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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA
ENGENHARIA QUÍMICA

RELATÓRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

ANÁLISE DO EFEITO DA VISCOSIDADE NO ESCOAMENTO DE


FLUIDOS NEWTONIANOS EM HIDROCICLONES

Orientado: Maxuel Silva Lemos

Orientadora: Isabele Cristina Bicalho

RESUMO – O hidrociclone é um equipamento de separação sólido-líquido ou líquido-


líquido amplamente empregado nas indústrias alimentícia, petroquímica, de mineração,
têxtil, dentre outras, em função da sua alta eficiência de separação, bem como baixa
complexidade de fabricação, instalação e manutenção. A estrutura deste dispositivo
consiste basicamente em uma região cilíndrica acoplada a uma região cônica, onde a
alimentação da mistura a ser separada é realizada tangencialmente, no topo da parte
cilíndrica. Com isso, é criado um campo centrífugo que juntamente com o campo
gravitacional, resulta em dois vórtices: um descendente que conduz à saída inferior
(underflow) e outro contrário ascendente conduzindo à saída superior (overflow). Desta
forma, ainda que apresente muitas facilidades, a fluidodinâmica deste dispositivo pode ser
bastante complexa. O presente trabalho tem como objetivo estudar a aplicabilidade de
hidrociclones para a separação de suspensões altamente viscosas de comportamento
Newtoniano. Para tanto, técnicas de fluidodinâmica computacional (CFD) foram aplicadas
para a simulação do campo de escoamento gerado usando soluções de sacarose. Utilizou-
se para isto o software comercial FLUENT ANSYS®, na sua versão acadêmica. A técnica
consiste na construção da geometria do equipamento, formulação, discretização e solução
algébrica dos volumes finitos para posterior comparação com os dados presentes na
literatura.

1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
1.1 ESTRUTURA DO HIDROCICLONE

Os hidrociclones são equipamentos comumente utilizados para separação sólido-líquido ou


líquido-líquido. Sua existência data desde o início do século XIX, sendo, no entanto, tecnologicamente
desenvolvido a partir de 1940 (SAMPAIO et al, 2007). Esses equipamentos não possuem partes
móveis, tratando-se de um método de separação atrativo industrialmente por demandar praticamente
nenhuma manutenção. Em termos de versatilidade, o hidrociclone permite diversas aplicações de
interesse industrial, como, por exemplo, a classificação seletiva, a deslamagem, o espessamento, o
fracionamento e a recuperação de líquidos. Ainda, promove altas eficiências de separação de partículas
com tamanhos entre 5μm a 400μm. Desta forma, pela consequente viabilidade econômica, os

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hidrociclones são amplamente empregados em processos encontrados na indústria têxtil, alimentícia,


petroquímica, de processamento mineral, entre outras (VIEIRA, 2006).

A configuração clássica dos hidrociclones trata-se de um corpo cilíndrico que se conecta a um


duto de alimentação tangencial e a um duto coaxial denominado vortex finder, por onde escoa a
corrente de overflow e contém o particulado fino. A região cilíndrica é acoplada a uma região cônica
cuja abertura inferior, denominada apex, descarrega a corrente de underflow, contendo partículas
grosseiras (SAMPAIO et al, 2007). A Figura 1 apresenta a geometria convencional de um
hidrociclone.

Figura 1 – Geometria clássica de um hidrociclone utilizado em processos de mineração.

Fonte: (SAMPAIO, 2007)

1.2 FUNCIONAMENTO DO HIDROCICLONE

A fluidodinâmica nestes dispositivos inicia-se pela alimentação pressurizada tangencial na


