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TÓPICOS DE MECÃNICA DOS FLUIDOS

CAP. 1: FUNDAMENTOS E EQUAÇÕES DE NAVIER-STOKES

J. A. P. Aranha
Funes, o Memorioso,

tinha aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim.


Suspeito, entretanto, que não era muito capaz de pensar. Pensar é
esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No abarrotado mundo
de Funes não havia senão pormenores, quase imediatos.

J.L.Borges

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ÍNDICE

1. EQUAÇÕES DE NAVIER-STOKES pág.005

1.1: Teorema de Green pág.006


1.2: Divergência de um Campo Vetorial e Teorema da Divergência pág.009
1.3: Rotacional de um Campo Vetorial e Teorema de Stokes pág.012
1.4: Equações de Navier-Stokes e Fórmula do Arrasto pág.018
1.5: Escoamento Irrotacional e Equação de Bernoulli pág.036
1.6: Arrasto de Fricção e Arrasto de Forma pág.063
1.7: Influência da Turbulência na Força de Arrasto pág.076
1.8: Apêndice 1: Força de Arrasto e Vorticidade pág.090
1.9: Apêndice 2: Teorema do Transporte pág.094
1.10: Apêndice 3: “Vortex Stretching” pág.101
1.11: Exercícios pág.117000

2. TEORIA DE ASAS pág.167

2.1: Equações de Lagrange e Momento de Munk pág.168


2.2: Teoria de Fólios pág.184
2.3: Teoria da Linha de Sustentação (A >> 1) pág.194
2.4: Teoria de Jones (A << 1) pág.209
2.5: Razão de Aspecto Arbitrária – Aproximação Uniforme pág.212
2.6: Apêndice 1: Variáveis Complexas pág.221
2.7: Apêndice 2: Aproximação Assintótica para Corpos Esbeltos pág.241
2.8: Exercícios pág.235

3. ONDAS DE GRAVIDADE NA SUPERFÍCIE DO MAR pág.273-423

3.1: Relação de Dispersão e Velocidade de Gupo pág.274


3.2: Pressão de Radiação e Força de Deriva pág.294
3.3: Teoria da Refração - Aproximação da Ótica Geométrica pág.304
3.4: Ondas de Matéria: Equação de Schrödinger pág.319
3.5: Efeito Doppler e Relatividade Restrita pág.367
3.6: Resistência de Onda em Embarcações de Superfície pág.389
3.7: Apêndice 1:Equação da Onda na Corda e Série de Fourier pág.xxx
3.8: Apêndice 2: Transformadas de Fourier pág.397
3.9: Apêndice 3: Compressibilidade e Resistência de Onda pág.411
3.10: Apêndice 4: Resistência de Onda em Mar Raso pág.xxx
3.11: Exercícios pág.423

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1. EQUAÇÕES DE NAVIER-STOKES

O objetivo desse capítulo é apresentar as equações de Navier-Stokes que regem o


escoamento de um fluido incompressível e alguns resultados fundamentais delas
derivados. Em particular, pretende-se mostrar que a força de arrasto, aquela necessária
para arrastar um corpo através de um fluido com velocidade uniforme, é diretamente
proporcional à integral de (rot u)2 no domínio fluido, onde rot u, o rotacional do campo
de velocidades, pode ser identificado pelos redemoinhos que aparecem na esteira do
corpo arrastado: por isso o vetor ω  rot u é denominado de “vorticidade do
escoamento”.
Há duas conseqüências fundamentais dessa relação direta entre força de arrasto e
vorticidade. A primeira, de cunho prático, explica porque os corpos projetados para se
deslocarem através de um fluido são afilados na direção do deslocamento, como se
observa nos projetos dos aviões, submarinos, navios e etc.: esses corpos têm geometrias
que minimizam os redemoinhos (a vorticidade) na esteira deixada pelo corpo. A segunda
conseqüência, de cunho teórico, pode ser assim colocada: como esses corpos geram
“pouca vorticidade” na esteira o rot u é “pequeno” e a hipótese de escoamento
irrotacional (rot u = 0) é adequada, em primeira aproximação, para descrever o
escoamento no entorno de corpos afilados. Como será visto, o escoamento irrotacional
tem um tratamento matemático muito mais simples que as equações de Navier-Stokes e
produz resultados notáveis na Teoria de Asas, objeto do cap. 2 da presente Notas de
Aula: a simplicidade matemática introduzida pela condição de irrotacionalidade traduz a
simplicidade topológica, visual, que a “ausência” de redemoinhos produz, ver Fig.(1.14).
A primeira seção apresenta um resultado matemático – o Teorema de Green –
fundamental nas demonstrações dos Teoremas da Divergência e de Stokes (do
Rotacional). A intenção é apresentá-lo como foi concebido, como uma extensão do
resultado fundamental do cálculo diferencial de funções de uma variável: a integral de
df/dx no intervalo xe  x  xd é igual à diferença f(xd)  f(xe). Depois dessa motivação
original, a demonstração formal do Teorema de Green é apresentada passo a passo, no
texto e nos exercícios: a intenção aí é mostrar como o pensamento matemático vai se
construindo a partir de resultados elementares da análise – como a expansão em série de
Taylor nas vizinhanças de um ponto – e de rudimentos de Geometria Analítica. Além da
importância em si desse estudo, ele é útil também como uma primeira introdução à idéia
básica do Método dos Elementos Finitos, utilizado no estudo numérico das equações de
campo da Física-Matemática e, em particular, das equações de Navier-Stokes.

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1.1: TEOREMA DE GREEN

O seguinte resultado é clássico na análise das funções f(x) contínuas, com


primeiras derivadas contínuas e integráveis no segmento xe  x  xd:

xd
df
 dx dx  f (x
xe
d )  f (x e ) . (1.1a)

O Teorema de Green é a extensão para o plano e espaço desse resultado, mas é


evidente que a extensão natural de um intervalo xe  x  xd no plano e espaço –
respectivamente, um retângulo e um paralelepípedo – é restrita demais para ser útil na
maioria das aplicações. Como discutido mais adiante, o Teorema de Green pode ser
demonstrado para as regiões regulares, assim definidas: uma região V do plano (do
espaço) é dita regular se ela puder ser aproximada, com a precisão que se quiser, por uma
união finita de triângulos (de tetraedros). É evidente que as regiões regulares definem os
domínios que importam nas aplicações práticas e suporemos, a seguir, que V seja uma
região regular no plano (ou espaço) delimitada pela linha (ou superfície) V, com normal
n = nxi + nyj + nzk definida em todos os pontos de V apontando para fora da região V.
Seja agora f(x,y,z) uma função contínua de seus argumentos, com gradiente f =
(f/x)i + (f/y)j + (f/z)k integrável em V: o Teorema de Green afirma que

 f
V
dV  f
V
n dV . (1.1b)

FIG.(1.1): Região V no plano dividida em faixas V(y*).


(nx = y/s em x = xd(y*) e x = xe(y*))

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Para visualizar a relação direta entre (1.1a) e (1.1b) é conveniente considerar,
como na Fig.(1.1), uma região plana V “bem comportada”, que possa ser dividida em
faixas horizontais de espessuras y cada; nesse caso

f f
 x dV  lim  
V
y 0
V( y*) V( y*) x
dV ,

com V(y*) sendo a faixa de espessura y na cota y*.


A integral na faixa V(y*) pode ser escrita como

y*½y
f f f
x ( y*)
d d x ( y*)


V( y*)
x
dV  
x e ( y*)
dx 
y*½y
x
(x, y)dy  y  
x e ( y*)
x
(x, y*)dx   (y 2 ) 

 y   f  x d (y*), y *  f  x e (y*), y *    (y 2 ) 


 f  x d (y*), y *  s d n x,d  y *  f  x e (y*), y *  se n x,e  y *    (y 2 ),

onde utilizou-se primeiro (1.1a) e depois as igualdades geométricas {y = sdnx,d =


senx,e}; somando a igualdade acima para todas faixas V(y*), observando que o
somatório de (y2) é da ordem de yd, com d sendo o dimensão típica de V, e também
a igualdade

f n x dV  lim
y 0

V( y*)
f  x d (y*), y *  s d n x,d  y *  f  x e (y*), y *  se n x,e  y * 
V

pois sd,e é o elemento de arco em V, chega-se a

f
 x dV   f
V V
n x dV ,

que é a expressão (1.1b) na direção do versor i. O mesmo procedimento poderia ser


utilizado na direção j repartindo V em faixas agora verticais, mas é evidente que o
procedimento aqui proposto, embora bastante visual no caso da Fig.(1.1), vai se tornando
cada vez mais confuso à medida que a topologia (a “topografia”) da região V vai se
complicando. Uma outra alternativa deve ser utilizada e é importante que seja aqui
esboçada como um exemplo “construtivo” das demonstrações matemáticas.
A demonstração do teorema de Green pode ser, passo a passo, assim descrita no
caso bi-dimensional:

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i) Verificar, como no exercício (1.1), que a igualdade (1.1b) é exata se o
domínio V for um triângulo e a função f(x,y) for linear em (x,y). Este
resultado pode ser trivialmente estendido, como também discutido no mesmo
exercício, para uma união finita de triângulos justapostos, considerando uma
função fe(x,y) linear em cada triângulo e contínua na interface dos triângulos;
ii) Supondo ainda uma região triangular, mas agora com uma função f(x,y)
“arbitrária”, podemos desenhar a região triangular como a união de
triângulos semelhantes com dimensão característica s e definir fe(x,y), a
interpolada linear de f(x,y) em cada sub-triângulo: pelo item (i) acima, o
Teorema de Green está demonstrado em V para essa função fe(x,y). Como
indicado no exercício (1.2), as integrais de {f; fe} na região triangular V e
de {f n; fe n} em V diferem entre si por um termo da ordem s: no limite s
 0, a identidade (1.1b) fica demonstrada para uma região triangular e para
uma função f(x) “arbitrária”. A extensão desse resultado para uma união finita
de triângulos justapostos é imediata;
iii) É nesse ponto que o enfoque original muda: ao invés de tentar estender (1.1b)
para uma região V “arbitrária”, com as dificuldades topológicas daí advindas,
a idéia é “restringir o escopo”, mantendo, no entanto, um elevado grau de
generalidade. Quando se restringe V à classe de “regiões regulares”, aquelas
que podem ser aproximadas com a precisão que se queira por uma união finita
de triângulos, a extensão de (ii) para essa classe é “imediata”; de outro lado,
nos casos usuais as regiões de interesse V são essas mesmas que podem ser
aproximadas por uma união finita de triângulos (ou tetraedro em três
dimensões).

Finalizando, é útil observar, como elaborado nos exercícios (1.1) e (1.2), que
nessa construção aproximamos uma função f(x,y) suficientemente lisa por sua
“interpolada nodal” fe(x,y) em uma “malha triangular”: a função interpolada fe(x,y) é
contínua na interface entre triângulos e linear no interior de cada um deles. Designando
os vértices dos triângulos por “nós”, a função fe(x,y) está assim univocamente definida
pelo vetor n-dimensional {f(xi)}, com {xi; i = 1,2,,n} sendo as coordenadas dos nós. Na
essência, a aproximação f(x)  fe(x) é a idéia básica do Método dos Elementos Finitos:
os triângulos são os “elementos”, “finitos” porque o limite s  0 (n) nunca é
atingido em um cálculo efetivo. O Método dos Elementos Finitos é tratado no item
(1.5.2) no contexto mais restrito de um escoamento irrotacional, mas é evidente que a
região fluida V “discretizada” deve ser, a priori, regular.

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1.2: DIVERGÊNCIA DE UM CAMPO VETORIAL E TEOREMA DA DIVERGÊNCIA

Os conceitos de divergência e rotacional de um campo vetorial foram


introduzidos na Mecânica dos Fluidos e é nesse contexto que serão estudados aqui. As
seguintes definições serão utilizadas ao longo deste texto:

 coordenada de posição : x  xi  yj  zk ;

 campo de velocidade : u(x, t)  u(x, t)i  v(x, t) j  w(x, t)k ;

 campo de pressão: p(x, t);


  
 operador nabla:   i  j  k .
x y z

FIG.(1.2): Deslocamento e distorção da região V na vizi-


nhança de O  xo causados pelo escoamento do fluido.

Pretende-se estudar a cinemática do fluido nas vizinhanças de um certo ponto O


definido pelo vetor posição xo. Nessa análise local suporemos os eixos coordenados com
origem em O e pretendemos definir o deslocamento das partículas fluidas que ocupam,
no tempo t, a pequena (“infinitesimal”) região V de volume . Da expansão em série
de Taylor do campo de velocidade em torno de xo segue

 s : raio da esfera com centro em O que circunscreve V;


 u x (xo , t) u y (xo , t) u z (x o , t)   x 
    (1.2)
 u(x, t)  u(x o , t)   v x (x o , t) v y (x o , t) v z (xo , t)    y    (s 2 ),
 w x (xo , t) w y (xo , t) w z (x o , t)   z 
 

onde utilizou-se a notação {ux = u/x; uy = u/y; uz = u/z; etc.} e x  x  xo .

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Antes de continuar esse estudo, uma pergunta merece uma resposta adequada: por
que paramos a expansão na série de Taylor nas parcelas de ordem s? Por que não a
interrompemos antes, no termo u(xo,t), ou depois, nos termos que envolvem as segundas
derivadas, de ordem s2? A resposta a essas perguntas está associada diretamente à
intenção dessa análise: a primeira parcela u(xo,t) descreve somente a transalação de
corpo rígido e pretende-se estudar também não só a rotação de corpo rígido, da ordem
s do raio vetor x, como a deformação da região V causada pelo campo não-uniforme
de velocidades. Por que não vamos então até a ordem s2? Porque em algum ponto tem
que se parar e a aproximação até ordem s fornece não só a parte principal da
deformação como também restringe a análise à parcela que é linear em x : sistemas
lineares são muito mais simples de serem tratados e interpretados fisicamente. De mais a
mais, quando se ignora os termos s2 é possível, por um processo limite como utilizado
na seção 1, estender os resultados das regiões infinitesimais para as finitas, como será
visto logo adiante.
No intervalo t a região V transforma-se na região V(t + t) e a partícula
definida pela posição x  V desloca-se para a posição x (t + t)  V(t + t) com

x (t  t)  x  u( x, t)  t   (t 2 ) , (1.3a)

e utilizando (1.2) a seguinte transformação linear relaciona x (t + t) e x ,

x (t  t)  T (xo , t)  x, (1.3b)

a matriz T(xo,t) sendo definida pela expressão

1  u x (xo , t)  t u y (xo , t)  t u z (x o , t)  t 
 
T (xo , t)   v x (xo , t)  t 1  v y (xo , t)  t v z (xo , t)  t  . (1.3b)
 w y (xo , t)  t 1  w z (xo , t)  t 
 w x (xo , t)  t

É um exercício simples de Geometria Analítica (ver exercício (1.3)) mostrar que


uma transformação linear T transforma uma região regular de volume  em uma região
regular de volume T = |det T|; portanto

(t  t)  1  div u(xo , t)  t   (t 2 ; s 2  t)    ,

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onde a parcela s2t vem do erro da expansão (1.2) e

u v w
div u    u    . (1.4a)
x y z

Somando agora por todos elementos V  (s3) nos quais a região finita V foi
subdividida obtém-se, no limite s  0,

(t  t)   1  div u(x, t)  t   (t 2 )  dV ,


V

e observando que  = (t), o seguinte resultado é obtido no limite t  0:

 (t)  div u(x, t)dV ,


 
V
(1.4b)

mostrando a relação entre div u(x,t) e a taxa de variação de volume.

FIG.(1.3): Divergência das linhas de fluxo na presença de região com div uf > 0.

A Fig.(1.3) indica a razão do nome divergência para o operador u. Ela mostra,
de forma esquemática, a interação entre um campo paralelo Ui e uma “fonte”, que
continuamente injeta fluido no meio fluido e possui, portanto, divergência positiva: na
presença da fonte as linhas de fluxo do escoamento paralelo “divergem”, como indicado
no esquema da figura acima.
Observando também que div F = Fx/x + Fy/y + Fz/z, do teorema de Green,
sintetizado em (1.1b), segue trivialmente que

 div F dV   F  n dV ,
V V
(1.4c)

um resultado conhecido pelo nome de Teorema da Divergência.

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1.3: ROTACIONAL DE UM CAMPO VETORIAL E TEOREMA DE STOKES

Além da divergência de u, diretamente relacionada à conservação de massa no


escoamento fluido, um segundo operador vetorial é de importância fundamental, o
rotacional de u: como discutido na introdução deste capítulo, a força de arrasto depende
diretamente do rotacional do campo de velocidades.
Com o intuito de colocar esse operador em uma perspectiva mais compreensível,
é importante que alguns resultados da cinemática dos corpos rígidos sejam aqui
recordados. Suponhamos assim que um corpo rígido esteja rodando em torno de um
ponto fixo O em seu interior que coincide com a origem de dois sistemas coordenados
cartesianos: um fixo no espaço, outro fixo no corpo. Dado um vetor v arbitrário, seja ve
as coordenadas de v em relação ao sistema espacial e vc as coordenadas desse mesmo
vetor em relação ao sistema fixo no corpo; a relação entre ve e vc é definida por uma
matriz de transformação Tcr(t),

v e  Tcr (t)  v c , (1.5a)

que varia com o tempo, pois o corpo está rodando. Sejam agora {x;y} vetores posição de
dois pontos no corpo, representados pelas coordenadas {xe(t);ye(t)} em relação ao sistema
espacial e pelas coordenadas {xc;yc}, constantes no tempo, em relação ao sistema fixo no
corpo. Da invariância do produto escalar xy segue

 xe (t)  Tcr (t)  xc ;   xet (t)  y e (t)  xct  y c ;



 y e (t)  Tcr (t)  y c ;  xet (t)  y e (t)  xct  Tcrt (t)  Tcr (t)  y c ,

e portanto xct  Tcrt (t)  Tcr (t)  y c  xct  y c . Essa igualdade para todo par {xc;yc} implica em

Tcrt (t)  Tcr (t)  I , (1.5b)

onde I é a matriz identidade. Matrizes que satisfazem (1.5b) são ditas ortogonais e com o
auxílio dessa relação a velocidade de pontos no corpo rígido pode ser expressa na forma

 ue (t)  x e (t)  T cr (t)  xc ; 


 ue (t)  Tcr (t)  uc (t), ver (1.5a);

  uc (t)  Tcr (t)  T cr (t)  xc
t

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ou

 
 ω(t)  Tcrt (t)  T cr (t) ;
(1.5c)
 uc (t)  ω(t)  xc .

A matriz ω(t) representa o operador cinemático de rotação do corpo rígido em


relação a um ponto O fixo no espaço e ela possui uma propriedade notável: ela é uma
matriz (operador) anti-simétrica pois, derivando em relação ao tempo a identidade (1.5b),
obtém-se ω t (t)  ω(t)  0 . A matriz (operador) de rotação ω(t) pode assim ser expressa
na forma

 0 z (t) y (t) 


 
ω(t)   z (t) 0 x (t)  , (1.6a)
 y (t) x (t) 0 

e portanto

 u c (t)  z (t)  yc  y (t)  z c ;


 v c (t)  x (t)  z c  z (t)  x c ; (1.6b)
 w c (t)  y (t)  x c  x (t)  yc .

A matriz (operador) de rotação ω(t) possui só três elementos não-nulos e é usual


identificá-lo ao pseudo-vetor1 ω(t)  x (t)i  y (t) j  z (t)k designado pelo nome
“vetor de rotação”; também, a relação entre uc e xc pode ser definida introduzindo o
produto vetorial

i j k
u c  ω  x c  x y z , (1.7a)
xc yc zc

1
É por serem pseudo-vetores que quando se trabalha com o vetor rotação, com o produto vetorial e com o
rotacional se exige que os eixos coordenados satisfaçam a regra da mão direita (ou do saca-rolha): como
mostra o exercício (1.4), quando a “regra da mão direita” não é satisfeita pelos sistemas coordenados
considerados o (pseudo) vetor de rotação não se transforma como um vetor próprio.

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a expressão à direita sendo a regra mnemônica usual na definição do produto vetorial. A
expressão (1.6b) permite expressar o “vetor rotação” ω(t) em termos das derivadas do
campo de velocidades u(t); de fato

 w v  
 x (t)  ½    ;
 y z   i j k
 u w     
 y (t)  ½    ;  ω(t)  ½ rot u  ½ , (1.7b)
 z x   x y z
 v u   u v w
 z (t)  ½    ; 
 x y  

uma expressão que introduz o operador rotacional com sua regra mnemônica usual.
Voltando à expressão (1.2), a matriz G(xo,t) dos gradientes do campo de
velocidades pode ser decomposta na soma de uma matriz anti-simétrica com uma matriz
simétrica,

 u x (xo , t) u y (xo , t) u z (xo , t) 


 
G  xo , t    v x (xo , t) v y (xo , t) v z (xo , t)   ½  G  Gt   ½  G  Gt  , (1.7c)
 w x (xo , t) w y (xo , t) w z (xo , t) 
 

a parcela anti-simétrica sendo justamente igual a ω(xo , t) = ½ rot u(xo,t), ver (1.6a) e
(1.7b); portanto a expansão do campo de velocidades no entorno de um certo ponto xo
pode ser escrita, quando se desprezam termos da ordem || x  xo||2, na forma

 ω(xo , t)  ½ rot u ; 
( xo ,t ) 
  u(x, t)  u(x o , t)  ω(x o , t)  x  d(x o , t)  x , (1.7d)
 d(x o , t)  ½  G  x o , t   G  x o , t   ;
t

onde, utilizando a definição x  x  xo , três parcelas são aí identificadas: a primeira,


u(xo , t) , corresponde a uma translação de corpo rígido; a segunda, ω(xo , t)  (x  xo ) ,
define uma rotação de corpo rígido em torno de xo; a terceira, d(xo , t)  (x  xo ) ,
representa a deformação da região fluida no entorno de xo. A parcela de deformação será
utilizada na próxima seção, na discussão das tensões viscosas, e a parcela de rotação de
corpo rígido indica, explicitamente, que ½ rot u é a velocidade angular da partícula
fluida e, portanto, mede a intensidade dos redemoinhos observados no escoamento.

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Seja agora o seguinte problema: determinar o campo de velocidades no plano
(x,y) induzido por uma vorticidade ω = ok uniformemente distribuída no disco circular
de raio ro, como esquematicamente indicado na Fig.(1.4); observe-se que ω representa
aqui a vorticidade, o dobro da velocidade angular.

FIG.(1.4): Vorticidade ω = ok = cte. no disco de raio ro


e campo de velocidades u(r) = u(r)e resultante (r > ro).

