o alvará de desobrigação ,
ermida de D. Gastão Coutinho de onde nha, a qual hoje se venera na portaria por a propriedade ser de morgado .
saíram em procissão à igreja e capela da deste convento. A existência desta cape­ A igreja já devia estar concluída dois
sereníssima rainha, juntamente com as linha é confirmada por Frei Agostinho anos depois, visto que no dia r9· 7 .
religiosas. Aqui pregou aquele que que fala de uma capela que tinham na r668, Fernão d e Castilho d e Mendonça
ficaria por prelado, Frei Manuel da cercé. Este segundo autor, cronista doou ao convento a sua Quinta da
Conceição, confessor da rainha e que a coevo , vigário-geral da Ordem e im­ Tourada, na Caparica, com obrigação
aconselhara sobre aquela fundação . portante fonte para a história desta de o sepultarem na capela -moI' do dito
Escreveu ele a Clemente IX que per­ instituição, refere o dia 2 . 4 . r663 para a convento no carneiro que está nela
suadira a rainha que fizesse uma obra sua fundação e a de 15 . 5 . 1666 para feit09. Anos depois (2 3 . ro . r683) so­
que seria m uito agra dável a Nosso o lançamento por D. Monso VIs da freu um grande incêndio que, em
Senhor; e foi que introduzisse naquele primeira pedra do edifício , projectado menos de duas horas, destruiu a igreja
Reino a Reformação dos Descalços de como o das Grilas, por João Nunes e a maior parte do convento . Da igreja
meu Padre Santo Agostinh02• Tinoco , arquitecto da casa da rainha primitiva diz-nos Frei Agostinho que
A data da fundação não está determi­ (I665)6, em cuja edificação terá parti­ era pequena, e baixa (porque ainda vi­
nada com precisão . Carvalho da Costa cipado , como pedreiro , João Antunes7• viam os religiosos no convento velho)
consta de parreiras, e um bocado de
vinha, poucas árvores de caroço, e
alguns tabuleiros para horta ; tem duas
noras, e um poço . Confronta pela
parte do poente com a calçada do
Grilo, estrada de Marvila . Pelo lado
oposto com a cerca das freiras Grilas.
Pelo nascente com o convento, igreja
e armazénsI5• Igualmente se inventa­
riou o cartório - cujo paradeiro se
desconhece - e fez-se uma relação dos
juros e dívidas do convento , contan­
do-se entre os devedores o marquês de
Pombal, por uma dívida de 1 660 000
réis'6.
A Igreja do Gril o , restaurada em
1896, foi destinada a sede da freguesia
Sacrisitia da Igreja do Grilo. hoje freguesia de S. Bartolomeu. Além dos azulejos e do magnifico arcaz setecentista, realce-se a pintura mural
do século XVIII. recentemente descoberta e restaurada por iniciativa do actual prior, Padre Manuel Carvalho. de S. Bartolomeu (183 5 ) , transferida
e era também a igreja forrada de pinho que ficaram livres de ruínasI3 - per­ do templo do Convento do Beato -
de FlandresIO• Não demorou muito mitiu ao convento preservar a sua completamente degradado - o nde
a reconstrução, com inevitáveis altera­ estrutura , mantendo elementos como estava sedeada desde 175 5 , originando
ções no conjunto edificado, sofrendo a o corredor onde se abrem as anti­ a errónea designação de freguesia de
sua estrutura seiscentista intervenções gas celas e a escadaria conventual , S. Bartolomeu do Beato , dando aso a
ao longo do segundo quartel do século cujo tecto moldado em estuque foi chamar-se hoje d? Beato esta igrej a
XVII I . feito em 174-6 e retocado em 1 87 0. dos Agostinhos. No antigo edifício
No ano d e 1735 a Capela de Nossa C astilho louvou o esplendor desta conventual instalou - se o Recolhi­
Senhora da Copacabana (ver caixa) foi escadaria'4. mento de Nossa Senhora do Amparo ,
pintada e dourada por Bernardo da Quando da extinção em 1834, segun­ fundado por D . João N, então situa­
Costa B arradas e João Crisóstomo do o inventário dos seus bens , o con­ do na Mouraria. O Almanaque Esta ­
Ribeiro , segundo encomenda do con­ vento constava de dois dormitórios, tístico de Lisboa de 1848 já refere a
tador-moI' Luís Manuel Castanheda primeiro e segundo andar, os quais sua existência no Grilo'7, o que não se
de Mourall. O altar-moI' foi consagra­ olham para o mar. Há m ais um verifica no de 1843. Esta instituição
do em 1 9 . 4 . 1739 por D. Frei Leandro pequeno dormitório, e noviciado para esteve na base do actual Recolhimento
da Piedade, religioso desta congre­ a parte da terra . Há um refeitório, do Grilo , integrado no CRSSLVT,
gação e bispo da ilha de São Tomé". cozinha, e dispensas. Dentro da por­ que acolhe senhoras, em habitações
O facto de não ter sido afectado pelo taria há qu atro casas aboba da das. próprias, dispostas nas antigas celas
terramoto - um dos edifícios grandes, A sua cerca é de figura triangular, que dos frades . (JFP)

66
Vista de conjunto do Convento do Grilo. Note-se o antigo muro de suporte da via publica, caindo primitivamente sobre a margem do rio,
II - COMENTÁRIO hoje Rua da Manutenção. Ao lado: uma das portas das celas, com revestimento de azulejos de belo efeito decorativo.

um caso à parte no panorama patrimo­ encurvada vulgariza-se entre nós só no


Apesar das profundas transformações nial lisboeta. século XVIII, sendo este possivelmente
que toda a Zona Oriental sofreu desde Pouco ou nada se sabe da estrutura dos primeiros casos de uso sistemático
meados do século XIX, nela coabitam primitiva seiscentista desta casa reli­ no interior e na fachada desta novidade
ainda algumas das mais preservadas giosa, segundo se afirma obra de João arquitectónica.
unidades que nos permitem uma apro­ Nunes Tinoco , sendo possivelmente Após um enorme incêndio (1683) o
ximação à imagem original de alguns restos dela o corredor com celas que se convento foi reconstruído e muito
conjuntos. Um deles é, sem dúvida, abre à esquerda no topo da escadaria, aumentado , substituindo -se o ar mo­
este Convento de Nossa Senhora da referido no inventário de 1834 como desto de uma casa eremítica pela
Conceição do Monte Olivete , dos um pequeno dormitório e noviciado exuberância de uma notável decoração
Agostinhos Descalços, preservado pela para a parte da terra . O tipo de desenho barroca. Infelizmente não dispomos
manutenção de um uso próximo da sua das abóbadas e aberturas, tudo mais do arquivo desta congregação para se
função o riginal . Após a saída dos modesto e atarracado que no restante poder avançar com alguma segurança
frades (18 34) foi o seu lugar ocupado convento , e o uso de vergas rectas para a pormenorização das diversas
pelas senhoras do recolhimento, man­ nas portas contrasta nitidamente com a fases dessas obras bem como para o
tendo -se quase intacta a estrutura maior elegância das vergas em arco conhecimento das autorias dos proj ec­
primitiva. Este facto , aliado à riqueza abatido utilizadas nas restantes aber- tos. A data mais antiga, 1739, consta
artística - quer arquitectónica , quer turas do convento , naturalmente mais na lápide de consagração do altar-mor
decorativa - fazem deste conjunto tardias. Com efeito , este tipo de verga da igreja e refere o patrocínio de um
membro da Ordem, D . Frei Leandro - A Arte no Tempo de D. João V,
da Piedade, bispo de São Tomé. O mais vaI. II) . São notáveis as diversas portas
natural é essas obras terem-se arrastado de desenho erudito elaborado e o
com vários intervenientes, denotando­ conjunto do altar-mar, com colunas
-se nalguns detalhes a justaposição de salomónicas, evidente citação do mode­
diferentes sensibilidades estéticas, mas lo romano de Bernini. Destaque-se,
na maioria já bem dentro do século ainda, o revestimento de mármores até
XVII I . Logo na fachada se destaca a meia altura das paredes laterais - desti­
sobreposição sobre um muro liso de nado a encosto do cadeiral - com
pequenas aberturas de verga encurvada grandes molduras alternando cartelas
- já portanto do século XVII I , mas elípticas e rectangulares num belo efeito
num arranjo global bem dentro da decorativo . É possível que esta capela­
tradição conventual - do corpo esguio -mor, consagrada como afirma a referi­
de três pisos da portaria, belo aponta­ da lápide em 1739, decorra de uma
mento barroco onde é sensível a in- campanha de obras em que se integre
fluência da prática vulgarizada sob a também a fachada da igreja.
influência de J . F. Ludovice. Finalmente deverá realçar-se no inte­
Diversa sensibilidade se evidencia na rior da parte conventual a portaria e a
fachada da igreja, arranjo por certo escadaria, bem como os dois amplos
mais tardio. Aliás, sabendo-se que a corredores sobrepostos que correm ao
igrej a primitiva era pequena, e baixa, longo de todo o edifício . Impõe-se a
como informa o cronista da Ordem, exuberância decorativa dos azulejos
poderá admitir-se que o templo actual (ver Guia do Azulejo) num conj unto
- nada pequeno , nem baixo -, tenha marcado pelo ar profano mais próprio
sido refeito de raiz depois de 1683. de um palácio , mas estranho numa
A cabeceira da igreja isola-se do res­ casa conventual de eremitas descalços ,
tante conjunto pela substituição da obedientes a uma estrita regra de
talha, azulejo e embrechados , domi­ pobreza . É possível que o referido
nantes nos vários altares laterais, por bispo D . Frei Leandro utilizasse este
um apurado trabalho em mármores edifício como residência, introduzin­
de nítido sabor italiano , já atribuído do-lhe essa componente mundana de
sem referência documental - a aparato barroco . A escadaria é um
Giovanni Bellini, de Pádua, um dos dos mais interessantes apontamentos,
artistas transalpinos a trabalhar nos quer pela sua beleza e qualidade , quer
estaleiros de Mafra, habitualmente pelo carácter unitário da intervenção ,
associado às empreitadas da responsa­ toda ela datável - arquitectura , azule ­
Em cima: vista do conjunto da nave. da Igreja.
bilidade de Ludovice (Aires de Carvalho Em baixo: 3 escadaria conventual. jos, gradaria e tecto - d a década de

68
quarenta do século XVIII. Quanto ao raramente preservado na sua unidade
tecto, onde consta a data de 1746, será original, merece bastante mais atenção
possivelmente obra de Grossi, introdu­ do que aquela que lhe tem sido pres­
tor em Lisboa deste tipo de decoração tada para entendermos esse momento
em estuque, aqui chegado nesta mesma charneira da arquitectura e do gosto
década, sendo esta, portanto , uma das lisboeta , marcado pela opção delibera­
suas primeiras realizações lisboetas. da de D. João V da pela estética barro­
Este conjunto de grande qualidade, tão ca de matriz romana. (JSM)

1 Madahil, António da Rocha, A CI"ónica inedita da • IAN !IT. CN. C-9A. Cx. 41. L.0 196. Os. 37-39.
Congugação dos Agostjnhos Descalços, Coimbra. 1938, 9 Index das Notas de vários Tabeliães de Lisboa, Li sbo a,
Coimbra Editora. pp. 10-12. BNL. 1949. T. 4. O. 37.
2 M adahil , António da Rocha. o h . cit., p. 9 - nota. 1 0 Santa Maria, FI'. Agostinho de. ob. cit., T. VII, p. 13.
II IANfTT, CN, C-J2B, ex. 52, LO 582, Os. 35v-36v.
1 Co st a . A. Carvalho da, Corografia POl"t ugueza, Braga,
12
Typographia de D o m ingo s Gonçalves Gouvea, 1868, Lê-se numa inscrição atrás do altar-mor.
Vol. III. p. 413. 13 Mendonça. JoachimJoseph Moreira de, Historia

I Sa nta Maria, Fr. Agostinho de. Santuado Mariano, lisboa, Uni,'cnal dos Terrcmotos. Lisb oa , Officina de Antonio
Off. de Antonio Pedrozo Galram, 1721. T. VII, p. 14. Vicente da Silva. 1758. p . 135·
li Santa Maria, Fr. Agostinho de. ob. cit . . Lisboa. 17°7. I I Castilho, Júlio de, Lisboa Antiga - BailTos Orientais,

T. I. p. 477. Lisboa. CML. 1938. Vol. XI. pp. 75-76.


6 Sa nt o s , Reynaldo dos, Oito Séculos de Arte POJ'tuguesa. 15 IANrrT. AHMF, Convento de N . Senhora do Monte
Lisboa. Empresa Nacional de Publicidade. VaI. II. Olivete, n. o 2218, pp. 8-8v.
16
pp. 217. IANfTT, AHMF. Convento de N. a Senhora do Monte
i João Antunes - Arquitecto - 1643-1712 (Catâlogo). Olivete, n. o 2218, p. 10.
I, Portugal, M . A. F. (coord.), Almanak Estatístico de Aspectos da capela-mor da Igreja do Grilo. hoje freguesia de São
Instituto Português do Património Cultural, 1988,
Ba rtolomeu do Beato. destacando-se o apurado trabalho dos
pp. 9-10. Lisboa, Lisb oa , Typ. do Gratis. 1848. p. 249.
revestimentos em mármores coloridos (1739).

69
p ara q u e os p o n h a m a razõo de juro
em p a rt e m u ita segura, d a n d o- o s a o s
p a d r e s p ara a m i ssa e s e r m ão d a s u a
festa a n u a l , a a p l i c a r p e l a sua a l m a .
A o b r a d a c a p e l a fo i e n c o m e n d a d a
p o r seu fi l h o , o c o n ta d o r - m oI'
L u í s M a n u e l Castanh e d a de M o ura,
que ali tinha o seu j az i go e
d e t e rm i n o u q u e sel'ia fei t a com
todo o primor da arte p o ndo-lhe n o
cimo as suas A rmas>, p e l o p r e ç o
de 350 000 réis, com talha pintada
C astan h e d a d e Moura e mãe e d o urada p o r B e r n a r d o d a Costa
d e L u í s M an u e l d e Casta n h e d a Barradas e J o ão C r i s ó s t o m o R i b e i r o .
d e M o u ra P e r e i r a T e l e s , t a m b é m A i magem de N ossa Senhora
a l i s e p u l ta d o . N o testamento d e Copacabana não está h oje na
CAP E L A DE N . ' S R . ' DE COPACABAN A mandou que o s e u c o rpo fos s e capela, substituída por u m a imagem
N esta capela encontra-se a lápide sepultado n a capela de N o s s a Senh ora d e São Teotó n i o , assinad a por M a n u e l
d a sepu l tura d e D. F rancisca P e re i ra de C o p a c a v a n a e aos pés do seu a ltar, d e Almeida Portuense (em cima, à
Teles - 1716 - fi l h a de L u ís P e re i t'a d e ix a n d o 5 0 0 0 0 I'é i s p a l'a as o b ras e esquerda), Frei Agostinho de Santa
de B arros, m u lher d e Plácido 1 00 0 0 0 à "'m a n d a d e de C o p a c a b a n a Maria d e d i c o u o 1 .° t o m o d o


Santuario Maria n o a M aria Santíssima
debaixo d o seu milagroso título de
Copacabana. O cronista relata
a h i s t ó r i a dessa i m agem d e origem
p e ru ana, da v i l a d e Copacab a n a,
traz i d a para o Porto e m m e a d o s d o
sécu l o X V I I , d o n d e se d i s s e m in o u
p e l o reino. F o i intt'o d u z i d a nesta
igreja ( I . I 1 . 1 7 0 6 ) pela condessa d e
Santa C r u z , D . T e r e s a d e M o s c o s o
S an d o va l . C o m 5 p a l m o s d e a l t u l'a,
escu l p i d a e m m ad e i ra n a forma das
togadas, e copiada por autra q u e veio
do Peru. Está obrada c a m grande
perfeição, túnica branca semeada
de flores de o uro, m a n t o a z u l bordado
de m atizes de pedras, e pérolas; tem
em sua m ã o direita ceptro, e n a
cabeça c o roa i mperial de prata rica­
mente o brada; e m o braço esquerdo
o M e n i n o Deus; vestido de uma rica
tela, e a m b as as imagens são de uma
grande formosura. O m e n i n o está
olhando p ara os que chegam à s u a
presença com tanta graça, q u e rouba
os coraçõ es. A Senh ora está sobre
um tro n o de n uvem c o m a lua aos pés
so bre uma represa, e n q u a n t o
se lhe n ã o f a z o seu retábulo).
E s t a i m ag e m - p o s s i ve l m ente
a o ri g in a l , e m bora restaurada
- está h oje assen t e numa p e anha
à entrada d a s a c r i s t i a. ( J F P )

1 lANfTT. RGT, L.0 147, Os. 46-50v.


2 lANfTT, eN, e-12B. ex. 52, L. o 582, Os. 35v-36v.
3 Santa Maria, Frei Agostinho de . Santual"Ío J\1a";ano.
Lisboa, 1707. T. I . pp. 4 77-4 79.
t. .. - /
71
� C 0 n V E nT0 DAS G R I LAS

I- RESENHA HISTÓRICA

O Descalças de Santo Agostinho


ANTIGO mosteiro das religiosas

foi fundado pela rainha D. Luísa de


Gusmão em data não coincidente em
todos autores que sobre ele escreveram .
Frei Guilherme de Santa Maria, na
crónica dos Agostinhos Descalços, trata
de como a rainha (. . .) dispôs viessem
algumas religiosas de Santa Mónica de
Lisboa (. . .) erigindo para elas mosteiro
no mesmo palácio'. Saiu do Paço para a
sua quinta, onde esteve três anos·, em
17 . 3 . 1 6 6 3 , data confirmada por Cae­
tano de Sousa - acrescentando ter saí­
do a rainha (.. . ) acompanhada d'el-rei instituto , que mal se separou do gover­ (. . .) para nela fundar o mosteiro das
D. Monso, do infante D. Pedro, e de no, deu princípio à fundação do con ­ recole tas de Santo Agostinho (. . . ) .
toda a corte3, - e por Frei Agostinho de ven t06, ( . ) que ainda não estava
• • Apesar da rainhajá ali estar aposentada,
Santa Maria, que diz (1721) ter seguido acabado (. . . ) quando se recolheu (. . .) o certo é que a quinta não foi ofereci­
a rainha (. . .) para aquela sua quinta nas (.. .) poucas e imperfeitas casas do da , antes custou 12 765 cruzados9 ( . )
• •

aonde havia mandado dispor o conven­ convent07• assim de principal custos e benfeitorias
to para as religiosas, em uma parte do Sabe-se que a rainha em 1 6 . 6 . 1665 que n ela havia feito o dito Marquês
seu mesmo paláci04 - com porta para comprou uma quinta que Gonçalo depois que entrou na posse (. . . ) . Este
o mosteiro . J . B. de Castro, por seu Vasques da Cunha tinha no sítio de fidalgo arrematara a quinta em praça,
turno , diz que a rainha (. . .) lhe deu Xabregas para nela se fazer gasalho para em consequência da acção que Luís
princípio em 2.4.1663, sendo a 1. a confessor, capelães e mais religiosos Álvares de Andrade movera contra os
fundadora a venerável madre Sor Maria que haviam de assistir no mosteiro das herdeiros de D . Francisco Mascarenhas
da Apresentação, que veio com outras religiosas recole tas capuchas de Santo (1661) , governador de Macau, donde
cinco religiosas do mosteiro de Santa Agostinho que a mesma senhora fun­ trouxe a primeira laranjeira doce para a
Mónica de LisboaS. Frei Cláudio da dou n o dito sítio8• Depois a rainha sua Quinta do Grilo . Num tombo de
Conceição , escrevendo no século XIX, mandou que se tomasse (22. 5 . 16 65) S. Bento de Xabregas (1716) lê-se que o
seguindo as citadas fontes, apenas (. . .) a quinta adiante de Xabregas, onde convento e cerca das religiosas Agos­
acrescenta que o conde da Ponte ofere­ chamam o Grilo, a Francisco de Melo , tinhas Descalças se fundou em uma
ceu à rainha uma quinta para o novo marquês de Sande e conde da Ponte, quinta dos Mascarenhas'o.

73
/
o mosteiro, erguido entre a praia e a via

./ pública, ligava-se à cerca fronteira por

\
um passadiço em arco sobre a estrada. Em
r734 as religiosas contraíram um emprés­
timo de 3000 cruzados para a continua­
ção das obras do dito seu convento e
regularidade da clausura dele (. . . )'7. Da
/ igreja sabe-se que era escura e de reduzi­
das dimensões, mas muito rica em
pedraria e obras de talhaIS. Em r833, o
conjunto é assim descrito: encostado à
beira -mal', no rio Tejo, sobre fortíssimas
muralhas, cujo convento termina com o
cais do Duque pelo nascente (. . .) a igreja
é ornada de quadros, os quais se conser­
vam com muito zelo, e mostram ser
pinturas de André Gonçalves (isto é as
mais modernas), e as antigas são de Bento
Fachada actual da �(allutenção Militar, remodelação oitocentista a partir do primitivo edifício conventual, segundo projecto do Eng.Joaquim Coelho da SilveiraI9.
Renato Baptista. O corpo central, com frontão triangular parece corresponder ao primitivo corpo da igreja, tendo sido então acrescentado
novo corpo para sul simétrico às antigas dependências conventuais. Já com os terrenos da cerca cortados pelo
A primeira pedra do novo templo foi lan­ Falecida a rainha, D. Monso VI mandou caminho-de-ferro, com a morte da últi­
çada por D. Frei Domingos de Gusmão continuar as obras das duas fundações da ma freira (r888) , a propriedade foi desti­
arcebispo de Évora, sobrinho da rainha mãe, escrevendo desde logo aos prelados nada ao Ministério da Guerra. No antigo
fundadoraI1, segundo traça do arqui­ dos dois mosteiros garantindo-lhes igual edifício conventual - reedificado segun­
tecto João Nunes Tinoco, por atri­ cuidado ao prestado pela rainha. No dia do projecto do Eng. Joaquim Renato
buição de Reynaldo dos Santos'2 . As da conclusão das obras da igreja das frei­ Baptista, do qual se vêem ainda o frontão
religio sas foram acompanhadas em ras Grilas (28.8.r706) (. . . ) nela houve e o relógio da fachada - e na cerca, ins­
carroças por damas da Corte até à pomposa festa com assistência d'el-rei talou-se a Manutenção Militar (ver Guia
ermida de D . Gastão , de onde saíram D. Pedro II e de toda a corteIf. Uma vez do Património Industrial) . A adaptação a
em procissão . D. Luísa de Gusmão aqui concluído o jazigo , em r7r3 , D. João V fez fábrica de moagem, bolacha e padaria
fez testamento (26 . 2 . r666) , no qual cumprir a vontade da avó, ali depositando sacrificou inevitavelmente a igreja que
estipulou que o seu corpo fosse depo­ seus ossos até FinalJuÍzoI5. Na trasladação chegara a albergar 600 fiéis. Em r889
sitado na Igreja do Sacramento , en ­ - em um caixão de madeira, que ali esta­ procedeu-se à trasladação para S. Vicente
quanto Sua Majestade lhe não fizesse a va forrado por fora de veludo negro, e de Fora dos restos mortais da rainha
sua Igreja, e sepultura no mosteiro das duas fechaduras de uma banda, e dentro fundadora, sepultada atrás do altar-mor
(. . .) descalças de S. Agostinho, de quem um de chumbo'6 - estiveram presentes o da primitiva igreja, verificando-se então
se apartava com tanto sentimento'3. duque de Cadaval e a prioresa. que o ataúde tinha sido violado20. (JFP)

74
II - COMENTÁRIO

Apesar de irreconhecível no actual


conjunto da Manutenção Militar que
corre ao longo da Rua do Grilo , o
convento das Agostinhas Descalças,
popularmente chamadas as Grilas, é
uma peça central, juntamente com a
fronteira casa masculina da mesma
congregação, na definição urbana de
toda esta vasta área. Da antiga estrutu­
ra conventual pouco ou nada resta,
além de algumas paredes e abóbadas,
tendo desaparecido toda a decoração
da igreja, onde, como se afirma na
documentação, se destacavam as pin­
turas de Bento Coelho da Silveira e
André Gonçalves. No entanto , cumpre
realçar a unidade desta grande pro­ Outro dr:senho, possivelmente baseado no de Gonzaga Pereira. publicado in Historia d o s Conventos d e Lüboa, de Baltazar l>. 1 . Caeiro , Lisb oa,
1989.
priedade que se estendia dos dois lados
da via pública, reunindo numa só trazida do Oriente, depois adquirida partes do conjunto - a casa conven­
por vontade da rainha D. Luísa de em praça por Francisco de Melo , tual, do lado do rio , e a cerca em fren­
Gusmão , pelo menos duas quintas conde da Ponte e marquês de Sande; te - é uma imagem de marca nesta
distintas : a que pertencera a D. Fran­ e a que fora de Gonçalo Vasques da zona, pontuando durante muito tem­
cisco Mascarenhas, governador de Cunha , possivelmente a que ficava po com a sua presença harmónica o
Macau , que a tradição diz aqui ter acli­ a poente, do lado superior da estrada. tom pausado deste antigo caminho
matado a primeira laranj eira doce O passadiço que unia sobre esta as duas suburbano . (JSM)