câmara cilíndrica, onde o fluido assume um movimento rotacional, em função da geometria. Isto gera
um campo centrífugo de intensidade muitas vezes maior que a do campo gravitacional (BICALHO,
2011). Este campo faz com que, por ação de forças de arraste e de pressão sobre partículas de diferentes
tamanhos e densidades (VIEIRA, 2006), aquelas de maior dimensão sejam conduzidas às regiões
periféricas no interior do equipamento. Conjuntamente, o campo gravitacional as direciona até o
orifício inferior da parte cônica, coletando-as na corrente de underflow. O particulado mais refinado,
por consequência, tende a se depositar na região central do equipamento, de modo que, no momento
que o escoamento espiral atinge o underflow, há um estrangulamento associado a uma região de baixa
pressão que induz uma trajetória espiral ascendente carregando a corrente de sólidos finos para serem
coletadas no vortex finder, onde é gerada a corrente de overflow. Essa trajetória pode ser visualizada
através da Figura 2. A configuração clássica de hidrociclones trata-se de um corpo principal constituído
de uma região cilíndrica que se conecta a um duto de alimentação tangencial e a um duto que se estende
na parte superior, por onde escoa a corrente de particulado fino. A região anterior está acoplada a uma
região cônica, cuja abertura inferior é a de escoamento da corrente de partículas grosseiras.
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Figura 2 – Esquema de funcionamento do hidrociclone separando a corrente de alimentação no underflow,


contendo os sólidos mais grosseiros, e no overflow, contendo os sólidos finos.

Fonte: (VIEIRA, 2006)

1.3 VARIÁVEIS DE INTERESSE NO FUNCIONAMENTO DE HIDROCICLONES

1.3.1 RAZÃO DE LÍQUIDO

No funcionamento do hidrociclone, age sobre o seu escoamento uma força de arraste que
desloca parte das partículas para a corrente de underflow, independente do campo centrífugo
(QUINTINO, 2019). Este fenômeno promove naturalmente a divisão de fluxo da suspensão entre
os orifícios de overflow e underflow, sendo suficiente e capaz de por si só arrastar parte dos
sólidos para o underflow (VIEIRA, 2006). Tal fenômeno é conhecido como efeito “T” e é
descrito matematicamente pelo quociente entre as vazões de alimentação e de underflow, em
termos mássicos ou volumétricos, denominando-se razão de líquido (𝑅𝐿 ), representada pela
Equação 1. A razão de líquido é uma variável importante na correção da eficiência total de
separação, sendo necessária considerá-la para quantificação do efeito da divisão de fluxo que
ocorre no equipamento (MOGNON, 2015).

𝑄𝑢 (1 − 𝑐𝑣𝑢 ) 𝑊𝑢 (1 − 𝑐𝑤𝑢 ) (1)


𝑅𝐿 = =
𝑄(1 − 𝑐𝑣 ) 𝑊(1 − 𝑐𝑤 )

Sendo:

𝑄𝑢 e 𝑄, respectivamente, vazões volumétricas de underflow e de alimentação;

𝑊𝑢 e 𝑊, respectivamente, vazões mássicas de underflow e de alimentação;

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𝑐𝑣𝑢 e 𝑐𝑣 , respectivamente, concentrações volumétricas de sólidos nas correntes de


underflow e de alimentação;

𝑐𝑤𝑢 e 𝑐𝑤 , respectivamente, concentrações mássicas de sólidos nas correntes de underflow


e de alimentação.

1.3.2 EFICIÊNCIAS DE SEPARAÇÃO GLOBAL E REDUZIDA

A eficiência total reduzida (𝜂′) é uma grandeza que descreve a eficiência de coleta apenas
do campo centrífugo, excluindo as implicações do efeito “T”, portanto descontando-se a razão
de líquido nos cálculos. Já para o caso em que se considera tal efeito, define-se a eficiência global
(𝜂) de coleta alcançada pelo hidrociclone. A eficiência total e a eficiência total reduzida são
representadas através da Equação 2 e Equação 3, respectivamente.