Por simetria, o campo de velocidades deve depender somente da coordenada


radial r, posto que todas posições angulares  são equivalentes entre si; ou seja, u = u(r).
A componente radial de u, definida pela expressão ur = uer, tem que ser nula por
conservação de massa e portanto

u(x)   u  (r) sin i  u  (r) cos j, (1.8a)

de onde segue (ω  z k )

 
z  rot u  k  u (r) 
u  (r)
r
. (1.8b)

Observando que z = o para r  ro e z = 0 quando r > ro, a única solução de


(1.8b) contínua e limitada é dada por (So = ro2)

 oSo r
 2 ro2
e ; r  ro ,
u(x)  u  (r)e   (1.8c)
 oSo 1
e ; r  ro .
 2 r

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Uma característica óbvia do campo de velocidades (1.8c) é que ele “circula” o
círculo C, ver Fig.(1.4), mantendo-se sempre tangente e na direção de e; a circulação 
do campo u(r,) ao longo da curva C é definida pela integral

   u  ds; ds  tds , (1.9a)


C

com t sendo o vetor tangente a C; no caso em questão t = e e portanto  = oSo para


todo círculo C de raio maior que ro; é trivial verificar também que

   rot u  dS ; dS  dS k , (1.9b)
S

onde S é a superfície interna a C no plano (x,y) e o elemento de área orientado dS é o


elemento de área dS na direção da normal ao plano de S. O Teorema de Stokes afirma a
identidade entre (1.9a) e (1.9b) no caso geral, ou seja: dada uma curva fechada C e sendo
S uma superfície que se apóia em C então vale sempre a igualdade

   u  ds   rot u  dS . (1.10)
C S

FIG.(1.5): a) Curva C plana e superfície So no plano (x,y) (dSo = dSok);


b) Curva C plana e superfície arbitrária S que se apóia em C (dS = dSn);
c) Extensão para curvas C não-planas: C = C1  C2 .

A demonstração de (1.10) pode ser conduzida em três estágios: no primeiro deles


(ver Fig. (1.5a)), suporemos que a curva C seja plana e demonstraremos, com o auxílio da
Fórmula de Green, a identidade (1.10) para a superfície plana So que define o interior da
curva fechada C; no segundo estágio (ver Fig. (1.5b)), utilizaremos a identidade div (rot
u)  0 para estender essa demonstração para qualquer superfície S que se apoiar em C; no

16
último estágio (ver Fig.(1.5c)) veremos como o mesmo resultado pode ser estendido para
curvas C não planas.
Considerando o caso da Fig.(1.5a), seja tc = (tx,c;ty,c) o vetor tangente a C; a
normal nc = (nx,c;ny,c) à curva C apontando para fora de So é ortogonal a tc e portanto {tx,c
=  ny,c; ty,c = nx,c}; assim

   u  ds   (u  t )ds   ( v(x)n x ,c  u (x)n y ,c )dSo ,


C C So

onde So = C é o contorno de So; de (1.1b) segue (dSo = dSok)

 v u 
      dSo   rot u  dS o ,
So 
x y  So

o que demonstra (1.10) para o caso particular da Fig.(1.5a).


Para estender esse resultado para a superfície S da Fig.(1.5b), seja V a região
limitada por V = SSo; como div(rot u)  0, do Teorema da Divergência segue que

0   div(rot u)dV   (rot u  n)dV   (rot u  n)dS   (rot u  n)dSo ,


V V SSo S So

onde n é a normal apontando para fora do volume V; portanto

 rot u  dS   (rot u  n)dS    (rot u  (k ))dS   rot u  dS


S S So
o
So
o ,

o que demonstra (1.10) para o caso da Fig.(1.5b).


A extensão de (1.10) para curvas não-planas pode tomar, como ponto de partida,
que C seja uma curva não-plana mas constituída de dois segmentos planos C1 e C2, como
indicado na Fig.(1.5c). Seja V um volume que se apóia em C e considere a superfície S,
intersecção entre um plano que passa pela linha de intersecção entre os planos que
contêm C1 e C2 e o volume V. Essa superfície S divide o volume V em dois volumes V1 e
V2 que se apóiam em curvas planas, constituídas pelas curvas C1 e C2 e pelo “segmento
de intersecção” entre elas: para cada volume V1 e V2 vale, como visto, o resultado (1.10).
Observando que a integral de rot u em S anula-se, posto que dS(1) =  dS(2), e o mesmo
ocorre para as circulações 1 e 2 ao longo do “segmento de intersecção” de C1 e C2, o

17
resultado (1.10) pode ser estendido para a superfície S e curva C indicada na Fig.(1.5c).
Finalmente, uma curva não-plana “arbitrária” pode ser aproximada por uma união de
segmentos planos, o que permite estender o resultado (1.10) para essa classe mais geral
de curvas.

1.4: EQUAÇÕES DE NAVIER-STOKES E FÓRMULA DO ARRASTO

Esta seção apresenta a derivação das equações de Navier-Stokes que regem o


escoamento de fluidos incompressíveis; para tornar mais didática a exposição ela foi
dividida em cinco itens, abordando diferentes aspectos da derivação e também uma
análise qualitativa preliminar dessas equações.

1.4.1: Conservação de Massa e Incompressibilidade

Seja um escoamento definido pela perturbação que um corpo com dimensão


característica l causa em um fluxo uniforme incidente Ui, como indicado na Fig. (1.6).

FIG.(1.6): (a) Fluxo incidente Ui perturbado por corpo com comprimento


característico l; (b) Compressão (ou dilatação) do fluido devida à pressão p.

Longe do corpo o fluido está em “equilíbrio termodinâmico” caracterizado por


uma pressão p e uma densidade ; a presença do corpo modifica a pressão por um fator
p(x,t) e, por decorrência, a própria densidade por um fator (x,t). A variação da
pressão é proporcional a U2 ou p(x,t) = U2pad(x,t), com pad(x,t) sendo da ordem 1;
por exemplo, da equação de Bernoulli p(x,t) =  ½ u2(x,t) + ½ U2, ver exercício
(1.7), tem-se2 pad(x,t) = ½ (1  u2(x,t)/U2) e obviamente u(x,t)  (U).

2
Como u(x,t)  Ui no limite x  , p tende a zero nesse limite e a pressão tende ao valor do equilíbrio
termodinâmico p.

18
Um acréscimo de pressão p em um região V do fluido provoca uma diminuição
de volume  e, por conservação de massa3, um aumento  na densidade do fluido:
para pequenas perturbações4 na densidade a relação entre p e  pode ser aproximada
por uma função linear, especificamente p = cs2, com cs sendo a velocidade do som
no meio, ver exercício (1.9). Como p  (U2) obtém-se


  M2  com M  : número de Mach .
U
(1.11a)
 cs

Na água, por exemplo, cs  1500m/s e M2 <<< 1: na maior parte das aplicações a


água pode ser considerada incompressível e portanto  = cte.; em muitos casos, mesmo o
ar pode ser considerado incompressível, pois cs = 340m/s nas condições usuais de pressão
e temperatura, mas há situações práticas importantes onde a influência da
compressibilidade é relevante em fluidos de “baixa densidade” como ar, por uma razão
simples de ser entendida: de um lado, a velocidade do som, proporcional à densidade do
fluido, é relativamente menor aí; de outro lado, as velocidades U tendem a ser
relativamente maiores quando o fluido é de “baixa densidade”.
A relação linear p = cs2 vai perdendo a acuidade à medida que M  1 e deve
ser substituída pela relação não-linear p = cs2() nos regimes transônico (M  1)
ou hipersônico (M >> 1), mas há um aspecto que não pode ser ignorado agora: a relação
não-linear cs2() depende fortemente da temperatura do fluido e um argumento simples
indica que as variações de temperatura são apreciáveis nesses dois regimes. De fato, o
som é propagado pelo choque entre moléculas, por sua “agitação térmica”, e o rms da
velocidade molecular, aqui designada por c, é por isso muito próximo da velocidade do
som (no ar c  390m/s  cs); a energia térmica por unidade de volume é assim da ordem
½ cs2 ao passo que a do escoamento (macroscópico) é da ordem de ½ U2: a influência
do escoamento na temperatura do fluido é proporcional ao quociente ½ U2/½ cs2 = M2
e ela, embora possa ser desconsiderada quando M << 1, é fundamental nos regimes
transônico (M  1) ou hipersônico (M >> 1).
Finalmente, de (1.4b) segue que a condição de incompressibilidade implica em

div u  0 , (1.11b)

pois, nesse caso, a taxa de variação de volume é nula.

3
Da identidade ( + )(  ) =  segue, em primeira ordem,  = .
4
Como discutido no exercício (1.6), perturbação pequena significa número de Mach pequeno.

19
1.4.2: Aceleração Convectiva

A equação dinâmica que descreve o movimento fluido exige que o campo de


aceleração a(x,t) seja expresso em função do campo de velocidade u(x,t), mas há aí uma
peculiaridade que necessita ser observada: o campo de velocidade é uma propriedade dos
pontos do espaço e não de “pontos materiais”, ele define a velocidade de uma partícula
fluida P que no tempo t está na posição x, mas no tempo t + t a mesma partícula P não
estará mais em x e sim em x + x = x + u(x,t)t + (t2). O campo de aceleração a(x,t),
descrevendo a aceleração da partícula P que está em x no instante t, é assim definido pela
expressão

u P (t  t)  u p (t) u  x  u(x, t)  t   (t 2 ); t  t   u  x, t 


a(x, t)  lim  lim .
t 0 t t 0 t

Utilizando agora a expansão em série de Taylor em torno de (x,t),

 u
 
u x  u(x, t)  t   (t 2 ); t  t  u(x, t)  t   (x, t) 
 t
 u u u 
  u(x, t)  v(x, t)  w(x, t)     (t 2 ),
 x y z 

e a notação

  
 i  j k ;
x y z
(1.12a)
u u u
  u   u  u(x, t)  v(x, t)  w(x, t) ,
x y z

a seguinte relação cinemática é obtida (ver exercício (1.10))

u
a(x, t)    u   u .  u  u(x, t)  (1.12b)
t

A primeira parcela em (1.12b), u/t, é a aceleração local, relacionada à variação


no tempo do campo de velocidade; a segunda parcela, (u)u, é a aceleração convectiva,
quadrática no campo de velocidade.

20
FIG.(1.7): Partícula fluida no percurso AC encontrando um gradiente positivo do
campo médio u(x) no percurso AB e negativo no percurso BC.

Em um escoamento estacionário, onde o campo de velocidade não varia com o


tempo (u/t = 0), a partícula fluida é acelerada ou desacelerada quando passa por
regiões do espaço onde o campo de velocidade tem gradiente não nulo. No exemplo da
Fig.(1.7) o campo médio de velocidade u(x) na seção transversal do duto cresce, por
conservação de massa, na região AB e decresce na região BC, a aceleração da partícula
fluida tendo o sinal de du/dx; mais especificamente, se a partícula passar por x1 no tempo
t1 e por x2 no tempo t2, tem-se
t2 x2 x2
dt a (x)
u(x 2 )  u(x1 )   a x (x)dt   a x (x) dx   x dx ,
t1 x1
dx x1
u(x)

e utilizando o teorema do valor médio das integrais obtém-se (x2 = x1 + x)

a x (x1  x) u(x1  x)  u(x1 ) a x (x1  x)


u(x1  x)  u(x1 ) 
u(x1  x)
x 
x

u(x1  x)
;  0    1 ,

fornecendo, no limite x  0, a x (x1 )  u(x1 )   du / dx  x , de acordo com (1.12b).


1

É a aceleração convectiva, quadrática no campo de velocidade, que introduz a


não-linearidade nas equações de Navier-Stokes, sendo assim a origem do caráter caótico,
turbulento, da maioria dos escoamentos observados na natureza.

1.4.3: Tensões Viscosas em Meio Fluido Isotrópico

Dois corpos em contacto, deslocando-se um em relação ao outro, estão sujeitos a


forças de atrito em suas interfaces com o sentido de desacelerar o corpo mais veloz e
acelerar o mais vagaroso. De forma análoga, no interior de um fluido onde o campo de
velocidade é não uniforme – mais especificamente, onde o tensor velocidade de
deformação5 d(x,t) introduzido na expressão (1.7) é não nulo – surgem tensões viscosas

5
Essa é a nomenclatura tecnicamente correta embora, por razão de simplicidade, o nome “tensor de
deformação” seja vez ou outra utilizado no texto.

21
com a tendência de uniformizar o campo de velocidade. Essas tensões viscosas podem ser
estimadas, ao menos no caso dos gases diluídos, a partir da constituição molecular do
fluido (teoria cinética dos gases), um enfoque que serve de modelo no estudo da
turbulência e que por isso será elaborado na seção (1.7); de outro lado, elas podem ser
também postuladas, como usual na Mecânica dos Meios Contínuos, a partir de modelos
fenomenológicos que estipulam relações funcionais entre os tensores das tensões e das
deformações. É esse enfoque que será aqui adotado, a análise sendo feita, por facilidade,
para o caso de escoamento bi-dimensional e estendida, por similaridade, para o
escoamento tri-dimensional.

FIG.(1.8):(a) Ação e Reação: σ (n) =  σ (n); (b) Tensor de tensões no ponto O;


(c) Vetor de tensão σ (n) em O no plano com normal n (s = (x2 + y2)1/2).

Ao se analisar a dinâmica de uma parte isolada do continuum é necessário que se


contabilize a influência do restante do meio sobre a parte isolada, sintetizada em uma
força de contacto por unidade de área da superfície de interface, isto é, por um vetor de
tensão σ . Em um fluido6 em equilíbrio hidrostático, por exemplo, σ  pn , onde p(x) é o
campo de pressão e n a normal à superfície de interface apontando para fora da região
delimitada: o vetor de tensão σ é também função da normal n – ou seja, σ  σ (n)  e,
pelo “princípio da ação e reação”, a força aplicada pela parte delimitada no restante do
domínio fluido é igual e de sinal contrário ou σ (n)  σ(n) , com  n sendo a normal
apontando para fora do restante do domínio fluido, ver Fig.(1.8a): para o “restante do
meio fluido” a parte isolada é o “restante do meio fluido”.
O estado de tensão em um ponto O do domínio fluido – isto é, o valor do vetor de
tensão σ(n) em um plano genérico que passa por O com normal n  está, como será visto
mais adiante, inteiramente definido pelo vetor de tensão em dois planos ortogonais (ou
em três planos em 3D), e algumas relações importantes entre as componentes desses
vetores de tensão podem ser obtidas, como indicado na Fig.(1.8b), considerando o

6
Um fluido é identificado como um meio contínuo que não suporta tensões de cisalhamento no equilíbrio
e que, por isto, se ajusta à forma do vasilhame que o encerra. Cisalhar é cortar, do latim cisor =
instrumento de corte: um fluido não necessita ser “cortado” para se ajustar à forma do vasilhame.

22
equilíbrio dinâmico de um pequeno quadrado de lado s – ou um pequeno cubo de aresta
s em três dimensões – centrado em O. O vetor de tensão viscosa7 na face superior, onde
a normal n coincide com o versor j, é designado por σ (x,½s;j), com |x|  ½s, e na
face inferior, onde n =  j, por σ (x,½s;j); de forma análoga, nas faces laterais tem-
se σ (½s,y;i), com |y|  ½s. Se a(x,t) for o campo de aceleração, o equilíbrio
dinâmico desse pequeno elemento é descrito pela equação

½s ½s ½s


  
½s ½s
a dS  
½s
[σ  (x,½s;j)  σ  (x, ½s;  j)]dx 

½s
 
½s
[σ  (½s,y;i )  σ  (½s,y;  i)]dy,

ou, desprezando termos secundários em s,

a  (s) 2    (s)3   [σ  (0;j)  σ  (0;  j)]  s  [σ  (0;i )  σ  (0;  i )]  s    (s) 2  .

Dividindo a expressão acima por s e levando ao limite s  0 obtém-se uma


identidade que reafirma o “princípio da ação e reação” σ (n) =  σ (n), conforme
indicado na Fig.(1.8a). A Fig.(1.8b) mostra, em um estado bi-dimensional de tensão, as
componentes do vetor de tensão nas faces ortogonais aos versores i e j no elemento
infinitesimal no entorno do ponto O: reconhecemos aí duas tensões de cisalhamento, xy e
yx, e duas tensões normais, xx e yy, e no esquema da figura o equilíbrio de forças acima
descrito já está satisfeito. O equilíbrio dinâmico de momento em relação ao ponto O
exige, porém, que a seguinte equação seja obedecida,

s 4 s 2
I zz  
 z  xy x  y   yx y  x com I zz      z    xy   yx  ,

6 6

que no limite s  0 fornece a relação xy = yx; em três dimensões tem-se, portanto8,

 xy   yx ; zx   xz ;  yz   yz , (1.13a)

7
Restringimos aqui a atenção à parcela viscosa do vetor de tensão; o vetor de tensão total é dado pela soma
dessa parcela com o vetor de pressão  pn.
8
Na presença de um momento distribuído m(x,t) por unidade de volume o equilíbrio de momento fornece
(yz  zy)i + (zx  xz)j + (xy  yx)k + m = 0, quebrando a simetria do tensor das tensões. Essa situação
ocorre quando o fluido é ionizado originando um momento magnético no corpo do meio fluido e é estudado
na Magnetohidrodinâmica e na Física de Plasmas, ver Jackson (1975), “Classical Eletrodynamics”, John
Wiley & Sons.

23
a mostrar que as tensões de cisalhamento em planos ortogonais que passam por um ponto
O são iguais. Finalmente, do equilíbrio dinâmico de forças do elemento triangular da
Fig.(1.8c) no limite s  0 conclui-se que

 y x   y x 
σ  (n)    xx   xy   i    xy    yy   j,
 s s   s s 

ou, em uma notação matricial (ver exercício (1.5) para a definição de tensores),

 ,x (n)    xx  xy zx 


   
σ  (n)   ,y (n)   Σ  n com Σ    xy  yy  yz  , (1.13b)
   zx  yz zz 
 ,z (n)  

onde Σ  é o tensor de tensões viscosas no ponto O do meio fluido: as seis funções


{xx(x,t); yy(x,t); zz(x,t); xy(x,t); yz(x,t); zx(x,t)} definem o tensor de tensões viscosas
Σ  (x,t) no ponto x no instante t que, como indica (1.13b), determina o vetor de tensão
nesse ponto em um plano com normal n qualquer.
Observando que as tensões internas em um meio contínuo dependem do
movimento relativo entre partes do meio, caracterizado pelo tensor de deformação d(x,t),
a relação funcional Σ  (x,t) = [d(x,t)], denominada “relação constitutiva do meio”,
define as propriedades mecânicas do meio contínuo: o objetivo, a seguir, é obter uma
expressão de [] que descreva adequadamente o comportamento dos fluidos usuais,
como ar e água.

FIG.(1.9a): “Shear Layer”: Camada ci-


salhante em um fluido e tensão viscosa.

Consideremos primeiro um escoamento simples, u1(x) = u(y)i, como indicado na


Fig.(1.9a), definindo uma “camada cisalhante” no interior do fluido. A tensão viscosa de
cisalhamento xy é a entidade macroscópica que explicita o fenômeno microscópico de
“homogeneização do campo de velocidade”, na busca espontânea dos sistemas por uma
situação de máxima entropia: a missão de xy é desacelerar as partículas mais velozes e
acelerar as mais vagarosas, conforme indicado na Fig.(1.9a), e deve ser tanto maior

24
quanto maior for o gradiente de velocidade u/y; portanto, xy = [u/y], com []
sendo uma função crescente de seu argumento. Em primeira aproximação podemos supor
que essa relação funcional seja linear, ou (xy)1 = (u/y): fluidos que obedecem essa
relação linear são ditos “newtonianos” e o coeficiente  é denominado “coeficiente de
viscosidade” do fluido. O ar e a água comportam-se como fluidos newtonianos e
indicaremos, mais adiante, como o coeficiente de viscosidade pode ser determinado
experimentalmente. Consideremos agora um segundo escoamento, u2(x) = v(x)j: se o
fluido for isotrópico, isso é, se suas propriedades não dependerem da direção
considerada, deve-se ter (yx)2 = (v/x) e como (yx)2 = (xy)2, ver (1.13a), então (xy)2 =
(v/x); observando que as tensões de cisalhamento são lineares no campo de
velocidade, da superposição dos campos u1(x) e u2(x) obtém-se

 u v 
 xy       2   xy . (1.13c)
 y x 

Recordando a definição do tensor de deformação d(x,t),

  xx  xy  zx  
 xx  ux ;  xy  ½ xv  uy ; 
 
d(x, t)    xy  yy  yz  com  yy  vy ;  zx  ½  uz  wx  ; (1.13d)
  zx  zz 
  yz

 zz  wz ;  yz  ½ wy  vz , 

pretende-se definir a seguir a forma geral da relação constitutiva de um fluido


newtoniano e isotrópico.
Restringindo momentaneamente o estudo ao caso bidimensional e designando por
{τ  ( xx ;  xy ;  yy ); γ  ( xx ;  xy ;  yy )} as componentes dos tensores de tensão e velocidade
de deformação, a linearidade entre τ e γ exigida por um fluido newtoniano pode ser
escrita na forma matricial

 τ    xx ;  xy ;  yy  ;  a b c
 
  τ  W  γ com W   d e f  , (1.13e)
 γ    xx ;  xy ;  yy  ; 
 g h i 

e o problema resume-se, a seguir, em determinar relações entre os coeficientes {a, b, c, d,


e, f, g, h, i} da matriz W para que a condição de isotropia seja satisfeita.

25
FIG.(1.9b): Sistemas cartesianos: orientações “positiva” e “negativa”.

Definido um sistema cartesiano (x,y) onde a relação τ  W  γ é estipulada, seja


um segundo sistema cartesiano (x, y) , positivo ou negativo, como indicado na Fig.(1.9b),
e sejam {τ; γ } as componentes dos tensores de tensão e velocidade de deformação nesse
novo sistema. A relação linear é obviamente preservada nessa mudança de sistemas
coordenados e assim τ  W  γ , a notação W  W (  ) ( ) deixando mais explícita a
dependência de W em relação ao ângulo  da figura e à orientação () dos sistemas
coordenados: o meio fluido é dito isotrópico quando suas propriedades não variam com
as direções do espaço e isso obriga que W (  ) ( )  W a exigir, como um primeiro passo,
que a dependência de W (  ) () em relação a  seja determinada para as duas orientações.

Dado um vetor v sejam (v x ; v y ) suas coordenadas no sistema (x,y) e (v x ; v y ) as

coordenadas no sistema (x, y) : da identidade v  v x i  v y j  v x i  v y j , que estipula a

invariância de v – isso é, o vetor é o mesmo, independente do sistema coordenado
utilizado,  segue que v  T(±) ()  v onde {v  (v x , v y ); v  (v x , v y )} e

  T (+) () 1   T (+) ()  t  T (+) ();


  cos   sin   
T(±) ( )    com  (1.14a)
  sin  cos     T (-) ()    T (-) ()   T (-) ().
1 t

Por definição, o tensor das tensões Σ (x, t) aplicado ao vetor n determina o vetor
de tensões em (x,t) no plano cuja normal é n; o tensor de deformação d(x, t) aplicado ao
vetor posição x determina a parcela (local) do vetor de velocidade relacionada à
deformação da região fluida; formalmente

 σ n ( x, t)  Σ ( x, t)  n  σ n ( x, t)  [T(±) ( )  Σ ( x, t)  T(±) (  )]  n;


 ud (x, t)  d( x, t)  x  d(x,t)  [T(±) ( )  d( x, t)  T(±) (  )]  x ,
 
a lei de transformação tensorial definida pela invariância dos vetores {σ n ( x, t); ud ( x, t)}
representados por suas componentes {σ n ( x, t); ud ( x, t)} nos eixos (x,y); portanto

 Σ(±) ( x, t)  T(±) ( )  Σ ( x, t)  T(±) (  );


(1.14b)
 d(±) ( x, t)  T(±) ( )  d( x, t)  T(±) (  ).