I Madahil, António da Rocha. A Crónica inédita da 7 Conceição, Fr. Claudio da, Ob. cit., T. III, p . 294- 15 1ANfT'T. Fundo das Gavetas, gaveta 16. mç.. 2 ,
Congugaçào dos Agostinhos Descalços, Coimbra. ' 1AN1TT, CN. C-9A. Cx. 41, L.0 1 96. IIs. 3 7 - 3 9 . n . o 3 0.
16
1938. p . 2 4 · ' 1AN1TT. CN. C-9A. Cx. 4 1 , L . 0 196. IIs. 54-55v. IANfT'T, Fundo das Gavetas. gaveta 16, rnç. 2 .
2 Freire. F r . Sebastião, Vitimas Acçoens d a SeJ"enissima 'o 1AN1TT. CSBX, L. ° 1 5 , II. 1 2 . n.o 29.
II 11
Rainha D. Luiza Francisca de Gusmam, Lisboa, Costa, A. Carvalho da, Corografia Portugueza, Braga, lANfT'T, C N . C - I I . L. 0 525. Cx. 1 2 0 , OS. 49V-51.
Gffidna de Diogo Soares de Bulhoens. 1666. Typographia de Domingos Gonçalves Gouvea, 1868, 18 Branco. Manuel Bernardes. oh. cit., Vol. III,

3 Sousa, António Caetano de, Historia Genea/ogies da Vol. m . p . 413. p . 255·


Casa Real. T. VlI, pp. 248. 12 Santos, Reynaldo dos, Oito Séculos de Arte 19 Pereira, Luís Gonzaga, Alon umentos Sacros de Lisboa

4 Santa Maria, Fr. Agostinho de. Sanruario A{al'iano. Portuguesa, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, em 1833, Lisboa, BNL. 1927. pp. 2 2 1 - 2 2 3 .
20
Lisboa, Offic:ina de Antonio Pedrozo Galram. 1721. Vol. II. p. 2 1 7 . Oliveira, E. Freire de, Elementos paI"a a História do
T. VlI. pp. 1 0 - 1 1 . I] Freire. Fr. Sebastião, o h . cir. Alunicipio de Lisboa, Lisboa, Typographia Universal,
5 Castro, João B. de. Afappa d e pOl·tugal Antigo e I! Branco, Manuel Bernardes, Historia das Ordens 1894. T. VlIl. p . 585.
Moderno, Lisboa. 1763, Vol. lU, p. 4-81. Alonasticas em pOI·tugal, Lisboa, livraria Editora
6 Conceição, Fr. Claudio da, Gabinete Historico, de Tavares Cardoso e Irmão. 1888, VaI. III.
Lisboa, Impressão Regia, T. lU, p. 284. p. 255·

75
,

� PA L A C I 0 LA F 0 E S

I - RESENHA HISTÓRICA

PALÁCIO DO GRILO , dos du-


o ques de Lafões, resulta da trans-
formação de uma construção mais
antiga, as casas nobres da quinta dos
Mascarenhas, que acompanhava a en­
costa até à Estrada de Marvila. Conhe-
ce-se a história mais remota desta
propriedade , da qual faziam parte um
prazo foreiro a Santa Clara e dois a
S. Bento de Xabregas , através dum
termo de reconhecimento e respectiva
medição e demarcação destes dois últi­
mos, feito em 1715. Uma das parcelas
era o da horta (. . . ) que possui por títu­
lo de prazo em vidas do qual foi a
primeira D. An tónio Mascarenhas'
(. . . ) do qual confessa pagar Ia tostões
em dinheiro e 5 galinhas; e a outra era
o de duas courelas de terra, no olival
dos frades Lóios de Xabregas, com­
pradas pelo mesmo senhor, pagando ii' .
2000 réis anuais e duas galinhas . Den­ �
•. .
'y . l
)'� _.

tro da medição da horta, que con­ , . -

UI · 4 .. ..
frontava com a quinta, outrora dos
A pmpriedade dos duques de Lafões na carla de Filipe Folque (1856-57). estando bem demarcado o perimctro inicial entre a Estrada de
Mascarenhas, onde se fundou o mos­ �(an'ila c a Rua do Grilo. Olhando este mapa e o corte brutal que o traçado da via férrea constituiu, não pode ddxar de se lamentar a

teiro das freiras grilas, ficava (. . ) o


.
leviandade com que a mesma foi desenhada. sem qualquer respeito pelas estruturas preexistentes.

quarto das casas e salas que caem COln pomar e jardins e parte da vinha (. )2 . . . aceitar o domínio directo da outra me-
janelas rasgadas para a mesma horta, Em 1497 já os Lóios possuíam meta­ tade que era sua livre e de tudo lhe
onde fica também o poço e nora da de desta propriedade , emprazando-a queria fazer prazo enfatiota pondo -lhe
mesma horta, e todas as mais casas então a um Pêro Rodrigues de Alfama. o foro que quisessem porque ele havia
ficam já na terra do outro prazo; fica Esta metade (. . . ) a comprou Henrique por bem e queria que para sempre
mais nesta medição a dita horta com seu de Figueiredo ao dito Pedro Rodrigues ficasse toda a propriedade obrigada
chafariz, 110 meio parreiras, a roda, e pediu ao mesmo convento quisesse a o dito for03• Aceitaram os frades

77
mulher Catarina Gonçalves que faleceu marquesinha de Arronches, levando à
sem nele nomear alguém, emprazan­ citação da Quinta da Marquesinha,
do-o os frades (9 . 12 .1522) a D . Filipa (17156 e 17397) , designação que persistia
de Figueiredo , filha dos sobreditos, em 1752 - ao Grilo nas casas da
mulher de Francisco de Távora. Esta Marquesinha8 - já depois desta senhora
senhora vendeu a propriedade a D. João falecida (1743) . Sua filha D . Luísa, teve
Mascarenhas que a possuiu em segunda honras de duquesa (1718) depois de casar
vida e, por sua morte, o filho D . Nuno com um filho natural de D. Pedro II, o
Mascarenhas, em terceira vida. Na posse infante D . Miguel de Bragança, com
do prazo sucedeu, após renovação pelo tratamento de Alteza e honras de prín­
convento (8 . 7 . 1619) , D . António Mas­ cipe. Deste casamento nasceu D. Pedro
carenhas, filho de D. Nuno , que pouco de Bragança, a quem D. João V, seu tio,
depois (1623) comprou o outro prazo, agraciou no dia do baptismo com o títu­
composto pelas duas courelas no olival lo de duque de Lafões. Figura carismá­
dos frades, ao filho do fidalgo Diogo tica, foi admirável a educação que a
Ribeiro Soares, a quem os padres satis­ duquesa sua mãe lhe deu e a todos os
fizeram o pedido de edificar casas junto seus filhos, aplicando -os de tenros anos
ao convento , criando o prazo (1590) , na às Ciências e Artes Liberais em que
condição de não (. . ) abrir porta nem
. o Duque fez singulares progressos, ins­
janela para o olival dos padres. truindo-se nas belas letras e na Filosofia
D . António Mascarenhas, o Sujo, de ( )9
. . . .

alcunha, vinculou a Quinta do Grilo - Grande do reino , sucedeu na casa di­


com a obrigação dQ apelido Masca­ rectamente a sua avó , em 1743 , vindo a
renhas - com todos os seus prazos, ser regedor das Justiças, desempe­
dando -a em dote à filha primogénita, nhando, como tal, importante papel na
casada com Henrique de Sousa Tavares, reconstrução de Lisboa. Destruído o
3 . o conde de Miranda do Corvo e I. o seu palácio do Carmo pelo terramoto
marquês de Arronches. Nos anos de de 1755, ficou o duque sem residência
1656 e 1657 é referida a quinta do conde em Lisboa - em 1758 fazia o testamen­
Palãcio Lafões: em cima, o corpo primitivo seiscentista da quinta
dos Mascarenhas. notando-se no piso térreo sobre a rua a
de Miranda, junto a S. Bento4 e, em to (. . .) na barraca em que ao presente
justaposição de um revestimento de cantarias, de acordo com o
projecto de renovação pós-terramoto; em baixo. a fac:hada do
1716 , a quinta do marquês de Arronches, reside (. . .)10 , na cerca das Necessidades
salão sobre o jardim, construído já no séculoXIX .
junto ao Grilo5. - pelo que tratou de ampliar as casas
fazer-lhe o prazo (27 . 2 . 1497) com o A neta daquele casal, a marquesa D. Ma­ nobres da Quinta do Grilo, transfor­
foro dobrado , de 400 réis e 4 galinhas riana de Sousa Tavares Mascarenhas da mando-as num grande palácio. Vítima
ao qual ainda se acrescentou mais um Silva, única herdeira da casa, casada com da complexa política do tempo , reco­
tostão a pedido daquele senhor. Por sua Carlos José de Ligne, príncipe do Sacro lheu-se na sua Quinta da Granja de
morte ficou na posse do prazo sua Império Germânico , era conhecida por Alpriate (176o) , onde faleceu no ano

78
seguinte, indo a sepultar no seu jazigo desconhecidas, as obras iniciadas pelo
a Santa Catarina de Ribamar". Desco­ irmão . Durante a sua ausência esteve
nhece-se o estado em que ficou o palácio a quinta arrendada a João Lobo da
do Grilo após esta primeira campanha Gama, que ocupou a parte de cima das
de obras, contudo , sabe-se que entre casas, avaliadas pelos oficiais da Décima
as dívidas declaradas no testamento em 90 000 réis. Neste período (1762-
(21 . 2 . 1758) o duque refere (. . .) algumas -1779) a propriedade é descrita nos
parcelas a oficiais que têm trabalhado em livros de Arruamentos'5 como quinta
serviço de minha casa e estas se satisfarão composta por casas nobres com lojas
pelos róis jurados pelos mestres dos e l. o andar, com seu pátio, e nele uma
respectivos ofícios'·. barraca, vinha, parreiras e horta, algu ­
Ao L o duque de Lafões sucedeu o mas árvores de fruta de caroço (. . . ).
irmão, D . João , exilado desde 1757. Só no ano de 1791 se lhe faz referência
Enquanto não regressou ao reino , a como palácio e várias acomodações'6•
irmã D . Joana Perpétua, marquesa Sabe-se que no século XIX o palácio
de Cascais, com honras de duquesa, levou grandes obras, entre as quais a
administrou a opulenta casa. Em 1758, construção do salão grande sobre os jar­
ainda em vida do irmão primogénito, dins, e que em 1839 foi alvo de restauros.
passou-lhe procuração para todos os D. Ana Maria de Bragança, 3 . a duquesa
seus assuntos, enquanto estivesse au­ de Lafões, que sucedeu na casa com
sente em reinos estrangeiros'3• Da apenas nove anos, foi responsável por
administração desta senhora, que rece­ grande parte da rica decoração do inte­
bera de D . Pedro a Quinta de Alpriate, rior do palácio, onde faleceu em 1851.
para viver nela, conhecem-se inúmeras Em 182 3 , pela morte de D. Pedro, seu
escrituras notariais de arrendamentos tio materno e último marquês de
de propriedades, comendas e morga­ Marialva , herdou grande parte desta
dos. De regresso do exílio (1779) , onde casa. Depois disso, a propriedade viu-se Palácio Lafõt:s: duas vistas das fachadas sobre o pátio. Em cima, o
conjunto possivelmente erguido já no st:culo XIX . com acesso ao
em correspondência para sua irmã teria desmembrada pelo caminho-de-ferro - salão sobre o jardim; em baixo. fachada lateral com o revestimento
em junta fendida, a (mica que obedece ao desenho do projecto de
aludido, segundo Norberto de Araújo, cortando a quinta a meio - e, posterior­ reconstrução pós-terramoto.

a uns projectos de arquitectura para as mente, pela alienação de terrenos para a


casas da quinta da Fonte Bela (?) e da do Manutenção Militar e para urbaniza­
Grilo, tudo m uito posterior à morte do ção. Refira-se ainda a existência de uma
irmão'4, D . João Carlos de Bragança, bonita Capela de Nossa Senhora da
instalou-se na parte antiga do palácio. Piedade, que acolheu ao longo dos anos
O fundador e presidente perpétuo da as cerimónias da família, que ainda
Academia Real das Ciências prosseguiu, hoje se mantém na posse do palácio, já
através de várias campanhas em datas classificado pela Câmara. (JFP)

79
de Arronches. Conhecemos, também, documentais, COlno será o caso de os
através de uma série notável de dese- referidos desenhos se encontrarem
nhos de plantas e alçados hoje guarda­ numa pasta onde é citado o nome de
dos no Museu da Cidade, o projecto de Eugénio dos Santos, morto em 1760.
transformação radical da casa primitiva, Infelizmente a continuidade da inves­
com uma largueza pouco habitual que tigação não permitiu a confirmação
teria feito deste palácio o mais impor­ segura desta atribuição, se bem que a
tante conjunto palaciano privado algu­ expressa citação pelo L o duque no seu
ma vez iniciado em Lisboa . Sabemos, testamento a oficiais que têm trabalha­
ainda, através de uma dessas plantas, do em serviço de minha casa e estas se
qual a exacta dimensão da casa primiti­ satisfarão pelos róis Jurados pelos
va, ainda hoje aliás intacta. Mas se sabe­ mestres dos respectivos ofícios, não
mos tudo isto, convenha-se que caso deixe de reforçar o carácter plausível
raro nesta Zona Oriental e mesmo na dessa afirmação, naturalmente sujeita
restante cidade, falta-nos todavia a ainda a ulterior confirmação. Registe­
confirmação do dado central, funda­ -se, ainda, a empenhada acção constru­
mental para a história particular deste tora desse senhor, visível ainda nas
edifício e, sobretudo, para melhor se obras também inacabadas da Granja de
compreenderem as opções estéticas Alpriate e da Torre Bela (em Alcoen­
assumidas e o lneio em que as mesmas tre), cuja consideração atenta se deverá
foram produzidas : qual a data certa do ter em conta para uma análise mais
início dessa reconstrução? aprofundada do Palácio do Grilo, que
Em texto anterior (Lisboa, Um Passeio um trabalho genérico como este natu­
a Oriente, 1994), optou-se pela atri­ ralmente não permite.
buição da iniciativa a D . Pedro de O Palácio dos Duques de Lafões tem,
Bragança , L o duque de Lafões, possi­ assim, dois níveis diferentes de abor­
velmente entre 1755 e 1760, a partir da dagem. Em primeiro lugar, devemos
II - COMENTÁRIO conjugação de uma série de dados deter-nos sobre aquilo que efectiva­
dispersos de vária ordem, desde fami­ mente lá se encontra , resultado de
Sabemos com algum detalhe a história liares - como a citação feita do exílio sucessivas adaptações de um projecto
da evolução desta grande propriedade pelo 2 . o duque de Lafões aos referidos megalómano que, curiosamente, apesar
dos duques de Lafões, na Rua do Grilo , desenhos -, ou políticos - decorrentes de inacabado, não foi desvirtuado nas
originada na fusão num único mor­ do papel de primeiro plano que o suas linhas estruturais . Em segundo
gado de vários prazos distintos por L o duque desempenha como regedor lugar, uma análise sucinta sobre o
D . António Mascarenhas , morgado esse das ]ustiças no período pós-terramoto , próprio projecto em si, cuja apreciação
depois integrado por casamento de sua sendo o primeiro responsável pela se pode fazer pela leitura conjugada das
filha na grande casa dos marqueses reconstrução da cidade -, a meramente diversas plantas e alçados.

80
Quanto ao edifício existente, em parte trabalho foi levantada a hipótese de
hoje transformado em prédio de rendi­ autoria de Gian-Carlo Bibiena , arqui­
mento , destaca-se sobretudo o grande tecto cenógrafo italiano residente em
corpo virado a sul, correspondente Lisboa desde I752 , aqui chegado por
essencialmente à antiga casa de quinta. iniciativa da rainha D. Mariana Vitória
É sobretudo notável o conjunto de pin­ de Bourbon, e cuja actividade entre nós
turas murais interiores, datáveis de várias se encontra envolta nalguma obscuri­
épocas, devendo citar-se a intervenção dade. É natural que a sua vinda estej a
de Cirilo Volkmar Machado na sala cha- ligada a o projecto d e São Francisco de
ma da da Academia, por encomenda Paula, na Pampulha , iniciativa da
do 2 . 0 duque de Lafões. Sabemos que mesma rainha, embora o seu nome
outras pinturas serão da iniciativa já da nunca tenha sido inexplicavelmente
3 . a duquesa, a partir de I839, datando citado em relação a esta igreja, apesar
possivelmente dessa mesma campanha o de repetidamente se afirmar ter sido a
arranjo final do grande salão a poente mesma completada, a partir de I76I,
sobre os jardins, previsto no projecto ano da morte de Bibiena, pelo ajudante
primitivo , embora alterando-se profun­ que com ele veio , o também italiano
damente a gramática estética decorativa, Giacomo Azzollini. As obras sempre
substituindo a carga barroca do desenho referidas são a desaparecida Ó pera do
original por uma sobriedade mais Tejo e o projecto inicial de Igreja da
despojada de sabor neoclássico . Cite-se Memória, trabalhando depois do terra­
ainda a capela, com arranjos actuais moto como arquitecto do rei, devendo­
também atribuíveis a esta última cam- -se -lhe os arranjos da imensa Barraca
panha de obras, de boas dimensões e Real da Ajuda .
bem articulada no conjunto, já prevista Esta proximidade da Casa Real, sobre­
também no projecto inicial. São de tudo da rainha D . Mariana, cuja acção
referir ainda alguns azulejos, sobretudo política nesse período conturbado não Alguns aspectos itlleriores do Palácio dos Duques de Larões:
os adaptados na escada para esse salão, tem sido convenientemente avaliada, e o grande salão sobre os jardins. a capela e duas salas com pinturas
murais oitocentistas.
provenientes talvez de outras dependên­ a sua ligação a uma das mais prestigiadas
cias da antiga casa, uma vez que são famílias de arquitectos cenógrafos ita­ primo o infante D . Pedro. A transfor­
muito anteriores (ver Guia do Azulejo) . lianos e à então celebrada Academia mação que este último então realizou
No respeitante ao proj ecto de transfor­ Clementina de Bolonha, na qual fora em Queluz, sob a tutela cosmopolita do
mação , cuja datação entre I755 e I760 professor, tornam Bibiena o aliado de decorador francês Robillon, conjugada
não surgiram razões para abandonar, prestígio indispensável para quem com este projecto do Grilo, também
junto se publicam de novo os citados ambicionava, segundo tudo leva a crer, ele profundamente marcado por novi­
desenhos, merecendo algumas reflexões à mão da princesa do Brasil, futura D . dades cosmopolitas - mais francesas as
pontuais de ordem genérica. No citado Maria l , e m directa competição com seu primeiras e mais italianas as segundas -,

81
parecem trazer à luz do dia uma compi­ tos pressupostos de base da estética
ta de opções de gosto travada entre dois rocaille, numa acção deliberada de se
eventuais proj ectos de poder. Sabemos procurar atingir a unidade final a partir
que nenhum ganhou, ambos abafados da articulação subtil de um jogo de apa­
pela forte acção de Sebastião José de rentes contrários.
Carvalho e Melo , cuja iniciativa arqui­ Foram estas preocupações eruditas , bem
tectónica ficou indelevelmente ligada inseridas numa mais vasta prática
ao nome de Carlos Mardel. Se, entre cosmopolita em que Bibiena participa
dois perigos, o futuro Pombal optou por formação escolar e familiar, que
pela aliança com o infante , levando a levaram a afastar a indicação da nota na
que as obras em Queluz continuassem, pasta em que os desenhos se guardavam,
ganhando mesmo depois uma nova indicando o nome de Eugénio dos
dimensão de residência régia, já o Santos. A sua ligação ao duque era fun­
Grilo ficou irremediavelmente preju­ cional, pois este era responsável pela
dicado , sobretudo após a expulsão do reconstrução de Lisboa, encontrando­
duque da Corte em I760, por não ter -se também nessa pasta de facto alguns
iluminado a residência por ocasião do outros desenhos não executados para os
casamento que tentara contrariar, alçados prediais dos edifícios da Baixa,
morrendo no ano seguinte - o mesmo hoje igualmente no Museu da Cidade.
em que faleceu Bibiena - na sua Granja É portanto natural que todos fossem
de Alpriate. Como sempre sucedeu, as depois guardados em conjunto, sendo
opções estéticas são um inesgotável arriscado inferir desse facto a autoria
manancial para a compreensão apro­ do capitão-engenheiro para todos os
fundada das alternativas de poder em desenhos que nela se encontram. Resta
presença, passando por elas a necessária ainda provar, e esse será um dos desa­
imagem mediática indispensável em fios colocados à historiografia da arte
tempos de aparato cortesão. inserem esta proposta nas correntes portuguesa por estes desenhos revela­
No entanto, são o carácter cenográfico então mais em voga nos meios eruditos dos em I982 pelo empenho entusiasma­
dos desenhos propostos, fazendo suce­ de influência italiana, em que Bibiena do de Irisalva Moita, que Eugénio dos
der encosta acima uma série de fachadas naturalmente se insere. Preocupa-os o Santos, produto acabado de uma sóli­
todas diferentes, abertas sobre espaços rigor intelectual da fusão ambígua de da formação de cariz essencialmente
autonomizados, e o sentido eminente­ referências, numa prática dominada militar, pragmática e funcional, esta­
mente ecléctico das opções de cada uma por um apurado sentido elegante no ria ou não habilitado para explanar
dessas fachadas, oscilando entre o manuseamento e conjugação desses de uma forma tão explícita e segura
barroquismo evidente na fachada do diversos valores. Ambiguidade e ele­ as elaborações estilísticas eruditas con­
salão sobre o jardim e o rigor já quase gância que não deixam naturalmente substanciadas nestes desenhos do Grilo .
neoclássico da frontaria sobre a rua, que de sugerir alguma aproximação a cer- (JSM)
A P I N T U R A D E C O RA T I V A S o br e e st e s d e fi n e- s e em trom p e
Um dos aspectos m a i s i nteressantes " o eil c o m m ot i v o s ar q u it e ct ó n i c o s .
d o P a l á c i o Lafões é o acervo de N o s e s p aç o s d e stas m o l d ur a s estão
p i nt u r a m ur a l d ec o r at i v a e x i st e n t e p i nt a d o s i n str u m e nt o s m u s i ca i s
e m v ár i as d as s u a s s a l a s . p e n d entes d e tr e p a d e iras, c o m
C o m o e l e p r ó p r i o o afir m a, fl o r e s e fr utos, t u d o p i nt a d o c o m
a S a l a d a A c ad e m i a fo i p i nt a d a por gr a n d e d e ta l h e , d o m i n a n d o a s
C i r i l o V o l l< m ar M a c h a d o , e m tor n o t o n a l i d ad e s p a st é i s . E sta s a l a ter á
d e t e m a s c o m a l e go r i a s às Art e s . s i d o p r o v av e l me n t e i nfl u e n c i a d a n a s
I nt e r e s sante t a m b é m é u m a s a l a s c h inesas d e p o r c e l a n a s d e
p e q u e n a s a l a c o m vitr i n as A r an j u ez o u d o P a l á c i o d e
p o s s i v e l m ente d e st i n adas a o b j e ctos C ap o d i mo nt i , e m N áp o l e s , a m ba s
c h i n es e s, d o n d e o n o m e d e S a l a d o m e s m o autor n a p o l it a n o e d ata
C h i n e s a , co m u m a profu sa d a época d o 2.0 d u q u e d e Lafõ e s ,
d e c or a ç ã o i n s p ir a d a n o s gr o t e s c o s , m ant e n d o a m e s m a proporção
u r n a s e c a n d e l ab r o s , d i r e ct a m e nte m i n i at u r a l dos e x e m p l o s o l' i g i n a i s ,
i n fl u e n ci ad o s , q u e l' p e l a o b l'a verdadeiras salas de passagem com
de Rafa e l no V at i c a n o , q u er , f u n ç ã o m er a m ente estét i c a .
s o b r et u d o , p e l a s p i nt u r a s r o m a n as A s restantes s a l as c o m p i nt u r a s ,
r e c e nt e m e nte d e s c o b ertas e q u e c o m i nt e r v e n ç õ e s m u ito m a i s l e v e s
corr i a m a E u r o p a e m est a m pas que a chamada Sala Chinesa, p o d e m
m u it o a p r e c i a d a s e com profu n d a s er atr i b u íd a s a J e l'ó n i m o B ar r o s
i nfl u ê n c i a n a s arte s d ec o r at i v a s e m Ferr e ira, p i n to r de o rn atos, q u e
g e r a l . E sta s a l a é o r g a n i z a d a a tr a b a l h o u n a Q u i nta d a C r u z d a
partir d e u m r o d a p é d e m o l d ur a P ed r a , d o s P e r e i r a F o r j a z , o n d e s e
c o m e s p i r a i s g r e gas e n o c e ntro A Afúsica e A Pint ura , duas das alegorias murais da autoria de e n c o nt r a m a i n d a r e s t o s d e p i nt u r as
Cirilo Volkmar Machado na Sala da Academia, do Palácio dos
m o t i v o s de gr i n al d a s . Duques de Lafões. afi n s . (LA)

I IANfTT. CSBX. L . 0 1 5 , fIs. 10'0'-11. 7 lANfTT, RP, N. Senhora dos Olivais, Óbitos, ex. 9, l':.t lANfTT, RGT, L O 277, fls. 90v.
2 lANfTT, CSBX, L.0 15. fIs. IIv-12". . L.° 7 . n. 177. 13 lANlTT, DF, Estremadura, Mç. 2062. doe. 24.
It
' lANfIT, CSBX, L.0 15. n,. fh.
13-13v. 6 IANfTT, RP, N. Senhora dos Olivais. Óbitos, ex. 9, Araújo, Norberto de, lm'entário de Lisboa, Lisboa. CML,
t lANrrr, RP. N. Senhora dos Olivais. Óbitos, ex. 8. L. 0 8, n. 14'0'. 1944, p. 34·
L.0 3. fIs. 94 e 102. 9 Sousa. António Caetano de, Histôria Genealógica da Casa '5AHTC. DC. Olivais, Livros de Arruamentos. mçs. 852
:i lANfTT, RP, N . Senhora dos Olivais. Baptismos. ex. 3. Real, T. VII, p. 292. a 863.
L.0 II, n. 14'0'. IO lANfIT, RGT, L.0 277, fIs. 90-9Iv. 16 AHTC,
DC, Olivais. Livros de Arruamentos, mç. 868.
' lANfIT. CSBX, L. ° 15. n. 10. " lANrrT, RP, Vialonga, Óbitos, Cx. 7. LO 4, El. I22-I22v.
Plantas e a l g u n s d os a l çados do
projecto d e renovação do Palácio
Lafões, e x i stentes h oj e no M useu da

\
Cidade e revelados pela pri meira vez
por Irisalva M o ita na exposi ção
c o m e m orativa do 2.0 Centenário da

\
M orte de P om bal ( 1 9 8 2).
I - P l anta d a casa d a q uinta dos
Mascarenh as, sobre as quais foram
pensadas as alterações. N ote-se a
ex istência de um pátio central, servido
por rampa para a Rua do Grilo, mas
q u e poderá admitir-se, tal como se
constatou no Palácio Olhão, teria
serventia inicial pela Estrada de
M arvi l a. C o m p arando co m a p lanta
em baixo, pode constatar-se a
O per m a n ê n c ia deste corpo, nela
s inalizado a ver m e l h o , mantendo-se
incl u s ivamente a m es m a d ivisão

11011 i nterna. Continu a a sei' hoje em d i a


a parte nobre do palácio.
2 - P l anta d o p i s o térreo d o projecto

II U de renovação do Palácio Lafões.


