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A POLÍTICA DE MARX A GRAMSCI

Em razão da alteração das experiências temporais, a modernidade possibilitou


novas percepções em torno da política e da história. Como afirmou o historiador alemão
Reinhart Koselleck, essa nova configuração temporal é estruturada em torno da
expectativa de um afastamento radical entre o passado e o futuro. O pensamento de
Marx, fruto da modernidade, elege a revolução como esse corte entre passado e futuro
capaz de anunciar o horizonte de uma sociedade sem classes marcada pela emancipação
do homem.
Apesar de ser um autor pouco sistemático e com uma obra bastante diversa, é
possível observar que a revolução e a emancipação humana aparecem como
preocupações constantes ao longo do trabalho de Marx. Em seus escritos, a discussão
em torno da emancipação humana aponta para a incompletude dos processos
revolucionários burgueses. A revolução francesa, ao encerrar o Antigo Regime,
permitiu a construção dos direitos do homem, que, limitados pelo individualismo
burguês, não perseguem a emancipação humana.
Para conduzir o processo revolucionário rumo a emancipação humana, Marx
busca um sujeito universal capaz de superar os limites do individualismo burguês. O
proletariado, na leitura de Marx, emerge como sujeito universal na medida em que,
submetido a uma exploração total, é também o responsável pela recuperação total da
humanidade.
A concepção de política elaborada por Marx aparece vinculada a possibilidade
de, por meio das ações desse sujeito universal, recuperar a humanidade perdida ao longo
da história. Nesses termos, a política aparece no horizonte de expectativa marxiano
como um dos caminhos para o reencontro da humanidade consigo mesma. Todavia, essa
perspectiva aliada a essa dimensão histórica universal do proletariado termina por
enfraquecer essa concepção.
Embora fundamental para consecução de seu projeto político, a política é
limitada pela leitura em torno da estrutura de classes do capitalismo. A garantia da
ordem burguesa por meio da ação violenta do Estado impossibilita, em parte dos
escritos marxianos, um desfecho político para a revolução. O avanço do proletariado,
nessa perspectiva, acirra os conflitos de classe e se desdobra em um conflito violento, de
modo que a política se encerra em uma guerra de classes.
Como aponta Carlos Nelson Coutinho, há alguns acenos de Marx em relação a
uma perspectiva democrática e reformista para a obtenção de direitos e melhorias na
vida dos operários. Todavia, tal perspectiva não foi inteiramente desenvolvida e, em boa
medida, aparece submetida ao horizonte revolucionário.
Na transição para o século XX, as propostas reformistas, marcadas por uma
visão teleológica e mecânica do marxismo, ganham espaço no movimento operário, nos
partidos social-democratas e na II Internacional. Lenin, no contexto da Revolução
Bolchevique, mais que criticar o que considerava os desvios reformistas do marxismo,
reacende o horizonte revolucionário.
Contudo, a concepção política Lenin incorre em problemas semelhantes aos de
Marx. Ao retomar a concepção do Estado como aparato responsável por garantir
violentamente a ordem burguesa, o voluntarismo de Lenin aposta na revolução como
tomada do Estado e utilização desse mesmo aparato violento para a realização da
ditadura do proletariado e da sociedade sem classes. Nesses termos, a necessidade da
violência revolucionária anunciada por Marx é radicalizada por Lenin.
Após a revolução, em razão dos dilemas enfrentados na transição para o
socialismo, Lenin produz algumas alterações em sua concepção política anterior,
marcando a necessidade de um trabalho político no interior da ordem burguesa e
também de uma crítica ao radicalismo esquerdista. Nessas reflexões, também não
inteiramente desenvolvidas em virtude da morte de Lenin, a possibilidade reformista
aparece, ainda que subordinada a revolução.
Dentro da tradição marxista, Gramsci, ao desenvolver leituras radicalmente
inovadoras acerca da história e da política, é capaz solucionar essas tensões presentes
em Marx e Lenin. Partindo do diagnóstico histórico de uma transformação morfológica
no contexto histórico-político europeu, Gramsci afirma o cancelamento das revoluções.
Esse cancelamento ocorre porque, na modernidade europeia, o fortalecimento da
sociedade civil desloca a centralidade do poder estatal.
Canceladas as expectativas revolucionárias de assalto frontal ao poder do
Estado, Gramsci busca a teoria da hegemonia como forma de compreensão e ação
política na modernidade ocidental. Para tornar-se hegemônico qualquer grupo social
precisa trabalhar politicamente para a construção de um consenso na sociedade civil,
antes mesmo de alcançar o aparato estatal. Na leitura gramsciana, desenvolvida ao
longo dos Cadernos do Cárcere, a construção dessa hegemonia ocorre a partir das
disputas políticas entre os diversos grupos sociais. Realizar a hegemonia e exercer o
poder na sociedade, mais que um exercício de força, implica uma ação política virtuosa
no sentido atribuído por Maquiavel.
Com a elaboração da teoria da hegemonia, Gramsci, concomitantemente,
resolve as tensões entre reforma e revolução presentes em Marx e Lenin, propondo uma
concepção de política para além da revolução e da violência. Nesse sentido, a
expectativa basilar do marxismo acerca da necessidade de emancipação humana é
mantida em Gramsci. Todavia, liberada de um horizonte revolucionário, a realização
dessa expectativa ocorre por meio da disputa política da hegemonia, dentro de uma
moldura democrática. Para Gramsci, diferentemente de Marx e Lenin, é possível
produzir grandes transformações históricas, mesmo que em durações mais ou menos
longas, a partir de uma política democrática. Portanto, em razão dessa concepção forte
de política, as contribuições de Gramsci para a contemporaneidade ultrapassam aquelas
oferecidas por Marx e Lenin e permitem a formulação de projetos políticos para a
contemporaneidade.

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