26
Agrupando as componentes tensoriais nas “formas vetoriais” {τ  (  xx ; xy ;  yy );
γ  ( xx ;  xy ;  yy )} , as relações de transformação (1.14b) podem ser reescritas como

 τ ( x, t)  S(±) ( )  τ( x, t);
 γ ( x, t)  S(±) ( )  γ (x, t),

as matrizes S(±) ( ) , obtidas diretamente a partir de (1.14b), dadas por

 cos 2   sin 2 sin 2     S(+) ( ) 1  S(+) ( );


  
S(±) ()  ½ sin 2  cos 2 ½ sin 2 com  (1.14c)
  S(-) ( )   S(-) ( ).
1
 sin 2   sin 2 cos 2
 
 

Da relação constitutiva τ  W  γ segue que a condição de isotropia implica em

W  S(±) ( )  W  S(±) (  ) (1.15a)

para todo  e para as duas orientações (); uma condição necessária é que (1.15a) seja
satisfeita para a orientação (+) e { = /2;  = /4}, reduzindo W à forma

 a 2d c  0 0 1  0 2 0 
W  d a  c d   a  I  c   0 1 0   d  1 0 1 ,
 c 2d a  1 0 0  0 2 0 
  

J A

e observando as identidades

 S(±) ()  I  S(±) (  )  I;


 S(±) ()  J  S(±) (  )  J;
 S(±) ()  A  S(±) (  )   A,

a condição de isotropia implica em d = 0 e portanto

a 0 c
W  0 a  c 0 .
 (1.15b)
 
 c 0 a 

O resultado bidimensional (1.15b) pode ser trivialmente estendido para três


dimensões; podemos considerar, por exemplo, que (1.15b) corresponde à subclasse de

27
transformações tridimensionais onde z  z e, em sequência, considerar as
transformações {(y, z)  (y, z) com x  x} e {(z, x)  (z, x) com y  y} : em cada uma
delas, observaremos uma parte bidimensional dada por (1.15b). As equações constitutivas
em um fluido newtoniano isotrópico são assim definidas pelas expressões

 xx  a c c   xx   xy  1 0 0    xy 
           
 yy    c a c    yy  ;  yz    a  c  0 1 0     yz  . (1.15c)
  c c a      0 0 1    zx 
zz     zz  zx 

De (1.13c) segue, de imediato, que (a  c) = 2 e as tensões normais têm uma


expressão geral dada por   (a  c)     c  div u  2     c  div u , pois xx+  yy +
 zz = div u. Em particular, se    xx   yy  zz então   (2  3c)  div u : a potência
dissipada na contração ou expansão volumétrica é dada por   ½  div u  ½(2  3c)
( div u) 2 e como   0 então, necessariamente, c   2/3. Em geral, a expansão e
compressão de um volume fluido é essencialmente “elástica”, ver Schlichting (1968), e a
dissipação  é desprezível: essa é a hipótese de Stokes, que leva à relação c =  2/3 e,
como decorrência, a   0 . A pressão p, que subsiste no equilíbrio macroscópico d(x,t)
 0, é estendida para o problema dinâmico d(x,t)  0 ou como a pressão termodinâmica9
no caso dos gases ou como a força de vínculo por unidade de área necessária para manter
o vínculo de incompressibilidade no caso de um líquido: o tensor de tensões para um
fluido newtoniano isotrópico que satisfaz a hipótese de Stokes é definido pela expressão

 u 1   v u 
 xx   p   xx   p  2   div u  ;  xy      ;
 x 3   x y 
 v 1   w v 
 yy   p   yy   p  2   div u  ;  yz     ; (1.16a)
 y 3   y z 
 w 1   u w 
zz   p  zz   p  2   div u  ; zx     ,
 z 3   z x 

o coeficiente de viscosidade  sendo determinado por um experimento simples – por


exemplo, o escoamento em um duto circular, como discutido no exercício (1.12); no caso
de um fluido incompressível div u = 0 e (1.16a) reduz-se a

9
A Termodinâmica estuda os gases em uma condição de equilíbrio e a utilização de relações
termodinâmicas – por exemplo, p = nRT – na dinâmica dos gases envolve uma hipótese suplementar,
qual seja, a existência de um “equilíbrio local”: a escala de tempo macroscópica é muito lenta comparada
com a escala microscópica, a que controla o equilíbrio termodinâmico, e o filme da dinâmica macroscópica
é, na realidade, o desenrolar no celuloide de fotografias de distintos estados de equilíbrio termodinâmico.

28
u  v u 
 xx   p   xx   p  2 ;  xy      ;
x  x y 
v  w v 
 yy   p   yy   p  2 ;  yz     ; (1.16b)
y  y z 
w  u w 
zz   p  zz   p  2 ; zx     ,
z  z x 

e (1.16b) será utilizada ao longo do presente texto.


O vetor de tensão viscosa σ (x, t; n) agindo em um ponto x de uma superfície S
com normal n = n(x) em x, ver Fig.(1.10a), é definido, de acordo com (1.13b), pelo
produto σ (x, t; n)  Σ(x, t)  n e portanto de (1.16b) segue

σ  x, t; n   p n    u  n  i   v  n  j   w  n  k  
 u   u   u   (1.16b)
    n  i    n  j    n  k  ,
 x   y   z  

uma expressão que será utilizada no próximo item.

FIG.(1.10):(a) Vetor de tensão na superfície S; (b) Região fluida V destacada do meio


fluido: o vetor σ(x, t; n) define a influência em V do resto do meio fluido.

(kg/ms) (m2/s)
Ar 1.8x105 1.5x105
Água 103 106
Tabela (1.1): Viscosidade  e viscosidade cinemática .
(Pressão atmosférica; T = 20C)

O modelo de fluido isotrópico newtoniano é, como já dito, adequado para


descrever o comportamento tanto do ar como da água e a Tabela (1.1) fornece os valores
típicos de  e  para esses dois fluidos. A viscosidade cinemática , ao ponderar o
coeficiente de viscosidade pela densidade, fornece uma idéia melhor da importância da
viscosidade e a Tabela (1.1) indica, nesse sentido, que a influência da viscosidade no ar é
“maior” que na água.

29
1.4.4: A Dinâmica dos Fluidos e as Equações de Navier-Stokes

Seja agora uma região V imersa no meio fluido, como indicada na Fig.(1.10b), e
analisemos a dinâmica do fluido nela contido. Ao destacarmos essa região do meio fluido
temos que levar em consideração a influência do restante do meio fluido sobre V: essa
influência é definida pelas “forças de contacto” existente entre as duas partes – a região
destacada e o restante do fluido – e (1.16b) fornece justamente a expressão dessas forças
por unidade da área V de contacto. Se f(x) for uma força de campo por unidade de
massa aplicada ao fluido – no caso da gravidade, por exemplo, f(x) = - gk  a equação de
Newton aplicada ao volume fluido no interior de V fornece

 a(x, t)dV   σ(x, t; n)dV   f (x)dV .


V V V
(1.17a)

Com o auxílio dos Teoremas de Green e da Divergência as seguintes identidades


podem ser definidas,

u  
    n dV     div u  dV  0;    x, y, z 
V V 
  2  2  2
    n dV     dV;    u, v, w   com    2  2  2 ,
2 2

V V  x y z

   p n dV    p dV;
V V

e introduzindo a notação

 2u   2 u i   2 u j   2 w k (1.17b)

obtém-se

  u  
   t   u   u    u  p  f (x)  dV  0 .
2
(1.17c)
V

Como a região V é arbitrária a identidade acima implica em

u
   u   u   2u  (p / )  f (x);   6 
t     10 m / s 
2
(1.18a)
  água
 div u    u  0,

30
que são as equações de Navier-Stokes para um fluido incompressível.

FIG.(1.11): Escoamento incidente Ui perturbado pela presença de corpo com dimensão


característica l ou escoamento induzido no fluido pelo deslocamento de um corpo com
velocidade  Ui visto no sistema de referências que se desloca com o corpo.

Considerando o problema de um corpo com dimensão característica l deslocando-


se com velocidade – Ui através de um fluido em repouso no infinito (ou de um
escoamento incidente Ui sendo perturbado por um corpo com dimensão característica l,
como indicado na Fig.(1.11)), é conveniente que se trabalhe com variáveis adimensionais
onde a velocidade incidente e a dimensão do corpo sejam unitárias; introduzindo assim as
normalizações

x u
 x ;  u ;
l U
(1.18b)
Ut p
 t ;  p ,
l U 2

as equações de Navier-Stokes tomam a forma adimensional

u 1 2
   u   u   u  p  0;  U l 
t Re  Re   (1.18c)
  
 div u  0.

A omissão da forçante f(x) em (1.18c) é proposital: em geral ela envolve outros


parâmetros adimensionais além do número de Reynolds Re, como discutido no exercício
(1.11), e tem, por isso, que ser analisada caso a caso.

1.4.5: Condição de Aderência e Fórmula do Arrasto

Consideremos, para fixar idéias, o seguinte problema: um domínio fluido que se


estende para o infinito em todas as direções e no qual estão imersos {;  = 1,2,  ,c}
corpos movimentando-se com velocidades {U  (t);   1, 2, , c} conhecidas enquanto

31
expostos a uma corrente fluida definida pelo vetor U  (t) no infinito, onde a pressão é
nula: além de satisfazer as equações de Navier-Stokes (1.18c), a solução desse complexo
problema fluido precisa ser subsidiada por esse conjunto de informações que definem o
problema e é esse ponto que será abordado no presente item.
O domínio fluido é delimitado pelas {V(t);  = 1,2,  ,c}10 superfícies que
definem cada um dos corpos imersos e pela superfície esférica ||x|| = r   no
“infinito”: as condições que definem o problema são dadas no contorno do domínio
fluido, isso é, nas superfícies que o delimitam, e são por isso designadas “condições de
contorno”. No infinito essas condições são obviamente definidas por

 lim u(x, t)  U  (t);


||x||
(1.19a)
 lim p(x, t)  0,
||x||

e supondo, como usual, que as superfícies dos corpos {;  = 1,2,  ,c} sejam
impermeáveis, não pode existir fluxo através de {V(t);  = 1,2,  ,c} ou, dito de outra
maneira: a velocidade relativa entre o fluido e o corpo na direção da normal ao corpo
deve ser nula, isso é

 n  (x, t) : normal a V (t) 


u(x, t)  n   U  (t)  n  ;  . (1.19b)
xV (t) xV (t )
   1, 2,  , c 

A condição de “impermeabilidade” nada diz acerca da componente tangencial de


velocidade e é esse ponto que será discutido a seguir.

(a) (b)
FIG.(1.12): (a) Escoamento irrotacional U i em torno de placa plana e reversibilidade.
(b) Escoamento real e irreversibilidade: direção de incidência pode ser inferida.

10
Como as velocidades {U  (t);   1, 2, , c} são conhecidas, as posições de {V(t);  = 1,2,  ,c}
são também conhecidas em qualquer tempo t.

32
Um exemplo simples ajuda a encaminhar essa discussão: um escoamento
incidente Ui sendo perturbado por uma placa plana alinhada com o versor i, como
indicado na Fig.(1.12). É imediato verificar que uma solução das equações de Navier-
Stokes que satisfaz as condições de contorno (1.19a,b) é u(x,t) = Ui: essa é uma solução
irrotacional onde a placa plana não perturba o escoamento incidente; mais que isso,
olhando as linhas de fluxo desse escoamento, como indicadas na Fig.(1.12a), somos
incapazes de dizer se o escoamento é da esquerda para a direita ou da direita para a
esquerda. Dito de outra forma, o escoamento irrotacional é reversível no tempo, como
um experimento imaginário é capaz de esclarecer: se as partículas fluidas forem pintadas
de vermelho na região a montante (à esquerda) e o escoamento for filmado, veremos
bolinhas vermelhas caminharem da esquerda para a direita, passarem por cima e por
baixo da placa e se encaminharem para jusante, quando então o filme é parado; se agora o
filme for passado de trás para a frente veremos bolinhas vermelhas caminharem da direita
para a esquerda e seremos incapazes de dizer se o filme está de trás para a frente ou não.
De outro lado, em um escoamento real somos sempre capazes de dizer o sentido do
escoamento: na visualização da Fig.(1.12b) o escoamento ocorre da esquerda para direita,
pois é nítida a esteira deixada pelo corpo a jusante: o traço escuro aí observado indica
uma desorganização das linhas de fluxo horizontais causada pela vorticidade na esteira.

(a) (b)
FIG.(1.13): (a) Solução de (1.10); (b) Visualização11 da camada limite sobre placa plana.

A observação experimental indica que a presença do corpo, de alguma forma,


gera vorticidade no escoamento e, como será visto a seguir, essa geração de vorticidade
está associada a uma segunda condição de contorno que deve ser imposta na superfície do

11
O fluido é preparado com uma emulsão que muda a opacidade quando sujeita a corrente elétrica. Um
fino fio de telúrio, indicado na figura pela linha perpendicular à placa, é sujeito a uma corrente elétrica no
tempo t = 0 e o fluido é fotografado um tempo t depois: a região mais opaca coincide com a região do
plano (x = u(y)t; y).

33
corpo. De fato, a parcela viscosa 1/Re2u das equações de Navier-Stokes é de segunda
ordem no campo de velocidade e exige por isso uma condição de contorno em u(x,t) na
placa plana que não se restringe somente à condição de impermeabilidade v(x,0,t) = 0: é
necessário também que a função u(x,0,t) na placa seja fornecida e parece razoável que
essa condição seja a condição de aderência u(x,0,t) = 0.
Um modelo matemático simples é capaz de esclarecer esse ponto. Consideremos
assim a equação de segunda ordem

u  2u  u(x, 0)  0;
  2  0 com  (1.20a)
y y  u(x, )  U  i,

a parcela (2u/y2), com  << 1, desempenhando aí o papel da parcela viscosa 1/Re2u


(1/Re << 1). Se aproximarmos essa equação supondo  = 0, posto que muito pequeno,
perdemos uma condição de contorno porque o sistema fica então de primeira ordem;
como a forçante da equação acima é, como no caso do escoamento, a “velocidade” U no
infinito, a condição que deve ser perdida é a condição na “placa plana” u(x,0) = 0, uma
vez que a “condição de impermeabilidade” v(x,0) = 0 mantém-se: a solução resultante é
portanto u(x,y) = Ui, idêntica à indicada na Fig.(1.12a). A solução exata da equação
acima,

 u(x, y)  U   1  e  y /   i; 
  v u  1 u
u   z       , (1.20b)
 x y   y
y/
 (x, y)     U   e ;
y 

mostra que a solução u(x;) é singular no limite 0, pois z   nesse limite: essa
singularidade é conseqüência da perda da condição de aderência. A solução acima
também indica que é a “condição de aderência” u(x,0) = 0 na “placa plana” que gera a
vorticidade z(x,y) e que para y = 5, por exemplo, u(x,y)  Ui, ou seja: a influência da
“viscosidade” – isso é, da parcela (2u/y2) – é importante somente em uma pequena
região da ordem  nas vizinhanças da placa, denominada “camada limite”,ver Fig.(1.13).
Todas essas evidências analítico-experimentais levaram Prandtl em (1905) a
formular a Teoria da Camada Limite e com ela resolver o paradoxo fundamental da
Mecânica dos Fluidos do século XIX, qual seja: a influência da viscosidade do fluido,
representada pela parcela 1/Re2u, é mínima, pois 1/Re << 1, e no entanto essencial,
pois ao ignorarmos esse termo, e portanto a “condição de aderência”, perdemos o

34
mecanismo capaz de gerar a vorticidade do escoamento e a capacidade do fluido dissipar
energia: assim como um bloco desliza com velocidade uniforme sobre uma superfície
sem atrito sem que força alguma de arrasto seja necessária, a força de arrasto em um
escoamento estacionário irrotacional é sempre nula pois, como discutido no exercício
(1.13), as condições {div u = 0; rot u = 0} implicam em 1/Re2u = 0.
A “condição de aderência” impõe que se {t1,; t1,} for uma base ortonormal do
plano tangente a V(t) no ponto onde a normal é n, então

t1,  t1, 
u(x, t)     U  (t)    .
t 2,  xV (t ) t 2,  xV (t )
 

Essas duas igualdades, junto com (1.19b), indicam simplesmente que u(x,t) =
U(t) em V(t) e portanto as condições de contorno no problema proposto podem ser
assim sintetizadas:

 u(x, t) xV  U  (t),   1, 2, , c;


 (t)

 lim u(x, t)  U  ; (1.21)


||x||
 
||xlim p(x, t)  0,
||

a condição de contorno na superfície esférica ||x|| = r   diferindo das condições de


contorno nas superfícies {V(t);  = 1,2,  ,c} porque nela a pressão nula “no infinito”
é também imposta. Finalmente, considerando só um corpo (c = 1) sendo arrastado através
de um fluido em repouso no infinito (U = 0) com uma velocidade uniforme U, é
possível demonstrar matematicamente, a partir das equações de Navier-Stokes (1.18c) e
das condições de contorno (1.21), a identidade (ver Apêndice, seção (1.8))

Dm 1 2d
½U 2S Re U 2S V
 
2
Cd,m (Re)   rot u ( x , t) dV , (1.22)

onde Dm é a força média de arrasto, d a dimensão característica do corpo, S a área


utilizada na definição de Cd,m e  é o “operador média no tempo”. Essa expressão
estabelece uma relação direta entre o coeficiente de arrasto Cd(Re) e a vorticidade do
escoamento: a força de arrasto em um corpo deslocando-se com velocidade uniforme
depende diretamente da vorticidade do escoamento e anula-se quando rot u = 0, como
discutido no exercício (1.13).

35
1.5: ESCOAMENTO IRROTACIONAL E EQUAÇÃO DE BERNOULLI

O escoamento de um fluido real em torno de um corpo é sempre rotacional, pois a


viscosidade implica na “condição de aderência” e o corpo funciona então como um
“gerador de vorticidade”. No entanto, nos corpos projetados para se deslocarem através
de um fluido o que se busca é a minimização da força de arrasto: por isso esses corpos
são delgados na direção do movimento e devem gerar um campo rotacional restrito à fina
camada limite e à fina esteira deixada em seu rastro. Nesses corpos delgados o
escoamento é praticamente irrotacional12 em quase todo domínio fluido e a hipótese de
irrotacionalidade do escoamento se cumpre com bastante precisão; mais ainda, no
escoamento praticamente irrotacional em torno dos corpos delgados a topologia das
linhas de fluxo é muito mais simples que no escoamento rotacional em torno dos corpos
rombudos13, como indicado na Fig.(1.14). Na fotografia à esquerda mostra-se a
visualização das linhas de fluxo em torno de um fólio com pequeno ângulo de ataque
(corpo delgado), notando-se uma quase ausência de rotacionalidade no interior do meio
fluido; na figura à direita o mesmo fólio aparece com um ângulo de ataque maior que o
ângulo de estol14 (corpo rombudo), com a presença de uma intensa rotacionalidade na
esteira: é evidente que deve ser muito mais simples descrever matematicamente o
escoamento (quase) irrotacional em torno de um corpo delgado que o escoamento
fortemente rotacional em torno de um corpo rombudo.

(a) (b)
FIG.(1.14): Variação do escoamento com o ângulo de ataque.
((a)  < estol; (b)  > estol)

12
A relação entre a geometria do corpo e a rotacionalidade do escoamento será explicitamente elaborada
no final da seção 6 deste capítulo.
13
Rombudo: mal aguçado, que custa a penetrar.
14
A transição de “corpo delgado” para “corpo rombudo” é abrupta no caso do fólio, ela ocorre para um
ângulo de ataque  relativamente bem definido denominado “ângulo de estol”: para  > estol a força de
sustentação no fólio diminui e a força de arrasto aumenta, ambas abruptamente.

36
A simplicidade matemática introduzida pela hipótese de irrotacionalidade no
escoamento de fluidos é a mesma que a introduzida na Mecânica pela hipótese do campo
de força ser “conservativo”: uma força F(x) é dita “conservativa” quando o trabalho
realizado por ela entre dois pontos A e B do espaço independe do caminho que une A a
B, ver Fig.(1.15); portanto a integral de F(x) em um circuito fechado15 – isso é, sua
circulação nesse circuito – é nula e pelo Teorema de Stokes rot F(x) = 0.

FIG.(1.15): Integral de linha de F(x) em diferentes caminhos C1 e C2


unindo os pontos A e B e circuito fechado.

Seja A  O a origem do sistema coordenado e B = x um ponto arbitrário no


espaço; como a integral de A a B independe do percurso, seu valor é função exclusiva do
ponto x e portanto podemos introduzir a função potencial (x) pela expressão

x
 (x)    F (ξ )  dξ .  dξ  d t com t tangente à curva 
0

Da igualdade acima e da expansão em série de Taylor de (x) em torno de x as


seguintes relações podem ser obtidas

x x
  (x  x)   (x)    F(ξ )  dξ  F(x)  x   || x ||2  ;
x

  (x  x)   (x)   (x)  x   || x ||2  ,

de onde obtém-se, no limite ||x||  0,

rot F(x)  0  existe  (x) tal que F (x)   (x) . (1.23a)

Esse resultado, clássico na Mecânica, afirma que se o campo F(x) for


conservativo, isso é, irrotacional, então existe uma função potencial (x) cujo gradiente

15
Em uma região de conexão simples, onde todo circuito pode ser estrangulado em um ponto sem deixar a
região. Uma esfera no espaço é de conexão simples, mas um toro não, nem um círculo no plano; neste caso
é possível termos rot F(x) = 0 com circulação de F(x) não nula em torno do círculo. Como será visto mais
adiante, o campo F(x) pode ainda ser escrito como o gradiente de um potencial.

37
é igual a – F(x), introduzindo no problema uma simplificação óbvia: ao invés de
tratarmos com as três componentes (Fx(x), Fy(x), Fz(x)) do campo de força F(x) podemos
trabalhar com uma única função escalar (x).
Por analogia, em um escoamento irrotacional tem-se

rot u(x, t)  0  existe (x, t) tal que u(x, t)  (x, t) , (1.23b)

(x,t) sendo denominado “potencial de velocidade”. A equação de conservação de massa


div u = 0 fornece, nesse caso, () = 0 ou

 2  0 , (1.24a)

que permite determinar o potencial (x,t) e portanto u(x,t): o campo de velocidade é


determinado unicamente pela condição de conservação de massa ou, de forma mais
geométrica, pela condição de invariância dos volumes materiais do fluido.
As condições de incompressibilidade e de irrotacionalidade implicam, como
visto no exercício (1.13), que a parcela viscosa 1/Re2u seja nula – que o termo
proporcional a  em (1.20a) seja nulo – e portanto uma condição de contorno, justamente
a condição de aderência, é perdida: a solução da equação (1.24a) deve satisfazer as
condições de contorno (1.19a,b) e assim

 (x, t)  n   U  (t)  n  xV (t )


;  d  2 : plano 
xV (t )
  (1.24b)
 (x, t)  U  (t)   (1/ r d ).  d  3 : espaço 

Como elaborado no exercício (1.17), a solução (x,t) de (1.24a,b) determina um


campo de velocidade u(x,t) único.