A v er m e l h o está marcado o edifício
anterior e a a m arelo os acrescentos
propostos. M antém-se o pátio central,
agora reordenado com construções e m
redor, e sendo su bstituída a rampa d e
acesso pela Rua d o Gri lo por um
vestíb u l o e escadaria. Lateralmente
a norte, foi aberto novo pátio com
acesso pelo troço novo d a Calçada
d o D u q u e d e Lafões.
3 - Prospecto do a l çado pl'Oposto para
a fachada nobr e sobl'e a R u a do Gri l o ,
As pri m e iras q u atro janelas do l ado

o
poente do piso nobre correspondem
ao edifíci o anterior, as únicas ainda
existentes. Q u anto ao piso térreo, foi
todo revestido a cantarias almofadadas
d e acordo com o projecto, O aspecto
m a i s marcante desta fachada é a
grande s o briedade das l in h as e o jogo
subtil entre a s abel'tul'as , revelando
já uma a p roxi mação aos futuros
m odelos neoclássicos,
• II,
4 - Fachada l ateral norte � Este corpo -
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novo do e d i fício nunca chegou a ser
constl'uído na s u a totalidade, existindo
somente o extremo poente, antiga
cozinh a do palácio, Ao centro, aberto
sobre o pátio da calçada, u m pequen o
corpo m a i s c u i dado no desenho
al bergava u m a pequena sala redonda,
l igando d irectamente ao pátio interior.
5 - Fachada poente proposta para o
Palácio Lafões. Ao centro um grande
salão d e cinco aberturas � mais tard e
em parte construído com o utra
gramática decorativa �, constitu ia o
ponto c u l m i nante de todo o projecto,
aproveitando com mestria o próprio
desnivel d o terreno. Note-se a
dominante volu m é trica do desen h o
proposto d e forte s ensibili d ade
barroca, com colunas salientes e óculos
ovais, jogando contrad itoriamente com
a sobriedade p l an i m étrica d a fachada
nobre sobl'e a Rua do G t'ilo, Realce-se,
ainda, a perfeita integração com o
ed ifício preexistente, encostado a sul
e m plano inferior, onde s e encontra a
citada Sala da Academia,
G u a r d a m -se no P a l á c i o d o s D u q u es N outl'a s a l a , e n c o ntra-se o retrato A d u q u e s a ostenta no p e ito u m
de L afõe s grande n ú m ero d e d a d u q u e s a de L a fõ e s , D, H en r i q u eta m e d a l h ã o c o m o retrato d o d u q u e
p i nturas, s o bret u d o retratos d e d e M e n e se s , c o m s e u s d o i s fi l h o s , s e u m a r i d o , T rat a-se d e u m a
várias é p ocas, Entre e l es aq u i se o d u q u e d e M i ra n d a d o C or v o o b ra i n g é n u a n a s u a feit u ra,
I'eproduzem o retrato de D , J o ão V e a fut u r a 3,a d u q u e s a d e Lafõ e s , m an t e n d o o fo r m u l á r i o da
( e m c i m a) , ó leo s o b r e tela oval, O br a n ã o a s s i n a d a n e m retratist i ca t l'ad i c i o n al b al'roca,
réplica d e m u ito b o a q u a l idade d o d at a d a , d e v e l' á t e r s i d o p i nt a d a com t'e p o s t e i r o , c o l u n a e fu n d o d e
I'etrato real izado p o r Jean Ranc, cerca d e 1 802-03, dado q u e j al'd i m , m a s b e m d at a d a p e l o
cujo o l' i g i n al se perdeu n o i n c ê n d i o o j o v e m d u q u e h e r d e i r o n as c e r a vestu át' i o e g r a n d e c a d e i rão a o
d o A l cazar d e M a d ri d , e m 1 7 3 4 , em 1 797, gosto L u í s X V I . ( LA)

86
G RU P O DE FAM i L l A DOS 3 .°5 D U Q U E S para onde convergem as linhas La Fontaine que a duquesa mostra a
D E LAFÕES. dominan tes d a composição, e a suas outras duas fil has. A tela não está
E s t e retrato d e carácter intimista, de continuidade na familia do cu ltivo assinada nem datada, pelo menos à
grandes dimensões, pretende captar um das Artes, das Ciências e das Letras, vista pois se encontra a grande altura
m omento da vida fam i l iar destes representadas respectivamente pela no salão dos óculos sobre o jardim. No
senhores, acentuando dois propósitos própria pintul'a em si e pela pauta entanto, sabendo que a filha primogéni­
fundamen tais: a permanência da tutela e violino, pelo globo e o com passo que ta nasceu e m 1 820, é natural que tenha
d a grande figura familiar, o 2.° duque de o duque consorte, D. Segismundo, sido pintada cerca d e 1 825-26, devendo
Lafões, representado com sua mulher manuseia e m lição à fil h a primogénita, ter sido executada e m Lisboa, dado que
(ambos então j á falecidos) no medalhão e, finalmente, pelas fábulas i lustradas de à data os duques aqui residiam. (JSM)
� C 0 nV E nT0 00 B E AT 0

I- RESENHA HISTÓRICA infantes seus filllOsS. Contribuiu para


as obras do mosteiro e mandou fazer

E do por Mosteiro de S. Bento de


STE convento, também conheci­ um retábulo na capela-moI', enquanto
sua filha, a infante D . Maria, edificou
Xabregas , ou S. João de Xabregas, dos uma capela junto ao dormitório gran­
Cónegos Seculares de S. João Evan­ de . À rainha D . Catarina, pelo facto de
gelista, os Lóios ou frades azuis, dada muitas vezes assistir no coro de fora, se
a cor do hábito e chapéu largo, nasceu ficou a dever a designação de coro das
da devoção que ao apóstolo evangelista Rainhas, onde trazia seu neto, ainda
tinha a rainha D . Isabel, filha do infante muito pequeno e pelo perigo que
�.
D. Pedro, mulher de D . Afonso V. "
8 podia haver de cair por entre as grades
A rainha deixou 28 000 coroas de fEto iii' do coro se ll1andaram pôr nelas umas
>AI- �:;
ouro em testamento para que se edi­ tiras de ferro.
ficasse a dita casa no oratório de A partir de finais do século XVl a
S. Bento de além de Xabregas, sujeito história desta instituição ficou marca­
ao Mosteiro de Alcobaça , o qual seria da pela figura do padre António da
regido pelos religiosos do Colégio de Conceição - depois Beato António -
Santo Elói. Após renúncia do abade - para a qual contribuiu D . Pedro , irmão muito querido dos monarcas e gran­
de Alcobaça, D . Afonso V executou o da fundadora, depois rei de Aragão , des do reino. O cardeal-infante estava
legado da mulher, doando-o aos Lóios que ali instituiu capela, obrigando por com tanta frequência em S. João de
(r456) , com todos seus edifícios, hor­ doação de bens e propriedades a (. . .) Xabregas que naqueles tempos, pelas
tas, vinhas e olivaisI, com confirmação que este mosteiro e o corpo dele fosse ruas de Lisboa se cantava esta cantiga :
de Pio II (146r). feito de abóbada por ser tenção sepul­ Quem quiser falar / ao cardeal / vá a
o primitivo oratório era tão pobre, e tar-se nele". Em 1507 não estava ter­ S. Bento / que está das portas adentro /
de tão pouca renda que só um monge, minado o edifício, autorizando , nesse debaixo do laranjal6• Ao beato coube a
que nele estava, se não podia susten­ ano , o papa Alexandre Vl a que os tarefa da reedificação da envelhecida
tar2. Fora construído por D. Estêvão padres pudessem terminar os claustros igreja e ampliação do mosteiro, com
de Aguiar, autorizado por D. João I e a construção da igreja com as rendas João Ribeiro como mestre-de-obras.
(r426) a desfazer as paredes dos Paços dos bens instituídos por D. Pedro . Quando veio de Évora para esta casa
de Xabregas (. . .) e levar a pedra e D . Manuel , que na companhia dos có­ estava o dorll1itório tão velho e tão
cantaria e argamassa deles para fazer negos costumava desenojar-se das suas arruinado que se sustentava a benefício
um oratóri03. Sobre ele se edificou a maiores penas e aflições (. . .) para de pontões? Ergueu o novo dormi­
nova casa - com maior diligência que maior cómodo desta assistência, man­ tório , COll1 sumptuosidade e grandeza,
grandeza, porque em breve se viu le ­ dou fabricar nele um quarto à parte, e edificou de raiz a nova igreja, de
van tado um edifício pouco sumptuoso COll1 câmara e repartill1entos para os maiores dimensões que a antiga e em
sete tostões que recebera de esmolas.
Com o seu empenho reuniu dádivas
para as obras da nova casa, destacando­
-se as grossas esmolas de Miguel de
Moura e do marquês de Castelo Ro­
drigo, Cristóvão de Moura. Contudo,
coube a D . Joana de Noronha, filha dos
condes de Linhares, o grande impulso
edificador, empregando o dote na
magnífica capela-mor da nova igreja,
onde gastou mais de 60 000 cruzados.
Terminou esta obra em r622, (. . .) toda
de mármores brancos, fa chadas de
jaspes vermelhos. Aqui fez sepultar
vários elementos de sua família, cujas
lápides ainda hoje se podem ver, dos
quais se destacou D. António de N 0 -
diferente sítio onde se levantava uma
- ronha, aquele a quem Camões dedicou
montanha de 7 braças de altura em um soneto.
m uitas partes, e em outras de menos, o templo - cujo sino foi feito em r686
mas em todas de rochedo duríssimo - , com uma decoração muito rica em
(. . .) que daquele sítio tinham maior prata e ornamentos, tinha um coro
serventia para o marB. Várias foram as sumamente alegre e espaçoso. (. . .) o
vantagens j ustificativas da diferente fron tispício é obra sumptuosíssima,
localização da nova igreja, (. . .) por com duas torres e sinos, tudo gI'ande; a
extremo clara, e espaçosa, com a facha­ entrada para a igreja é por baixo de um
da do frontispício para o Tejo, e bela arco de admirável arquitectura. (. . .) de
vista do coro, e um amplíssimo terreiro uma só nave, mas amplíssima, paI'
que faz a entrada, vistosa e alegre (. . .); extI'emo alegre, e clara, elevada, e
tirar-se da mesma montanha grande majestosa, de can taria polida e jaspe
quantidade de pedra (. . .); tirar-se da brunido, lavrado de obra dórica ao
mesma uma grande abundância de sai­ moderno. À data em que escreve o
bro (. . .); restar grande espaço de terra cronista Frei Agostinho (r697) faltava
aplainada, que sobejou ao circuito da erigir a sacristia e um novo claustro ,
igreja, na qual se plantou uma vinha. mais adequado à grandeza e majestade
Dois pormenores da grande escadaria do Convento do Beato. obra
já iniciada nos primeiros anos do st:culo XVIII.
Ao frade santo de Xabregas adveio o do novo edifício e às exigências de um
ânimo para a dispendiosa iniciativa de convento onde assistiam ordinaria -


mente 30 religiosos - em 1551 tinha que tem a Corte pela sua alegre e
379 e, em 1669, quando da visita de espaçosa vistaI'. Repetindo parte desta
Cosme d e Médicis , 40 cónegosIO • descrição , em 1712, acrescenta o padre
Dispunha de três dormitórios, cujas Carvalho da Costa ( . .) a porta para o
.

janelas caíam sobre a horta comum, sudoeste com seu adro, que fecha umas
em torno dos quais existia um circui­ grandes e bem feitas grades de ferro
to de várias capelinhas com imagens (. . .) boas capelas com grandes orna ­
de santos. Um dos dormitórios, a nas­ mentos e muitas peças de prata para o
cente, (. . .) pouco há se lhe deu prin ­ serviço da igreja (. . .). E nas torres
cípio, no local onde D . Manuel sineiras (. . .) um relógio com seu
construíra o quarto separado . O maior mostrador. Tem um bom claustro e
fora feito no reinado de D. Sebastião , vistosos dormitórios com sua cercaI3•
antecipando-se os frades à necessidade Quanto ao terramoto de 1755, a so­
de fazenda por parte do rei, obtendo lidez do edifício conventual e sua igre­
3000 cruzados pelo derretimento da ja evitou danos graves. Registe-se, pelas
sua magnífica cruz de ouro, com os palavras de coevos (1758) , que este
quais fizeram o novo dormitório, que mosteiro (. . .) de S. Bento dos padres
ficou chamado o Grande. Situava-se de Santo Elói teve pouca ruínaI4 e a
este a poente, com 2 2 celas de um lado igreja se acha inteiramente ilesa, como Pormenor da arcaria gótica encontrada numa das paredes do
actual claustro do Beato.
e do outro (. . .) cinco janelas grandes, também todas as suas partes adja ­
a distâncias proporcionadas, no fim centes'5. No ano de 1764 pediam os quantidade de imagens e um grande
dele se vê a casa chamada dos bispos religiosos um empréstimo de 3000 presépio no jardim'7 . Utilizada uma das
(. . .) desta casa se sai para um eirado, cruzados para acabarem a obra do duas alas como Hospital Real Militar, o
que fica senhoreando a estrada e o dormitório novo e armazéns - situa- edifício do extinto convento albergou
Tejo (. . .). O terceiro era o dos Gerais, dos por baixo do dormitório - que temporariamente um batalhão militar.
situado a sul, com 12 celas". têm mandado fazer no mesmo seu A igreja deíxou de ser sede de freguesia
É este templo de uma só nave, grande, conventd6• Pouco depois (r770) , pelo (1835) aventando-se a hipótese - não
formoso e m uito alegre escrevia Frei
- Plano de remodelação das freguesias, a concretizada - de vir a servir de Panteão
Agostinho de Santa Maria em 1707 -, de S. Bartolomeu foi sedeada na Igreja dos Nobres. Sofreu então a antiga casa
tem uma majestosa capela -mal' e um do Beato , onde permaneceu por 65 conventual pesados estragos provocados
espaçoso cruzeiro. É, finalmente, de anos. por um incêndio, de que se livraram o
perfeitíssima arquitectura de ordem Antes da extinção das ordens religiosas noviciado, o refeitório e as cozinhas.
dórica moderna e tem um soberbo testemunhou Gonzaga Pereira os ricos Pouco depois o negociante João de
frontispício com duas elegantes torres, painéis de pintura do convento e igreja, Brito comprou boa parte do conjunto
e tudo de pedra lioz muito fino e claro, destacando-se os quadros de Bento instalando uma moderna unidade
com excelentes sinos. O sítio do con - Coelho, de Joaquim Manuel da Rocha e fabril, na origem da marca « Nacional»
vento verdadeiramente é dos melhores de Fernão Gomes, ao que acrescia a (ver Guia do Património Industrial) .

91
dispor para as suas frequentes deslo­
cações, situadas, pelo que as infor­
mações permitem conjecturar, onde
hoje se ergue o grande corpo dos
dormitórios, sobre a Rua do Beato .
Obras recentes levadas a cabo no actual
claustro levaram à descoberta, embe­
bidos na grossura das paredes, de vários
restos da primitiva construção , possi­
velmente da igreja. Destaca-se parte
de uma bela arcada gótica ainda do
século XV eventualmente erguido
,

com as dádivas feitas à congregação


pelo condestável D . Pedro , depois rei
de Aragão, irmão da rainha fundadora.
Além da elegân,cia dessa arcaria de
recorte muito fino , este achado repre­
senta uma preciosa informação sobre a
Refeitório do Convento do Beato.
estrutura original da primitiva casa
Em 1878 foram apeadas as torres da II - COMENTÁRIO religiosa. Com efeito , a sua orientação
igreja'8 - onde se instalaram depósitos, a poente , aliás canonicamente correcta,
oficinas e fornos - cuja cantaria foi Uma das maiores casas conventuais de permite-nos perceber que o acesso à
empregue em obras várias, enquanto o Lisboa, o Convento dos Cónegos de construção original era feito a partir da
sino dos frades passou a chamar os São João Evangelista, ditos os Lóios, foi Estrada de Marvila, através de uma azi­
operários à labuta . Apesar das variando de designação consoante a nhaga de que o troço inicial da Calçada
inevitáveis adaptações - exemplo dos evolução da sua história própria. Er­ do Duque de Lafões poderá ser uma
dormitórios onde se instalou a antiga guido no século XV sobre um pequeno reminiscência. Não se esqueça que toda
Fábrica de Rações do Beato - várias das eremitério dedicado a São Bento , essa área foi profundamente alterada
estruturas do convento - classificado guardou inicialmente esse patrono , para implantação da nova igreja nos
Imóvel de Interesse Público -, claus­ sendo por isso conhecido por São primeiros anos do século XVII , no local
tro , escadaria, refeitório e biblioteca , Bento além de Xabregas ou, mais vul­ onde se levantava uma montanha de 7
encontram-se hoj e preservadas , sendo garmente , São Bento de Xabregas . braças de altura em muitas partes, e em
utilizadas como equipamento cultural. Segundo os variados testemunhos, era outras de menos, mas em todas de
(JFP) uma casa modesta, resultante de um rochedo duríssimo (. . . ) cuj o corte
amontoado de sucessivos acrescentos, abrupto é ainda hoje bem visível no
entre os quais merece destaque as casas lado esquerdo de quem olha a fachada
de aposento que D. Manuel mandou da actual igreja. Note-se que no cimo

92
dessa ravina se abre ainda um pequeno
largo no cotovelo da Calçada do Olival,
em cujo topo fechado se poderá conj ec­
turar que nasceria então a via de acesso
ao convento, descendo daí pela encosta
em declive , mais tarde, como vimos,
cortada a pique. Mais uma vez se chama
a atenção para o facto de a inexistência
de qualquer carta antiga ou de infor­
mações mais precisas não permitir mais
que um mero esforço recriativo , natu­
ralmente problemático e falível .
A abertura definitiva d o Caminho do
Orien te, a nova via ribeirinha, que
várias referências dispersas nos per­
mitem fixar como um processo que se
arrastou ao longo do século XVI , com
especial incidência na sua segunda
metade, veio com certeza colocar aos
Lóios o desafio de conformar a sua casa
com a nova disposição da rede viária,
virando-a à rua que a pouco e pouco
se tornava o eixo principal de toda a
Zona Oriental, vindo a nova realidade
a justificar a mudança de nome pelo
qual passou a ser conhecido - o Beato .
Com efeito, coube essa tarefa à inicia­
tiva do padre António da Conceição ,
conhecido pelo Beato António , ainda
no último quartel do século XVI ,
concretizando -se a transformação so­
bretudo nas duas primeiras décadas do
século XVII , quando se iniciam as
sucessivas campanhas de obras que se
arrastaram por muitos anos, sabendo
nós que ainda em I764 não estavam
Em cima: antiga biblioteca do Convento do Beato.
acabados os dormitórios e armazéns Em baixo: arcaria de acesso à escadaria (início do século XVIII).

93
sobre a Rua do Beato, edifício onde
depois funcionou a Fábrica de Rações.
A principal mudança levada a cabo em
todas essas obras foi , portanto, a altera­
ção da orientação de todo o conjunto ,
bem como o natural engrandecimento
das dependências, tudo construído com
uma escala pouco habitual entre nós.
Tal facto não poderá desligar-se do
patrocínio do vice-rei D. Cristóvão de
Moura, marquês de Castelo Rodrigo ,
cuja intervenção em Lisboa parece
sobressair pela escala gigantesca que
deliberadamente cultivou - lembre-se
o seu próprio Palácio do Corte-Real,
na Ribeira, o Mosteiro de São Bento ,
destinado a panteão familiar, e, sobre­
tudo , o projecto inicial de Santos-o­
-Novo , o maior edifício até então
proj ectado em Lisboa. Se a estes jun­
tarmos as obras régias, que ele próprio
acompanhou - o torreão da Ribeira e
São Vicente de Fora - parece estarmos
perante um dos mais activos e significa­
tivos períodos arquitectónicos de
Lisboa, dificilmente conciliável aliás
com ideia propalada após a Restauração
de um país espezinhado pela tirania
estrangeira. Pelo menos vistas largas,
vontade e dinheiro não faltavam. Além
de Cristóvão de Moura, cumpre realçar
a figura da D . Joana de Noronha,
construtora da magnífica capela-mor,
destinada a panteão de sua família, os
condes de Linhares (ver adiante) .
São Vicente de Fora parece ter sido ,
Em cima: corredor do primeiro andar do claustro.
Em baixo e na página ao lado: vista geral e pormenor da arcaria do claustro do Beato, erguido já no início do século XVIII. aliás , o modelo seguido na construção

94
da nova igrej a. Tal facto é sobretudo
evidenciad o pelo alçado esguio da
fachada, com duas torres com pináculos
e coruchéus - pelo menos assim sur­
gem desenhadas na informação gráfica
disponível - infelizmente apeadas em
1878, numa escolha estética ao tempo
carregada de sentido, já que contraria­
va a prática jesuítica tão em voga de
recuar a torre sineira para a cabeceira
do templo , como ainda podemos ver
no antigo Colégio de São Roque, da
Companhia de Jesus. No interior, a
igreja era de dimensões pouco habi­
tuais, marcada sobretudo por algum
desequilíbrio maneirista nas pro­
porções entre o comprimento, a largu­
ra e a altura excessiva a que foi lançada a
abóbada de caixotões, resultando um
espaço em que a maj estade das pro ­
porções deveria causar ao visitante a
estranha sensação de entrar numa
imensa caverna sem fim . Dizemos deve­
ria porque a recente divisão horizontal
do templo em três pisos, por placas de
cimento armado , não permite a fruição
global deste espaço, que, curiosamente,
essa inesperada intervenção fez ganhar
uma nova aura perturbante: ao dese­
quilíbrio inicial de laivos maneiristas
substitui-se um toque surrealista, acen­
tuado pelo forno de malte instalado
no centro da magnífica capela-mor,
envolto pelos mármores cuidados
do panteão dos condes de Linhares.
A Igreja do Beato , de momento ainda
em riscos de sobrevivência, é assim ao

95
Em cima: piso türeo abobadado do corpo dos antigos dormitórios, depois Fábrica de Rações do Beato. Estas salas focam restauradas no âmbito
do Programa Caminho do Oriente, destinadas a exposições.
Ao lado: o antigo sino da Igreja do Beato que contém a seguinte legenda: LUDUV1CUS GOMES DE OLIVA FECIT MIHI (A) DOMINI 1686.
Em baixo: arcaria de acesso à escadaria conventual (pormenor).

presente um dos espaços mais estranhos em que foi construída, ou seja, após
e extraordinários de Lisboa , misturan­ 1 6 9 7 . Quanto ao claustro , também
do sensibilidades e funcionalidades ainda inexistente nessa data em que
num resultado que merece rapidamente escreve o cronista, é bastante mais só-
uma intervenção salvadora. brio nas linhas da arcaria de pilastras,
Quanto às restantes dependências podendo talvez aventar-se a explicação
sobressaem aquelas que têm sido alvo de de se tratar de projecto mais antigo que
um meritório processo de restauro pela as dificuldades financeiras atrasaram na
Nacional, actual proprietária: o claus­ execução .
tro , o corpo do refeitório e da bibliote­ Quanto à posterior história deste con­
ca, duas magníficas salas sobrepostas junto, sobretudo depois da sua aqui­
ligadas pela escadaria, para a qual o sição por João de Brito, consulte-se o
adjectivo mais apropriado é espam­ Guia do Património Industrial. (JSM)
panante, aliás de acordo com o gosto
cenográfico barroco vigente ao tempo

96
Frontispício do 1 .0 volume de O Céu
Aberto na Terra, do padre Francisco
d e Santa Maria ( 1 697). Gravura com
a assinatura de Ph. Bouttats ln. fecit
Antuerpiae. Trata-se de u m a das poucas
I'epresentações do futuro D. João V ainda
principe do Brasil, I'odeado por cartelas
com retratos de algumas figuras
de relevo na história da Congregação
dos Lóios, Cónegos Regrantes de São
J oão Evangelista. Na coluna do lado
direito do observadol' estão
representados o Beato António,
renovador da casa (o primeiro em cima),
e D. Afonso Nogueira, al'cebispo
de Lisboa ao tempo em que o convento
foi fundado no século XV
(o último e m baixo).

I lANfIT, CSBX, L. o 12, fI. 9v.