𝑊𝑢 𝑐𝑤𝑢 (2)
𝜂=
𝑊𝑐𝑤

𝜂 − 𝑅𝐿 (3)
𝜂′ =
1 − 𝑅𝐿

1.4 VISCOSIDADE

A classificação reológica dos fluidos é realizada por relações entre a tensão de cisalhamento (τ’)
aplicada ao fluido e sua respectiva taxa de cisalhamento (γ) (CREMASCO, 2014). A variação da tensão
de cisalhamento pela taxa de cisalhamento expressa a viscosidade (𝜂), conforme Equação 4. Esta
grandeza é constante e denominada absoluta, ou dinâmica, para fluidos newtonianos e definida como
aparente, para fluidos não newtonianos. Dentro deste grupo, ainda é possível classificar certos fluidos
conforme a variação da sua viscosidade (𝜂) perante a taxa de cisalhamento. Os fluidos em que a
viscosidade aparente aumenta com o aumento da taxa cisalhante são chamados fluidos dilatantes. Já
para o caso em que há um decréscimo na viscosidade do fluido, frente ao crescimento da taxa de
cisalhamento, recebem o nome de fluidos pseudoplásticos. A Figura 3 mostra as relações reológicas
citadas anteriormente.

τ′ = 𝜂 ∗ γ (4)

Sendo que:
τ′ é a tensão de cisalhamento;
γ é a taxa de cisalhamento;
𝜂 é a viscosidade do fluido em (N.s/m2).

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Figura 3 – Relação da viscosidade para cada tipo de fluido.

Fonte: (Fox et al, 2001) (adaptado).

1.5 EFEITOS DA VISCOSIDADE NO ESCOAMENTO DE HIDROCICLONES

De acordo com os estudos realizados por Hoff e Stein (2002), a viscosidade da suspensão tratada
no processo de hidrociclonagem pode influenciar nos parâmetros operacionais, tais como na queda de
pressão, eficiência total e eficiência total reduzida. Os mesmos autores relataram em sua pesquisa que
maiores valores de viscosidade induziam uma atenuação da eficiência do campo centrífugo,
acompanhada de menor intensidade do vórtice formado e consequente menor queda de pressão. Tais
resultados são corroborados no trabalho de Marthinussen (2014). Os autores modificaram a
viscosidade de uma suspensão aquosa utilizando sacarose, adquirindo soluções entre 1cP e 15,1cP.
Experimentalmente, a eficiência total e a eficiência total reduzida de hidrociclonagem diminuíram com
o aumento da viscosidade, conforme se nota, respectivamente, nas Figura 4 e Figura 5. Pela Figura 6,
a queda de pressão também decresceu elevando-se a viscosidade e tal comportamento foi coerente com
os resultados teóricos e computacionais (obtidos via CFD).

Figura 4 – Efeito da viscosidade na eficiência total de coleta.

Fonte: (Marthinussen, 2014) (adaptado).

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Figura 5 – Efeito da viscosidade na eficiência total reduzida de coleta.

Fonte: (Marthinussen, 2014) (adaptado).

Figura 6 – Queda de pressão em função da viscosidade por método experimental, numérico e analítico.

Fonte: (Marthinussen, 2014) (adaptado).

1.6 SIMULAÇÃO FLUIDODINÂMICA (CFD)

Há diversos problemas envolvendo escoamentos em engenharia cuja resolução é de grande


interesse para o desenvolvimento tecnológico, mas que, após a transcrição do problema físico para o
formalismo matemático, encontram dificuldades no processo de solução. Estas restrições podem
aparecer tanto na inviabilidade prática de resolução de certos problemas, mas também por
impossibilidade de validação experimental da situação por questões de segurança ou ambientais, por
exemplo. Casos clássicos são encontrados na indústria aeroespacial, bioengenharia, engenharia de
reatores, fenômenos ambientais, entre outros. A Fluidodinâmica Computacional (CFD) é o termo dado
ao grupo de técnicas matemáticas, numéricas e computacionais usadas para obter, visualizar e
interpretar soluções computacionais para as equações de conservação de grandezas físicas de interesse
de um dado escoamento (BICALHO, 2011). Este procedimento permite resolver numericamente
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amplos problemas envolvendo escoamentos, eliminando as barreiras das soluções analíticas que
exigem equacionamentos diferenciais muitas vezes com alta complexidade matemática. Além disso,
oferece predições valiosas para o engenheiro, descartando a necessidade de experimentos em escalas
impraticáveis.