1.5.1: Equação de Bernoulli

O campo de velocidade no escoamento irrotacional de um fluido incompressível


é, como visto, determinado exclusivamente por uma condição cinemática, de preservação
dos volumes materiais; a parte dinâmica das equações de Navier-Stokes é utilizada para
determinar o campo de pressão. Supondo um campo de força f(x) conservativo, de
(1.18a) segue

 u
     u    u   u  p  f (x);
2
u(x, t)  (x, t) com  t (1.25a)
 f (x)   (x),
 f

38
e observando as identidades

  2u  0;

 u   
u(x, t)  (x, t)      ; (1.25b)
 t  t 

 u   u   ½    ,
2
 

obtém-se

  
  p    ½     f   0 ,
2
(1.25c)
 t 

indicando que o termo entre colchetes é uma função (t) com gradiente nulo.
Sintetizando: para um escoamento irrotacional (u(x,t) = (x,t)) de um fluido
incompressível sob ação de um campo de força por unidade de massa conservativo (f(x) =
 f(x)) o escoamento fica definido por

 (x, t)  n   U  (t)  n  xV (t ) ;


   = 0 com 
2 xV (t ) 

 (x, t)  U  (t)   (1/ r d ); (1.26)


  
 p(x, t)    (x, t)  ½   (x, t)   f (x)   (t),
2

 t 

a equação que define o campo de velocidade (o potencial (x,t)) sendo linear e as


condições de contorno, como as aqui definidas, também: a linearidade da equação de
campo 2 = 0 e das condições de contorno implica que o princípio das superposições de
efeitos pode ser utilizado o que simplifica, e muito, a obtenção de soluções, como
discutido no próximo item; a pressão carrega a não-linearidade da parcela convectiva da
aceleração, explicitada no termo ½ ()2.
Em alguns problemas importantes, no entanto, o movimento da superfície V(t)
é causado pelo próprio movimento do fluido e, por sua vez, influencia o escoamento,
como descrito em (1.26): essa é a semente da não-linearidade nessa classe de problemas.
Um, em particular, merece destaque aqui, posto que será objeto de estudo no capítulo 3: é
o movimento ondulatório na interface ar-água, denominada de “superfície livre” no caso
das ondas do mar, e que será por isso discutido a seguir.

39
1.5.2: Condição de Contorno na Interface Ar-Água

A interface ar-água – a “superfície livre” do mar – é uma ondulação, em geral de


pequena amplitude, que se propaga pelo meio ar-água e pode ser representada, a menos
de situações extremas, por uma equação da forma

z  (x, y, t)  S(x,y,z,t)  0 (1.27a)

onde (x,y) são pontos na superfície livre indeformada coincidente com o plano z = 0, que
caracteriza o equilíbrio hidrostático, e (x,y,t) é a ondulação16.
A posição da “superfície móvel” S(x,t) é desconhecida a priori, da mesma
maneira que a posição de um corpo flutuante oscilando no mar: neste caso, a posição do
corpo é determinada pela dinâmica do corpo rígido excitado pelas forças fluidas que são,
por sua vez, determinadas pela condição de contorno cinemática (1.26); no problema em
pauta a situação é análoga e exige duas condições na superfície livre: uma cinemática e
outra dinâmica.

FIG,(1.16): Partícula P na interface e mapeamento contínuo : D(t)  D(t+t).

A condição cinemática pode ser deduzida com alguma facilidade a partir de duas
hipóteses que parecem plausíveis. A primeira, constitutiva, afirma que as partículas de
água (líquido) e ar (gás) mantêm suas identidades ao longo do tempo, o que exclui os
fenômenos de evaporação e condensação, irrelevantes na escala do problema; a segunda,
topológica, afirma que o mapeamento  que leva a configuração ar-água D(t) no
instante t à configuração ar-água D(t+t) no instante t+t é não só um-a-um como
também contínuo. Uma partícula P está na interface ar-água no instante t se toda esfera S
centrada em P contiver partículas de ar e água, como representado na Fig.(1.16). Seja
[S] a imagem de S em D(t+t): como [] é contínua, a região [S] é conexa,

16
A representação (1.27a) implica que para cada ponto (x,y) da superfície indeformada existe somente uma
cota z = (x,y,t) da interface ar-água e ela exclui, a priori, situações extremas quando a onda se quebra
formando um “tubo”, como muitas vezes observado na zona de arrebentação.

40
compacta e contem a partícula P em seu interior. A partícula P, originalmente na interface
ar-água, pode estar no instante t+t ou na interface ar-água, ou no interior do meio-ar ou
no interior do meio-água, com esquematicamente indicado na Fig.(1.16). Suponhamos,
por exemplo, que ela esteja no interior do meio-água: embora [S] possa atravessar a
superfície livre, existe uma esfera S1  [S] centrada em P inteiramente imersa em
água. A função -1[] não só existe como é contínua – essa é a idéia do mapeamento um-
a-um, que impossibilita que duas partículas distintas no instante t ocupem a mesma
posição no espaço no tempo t+t –, e assim a região -1[S1] é conexa, compacta,
contem a partícula P em seu interior e está contida em S: nesse caso existe uma esfera S2
 -1[S1]  S centrada em P na configuração D(t) constituída somente por partículas-
água, pois essa é a constituição de S1  [S], mas isso contraria a hipótese original de
que P esteja na interface ar-água no instante t. Portanto, no instante t+t a partícula P não
pode estar completamente imersa na água ou no ar e só lhe resta estar na interface ar-
água: a conclusão é que se uma partícula P estiver na interface ar-água em um certo
instante então ela permanecerá nessa interface para todo sempre ou
S(x P ,y P ,z P ,t)  0  S(x P +u P  t; y P +v P  t; z P +w P  t; t+t)  0 ,

onde (u P ;v P ;w P ) é a velocidade de P no instante t; desenvolvendo em série de Taylor


obtém-se

 S 
S(x P +u P  t; y P +v P  t; z P +w P  t; t+t)  S(x P ,y P ,z P ,t)    u P S  t  0
 t 
e observando a relação u P  (x P , t) , a condição cinemática toma a forma

S    
 u P S  0        z  . (1.27b)
t  z  z  t

No exercício (1.18) a expressão (1.27b) é obtida diretamente a partir da condição


cinemática na forma apresentada em (1.26) e deve ser completada com a imposição da
condição dinâmica, qual seja: a continuidade de pressão na interface exige que a pressão
na água em z = (x,y,t) iguale a pressão atmosférica que pode ser tomada como o zero de
pressão; portanto

p    ½() 2  gz |z   0 , (1.27b)
t

que permite determinar  em função  e assim

41
   
        z  ;
 z  z  t
(1.28a)
1   
      ½() 2  .
g  t  z 

FIG,(1.17): Ondas de Mar: pequena declividade, ka << 1.

Se {1; k1} forem as escalas de tempo e espaço do fenômeno ondulatório no


mar, é uma verificação empírica que a declividade das ondas em mar aberto – isso é, com
exceção da zona de arrebentação – é pequena, tipicamente da ordem ka  0.12 na zona de
geração ou ainda menor quando em um swell; desprezando termos quadráticos em ka,

 ga  
    ; 
     1   2 
        , (1.28b)
g   z  z 0 g  t 2  z 0
 ;     ka; ka  ;
 

a indicar que, com erro da forma [1 + (ka)], a condição de contorno na superfície livre
pode ser linearizada e permite assim a representação de uma onda plana harmônica
ga kz
 (x, t)  a  cos(kx  t)  (x,z,t)   e sin(kx  t);

(1.28c)
2
 k : (relação de dispersão em águas profundas  kh  1),
g

cuja análise será retomada no capítulo 3 do presente texto.

1.5.3: Singularidades: Fonte (ou Sorvedouro), Circulação e Dipolos

Esta seção apresenta algumas soluções fundamentais da equação de Laplace 2


= 0, que além de suas importâncias intrínsecas são também utilizadas para construir, com
o auxílio do princípio da superposição de efeitos de um sistema linear, soluções
aproximadas (numéricas) da equação de Laplace para uma geometria arbitrária. É
conveniente utilizar nessa exposição as coordenadas polares (r,), definidas na Fig.(1.18),
ao invés das cartesianas (x,y).

42
FIG.(1.18): Coordenadas polares (r,) e versores (er; e).

Os operadores gradiente () e Laplaciano (2) são definidos em coordenadas


polares pelas expressões,

 1 
   er  eθ ;
r r 
(1.29)
 2  1  1  2 
 2  2   ,
r r r r 2 2

os versores (er; e) estando desenhados na Fig.(1.18).

1.5.3.1: Fonte (ou Sorvedouro)

Seja um campo de velocidade u com div u = 0 em todo o plano com exceção de


uma região So, contida em um círculo de raio ro, onde div u > 0, ver Fig.(1.19).

FIG.(1.19): Fonte: Escoamento no campo distante (r >> ro) causado por div u > 0
em região So no interior do círculo de raio ro. (m: intensidade da fonte)

43
No campo distante (r/ro >> 1) a região So perde a nitidez de seu contorno e é vista
colapsada na origem O do sistema coordenado: a velocidade no círculo de raio r >> ro é
essencialmente radial e como não deve variar com o ângulo , posto que a região de
geração So é vista coincidente com a origem, do Teorema da Divergência tem-se

m (2D)   div u dSo  lim  u (r, ) rd  2r  u (r)


r r
 m 2 / s 
r / ro 1
So C

e portanto

u r (r) 
m (2D) 1
2 r
m
 f (x, y)  (2D) ln r   ;
2
r  x 2  y2 ,  (1.30a)

a função f(x,y) definindo o potencial de velocidade de uma fonte (m(2D) > 0) ou


sorvedouro (m(2D) < 0) na origem, a intensidade da fonte (ou sorvedouro) bi-dimensional
tendo dimensão de m2/s.
Em três dimensões a região onde div u  0 é um volume Vo no interior de uma
esfera de raio ro e aplicando o Teorema da Divergência à região fluida no interior de uma
esfera de raio r >> ro obtém-se

m (3D)   div u dV
Vo
o  lim
r / ro 1  u (r, , )dV
Ve
r e  4r 2  u r (r)  m3 / s  ,

a intensidade da fonte m(3D) tendo agora dimensão m3/s; uma fonte na origem, portanto, é
representada pela função

u r (r) 
m (3D) 1
4 r 2
 f (x, y, z)  
m (3D) 1
4 r
; r  x 2  y2  z2 .  (1.30b)

Consideremos agora que fontes infinitesimais df (x,y,z  ) com intensidades


dm(3D) sejam distribuídas ao longo do segmento  l    l; definindo dm(3D)/d= m(2D) =
cte., por superposição de efeitos chega-se a

 r  x 2  y2 ;
m (2D) l
d  dm  m (2D) d  (1.31a)
 (x, y, z)   
(3D)
.
4 l r2   z  
2

44
Para z = 0

d  l 
l / 2r
m (2D) m (2D)
(x, y, 0)  
2 0 1  2

2
arc sinh  
 2r 

e supondo

l 
  1; 
2r et l
  sinh t t 1    t  ln l  ln r ,
l 2 2r
 sinh t  ; 
2r 

obtém-se

m (2D)
f (x, y, 0)  ln r   , (1.31b)
2

que é a fonte bi-dimensional: ela corresponde formalmente a uma distribuição uniforme


de fontes tri-dimensionais ao longo do eixo   z  . Como discutido no exercício
(1.19), a fonte f(x) define a função de Green do operador Laplaciano 2.

1.5.3.2: Circulação e Linha de Vórtice Tri-Dimensional

Seja um campo de velocidade u com ω  z k  rot u  0 em todo o plano com


exceção de uma região So, contida em um círculo de raio ro, onde z > 0, ver Fig.(1.20).

FIG.(1.20): Circulação: Escoamento no campo distante (r >> ro) causado por vorticidade
z > 0 em região So no interior do círculo de raio ro. (: intensidade da circulação)

O mesmo argumento utilizado no caso da fonte ou sorvedouro pode ser repetido


aqui: no campo distante (r/ro >> 1) a região So de vorticidade não nula é vista como

45
coincidente com a origem e o campo de velocidade u = urer + ue não depende de ;
portanto u = u(r) e, pois não existe fonte e ur(r) = 0. Dessa maneira, se C for um
círculo de raio r >> ro tem-se

   z dSo  lim u  (r) rd  2r  u  (r)  m 2 / s 


r / ro 1
So C

u  (r) 
 1
2 r
 c (x, y) 

2
; r  
x 2  y2 . (1.32)

Em analogia com o caso da fonte (ou sorvedouro) poderíamos pensar na extensão


desse resultado para três dimensões, mas a vorticidade possui uma peculiaridade que
dificulta esse procedimento: como ω  rot u e a divergência de um rotacional é, por
definição, nula então div ω  0 , implicando em uma topologia particular das linhas de
vórtice no espaço.
O resultado (1.32) refere-se a um tubo de vórtices com seção transversal So no
plano (x,y) que se estende para o infinito na direção z. Em geral um tubo de vórtices pode
ser construído no espaço considerando uma curva S, plana ou não, e traçando pelos
pontos de S as linhas de vórtices, tangentes em cada ponto ao vetor de vorticidade ω ,
conforme mostrado esquematicamente na Fig.(1.21a).

(a)
FIG.(1.21): (a) Tubo de vórtices: Superfície formada por linhas de
vórtices em torno de uma linha de vórtice central ( ω  rot u ).

Como div ω  0 , os tubos de vórtices funcionam como “mangueiras de vórtices”


por onde “flue” a vorticidade ω e é evidente que essas “mangueiras de vórtices”, como
as “mangueiras de água” em um escoamento habitual, não podem, por continuidade
( div ω  0 ), terminar no interior do meio fluido: ou elas se estendem para o infinito,
como o tubo de vórtices da Fig.(1.20), ou terminam na superfície de corpos imersos que,

46
como já discutido, são um dos principais geradores (“fontes”) de vorticidade ou elas se
enrolam formando anéis de vorticidade, como indicado nas Fig.(1.21b,c).

(b) (c)
FIG.(1.21) : (b) Vorticidade z distribuída em um comprimento finito s gerando,
com a colaboração da corrente Ui, um anel de vórtice no plano (x,z); (c) Anel de
vórtice com circulação  nas vizinhanças do anel no plano transversal (ao anel).

A Fig.(1.21b) mostra uma topologia de linhas de vórtice que tem uma importância
fundamental no estudo das superfícies de sustentação (asas): um escoamento Ui
incidindo sobre a seção transversal de uma asa (fólio) no plano (x,z) produz, na camada
limite do fólio, uma vorticidade z e portanto uma circulação ; como a asa é finita na
direção y da envergadura, o tubo de vórtices gerado – a “mangueira de vórtices” – não
pode terminar no interior do fluido e se estende a jusante em duas linhas paralelas ao eixo
x, designadas pelo nome de “vórtices de ponta”, nitidamente visualizados em aviões e
nos aerofólios dos carros de corrida. A distância entre a linha de fecho do anel a jusante e
o eixo y é Ut e para t   o anel se transforma em uma ferradura, com dois braços se
estendendo para o infinito.
Essa discussão será abordada em detalhes no próximo capítulo e finalizamos a
presente discussão com uma última observação: na vizinhança imediata de um anel de
vórtices vemos, na escala local de comprimento, um tubo de vórtices que aparentemente
se estende para o infinito e localmente o campo de velocidade fica descrito, no plano da
seção transversal do anel, por (1.32), ver Fig.(1.21c).

1.5.3.3: Dipolos

Uma segunda e importante classe de singularidades, designada dipolo, é definida


pela derivada da singularidade fonte em relação às coordenadas (x;y;z) ou

1 
 f ( x )   ;  m 
4r   d, (x, y, z)  m  f  . (1.33a)
 4  r 3
   {x; y; z}; 

47
Em duas dimensões,

1 
 f ( x )  ln r; f m  
2   d, (x, y)  m   , (1.33b)
  2 r 2
   {x; y}; 

ou ainda, em coordenadas polares,

m x cos 
 d,x  ;
2 r
(1.33c)
m y sin 
 d,y  .
2 r

Como no caso das fontes e sorvedouros, é trivial verificar que o dipolo bi-
dimensional pode ser definido por uma distribuição uniforme de dipolos tri-dimensionais
ao longo do eixo z; em particular, se essa distribuição estiver restrita ao segmento – l  z
 l tem-se em z = 0 ( (3D)
d,  (m/4)/r ; dm(3D)/d= m(2D))
3

m l/2
m    2r  
2

 x, y, z   z 0 d 
4  l/ 2
(x, y)   (3D)
1      (1.34)
2 r 2 
d,
 l  

quando r = (x2 + y2)1/2 for muito menor que l.

FIG.(1.22): (Dipolo) Corpo avançando com velocidade U em fluido em repouso


no infinito: região de proa funcionando como fonte e de popa como sorvedouro.

A importância do dipolo pode ser compreendida pela visualização do campo de


velocidade no campo distante induzido pelo deslocamento de um corpo através de um
fluido em repouso no infinito. Dividindo, para facilitar a discussão, a geometria do corpo
em três partes – a região de proa, o corpo paralelo médio e a região de popa – o
escoamento é induzido no fluido pelas regiões de proa e popa, como indicado na
Fig.(1.22), com sinais distintos no entanto: a região de proa “abre” o fluido, empurrando-

48
o para o lado, e trabalha como se fosse uma “fonte”; a região de popa, por sua vez,
“suga” o fluido na parte de trás, funcionando como um “sorvedouro”. Da condição de
contorno na superfície do corpo,

  n xV  U  n x com n
V
x dV  0 , (1.35a)

conclui-se que a intensidade m da “fonte” na região da proa é igual em módulo à


intensidade do “sorvedouro” na região de popa, pois pelo Teorema de Green a integral
da normal n na superfície V do corpo é nula. A distância entre a “fonte” na proa e o
“sorvedouro” na popa é da ordem de ½ l, com l sendo o comprimento do corpo, e no
campo distante l/r << 1 o potencial total fica dado por

m 1 1 
(x, y, z)     
4  (x  ¼l )  y  z
2 2 2
(x  ¼l ) 2  y 2  z 2 
 (1.35b)
m 1  lx  1  lx   m  ½l x
  1  2   1  2     ,
4  r  4r  r  4r   4 r 3

com mx =  ml/2 sendo a intensidade do dipolo; no exercício (1.21) a expressão geral de


mx é fornecida em função de parâmetros que dependem da geometria do corpo.

1.5.4: Métodos Numéricos: Elementos Finitos e Função de Green

Consideremos o seguinte problema no plano: um corpo elástico que se dilata e


contrai, com um deslocamento d(t) = d(t)n = asin(t)n imposto na direção da normal à
superfície Vc, e sujeito também à ação combinada de um escoamento incidente Ui e de
uma circulação , como indicado na Fig.(1.23a).

FIG.(1.23a): Dilatação do corpo, fluxo incidente e circulação:Representação por série de


Fourier quando r > ro e elementos finitos na região fluida no interior do círculo de raio ro.

49
O potencial total pode ser expresso na forma

 m(t)  
T (x, t)   U  x  ln r    (x, t) , (1.36a)
 2 2 

a parcela entre colchetes definindo a “forçante do escoamento” e (x,t) a perturbação


devida ao corpo; a fonte (ou sorvedouro) m(t) representa o efeito global da dilatação e é
definido pela relação (lc: perímetro de Vc)

 m(t) er     l   a  l  cos t .  m 2 / s  (1.36b)


 
Vc
2 r
 d(t)n   n dVc  0  m(t)  d(t)

c c  

Na região r  ro da Fig. (1.23a) o potencial (x,y) é determinado pela condição de


conservação de massa e de impermeabilidade da superfície V (ver exercício (1.23)),

  2   0;
 m(t) e r  n  e  n   r  ro  (1.37a)
    d   n    U  n x   ,
xVc
 2 r 2 r 

onde supôs-se a/lc << 1 e portanto que a condição de contorno pode ser imposta na
superfície Vc do corpo elástico indeformado; na região r  ro o potencial de velocidades
(x,t) é solução do problema (ver exercício (1.23))

  2   0;
1  r  ro  (1.37b)
 lim     2  ,
||x||
r 

a condição de contorno no infinito indicando que a perturbação (x,t) causada pelo corpo
comporta-se como um dipolo no infinito, os termos da ordem 1/r, relacionados à fonte e
circulação, estando portanto excluídos. Na região r  ro o potencial (r,) é periódico em
 e a solução geral pode ser expressa por intermédio da série de Fourier

 

(r, , t)  C
ˆ (r, t) 
0  Cˆ m (r, t)  cos  m   Sˆ m (r, t)  sin  m
m 1

e observando a equação 2 = 0 em coordenadas polares, ver (1.29), obtém-se

50
 ˆ 1ˆ n2 ˆ
  G   G   G m  0;  ˆ 1ˆ
Ĉ m (r, t)   m
r
m 2  C0  C0  0;

Ĝ m (r, t)   r e  r
Ŝm (r, t)   Ĝ m (r, t)  A m (t)  r m  G n (t)  1 ;  Ĉ (r, t)  A (t)  B (t) ln r.

 rm
0 0 0

Como o potencial tende a zero no infinito no mínimo tão velozmente como um


dipolo, os coeficientes {A0(t); B0(t); Am(t)} são nulos e assim


 cos m sin m 
(r, , t) r  r    Cm (t) m  Sm (t) m  ; (r > ro). (1.37c)
m 1  r r 
o

Os termos da expansão em série de Fourier podem ser facilmente identificados


com multipolos, isso é, singularidades que se obtêm pela sucessiva derivação em relação
a (x,y) do pólo p(x) = ln r; de fato

cos   
   ln r  ;
r x 
sin    : dipolos;
   ln r  ; 
r y 
cos 2  2 2  
  ½   ln r   2 
ln r   ;
 y x   : quadripolos;
2 2
r

sin 2  2

   ln r  ; 
r 2
xy 
 .

No exercício (1.12) verifica-se, por um processo indutivo, que os termos


{cos(m)/rm; sin(m)/rm} da série correspondem, de fato, a um pólo de ordem (n+1) e
mostraremos, a seguir, como os coeficientes {(Cm(t); Sm(t)); m = 1,2,} podem ser
determinados a partir da solução definida na região r  ro. De fato, das condições de
compatibilidade,


 cos m sin m 
 (r  ro ) (ro , , t)  (r  ro ) (ro , )    C m (t) m  Sm (t) m ;
n 1  ro ro 
(1.38a)
(r  ro ) (r  ro ) 1   cos m sin m 
 (ro , , t)  (ro , )    m  Cm (t) m  Sm (t) m ,
r r ro m 1  ro ro 

51
que afirmam a continuidade das duas componentes de velocidade no círculo r = ro, e da
definição dos operadores lineares {m();m()},


1 C (t)
  m      (ro , , t)  cos  m  d  mm ;
  ro

(1.38b)
1 S (t)
  m      (ro , , t)  sin  m  d  mm ,
  ro

o problema na região fluida finita r  ro é assim definido: determinar (x,t) tal que

  2   0;

  m(t) e r  n    e  n 
   n xV    U   n x   d ;  r  ro  (1.38c)
c
  2 r  2 r 
 1 
    m   m     cos  m    m     sin  m  .
r r  ro ro m 1

A solução aproximada do problema (1.38c) pelo Método dos Elementos Finitos


será elaborada a seguir; se Vo for a região fluida no interior do círculo r = ro, ver
Fig.(1.23a), multiplicando a equação 2 = 0 por uma função (x) e integrando em Vo
obtém-se, com o auxílio da identidade do item (c) do exercício (1.20) e do Teorema da
Divergência,

  
   dV
Vo
o       n  dV     r 
Vc
c
Ve r  ro
dVe , (1.39a)

onde Vc é a superfície do corpo, Ve é o círculo de raio ro e Vo = Vc  Ve o contorno
de Vo. Com o auxílio das condições de contorno em (1.38c) e das definições dos
operadores lineares (1.38b), o seguinte enunciado segue da identidade acima: a solução
(x,t) de (1.38c) satisfaz a identidade

   dVo   m m ()  m ()  m ()   m () 


Vo m 1
(1.39b)
  m(t) e r  n    e  n 
     U  n x   d  dVc ,
Vc   2 r  2 r 

52
para “toda”17 função (x).
Os dois termos do lado esquerdo de (1.39b) têm a mesma origem: estão
diretamente associados à energia cinética na região fluida finita Vo e em seu
complemento V (r  ro). De fato, utilizando na região V a identidade que leva a (1.39a),
obtém-se, com auxílio da condição de contorno (1.37b) no infinito,

   

V   dV   V  r r r e 


 dV   m   m ()   m ( )   m ()   m ( )
 e o
m 1

e portanto, tomando (x) = (x,t),

  o     ½   
2
dVo ;
Vo
 (1.39c)
       ½    dV  ½ m m ()  m (),
2 2 2

V m 1

onde () é a energia cinética. Ou seja: o lado esquerdo de (1.39b) multiplicado por ½ 
representa, quando (x) = (x,t), a energia cinética do escoamento.
Seguindo agora o indicado nos exercícios (1.1) e (1.2), podemos aproximar o
domínio Vo por uma malha triangular com n nós (vértices) com coordenadas {xi; i = 1,2,
, n}, ver Fig.(1.23b), e sejam as funções de interpolação {hi(x); i = 1,2,,n} definidas
na malha triangular com as seguintes propriedades: elas são contínuas no domínio,
lineares em cada elemento (em cada triângulo) e satisfazem a condição hi(xj) = ij, com ij
sendo o “ de Kronecker”, igual a 1 quando i = j e a zero quando i  j.