' IANfIT, CSBX, L. o 12, n. 9v.
'3 IANfIT. Colecção Especial, Diplomas Emanados do Poder
Real, ex. 32, n . O 47.
' IANfIT, CSBX, L. o 12, n,. 44v-45.
5 Santa Maria, Fr. Francisco de, eeo aberto na TUl"a, Lisboa,
Dff. de ManoeI Lopes Ferreyra, 1697, VaI. 1. p. 309.
6 Santa Maria, Fr. Francisco de, oh. cit., VaI. I, p. 312-313.

7 Sanla Maria, Fr. Francisco de, oh. dt., VaI. II, p. 1107.
8 Santa Maria, FI'. Francisco de, oh. cir., VaI. II, pp. 1108-9.

9 Oliveira, Cristóvão Rodrigues de, SummaJ"io, Lisboa, Casa


do Livro, 1939, p. 66.
10 Magalotti, Conde Loremo, Viagem de Cosme de Médicis a

Lisboa, em 1669, ln Rc\'ista Alunicipal, Lisboa, CML,


1942, p. 46.
I I Santa Maria, Fr. Francisco de, ob. cit., Vol. I , p. 490.
12
Santa Maria, Fr. Agostinho de, Santuário lr.fariano, Lisboa,
Officina de Antonio Pedrozo CaIrão, 1707, p. 276.
'3 Costa, P. Antonio Carvalho da, COI"OgJ'afia Portugueza,
Braga, Typographia de Domingos Gonçalves Gouvea, 1869,
T. III, p. 412.
I� Mendonça, JoachimJoseph Mm'eira de, Historia Unú'ersal

dos Tel"l"emotos, Lisboa, Officina de Antonio Vicente da


Silva, 1758, p. 135.
!5 Lisboa, Amador Patricia de, Memorias daspI"incipaes
pro\1dencias que se derão no telTemoto (. , .) de 1755,
Lisboa, 1758.
" IANfIT, CN, C-12B, Cx. 81, L.0 733, Os. 52v-53v.
'7 Pereira, Luís Gonzaga, lr.fonumentos Saaos de Lisboa em
1833, Lisboa, 1927, p. III.
18 Branco, Manuel Bernardes. Historia das OI'dens
Alonasticas em Portugal, Lisboa, Livraria Editora de
Tavares Cardoso e Irmão, 1883, VaI. III, p. 269.

97
lêll@@@@@@l lêl
SEPVLTVRA DE D O M . ANTO N I O . DE N O R O N HA . PRIMEIRO . FILHO . D O
S E GVNDO . C O NDE . DE LINHARES . D O M FR. c O E DA C O NDESSA . D O NA
VI O LANTE . Q,VE . O S MOVR O S . MATARÃO . EM . C E ITA . A . � 9 . DE AB RIL . DE
I S S 3 . ANN O S . SENDO . ELLE . DE 1 7 . D O N NA . I OANNA . DE N O RONHA . SVA
IRMAM . Q,VE . NVN CA . CAS OV . LE FEZ . ESTA . CAPELLA . A SVA . CVSTA . C OAND O
ACAB OV . Q,VE . F O I . N O . ANN O . DE . 1 6 u . TRE S LAD OV . SEVS . O S O S . DA . S E
DE C EITA AE STA . SEPVLTVRA . E NAÕ DEV . A O S . MAIS . IRMAÕS . S EVS
P O R . Q, . DOVS . DELLES . M O RRERAÕ . EM . AFRI CA . C O M . E LREI . D O M . SE
BASTIAÕ . E OVTR O S . D OVS . NAS . PARTES . DA I NDIA E D OVS . SAÕ
RELIGI O S O S . DA . O RD E M . DE . SANT O . AGVSTI NH O .

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CA P E L A - M O R DO B E A T O p a n t e ã o d e s u a fam í l i a , d i s p o n d o e m d o t e . D . J oa n a p r o p õ e - n o s , t r e z e n ­
A p e ç a m a i s c e l e b ra d a a o l o ngo r e d o l' e m b e b i d a s n a g r o s s u r a d as tos e c i n q u e n ta a n o s d e p o i s , u m a
dos t e m p o s n a I g reja d o Beato foi p a r e d e s as l á p i d e s d o s s u ce s s i v o s refl ex ã o s o b r e o s c u st o s h u m a n o s e
a m ag n ífi ca c a p e l a - m o r , t o d a de t ú m ulos, desde seu avô, a d i m e n s ã o d a d O I' q u e a c o m p a n h o u
m ármore s bran c o s e jaspes verm e l h o s , D. António de N oronha, 1 .° conde e s s a a v e n t u ra p l a n e t á r i a c u jo
t e r m i n ad a em 1 6 2 2 e erguida por d e L i n h ar e s , a o s p a i s e i rm ã o s . m o m e n t o a l to c e l e b l' a m o s n e s t e
i n i c i a t i v a d e D. Joana de N o r o n h a , E n t r e e l e s d estaca-se o a n o d e 1 9 9 8 . E s ta l á p i d e d o B e a t o
fi l h a d o s c o n d e s d e U n h a r e s , fam í l i a d e D . A n t ó n i o de N o ro n h a, o i r m ã o s u rg e c o m o u m a e s p é c i e d e s ú m u l a
e n t ão p r o p ri e t á r i a d a g r a n d e q u i nta p r i m og é n i t o , m orto e m C e u t a s e n t i d a d a História Trágico-Marítima,
ali p e r t o ao P o ç o do B i s p o , d e p o i s aos 1 7 a n o s , e m c u j a l á p i d e D . J o a n a (J S M )
dos condes de Valadares. deixou bem expl ícita a s u a vontade
A s u a d i m e n sã o , a j u s t a d a à s de reunir n o sono derradeiro uma
p r o p o r ç õ es d a p r ó p r i a i g reja, faz i a fam í l i a q u e m o rrera r e p a l' t i d a p e l o s
d e l a u m e s p a ço m aj es t o s o , e m b o r a cantos do m u ndo. Não se lê tal
d e g r a n d e s o b ri ed a d e , e n o b r e c i d o escrito, hoje ainda por cima no
somente pelo jogo subtil das a m b i e n t e s u rreal d e u m fo r n o
p i l a s t r a s e m o l d u ras arq u i tectó n i cas i n d u s t r i a l , s e m a fo rte c o m o ç ã o
ao m o dern o , I'e a l ç ad a p e l a v a r i e d a d e d i t a d a p e l o respe i to p o r e s t a fi g u r a
s u av e d a s t o n a l i d ad e s d o m á r m o r e . de m u l her que não casou, dedicada a
I nfe l i z m e n te n ã o d i s p o m o s rec o l h e i' n u m ú l t i m o a b ra ç o o s
d e q u a l q u e r i n fo r m aç ã o s o b re d e s p oj o s fam i l i a re s , a p l i c a n d o n es s e
o r e t á b u l o do a l tar- m o I'. m o n u m en to à m e m ó r i a d o s s e u s
D e s t i n o u -a a q u e l a s e n h o r a a parte s u b s t a n c i a l d o s e u i m e n s o
- - ----- - ------ ---. __. ._--

ALAMEDA DO B EATO

Outro dos atractivos do Beato era a


alameda q ue precedia a igreja, um dos
poucos logradouros públicos na Zona
Oriental, nascida da alteração da
definitiva implantação da via ribeirinha
como eixo principal de toda a zona.
O seu traçado t'esultou do corte na colina
para a construção da igreja, restando
grande espaço de terra aplainada, que
sobejou ao circuito da igreja. Esse espaço
..:
::-::>
depressa se tornou local preferido para os " ='*..:. _ -
;--. - -. �:--. _--

passeios lisboetas, como nos elucida


Alberto Pimentel: Desde Xabregas depara­
-se-nos aqui um sítio mais airoso e largo: AAJamecla do Beato segundo o desenho publicado in l\fonumentos Sacros de Lisboa em 1833, de Gonzaga Pereira.

é a alameda do Beato. Antigamente, antes acampavam no Beato era o famoso viagens em / 846: Assim o povo, que tem
do alargamento da cidade, os patuscas de embrechado, ao lado da igreja já reedificada sempre melhor gosto e mais puro do que
Lisboa frequentavam muito estes sítios. pelo padre António da Conceição: bem essa escuma descorada que anda ao de cima
Pelo que respeita ao século XVIII diz o pitoresco lugar esse, em verdade, porque das populaçães, e que se chama a si mesma
irmão, e editor, de Manuel de Figueiredo além do pavimento em mosaico, feito de a Sociedade, os seus passeios favoritos são a
que os tocadores de viola iam aos domingos conchas e pedras miúdas, havia capelinhas Madre de Deus e o Beato e Xabregas e
de tarde à Penha e ao Beato, com a banda que prendiam a atenção, e sombra de Marvila e as hortas de Cheias. Pimentel,
direita do capote traçada sobre o ombro arvoredo copado. Todos estes sítios Alberto, A Estremadura Portuguesa, ln
esquerdo, e que atrás deles seguia muito continuaram a ser passeio predilecto dos Portugal Pitoresco e /Ilustrado, Lisboa,
povo a ouvir a tonadilha da fofa e do moradores de Lisboa até depois da primeira Empresa da História de Portugal, 1 908,
fandango. O lugar onde os alegres ranchos metade do século X/X. Garrett dizia nas I ." parte, p. 87.

99
Il1 A R V I L A

o termo Marvi l a, j un ta m e n t e com os de São Bento C . ' ), a qual parte com d e São B e n t o e o Poço d o B i spo a
d e Xabregas e C h e i as, c o n st i t ue m os o mar, desde o Poço do Bispo até ao q u i n t a parte com o mar. A estrada
topón i m os m a i s a n t i gos d a Zona dito mosteiro C . . ) vindo pelo muro
, que vai da cidade é e n t ã o só uma,
O r i e n t a l . Logo após a c o n q u i sta de do dito mosteiro ter à Estrada que a q u e l a q u e a i n d a hoje c o n h e c e m o s
L i sboa, D. Afonso H e n r i q u e s doou à vai da cidade, e atravessando a dita c o m o a E s t r a d a d e Marvi l a .
M i tra de L i s b o a todas as rendas e Estrada, partindo com vinhas do Pergunta r - s e - á e n t ã o q u a n d o terá
terras de M ar vila que possuíam as Cabido C . ' ) indo ter à cerca dos s i do batido o cam i n h o p e l a praia até
mesquitas de mouros, part i l h a n d o currais e palheiros que estão junto ao Poço do B i spo, a n o s s a a c t u a l R u a
l og o n o a n o s e g u i n t e o b i spo m e tade com as casas e assento da dita d o A ç ú c a r ? R a l p h D e l ga do, n o s e u
da propriedade com o C a b i do, quinta C . . ) cerrando onde primeiro i m port a n t e e s t u d o s o b r e o s O l i v a i s,
angar i a n d o - s e a s s i m a base de começou, ficando o dito Poço do em c u j a freg u e s i a Marv i l a estava
s usten tação da m a i s a l ta estrutura Bispo dentro das ditas divisões. i n tegrada desde a sua c r i a ç ã o , em
e c l es i ás t i ca d e Lisboa. S a b e n do nós N o texto a d i a n t e sobre o pa l á c i o dos 1 3 9 8 , a f i r m a q u e e m 1 5 7 3 , D . I n ês de
q u e o va l e d e C h e i as perte n c i a e m Marqueses d e Abrantes ( 3 1 ) , cabeça N o r o n h a, v i úva d e J o ã o da Cos ta,
grande p arte às a n t i gas f r e g u e s i a s o r i g i n a l desta i m e n s a p r o p r i e d a d e - s e n h o r d e Pancas, renovou o p l a n o
c o l e g i adas d e L i s boa, sem q u e s e j á n aq u e l a data as casas e assento da dos aforam e n t os d e t o d a a q u i nta,
con heça n e s t e c a s o q u a l q uer doação, dita quinta - , p o r m e n o r i zar- s e - á a f a l a n d o - s e d e u m a Quinta Nova,
ta lvez se possa c o l ocar a h i pótese de e v o l ução do s e n h o r i o desta e x a c t a m e n t e com serv e n t i a já p e l o
o acto d e 1 1 4 9 não ser m a i s q u e a propri edade, transformada e m foro c a m i n h o r i b e i r i n h o . O u s e j a , poderá
c o n f i r m a ç ã o de u m a s i t uação perpétuo n o séc u l o XVI, q u e f o i a d m i t i r - s e que en tre 1 49 5 e 1 5 7 3 , essa
preex i s t ente, l an ç a n d o a l gu m a l u z i n i c i a l m e n t e dos s e n h ores d e Pancas nova v i a foi s e n d o con s o l i dada ao
sobre a orgân i c a s o c i a l e e m a i s tarde i n t egrada n o morgado l o n g o d o p ra i a, i m po n d o
adm i n i s t r a t i v a m i l e n ar d o Esporão, q u e veio a cair por n at ur a l m e n t e u m a u t i l i zação d i versa
da c i d a d e de L i s b o a . h e rança n a g r a n d e casa d e V i l a Nova d a propr i ed a d e que a bordejava e m
O s l i m i t e s d e Marv i l a - s o b r e t u d o o s d e Port i m ão/Abra n t e s . Aqui i n teressa t o d a a e x t e n são, a l teração essa
da Q u i n t a dos A r c e b i s p o s - são bem s o b r e t ud o traçar o s contornos a d m i n i s t ra t i v a m e n t e consagrada n a
c o n h e c i dos, d e fi n i dos com p r e c i s ão g e n é r i cos q u e o termo abran g i a e ú l t i m a d a t a refe r i d a . S e l i garmos
em 1 49 5 , no contrato de perceber- l h e a e v o l ução, quer da e s t a i n formação a o utras j á atrás
e m p r a z a m e n t o que o a r c e b i s p o s ub d i v i são da propr i ed a de, q u e r r e u n i das p o d e m o s d e facto começar
D . J orge da Cos ta, o cé l ebre c a r d e a l d a e v o l ução v i á r i a. U m a das a a f i rmar com a l g um a s e g ura n ç a,
d e A l p e d r i n h a, fez a s u a i rm ã, i n formações mais i m portantes a p esar da a u s ê n c i a de d o c u m e n tação
D. C a t a r i n a de A l b u q u e r q u e , de toda c o n t i das n e s s a descrição d e 1 49 5 é a e x p l íci ta, que a via r i b e i r i n h a , agora
a propr i e da de, a s s i m c o n s t i t u í d a : a us ê n c i a d e q u a l q u e r referên c i a a b a p t i zada d e Caminho do Oriente, foi
uma quinta que se chama de u m a v i a p ú b l i ca r i b e i r i n h a, g a n h a n do c o n s i s t ê n c i a a o longo do
Ma rvila, que está além do mosteiro a f i r m a n d o - s e q u e entre o M o s t e i r o s é c u l o XVI, a l i ás n o s e g u i m e n t o da

101
Pormenor d a Carta das linh a s de
fortificação de Lisboa ( 1 8 3 5 ) s e n d o
b e m v i sivel o t r a ç a d o antigo d a
Es trad a d e M ar v i l a e a da v i a j u n to
ao I" i o , h o j e R u a do A ç ú c a r até ao
Poço do B is p o , d o m i nado a i n d a
p e l a g r a n d e q u i n t a d o s condes
d e V a l a d a r e s . P al'a lá do P o ço do
B i s po nota-se b e m a bi fu rcação
d o s c a m i n h o s do V a l e F o rm o s o
d e B a i xo e d e C i m a . C o m o p o n t o s
d e refe r ê n c i a , e s t ã o repl"esentados
o Palácio da M i tra, j u nto ao rio,
e ° C o n v e nto d e M a r v i l a ,
e as q u i n tas d o s m a r q u es e s
d e Abran tes e d e M arialva,
n a R u a D i reita d e M al·v i l a .

fra n c a aprox i m a çã o da margem d o dito d o B i spo dada a s u a l o ca l i za ç ã o l arga -, c o n s t i t u i n do uma esp é c i e


r i o d e t e c t ad a em toda a c i d a d e . n a p r o p r i e d a d e ep i s copa l , s i t u a v a - s e d e l i m i t e n o r t e da Q u i n ta d o s
Q ua n t o aos l i m i t es genéricos n o térm i n o d a m e s m a , q u a s e n a b a s e Arce b i s p o s. Para l á a v i a passava a
abran g i dos então pelo termo d a r a m p a da act u a l R u a d e Marv i l a . c h a m a r - s e o Va l e Formoso, bi furcado
Marv i l a , são e l es bem e x p l ícitos na J un t o h a v i a u m a p e q u e n a a z i n h a g a e m d o i s , o d e C i m a e o de B a i x o .
d o c u m e n t a ç ã o : o m uro norte do d e l i ga ç ã o à pra i a , c u j o traçado O top ó n i m o P o ç o do B i s p o , l o go
C o n v e n t o de São Bento (o B e a t o ) , deve r i a corresponder mais o u m en o s esten d i d o à v i z i n h a a z i n haga,
e o P o ç o d o B i s p o , q u e iremos agora à p a r t e p l a n a da a c t u a l R u a Z ó f i m o depressa s e a u t o n o m i z o u , passando
l o ca l i za r c o m m a i s precisão. O poço, P e d r o s o - por c e r t o esta m u i t o m a i s com o t e m p o a d e n o m i nar a parte

102
j unto ao rio e o s e u pro l on gamento
para norte, d i s t i n g u i n do - s e com
n i t i dez d a parte a n t i g a mais a c i m a ,
j unto do ve l h o cam i n h o , q u e
m a n teve o n o m e Marvi l a , d e p o i s
reforçado p e l a construção do
Convento das Brígi das. Do l a d o norte
dessa a z i n h a g a e estendendo-se entre
o rio e o Vale Formoso de B a i x o ,
f i cava a g r a n d e q ui n t a que f o i d o s
condes d e L i n h ares, depois dos d e
V a l a d a r e s , i n i c i a l m ente con h e c i d a
t a m b é m por q u i n t a e m orgado d e
Marvi l a , a p e s a r de e s t a r fora d o s
terrenos abrangidos p e l a propr iedade
e p i s c op a l . Mais tard e , t a l v e z para
evitar confusões, gen era l i z a - s e a
Edifícios de Manila. Em c.ima: a Quinta do Roc.ha, como é c.hamada no séc.ulo X V III, na parte descendente da rua em direcção ao Poço do Bisp o . des ignação de Q u i n t a do Conde
com p átio , escada e.xterior e alpendre, bom exemplar de casa de quinta setecentista. Em baixo: pequena construção setecentista fronteira ao Convento
de ?o..falvila. Ao lado: portão do século XVIII junto à quinta dos marqueses de Mariah'i\, em frente da Azinhaga das Fontes, hoje dos Alfinetes. d e Val adares , ao Poço do B i spo.

103
Dispomos de um desen ho tosco, poente na então Estrada Nova do crer que o 9 correspon derá à chamada
fei to à mão e datado de 17 5 2 , da Alfundão. Entre estas vias, iso l a - se Quintinha, j á então na posse da Casa
subdivisão em foros de todos os uma vasta parc e l a de terreno, com o de Mar i a l va, que a adquirira em 17 1 7 a
terrenos da Quinta de Marvi l a , então n úm ero I, e designada por Quinta um tal Rebe l o de Campos, nome a que
propriedade de raiz do morgado Grande, correspondendo à o autor do desen ho se deve ainda referir
do Esporão, e que acompanha como propriedade principa l , então do confun d i n do - l h e o primeiro ape l ido,
exp l icação o auto de posse do referido referido conde de Vila N ova, depois transformando o Rebe l o em Costa.
morgado por Manuel Rafael de Távora, marquês de Abrantes. Mas é o espaço Q uanto ao lote 7 pertencerá então
em n o m e do f i l h o, o conde de V i l a a nascente entre a referida Rua de também já à Casa Mar i a l va, pois a
N ova, en tão men or. Este documento Marvi l a e a do Açúcar que partir de 176 2 , dez anos depois deste
precioso, po i s embora tosco é o mapa espec i a l m ente nos in teressa. Aqui desen h o , os Livros de Registo da
mais a n t i go desta zona, e l ucida-nos encontramos as seguintes parce l a s , Décima são bem expl ícitos sobre a
sobre a d ivisão da propriedade, referentes a quintas q ue adiante posse pelos marqueses de Maria lva de
perm i t i n do i den t i f i car com precisão i remos apreciar. Parti ndo d a front e i ra todos os terrenos à b e i ra da estrada
a l gumas q u i ntas hoje profundamente do Beato, e devidamente identif icadas para o Poço do Bispo a partir da Q u i nta
transform adas. Vamos o l h á - l o com na legenda, encontramos: com o das Murtas até á Q u i n ta da Mitra.
a l guma atenção, seguindo a l egenda n úm ero 20 a Q uinta das Murtas (26 ) , Possive l m ente, e a fazer fé neste
que o acompan ha, e identificando c o m o n úm ero 8 a do marquês de desen ho de memória, o único enclave
as parc e l as d a grande propriedade Marialva (2y ) , com o seu p a l á c i o bem den tro dos vários l otes reunidos pelos
de Marv i l a que mais d irectamente desen hado sobre a Rua de Marv i l a. Marialva seria o referente ao n úmero 5,
nos interessam. Começando por uma A este segue-se a propri edade aforada c itado n a l egenda como quinta
l e i tura g l oba l , individual izemos as à M i tra, não n um erada, onde se ergue defronte da Cruz ao sair da azinhaga
principais vias desen hadas. A nascente o p a l á c i o desse nome (28), vizin hando das Fontes. A cruz citada é a das
j unto ao rio, corre o caminho o l ote 3, referido como courela em Veigas, de que fal aremos ao tratar
ribei r i n h o , aqui chamada Estrada para frente do palácio, ou seja uma parce l a adiante s um ariam ente do troço i n i c i a l
o Beato. Entronca e l e n o Poço do Bispo, a i n d a então na posse d irecta do da Estrada de Marv i l a. Refira-se,
que por l apso se designa por Beato, sen horio. Depo is, o 18 corresponde ao a i nda, o l ote n úm ero l a, à direita de
onde começa a subir a Rua de Marvi la, lote do Betencourt (29), term i nando q uem sobe a Rua de Marv i l a , chamado
que atravessa em arco o desen ho, por fim n um cone imperfe ito com o então a Quinta do Rocha, cuja casa,
como eixo central de toda a n úm ero 19, onde então já se a c h ava apesar de em bastante mau estado, se
propriedade, aqui dita Estrada constru ído o Convento das Bríg i das de encontra ainda quase intacta, com o
chamada de São Bento para Marvi/a Marv i l a ( 30). A l guma confusão se seu pátio, escada exterior com
e antiga para Sacavém. D e l a nascem l evanta com os n úmeros 7 e 9, a l pendre e varan da. Part i c u l arizemos,
para poente duas azin hagas, a das apresentados respectivamente na em seguida, cada um destes con j u n tos,
Fontes ( d epois dos A l f i netes) e outra l egenda como casas na Rua de São resultantes do emparc e l amento
não nomeada, hoje Rua J osé do Bento e foro de Luís da Costa Campos, da enorme quinta original da M itra
Patroc ín i o , ambas cruzando-se a sem m a i s especificações. Estamos em de Lisboa.

104
o

M a p a dos Foros de M arvila ( 1 752) ( I A N /TT, ACA, M orgado do E s porão, n.o 1 94, doe. 4045).
E s ta p lanta desenhada à m ão é acom panhada pela seguinte l egenda: I Palácio e Quinta de Marvila: 2. - Casas defronte do jardim;
- o

3. o _Courela defronte do pátio; 4. - três moradas de casas na Rua Direita de Marvila; 5. - Quinta defronte da Cruz ao sair da Azinhaga
o o

das Fontes; 6. Vinha chamada da calçada; 7. o casas na rua de São Bento dos Láios para Marvila; 8. o - Marquês de Marialva; 9. - Luís da
o o

Costa Campos; 1 0 . - José da Rocha de Vasconcelos; I I .


o o - o o
Padre Estevão Pissola - casas; 1 2 . - João de Oliveira; J 3. Padre Gabriel da
o -
Silva; 1 4. Francisco Tinoco; 1 5. Luís da Costa; 1 6 . - José Teixeira da Silva; 1 7.
o _ o o - Doutor Miguel de Araújo; 18. - Censo do
o

Betencourt; 1 9 o Freiras; 20.