1.7 MÉTODO DOS VOLUMES FINITOS

O método dos volumes finitos (MVF) é uma técnica de solução numérica aprimorada,
fortemente, para tratar problemas convectivos, que outrora não eram contemplados profundamente por
outros métodos, tais como o método das diferenças finitas (MDF) e método dos elementos finitos
(MEF). O MVF é utilizado para discretização do domínio em diversos volumes de controle e solução
das suas equações algébricas estritamente conservativas. Sua aplicação na mecânica dos fluidos foi
potencializada à medida que o poder computacional também cresceu e o desenvolvimento de sistemas
de coordenadas generalizadas ganhou notoriedade na década de 70 (MALISKA, 2017).

Teoricamente, a aplicação do MVF pode ser realizada tanto em um balanço conservativo da


propriedade transportada à nível molecular quanto em um volume de controle que coincida com as
fronteiras do problema. Quanto menor o volume de controle, mais a solução numérica se aproxima da
solução analítica. Entretanto, um critério óbvio a ser adotado é uma condição não-proibitiva da solução
numérica, visto que quanto menor os volumes de controle, maior demanda computacional para a
resolução das equações algébricas associadas. A Figura 7 esquematiza um volume de controle 2D
qualquer, onde se realiza um balanço conservativo de massa.

Figura 7 – Balanço de massa em volume de controle 2D.

Fonte: (MALISKA, 2017).

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1.8 TURBULÊNCIA & OS MODELOS RSM E LES

A turbulência é um efeito que provoca comportamentos irregulares no escoamento, requerendo


ferramentas estatísticas para sua análise. Além disso, induz a mistura de todas propriedades ligadas ao
escoamento do fluido (VIEIRA, 2006). Este é um fenômeno tridimensional, transiente e randômico
observado em fluidos de moderados a elevados números de Reynolds (FLUENT INC, 2006).

A quantidade de volumes de controle passível de ser resolvida computacionalmente para as


equações de conservação, sobretudo para as equações de Navier-Stokes, estão hoje em uma ordem de
grandeza insuficiente para quantificar os efeitos turbulentos no escoamento. Devido às limitações
computacionais associadas à resolução das equações de Navier-Stokes, não se consegue a obtenção de
resultados instantâneos (solução analítica) para o domínio do escoamento. Como a turbulência
influencia no comportamento do fluido a tais níveis, não quantificáveis, são necessárias estratégias
para uma solução numérica que se adeque melhor à realidade da dinâmica do escoamento. Com isso,
para contornar estas dificuldades, algumas das metodologias mais empregadas em pacotes numéricos,
como o FLUENT ANSYS®, são o conjunto de equações médias de Reynolds (Reynolds-Averaged
Navier-Stokes – RANS) e o método de equações filtradas (Large Edge Simulation – LES).

O método RANS trabalha apenas as grandezas médias do escoamento, com todas as escalas de
turbulência sendo modeladas. A Equação 5 expressa as equações de Navier-Stokes em termos de suas
médias temporais, sendo que o termo (−𝜌𝑢 ̅̅̅̅̅̅̅̅̅
′ ′
𝑖 𝑢𝑗 ) representa a influência turbulenta no escoamento e é
denominado tensor de Reynolds. Esta abordagem reduz o esforço computacional notavelmente,
podendo ser aplicada tanto para escoamentos turbulentos, quanto para escoamentos transientes
(VIEIRA, 2006). Dentre as técnicas usuais para modelagem dos tensores de Reynolds, encontra-se o
método RSM (Reynolds Stress Model). Embora tal modelo requeira um maior custo computacional,
visto que considera a viscosidade turbulenta como uma grandeza escalar não isotrópica, é uma escolha
adequada para escoamentos turbulentos de altas vorticidades, como aqueles presentes nos
hidrociclones (VIEIRA, 2006).