FIG.(1.23b): Malha triangular de Elementos Finitos aproximando uma região


arbitrária V e forma piramidal das funções de interpolação hi(x) no plano (x,y).

As funções de interpolação {hi(x); i = 1,2,,n} têm a forma piramidal indicada


na Fig.(1.23b) e dadas as funções {(x,t); (x)} definimos suas interpoladas lineares na
malha pelas expressões
17
Preservada algum grau de continuidade para que as integrais de volume e o somatório da série em
(1.39b) sejam convergentes.

53
n
 e (x, t)   (x j , t)  h j (x);
j1
(1.40a)
n
  e (x)    (xi )  h i (x).
i 1

Seja s a dimensão típica dos elementos triangulares; por exemplo, s = (o/e)1/2,


onde o é a área da região Vo e e é o número de triângulos. Como elaborado no item (a)
do exercício (1.2), pode-se mostrar que
1/ 2
 

     e  dVo 
2
  (s );
 
 Vo 
1/ 2
(1.40b)
 

      e  dVo 
2
  (s ),
 
 Vo 

indicando que as interpoladas lineares tendem para as funções que as originam à medida
que s  0, um resultado certamente intuitivo pois {e(xi,t) = (xi,t); e(xi) = (xi)}.
Utilizando por isso {e(x,t); e(x)} ao invés de {(x,t); (x)} em (1.39) obtém-se

n n   n n   
 
i 1
 h  h dV  (x , t)(x ) 

j1  Vo
j i o
 j i  
i 1
  m  m (h j )   m (h i )   m (h j )   m (h i )   (x j , t) (x i ) 

j1  m 1



 
  m(t) e r  n    e  n 
n
  (x )     U
i 1
i   nx  
 2 r
d
 2 r 
  h i (x)dVc  ,

 Vc 
(1.40c)
e, para simplificar a notação, definindo

 k ij   h
Vo
j h i dVo  K   k ij  ;


 k ij(  )    m (h j )   m (h i )   m (h j )   m (h i )   K (  )   k ij(  )  ;
m 1

 Qi,U    n x  h i (x)dVc  Q U  Qi,U  ; (1.41a)


Vc

 1 er  n 1 
 Qi,m    
2 r
   h i (x)dVc  Qm  Qi,m  ;  m(t)  d  l 
c
Vc 
lc 
1 e  n
 Qi,     h i (x)dVc  Q Γ  Qi,  ,
Vc
2 r

54
a identidade (1.40c) reduz-se, na notação matricial, a

(xi )t  K  K( )   (xi , t)  (xi )t   U  Q U  m(t)  Qm    QΓ  para todo (xi )
t

e portanto o vetor de valores nodais {(xi,t)} pode ser aproximado, com erro da ordem
s, pela solução do sistema algébrico linear

K  K   (x , t)  U
()
i   Q U  m(t)  Qm    Q Γ . (1.41c)

Essa é a aproximação que se obtém, via Método dos Elementos Finitos (MEF), do
problema original (ver (1.37a,b))

  2   0;

  m(t) e r  n    e  n 
   n xV    U   n x   d ; (1.42a)
  2 r  2 r 
1
 lim     2  ,
||x||
r 

e algumas características desse método devem ser aqui enfatizadas.


O MEF se adapta a problemas gerais, lineares ou não e com geometrias
arbitrárias, e seus operadores são representados por matrizes esparsas, isso é, matrizes
que possuem um número imenso de valores nulos. A “esparsidade” é conseqüência do
caráter local das funções de interpolação {hi(x); i = 1,2,,n}: na i-ésima linha kij  0
somente nos nós j que compartilham um mesmo elemento (triângulo) com o nó i, ver
Fig.(1.23b) e a definição de kij em (1.41a). A “esparsidade” diminui dramaticamente não
só a memória necessária como o tempo de computação e é por isso explorada nos
algoritmos numéricos; de outro lado, o MEF preserva a estrutura matemática do
problema original e, em particular, a matriz (K + K()) é simétrica e positiva definida,
implicando que a solução do sistema discreto (1.41c) existe e é única.
Um outro procedimento numérico utilizado, identificado com o Método da
Colocação, é bastante popular na solução de escoamentos irrotacionais. Considerando,
para fixar idéias, o mesmo corpo da Fig.(1.23a), mas sujeito aqui somente a um
escoamento incidente Ui, sejam {Pi = xi  Vc; i = 1,2,  ,n} pontos equi-espaçados

55
definidos no contorno do corpo e {ni = n(xi)  Vc; i = 1,2,  ,n} as normais nos pontos
Pi à superfície Vc apontando para fora de Vc, como indicado na Fig.(1.23c).

FIG.(1.23c): Método da Colocação: Distribuição de fontes (ou sorvedouros) equi-


espaçados no “perímetro interno” e condição {(Pi)ni =  U nx,i; i = 1,  n}.

Definidos {(Pi;ni); i = 1,2,  ,n} e dado um  << l, com l sendo a dimensão


característica do corpo, sejam os pontos {Pˆi  xˆ i  xi    n i ;i  1, 2, , n} no interior do
corpo e suponhamos um conjunto de fontes (ou sorvedouros) com intensidades {mi; i =
1,2,  ,n} centradas nesses pontos P̂i ; o potencial de velocidade (x,y) associado,

ln (x  xˆ j ) 2   y  yˆ j  ;
n mj
  (x,y)  
2

j1 2
n
(1.42b)
 m   mj ,
j1

satisfaz, por construção, a equação de campo 2 = 0 mas

m er 1
lim     2  , (1.42c)
||x||  2 r r 

e portanto somente quando m  0 a condição no infinito em (1.42a) será


aproximadamente satisfeita; essa condição, no entanto, está diretamente relacionada à
condição na superfície do corpo que, no caso m(t) =  = 0 em (1.42a), reduz-se a

 (xi )  ni   U   n x,i . (1.43a)

Se s for o espaçamento entre os pontos Pi na superfície do corpo, multiplicando


a identidade acima por s e somando em i obtém-se

56
 n

 
 m   (x)  n(x)dVc   (xi )  ni s   ( s );
n n
 i 1
 
Vc
 (xi )  ni s   U  n x,i s   n
 0  n dV  n s   (s ),
i 1 i 1
 
x c x,i 
 Vc i 1

indicando que m   (s) quando (1.43a) é satisfeita e tende a zero quando s  0; de


outro lado, a condição de contorno (1.43a) colocada ponto a ponto em {xi; i = 1,2,  ,n}
fornece um sistema de n equações nas n incógnitas {mi; i = 1,2,  ,n},

1 (x i  xˆ j )n x,i   yi  yˆ j  n y,i 
 k ij(  )  ;
2 
(x i  xˆ j ) 2   yi  yˆ j   com K  mi   n x,i  ,
2 ()
(1.43b)

 K()   k ij(  )  ; 

o potencial (x) fornecendo uma aproximação, com erro da ordem s, da solução exata
de (1.42a) pelo Método da Colocação.

1.5.3: Escoamento em torno de um círculo e Massa Adicional

O escoamento irrotacional em torno de um cilindro circular tem solução analítica


e permite, por isso, que alguns resultados fundamentais sejam obtidos. Consideremos
assim o problema da perturbação causada pelo cilindro em um escoamento incidente
superposto a uma circulação, como indicado na Fig.(1.24).

FIG.(1.24): Arrasto D e sustentação L em escoamento irrotacional: círculo


de raio ro sujeito a uma circulação  e a um escoamento incidente Ui.

A circulação  não é perturbada pela presença do círculo ao passo que a


perturbação no escoamento incidente é definida por um dipolo na origem; dessa forma

57
 cos   
 (x, y)  U   x  ro2  ;
 r  2
(1.44a)
 r2     r2  
   U  1  o2  cos  er    U   1  o2  sin   eθ ,
 r   2r  r  

e da equação de Bernoulli segue

 p  ½    ; 
2 2
  
   p n r ro  ½   2U  sin    cos  i  sin  j ,
  p n  ½    n;  2ro 
2

a resultante de forças no cilindro sendo dada por


 D  0;
F  Di  Lj    p n  r d  U

o  j  
 L  U  .
(1.44b)

Esse é um resultado universal: para o escoamento irrotacional definido na


Fig.(1.24), qualquer que seja a geometria do corpo bi-dimensional a força de arrasto D é
sempre nula e a de sustentação L é sempre igual a  U, ver exercício (2.3).
Consideremos agora o escoamento irrotacional induzido no fluido pelo
deslocamento do cilindro circular de raio a com velocidade U(t)i; o potencial de
velocidades é dado por um dipolo na origem ou

cos 
 (x, t)   U(t)  a 2 ;
r
(1.45a)
 a2 a2 
 (x, t)  U(t)   2 cos  e r  2 sin  e  ,
r r 

e a energia cinética é definida pela expressão

  ()  ½     dV  ½ m11U 2 (t);


2

V (1.45b)
 m11  a . 2

Suponhamos que um cilindro circular de diâmetro d tenha massa m por unidade


de comprimento  posto que estamos analisando o problema em sua seção transversal  e

58
que F(t)i seja a força necessária para oscilá-lo no vácuo com velocidade U(t) = (a)cos
t, onde a aqui é a amplitude da oscilação; portanto

  F(t)  F(t)  m2 a  sin t .


m  U(t) (1.46a)

Se imergirmos esse cilindro em um meio fluido – na água, por exemplo – e


continuarmos a oscilá-lo com a velocidade U(t) = (a)cos t, a força necessária para
manter essa oscilação é certamente maior e por duas razões: a primeira é que uma massa
fluida é acelerada junto com o corpo, aumentando a inércia total do sistema “corpo mais
fluido”; a segunda, porque o fluido real é viscoso. Se o escoamento for
(aproximadamente) irrotacional a parcela viscosa é nula e a inércia adicionada é
justamente a massa adicional m11 ou (ver exercício (1.20)):

 m  m11   U(t)
  F(t)
ˆ ˆ    m  m  2 a  sin t .
 F(t) 11 (1.46b)

É importante que se discuta aqui quando a hipótese de irrotacionalidade é


aproximadamente satisfeita mesmo para um corpo rombudo como um cilindro circular.
Supondo U(t) = Uocos t, para  “pequeno” o corpo se desloca com uma velocidade
(quase) uniforme Uo e, nesse caso, a parcela viscosa é duplamente dominante: a força de
inércia local é muito baixa e o arrasto viscoso em um escoamento (quase) uniforme é
alto. Para  “grande” o corpo oscila rapidamente e agora é a vez da parcela de inércia ser
duplamente dominante: a força de inércia local, proporcional a , é alta e a viscosa é
baixa, pois o corpo fica “tremelicando” em torno de sua posição de equilíbrio.
Essas considerações ficam um pouco mais claras se precisarmos melhor o que se
entende por freqüência “baixa” ou “alta”. Em um escoamento de intensidade Uo
incidindo sobre um corpo de dimensão d a escala de tempo natural é d/Uo, o tempo
necessário para o corpo se deslocar de um comprimento igual ao seu diâmetro. A
freqüência típica é a freqüência de Strouhal s  Uo/d e a freqüência  será “baixa” ou
“alta” se  << Uo/d ou  >> Uo/d; como Uo = a, onde a é a amplitude da oscilação,
“freqüência baixa” significa a/d >> 1, ou seja, o corpo se desloca por uma distância muito
grande comparada com sua própria dimensão antes de inverter o sentido do movimento
oscilatório: a esteira rotacional deixada pelo corpo em seu rastro em meio período é
muito extensa e a força de dissipação viscosa é apreciável; de outro lado, “freqüência
alta” significa a/d << 1 e muito antes da esteira se formar o movimento já muda de
sentido: o corpo “tremelica”, a rotacionalidade do escoamento fica “presa” nas
vizinhanças do corpo e o escoamento é praticamente irrotacional no domínio fluido.

59
 Uo a  influência da viscosidade 
   ou  1:  ;
 d d  domina 
U(t)  U o  cos t    U o  a  (1.46c)
   U o ou a  1:  influência da inércia domina 
  .
 d d  escoamento  irrotacional 

O quadro (1.46c) sintetiza essa análise que tem importância crucial na modelagem
matemática de escoamentos oscilatórios, como discutido a seguir.

FIG.(1.25): Corpo cilíndrico (2D) de dimensão d sob ação de uma onda de mar com
amplitude a: corpo representa um sistema oceânico ou oleoduto de acordo com d/a.

Sejam assim corpos cilíndricos submersos no mar sendo excitados pelo


movimento ondulatório causado pela passagem de uma onda com amplitude a, um valor
típico da amplitude sendo a  1m. Se o corpo cilíndrico for um sistema oceânico – um
navio ou uma plataforma de produção de petróleo, por exemplo – sua dimensão
característica é da ordem de dezenas de metros (d  20m) e a interação onda-estrutura
pode então ser analisada pela Teoria do Potencial (escoamento irrotacional); de outro
lado, se o corpo for um oleoduto submarino (d  0.20m), por exemplo, a interação onda-
estrutura não pode ser analisada pela Teoria do Potencial e a equação completa de
Navier-Stokes deve ser utilizada.
A declividade  = ka da onda do mar é pequena, usualmente menor que 0.1, e
para um oleoduto submarino kd  ka << 1: a onda enxerga o oleoduto como se fosse um
“fio de arame” e não é distorcida por ele; de uma maneira mais formal, se (xo,zo) for o
centro do oleoduto, temos que analisar o campo de velocidade incidente w(x,z,t) em um
entorno da ordem d do oleoduto, ou seja, para os pontos (x,z) tais que (x,z) = (xo,zo) +
( x, z )d com ( x, z )  (1); portanto

60
 w(x, z, t)   a  sin  kx  t  e kz  w o (t)   (kd );
 w o (t)  w(x o , z o , t),

e a onda é vista pelo oleoduto como um escoamento oscilatório uniforme no espaço. Já


para um sistema oceânico kd = (ka)d/a  (1) e a onda é distorcida pela presença do
corpo (difração). Sintetizando: na interação da onda com um oleoduto as equações de
Navier-Stokes devem ser utilizadas, mas o campo de velocidade incidente é não só
uniforme no espaço como é aquele que existiria em (xo,zo) na ausência do oleoduto; no
caso da interação com um sistema oceânico a interação onda-estrutura pode ser descrita
pela Teoria do Potencial, mas a difração da onda deve ser considerada.
A “massa adicional”, determinada via energia cinética, é o parâmetro de inércia
do fluido, pois informa qual é a massa fluida posta em movimento pelo deslocamento do
corpo: é evidente, portanto, que ela depende essencialmente da forma do corpo e da
direção do movimento. Suponhamos, por exemplo, que a seção transversal do cilindro
seja uma elipse com eixo maior de comprimento 2a perpendicular ao eixo coordenado x2
(eixo y na Fig.(1.26)) e eixo menor de comprimento 2b perpendicular ao eixo coordenado
x1 (eixo x na Fig.(1.26)): a massa adicional m11 associada a um deslocamento na direção
do eixo x1 é obviamente menor que a massa adicional m22 associada a um deslocamento
na direção do eixo x2 e efetivamente anula-se no limite 2b  0 (placa plana).

FIG.(1.26): Massas Adicionais {m11; m22}  2D: círculo, elipse e placa plana.

Na realidade, como indicado na Fig.(1.26), se a dimensão 2a do eixo maior for


mantida, a massa adicional m22 é constante e igual a a2 para o círculo, elipse e placa
plana; já a massa adicional m11 varia linearmente com b2, partindo de seu valor máximo
a2 (círculo, b = a) e atingindo seu valor mínimo nulo para uma placa plana (b = 0). No
exercício (2.1) a relação formal entre massa adicional e força fluida é estabelecida e no
início do próximo capítulo a Teoria do Potencial será retomada no estudo de asas.

61
1.6: ARRASTO DE FRICÇÃO E ARRASTO DE FORMA

Há dois mecanismos básicos que atuam, na maioria dos casos simultaneamente,


na formação da força de arrasto: o primeiro, mais direto, está relacionado com a própria
fricção (tensão de cisalhamento) do fluido contra a parede; o outro, mais relevante,
depende do efeito conjunto entre não-linearidade (convecção) e viscosidade e está
relacionado com a diferença de pressão entre as partes a montante e a jusante do corpo
ou, em outras palavras, à “zona de sucção” – o “vácuo” na linguagem automobilística –
que se forma atrás do corpo em movimento, como indicado na Fig.(1.27).

zona
de
sucção

FIG.(1.27): Escoamento em torno de cilindro circular,


com sucção a jusante.

O primeiro mecanismo origina o assim chamado “arrasto por fricção” e é o


único atuante em um escoamento paralelo a uma placa plana, pois o eventual efeito da
pressão seria aí ortogonal ao escoamento; o segundo mecanismo origina o “arrasto de
forma”, pois a dimensão da zona de sucção depende da forma do corpo, e é o único
atuante em um escoamento ortogonal a uma placa plana: nesse caso, as tensões viscosas
tangentes à placa é que são ortogonais ao escoamento.
Embora, como já dito, os dois mecanismos coexistam na maioria dos casos, é
conveniente que essas situações limites, onde ou um ou outro age isoladamente, sejam
primeiro analisadas, mesmo porque envolvem considerações físicas completamente
distintas e levam a resultados absolutamente discrepantes no que toca a intensidade do
arrasto.

1.6.1: Arrasto de Fricção

Um escoamento incidente paralelo a uma placa plana é por ela perturbado pela
condição de aderência relacionada à viscosidade do fluido: como já discutido, fora de

62
uma pequena faixa de espessura  no entorno da placa a vorticidade é nula e o campo de
velocidade é essencialmente igual ao escoamento Ui incidente.

FIG.(1.28): Arrasto de fricção: escoamento paralelo à placa plana.

Da condição de aderência segue que a componente horizontal de velocidade


u(x,y) é nula em y = 0 (placa plana) e supondo que ela varie linearmente com y até seu
valor U quando y = , ver Fig.(1.13b), a força de arrasto por fricção D pode ser estimada
pela expressão (2l: “superfície molhada” da placa plana)

u U U  2l
   D    2l   . (1.47a)
y  

Pelo Princípio da Ação e Reação, a mesma força D de fricção (ou tensão de


cisalhamento ) age no fluido com o sentido inverso, como indicado na Fig.(1.28) de
forma esquemática: a condição de aderência implica que a tensão de cisalhamento  no
fluido deve ser capaz de “brecar” o fluxo incidente Ui na superfície da placa ou, em uma
linguagem mais formal, que a força de arrasto D agindo na camada limite seja capaz de
contrabalançar a força de inércia fluida FI = (2l)u(u/x) = (l)u2/x  (l)U2/l
nessa região; dessa maneira

  1.42
U  2l    ;
 D ;  condição de aderência :   l Re
   (1.47b)
  FI  D   D 1.42
 F I  U ; 
2
 C (Re)   .
 d ½U 2 (2l ) Re

Na realidade, tomando partido da discrepância de escalas de comprimento na


região da camada limite – a escala na direção longitudinal é o comprimento l da placa e
na direção transversal é a espessura  da camada limite – as equações de Navier-Stokes

63
podem ser simplificadas nessa região e uma solução analítica, denominada solução de
Blasius, é então obtida com uma aderência muito boa com os resultados experimentais;
para o coeficiente de arrasto e a espessura18  da camada limite ela fornece

D 1.33
 Cd (Re)   ;
½U (2l )
2
Re  solução de Blasius : 
  (1.47c)
 1.72  escoamento laminar 
  ,
l Re

a relativa concordância entre essa solução “exata” e a estimativa (1.47b) não sendo
acidental: como visto acima, utilizamos a “discrepância de escalas” na estimativa u/y 
U/ da tensão viscosa e u/x  U/l na estimativa da força de inércia.
Finalmente, como (l)/l  1/Re1/2 conclui-se que (l) = (/U)1/2l1/2, com 
sendo um coeficiente numérico da ordem 1 que depende da definição da espessura ;
portanto se x for a coordenada medida a partir do bordo de ataque BA da Fig.(1.28),

Ux
 Re(x)  ;
  x  0 em BA 
  (1.47d)
     (1) 
1/ 2

 (x)      x,
U

indicando que a espessura da camada limite cresce com x1/ 2 , definindo uma parábola
com vértice em BA: a equação que rege a dinâmica na camada limite é parabólica como a
equação do calor, com x no lugar do tempo, e o que ocorre no “futuro” – isso é, na
região x  x o  não afeta o “presente” x  x o .

1.6.2: Arrasto de Forma, Descolamento da Camada Limite e Instabilidade da Esteira

Seja agora o escoamento incidindo não paralelo à placa mas na direção ortogonal,
como indicado na Fig.(1.29): a placa oferece então um “bloqueio” ao escoamento
incidente e, por conservação de massa, a velocidade aumenta nas vizinhanças do corpo.
De fato, como a placa perturba o escoamento incidente em uma região da ordem l,
podemos considerar que nas linhas verticais x =  3l/2 o escoamento já coincida com o

18
Como pode ser observado na Fig.(1.13b), a espessura da camada limite não é geometricamente definida
como na Fig.(1.28) e necessita, por isso, de uma “definição analítica”; o valor em (1.47c) corresponde à
“espessura de deslocamento”.

64
escoamento Uj não-perturbado; assim, como o fluxo que passa nas “aberturas” entre a
placa e essas verticais é o mesmo que no infinito passa na distância 3l, por conservação
de massa a velocidade média nas aberturas é 3U/2; por hipótese, no entanto, a velocidade
nas verticais x =  3l/2 é U e o valor médio 3U/2 exige que as velocidades nas
extremidades da placa sejam iguais a 2U, ver Fig.(1.29), um valor compatível com o
observado para o círculo (ver (1.44a) com  = 0 e  = 90).