. _ 0 _ Murtas M a n uel Martins; 1 I . o João Baptista.
_ -

10 5
�,
M A R VILA E P o ç o D O BISP O , H O J E , ,

A zona de Marvila v i u instalarem-se


no seu perímetro algum as das mais
i m portantes u n idades fabris e al'mazéns � "
de abastecimento, Alguns deles
são interessantes exemplares de
!-fi- "'---jj �
arquitectUt'a que marcam a i m agem
actual desta zona, e m especial e m torno
do antigo Largo do Poço Bispo, hoje
David Leandro da Silva, um dos mais
característicos apontamentos u rbanos
de Lisboa, Ainda n a Rua do Açúcar,
destaca-se a antiga Fábrica de Borracha
Luso-Belga ( I ), dos anos 50,
recentemente restaut'ada e destinada
a instalação d e diversas actividades,
Com entrada pela Estrada d e Marvila e
ocupando parte dos terrenos da antiga O

.... .. >- .
'
. . � :,.-c;, .�

o ... . e
o

o
qui nta dos marqueses de M adalva, armazéns da Sociedade Vinícolo Abel d e armazéns d e José Domingos Barreiro
ergueu-se a Sociedade Nacional de Pereira da Fonseca, da autoria de N o rte (6), ocupando em parte os tet"renos
Sabões, onde ainda se encontra um J ún ior (3), com fachada para o largo, onde outrora se ergue u o Palácio da
antigo m i rante o i tocentista (5) que, reproduzindo-se aqui também uma das Qui nta dos Condes de Valadares.
segundo a tradição, serv i u para o rei fotografias do antigo cais, da autoria Quanto ao edifício sede
D. Pedro V assistir à passagem do de Mário Novais (gentilmente cedida d o Clube Oriental de Lisboa ( 4 ) ,
p r i meiro comboio, e m 1 856. pela Fundação Calouste G u lbenl<ian) trata-se da transformação de antigas
Mas é o Lat'go David Leandro d a Silva evidenciando a relação funcional dependências d o Convento d e M arvi la,
q u e reúne os mais i n teressantes original com a doca do Poço do Bispo (2). onde no século XIX funcionaram
exemplat'es, c o m o o conjunto da sede e Destaque-se ainda o grande conjunto pequenas u n idades i nd ustriais.
Este troço esten d i a-se até à Azinhaga
das Fontes, hoje dita dos Alfi netes,
onde a estrada se passava a chamar
Rua D i reita d e M arvila, pOI' se i n iciar
aí o n ú cl e o u rbano. Para poente
subiam duas azi n h agas d e l igação

II 'I
para o i nterior - a da Bruxa e a das
Veigas, e para nascente, sobre o rio,
a depois chamada Calçada do Duque
d e Lafões. Antes d e chegar à Azinhaga
das Fontes, a b re-se h oje um espaço
amplo, no qual abrem os portões da
Sociedade N acíonal d e Sabões,
e onde o utrora existiria um cruzeiro,
talvez d e s i n a l ização fluvial, chamado
a Cruz d as Ve igas. Em frente abria-se
E S T R A D A DE M ARV I LA u m a refe r ê n c i a e s pecífica. A partir d a a h o m ó n i m a A z i n h aga d as Vei gas,
O t r o ç o i n i c ial da E st rada de M a rv i l a, I l h a d o G r i l o , i n i cia-se a E strada d e d a n d o acesso à grande q u inta
q u e as l i m itações do programa M arvila, t a m b é m c h a m ad a n o s é c u l o tam b é m d o mesmo n o m e ( n a págin a
Caminho do Oriente n ão i nc l u iram X I X, c o m o c o n s t a n a carta d e F i l i p e s e g u i n t e ) , o n d e h o j e está i nstalada
n o s e u â m b i to, merece n o entanto F o l q u e , R u a Direita d o s A n an ases. a Casa d e S ã o V i ce n te, I nstitu i ção

108
11 1
de caridad e c e l e br i z a d a p e l a
m an u fact u ra d e tapetes d e Arrai o l o s .
Trata-se d e u m b o m e x e m p l ar d e
q u i n t a arraba l d i na, c o m g r a n d e casa
nobre e capela d e boas d i m e n s ões, e
u m i nteressa n te reve s t i me nto d e
a z u l e j o s ( v e r Guia do Azulejo).
Pertenceu no s é c u l o XVI I I à fam í l i a
G aivão de Lacerda, alguns deles
desembargadores, sendo vendida
no i n ício d o século segui nte a u m
J ácome Dolme, inglês. Deste passou
a uma fam ília também estrangei ra,
de nome M etzner. C i te-se ainda a
chamada Quinta das Pintoras (na página
anterior), com a sua casa alongada
sobre a estrada estreita, notável pelo entl'ever o a mb i ente paradisíaco com autoria d e Jorge Colaço (ver Guia do
seu parqu e perfeitamente conservado, que os antigos referiam por hábito a Azulejo). Os arranjos desta propriedade
verdadeiro oásis que tem sobrevivido à Zona Oriental. N otável tamb é m é a deveram-se a J oão B urnay, sendo
degradação e aos maus tratos q u e toda decoração de azulejos espalhada pela depois a q u inta propriedade
esta área tem sofrido e nos deixa qui nta, dos inícios deste século, da da fam í l i a Chatelanat.

r09
p a rt e t a m b é m o p a l á c i o em S a n ta
A p o l ó n i a . D e l a n as c e r i a a
d es i g n a ç ã o do a p e a d e i r o d o s
c a m i n h o s - d e -fe r r o e n o s
seus terrenos se ergueria a Fábrica
d e M at e r i a l M i l i ta r , p o r i s s o
c o n h e c i d o c o m o d e B ra ç o d e P rata.
A mais c e l e b r i za d a d es s a s q u i n tas
e r a a dos c o n d e s d e V a l a d ares, l ogo
no P oço B i s p o , t a m b é m c o m o v i m o s
c o n h e c i d a p o r m o rg a d o d e M at'v i l a ,
c u j a i m p l a ntaç ã o c o r r e s p o n d e r i a
grosso m odo a o s t e n e n o s h o j e
Do Poço DO B I S P O AO V A L E o cu p a d o s p e l o s A l' m a z é n s
F O RMOSO DE B AIX O . d e J os é D o m i n g o s B a r r e i ro ,
S a i n d o d o P o ç o d o B i s po , a b r i a - s e c o m fre n t e p a r a o L a r g o D a v i d
a R u a d o V a l e F o r m o so d e B a i x o , L e a n d r o d a S i lv a , o u tr o l'a c h a m a d o
a i n d a e m g r a n d e p a r t e i n tacta n o d o Poço d o Bispo, Essa q uinta, uma
s e u t r a ç a d o . O facto d e s e d as m a i s a n t i gas d o l o c a l , fo i
e n c o n tr a r j á fo ra d o p e r í m e t r o inicialmente dos condes d e
d o p ro g r a m a d e i n terven ç ão d o P o r t a l e g l'e, faz e n d o parte d o d o te
C a m i n h o do Oriente, n ã o p e r m i t i u d e D, J o an a d a S i lva, fi l h a d e s t e s ,
u m a i n ve s t i ga ç ã o m a i s i n te n s a n o m u l h e r d o 1 .° c o n d e d e L i n h a re s ,
s e n t i d o d e s e i d e n t i fi c a r e m c o m D . A n tó n i o d e N o r o n h a .
p r e c i s ã o as d i v e r s as q u i nt a s E ss a s e n h ora d e i x o u - a a s u a n eta
d i s po s t a s a o l o n g o d e s s e v e l h o h o m ó n i m a , que por t e s t a m e n t o a
c a m i n h o . N o e n t a n t o , d e a l g u m as v i n c u l o u a favo r d a d es c e n d ê n c i a d e
d e l a s r e s t a m a i n d a s i g n ificat i v o s seu tio, o 2,° conde d e Lin hares.
t r a ç o s arq u i te c tó n i c o s , A p r e s e n ç a d a fam il i a n e s ta z o n a
d e i x a n d o - n o s e n trev e r c o m a l g u m j u stifica a i n i ci at i v a d e D . J o a n a
e s fo r ç o a b e l e z a o ri g i n a l d o s it i o , d e N o r o n h a d e e s c o l h e r a c a p e I a­
s e m p r e m u i t o l o u v a d o . A l i t i n h am - m o I' d o C o n v e n t o d o Beato para
q u i n ta o s c o n d e s de P o v o l i d e e o s panteão dos s e u s . Por e x t i n ç ã o
Lemos Pereira de Lacerda, d es t e r a m o , p a s s o u o m o rg a d o p a t'a
m o rgad o s d o V a l e F o r m o s o , d e p o i s D. C a r l o s de N o ro n h a, pai d o
v i s c o n d e s d e J u ro m e n h a , b e m c o m o 1 , ° c o n d e d e V a l a d a r e s , fi c a n d o
o B r a ç o d e P ra t a , s e n d o e s t a q u i n ta a q u i n t a n es t e s t i tu l ar e s a t é
a c a b e ç a d o m o rgad o d e q u e faz i a ao s é c u l o X I X .

lIO
� Q U i n T A D A S Il'1 U RT A S

I - RESENHA HISTÓRICA então composta por casas nobres, po­


mar, horta e j ardim .
INFORMAÇÃO mais antiga re­
A
Por auto de arrematação (I7· 3 . r758) ,
ferente a esta propriedade re- Manuel de Faria AirãoB - um dos
monta ao primeiro quartel do século grandes homens de negócio da Lisboa
XVII , sendo então seus possuidores pombalina - ficou na posse da Quinta
o secretário João Lopes Sen'ão e sua das Murtas por r5 000 cruzados. No
mulher, D , Juliana de Semedo, No ano auto ( 9 , 4 . 1758) foi descrita a pro­
de 1628 venderam a quinta - foreira priedade : Casas nobres com seu pátio
enfatiota a Francisco de Vasconcelos, grande de quartos baixos e altos e suas
conde de Figueiró! em 6000 réis e casas de tanques e alcaçarias (. . .) casas
lO galinhas - ao L o conde de Palma, de palheiros, cavalariças e cocheiras
D . António de Mascarenhas, sobrinho Castro junto a S. Bento (r649)3; mo­ com seu jardim grande e parreiras,
do seu homónimo da Quinta do Grilo. rador na sua quinta de São Bento de terra de pão e alguma vinha com suas
Por morte do conde coube a quinta Xabregas Cr652)4; morador a S. Bento árvores de caroço com 3 chãos de horta
em partilhas (I8 . 7 . 1636) a sua mulher, (I655) 5 . com seu poço e dois tanques e mais
D . Maria de Távora, que a vendeu No início do século XVIII a proprie­ outro poço por cima do pátio a qual
pouco depois a D . António de Castro , dade pertence a D. Helena de Távora, quinta é toda m urada em roda e parte
tesoureiro -moI' da Sé de Lisboa, por já então conhecida por Quinta das do nascente com q uinta do (. . .)
8000 cruzados. Na escritura de venda, MUI,tas. Esta senhora vende-a em 1706 marquês de Marialva e do poente com
celebrada em r64I, a propriedade é a D. Afonso de Meneses, senhor de a cerca dos padres de S. Bento de
referida como (. . .) uma quinta junto Ponta da Barca, familiar do principal Xabregas e do norte com terra do dito
do mosteiro de S. Bento de Xabregas, D. José de Meneses e Magalhães que Marquês e do sul com estrada que vai
que foi de Estêvão de Alcairo, a qual vende a propriedade com todas as suas para o Poço do Bispo9.
parte de uma parte com m uro do dito pertenças, sita a S. Bento dos Lóios6, Contudo Faria Airão não habitou a
mosteiro e de ou tra parte com quinta em 1742 , a Manuel Martins da Costa, quinta, arrendando-a por 400 000
de João Cotrim e com estrada pública por 2I 000 cruzados , com a devida réis a Caetano de Sousa, (3 . 9 . 1760)
que vai para o Poço do Bispo (. . .) que licença do morgado do Esporão . homem de negócio da fábrica dos
contém em si casas nobres, celeiros, Passados alguns anos (I758) a sua viúva, marroquins, que por ali ficou até
cais de pedraria, jardim, pomar e D . Ana da Fonseca, sofreu um proces­ finais dos anos 7010• Com a morte de
vinha, toda murada à roda (. . .)2. Os so de execução juntamente com os Manuel de Faria Airão, seus herdeiros
registos paroquiais da freguesia fazem arrendatários ali moradores, Francisco venderam a propriedade ao conde de
três menções a D. António de Castro , Lino Pereira e seu irmão Pedro Pereira Atalaia, marquês de Tancos (I786) -
neto do conde de Basto, D . Diogo construtores da fábrica dos marro- que em 178r já a tinha arrendado - e a
de Castro : quinta de D. António de quins7, incidindo a penhora na quinta, manteve até meados do século XIX ,

113
II - COMENTÁRIO

Encostada à propriedade dos Lóios do


Beato , esta Quinta das Murtas constitui
a parcela extrema sul da grande quinta
de Man,ila (ver texto Marvila) , consti­
tuída por uma estreita faixa entre a
Estrada de Marvila e o caminho ribei­
rinho que vai do Beato para o Poço do
Bispo - hoje Rua do Açúcar. É uma
típica construçâo de quinta arrabal­
dina, com o seu pátio e dependências
funcionais, hoje transformada em ilha
popular em muito mau estado de
conservação . A antiga casa nobre é
bastante simples na sua orgânica, sem
grandes elementos decorativos, deno ­
tando um estrutura bastante antiga,
possivelmente ainda do século XVII.
São nulos os informes sobre campa­
nhas de obras, mas note-se a infor­
Afôlpa dos Foros de Man·jfa (x75'2).
A Quinta das �:Iurtas estã assinalada com o número 20. encostada ao muro de limite com a propriedade dos Lóios do Beato. mação de aqui ter funcionado em
meados do século XVIII uma fábrica
arrendando alguns anos o casco da Em 1857, estando João Câncio de Matos de marroquins , ao mesmo tempo que
quinta, cujas casas geralmente se encon­ na posse do morgado do Esporão reivin­ a quinta do Betencourt era transfor­
travam devolutas, vindo a degradar-se dicou o senhorio directo da quinta que mada em fábrica de açúcar, primeiros
progressivamente até à recuperação do recebia de foro na altura, 6000 réis e sinais de um futuro industrial que
que resta do primitivo edifício da quinta. 10 galinhas". (JFP) toda esta zona viria a conhecer. (JSM)

' lANflT. CN. C-12B, L.0 307. fi. 38v . 8 IANrIT. ACA, MOI'gado do Esporão. N . o 191.
' lANflT, CN, C-12B. L. ° 307. fi. 38. doe. 3912.
3 lANrIT, RP. N . Senhora dos Olivais. Óbitos, Cx. 8, 9 lANfTT, ACA. Morgado do Esporão. N . o 194-,
L.0 3. fi. 55. doe. 4042.
10
' lANflT. CN, C-12B. Cx. 6. L.0 349. fi,. 61. AHTC. Dc=eima da Cidade. Olivais. Livros de
5 lANrIT, RP, N . Senhora dos Olivais. Baptismos. ex. 2. Arruamentos, mp. 852 a 862 .
II lAN
L.0 5, n. I1v. rrr, ACA, Morgado do Esporão, N. o 194-,
6 lANrIT. ACA. Morgado do Esporão, N. o 191, doe. 4025.
doe. 3912.
7 lANrIT. ACA. l\'f orgado do Esporão. N. o 194,
doe. 4042.

114
A

� Q U i n T A 0 0 rll A R Q U E S D E Jl1 A R I A LV A

I - RESENHA HISTÓRICA O último assinalado é a morte do 3 . o


marquês, estribeiro -mor, D . Diogo

E de Marialva que ocupava parte


STA grande Quinta dos Marqueses de Noronha, em 1 7 6 1, já viúvo da
marquesa senhora da casa. Após o
significativa da encosta de Marvila, terramoto e com a doação de D . José
resultou da união entre duas parcelas ao 4. o marquês , D. Pedro , da Quinta
foreiras ao morgado do Esporão. Uma da Praia, em Belém, esta torna-se a
mais a nort e , entrou na posse da residência principal desta casa , substi­
família em data incerta, sendo no tuindo o desaparecido Palácio do
entanto fre quentes os registos de Loreto (hoj e Largo de Camõ es) .
baptizados e casamentos na freguesia Quanto à Quinta de Marvila entra em
dos Olivais, a partir de 1 6 6 3 , podendo progressivo declínio, como a conhe­
pois conjecturar-se que , p elo me­ ceu já Beckford, com a natural aura de
nos desde o célebre r. o marquês abandono tão sugestiva para a sua
de M arialva, D . António Luís de sensibilidade romântica. Era sobretu­
Meneses , a quinta se enco ntra na do utilizada para passeios familiares,
posse da família . Outra, vizinha, dita de Elvas e de Montes Claros, como sem se detectar efectiva residência na
a Quin tinha (ver adiante) , adquiri­ afirma o citado inglês , parte da aura grande propriedade , em parte alugada
da em 1 7 0 7 pelo 2 . o marquês de mítica dessa grande figura da história para exploração .
Marialva, com casas ainda existentes portuguesa. Aliás a vontade de exaltar Pela descrição junta , sabemos que ,
sobre a Estrada de São Bento para o a participação nesse momento histó­ além das casas ainda existentes d a
Poço do Bispo . Quanto à primeira , a rico parece ter sido uma preocupação Quintinh a , possuíam m ais outras
principal, tinha as suas psas nobres de alguns aristocratas, devendo citar­ na parte baixa da quinta, sobre a estra­
no topo sobre a Rua de Marvila, onde -se a capela de D . Gastão Coutinho , da, certamente um pavilhão de rega­
ainda se podem ver alguns restos em ao Grilo , também decorada de ban­ lo com vista sobre o rio no fim da
deplorável estado de conservação . Pela deiras, esta quinta dos Marialva, em propriedade . Este grande conjun­
descrição junta, respeitante a 1747 Marvila, e , com certeza, a célebre Sala to dos Marialva é hoje ocupado em
(ver adiante) , podemos conjecturar as das Batalhas na Quinta de Benfica , dos parte pelas instalações industriais da
linhas mestras deste notável conjunto , marqueses de Fronteira, a única lem­ Sociedade Nacional de Sabões, ten­
transformado, como se percebe pela brança dessa gesta aristocrática que do sido o restante, após a abertura
descrição m ais tardia de William permanece felizmente intacta. da linha do caminho-de -ferro , esca­
B eckford, em verdadeiro santuário de Os marqueses de Marialva encontram­ vado a pique, encontrando-se nesse
louvor à figura do I. o marquês. Nada -se frequentemente nesta quinta, pois plano baixo traçadas hoje as ruas José
resta da grande capela, decorada com são contínuos os registos de baptiza­ Domingos Barreiro e Capitão Leitão .
as bandeiras das batalhas das Linhas dos, casamentos e óbitos desde 1 6 6 3 . (JSM)

II7
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• ..,.Jo:'" H�'�i��z
A Quintinha, a antiga casa nobre. destacando-se a varanda sobre o rio e restos d e suportes d e pedra d e uma latada. A o lado. uma porta no
A QUINTINHA patio da quinta.

Anos depois (r687) , o rei permitiu-lhe da cerca de S. Bento de Xabregas, é então


Esta quinta era uma das várias pro­ renunciar ao ofício de escrivão que descrita como : (o o .) casas nobres, estre­
priedades foreiras da grande Quinta de herdara de seus maiores (. . . ) para se barias, vários palheiros, pátio e seu poço
Marvila, integrada no morgado do desempenhar das dívidas que tem5• Foi de nora, tanque, vinha e árvores de fruto
Esporão, ao qual pagava 3200 réis e sete devido aos grandes empenhos com que e outras pertenças que parte da banda do
galinhas de foro, segundo a escritura se debatia que lhe foi penhorada a mal' com casas do conde de Vila Nova e
que fez D . Inácia de Noronha, viúva de propriedade, pela acção movida por João da banda de terra outrossim com casas
João da Costa, a Francisco de Távora, Rebelo de Campos, seu credor em do mesmo conde e do poente com casas
em 1584'. A propriedade esteve na 2 806 944 réis, a quem foi passada e quinta que foi de D. Helena de Távora
maior parte do século XVII na posse carta de arrematação em 3 . 3 . 17 07 . e do norte com caminho que vai de onde
da família Cotrim, sendo seu proprie­ João Rebelo , co rretor da Fazenda , chamam o Grilo para o Poço do Bispo e
tário, em 1633', João Cotrim, escri­ vendeu-a (1 . 1 0 . 1707) ao 2 . o marquês do sul com estrada que vai de Xabregas
vão - como seu pai Jorge Cotrim - de Marialva, D . Pedro de Meneses, que para o mesmo Poço do Bispo.6
dos Armazéns da Ribeira das Naus ali junto possuía a sua quinta. Pagou Tratou o marquês de fazer obras na
(1641)3 de que foi capitão de infantaria este 2 400 000 réis, com licença do quinta, celebrando um contrato com um
dos carpinteiros (r645)4. Sucedeu-lhe marquês de Fontes, tutor do conde carpinteiro (5 . 7 . 17°9) para lhe conti­
Jorge C otrim de Melo , embarcado de Vila Nova, a quem teve de pagar nuar (. . . ) todas as obras que tocar a seu
nas armadas da costa a partir de 1681. laudémio de quarentena. Situada junto oFício7• Na escritura são discriminados

118
os preços, estipulados pelo marquês , do
material a utilizar : tabuado em solha --
)JO:fll" 'I IItw-t7 �)�
aberto, em guarda -pó e em ferro grosso, f ,.( ,fi; �r11'1

janelas e portas de assentos almofada­ 9<, ('717J...


dos. Arrendada de quando em vez, a
quinta e suas casas, à imagem de toda a
grande propriedade do marquês, não
evitou a progressiva degradação, a partir
da segunda metade do século XVIII. No
ano de r762 - situada entre a Quinta
das Murtas e uma propriedade do conde
de Vila Nova, antes da Quinta da Mitra
- II
- foi arrendada em r20 000 réis, cons­ Restos das casas da Quinta dos 1.farqueses de Marialva, sobre a Estrada
tituída por (. . . ) casas nobres, com lojas e de Marvila. Note-se em primeiro plano um torreào que parece ser a
reminiscência mais antiga deste grande conjunto palaciano. Ao lado,
várias árvores de fruto e recreio, e n o Fun
primeiro andar com todos os mais a quinta desenhada no Afapa dos Foros de Manoila (752). dela junto à estrada duas casas de campo
cómodos precisos, árvores de fruta de DESCRIÇÃO DA QUINTA DOS MARQUESES com janelas para a estrada que vai para o
caroço, parreiras e hortaB. Outras vezes DE MARIALVA, EM MARVIlA, CONSTANTE Poço do Bispo, e tem dentro mais uma
apenas o casco da quinta era arrendado . DE UNS AUTOS DE 1747 horta, casa de água e uma nora e umas co ­
Com a m orte do último marquês de Quinta de Marvila - Uma quinta no zinhas térreas com seu pátio, e atendendo
Marialva (r823) passou esta propriedade lugar de Marvila, (. . .) a qual fica no a ser (. . .) a quinta de regalo e ser maior o
para a posse da Casa Lafões. Nos anos de caminho que vai do Grilo para os Olivais que nela se despende do que o rendimen­
r838-39, sendo seu proprietário João e começa no mesmo caminho para onde to que dela se pode considerar (. . .).
Câncio de Matos, era conhecida por tem as casas e serventia principal e vai Uma quinta chamada do Cotrim e parte
« Quintinha ::;>9, designação que perdura acabar no outro caminho junto ao mal' com a quinta principal acima (. . .) e cons­
ainda no Pátio da Quintinha, ilha popu­ que vai de São Bento dos Lóios para o ta de casas nobres com vista para o mal' e
lar ali instalada. As antigas casas nobres, Poço do Bispo, e constam de casas nobres estrada que vai do Grilo para o Poço do
apesar de transformadas nos seus interio­ que são muitas com galeria e mais ofici­ Bispo de onde tem serventia, com estre­
res, mantêm grande parte da sua estrutu­ nas, casa de oratório e ermida grande baria, palheiro, pátio, poço de nora,
ra, devendo citar-se os revestimentos de com tribuna e sacristia, retábulo entalha­ tanque, horta, vinha e árvores de fruto e
azulejos (ver Guia do Azulejo) . (JFP) do e dourado com, serventia para o terra de pão grande chamada a Pedreira,
caminho dos Olivais e na entrada ficam e da banda do mal'.
' lANfIT. eN. e -!)A, ex. 6 1 . L. 0 338. Eh. gV-12.
dois recebimentos em forma de alegretes Declaro mais que no dito sítio de
""lANfIT. ACA, Morgado do Esporão, mç. 194, doe .
0}003·
com dois tanques, um maior que outro, Marvila, defronte da quinta principal
3 IANfIT, Chancel aria de D . João IV, L.0 13. fi. 33.
� IANfIT, Chancelaria de D . João IV, L.0 19. fis. 43-4-4- que se comunicam com a horta, e há vários prazos em vida que (. . .)
s lANfIT, Chancelaria de D . Pedro II, L. o 64. fi. 2IOv.
' lANfIT. eN. e - !)A. ex. 61. L. ° 338. ns. gv-12. tabuleiro com seus passeios e um jardim passaram (. . .) na forma de testamento da
7 1ANfIT. eN. e - gA. ex. 62, L.0 344. ns. 21-22.
8 AHTe, De. Olivais. Livros de Arruamentos. mç. 852. grande; destas casas se acham seis azule­ Excelentíssima Marquesa a seu Fllho o
9 AHTC. Tesouro Público, mç. 124.
jadas e ladrilhadas, e tem em si vinhas e Excelentíssimo Conde de Cantanhede.