∂(𝑢 ̅̅̅̅̅
̅̅̅̅̅) ∂(𝑢 𝑗) 2 ̅̅̅̅̅)
∂(𝑢
̅̅̅̅̅̅ ̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅ ̅̅̅ ∂[𝜇( ∂𝑥 𝑖 + ∂𝑥 −3𝛿𝑖𝑗 ∂𝑥𝑖 )] ̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅
′ ′
∂(𝜌𝑢 𝑖) ∂(𝜌𝑢 𝑖 𝑢𝑗 ) ∂(𝑝) 𝑗 𝑖 𝑖 ∂(−𝜌𝑢 𝑖 𝑢𝑗 )
+ = − + + (5)
∂t ∂𝑥𝑗 ∂𝑥𝑖 ∂𝑥𝑗 ∂𝑥𝑗

Alternativamente à metodologia de equações médias, o método LES promove uma resolução


mais detalhada do escoamento, significando que há uma captura minuciosa dos efeitos turbulentos em
troca de um maior esforço computacional. O princípio básico do método se dá pela filtragem das
equações de Navier-Stokes em função do tamanho das escalas presentes na malha e, portanto, tem uma
forte relação com o refinamento da malha utilizada. Escalas menores que a largura de um filtro ou
espaçamento de malha são isoladas e modeladas, enquanto as escalas não filtradas são resolvidas
diretamente (BICALHO, 2011).

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Variáveis filtradas podem ser selecionadas a partir da Equação 6. Tais variáveis são, então,
modeladas com técnicas numéricas que adotam certas considerações. Enquanto, as pequenas escalas
são menos dependentes da geometria do problema e tendem à isotropia, as grandes escalas são
intensamente influenciadas pelas condições de contorno e geometria, estando mais fortemente
relacionadas com o transporte das propriedades físicas (BICALHO, 2011).

𝜙̅(𝑥) = ∫ 𝜙(𝑥 ′ )𝐺(𝑥, 𝑥 ′ )𝑑𝑥′ (6)

1.9 TESTE DE INDEPENDÊNCIA DE MALHAS

Em estudos envolvendo fluidodinâmica computacional, a avaliação da independência de malhas


é um procedimento que visa investigar o efeito do refinamento da malha nas variáveis selecionadas
como resposta da solução numérica (QUINTINO, 2019). Se as condições do problema estiverem bem
definidas frente ao problema real, maiores níveis de refinamento da malha devem oferecer desvios
menores para determinada grandeza avaliada, visto que a solução numérica tende a se aproximar da
solução analítica. Além disso, à medida que se procede o refinamento das malhas, estas devem retornar
valores cada vez mais próximos, em um comportamento de estabilização do resultado.

O custo computacional também é verificado neste processo. Ao se comparar os resultados de um


determinado número de malhas com diferentes refinamentos, objetiva-se selecionar aquela que retorne
desvios aceitáveis para o estudo em questão ao mesmo tempo que demande menor esforço
computacional.

1.10 RAZÃO DE ASPECTO (ASPECT RATIO)

Dentre os principais critérios para se avaliar a qualidade de uma malha, encontra-se o aspect
ratio. Este parâmetro é uma medida do alongamento das células da malha e está associado à razão
entre suas arestas, conforme Figura 8. Com isso, permite avaliar desproporções no tamanho de
elementos adjacentes (DOS ANJOS, 2016).

Figura 8 – Cálculo do aspect ratio em um elemento de malha cúbico.

Fonte: (FLUENT INC, 2006) (adaptado).


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A Figura 8 mostra o cálculo do aspect ratio para uma célula cúbica unitária. A determinação é
feita através da razão entre o máximo valor e mínimo valor entre qualquer uma das grandezas: distância
normal “B” entre o centroide da célula e o centroide da face e a distância “A” entre o centroide da
célula e um de seus nós (FLUENT INC, 2006).

2. MATERIAIS E MÉTODOS
A geometria do hidrociclone utilizada para as simulações foi construída a partir daquele
empregado no trabalho “Otimização Geométrica e Análise Operacional em Hidrociclones Modulares
Utilizando Fluidos Newtonianos” de Quintino (2019). A geometria foi gerada no software GAMBIT®.
O hidrociclone contém um tubo de alimentação não usual: uma seção cilíndrica que converge em uma
seção retangular na entrada do equipamento. Assim, o duto de alimentação do hidrociclone foi retirado
das simulações em um primeiro momento com o intuito de construir uma malha estruturada em toda
geometria, condição que não seria permitida pela forma irregular do duto. A geometria gerada e suas
dimensões podem ser conferidas através da Figura 9.