FIG.(1.29): Arrasto de forma: Escoamento ortogonal à placa plana: diagramas de velo-


cidade e pressão (:observador “atrás da parede” (placa plana) protegido do “vento” U)

Na região a montante o escoamento é essencialmente irrotacional – ver, por


exemplo, a visualização do escoamento em torno de um círculo na Fig.(1.27)  e zerando
o valor da pressão no ponto de estagnação no centro da placa segue, do teorema de
Bernoulli, que a pressão nas extremidades é igual a  2U2, o diagrama de pressão tendo
a forma indicada na Fig.(1.29) se supusermos uma variação linear da pressão entre as
extremidades e o centro da placa.
Na região a jusante o escoamento é certamente rotacional, ver Fig.(1.27), e o
Teorema de Bernoulli não pode mais ser utilizado; um outro argumento é aí necessário e
ele pode ser assim posto: para um observador justo atrás da placa plana, indicado pelo
símbolo  na Fig.(1.29), a placa funciona como uma “parede” que bloqueia o “vento” U.
O campo de velocidades para ele é essencialmente nulo e das equações de Navier-Stokes
segue que p = 0 se u = 0 e portanto o campo de pressão atrás da placa é
aproximadamente constante; nas extremidades da placa, no entanto, a pressão deve ser,
por continuidade, a mesma nas faces anterior e posterior e assim p   2U2 na face
posterior da placa, como indicado no diagrama da Fig.(1.29): a força de sucção é devida à
distribuição triangular de pressão com valor máximo  2U2 no centro da placa, sua
resultante sendo igual a D = ½ (2U2)l; assim

65
D
Cd  2, (1.48)
½U 2l

um valor confirmado experimentalmente.


O arrasto de forma é não só muito maior que o de fricção como também
essencialmente independente do número de Reynolds: no caso da placa plana, por
exemplo, ele é igual a 2 em toda faixa de Re. No entanto, como será visto mais adiante,
essa “independência” em relação a Re é em parte perturbada em corpos onde a normal n
varia continuamente com a coordenada curvilínea s que define o contorno do corpo.

FIG.(1.30a): Separação da camada limite no escoamento em torno de


um corpo rombudo com pontos singulares (placa plana, por exemplo).

A camada limite na superfície do corpo, ver Fig.(1.28), é uma camada cisalhante


onde a velocidade tem uma variação apreciável em uma estreita região fluida. A
Fig.(1.30a) mostra, de forma esquemática, que no caso de corpos rombudos a camada
cisalhante se descola da superfície do corpo e adentra o meio fluido: as linhas de corrente
nas vizinhanças do ponto S não conseguem “contorná-lo”  o que ocorreria se o
escoamento continuasse irrotacional como a montante  e lançam-se no interior do fluido
formando um “jato” intenso, basicamente irrotacional, na região a jusante acima (ou
abaixo) de S; o “jato” é acompanhado por uma lenta recirculação na “zona de sucção” do
corpo.

FIG.(1.30b): Separação da camada limite no escoamento em torno de


um corpo rombudo sem pontos singulares (círculo, por exemplo).

66
O ponto de separação da camada cisalhante – o ponto de separação da camada
limite na linguagem usual  ocorre na “singularidade” S da placa plana onde a normal
gira 180, mas é importante compreender como essa separação ocorre em uma superfície
sem singularidade, lisa como um cilindro circular, por exemplo. O esquema da
Fig.(1.30b) ajuda a compreender esse fenômeno. Considerando que o escoamento seja
irrotacional ( = 0 no diagrama à direita), como ele “quase” é a montante, a velocidade
tangente é nula no ponto A (“ponto de estagnação”) e é acelerada pelo campo favorável
de pressão até o valor 2U em C; daí em diante, se continuasse em seu modo irrotacional,
ela seria paulatinamente desacelerada pelo campo adverso de pressão até zerar outra vez
em E. No fluido real, no entanto, a condição de aderência obriga que a velocidade seja
nula na superfície do cilindro e o défice de velocidade em relação ao escoamento
irrotacional indica que o escoamento não possui energia cinética suficiente para vencer o
gradiente adverso de pressão, invertendo por isso o sentido nas vizinhanças da placa, ver
Fig.(1.30c). De uma maneira mais formal, se  for o ângulo medido a partir de A e u(r,)
for a velocidade tangente, deve-se ter u/r > 0 no ponto C = (d/2,/2) e u/r = 0 no
ponto S = (d/2,s > /2)19, d sendo o diâmetro do círculo e S o “ponto de separação”.

FIG.(1.30c): Acima: Representação da camada limite na superfície retificada no entor-


no do ponto de separação S. Abaixo: Visualização do escoamento em torno de cilindro
circular em Re = 41: bolha estacionária e ponto S na intersecção da bolha com o círculo.
(Fonte: Van Dyke (1982))

19
A Fig.(1.30c) mostra claramente que o ponto de separação no regime estacionário ocorre para s > 90.
No entanto, como será visto a seguir, a solução estacionária fica instável para Re > 46.5, a solução estável
resultante correspondendo a uma carreira de vórtices que empurra o ponto de separação para a esquerda;
tipicamente s  83 na faixa 103 < Re < 105, quando a camada limite ainda é laminar.

67
FIG.(1.31): (a) Esquema representando a “camada cisalhante”; (b) instabilidade
da camada cisalhante em fluido ideal. Perturbação anti-simétrica e h/a  0.281.

Um argumento simples indica que a camada cisalhante é sempre instável em um


fluido ideal ( = 0). De fato, consideremos uma perturbação na camada cisalhante na
forma de uma ondulação na linha que a define e analisemos a linha de vórtices negativos
na face superior do cilindro: na situação perturbada, os vórtices nas cristas da ondulação
tendem a deslocar os vórtices da cava da direita para a esquerda, enquanto os localizados
nas cavas tendem a deslocar os vórtices da crista da esquerda para a direita, como
indicado pelas setas na figura; como a vorticidade é convectada pelo escoamento bi-
dimensional em um fluido ideal, ver exercício (1.26), ela tende a se concentrar nos nós da
ondulação, ver Fig.(1.31b). Se as perturbações – as ondulações – nas camadas cisalhantes
superior e inferior forem anti-simétricas20, como indicado na Fig.(1.31b), os vórtices são
lançados alternadamente das faces superior e inferior e essa carreira alternada só será
estável para uma relação h/a muito bem definida: h/a = 0.231.
A intensidade da circulação  pode ser estimada a partir de uma identidade
importante: observando que, por definição, u(x,) = U, onde U é a velocidade do
escoamento irrotacional fora da camada limite, o fluxo de vorticidade é dado por

 
u 2
Q   u  dy  ½  dy  ½U 2 (1.49a)
0 0
y

20
Se as perturbações nas camadas cisalhantes superior e inferior forem simétricas a carreira de vórtices na
esteira é simétrica, como se vórtices fossem lançados simultaneamente das faces superior e inferior do
cilindro; essa configuração, no entanto, é sempre instável, como mostra a análise simplificada elaborada no
exercício (1.24).

68
e é ele que alimenta a vorticidade das camadas cisalhantes; supondo que somente uma
parte desse fluxo – 50% digamos  seja aproveitado pela camada cisalhante e que  seja a
densidade de vorticidade por unidade de comprimento nessa camada, da igualdade dx =
Ucdt = ½Qdt segue que   ¼U2/Uc, onde Uc = dx/dt é a velocidade da esteira21;
simplificando, podemos tomar   ¼U e  como a integral de  no comprimento a; assim

    a  ¼Ua .  h/a  0.231 com h  d  (1.49b)

Essa estimativa será utilizada mais adiante e é importante fecharmos aqui pelo
menos um ponto na presente discussão. Para números de Reynolds na faixa Re > 103 no
caso do círculo, o valor do coeficiente Cd é dominado pelo arrasto de forma e é assim
influenciado pela posição do ponto de separação S. Como esse ponto não é, no caso do
círculo, definido por nenhuma singularidade da geometria, sua posição é determinada
pela dinâmica do escoamento e varia, portanto, com o número de Reynolds: é isso que
explica a (fraca) dependência entre Cd e Re observada na faixa Re > 103, ver Fig.(1.35).

FIG.(1.32): Escoamento em torno de cilindro circular para Re crescente: instabilidade


da solução estacionária e carreira de vórtices – (Bifurcação de Hopf ; exercício.(2.9))
(Fonte: Schlichting (1968))
21
A carreira de vórtices inferior (superior) induz na carreira de vórtices superior (inferior) uma velocidade
contrária ao escoamento: as carreiras de vórtices deslocam-se com uma velocidade Uc um pouco menor que
U e no modelo de fluido ideal pode-se mostrar que Uc  0.8U, ver Lamb (1932).

69
A Fig.(1.32) apresenta a visualização do escoamento em torno de um cilindro
circular para Reynolds crescente na faixa Re < 300: o primeiro quadro mostra a solução
estacionária estável (Re < 46.5), o segundo a ondulação da esteira no regime periódico
(Re > 46.5) e, pouco a pouco, os quadros mostram como essa ondulação se reparte em
uma carreira de vórtices discretos que oscila com uma freqüência s = 2fs  U/d muito
bem definida, denominada “freqüência de Strouhal”.
Uma estimativa um pouco mais precisa que U/d para essa freqüência é possível
observando, como já comentado, que a carreira de vórtices se desloca com a velocidade
Uc  0.8: como a carreira é propagada com Uc tem-se Uc = a/Ts, onde a é o comprimento
de onda e Ts o período, e assim (fs = 1/Ts; h  d)

fs d U c h h 
St(Re)    0.18 ,   0.231 (1.49c)
U U a a 

onde St(Re), o número de Strouhal, fornece a freqüência adimensional da esteira.


A carreira alternada de vórtices quebra a simetria instantânea do escoamento em
torno do círculo embora a mantenha em média: essa quebra de simetria induz o
aparecimento de uma força transversal L(t), periódica com período Ts, e de valor médio
nulo. Supondo a carreira de vórtices da Fig.(1.31b) em um fluido ideal e impondo que a
circulação total à esquerda de uma linha vertical fixa no espaço mantenha-se constante, o
seguinte cenário se descortina: quando um vórtice na carreira de cima (negativo)
atravessa essa linha vertical, a circulação em volta do cilindro deve variar por um fator
, para manter invariante a circulação global; um tempo ½Ts um vórtice positivo da
carreira inferior atravessa a linha, provocando uma variação + na circulação do cilindro.
Esse arranjo sugere que a circulação em volta do cilindro seja igual a ½ em meio ciclo e
 ½ na outra metade ou, supondo uma variação lisa, que (t) = ½sin(st) com 
estimado em (1.49b); portanto L(t) = U(t)  1/8U2asin(st) e como d/a  0.231

L(t)
 CL (t)   sin s t;
½U 2 d
1/ 2 (1.49d)
 1 Ts 2 
 rms CL (t)    CL (t)dt   0.71,
 Ts 
 0 

as estimativas (1.49c,d) sendo compatíveis com os valores observados.


A perda da estabilidade da solução estacionária e o regime periódico (“ciclo
limite”) observado caracterizam uma bifurcação de Hopf, ver exercício (2.9).

70
1.6.3: Geometria do Corpo e Força de Arrasto

Um argumento geral permite estabelecer uma relação mais direta entre a


geometria do corpo e a força de arrasto. De fato, seja um corpo com dimensão
característica d na direção do deslocamento e d na direção ortogonal; à medida que o
corpo se desloca através do fluido ele forma uma esteira rotacional de espessura de, como
indicado na Fig.(1.33), com de  d, e a força de arrasto fornece a potência gasta na
dissipação da vorticidade na esteira.

FIG.(1.33): Corpo com dimensão característica d deslocando-se com


velocidade U e deixando esteira rotacional com espessura de.

A esteira formada pelo corpo se estica com o tempo e tem um comprimento da


ordem Ut; a energia cinética nessa região fluida é da ordem esteira  ½ (deUt)U2 e
exige, para ser criada e posteriormente dissipada, que seja fornecida uma potência esteira
= desteira /dt  ½ deU3. Como a potência fornecida é igual a DU, da igualdade

  esteira  ½   d e  Ut   U 2 ;
  esteira  fornecida  D  U (1.50a)
 esteira  ½   d e  U   U 2 ; 

segue que  d e  d  

D D d  d
  (1)  Cd   e    . (1.50b)
½ U d e
2
½ U d
2
d  d

A expressão (1.50b) estabelece uma relação direta entre a força de arrasto e a


dimensão transversal d do corpo e é consistente com os valores da força de arrasto
encontrados na literatura. Para a placa plana paralela ao escoamento tem-se {d = 0; de =
 << l} e portanto Cd  /l, de acordo com o exposto no item (1.6.1); para a placa plana
ortogonal ao escoamento {d = l; de  l} e Cd  (1).

71
de

FIG.(1.34): Corpo delgado (placa plana; Re = 10000) com esteira de largura 


e corpo rombudo (cilindro circular; Re = 2000) formando esteira com de  d.

A Fig.(1.34) mostra a visualização do escoamento em torno de uma placa plana


paralela ao escoamento e em um cilindro circular: no primeiro caso é claro que de  ,
com  sendo a espessura da camada limite, e no segundo caso de  d.
Recordando: se d for a dimensão do corpo na direção de seu translado e d for a
dimensão na direção ortogonal, tem-se

d
  1: arrasto de fricção (corpo delgado);
d
d
    (1) : arrasto de forma (corpo rombudo),
d

o arrasto de fricção sendo ordens de magnitude menor que o de forma (ver, a propósito,
Fig.(1.36a)). Esse resultado estabelece um elo entre as duas visões antecipadas na
primeira página desse capítulo: do ponto de vista geométrico, os corpos projetados para
serem deslocados através de um fluido são corpos com geometrias esbeltas, delgadas; do
lado da teoria, os corpos que exigem forças de arrasto diminutas geram pouca vorticidade
na esteira; as expressões (1.22) e (1.50b) formalizam a junção dessas duas vertentes.
A Fig.(1.35a) mostra a variação com o número de Reynolds da força de arrasto
em uma placa plana. A solução designada “wholly laminar” é a solução de Blasius
(1.47c) repetida aqui por conveniência,

D 2.66
Cd (Re)   ,
½U l
2
Re

o fator 2 sendo devido à normalização utilizada; a solução designada “wholly turbulent”,


correspondendo à força de arrasto quando o escoamento sobre a placa é turbulento em
toda a placa, será analisada na próxima seção. A linha curva unindo esses dois ramos

72
corresponde a escoamentos que são laminares na parte inicial da placa e turbulentos na
parte final.

(a) (b)
FIG.(1.35): (a): Arrasto de Fricção: Coeficiente de Arrasto em placa plana;
(b) Arrasto de Forma: Cilindro circular (A = 2a); Esfera e disco (A = a2).

A Fig.(1.35b) mostra a variação do coeficiente de arrasto Cd = D/½U2A em


função de Re para três corpos rombudos, todos com o mesmo raio a: um cilindro circular
(A = 2a), uma esfera (A = a2) e um disco circular perpendicular à corrente (A = a2).
Para o cilindro circular e para a esfera observa-se, como antecipado, uma fraca variação
de Cd com Re na faixa 103 < Re < 105, onde a camada limite é laminar e o arrasto de
forma é dominante. Na placa plana a camada limite fica turbulenta para Re  3x105; no
cilindro circular e na esfera a turbulência na camada limite aparece um pouco antes, por
volta de Re  105, essa diferença sendo devida à influência do campo de pressão adverso
na estabilidade dessas geometrias curvas. Na faixa 105 < Re < 106 a força de arrasto está
no interior da região tracejada porque depende essencialmente de fatores secundários, por
exemplo, a rugosidade da parede: se a parede for mais rugosa a transição para a
turbulência é antecipada e a força de arrasto diminui; se ela for mais lisa, a transição para
a turbulência é postergada e a força de arrasto aumenta22. Finalmente, se Re > 106 a
camada limite é turbulenta e o coeficiente de arrasto cai para uma valor da ordem de 50%
do valor da força de arrasto na faixa laminar 103 < Re < 105.
O caso do disco circular reafirma o que foi exposto no texto: assim como em uma
placa plana ortogonal ao escoamento, o arrasto no disco circular é exclusivamente de
forma e Cd não varia com o número de Reynolds: a “linha de separação” da camada
limite está definida pela geometria – ela ocorre na borda do disco – e não depende, por
isso, da dinâmica do escoamento.

22
Há outros fatores envolvidos, como a intermitência na posição do ponto de separação, e a força de arrasto
varia, por isso, ao longo do ensaio: na região 105 < Re < 106 a força de arrasto não está, para essas
geometrias, univocamente definida em função de Re.

73
A mudança do regime de escoamento, de laminar para turbulento, influencia de
maneira distinta o arrasto nos corpos rombudos e delgados. Nos corpos delgados, como a
placa plana paralela ao escoamento, a força de arrasto por fricção aumenta quando o
escoamento passa de laminar para turbulento; nos corpos rombudos o arrasto é
basicamente de forma e a transição do regime de escoamento de laminar para turbulento
na camada limite afeta a posição do ponto de separação, diminuindo a força de arrasto.
Nos corpos rombudos onde a “linha de separação” é definida pela geometria, a força de
arrasto não é influenciada pela transição.
A breve discussão da turbulência na próxima seção explica esse comportamento
ambivalente na transição do regime laminar para turbulento, mas gostaríamos de encerrar
essa seção com algumas observações que parecem pertinentes.

FIG.(1.36a): Coeficiente de arrasto em fólio em função da esbeltez T/L,


Re = 4x105; Ponto: diâmetro do cilindro circular com mesmo arrasto.

FIG.(1.36b): Separação da camada limite na região à ré de um corpo de revolução


esbelto com terminação arredondada; Re = 1.3x105.(Fonte: Batchelor (1970)).

74
A Fig.(1.36a) mostra a curva de arrasto em um fólio com razão de esbeltez  =
T/L em função de T/L para um número de Reynolds Re = UL/ = 4x105. Para T/L = 0
(placa plana) o arrasto de fricção coincide com a solução de Blasius e para 0 <  = T/L <<
1 observamos um rápido aumento do arrasto de forma com a razão de ebeltez  = T/L: ele
corresponde a 1/3 do valor total para  = T/L = 0.15 e 2/3 para  = T/L = 0.4; na
realidade, consistente com (1.50b), o arrasto de forma cresce quase linearmente com  na
faixa  < 0.3 e a Fig.(1.36b) mostra, nitidamente, a separação da camada limite na ré de
um corpo alongado.
Finalmente, uma imagem vale mais que mil palavras e a Fig.(1.36a) exemplifica
esse dito de forma contundente: ela mostra o diâmetro do cilindro circular (ponto na
figura) para o qual a força de arrasto é igual à do fólio para uma mesma velocidade de
escoamento, mantendo a condição de Re = UL/ = 4x105 para o fólio.
Essa discrepância de valores das forças de arrasto tem repercusões importantes no
projeto e análise de diferentes sistemas da engenharia, onde a presença de corpos
rombudos de pequenas dimensões nos induziriam a ignorá-los em uma primeira
aproximação. Por exemplo, os bi-planos utilizados na origem da aeronáutica foram pouco
a pouco abandonados com o aumento da velocidade de vôo: a treliça de travamento entre
as duas superfícies de sustentação roubava uma parte fundamental da potência fornecida,
inviabilizando o aumento de velocidade acima de um certo valor. Na Engenharia Naval,
petroleiros são embarcações gigantescas – tipicamente com 360m de comprimento, boca
(largura) de 60m e calado da ordem de 20m – e são amarrados por um conjunto de 6 a 12
cabos com diâmetros menores que 0.2m; nessa situação apresentam um movimento
oscilatório longitudinal, causado por uma certa ressonância com as ondas do mar, e a
amplitude da oscilação depende essencialmente do amortecimento fluido no casco e
linhas de amarração: apesar das dimensõe gigantescas, 70% da energia do movimento é
dissipada pelo arrasto nas linhas de amarração e somente 30% pelo caso da embarcação.
A mensagem da Fig.(1.36a) é clara, portanto: em sistemas otimizados para se deslocarem
através de um fluido, a presença de diminutos corpos rombudos tem que ser
criteriosamente avaliada para não inviabilizar o projeto ou análise desses sistemas.

1.7: INFLUÊNCIA DA TURBULÊNCIA NA FORÇA DE ARRASTO

O escoamento laminar, de lâminas de fluidos que deslizam ordenadamente uma


sobre as outras, é raro na natureza: esse escoamento logo se desarranja, logo se desarruma
em um movimento profundamente rotacional e desordenado que caracteriza o
escoamento turbulento.

75
A evidência clássica da passagem do regime laminar para o turbulento é fornecida
pelo experimento de Reynolds em um duto circular, conforme indicado na Fig.(1.37).
Injetando um corante no meio fluido observamos inicialmente, para velocidades ainda
“pequenas”, que o corante desenha uma linha reta no fluido: as inevitáveis perturbações
são aqui amortecidas e o escoamento mantém-se laminar. No entanto, a partir de um
determinado valor da velocidade (isso é, para Re “grande”) as perturbações são
amplificadas e o corante já não desenha mais uma linha: ele borra o fluido, indicando
uma mistura das camadas e uma desorganização do escoamento antes laminar.

FIG.(1.37): Experiência de Reynolds: Transição do escoamento em dutos.


a) escoamento laminar (Re = 1150); b) escoamento turbulento (Re = 2520).

Essa capacidade de mistura provocada pela desorganização é, sem sombra de


dúvida, o aspecto mais notável do escoamento turbulento: tudo se passa como se a
viscosidade tivesse sido aumentada milhares de vezes, tornando, em média, o escoamento
muito mais homogêneo. Para entender como o movimento aleatório da turbulência
equivale, grosso modo, a um aumento dramático da “viscosidade efetiva”, é importante
que se compreenda antes como a “aleatoriedade microscópica” – a agitação térmica de
um gás, por exemplo – se relaciona intimamente com a viscosidade do fluido. Esse é o
objetivo do próximo item.

1.7.1: Viscosidade e Teoria Cinética dos Gases

Consideremos o escoamento u = u(y)i de um gás ideal, onde as moléculas


deslocam-se livremente sem que haja qualquer coesão entre elas. No sistema de

76
referências que se move com u(yo)i observamos, nas vizinhanças da cota yo, o campo de
velocidade

 u 
u ( y)    y  y o  , (1.51a)
 y  o

definindo uma “camada cisalhante” (“shear layer”) que divide o espaço em duas partes:
uma “superior” (y > yo), onde a velocidade do escoamento é positiva, outra “inferior” (y
< yo), onde a velocidade é negativa, ver Fig.(1.38).

FIG.(1.38): Velocidade local em um gás observado em sistema que se move com uo.
(2:livre percurso médio 2x107m; c: velocidade molecular média  460m/s)

As moléculas que constituem o meio gasoso são transportadas pela velocidade


(1.51a) do escoamento enquanto se “agitam termicamente”, em um movimento aleatório
que só cessa na condição limite do zero absoluto de temperatura; o valor médio c dessa
velocidade “térmica” é, como já comentado, da ordem da velocidade do som no meio23 e
cresce com a raiz quadrada da temperatura do gás (c  (T)1/2; tipicamente, c  460m/s).
Devido a essa agitação aleatória, moléculas na região do espaço y < yo com velocidade
negativa passam para a parte superior y > yo e moléculas com velocidade positiva passam
para a parte inferior do espaço, trazendo com elas suas respectivas quantidades de
movimento e alterando assim o balanço de momentum: essa transferência de quantidade
de movimento tende a acelerar a parte inferior do fluido e desacelerar a parte superior e
como força está associada à variação de quantidade de movimento, uma força por
unidade de área – uma tensão de cisalhamento – é criada nessa troca: é essa a origem
microscópica da tensão viscosa nos gases e um argumento simples permite relacionar
uma entidade macroscópica, como o coeficiente de viscosidade , com parâmetros
microscópicos do gás.

23
Repetindo o argumento: as pequenas perturbações em um gás, macroscopicamente propagadas com a
velocidade do som, são internamente transmitidas pelo contato entre as moléculas: não é de espantar,
portanto, que a velocidade do som cs seja muito próxima da velocidade média c das moléculas.