11 9
EXTRACTOS D O DIÁRIO DE WILLIAM do Tej o . Foi aqui que há semanas ao longo do terraço. Sentia-me tão
BECKFORD me lembrou tão vivamente o lago de melancólico e apático que mal podia
(. .. ) Esta tarde atravessámos a cidade Genebra e tudo quanto me aconteceu arrastar as pernas. Este infeliz D . Pedro
de ponta a ponta, a caminho da casa de junto às suas margens . Como calculas, infeccionou-me. Enchemos a carrua-
campo do duque de Lafões. O povo fica­ portanto , este passeio antes serviu para gem de floridas vergônteas de j asmim,
va a olhar, pasmado, para a altura da deprimir que para levantar o meu esta­ arrancadas às estátuas mutiladas, e ao
boleia do coche, para a jaqueta curta do do de espírito . No entanto, acedi em chegarmos a casa íamos todos intoxica­
postilhão e para outros anglicismos da acompanhar o grão-prior ao longo das dos com o delicioso mas asfixiante
equipagem. Como o duque não estava imensas avenidas e terraços desta um­ perfume. O chá foi para nós um re­
em casa, continuámos a nossa jornada brosa tapada, cenário da sua infância. frigerante depois dos nossos passeios
pela margem do Tej o , ao longo dos O palácio , de que ele particularmente para baixo e para cima nos terraços
muros da Quinta de Marvila, proprie­ gosta, pátios e fontes, tudo está quase de Marvila e dos penosos solavancos
dade do velho marquês de Marialva. em ruínas, os maciços de murta con­ pelas mal pavimentadas ruas de Lisboa
Renques de frondosos ulmeiros tornam verteram-se em matagais bravios, bran­ (pág. 69) .
muito deleitosos estes sítios. AB pequenas cos de flores , e as estátuas estão meio ( . . . ) Quanto mais conheço o marquês,
colinas das vizinhanças estão cobertas de ocultas pelos jasmins. Há ali um pe­ mais razões tenho para gostar dele. Não
giestas espanholas. Negras nuvens, mos­ queno teatro de ópera construído com há dedicação mais sincera que a que
queadas de um vermelho de tormenta, certa elegância, e uma capela, não ele me consagra. Chega a esquecer,
pairavam sobre o rio - que nesta muito diferente de uma mesquita na inclusivamente, os deveres do seu
extremidade de Lisboa tem cerca de nove sua forma e nos arabescos que a orna­ cargo . Esta tarde, em vez de acompa­
milhas de largura - e a margem oposta, mentam. Pendem das partes em volta os nhar Sua Majestade ao convento , aqui
que mal se via, banhava a pálida e colori­ troféus da b atalha de Elvas , entre nas vizinhanças do sítio onde moro ,
da luz, de um desmaiado arco-íris que o bandeiras espanholas , ganhos pelos saiu de carruagem comigo . Fomos a
Sol, no ocaso , mal já tinha forças para antepassados do Marialva. Uma longa Marvila, o jardim abandonado e selva­
iluminar. A vasta superfície das águas, latada de videiras, assente em pilares de gem de que o grão-prior tanto gosta.
o matizado do céu, a frescura do ar e mármore, conduz do palácio à capela. A minha carruagem , seguida pelos
o contorno azulado das montanhas Há qualquer coisa de majestoso nesta paj ens de libré real que acompanham o
distantes trouxeram-me à lembrança a verdejante galeria, e a luz da tarde, estribeiro-mor, foi o pasmo de toda a
paisagem do lago de Genebra, e muitas coada através da folhagem, iluminava as cidade . Marvila tem coisas bonitas e
outras circunstâncias que rodearam a pálidas feições dos criados inválidos da pitorescas. AB árvores, velhas e fantás­
perda daquela a quem eu amava mais do família, que acorreram, das suas an'ui­ ticas, debruçam-se sobre arruinadas
que à própria vida (pág. 50) . nadas habitações, caindo de joelhos fontes e mutiladas estátuas de heróis
. . . Em vez de seguirmos ao longo da diante do prior e de D . Pedro . Vagueá­ cujas armaduras o perpassar dos anos
costa de Belém, encaminhámo -nos, mos através deste abandonado e esque­ matizou de muitas cores : púrpura ,
através de Lisboa, para Marvila, uma cido jardim, cujo silêncio faz lembrar o verde e amarelo. No meio de matagais
propriedade do velho marquês de do Convento dos Cartuxos , até a quase impenetráveis, há estranhas pirâ­
Marialva que domina a parte mais larga sombra dos altos ciprestes se estender mides de pedra, rodeadas de leões

120
de mármore, com o aspecto de símbolos
mágicos. O marquês tem sensibilidade
bastante para respeitar os toscos monu­
mentos da idade em que os seus ante­
passados realizaram tantas heróicas
empresas, e solenemente me prometeu
jamais sacrificar estas veneráveis som­
bras ao gosto petulante e vistoso dos
modernos ajardinamentos portugueses.
Fiz uma grande provisão de jasmim
branco e amarelo , o mais forte e luxu­
riante que até hoj e vi (pág. 77) .
(. . . ) Bezerra acompanhou-me esta tar­
de a Man'ila. Estávamos ambos num
estado de espírito assaz romântico ,
exactamente o que convinha para apre­
ciar o melancólico cenário deste arrui-
nado j ardim. O Sol entrava no ocaso
quando ali chegámos e a espessa mata
de murtas, ao crepúsculo, era negra
e triste. O aroma dos jasmins em­
balsamava a atmosfera. Que vontade
eu tive de afastar de mim dolentes e
irritantes recordações! Sem dar por
isso, achei-me a declamar alguns dos
mais ternos e apaixonados recitativos da
minha ópera adorada, Quinto Fábio.
A noite caiu ainda estávamos em Mar­
vila. Levantou-se então uma aragem
fria que fez ramalhar os ciprestes e
espalhou os brancos jasmins sobre os
D . Pedro de Alcântara d e Afene5es Coutinho, 6. o marquês de Mariall'a e 9 . o conde de Cantanhede. ültimo proprietário nesta família da
maciços de murtas, que pareciam flocos Quinta de �farvila. Este quadro. óleo sltela, possivelmente da autoria de Domingos Sequeira (?), pois nào está assinado. é datável da primeira
década do século XIX, dada a idade aparente do retratado, e encontra-se hoje no Palácio dos Duques de Lafões, ao Grilo, herdeiros da Casa
de neve (pág. 85) . de Marialva pela morte deste senhor em Paris, onde era embaixador. em 1823.

Diário de William Beckford em Por-


tugal e Espanha, Lisboa, BNL, Igg8.

121
,
� P A L A C I 0 D A f'h I T R A

I- RESENHA HISTÓRICA Igualmente , o patriarca enriqueceu


o palácio com tapeçarias de grande

E várias propriedades que compu­


STE palácio foi edificado numa das nobreza e renovou a grande copa das
cozinhas.
nham a Quinta de Marvila, pertença No testamento (1754) doou à Mitra
da Mitra de Lisboa. O domínio útil todas as benfeitorias realizadas, bem
acabou, como vimos, por ser integrado como todos os móveis, pinturas, corti­
no morgado do Esporão, como foro nas, cadeiras, serviço da copa e cozinha
perpétuo a partir de 1566, ficando o e tudo o que mais possuía nas quintas de
bispo somente com o senhorio de raiz. Marvila e do Tojal. Declara (. . . ) não ser
Tal situação conduziu a que a Mitra, nos devedor a esta Mitra, antes ter des­
inícios do século XVII, para usufruir de pendido em ben efício dela consi­
uma parcela da quinta a subaforasse por deráveis somas que não saíram das suas
7960 réis'. Era uma faixa de terreno de D . Luís andou a quinta arrendada a rendas, especialmente nos palácios e
com acesso simultaneamente pela Rua terceiros. Primeiro a Lourenço de Sousa quinta do Tojai e Marvila em que se
de Marvila e pela estrada ribeirinha, de da Silva e Meneses, conde de Santiago de gastaram perto de 400 000 cruzados
boa extensão , que passou a ser conheci­ Beduído - ali falecido em 1675 -, desejando, contudo, conservá-las e
da por Quinta do Arcebispo, ou da depois ao conde de S. Vicente, pelo muito especialmente a de Santo Antão
Mitra, constituindo uma propriedade menos entre 1686 e 1700. do Tojal, com a decência precisa a meus
de recreio ou residência de campo, Coube ao I . o patriarca de Lisboa, sucessores para nelas tomarem algum
desconhecendo-se, no entanto , quer a D. Tomás de Almeida, a transformação tempo de recreação que suavize o traba­
data desse aforamento ou se as primiti­ do edifício, (. . .) enriquecendo-o - no lho de prelatura (. . .)6.
vas casas foram obra dos prelados. Ao dizer de J. B . de Castro - de nobilíssi­ O portão de grandes dimensões , que dá
certo pode afirmar-se que delas mo ornato e com especialidade duas acesso ao pátio, ainda hoje ostenta as
usufruiu já o arcebispo D. Miguel de grandes salas, em que mandou colocar armas dos Almeida, com a coroa patri­
Castro que - segundo o cronista dos os verdadeiros retratos de todos os exce- arcal, e o seu monograma. A poente
Lóios - ia repetidas vezes à quinta que lentíssimos arcebispos de Lisboa em do pátio de acesso à escadaria nobre,
têm os arcebispos junto ao nosso quadros renovados pelo excelente pincel o palácio tinha uma capela de planta
convento de Xabregas2• As primeiras do insigne Francisco Vieira, por ordem elíptica, dedicada a Nossa Senhora da
grandes obras são geralmente atribuídas do senhor rei D. João \14 . Todos estes Conceição , destruída já no século XX.
ao arcebispo D . Luís de Sousa (1675- quadros são esmiuçados pelo citado D. Tomás de Almeida construiu ainda
- 170�) , desconhecendo-se, contudo , autor, que insinua (. . .) os caprichos um cais de cantaria que servia de em­
elementos concretos sobre tal infor- pitorescos do mesmo artífice com que os barcadouro do palácio, cujas escadas
mação . Segundo apurou Ralph Delga­ ilustrou5 (• • • ), e alguns deles sobrevivem, defronte do portão ostentavam dois
do3, durante grande parte da prelatura estando hoje, na posse do Patriarcado. obeliscos em pedra, e mandou fazer

123
D . Tomás (1754) , hospedou-se aqui,
durante três dias , o marquês de Baschi,
embaixador de França. Do Tesouro
d' el-rei vieram as mais vistosas arma-
ções de parede, os mais belos cortina­
dos, camas completas para o ministro e
seu séquito, a baixela de prata mais
opulenta (. . .) bizarrias portuguesas -
conclui Castilh09• (. . .) noutras salas
armaram -se mesas para os festins,
ricamente adornadas e providas (. . .)
o que havia de melhor na cozinha
elegante, e mais toda a sorte de limo­
nadas e orchatas nevadas, vinhos ge­
nerosos, chocolates, e ou tras várias
bebidas, tudo apareceu.
Vista t:xtt:rior do Palâcio da Mitra. o portão d t: act:sso a o pátio do Palác:io do Mitra.
Depois da revolução liberal, o palácio
uma calçada majestosa para a estrada. ainda albergou como residência patri­ um dos sócios Manuel Fuertes Peres
No ano de 1742, em consulta ao rei, a arcal, durante alguns anos, D . Frei criou uma outra, fundadora da fábrica
Câmara realça a importância (. . .) de se Patrício da Silva e D . Frei Francisco de Seixas, instalada no local das antigas
fazer o que resta do caminho de S. Luís, o cardeal Saraiva, ali falecido cocheiras do palácio , ocupado este
Marvila, porque não se malogre a em 1845. Vendida em hasta pública, a pelos escritórios da empresalI • Em
grande despesa que à sua custa tem propriedade foi comprada , por 10 1 9 3 0 , depois de servir diferentes
feito nele o Excelentíssimo cardeal contos de réis, pelo marquês de Sa­ actividades fabris , foi adquirido pela
patriarca; e será essa obra não só for­ lamanca , empresário das obras do CML que, após os restauros neces­
mosa, mas muito ú til ao bem comum, caminho -de-ferro , (. . .) que reedifi­ sários , o transformou em biblioteca
porque com este novo caminho se evita cou o palácio e a quin taIO (. . .), segun­ municipal e, depois, na sede do Mu­
não só o grande perigo em que está, do informação de Pinho Leal (r875) . seu Municipal, ali mantido até ser
mas a grande volta que os passageiros Mantendo -se como residência privada transferido para o Campo Grande.
dão pelo de cima7• foi , posteriormente, comprada pelo N os terrenos rústicos da antiga quinta
No ano de 1744, recebeu D . Tomás no diplomata americano Horácio Perry, instalou-se (1933) um asilo de mendi­
Palácio da Mitra, já reedificado, num cuja viúva, a poetisa espanhola D . Ca­ cidade - Asilo da Mitra, ou popular­
magnífico e sumptu oso banqu eté, rolina Coro nado - que ali escreveu mente, a Mitra. Alberga hoje a sede do
o cardeal Odi, núncio apostólico, e alguns dos seus poemas -, a vendeu ao Grupo dos Amigos e Lisboa e funciona
outras várias dignidades e senhores capitalista António Centeno . Mais como espaço de recepções da CML,
da corte com grande profusão e deli­ tarde, transitou para uma sociedade, instituição que classificou o antigo
cadeza. No ano seguinte à morte de desmembrada pouco depois, da qual Palácio dos Arcebispos. (IFP)

124
o terreno da Quinta da �fitra no Mapa dos Foros d� Alan'iJa o Palãcio da :Mitra segundo litografia publicada in Archim Pi!loresco. T. V11. 1864. Notam-se ainda os dois obeliscos que ladeavam o cais
(.752). privativo. uma das primeiras manifestações em Lisboa deste gosto decorativo romano.

II - COMENTÁRIO tesã, ainda voluntariamente presa aos edifício, tal aponta o seu início para
modelos decorativos seiscentistas . una anos antes, os sej a , os primeiros
Embora não se trate de uma cons­ Construídos sobretudo nas décadas da década, quando simultaneamente
trução de raiz, mas sim da adaptação de trinta e quarenta, estes três con­ António Cannevari dirigia as obras
de um edifício anterior, o Palácio da juntos ganham, pois , características do Toj al. A conjugação das datas po­
Mitra , em Marvila , tem que ser apre­ modelares , acentuadas pela posição de conduzir à presunção de ter sido
ciado no âmbito da intervenção global hierárquica e política do próprio esse mesmo arquitecto , o preferido de
do r. o patriarca de Lisboa, D . Tomás construtor. D. Tomás, o autor inicial do proj ecto
de Almeida , um dos mais activos Embora não se saiba ao certo a data do de transformação em Marvila , como j á
construtores do período j oanino , início das obras que empreendeu em aventou J os é Meco . D iz-se inicial uma
responsável em parte pela difusão do Marvila, podemos apontar, no entan­ vez que Cannevari saiu de Lisboa em
barroco romano em Lisboa. Quer em to , a década de trinta, uma vez que em 1 7 3 2 , o que talvez possa justificar
Santo Antão do Tojal, quer depois 174 2 , como acima se refere , a Câmara alguns pormenores decorativos onde
no Palácio Lavradio , ao Campo de pede ao rei para poder continuar a se insinua um outro gosto .
Santa Clara, D . Tomás deixou-nos obra meritória feita na via pública De facto , quer o desenho do grande
alguns dos melhores apontamentos da pelo prelado , dispo ndo uma nova portão , de linhas perturbantemente
arquitectura civil desse período , onde calçada frente ao cais com obeliscos esguias face aos cânones aqui mais em
é sensível a opção erudita por essa que mandara erguer. Ora com se pode voga, quer o lançamento da magnífica
estética bem definida, ao arrepio da conjecturar que o arranj o da calçada escadaria, que parece duplicar a do
prática arreigada da aristocracia cor- fosse feito no seguimento das obras do Tojal, jogando deliberadamente com

125
P l anta da c a p e l a do P a l á c i o da M itra, características mais típicas de uma
p u b l i cada por José M e co i n O Palácio estética nem sempre conveniente­
d a Mitra e o s seus a z ulejos ( . . . ) 1 98 5 . mente captada pelos primeiros res ­
A d i s po s i ção o rgânica d a capela, ponsáveis pela introdução em Lisboa
c o m e ntrada sobrelevada p e l o grande das novidades romanas.
p ortal n o patamar d a escadaria Realce-se , ainda, o magnífico acer­
(hoje fechado) reforça o sentido vo de azulejos (ver Guia do Azulejo) ,
c e n o gráfico q u e p r e s i d i u ao pt'ojecto não podendo deixar de se realçar o
d e renovação, c r i a n d o uma s u cessão carácter arquitectónico daqueles que
d e e s paços n obres i n t e r l i gados. revestem a escadaria, acentuando pela
Sendo o palácio residência patriarcal, duplicação das balaustradas uma frui­
j ustifica-se p l e na m en t e esta ção sem limites da noção do espaço ,
so brevalo rização d a capela n a impondo uma concepção global do

I
e c o n o m i a d o con j u n to . Realce-se, conjunto, em que os azulej os ganham
ainda, a for m a e líptica adoptada, uma nova virtualidade.
uma das pri m e i r a s afl o rações d este Refira-se , ainda, a proximidade entre
i for m u lário b a rroco e n tre n ó s , estes azulej o s e os que decoram

r
ace n t u a d a p e l a g a l e r i a q u e l h e corria a escadaria do Tojal, também estru­
e m redor, reforçando-se, assim, o turantes de um mesmo sentido ce-
s e n t i d o espectacu l a r do c e r i m o n i a l nográfico deliberadamente espacial.
�---- i m po sto p e l a fig u r a d o patriarca. (JSM)

o efeito de surpresa tão do agrado da PaoIo, Roma Barroca) . E essa atri­ I IANrrT, ACA - Morgado do Esporão, Mç. 191. doe.
3910.
estética barroca mais refinada, quer buição seria presumivelmente refor­ ' Santa Maria, FI'. Francisco de. eco aberto na Terra,
Lisboa, Off. de Manoel lopes Ferreyra 1697. Vai. II,
a adopção de obeliscos no cais - çada se pudessemos apreciar ainda a p. 1113 ·
3 De1gado, Ralph, «O lugar de Marvüa e a Quinta da
possivelmente a primeira presença em magnífica capela patriarcal - barbara­ Mitra » , ln Q}jsipo, Lisboa, 1963. n. o 103. p. 139.
4 Castro, João Bautista de. Mappa de POl'tugaJ, Antigo e
Lisboa desse elemento decorativo tão mente destruída neste século - com
Moderno, Lisboa, 1870, p. 481.
comum em Roma e miticamente cele- um desenho em planta de forma oval, 5 Castro, João Bautista de, ob. dr., pp. 482-48+.

' lANfIT. RGT. L.°258. p. 85.


brizado pelos desenhos de Pirannesi - inovação barroca seiscentista rara­ 7 Oliveira. Eduardo Freire de, Elementos paJ'a a
História do Município de Lisboa, Lisboa. Typographia
parecem revelar uma estética muito mente seguida entre nós , de que este Universal, 190 6 , T. XN, pp. 98-99.
8 Barbosa, Fernando António da Costa de, Elogio

apurada, marcada p o r uma certa pequeno templo seria assim um dos Históâco de D. Thomás de Almeida, Lisboa. Orf. de
Miguel Rodrigues, 1754. p. 131.
liberdade inventiva face aos rígidos primeiros exemplos aqui executados. '} Castilho. Júlio de. Lisboa Antiga - O BaúTo Alto,

Lisboa. CML. 1956. p. 116.


padrões da norma barroca, mais solta Com a sua galeria disposta em redor, 10
Pinho Leal, Augusto Soares, Portugal Antigo e
e mais ligeira, que distingue, aliás, a esta com acesso directo pelo portal no },{oderno - Diccionaâo, Lisboa, Livraria Editora de
Matos e Comp . , 1875, p. Jl9·
geração renovadora então emergente patamar da escadaria, a capela intro­ .. Araújo, Norherto de, Peregrinações em Lisboa,
Lisboa, Parceria A . M . Pereira, 1938, L. o XV,
no meio romano , na qual Cannevari duzia no conjunto um sentido deter­ pp. 74-76, e lm'entário de Lisboa, Lisboa, CML,
1944. fase. V. p. 16.
é habitualmente inserido (Portuguesi , minantemente cenográfico , outra das

126
� Q U i n TA 0 0 B E T E n C 0 U RT

I - RESENHA HISTÓRICA II - COMENTÁRIO

STA propriedade integrou o vínculo Esta propriedade, parte integrante da


instituído por Lázaro Lopes de grande Quinta de Marvila, a quem pa­
Almeida e sua mulher, Francisca Dias gava foro (com o número 18 no mapa
(1634) , com capela na antiga igreja do atrás citado) , era constituída por uma
Convento de S. Francisco de Xabregas, faixa rectangular de terreno entre a Rua
em cujo cruzeiro foram sepultados, Direita de Marvila e a Estrada do Poço
segundo disposição testamentária'. Este do Bispo, com acesso inicial pelas duas
casal, sem geração , morador no Poço do vías, confrontando a norte com o Con­
Bispo na sua quinta de Xabregas sita vento de Marvíla e a sul com terrenos que
junto ao convento de S. Bento, aforada em 1752 constituíam uma courela ainda
ao conde de Figueiró, em 2 4 . 3 .1645 adstrita à Casa de Vila Nova (Abrantes) .
apadrinhou Jose , filho de Pedro de O foreiro mais antigo de que há infor­
Almeida Betencourt, cuja família ficaria origem da designação de Rua do mação é Lázaro Lopes de Almeida, que
com a administração do morgado de Açúcar. Era arrendatário , e morador, vinculou a propriedade a favor da
Lázaro Lopes. Pedro Betencourt, que Chrestiano Esmite (Christian Smith) , família Almeida Betencourt, por certo
poucos anos decorridos estava na posse da homem de negócio de grosso trato, que seus familiares. É natural que inicial­
Quinta de Marvíla (1669)3, servíra, como pagava 300 000 réis, mantendo-se até mente as casas se dispusessem no cimo
seu pai, a Casa de Bragança em Vila 1782 . Depois de um período em que da quinta, sobre a Rua de Marvila, en­
Viçosa de onde passara a Lisboa na com­ esteve devoluta, passou a conhecer a tão o eixo viário principal, levando a
panhia de D. João lV. Guarda-roupa do rotatividade entre os arrendatários : alteração da importância relativa das
Paço, acumulou o cargo de escrivão da João d e Lisboa (1785) e m parte das casas vías públicas à escolha mais tardia da
fazenda do Conselho da Rainha, man­ altas, estando o resto devoluto ; António implantação da nova residência sobre a
tendo-se o cargo na família durante os Rebelo (1786-89) e já no século XIX Estrada do Poço do Bispo. Infelizmente
reinados de D . Pedro II e D. João V. Ana Maurícia Rebela (1814) . não' foi recolhida qualquer informação
José de Almeida Betencourt e seu filho A adaptação a diferentes funções es­ sobre a data exacta da construção desta
Pedro, ali baptizado ainda em vída do quartejou por completo o seu interior. interessante fachada, bom exemplar da
avô (1676) , mantiveram a sua residência Transformado em vila operária - o casa nobre urbana lisboeta do século
na quinta. Em 1763 a propriedade foi pátio Beirão - depois em escola, mais XVIII. É certamente, tendo em vista
avaliada em 7000 cruzados, sendo com­ tarde retomou a sua função primitiva, alguns elementos decorativos - dese­
posta por quinta, casas nobres e mais sete como habitação . No antigo terreno da nho do portal de acesso , com frontão
moradias de casas pertencentes à dita quinta funciona hoje um viveiro de triangular, vergas curvas nas aberturas e
quinta. Nesta data já estava instalada na flores da Câmara Municipal, actual grades das sacadas - datável do segundo
quinta uma fábrica de açúcar refinado - proprietária. (JFP) quartel do século XVIII em diante,

12 9
sacadas que, para trás, é rés-do-chão,
abrindo sobre um terraço l ajeado.
A este andar se sobrepõe um mezanino,
de vão e aberturas muito pequenas. Ao
A Quinta do Betencourt no Mapa dos Foros de Man,j/a (752).
centro do piso térreo abre-se o portal
Ao ladot portal central de acesso ao vestíbulo, hoje prejudicado na proporções originais pela subida de nível do piso da via püblica.
- muito prejudicado nas suas propor­
quando estes elementos arquitectónicos uma fábrica de açúcar, que veio a dar o ções pela subida do nível da rua - que dá
se vulgarizam entre nós. Poderemos nome à rua. Sabendo que dela faziam entrada para um vestíbulo - agora com­
assim pensar tratar-se de uma campa­ parte algumas outras casas anexas, é partimentado - de onde nascia lateral­
nha de obras da iniciativa do último possível que a referida fábrica - por mente a escada muito simples para o
membro da família Betencourt, Pedro certo de pequenas dimensões - se andar nobre. Ao fundo desse vestíbulo
de Almeida Betencourt, aqui residente localizasse nessas dependências e não na abre-se um arco de acesso a um corredor
nesse período pelo menos até I763 , casa nobre, a qual sabemos, pelos Li­ largo que vencia em rampa o desnível da
data em que na casa residia já Christian vros da Décima, habitada por Christian encosta, conduzindo ao referido terraço
Smith. O facto de sobre o portal se Smith até I782 . e deste por escada ao jardim e quinta -
encontrar ainda o suporte para a pedra A estrutura da construção é muito onde hoje funcionam viveiros camarários
de armas , entretanto desaparecida, simples, embora denote algum cuida­ - e na qual ainda se destaca o antigo poço
parece confirmar a hipótese de o do, quer nos pormenores decorativos, com a sua nora. (JSM)
construtor ser o referido senhor , dado quer na rigorosa obediência às regras da
' lANflT. RGT. L. o II. fls. 34v-36v.
que nenhum dos posteriores locatários simetria. Sobre um piso térreo - ini­ 2 lANrrr, RP. N. Senhora dos Olivais. Baptismos. ex. I.
L.0 4.
teria direito a uso de brasão. O citado cialmente destinado a cavalariças e 3 Index das Notas de varios tabelliães de Lisboa, Lisboa,
'944. T. III.
cidadão inglês instalou na propriedade armazéns - corre o andar nobre de
FELGUEIRAS GAYO , \lNOBIUÁRIO
DE FAMÍllAS DE PORTUGAL"
TíTuLo DE BETENCOURTS (T. II)
I.Pedro de Almeida Betencourt,
irmão deJoão Ferreira
Betencourt, foi Fidalgo da Casa
Real, Cavaleiro da Ordem de
Cristo, Guarda-Roupa do Rei
D . Pedro II e teve: 2 . José de
Almeida Betencourt, Cavaleiro
da Ordem de Cristo, Fidalgo
da Casa Real e teve: 3. Pedro de
Almeida Betencourt, Cavaleiro
da Ordem de Cristo, Guarda-
-Roupa do Rei D. João V,
Fidalgo da Casa Real, Sr. da
Quinta de Marvila.

TíTuLo DE PERDIGÕES (T. VIII) :


D. Guiomar Maria Betencourt,
moça do Açafate da Rainha
D . Maria Francisca Isabel de
Sabóia, casada com Teotónio
Perdigão Soto Mayor, filha
de João Ferreira Betencourt,
Comendador da Comenda
de S. Olaia da vila de
S . Bartolomeu de Arrabal,
Fidalgo da Casa Real, natural
de Vila Viçosa e de sua mulher
e prima D. Maria Betencourt
da vila de Benavente.