Figura 9 – Dimensões da geometria do hidrociclone em milímetros (mm).

Fonte: Acervo próprio.

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Com o intuito de realizar o teste de malhas, a partir da geometria gerada, cinco malhas com
diferentes refinamentos foram criadas. Todas elas foram constituídas na forma estruturada e o número
de células geradas podem ser conferidas, para cada malha, na Tabela 1. Pela Figura 10 é possível
observar uma das malhas confeccionadas para a geometria do hidrociclone.

Tabela 1 – Quantidade de células geradas em cada malha.

Malha Número de células


1 62784
2 128632
3 232016
4 360000
5 481580

Figura 10 – Malha 3 gerada para geometria do hidrociclone.

Fonte: Acervo próprio.

As simulações foram realizas através do software FLUENT ANSYS®. Esta fase constituiu de
duas etapas. A primeira visou encontrar um valor de partida para o problema de hidrociclonagem e,
para tanto, um case foi definido em estado estacionário para cada malha cuja solução foi utilizada, em
seguida, como condição inicial para cada simulação transiente.

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As vazões de underflow e pressão de entrada foram definidas como respostas a serem


determinadas na simulação. Os resultados obtidos na condição transiente foram comparados com os
valores experimentais de 40,82psi de pressão entrada e razão de líquido de 19,80%. O volume do
equipamento é de 47,78cm³, vazão de alimentação de 453,35cm³/s e com tempo de residência (𝜏) de
0,1054s. Estas simulações foram processadas até que o tempo decorrido atingisse 0,53s, valor
equivalente a 5 vezes o tempo de residência do hidrociclone. Os resultados da corrente de underflow e
pressão de entrada estabilizaram em torno de um valor médio em um intervalo de tempo menor que
0,53s. As condições de contorno e modelos utilizados para os casos de estado transiente estão
expressos na Figura 11.

Figura 11 – Configurações dos casos simulados em estado transiente.

:
:

Fonte: Acervo próprio.


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3. DISCUSSÕES E RESULTADOS
Realizando a simulação em estado estacionário para cada malha, foram obtidos os resultados
para a corrente de underflow e pressão de entrada, sendo que estes resultados serviram como valor
inicial para as posteriores simulações em estado transiente. Malhas com maior refinamento
demandaram maior tempo de simulação e consequente esforço computacional.

Em termos do gradiente de pressão do escoamento transiente, nota-se que o perfil é similar entre
a malha mais grosseira e a malha mais refinada, diferindo pouco na intensidade do campo. Tal perfil é
esperado para o escoamento em hidrociclones, que possui regiões de alta pressão na parede, onde a
velocidade é nula, e regiões de baixa pressão na parte central, que é consequência da rotação da porção
de fluido contendo as partículas finas, que assumem menor velocidade tangencial. O campo de pressão
pode ser observado na Figura 12.

Figura 12 – Perfil de pressão na malha 3.

Fonte: Acervo próprio.

Através das Figuras 13, 14, 15, 16 e 17 pode-se observar os resultados simulados para a corrente
de underflow e pressão de entrada nas simulações em regime transiente. Nota-se que para as duas
respostas, independente do refinamento da malha, quando simulados aproximadamente 0,2s, há uma
estabilização dos resultados. Com esta observação, corrobora-se a escolha de simular o processo até o
tempo de residência de 0,53s.

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Para cada malha, através dos seus respectivos valores de pressão de entrada e de vazão mássica
de underflow no intervalo de tempo de simulação entre, aproximadamente, 0,2s e 0,53s, obteve-se o
valor médio para estas quantidades. Estes resultados encontram-se na Tabela 2, sendo que a vazão
mássica de underflow foi utilizada no cálculo da razão de líquido.

Tabela 2 – Resultados para a razão de líquido, pressão de entrada e seus respectivos erros
experimentais.

Número de células RL erro (%) ΔP(psi) erro (%)


62784 0,189 4,76 10,679 73,84
128632 0,176 12,50 9,387 77,00
232016 0,156 26,92 8,910 78,17
360000 0,175 13,14 8,821 78,39
481580 0,179 10,61 8,566 79,02

Figura 13 – Dados de pressão de entrada e vazão de underflow para malha de 62784 elementos.