77
Para gases relativamente diluídos (gás ideal) a única interação entre moléculas
ocorre devido às colisões e o livre percurso médio24 2 é a distância média que uma
molécula percorre sem se chocar com uma outra; tipicamente,   107 m. Podemos
estimar a troca de quantidades de movimento ao longo do plano y = yo supondo duas
fileiras de moléculas distantes entre si de 2, como esquematicamente indicado na
Fig.(1.38); se N for o número de moléculas por unidade de volume e S for um elemento
de área no plano y = yo, o número médio de moléculas que cruzam esse plano no
intervalo de tempo t é dado por25 1/6NctS; como cada molécula transporta sua
quantidade de movimento, se m for a massa de cada molécula a variação da quantidade
de movimento na parte “inferior” e “superior” pode ser estimada por P =  1/3
[Nm(u/y)o] ctS pois, por exemplo, a parte “inferior” ganha ½P das moléculas
que vêm de cima e mais outro tanto das moléculas que saem de baixo com quantidade de
movimento negativa. A força é obtida pela variação no tempo da quantidade de
movimento (F = P/t) e observando que a densidade  do fluido é dada pelo produto
do número de moléculas por unidade de volume pela massa de cada molécula ( = Nm), a
tensão de cisalhamento  =  F/S pode ser escrita como

1
    u / y    c . (1.51b)
3

Para o ar, por exemplo,   1.21 kg/m3, c  460m/s,   10-7m e portanto  = /
 1.5x10-5 kg/ms, um valor próximo do determinado por uma medida mais direta, ver
Tabela (1.1) no final do item (1.4.3). A relação (1.51b) mostra também que a viscosidade
dos gases aumenta com a temperatura, posto que é proporcional à agitação térmica do
gás representada pela velocidade c  T1/2. Esse comportamento, confirmado pelos
experimentos, é oposto daquele observado nos líquidos: aí a viscosidade diminui com o
aumento da temperatura, pois as forças de coesão entre as moléculas do líquido se
tornam mais tênues com o acréscimo da temperatura. É importante reafirmar que no
modelo de gás ideal, aqui suposto, as moléculas interagem só por choque, a coesão entre
moléculas sendo suposta nula.
A estimativa da viscosidade a partir dos parâmetros microscópicos do gás pode
ser melhorada com um cálculo mais acurado do que esse aqui feito mas, no presente
24
Embora exista uma maneira de se estimar de forma mais direta esse valor de 2, ver Born (1933), a
forma mais tradicional é através de medidas macroscópicas, como da própria viscosidade: nesse sentido,
existe uma certa circularidade no raciocínio aqui esboçado, mas o que nos interessa é mais a estrutura desse
raciocínio que a predição final.
25
Considera-se que 1/3 das moléculas tenham velocidade paralela ao eixo y e que metade delas se afastam
do plano y = yo; portanto 1/6 do número total de moléculas nesse volume cruzam esse plano.

78
contexto, a importância dessa análise não reside exatamente aí, ela se localiza mais no
espaço conceitual que oferece: ao elaborar um modelo mecânico para a origem da
viscosidade a partir da “aleatoriedade microscópica”, ao definir uma relação entre a
aleatoriedade microscópica e a difusão macroscópica, a Teoria Cinética dos Gases
fornece um arquétipo útil para o estudo da turbulência dos escoamentos, um dos
fenômenos mais intricados de toda a Física-Matemática. Essa analogia foi utilizada por
Prandtl no desenvolvimento da camada limite turbulenta e somente um aspecto desse
estudo será aqui abordado. Escrevendo o campo de velocidade turbulento na forma

 T


1
 u(x)  lim u(x, t)dt;
 T  T
 0
u(x, t)  u (x)  u (x, t) com  1/ 2 (1.51c)
  T 

1

 rms u(x, t)  lim u (x, t)dt;
2  ,
  T  T 
 0 

a determinação do campo médio u(x) é o objeto do estudo, a parcela u (x, t) sendo a


componente aleatória, como a agitação térmica. A troca de quantidades de movimento
em uma “shear layer” de u(x) ocorre agora não no nível molecular, mas sim em uma
massa agregada de fluido que se movimenta livremente na camada de mistura t em um
movimento aleatório; por analogia, a “difusividade turbulenta” pode ser estimada por

 t rms u   t rms u   t
 t  rms u   t    Re  1 , (1.51d)
  Ul

pois embora {rms u/U; t/l} << 1, o produto é ainda muito maior que 1/Re na faixa Re do
regime turbulento. A “difusividade turbulenta” já não é mais uma propriedade do fluido –
ela é uma propriedade do escoamento – e seu efeito global é homogeneizar o campo
médio de velocidade u(x) de uma forma muito mais acentuada que no escoamento
laminar, como indicado de forma esquemática na Fig.(1.39).

FIG.(1.39): Forma esquemática das camadas limites turbulentas (Re grande) em


(a) duto circular e em (b) placa plana: perfil de velocidade tenta imitar perfil do
escoamento de fluido ideal (“Re ”), mas mantendo a condição de aderência.

79
1.7.2: Análise Qualitativa da Turbulência – Placa Plana

Seja uma corrente com intensidade U incidindo sobre uma placa plana e x a
coordenada de um ponto da placa medida a partir do bordo de ataque. O número de
Reynolds é definido por Re(x) = Rx = Ux/ e a instabilidade da camada limite, que dá
origem à turbulência, tem início no bordo de fuga da placa quando Rl = Recr  1.2x105 e
rapidamente caminha corrente acima. Suporemos aqui que o regime turbulento esteja
definido e seja D(x) a força de arrasto na região [0;x] da placa e (x) a tensão de
cisalhamento; por definição

x
D(x) ½D(x)
Cf (R x )   ; ½D(x)   ()d ,
½ U (2x) ½ U 2 x
2
0

a outra metade da força de arrasto vindo da fricção na parte inferior da placa; assim

d d
(x)  ½D(x)   ½U 2   x  Cf (R x )  ,
dx dx

e supondo Cf(Rx)  (Rx), da relação acima segue que

(R x ) d
cf (R x )    x  Cf (R x )   1     Cf (R x ) .
½U 2 dx

Introduzindo a “velocidade de fricção” u * (R x ) pela expressão

(R x )  u *2 (R x ) , (1.52a)

os seguintes parâmetros definem o comportamento hidrodinâmico da placa plana:

 Cf (R x )  a1  R 
x ;

(R x )
  a 2  R 
x ;
x
(R x ) 0    ½ (1.52b)
 cf (R x )   1    a1  R 
x ;
½U 2
u *2
  ½ 1    a1  R 
x .
U2

80
Em (1.52b) utilizamos (1.50b), com de = (Rx) no caso da placa plana, para
determinar a dependência entre  e Rx e estamos supondo aqui que as soluções em
diferentes seções são “similares” – na realidade, idênticas se propriamente
normalizadas pelo número de Reynolds. O valor  = ½ em (1.52b) corresponde, como já
dito, ao regime laminar, ao passo que o intervalo 0 <  < ½ corresponde a regimes
turbulentos26 com graus variados de turbulência.

FIG.(1.40): Perfil 1/n de velocidades no duto em função de Re: (u(y)/U)n = y/R.


( R: raio; y: distância da parede; U: velocidade média na seção do duto).

No estudo do escoamento em um duto circular de raio R, o perfil de velocidade


em função da distância y à parede segue a lei empírica u(y)/U = (y/R)1/n, como indicado
na Fig.(1.40) extraida de Schlichting (1968), e Prandtl a estendeu em 1921 para a placa
plana27, definindo o perfil médio de velocidades na camada limite por expressões
algébricas da forma

1/ n
u(y) u y
   *  ; n  1, (1.53a)
u*   

o valor n = 1 correspondendo, como indicado nas Fig.(1.13b) e Fig.(1.28), à camada


limite laminar. A espessura  da camada limite é definida pela condição u()  U e assim
(1.53a) pode também ser escrita na forma

1/ n
u(y)  y 
  ,  n  1 (1.53b)
U 

26
Como sugere a Fig.(1.39), o cisalhamento na parede quando o regime é turbulento é maior que no caso
laminar e portanto deve-se ter, necessariamente,  < ½ nesse regime.
27
Segundo Schlichting (1968), essa hipótese foi verificada experimentalmente por Burgers (1924) e
Hansen (1928) para números de Reynolds moderadamente altos ( 106).

81
e a Fig.(1.41) apresenta o perfil adimensional de velocidade nas camadas limites laminar
e turbulenta para n = 7; note-se, no entanto, que a distância à placa é normalizada pela
espessura da camada limite e que turbulento >> laminar , ver (1.52b) com  < 1.

FIG.(1.41): Perfil adimensional das camadas limite laminar e turbulenta.

Não é difícil estabelecer uma relação entre o coeficiente  introduzido em (1.52b)


e o coeficiente 1/n do perfil de velocidade. De fato, de (1.53a) segue


1/ n 1/ n 1/ n
u(y) u * u  y
  *  R1/x n     ,
U U U x 

e igualando essa expressão a (1.53b) obtém-se

(n 1) / 2n
 u2  
1/ n

  *2  R1/x n   1,
U  x

ou, com o auxílio de (1.52b),

 (n  3)  2

  ½(1  )a1 
n 1
 a 2n  R x  1.
2n 1
2n

Os coeficientes {a1; a2; } não dependem, por hipótese, de Rx,  na realidade, eles
dependem “muito fracamente” de Rx  e a igualdade acima só se verifica se a seguinte
relação entre o expoente  em (1.52b) e o coeficiente 1/n do perfil for observada:

2
 . (1.53c)
n 3

82
Para n = 1 (perfil laminar) a expressão (1.53c) fornece o  = ½ da solução de
Blasius; no regime turbulento (n > 1) o valor de n cresce com o número de Reynolds,
como indicado na Fig.(1.40), e o perfil de velocidades na camada limite mais e mais se
aproxima do “perfil uniforme” u(r)  U quando Re   (e 1/n  0).
O perfil 1/n da velocidade média u(y) fornece, no entanto, uma tensão de
cisalhamento infinita na superfície y = 0 quando n > 1 pois

11/ n
u U 1
lim  lim     ,
y 0 y y 0  n y
 

um resultado que sugere, nas vizinhanças da placa plana, a existência de uma sub-
camada laminar28 de espessura lam << , onde o perfil de velocidade varia linearmente
com y; nessa sub-camada a tensão de cisalhamento é dada por     u(lam ) / lam e
observando as relações,

 u(lam )
     ;
 
1/ n
 lam
u(lam )  U   lam  
    C  a  Re     (2l )  2   lam  ,
1/ n

 f ½U 2  (2l ) U  lam   


1

obtém-se, desprezando 1/n face a 1 e recordando que /l  (Re ),

11/ n 11/ n
    l   l   l  1
1/ n

1/ n
l 1
  lam          (1 / n )
  ,
U  lam    U  l  lam    lam  Re  lam  Re

e igualando essa última expressão a Cf  Re  , as seguintes relações são derivadas,

lam 1
  (1 ) ;
l Re
(1.54a)
 1
 lam  (1 2 ) ,
 Re

um resultado que recupera a identidade lam   para  = ½ : a sub-camada laminar


coincide com a camada limite inteira no regime laminar.
28
Seguimos aqui o trabalho inicial de Prandtl e restringimos assim o escopo da análise a números de
Reynolds “moderadamente altos” (ver (1.57c)); omitimos, por isso, a lei logarítmica universal que estende
essa análise para números de Reynolds maiores e pode ser encontrada em Schlichting (1968).

83
Na faixa de números de Reynolds “moderadamente altos” podemos escrever

lam
  a 2,lam  Re 3 / 4 ;
l
(1.54b)
1
 a 2,lam  (0.25 ) ,
Re

onde o coeficiente a2,lam varia muito lentamente com Re – por exemplo, com Re1/20
quando  = 1/5  e o expoente ¾ não é acidental, como comentado no final desta seção.
Na faixa 5x105 < Re = Ul/ < 107 de números de Reynolds “moderadamente
altos” o perfil de velocidade se ajusta a (1.53b) com n = 7 – esse é o consagrado perfil 1/7
de velocidade – e Prandtl derivou então as expressões (ver (1.53c) e Schlichting (1968))

 5x105  Re  107 ;   D 0.074


  Cf (Re)   ;
   ½  U (2l ) Re1/ 5
2

 n  7;   1/ 5;    (1.54c)
1.93  a 2,lam  2.24.     0.37 ,
   l Re1/ 5

para o coeficiente de arrasto Cf e espessura  da camada limite; note-se que a variação de


a2,lam é, como antecipado, muito tênue nessa faixa.
A solução de Prandtl é a linha indicada por “wholly turbulent” na Fig.(1.35a) e
apresenta uma aderência muito boa com os dados experimentais: tanto o arrasto como a
espessura da camada limite têm um acréscimo substancial quando o regime passa de
laminar para turbulento. É importante reconhecer que a vorticidade gerada pela condição
de aderência se espraia por uma região muito mais larga no caso do escoamento
turbulento, pois a espessura da camada limite é muito maior aí, mas sua intensidade
média é menor na mesma proporção, pois


1 u U
z (y) camada   dy  , (1.54b)
limite  0 y 

a aparência de uma vorticidade mais intensa no escoamento turbulento sendo errônea (em
média): a fumaça da visualização indica a região onde z  0, não a intensidade de z.

1.7.3: Influência da Turbulência no Arrasto de Forma

A Fig.(1.42) mostra, de forma esquemática, os perfis de velocidade em um ponto


A de um cilindro circular nos regimes laminar e turbulento; a coordenada y está

84
normalizada pelas respectivas espessuras  e, no que toca o regime turbulento, dois
pontos merecem destaque: primeiro, a velocidade u(y) é aí a velocidade “média no
tempo” u(y) ; segundo, no perfil turbulento a figura indica pelo segmento reto na região
y/ << 1 a camada sub-laminar de espessura da ordem Re3/4d, ver (1.54a), muito menor
que a espessura da ordem Re1/2d do regime laminar. A conclusão óbvia é a seguinte: a
energia cinética média do escoamento turbulento na região y  (d/Re1/2) é muito maior
que no regime laminar e por isso o escoamento turbulento suporta por mais tempo – isso
é, ao longo de uma distância maior – o gradiente adverso de pressão p; ou, dito de outra
forma: a separação da camada limite no regime turbulento é postergada.

FIG.(1.42): Perfil de velocidades u(y)/U = (y/)1/n na camada limite sob ação de gradiente
adverso de pressão. E: ponto de estagnação do escoamento reverso.

a)

b)

FIG.(1.43a):Escoamento em torno de um canto vivo.(a) escoamento laminar com des-


colamento da camada limite; (b) escoamento turbulento.(Fonte: Van Dyke (1982)).

A Fig.(1.43a) mostra isso de forma clara: em um escoamento em torno de um


“canto vivo” pouco proeminente, a camada limite no regime laminar se descola do corpo
justo no canto vivo, como esperado, enquanto no regime turbulento o escoamento tem

85
energia suficiente para contorná-lo ao menos nesse caso, onde a singularidade geométrica
não é muito aguda. É também importante observar na região a montante do “canto vivo”
as espessuras das camadas limites laminar e turbulenta: além de mais espessa, como
predito pela teoria, a camada limite turbulenta é muito menos organizada que a laminar,
pois envolve também o campo aleatório u (x, t) , ver (1.51c).
Na Fig.(1.43b) o mesmo resultado é visualizado em um contexto mais próximo do
assunto em pauta: a figura à esquerda mostra um escoamento laminar em torno de uma
esfera, o ponto de separação estando um pouco aquém do meridiano (s  80); na figura
à direita o mesmo escoamento é perturbado por um fio de arame, tornando o escoamento
na camada limite turbulento: o que se observa, de uma maneira clara, é que agora a
camada limite consegue suportar o gradiente adverso por uma distância maior, a
separação da camada limite ocorrendo no ângulo s  130.

FIG.(1.43b): Escoamento em torno de uma esfera e descolamento da camada limite.


a)Regime laminar, s  80; b) Regime turbulento, s  130.
(Turbulência excitada pelo fio. Fonte: Schlichting (1968)).

Nesses corpos onde a separação não é definida por singularidades da geometria, a


largura de da esteira se contrai no escoamento turbulento e, como Cd  (de/d), o seguinte
resultado é obtido: quando o escoamento na camada limite passa de laminar para
turbulento o arrasto de fricção, que domina a resistência em corpos esbeltos, aumenta
enquanto o arrasto de forma, que domina a resistência em corpos rombudos, diminui.
Como já comentado, nos corpos rombudos a esteira é oscilatória a partir de um
determinado Recr (Recr  46.5 para um cilindro circular) e oscila com a freqüência de
Strouhal da ordem s = 2fs  de/U e a seguinte relação pode ser derivada

s d d 
 2  St(Re)      ;
U  d e    St(Re)  C (Re)  cte.
 d (1.55)
 de  
 Cd (Re)     ; 
d  

86
Da Fig.(1.35) observamos que Cd(Re) = 1.2 quando Re  5x104 (camada limite
laminar) e que Cd(Re)  0.7 quando Re > 5x106 (camada limite turbulenta); de outro lado,
St(Re)  0.18 quando Re  5x104 e portanto, de acordo com (1.55), St(Re)  0.30 no
regime turbulento Re > 5x106, um resultado consistente com medidas experimentais
nessa faixa de número de Reynolds.

FIG.(1.44): Campo de velocidade e pressão no escoamento em torno de cilindro circular.


(Re < 46.5:  =  = 0; 46.5 < Re ≲ 105:  = 1;  = 0; Re ≳ 105:  =  = 1)

A Fig.(1.43) sintetiza os diferentes regimes em função do número de Reynolds Re


do escoamento em torno de um cilindro circular: para Re < 46.5 o escoamento
estacionário é estável e coincide com a média no tempo u(x) de u(x,t); na faixa 46.5 <
Re ≲ 105 a solução estacionária é instável devido à instabilidade da esteira e o
escoamento resultante é periódico com período 2/s, s sendo a freqüência de Strouhal;
finalmente, para Re ≳ 105 a camada limite laminar torna-se instável e o escoamento
resultante é turbulento, com uma freqüência de Strouhal ainda identificável : as parcelas
turbulentas  u (x, z, t);p(
 x, z, t)  podem ser descritas na esteira por séries de Fourier
aleatórias,

 u (x, t)   U 
 (k , t)  eik  x  (*) ;
  

(1.56)
 
 x, t)   P (k  , t)  eik  x  (*) ,
 p(

com (*) significando o complexo conjugado da parcela à esquerda, {k;  = 1,2, } os


vetores números de onda representando as oscilações no espaço e {U  ; P } funções
 

aleatórias de k e t: como será visto logo adiante, a parcela aleatória se auto-alimenta das
interações não-lineares de suas componentes, ver (1.57), e também de sua interação não-
linear com as parcelas estacionárias e periódicas.
Finalmente, o diagrama da Fig.(1.44) indica que os campos médios {u (x); p(x)}
são bidimensionais, embora as parcelas periódica (na faixa Re > 190) e turbulenta sejam
efetivamente tridimensionais (3D), o escoamento periódico 3D na faixa Re > 190
apresentando também um ruído caótico, mas ainda não turbulento.

87
1.7.4: Escala de Kolmogorov

A aceleração convectiva da parcela aleatória do escoamento, representada pelo


somatório (1.56), é quadrática no campo de velocidade e gera portanto componentes nos
números de onda k = k + k, que interagindo quadraticamente entre si originam uma
cascata de escalas de comprimento (k), uma menor que a outra à medida que k = |k| =
2/(k) aumenta: um argumento simples, baseado no balanço de energia, mostra, no
entanto, que essa cascata de escalas (k) não pode continuar indefinidamente.
De fato, a potência média dissipada por unidade de volume no modo-k é da ordem
(k) = (u(k))2  k2u(k)2, ver (1.61a) seção (1.8), e tem que ser menor que a potência
total fornecida por unidade de volume total = DU/l3  U3/l, onde U é a velocidade
incidente, l a dimensão característica do corpo e D a força externa de arrasto; assim, a
escala mínima de comprimento (kol) = 2/k(kol) – a escala de Kolmogorov – é definida
pela condição de que a potência dissipada nessa escala iguale a potência fornecida ou

  u (kol) U3 
2

   u (kol)  
2
 ;
 Re  Ul / ;   (kol)
2
l   (kol)
       Re 3 / 4  . (1.57)
    / .  u (kol)   (kol)  l
 Re(kol)   1; 

A condição Re(kol)  1 merece um comentário. A potência da inércia por unidade


de volume no modo-k é da ordem de ,(k) = (uk/t)uk  u 3(k ) /  (k ) , pois a escala de
tempo nesse modo é t(k) = (k)/u(k), e a potência dissipada é da ordem de (k) = (u(k))2
   u (k
2
) /  (k ) , como visto acima. O número de Reynolds Re(k) é o quociente entre essas
2

duas potências e portanto Re(kol) = ,(kol)/,(kol): a condição Re(kol) < (1) implicaria em
uma potência dissipada muito maior que a potência cinética do modo e isso fatalmente o
extinguiria; de outro lado, a condição Re(kol) >(1) implicaria em uma potência cinética
muito maior que a dissipada e como ,(kol)  U3/l, pois U3/l é a potência total
fornecida ao fluido, a condição (kol)  U3/l imposta em (1.57) não poderia ser satisfeita
neste caso. Portanto Re(kol) (1), como suposto em (1.57), e um ponto deve ser
enfatizado: (kol) é a mínima escala de comprimento “estável” em um escoamento
turbulento, pois escalas menores são continuamente criadas e dissipadas.
A Fig.(1.45) mostra visualmente o sentido dessa escala: macroscopicamente os
dois escoamentos aí visualizados são similares, eles diferem somente na “granulometria”,
ou seja, na escala de Kolmogorov que depende de Re: quanto maior for Re, tanto mais
fina tem que ser a “granulometria” do escoamento para que fluido consiga dissipar a
“energia em excesso”; uma verificação mais quantitativa é apresentada no item (1.7.5).

88
“baixo” Reynolds

“alto” Reynolds

FIG.(1.45): Jatos turbulentos com distintos Reynolds. O sombreado da figura


emula as microescalas turbulentas observadas nos filmes dos escoamentos.
(Fonte: Tennekes & Lumley (1972)).

A escala de Kolmogorov diminui continuamente com o aumento de Re e a


seguinte questão deve ser aqui colocada: pode a escala de Kolmogorov ficar tão diminuta
a ponto de interferir com a “escala microscópica” do meio, da ordem do “livre percurso
médio”  das moléculas de um gás? Se isso ocorrer a “hipótese de continuum” cai por
terra e com ela toda a Mecânica dos Fluidos como aqui exposta: a “hipótese de
continuum” exige /kol << 1 e necessita ser verificada. Relembrando que   /cs, com 
sendo a viscosidade cinemática e cs a velocidade do som no gás, tem-se

  d U 1 d  M
       , (1.58)
 kol cs d  kol cs Re  kol  kol Re1/ 4

onde M = U/cs é o número de Mach. Nos problemas usuais M << Re1/4 no regime
turbulento, quando Re é “grande”, e a hipótese de meio continuum – isso é, /(k) << 1 –
é preservada mesmo nas micro-escalas de Kolmogorov.
Finalizando este item, o argumento que leva à micro-escala de Kolmogorov
aplica-se, como visto, à parcela aleatória do escoamento turbulento e não, ao menos de
forma direta, à parcela média u(x) do escoamento. A parcela aleatória, entretanto,
alimenta por interações não-lineares o campo médio u(x) e é de se esperar assim que a
micro-escala kol repercuta no próprio campo médio, um resultado que pode ser
verificado diretamente: ao menos na faixa dos números de Reynolds “moderadamente
altos” a camada limite do campo médio u(x) possui uma “sub-camada laminar” com
uma espessura da ordem da micro-escala de Kolmogorov, como indicado em (1.54a).