Fachada da Quinta do Betencourt. Note-se o rigor simetrico de


todo o conjunto. hoje prejudicado pelas modificações de alguns
vilos do piso térreo.
� C 0 nV E nT0 D E Fll A R V I L A

I - RESENHA HISTÓRICA conveniente o desmanchar a maior


parte das que estão feitas no que fosse

E
STE convento foi erguido numa n ecessário para o novo edifício ficar
parcela de terreno fo reira em com maior perfeição já vendo que
2000 réis ao morgado do Esporão, eram bastantes para que acrescentan ­
correspondendo à extremidade nas­ do -se -lhe po ucas vivesse nelas com
cente da grande Quinta de Marvila dos comodidade - falando ainda - no
condes de Figueiró, e que pela sua gosto de lograr a recreação dela que era
forma era designada, no século XVI , a maior que se pode encarecer (. . .).
por a Cabeça. Vendida por Paulo de D . João IV, apesar das reticências
Tovar ao cónego Manuel Pimentel postas pelo grande número de casas
(r6n)', foi herdada por uma família religiosas em Lisboa, concedeu alvará
Tinoco (r623) a quem foi adquirida para a edificação da nova casa em
por Sancho de Faria e Silva seu pos­ 2 7 . 4 . 1655 à abadessa do mosteiro das
suidor já em r 642 quinta de Sancho
- do Bispo (. . .) que foi de Sancho de Inglesas para poder edificar e findar o
de Faria ao Poço do Bispo'. A D. Inês Faria (. . .) e a qual parte com quinta de de Marvila da mesma Ordem6, pelo
de Ayala, viúva daquele último pos­ Lázaro Lopes e com estradas públicas qual ficou estipulado que o número de
suidor, executou a quinta Alexandre (. . .) teve lugar em r 6 . 6 . 16 5 5 , apesar do religiosas jamais excederia as 8 0 , com
de Sousa Freire, comprando-a pouco eclesiástico já estar acertado com a 8000 cruzados de renda, entrando
depois em hasta pública (r648) uma- madre Brígida de Santo António desde nesta quantia o que fosse levado pelas
quinta chamada do Poço do Bispo3 o - Outubro de r654, para lhe doar e fazer que entrassem para sua sustentação .
arcediago Fernão Cabral que, por sua doação da sua quinta de Marvila em Falecida em 2 9 . 6 . r655 a madre aba­
vez, a doou para a construção do novo lugar da compra que dela lhe queria dessa já não assistiu à instalação das
convento . fazer ela (. . .) para nela se fundar e primeiras freiras no inacabado con­
A instalação das Brígidas portuguesas pelpetuar um convento da mesma vento em 18 . 3 . r6 6 0 . As fundadoras,
em Marvila deveu-se à iniciativa de Ordem de Santa Brigida com a invo­ acompanhadas por várias senhoras
madre Brígida de Santo António4 que, cação de N. Senhora da Conceição para da corte, atravessaram a cidade desde
após o incêndio no Convento de Santa religiosas portuguesas5• Retribuiu -lhe a o mosteiro no Mocambo (o Quelhas)
Brígida, ao Quelhas, em r652, tratou abadessa com a capela-mor e a missa até Marvila. No dia seguinte celebrou­
de fundar casa distinta das freiras ingle­ conventual. -se a missa solene no mosteiro bapti­
sas, até então todas juntas. Procurando Da localização privilegiada da quinta zado , conforme desejo de Brígida de
uma localização digna para tal efeito , diz o arcediago que gastava (. . .) nela Santo António , com o nome de Nossa
acabou por aceitar os pios propósitos dias contín uos e ininterruptos (. . .) e Senhora da Conceição .
do arcediago Fernão Cabral. A doação traçando por vezes várias casas de meu As obras iniciais foram, em grande
da quinta sita em Marvila junto ao Poço agasalho lá se me representava por mais parte, suportadas por Fernão Cabral,

1 33
--------------------

Coroamento com frontão de um dos corpos simHricos que fecham o pâtio de Marvila. com decoração de azulejos. Pedra de armas do arcediago Fernào Cabral. um dos patronos do
Mosteiro de Marvila.

mais concretamente por seu irmão e


administrador de sua casa, o padre xa­
bregano Frei Pedro de Santo Agos­
tinho, sobretudo as da nova igrej a,
iniciada em r666, ano da morte do
arcediago . Sepultado na capela primiti­
va7 e trasladado para a nova, quando
concluída, este padroeiro deixou à ins­
tituição diversos legados . O avanço
definitivo para a conclusão da casa con­
ventual deveu -se à benemérita D. Isabel
Henriques - mulher do fidalgo Diogo
Lopes de Torres, senhores de mui ricos
cabedais - que com as suas dádivas,
largamente contribuiu para a empresa.
Lograda a edificação que pretendia
custear de um mosteiro de Carmelitas
Calçadas, junto à sua Quinta de Ca­
Mapa dos Foros de Man·jla (
1752), sinalizando o terreno ocupado pelo Mosteiro de Mama. marate (r678)8, decidiu investir no

1 34
mosteiro das Brígidas de Marvila. Por As religiosas, porfiando n a obtenção de
uma escritura de doação de r 6 7 9 , meios de subsistência e que lhes permi­
D . Isabel considerando a impossibili­ tissem a ajuda para a conclusão das
dade em que se acha o mosteiro (. . . ) obras, emprestavam dinheiro a juros -
que a abadessa e religiosas dele não algum dinheiro para empregarem ou
podem continuar com as obras do dito darem a juro para lhe render para seu
mosteiro por falta de cabedais e de­ sustento - proveniente dos dotes rece­
penderem de grande custo9, compro ­ bidos com a entrada de novas freiras -
meteu-se a doar 4 000 cruzados à freira de véu preto e coro dele - dos
instituição , recebendo em troca um quais se conhecem várias escrituras,
lugar perpétuo no convento para a sua entre 1684 e r 6 9 2 , variando entre
descendência. No ano de r68r, viúva, 600 000 e 800 000 réis. Deste pe­
encerrou-se nesta clausura, j unta­ ríodo (1686-1692) são igualmente co­
mente com a filha, D. Juliana, e logo nhecidas escrituras de empréstimos
que nela entraram se começo u a ver a juros por parte das religiosas que
o efeito do seu zelo, porque a nova chegavam a atingir os 2 500 000 réis .
igreja de que só se haviam levantado as
paredes, se foi con tin uando com
grande calor até chegar à sua última
perfeição; e do mesmo modo se tratou
da reedificação do mais mosteiro, de
sorte que à generosa piedade destas
ilustres benfeitoras se deve toda a
fábrica de dormitórios, claustro e ofi­
cinas'O• Igualmente contribuiu para a
ornamentação da sacristia e da igreja,
de sorte que orçando-se a despesa feita
com este mosteiro se tem por certo que
excedeu a quantia de 100 000 cruza ­
dos. Falecida em 1691, ainda hoje a sua
memória é evocada por uma lápide
na capela-mor, onde se lê: DONNA
IZAB/EL ENRIQVES MVL/HER Q
FOI DE DIOGO / LOPES TORRES
FIDAL/GO DA GAZA DE S. / MG.DE
MANDOV / FAZER E STA O/BRA A Em cima: pôrtic:o da igr�ja, construído em 1725.
Em baixo: o Convento de Man'ila segundo o desenho inserlO in Alonumentos Sacros de Lisboa em 1833 de Gonzaga Pereira. Note-se a arcaria
SVA CVS/TA ANNO D E r 6 9 0. que primitivamente fechava ao fundo o pátio de entrada. dando acesso directo ao claustro.

1 35
N a I g reja d e M a/'vi l a d e s ta c a m - s e o s
b e l o s m ár m o re s c o m e m b r e c h a d o s ,
sobretudo na capela-mar,
d atáv e i s d e 1 6 9 0 , s e g u n d o
a c a r te l a i ns cr i ta n a l á p i d e
d e D . I s a b e l H e n r i q u es e m b e b i d a
n a p a r e d e l at e r a l d a m e s m a c a p e l a
( n a p á g i n a s eg u i n te ) , e d e v i d o s
a o p a tr o c í n i o d e s t a s e n h o /·a.

No ano de 1695 estavam recolhidas 35 do mosteiro . Foi sepultada no coro no de linho, alca tifas, panos de rases.
freiras, com 865 600 réis de renda" . baixo da igreja, segundo estipulou no Em finais do século XVIII debatia-se a
Convento e igreja por esta altura ainda testamento (1707)'4, isto enquanto se instituição com falta de meios para
não estavam concluídos, prolongando­ não fizesse um carneiro no meio do a sua subsistência e para pagamento
-se os trabalhos, sobretudo os relativos coro baixo em que se metam os meus de dívidas contraídas pelo pagamento
à ornamentação do templo , ao longo ossos e os de minha mãe, onde ainda de alimentos e pensões de capela'5. E m
do primeiro quartel do século XVIII. hoje se lê numa lápide no chão : S. DAS 1808 , tal exiguidade de recursos obri­
A pintura e talha das capelas ficaram a M . TO NO BRES I E VERTVOSAS gou as religiosas - pelo deplorável
dever-se a Roque Gonçalo da Rocha, S . RAS I D . IZABEL HENRIQ. ES E I estado a que se achavam reduzidas, sem
pai de duas recolhida s ; as capelas D . IVLIANA M.A DE S.TO I ANT.O terem com que se alimentar, nem com
laterais a duas sacristãs do convento ; e RE E D I F I CAD O I RAS INSIGNES que cumprir as obrigações do culto
o pórtico , datado de 1725, a João DES .TE I CONV.TO DA CONC .AM divino'6 - a solicitar um administrador
Vicente dos Santos" . Mas neste perío­ I DE MARV.A. Ao testamento, aprova­ régio para as remediar nas pendências
do coube o protagonismo a D . Juliana do em 1709, acrescentou dois codicilos com os credores, e em especial o
Maria de Santo António, filha e (1710) , abertos em 1714, deixando Hospital Real de S . José, a quem de­
herdeira abastada de D . Isabel Hen- entre muitos legados pios, 150 000 viam mais de 15 contos de réis. Atra­
riques, recolhida no mosteiro , con­ réis anuais de renda à comunidade de vés de um documento do respectivo
dição que manteve para não largar o Marvila, bem como todos os móveis processo do Desembargo do Paço é
morgado de seu pai, (. . . ) com cujas que se acharem n esta casa assim caixões possível conhecer-se o património de
rendas se ia continuando a obra (o o .)r3 como bufetes, escritórios, painéis, pa - que dispunha o cenóbio e o estado
deficitário das suas finanças. Os rendi­
mentos dos bens patrimoniais impos­
tos nos juros na Alfândega, Casa de
Bragança, Armazéns, Pau Brasil, sal
de Setúbal, Senado e de apólices, so­
mados aos das casas, foros, ordinárias
e juros, atingiam 2 475 I25 réis, dos
quais deduzindo a despesa anual de
I 7 9 0 9 0 0 ré is - gastando as I5 reli­
giosas I 2 0 réis por dia - sobrava
apenas perto de 700 000 ré is anuais
para satisfação dos mais de 20 contos
em dívida aos credores . Do inventário
dos seus b ens'7, feito no século XIX,
apurou-se a soma de 27 480 600 réis,
entre convento e anexos, a cerca, terras
de semeadura, casas da Rua de Marvila
e na Rua Direita do Poço do Bispo - Governo a Manuel Pinto da Fonseca, Campolide, chegando a albergar 470
onde estava instalada uma fábrica de capitalista e africanista, para a fun­ pessoas. Finalmente recebeu o recolhi­
sabão - que tudo pagava ao morgadio dação de um asilo destinado a crian.ças mento de idosos denominado Mansão
do Esporão 3500 réis de foro , reduzi­ abandonadas, para o qual legou em de Santa Maria de Marvila, dependente
dos por uma subenfiteuse em I807 a testamento I40 contos de réis. Inau­ do Ministério da Saúde . A igrej a , rea­
António Esteves da Costa. gurado anos antes , com o nome de berta ao culto em I 9 3 2 , está classifica­
Depois da extinção das ordens reli­ D. Luís I, foi transferido para este da como Imóvel de Interesse Público ,
giosas, as freiras Brígidas permanece­ edifício em I875. Segundo os estatutos e é hoje sede da paróquia de Santo
ram no convento até à sua supressão , as crianças do sexo feminino recebem a Agostinho de Marvila . (JFP)
por decreto de I I . 4 . I8 7 2 , recebendo as instrução primária e a educação moral,
sobreviventes uma pensão de I20 000 civil e religiosa, e aprendem costura e
réis'8. Neste mesmo ano apossou-se outros misteres próprios do seu sexo;
também o Governo das instalações e as do sexo masculin o recebem a
quintal onde funcionava a fábrica de instrução primária, o desenho linear e
sabão, arrendados à Companhia dos a educação moral, civil e religiosa; e
Tabacos por 700 000 réis, valores fora do asilo o ofício mecânico para o
vendidos nesse ano em hasta pública. qual mostrarem maior inclinação'9.
No ano seguinte foi desactivada a Rebaptizado em I 9 I I como Asilo
capela. Pouco depois, em I874, o anti­ Manuel Pinto da Fonseca , sucedeu­
go edifício conventual era cedido pelo -lhe, em I 9 2 8 , o Asilo de Velhos de

1 37
Interior da Igreja de Marvila e pormenor de um dos altares
laterais de talha.

II - COMENTÁRIO

Apesar de fundado em 1655, com insta­


lação das primeiras recolhidas em 1660,
aquilo que hoje podemos apreciar nesta
magnífica casa religiosa de Man,ila data
sobretudo da intervenção patrocinada
por D. Isabel Henriques, a partir de
1681, continuada depois por sua filha,
D. Juliana, ao longo da primeira década
do século XVIII. Com efeito, como nos
elucida o cronista, logo que essas senho­
ras se recolheram no convento se come-
çou a ver o efeito do seu zelo, porque
a nova igreja de que só se haviam levan­
tado as paredes, se foi continuando com
grande calor até chegar à sua última
Pormenor da decoração em talha na Igreja de Marvila e pülpito no corpo do templo.

perfeição; e do mesmo modo se tratou do Azulejo, onde serão tratados, tendo pátio , uma arcaria, hoje substituída por
da reedificação do mais mosteiro, de parte da pintura, da autoria de Bento portas e janelas, dava acesso às depen­
sorte que à generosa piedade destas ilus­ Coelho da Silveira, sido recentemente dências conventuais , dispostas em
tres benfeitoras se deve toda a fábrica estudada no âmbito da grande expo­ torno de um claustro ainda intacto, de
de dormitórios, claustro e oficinas. Esta sição deste mestre realizada em Lisboa. grande sobriedade nas suas linhas
realidade torna o Convento de Marvila Interessa aqui realçar sobretudo a com­ de arcaria de pilastras muito simples.
uma das mais homogéneas realizações da ponente arquitectónica do conjunto , À esquerda de quem entra, dispõe -se
arte portuguesa desse período, a que com uma estrutura pouco habitual longitudinalmente a igreja, com portal
poderemos chamar o barroco de sensi­ entre as casas religiosas de Lisboa, pos­ de acesso lateral (datado de I725) , de
bilidade nacional, proveniente da evo­ sivelmente determinada pelas próprias acordo com a regra habitual dos con­
lução local de alguns pressupostos características do terreno em que foi ventos de freiras em que o eixo maior se
estéticos, numa unidade expressa na implantado. O convento dispõe-se em dispunha entre o altar-mor e os dois
perfeita conjugação entre a arquitectura, U em torno de um pátio central, orgâ­ coros - alto e baixo - destinados estes
o azulejo, a talha, a pintura e os embre­ nica mais usual na arquitectura civil, o às recolhidas. A igreja é de grande
chados de mármore. que pode levar a pôr a hipótese de se simplicidade estrutural, simples caixa
Quanto ao excepcional conjunto de terem aproveitado algumas construções rectangular com arcaria pouco profun­
revestimentos cerâmicos veja-se o Guia da quinta preexistente. Ao fundo desse da para altares laterais e o rectângulo

1 39
M a n u e l P i nto d a Fonseca,
b u sto d e m á r m o r e b ra n c o , a s s i n a d o
G. D u p re - F . / 85 2 , Fire n z e ,
q u e h o j e s e e n c o n t r a n a e n t rad a
d a M a n sã o de S a n t a M aria de
M arvila, h o s p í c i o e s t a t a l
d e apoio s o c i a l . M a n u e l Pi nto
d a Fonseca, a q u e m ch amavam
p o r a l c u n h a o M o n te Cris t o , d a d a
a o r i g e m i nc erta d a s u a fo r t u n a ,
l i g a d a ao c o m é r c i o afr i c a n o
o n d e d o m i n a v a a e s c r av a t u r a ,
fo i u m d o s n e g o c i a n t e s m a i s r i c o s
da praça d e Lisboa, celeb rizado
p e l as s u a s r e s i d ê n c i a s , c o m o
o a n t i go p a l á c i o p a t r i a r c a l ,
à J u n q u e i ra ( d e p o i s B u rn a y ) ,
q u e p rofu n d a m e n t e t r a n s fo r m o u , e
a Q u i n t a d o R e l ó g i o , e m S i n tl' a ,
q u e r e c o n s tr u i u d e r a i z ,
t r a n s fo l' m a n d o-a n u m d o s p r i m e i ro s
afl o r a m e n to s e n tre n ó s d o
revival i s m o exótico.
P i nto d a Fonseca foi também
b a n q u e i ro , d e v e n d o- s e - I h e a
fu n d ação d e u m a c a s a P i n to d a
F on se c a , d e p o i s B a n c o F o n se c a ,
S a n t o s e V i a n a . B e n e m ér i t o ,
fu n d o u o A s i l o D . L u i s I , d e s t i n a d o
à e d u ca ç ã o d e c r i a n ç a s po bres ,
i n s t a l a d o p o r d o a ção e s t a t a l
n o C o n v e n to d e M a r v i l a a p a r t i r
d e 1 8 74, depois d a saída
d a ú lt i m a frei r a .
A p ó s a i m p l an tação d a R e p ú b l i ca,
r e c e b e u o as i l o o n o m e
d o s e u fu n d a d o r . (J S M )
mais estreito da capela-moI', como se
a arquitectura não fosse muito mais
que um mero suporte para a fantasia
decorativa, expressa na exuberância
colorida de azulejos, pintura, talha e
mármores. Infelizmente o único ele­
mento não original é a pintura do tecto
em abóbada simples, muito danificado
no terramoto .
Uma palavra mais para a congregação
das religiosas de Santa Brígida, cuja
história acidentada é uma súmula das
procelas religiosas que atormentaram a
Europa da Reforma e Contra-Reforma.
Ordem de origem inglesa - embora
Santa Brígida fosse sueca - onde era
sua casa a célebre mansão de Mont
Sion , depois propriedade particular dos, sobranceiros ao bairro do Mo­
-, foram expulsas na sequência das cambo, depois conhecida por Convento
refo rmas anglicanas , optando por de Santa Brígida, ou do Quelhas.
passar aos Países Baixos. Daqui tive­ As Inglesinhas, como eram chamadas,
ram também de fugir perante o avan­ depressa se tornaram populares, jus­
ço calvinista, contando a lenda que o tificando esse facto a construção desta
barco que as transportava as trouxe nova casa de Marvila, sob a evocação
por inspiração divina até Lisboa, nos de Nossa Senhora da Conceição , que
finais do século XVI. Aqui fundaram D . João N proclamara Padroeira do
uma primeira casa, em terrenos doa- Reino. (JSM)

I Delgado, Ralph, «O Mosteiro de MaIYila», ln Olisipo, 9 IANfIT, CN, C-I2A, Cx. 60, L. ° 250, 1I'.33v-34.
Lisboa, 1965. n . o 110, p. 113. 'OBNL, cod. 70, pp. 167-168.
II IAN
� IANrrr. RP, N . Senhora dos Olivais. Baptismos, ex. I, fIT, ACA, Morgado do Esporão, mç. 194.
L.0 4. II. 6. doe. 4016.
3 1ANfTT, A CA - Morgado do Esporão, mç. 194-. 12 Delgado, Ralph, ob. dt .• n . o 110, p. 116.
doe. 4017. '3 BNL, cod. 70, p . 148.
It IAN
4 Para a história desta figura vid. Notícia da Fundação fIT, RGT, L. o 143. OS. I-II.
deste Com'ento a'e Nos.sa Senh ora da Conceição de 15 IANfTT. DP. Estremadura, mç. 2126. doe. 14,
AfarviJa, fC.'/O. 1 6 1ANfTT. DP. Estremadura, mç. 2133. doe. 76.
5 IANfIT. CN, C -I2A, Cx. 47. L.0 182. II,. 47v-48v. 17 Delgado, Ralph. oh. cit., n . o 110, p. 117.
6 IANfIT, ACA. Morgado do Esporão, mç. 194. doe. 18 Delgado. Ralph. oh. cit. . n. o 110. p. u8.
4016. 19 Pereira, Esteves e Guilherme Rodrigues. Portugal ­
7 BNL, cod. 70, Madalena, Maria, Notícia fielmente Díccionario Hístorico, Chorografieo ( .. . ) , Lisboa.
relatada dos custosos meios C .. ), p. 60. João Romano Torres e C.a - Editores. 1909. VaI. N, Em cima: revestimento de azulejos no coro baixo.
Em baixo : porta para o antigo Asilo D. Luís I. que substituiu a
' IANfIT. CN. C -12A, Cx. 60, L . 0 246, II,. 99-99v. p . 894·
partir de 1874 a antiga arcaria de acesso ao claustro.
A

o Q U I n T A D CD rl1 A R Q U E S D E A B R A n T E S

I - RESENHA HISTÓRICA de Pancas, que em 1541 tomou posse


(. . ) da quinta de Marvila que está a par
.

D tomada de Lisboa, doou à Mitra


AFONSO HENRIQUES, após a de São Bento e das casas do conde de
• Portalegré. Coube à mulher deste fidal­
de Lisboa (n49) três dezenas de casas go, D. Inês de Noronha, a obtenção de
e todas as rendas e tenas de Marvila que novo plano de aforamentos (1573) , e a
possuíam as mesquitas dos mouros!. Por duas de suas filhas um papel fundamen­
sua vez, o L° bispo lisboeta, D . Gil­ tal na história desta propriedade .
berto, ao organizar o Cabido (n50) A primeira, D . Jerónima de Noronha,
concedeu-lhe metade de Marvila. sendo possuidora desta quinta ( . . ) .

A parte adstrita à Mesa Pontifical - a suplico u à Sé Apostólica lhe reduzisse


Quinta da Mitra - constituía um terre­ este prazo, que era em vidas, a enfa ­
no vastíssimo indo do Beato ao Poço do tiota, e m razão d e haver feito nele
Bispo, e do rio até à estrada para o grandes benfeitorias, e com efeito se
Alfundão. Veio a Quinta de Marvila a lhe expediu Bula (. . .)5. Concedido o
cair na família dos Costa, parentes do pedido passou a Quinta de Marvila a
cardeal Alpedrinha, D . Jorge da Costa, chama de S. João. Em 3 0 . 4 . 149 5 constituir um prazo perpétuo com o
com o domínio útil a título perpétuo . renovou o cardeal Alpedrinha o em­ foro de 6000 ré is anuais, por breve
Integrada depois no morgado do Espo­ prazamento em três vidas da (. . . ) assinado pelo cardeal D . Henrique
rão , transitou por herança para os quinta de Marvila, além do conven to (r566 ) , então arcebispo de Lisboa6•
condes de Figueiró , depois de Vila de S. João de Santo Elói, pelo foro de A segunda filha, herdeira da irmã ,
Nova de Portimão e marqueses de 3500 réis2, a sua irmã, D . Catarina de D . Helena de Noronha, senhora de
Abrantes. Albuquerque, terceira vida no prazo. Pancas, tomou posse da propriedade
A parcela maior da Herdade - assim é Justificou -se a renovação , por ela dita em 15757, junto com seu primeiro
referida no século XVII - a chamada senhora ter feitas m uitas benfeitorias marido D. Manuel da Cunha , morga­
Quinta Grande, reservaram os senho­ e esperava ao diante mais fazer, na pro ­ do da Tábua. D. Helena casou em
rios para si, com vinhas, pomares, priedade composta por casas, terras, terceiras núpcias com Manuel de
hortas e olivais, aí construindo casas vinhas e olivais. D. Catarina nomeou Vasconcelos, regedor das Justiças e
nobres que , fruto de várias campanhas na posse do prazo da quinta, em segun­ presidente da Câmara, morgado do
de obras , ganharam dimensões pala­ da vida, a sua sobrinha, D. Helena da Esporão , figura de relevo no período
cianas . Sabe-se que no século )[If, Costa3, que o possuiu com isenção filipino , de quem não teve geração .
entre os bens que pertenciam à sua de foro na prelatura de D. Martinho da Sem herdeiros obrigatórios instituiu
Mesa Pontifical, estava uma quinta que Costa, seu tio . Esta senhora, por sua por testamento (1 6 0 2 ) , aberto em
se chama de Marvila, que está além do vez, nomeou terceira vida, por testa­ Marvila (r619) , morgado de todos os
mosteiro de São Bento que se agora mento, ao irmão João da Costa, senhor seus bens livres , incluindo esta quinta.