Fonte: Acervo próprio.

Figura 14 – Dados de pressão de entrada e vazão de underflow para malha de 128632 elementos.

Fonte: Acervo próprio.


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Figura 15 – Dados de pressão de entrada e vazão de underflow para malha de 232016 elementos.

Fonte: Acervo próprio.

Figura 16 – Dados de pressão de entrada e vazão de underflow para malha de 360000 elementos.

Fonte: Acervo próprio.

Figura 17 – Dados de pressão de entrada e vazão de underflow para malha de 481580 elementos.

Fonte: Acervo próprio.

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Com os valores da Tabela 2, pode-se realizar a análise de independência de malhas, registrada


na Figura 18. Nota-se que a razão de líquido para as malhas menos refinadas apresenta menores erros
associados, comparando-se com o valor experimental de 19,80%. Por outro lado, a malha mais refinada
demonstra um desvio experimental maior que a malha mais grosseira. Pela Figura 18 também é
possível observar que não há um comportamento no sentido de convergir para um determinado valor
em função do aumento no refino das malhas. Essas observações vão em desacordo com o esperado
pela literatura, uma vez que as malhas mais refinadas deveriam apresentar menores erros associados,
aproximando-se do valor experimental.

Os aspectos identificados nos resultados podem sugerir uma definição incorreta nos casos
simulados no software FLUENT ANSYS®, em termos de modelos ou condições de contorno. Ainda,
problemas com o refinamento das malhas podem estar associados com a divergência dos valores
encontrados. Para investigar potenciais interferências na qualidade dos resultados obtidos, determinou-
se os valores de aspect ratio para cada uma das malhas, conforme se observa na Tabela 3. Tais valores
demonstram que o aspect ratio não foi mantido para todas as malhas geradas, sugerindo que os
elementos não mantêm uma proporção e similaridade de uma malha para outra. Esta constatação
aponta para uma divergência no teste de malhas, sendo uma possível explicação para os erros
encontrados. Com isto, novas simulações podem ser realizadas a partir de malhas cujos valores para o
aspect ratio sejam próximos, realizando em seguida, um novo teste de independência de malhas.

Figura 18 – Valores para razão de líquido em função do refinamento das malhas.

Teste de Independência de Malhas


0,200

0,180

0,160

0,140

0,120
RL

0,100

0,080

0,060

0,040

0,020

0,000
0 100000 200000 300000 400000 500000 600000
Número de células

Fonte: Acervo próprio.

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Tabela 3 – Valores do aspect ratio para cada malha.

Número de células Máximo Aspect Ratio*101


62784 2,48592
128632 3,28331
232016 4,13645
360000 5,86874
481580 6,15187

4. CONCLUSÕES
Os resultados numéricos para a vazão de underflow apresentaram erros relativamente pequenos
em comparação com o experimental. Em termos de razão de líquido, houve no máximo 26,92% de
erro para malha com 232016 elementos. Entretanto, não foi identificado o efeito esperado com o
refinamento de malhas, como seria o condizente com a literatura, uma vez que a malha mais grosseira
apresentou erro de 4,76% para razão de líquido, enquanto a malha mais refinada, com 481580
elementos, demonstrou um erro de 10,61%. Para a pressão de entrada, a divergência com o valor
experimental foi ampla, assumindo um valor máximo de 79,02%. Além disso, houve um aumento no
erro associado à solução numérica com o aumento do refinamento, também considerado um
comportamento irregular. Na avaliação dos resultados para a razão de líquido, o refino das malhas
não sugeriu uma diminuição nos erros associados. Também, não evidenciou uma tendência de
estabilização destes erros, assumindo um comportamento aleatório. Por fim, a diferença entre os
valores de aspect ratio das malhas geradas indica que a qualidade destas pode ter interferido na
convergência do teste de independência de malhas.

5. REFERÊNCIAS

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modulares utilizando fluidos newtonianos. PPGEQ/UFU, Uberlândia, 130 p, 2019.

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