1 45
ela anexo (. . . )10. Sucedeu-lhe o so­
brinho, D. Pedro de Lencastre e seu
filho , D. José Luís de Lencastre, mo­
radores em Santos, que tiveram gran­
de pleito I I com a condessa viúva de
Figueiró , que instituíra herdeira a
condessa de Castelo Melhor : pois
minha sobrinha é parenta mais chega ­
da que tenho da linha dos Vasconcelos
e é verdadeira herdeira de minha casa
de Figueiró, que a tenho de juro e
herdade e fora da Lei Mental, ela
entre na 2. a vida e eu na I. a, que tenho
alvará de 2 vidas e no prazo e quin­
-

ta de Marvila, onde vivia , com todas


suas pertenças com todos seus foros,
-

jardins, q uintas e cercas e pomares e


tudo o que pertença a este prazo da -

qual tomou posse, e onde viveu ,


cobrando os foros de 1644-47 e 1654-
-1660, cobrados nos restantes anos
pela Represália.
(
Mapa dos Foros de Marvj/a 1752). Ao c�ntro. sob a d�nominação d� Quinta Grand�. �stá r�pr�senlado o p�rimetro original da Quinta de D. Pedro de Lencastre, comendador­
l>.brvila. dos conde de Vila Nova. d�pois marqu�s�s de Abrant�s.
-mor de Avis, herdara de seu tio o títu­
Para primeiro administrador do víncu­ que entram todas as benfeitorias das lo de conde e o morgado do Esporão ,
lo, que anexou ao do Esporão, chamou vinhas e pomares e tudo o mais que no qual a quinta fora integrada. O su­
o enteado, Francisco de Vasconcelos, está feito de pedra, cal e madeira, na cessor, D. José , que trocou o título de
depois r. o conde de Figueiró , primo­ dita quinta (. . . ) 8. No testamento conde de Figueiró pelo de Vila Nova
génito do regedor. declara (. .) tenho feito nela m uitas
. de Portimão , herdado de sua avó
Esta senhora empreendeu grandes benfeitorias e vou fazendo ( )9 . . . . materna - engrossando em rendas a
obras de beneficiação na quinta , Francisco de Vasconcelos , casado com sua grande Casa por recaírem n ela
constando nos inventários feitos por a herdeira da Casa de Figueiró , de duas tão ilustres, veio a ser uma das
sua morte as avaliações (. . ) no estado. cujo senhorio foi I . o conde, em 1637 mais ricas do Reino" - não deixou
em que estão a batidas as malfeitorias entrou na posse da Quinta de Marvila descendência, pelo que se lhe seguiu na
que se fizeram nos desmanchas das com ou tras pequenas, e diversos fo ­ titularidade seu irmão, D. Luís, que
casas para m elh oramento da dita ros que se pagam de várias proprieda ­ em 1688 tomou posse (. . . ) da quinta
propriedade em l4 0 0 0 cruzados, em des junto à dita quinta que tudo é a de Marvila e suas anexas, como também
das benfeitorias que na dita quinta quinta do marquês de Marialva e a da niosa q u e o fez bizarro (. . . )'5. Este fi­
estão feitas (. . . ) tomou posse de tudo do conde de Vila Nova em Marvilal4,. dalgo fez grandes obras em Marvila.
aquilo em que a senhora condessa Tal não veio a suceder escolhendo a No ano de I745 obrigou-se na quantia
tinha retenção, assim em louça como rainha o sítio da B emposta. de II 6 9 8 $ 6 3 I para pagamento de
em tudo (. . .)13, bem como da pro­ No ano de I704, D. Pedro de Lencas­ várias dívidasl6, hipotecando a (. . .)
priedade sita em Xabregas chamada o tre, 5. o conde de Vila Nova, sucedeu importância das benfeitorias que tem
Jardim, então nas mãos da condessa de na casa, cuj a opulência se viu sobre­ feito na sua quinta de Manila (. . .)
Castelo Melhor , já falecida. maneira acrescida pela fusão mais cujo dinheiro que toma a juro é
Por esta altura ter-se-á sugerido a tardia com a Casa de Abrantes, origi­ pertencente ao morgado que instituiu
Quinta de Marvila como uma das hi­ nada pelo seu casamento com D . Ma­ (. . .) D. Helena de Noronha vindo ao
póteses para instalação da rainha de ria Sofia de Lencastre. Detentor do morgado do Esporão a que eram ane­
Inglaterra, D . Catarina de Bragança , senhorio de inúmeras vilas, morgados, xos os ditos juros, cujas benfeitorias,
regressada a Lisboa em I 6 9 3 . O ar­ padroados e alcaidarias-mores (. . . ) a que na dita quinta se haviam feito no
quitecto Francisco Tinoco da Silva - Providência divina, que o fez Senhor tempo da sua m en oridade, pretendia
padre Tinoco -, (. . .) quando veio de uma tão grande Casa, deixou que a justificar (. . .), ao que foi satisfeito
a senhora rainha de Grã -Bretanha, natureza pródiga lhe desse uma gen til procedendo -se à sua avaliação , com­
fizera por ordem de Vossa Majestade e agradável presença, de corpo agigan ­ provando-se que se tinham feito (. . .)
as plantas dos Paços de Alcântara, da tado, m a s com proporção tão harm o - m uitas e várias benfeitorias e acres-

Vista de conjunto da Quinta dos Marqueses de Abrantes. O grande portal central de acesso ao pátio é o elemento central enobrecedor do conjunto, sendo as duas janelas que o acompanham possivelmente mais tardias.

14 7
centamen tos nas casas e palácio de
Marvila junto e contíguo à sua quinta
que tem naquele sítio ( ) Da vistoria . . . .

feita no palácio e suas pertenças


apurou-se que ( ) constavam de dois
. . .

quartos n obres, um apartado da estra­


da, outro do jardim, com seu quarto
alto, ou tro baixo em forma de galeria,
que se comunicam com quartos velhos
e todos fazem galeria em roda, e os
ditos q uartos n ovos com bastantes
câmaras, antecâmaras e seus gabinetes,
mais três quartos novos e altos, todas
as janelas de galeria e também os quar­
tos baixos com suas escadas de pedraria
e azulejadas, e na entrada do pátio, na
loja do recebimento, dois arcos de
pedraria, várias janelas de pedraria,
grades de ferro e todas as mais casas da
dita q uin ta, assim q uartos baixos,
como altos; e junto aí em o u tro sitio ,
um picadeiro, e a um lado deste u m
grande pátio tudo m urado pela parte
da rua, e os três lados revestidos de
várias acomodações e em um deles uma
cocheira com três portas e sua cavala ­
riça e almácega de água, tudo feito a
t-
fundamentis, cujas benfeitorias todas
� . foram avaliadas (. ) em a quantia de. .

����-?=-- I2 contos de réis atendendo ao sítio


em que se achavam e serem todas de
u tilidade, e com elas tem a dita quinta e
palácio dela maior aumento ( ) . . . .

Em I752 , pelo pai, seu administrador ,


Manuel Rafael d e Távora, o conde de

Arcaria do vestibulo-alpendrc de entrada na casa nobre da quinta.


hoje em parte entaipado.
Vila Nova D . José Maria de Lencastre , negociantes Manuel Tomé e C .a , por II - COMENTÁRIO
então com 1 0 anos, neto de D . Pedro , 450 000 réis (I8Q g - 3 Q ) , para esta­
tomou posse do seu palácio e quinta belecimento de uma fábrica de tecidos A antiguidade desta propriedade e o
de Marvila e de todos os mais bens de algodão e estamparia, obrigando­ relevo histórico dos seus proprietários
quintas e terras e foros pertencentes -se a não fazer alteração alguma nas bem como a qualidade arquitectónica
ao dito m orgado ( .) com seu jardim,
. . paredes2 0• das construções ainda subsistentes,
pátio e pica deiro e adega ( . .)17• . Em 1854, pela expropriação feita e m fazem dela uma das mais importantes
A partir de meados do século XViII, a parte do domínio útil do prazo da quintas arrabaldinas de Lisboa. Da sua
quinta e palácio , passaram a estar ge­ Quinta de Marvila pelos caminhos­ história, que se confunde com a do sítio
ralmente arrendados, degradando-se -de - ferro , o morgado do Esporão de Marvila, de que constitui o verdadeiro
progressivamente o seu estado de con­ foi compensado pela sub-rogação de centro, já se falou acima e no texto
servação . Na década de sessenta, com 37 700 réis, e em parte do domínio genérico sobre Marvila, cabendo aqui
um dos quartos térreos arrendado a directo , pela quantia de 92 3 Q O réis21• tentar sobretudo uma análise estilística
João Lourenço Veloso (I7 6 Q - 69) , Em meados do século XIX ali foi mais pormenorizada do conjunto pala­
irmão de Vasco Lourenço Veloso - de instalada uma instituição escolar . Em ciano , inserindo-o no panorama lis­
Santa Apolónia -, as alusões à deca­ 1869, depois do Governo manifes­ boeta. É claro que , como acontece com a
dência das casas nobres são fre ­ tar interesse em arrendar à Casa de generalidade destas quintas, o edifício
quentesl8 : casas principais devolutas; Abrantes a Quinta de Marvila22 , era actual resulta de várias campanhas de
tudo com alguma ruína; ou andar de anunciada a sublocação do terreno obras, devendo ainda ter-se em conta
cima devoluto e arruinado. Manteve­ anexo à Escola Normal de Marvila23, que a antiguidade quase imemorial da
se a situação ao longo do século XIX, constando então a quinta, arrendada quinta impôs por certo o aproveitamen­
embora houvesse o cuidado por par­ em hasta pública, de I2 hectares de to de construções preexistentes, condi­
te dos marqueses de salvaguardarem terra lavradia e dez oficinas rústicas cionantes sempre a ter em conta na
nos arrendamentos a preservação da não incluídas nos logra douros re ­ leitura de qualquer destes conjuntos.
quinta - do bom amanho das vinhas, servados ao edifício da referida esco­ O edifício principal abre sobre o lado sul
árvores e todas as terras cultiváveis, la (. . .)24. Depois de desactivada a esco ­ de um pátio quadrangular, com portão
comprometendo -se os rendeiros, uma la, o edifício foi sendo ocupado po r de acesso para a Rua Direita de Marvila,
vez findos os arrendamentos, a deixar várias famílias, e no pátio instalou-se a velha via estruturante de toda a zona.
a quinta povoada e cheia de bacelos e uma associação desportiva, enquanto o O projecto inicial desenhou um edifício
cepas - casos de António Joaquim dos extenso terreno da quinta se transfor­ quadrado de dois pisos, um térreo e
Reis , mercador de lã e seda, pela renda mava em ilha habitacional - o Bairro outro nobre, com torreões aos cantos -
anual de 400 000 réis e I pipa de Chinês . O antigo palácio , interior­ hoje prejudicados na sua leitura pelo
vinho ( 1 8 1 9 - 2 7) 19 , em cuj a renda mente degradado e descaracterizado, acrescento de mais um andar - no
eram abonados 6 0 000 réis para as mantém a sua traça exterior, acrescen­ respeito por um formulário muito em
obras reais indispensáveis da con ­ tada em um piso . QFP) voga desde a segunda metade do século
servação do referido palácio (. .) fei­
. XVi , continuado ao longo do século
tas com aprovação do marquês; e dos XViI, com manifesta influência erudita

1 49
dos tratados de arquitectura de matriz
renascentista. No piso térreo, sobre o
pátio, abrem-se três arcos sobre uma
ampla galeria de entrada, de onde nasce
a escadaria para o piso nobre, bastante
sóbria no lançamento dos seus dois
lanços. A peça mais interessante deste
conjunto , a sua verdadeira fachada, é o
grande portão de entrada do pátio , em
cantaria rusticada, cujo desenho origi­
nal deverá ter sido recomposto quando
das grandes obras levadas a cabo no
início do século XVIII, de quando por
certo deverão datar as j anelas que
abrem do referido pátio para a via
pública.
Temos informação de duas principais
campanhas de obras realizadas nesta
quinta. A primeira, levada a cabo na
época de D. Helena de Noronha, na
transição do século XVI para o seguinte ,
de certo com a influência de seu terceiro
marido, Manuel de Vasconcelos, morga­
do do Esporão e regedor das Justiças,
figura de grande relevo político e social
nesse período . Estamos em crer - por
mera intuição decorrente do gosto
sóbrio expresso e o evidente carácter de
pavilhão quadrangular, de dimensões
mais de recreio que propriamente pala­
cianas - que é da responsabilidade deste
casal a estrutura base do edifício exis­
tente, bem como o portal original do
pátio , aliás cópia de modelos então
vulgares nos tratados de arquitectura.
Casa da Quinta dos Marqu�s�s d� Abrant�s: fachada sobr� a rua. O acr�sc�nto de mais um piso. possivelmente já no século XIX. prejudicou
a harmonia dos tr�s corpos s�parados por pilastras. formando dois torr�õ�s ladeando um corpo c�ntral d� tr�s aberturas. tal como ainda s� A segunda campanha, posterior a 1705 ,
pode ver na fachada sobre o pátio. O jogo dos tdhado$ autónomos desses corpos constitula um dos dados mais característicos d�st� tipo d�
arquitHtura. introduzindo uma dinâmica volumétrica hoj� naturalmente desaparecida. iniciativa do 5. o conde de Vila Nova de

IS O
Portimão , limitou-se a alargar as de­
pendências iniciais de um pavilhão de
recreio, demasiado apertadas para as
novas exigências da vida de cort�, e,
sobretudo , renovou o muro de entrada
no pátio , através da abertura de duas
janelas sobre a estrada com acentuados
frontões triangulares, e procedeu à
transformação do portão existente ,
conformando -o necessariamente ao
novo arranjo do muro , introduzindo­
-lhe uma dinâmica formal barroca ,
originariamente ausente no desenho de
recorte mais clássico . Apesar de a leitu­
ra deste conjunto ser naturalmente
falível, julga-se indispensável inseri-la
Coroamento do janelão gradeado do pátio, datável possivelmente de finais do século XV1I.
numa visão de conjunto que nos
permita começar a definir os modelos como será o caso deste de Marvila, ou a adorna com um novo visual, imposto
palacianos cortesãos - quer sejam casa de Manuel Quaresma, a Santa Apo­ pelas novas construções, fossem religio­
urbanos, quer de recreio - cuja lenta lónia, ou, sobretudo, o Paço de Xabregas, sas ou civis. A Zona Oriental torna-se,
aclimatação entre nós se inicia sobretu­ iniciativa um pouco anterior do próprio assim, território privilegiado para a
do no último quartel do século XVI . rei. Além de ganhar neste período um explanação de um gosto novo, professado
A Zona Oriental de Lisboa guarda, novo eixo viário principal, com a con­ pela gente de corte que , a pouco e pouco,
assim, alguns dos primeiros exem­ solidação definitiva da via ribeirinha, o ganha características de verdadeira aris­
plares, todos de nítido sabor erudito , nosso Caminho do Oriente, também se tocracia. (JSM)

10 IAN
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� lANfIT. ACA - Morgado do Esporão. Mç. 188, Il lANfTT. ACA - Morgado do Esporão, Mç. 192. 19lANfTT. ACA - Morgado do Esporão, Mç.. 192.
doe. 3841. doe. 3935. doe. 3942.
3 lANrrT, ACA - Morgado do Esporão, Mç. 190, I� Sousa, António Caetano de, História Genealôgica �o lANfIT. ACA - Morgado do Esporão, Mç. 192.
doe. 3904. da Casa Real P01·tuguesa, L o Xl, Cap. XXI, p. 19L doe. 3943.
t lANfTT, ACA - Morgado do Esporão, Mç. 191. 13 lANfIT. ACA - Morgado do Esporão, Mç. 191. 2 l lANfIT. ACA - Morgado do Esporão. Mç.. 194.

doe. 3927. doe. 3928, 3929 e 3931. doe. 4037. fi. 4.


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doe. 3840. 12, fls. 2; Doe. publicado por Coelho, Teresa doe. 4030.
6 Delgado, Ralph, "O Lugar de MaNila e a Quinta de Campos, «Um concurso para o provimento do lugar 2 ] lANfIT, ACA - Morgado do Esporão, Mç.. 194,
da Mitra", in Olisipo, Lisboa, 1963, n. o 103. de Arquitecto das Ordens Militares» , in Alonumentos, doe. 4046.
pp. 136. n. 0 7, Nov., 1997. �� IANfIT, ACA - Morgado do Esporão, Mç. 194.
7 lANfTT, ACA - Morgado do Esporão. Mç. Igo. '5 Sousa, António Caetano de, oh. cit., L.
o Xl, Cap. XXI , doe. 4031.
doe. 3903. p . 197·
8 lANfIT, ACA - Morgado do Esporão. Mç. 188. 16 lANfIT, ACA - Morgado do Esporão, Mç. 194,
doe. 3843. doe. 4012.
9 lANfTT, ACA - Morgado do Esporão. Mç. 194. 17 lANfIT, ACA - Morgado do Esporão, Mç. 192, doe.

doe. 4037. 3933·


e palácio anexo, cujo nome provinha propriedades, alongadas de o de n te
das grandes propriedades ribeirinhas para ocidente à bei ra-rio, entre a
na Póvoa de Santa I r i a e Póvoa de Póvoa e Santos, podemos talvez
D. M artinho. Ainda hoje a bela Q u i nta conjecturar que a vida destes senhores
da P i edade, com i nteressantes se passava numa sucessão de passeios
remi n iscências q u i n henti stas pelo Tejo, pousando e m cada u m
e pl'ofundam ente renovada no século dos seus palácios consoante
XVI I I , agora propriedade d a Câmara as n ecessidades ou a época do ano.
M u n icipal d e Vila F l'anca d e Xira e em Esta excepcional disponibilidade de
vias d e restauro, testemu n ha o alto residências, j ustifica também a
estatuto social e fi nanceiro destes freq uência com que algumas delas
senhores. S e a estas j untarmos o eram alugadas, quer s i m p lesmente
enorme Palácio de Santos-o-Velho, a s u a parte rural, quer mesmo as
hoje e mbaixada d e França, antigo paço próprias casas, no todo o u e m parte.
régio adquirido pela fam í l i a no período Prática esta s obretudo sensível a partir
fi lipi no, residência principal n a cidade, d e m eados d o século XVI I I , quando as
A C A S A DE V I LA N O VA D E e a q u inta j unto ao Convento grandes casas aristocráticas, presas a
PORTIM ÃO/ABRANTES d e São D o m i ngos de Benfica (hoje rendas fixas, começam a denotai'
U m a s u cessão complexa d e heranças parte dos Pupilos do Exército), crescentes e mbaraços fin an ceiros.
transfo rm o u a Casa dos Condes de Vila adquirida a G erard de Visme já em Não parece assim de estranhar q u e no
Nova d e Portimão, depois também fi nais d o s é c u l o XVI I I , podemos século XVI I I resida no andar térreo d e
herdeiros dos marquesado de Abrantes constatar q u e os marqueses de Marvil a o irmão de Vasco Lourenço
e Fontes, n u m a das maiores Abrantes dispunham na zona de Lisboa Veloso, um dos grandes magnatas desse
pl'oprietárias da zona envolvente de d e q u atro enormes residências período na praça comercial de Lisboa.
Lisboa, E sse patri m ó n i o imenso era palacianas, além d as casas nobres Com a implantação do regime l i beral,
composto d e uma série de antigos a São M arti n h o, estas desaparecidas mantendo-se a Casa de Abrantes fiel a
m orgad i o s d e vária proven iência c o m o terramoto. Exceptuando D. M iguel, começa um acentuado
fam i l i ar, contando-se entre e l es a Quinta d e Benfica, todas as o utras se declínio, naturalmente agravado pela
alguns d o s mais antigos de Lisboa. dispunham ao l ongo d o rio, qualquel' extinção dos morgadios. Com efeito,
É o caso desta Q u i nta de M arvi la, delas com cais de acesso ao m e s m o . já nada deste i m enso património
integrada como vimos no século XVI I N ote-se q u e e m M arvila s e manteve chegou à posse de D. Luís de Lancastre
n o m o rgado d o Espot'ão - célebre sempre sob domínio d o senhorio u m a e Távora, 7.° marquês de Abrantes,
pela s u a bela capela t u m u l a r na Sé de estreita faixa fronteira ao palácio, cuja memória se guarda não pelos
É vora -, com o é o caso também d o parale l a à q u inta depois da M i tra, palácios que n u nca herdou, mas pelos
mOI'gado da Póvoa, da fam i lia l i sboeta permitindo a l i gação d i recta entre interessantes estudos h i stóricos q u e nos
medieval dos Valente, com jazigo na o palácio e o Tejo. Olhando agora deixou, fruto d e um tt'abalho i ndivid ual
capeia-moI' de São Martinho de Lisboa para a disposição geográfica destas tei m oso e apaixonad o . (l.S . M . )

152
s G L A s

ACA - Arquivo da Casa de Abrantes AMO - Arquivo do Marquês de Olhão D C - Décima da Cidade
ACML-AC - Arquivo da Câmara Municipal de B N L - Biblioteca Nacional de Lisboa DP - Desembargo do Paço
Lisboa - Arco do Cego BPMP - Biblioteca Pública Municipal do Porto HSO - Habilitações do Santo Ofício
ACML-AE - Arquivo da Câmara Municipal de CMD - Convento da Madre de Deus lANfIT - Instituto de Arquivos Nacionais / Torre
Lisboa - Alto da Eira CML - Câmara Municipal de Lisboa do Tombo
AHCM L - Arquivo Histórico da Câmara Municipal C N - Cartórios Notariais I N C M - Imprensa Nacional-Casa da Moeda
de Lisboa CSBX - Convento de São Bento de Xabregas MNAA - Museu Nacional de Arte Antiga
AHMF - Arquivo Histórico do Ministério das CSFX - Convento de São Francisco de Xabregas RGT - Registo Geral de Testamentos
Finanças CSN - Convento de Santos-a-Novo RP - Registos Paroquiais
AHTC - Arquivo Histórico do Tribunal de Contas CRSSLVT - Centro Regional de Segurança Social de
AHU - Arquivo Histórico Ultramarino Lisboa e Vale do Tejo

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A G R A D E c M E N T o S

Os aut o res agradecem a t o d o s o s particulares e instituições, públicas ou privadas,

que de fo rma interessada e s o lícita c o ntribuíram para a feitura deste trabalh o .

Agradec e m , particularmente, o ap o i o d o s serviç o s municipais,

c o m destaque para o GE O ,

e o especial c o ntribut o d a Sra . D ra. Le o n o r Calvã o B o rges .


I V 0 L U Ill E I I V 0 L U Ill E

D E S C 0 B R I R <::> 0 R I E n T E . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 XA B R E GAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

U Ill A V I A À B E I RA - R I 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 1 6 . 1ll 0 S T E I R0 DA Ill A D R E D E D E U S . . . . . . . . . . . . 9

S A n TA A P 0 L0 n l A . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 1 7 . PAÇ 0 D E XAB R E GAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

I . E RIll I DA D0 S E n H 0 R I E S U S DA B 0A n 0 VA . . . 37 I S . C 0 nV E nT 0 DE S . F RA n C I S C 0

D E XA B RE GAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2. CASAS n 0 B RE S D0 BA n D E I RA . . . . . . . . . . . . . . 45

1 9 . PA LÁC I 0 0 L H Ã 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3 . CASA DE Ill A C H A D 0 DE C ASTR0 . . . . . . . . . . . . 49

D 0 G R I L0 A 0 B EAT0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
4 . CASA DA C 0 VA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

2 0 . Q U i nTA L E I T E D E S 0 U SA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
5. E RIll I DA D E n 0 SSA S E n H 0 RA DA Ass u n ç Ã0
, I
E SAnT0 A nT0 n l 0 D 0 V A L E . . . . . . . . . . . . . . . 59 2 1 . PALÁ C I 0 D 0 S S E n H 0 R E S

DAS I L H AS D E S E RTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
6 . 1ll 0 ST E I R0 D E SA nTA A P 0 L0 n 1 A . . . . . . . . . . . 63

2 2 . C 0 n V E nT 0 D 0 G R I L0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
7 . PA LÁ C I 0 Q U A R E S Ill A - A LV I T0 . . . . . . . . . . . . . 67

S . PALÁ C I 0 D E VAS C 0 L 0 U R E n ç 0 V E L0 S 0 . . . . 73
2 3 . C 0 n V E nT 0 DAS GRI LAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

9 . C 0 n V E nT 0 D 0 S B A RB A D I n H 0 S ITAL I A n 0 S 2 4 . PA LÁC I 0 LA F 0 E S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
. . 81

1 0 . Q U i nTA D 0 S S E n H 0 RE S D E PAn CAS . . . . . . . . 91


2 5 . c o n v E n to D 0 B EAT0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

I I . CASAS n 0 B R E S D 0 « B RA Ç 0 D E P RATA » . . . . 1 03
Ill A RV I LA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

C R U Z DA P E D RA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
2 6 . Q U i nTA D A S Ill U RTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

1 2 . R E C 0 L H I Ill E nT0 D E LÁZ A R0 L E I TÃ0 . . . . . . . . 115 2 7 . Q U i nTA D 0 Ill A RQ U Ê s D E Ill A RI A LVA . . . . . . . . 1 17

1 3 . C 0 n V E nT0 D E S A n T0 S - 0 - n 0 V 0 . . . . . . . . . . 123 2 8 . PALÁC I 0 DA Ill I T RA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

1 4 . Q U i nTA DA C R U Z D A P E D RA . . . . . . . . . . . . . . . 133 2 9 . Q U i nTA D0 B E T E n C0 U RT . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

1 5 . Q U i nTA D 0 R0 1ll A . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 3 0 . C 0 n V E nT 0 DE Ill A R.Y i L A . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 33

U Ill PASS E I 0 A C H E LAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 3 1 . Q U i nTA D 0 Ill A RQ U Ê S D E A B RA nT E S . . . . . . . . 145

1 59
C .A. M Í N H O D O O R Í E NTE
G U I A H I S T 0 R I C 0 II
l a s É S Ã R rn E n T O D E rn A T O S • l e R C E F E R R E I RA PAULO

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Livros Horizonte, 1999

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1312II/99

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