89
1.7.5: Espectro da Turbulência

Esse item completa a breve e superficial introdução à turbulência feita na presente


seção discutindo alguns aspectos do “espectro da turbulência”, não só com o intuito de
fornecer uma verificação experimental das microescalas de Kolmogorov, mas também de
mostrar a importância que certos argumentos baseados nas escalas – de tempo, espaço,
etc. – têm na compreensão de um fenômeno e como a coexistência de diferentes escalas
permite, via a compatibilização de representações distintas nas escalas discrepantes, obter
resultados relevantes. Este é um procedimento recorrente na Física-Matemática e será
explorado nos dois capítulos seguintes com diferentes propósitos: no capítulo 2, para
obter uma expressão uniforme da força de sustentação em asas a partir da
compatibilização de aproximações distintas quando a razão de aspecto é muito grande e
muito pequena; no capítulo 3, para mostrar como a equação de Schrödinger da Mecânica
Quântica foi derivada impondo que a equação da onda na escala atômica seja compatível
na escala macroscópica com a equação da partícula da Mecânica Clássica, o caminho
que leva a teoria ondulatória à mecânica das partículas sendo traçado pela Teoria da
Refração, a mesma que determina a Lei de Snell da Ótica Geométrica.
Em larga medida o presente item é uma releitura resumida do capítulo 8 do livro
de Tennekes & Lumley (1977) e se apropria também de sugestões e comentários feitos
por um colega, Paulo Jabardo, e de resultados experimentais por ele obtidos no túnel de
vento do IPT.

1.7.5.1: Medida da Velocidade Turbulenta e Espectro

Embora os resultados a serem derivados sejam gerais, é conveniente apresentá-los


no contexto específico dos experimentos efetuados por Jabardo (2014) no túnel de vento
do IPT, pois eles serão utilizados mais adiante na verificação indireta das microescalas de
Kolmogorov.

FIG.(1.46a): Medida da velocidade turbulenta do vento e da velocidade média na


camada limite de um túnel de vento com rugosidade – Fonte: Jabardo (2014).

90
Para promover a turbulência em números de Reynolds não excessivamente altos
(Re  105) o chão do túnel de vento foi coberto com uma rugosidade, esquematicamente
indicada na Fig.(1.46a), e em certa cota l da camada limite turbulenta, a jusante da
rugosidade, as três componentes de velocidade {ua(t); va(t); wa(t)} foram medidas por um
triedro de anemômetros de fio quente.
Detalhes técnicos, de como as medidas nos anemômetros são transformadas nas
três componentes de velocidade, serão omitidos aqui, mas um ponto merece destaque: a
turbulência é uma aleatoriedade tridimensional e, embora a medida no tempo seja mais
direta, é conveniente que se considere aqui sua distribuição no espaço, inclusive porque
facilita a interpretação de uma característica não usual do espectro unidimensional que
será analisado no final deste item. No caso em pauta, a transformação da variável tempo t
na variável x do espaço é trivial: observando que a velocidade média U  U(xo ) do sinal
 xo , t)  cerca de 10 vezes maior no caso
temporal é muito maior que a parcela aleatória u(
da Fig.(1.46a)  podemos considerar U como a velocidade de convecção e desenrolando
a representação temporal no espaço através da lei de convecção29

 x  U  (t  t o ); (t o  t  T  t o ) 

x   u(x, t o )  u a (x o , t(x)); (0  x  X  U  T) , (1.59a)
 t(x)  t o  ; 
U 

determina-se o sinal u(x, t o ) no intervalo 0  x  X, ver Fig.(1.46a); subtraindo o valor


médio e desenvolvendo a função em série de Fourier obtém-se

2
 t o )  u(x, t o )  U   u   cos  k   x    ; k  
 u(x, ;
1 X
X 
(1.59b)
     u(x, t o )  U  dx  ½  u 2 .
1
2 2
u
X0  =1

 t o ) tem média nula e desvio padrão ao quadrado  2u igual


A parcela aleatória u(x,
à energia cinética por unidade de massa da parcela aleatória (turbulenta) do campo de
velocidade. As variáveis u têm médias nulas e os desvios padrões  u 2  são
invariantes em um processo estacionário (no tempo) ou homogêneo (no espaço), como
se supõe que seja a turbulência: os valores médios  u 2  representam então uma
propriedade intrínseca do processo, cristalizada em seu espectro S(k) definido pela
expressão

29
Essa é a hipótese de Taylor, introduzida em um contexto não exatamente idêntico ao aqui colocado.
Tanto aqui, como no contexto original, essa hipótese pressupõe que o processo aleatório seja estacionário
(ou homogêneo), isso é, que sua média e desvio padrão não variem no tempo (ou no espaço).

91
2 
 k  k 1  k   ;
X  
   0 S(k)dk.
2
 u (1.59c)
½ u 2 
 S(k  )  ; 
k 

FIG.(1.46b): Espectro de energia do


escoamento turbulento; (u = uk()).

Como indica (1.59c) e também a Fig.(1.46b), o espectro é uma medida de como a


energia cinética por unidade de massa se distribui pelos números de onda k e antes de
encerrar esse assunto um ponto necessita ser ainda esclarecido: a estimativa do valor
médio  u 2  , e portanto de S(k), exige que se utilizem vários processos independentes.
Há duas opções no caso em pauta: a primeira, óbvia, é repetir o experimento várias vezes
– dez, por exemplo – e tomar a média dos valores u 2 ; a segunda, mais usual, consiste em
dividir o registro de comprimento X em m sub-registros de comprimentos Xm = X/m
cada e supondo que esses sub-registros sejam independentes – essa é a famosa “hipótese
ergódica” – estimar a média dos valores u 2 obtidos em cada um deles como se fossem
“experimentos independentes”: a “estabilidade estatística” é assim tanto melhor quanto
maior for m, mas a “resolução do espectro” – isso é, a separação k entre números de
onda – piora quando m aumenta, pois então k = 2m/X. Esse conflito entre
“estabilidade” e “resolução” exige uma informação extra que as relacione, no caso o
número de onda típico ko que caracteriza o fenômeno sob estudo: se o = 2/ko for o
comprimento de onda típico, as variabilidades no comprimento de onda e na amplitude,
que caracterizam a aleatoriedade, só poderão ser detectadas se o fenômeno for observado
em uma região com dimensão Xm muito maior que o; portanto, deve-se ter Xm/o  1/
>> 1 e assim
2
k     k o    1 , (1.60)
Xm

o parâmetro  sendo usualmente da ordem de 1/10; definido  define-se o comprimento


Xm do sub-registro por (1.60) e o tamanho total do registro por mXm com m  10. A
expressão (1.60) será utilizada a seguir na estimativa do espectro.

92
1.7.5.2: Escalas Discrepantes e Espectros

A turbulência é caracterizada por uma cascata de escalas de comprimento, desde


as “grandes escalas”, da ordem da “escala macroscópica” l, até as “microescalas” de
Kolmogorov. A transferência de energia do campo médio para a parcela aleatória
(turbulenta) ocorre principalmente na faixa das “grandes escalas” (kl  1), pois essa é a
escala característica do campo médio; a dissipação ocorre nas “pequenas escalas”, nas
microescalas de Kolmogorov onde inércia e dissipação se “equilibram” com um número
de Reynolds local da ordem 1. A Fig.(1.47) mostra um diagrama onde nas extremidades
localizam-se as faixas das “grandes escalas” (kl  (1)) e do “equilíbrio” (k(kol) 
(1)) conectadas pela “sub-faixa inercial” 1 < kl < (Re3/4): o objetivo aqui é inferir as
escalas e formas gerais dos espectros nas duas faixas extremas e no próximo sub-item
compatibilizá-las na região que as conecta.

FIG.(1.47): Regiões do espectro turbulento em função das escalas de comprimento:


(a): equilíbrio: k(kol)  1 (Kolmogorov); (b): grandes escalas: kl  1.

Na “faixa de equilíbrio” das escalas de Kolmogorov tem-se (kol)/l = Re3/4 e

u (kol)   (kol)   u (kol)


  1;   Re 1/ 4 ;
  U
 
 k (kol)   (kol)  1;    k (kol)  l  Re3/ 4 ; (1.61a)
 
(kol)   (kol)  l  Re1/ 2 ,
  u (kol) ;
k (kol)   U

e nessa região o espectro S(k) não deve depender mais das “escalas macroscópicas” U e
l, que comandam a transferência de energia do campo médio para a parcela aleatória e
não sua dissipação: o espectro S(k) deve depender aí unicamente de k, da escala de
comprimento de Kolmogorov (kol) e da escala de velocidade associada u(kol).

93
A resolução do espectro nessa faixa é definida pelo valor típico k  1/(kol) do
número de onda e portanto k  /(kol), ver (1.60); dessa maneira

½  u 2k  u   
2

S(k) k 1  Sa (k)   U 2l   k    (kol)   U 2l    Re 5 / 4 


( kol )
k U
   l 
1/ 2

 
 (Re )  (Re3 / 4 )

e para acomodar variações de S(k) com o número de onda k a expressão acima deve ser
multiplicada por uma função adimensional de k que deve ser da ordem 1 quando k(kol) 
1; portanto

 Sa (k)  a  Re 5 / 4  U 2l  f (k (kol) );


(1.61b)
 f (1)  1.

Na faixa das “grandes escalas” a dissipação é irrelevante e o espectro deve ser


função de k, U e l: nessa região o número de onda típico é da ordem de 1/l e assim

½  u 2k 
S(k) kl 1  Sb (k)   b  U 2l ,
k

levando à representação

 Sb (k)  b  U 2l  F(kl );
(1.61c)
 F(1)  1.

1.7.5.3: Compatibilização

As duas representações Sa(k) e Sb(k) devem coalescer em uma região


intermediária onde 1 < kl < Re3/4 e, dado que o limite superior de kl depende de Re, é
natural expressar o adimensional kl na forma

(a) : k (kol)  l  Re   (k (kol) )  3 / 4;


3/ 4
 (k ) log kl
kl  Re   (k)    (1.62a)
log Re (b) : k (1)  l  1   (k (1) )  0,

e portanto, na região de coalescência – isso é, na sub-faixa inercial  tem-se, para o


mesmo valor de kl,

94
 kl  Re  (k ) ;
3 
0   (k)     (kol) (1.62b)
4   k (kol) kl  Re ( k )  kl   Re(  (k ) 3/ 4) ,
 l

a indicar que para Re >> 1 não só kl >> 1, como também o correspondente k(kol) é muito
menor que 1 pois (k) < ¾ , ver Fig.(1.47).
O passo seguinte na análise consiste em definir as funções f() e F() restritas
somente pelas condições f(1) = F(1) = 1; o argumento dessas funções é da forma
exponencial (Re)c, com c = (k)  ¾ para a função f() e c = (k) para a função F(), e
dado que expressões relevantes dos escoamentos laminares e turbulentos usualmente
dependem de potências de Re – por exemplo, o coeficiente de fricção da placa Cf  Re1/2
no regime laminar e Cf  Re1/5 em uma faixa do regime turbulento – parece razoável e
simples supor uma mesma dependência aqui, o que nos leva a funções da forma

 f (k (kol) )   k (kol)   Re(  (k ) 3/ 4) ;


(1.62c)
 F(kl )   kl   Re
  (k )
,

que obviamente satisfazem as condições f(1) = F(1) = 1; utilizando (1.62c) em (1.61b,c) e


impondo a identidade das duas representações para um certo kl obtém-se

Sa (k)  Sb (k) kl  Re ( k )  a  Re 5 / 4  U 2l  Re(  (k ) 3/ 4)  b  U 2l  Re (k ) .

A coalescência que se procura não é a igualdade em um ponto – em um valor


específico de kl – mas em uma certa região imersa na sub-faixa inercial onde as duas
representações devem ser aderentes: ela exige assim que, ao menos nessa região, a
igualdade acima independa de kl, e portanto de (k), o que obriga que  =  e portanto

a  (5 / 43 / 4)
Re 1,
b

uma igualdade que só será satisfeita para todo Re >> 1 se o módulo do expoente na
igualdade acima for muito pequeno; no limite Re   deve-se ter  =  5/3 e a = b e a
forma geral do espectro é assintoticamente (Re >> 1) dado pela expressão

 a  b;  5  kl  Re  (k ) ; 
 S(k)  b  U 2l   kl 

 3 para  , (1.63)
      5 3 ;  0   (k)  3 / 4 ; Re  1

95
a palavra “assintoticamente” significando que (1.63) é tanto mais precisa quanto maior
for Re.
Finalmente, é importante observar que a taxa de decaimento -5/3 do espectro é
definida pelas escalas de Kolmogorov: tanto a parcela Re5/4 em (1.61b) como o termo
Re3/4 em (1.62b) vêm de Kolmogorov e 5/3 = 5/4  3/4. Nesse sentido, a verificação
experimental da expressão assintótica do espectro (1.63) é uma verificação indireta das
microescalas de Kolmogorov e será apresentada a seguir.

1.7.5.4: Verificação Experimental das Microescalas de Kolmogorov

Como colocado no início da presente exposição, os dados experimentais de


Jabardo (2014) determinam a velocidade em um ponto fixo do espaço em função do
tempo e a Fig.(1.48a) mostra os registros das três componentes (u,v,w): o valor médio da
componente u(t) na direção do eixo do canal é aproximadamente 11 m/s, ao passo que os
valores médios nas direções transversais são muito menores, da ordem de 1 m/s para a
componente v(t) e -1.5 m/s para a componente w(t). A hipótese de Taylor utilizada em
(1.59a) está restrita à componente u(t), pois somente aí a parcela aleatória é desprezível
(cerca de 10%) face ao campo médio, e por isso somente o espectro da parcela aleatória
de u(t) será aqui apresentado e discutido.

FIG.(1.48a): Componentes da velocidade medida no Túnel de Vento do IPT.


(ver Fig.(1.46a); Fonte: Jabardo (2014)).

96
De (1.59a,b) segue que kx = k U (t  to) e portanto (k) = k U ; dessa forma

(k) 
  U;  
5
k  S(k)  l  3
  S()d  S(k)dk  S()   b  Ul    , (1.64a)
(k)  l U U
  kl ;
U 

ou então utilizando a frequência f = /2 e o desvio padrão u na normalização do


espectro, ver (1.59b), obtém-se

f  l kl
 f   ;
U 2
2 
5 (1.64b)
  S(f )  U 
2
 U   f l  3
 S(f )  2  (2) 3 b       .
u  l  u   U 


A

B

kl = 1 kl = 100 C

  ) de u(
FIG.(1.48b): Espectro S(f  xo , t) em função da frequência adimensional f  fl / U .
(Re = 2.4x105: S  S(1/
 2) ; S  S(100
   ) 30; Fonte: Jabardo (2014)).
/ 2) ; S  S(f
A B C (kol)

  )    f 5 / 3 , ver (1.64b), com  calculado no ponto A; f


(kol)  1725 .
30
Valor extrapolado utilizando S(f

97
A Fig.(1.48b) apresenta o espectro S(f ) para três valores distintos de
Re  U  l /  , l definido na Fig.(1.46a), e na ampla faixa 0.1  f  10 (0.6 < kl < 60) é
aparente que S(f)  f 5/3 para os três valores de Reynolds dos experimentos. Para os dois
menores números de Reynolds observa-se uma queda muito mais rápida de S(f) no trecho
final do espectro (f  10) e uma tendência similar, embora atenuada, é observada mesmo
no caso Re = 2.4x105: embora se espere, como observado, uma aderência do
comportamento assintótico S(f)  f 5/3 ao espectro medido em uma faixa tanto mais
longa quanto maior for Re, essa queda mais rápida de S(f) deve-se também a imprecisões
na estimativa do espectro nessa região de altas frequências e baixíssimas amplitudes. Para
o experimento com maior Re, a Fig.(1.48b) apresenta também alguns valores singulares
do espectro, designados por A,B e C, que indicam a aderência perfeita (visualmente) com
a lei S(f)  f 5/3 e confirmam assim as estimativas das escalas de Kolmogorov.
Finalmente, como a parcela aleatória tem média nula espera-se, a priori, um
espectro nulo em k = 0, um resultado observado no cálculo do “espectro tri-dimensional”,
ver Tennekes & Lumley (1977), mas não no espectro temporal apresentado na
Fig.(1.48b), que corresponde a um espectro espacial unidimensional (só na direção x):
essa diferença deve-se, como explicado por Tennekes & Lumley (1977), ao efeito do
“aliasing31 espacial” na estimativa do espectro.

***

31
A palavra alias em inglês tem a mesma origem latina de aliás no português, mas é também empregada
como substantivo e como tal ela é sinônima de pseudônimo, isso é, significa um nome falso utilizado para
esconder a própria identidade. Nesse sentido, o valor não nulo do espectro em k = 0 é devido a um
“aliasing”, isso é, à colocação em k = 0 da energia de uma componente com número de onda muito maior
que a nula: essa componente esconde “sua identidade” – esconde seu número de onda (ou frequência) real –
e aparece no espectro como se tivesse número de onda menor.

98
1.8: APÊNDICE 1: FORÇA DE ARRASTO E VORTICIDADE

O objetivo desse apêndice é deduzir a expressão (1.22), que relaciona diretamente


o coeficiente de arrasto com a vorticidade do campo de velocidade. A Fig.(A1.1) define a
superfície c e a região fluida , delimitada externamente pela esfera  de raio r; as
normais n nas superfícies de contorno de  apontam, como convencionado no Teorema
de Green, para fora da região fluida.

FIG.(A1.1): Corpo deslocado com velocidade  U(t)i


através de fluido em repouso no infinito.

Os campos de velocidade e pressão, respectivamente {u(x,t); p(x,t)}, medidos em


um sistema inercial fixo no espaço são definidos, no entretanto, em termos do vetor
posição x em relação ao sistema (não inercial) fixo no corpo e a aceleração da partícula
fluida será aqui calculada no sistema de referência inercial32. Se a partícula P ocupar, no
tempo t, a posição x, sua posição no espaço no tempo t + t em relação ao sistema (x,y,z)
preso no corpo será x + [U(t)i + u(x,t)]t, a parcela U(t)ti sendo devida ao
deslocamento para a esquerda da origem do sistema (x,y,z). Portanto

 x P (t)  x;  u u
  a(x, t)   U(t)   u   u ,
 x P (t  t)  x   U(t)i  u(x, t)  t; t x

e as equações de Navier-Stokes tomam assim a forma,

u u
  U(t)    u   u   2u  p  0;
t x (A1.1a)
 div u  0,

com condições de contorno

32
No Apêndice 2 esse mesmo problema é tratado com o auxílio do Teorema do Transporte.

99
 u(x, t) x   U(t)i;
c

1
 u(x, t)    2  quando r  ; (A1.1b)33
r 
 lim p(x, t)  0.
r 

O produto escalar da equação dinâmica em (A1.1a) pela velocidade u(x,t) fornece


a equação da potência; observando as identidades

  2 u  u   2 u  u   2 v  v   2 w  w;

  2 u  u     uu    u  ;  2 v  v     vv    v  ;  2 w  w     ww    w  ;


2 2 2

 p  u     pu   p  div u     pu  ; (A1.1c)

 u 2
  u    u  u  ½  u v
u 2
w
u 2       
  uu 2  vu 2  wu 2   ;  div u  0
  ½  
 x y z   x y z 
 
u u 2
 u  ½ ,
x x

e integrando a equação da potência na região fluida  obtém-se, com o auxílio do


Teorema de Green e das condições de contorno (A1.1.b), a identidade

d 
  σ  i  d  ½   u (x, t)d      u    v    w   d;
2 2 2
 U(t) o c
2

c
dt     (A1.2a)
 σ o  pn    (u  n)i  (v  n) j  (w  n)k  .

O vetor de tensão σ (x, t) na superfície do corpo é definido por (ver (1.16b))

 u   u   u  
σ  x, t; n   σ o  x, t; n      n  i    n  j    n  k  (A1.2b)
 x   y   z  

e a força externa Fext(t), que deve ser aplicada para manter o movimento com velocidade
 U(t)i, é dada pela expressão

33
O campo de velocidade induzido pelo movimento do corpo comporta-se como um dipolo no infinito e
portanto u  (1/r2); essa condição é suficiente para a convergência da integral da energia cinética.

100
Fext (t)    σ(x, t)d
c
c ,

a potência fornecida sendo então igual a (U(t) =  U(t)i ; D(t) = Fext(t)i)

  u  
 (t)  D(t)  U(t)  U(t) 
σ o  i    x  n   d ,
c   

onde D(t) é a força de arrasto. A contribuição da última parcela é nula, pois

u  u   u   u 
0   div d     n  dc  lim    n  r d     n  dc ,

x c 
x  r 
 
x  c 
x 

e assim, de (A1.2a),

d  
 (t)  D(t)  U(t)  ½   u (x, t)d      u    v    w   d ,
2 2 2 2
(A1.3a)
dt    

indicando que parte da potência fornecida é gasta para variar a energia cinética e parte é
dissipada pela viscosidade do fluido; da identidade,

 u     v     w    div u    rot u  
2 2 2 2 2

 w v w v   w u w u   v u v u 
2     2    2  ,
 y z z y   x z z x   x y y x 

segue que

 u     v     w    rot u  
2 2 2 2

    v    v      u    u      u    u   
2    w    w      w    w      v    v    ,
  y  z  z  y    x  z  z  x    x  y  y  x   

a integral em  do termo entre chaves sendo nula: basta utilizar o Teorema de Green e
observar que as integrais de

 v   v   u   u   u   u  
 w  n y ;  w  n z ;  w  n x ;  w  n z ;  v  n x ;  v  n y 
 z   y   z   x   y   x  

101
anulam-se em  no limite r  , pois os integrandos são da (1/r5), e também em
c, pois u(x,t) =  Ui na superfície do corpo e portanto v(x,t) = w(x,t) = 0 em c.
Dessa forma (1.61) reduz-se a

d  
½   u (x, t)d      rot u  d .
2
 (t)  D(t)  U(t)  2
(A1.3b)
dt    

Mesmo no caso do corpo deslocar-se com velocidade constante o campo de


velocidade varia, em geral, com o tempo; no escoamento bidimensional em torno de um
cilindro circular, por exemplo, há três faixas distintas: na primeira, quando Re < 46.5, a
solução estacionária é estável; na segunda, quando 46.5 < Re < 105, observa-se uma
solução periódica relacionada à instabilidade da esteira; a terceira, acima de Re = 105, é
caracterizada pela instabilidade na camada limite, levando à turbulência que se superpõe
ao escoamento periódico. Definindo, no caso geral, o campo médio no tempo um(x) e
uˆ (x, t)  u(x, t)  u m (x) , tem-se

t T
1
 rot u m (x)  rot u(x, t)  lim
T  T  rot u(x, t)dt;
t
1/ 2 (A1.4a)
 t T

 rms  rot u(x, t)    lim  rot uˆ (x, t)  dt 
1

2
,
T  T
 t 

e tomando a média no tempo de (A1.3b) com U(t) = U chega-se à expressão

1 2d  
   rot uˆ (x, t) 
1 2d

2 2
Cd,m (Re)  rot u(x, t) d  2 
rot 2u m (x, t)  d  (A1.4b)
Re U 2S  Re U S  

onde d é a dimensão característica do corpo, S a área utilizada na definição do coeficiente


de arrasto Cd = D/½U2S e  o “operador média no tempo”.
É importante observar que o vetor de tensão σ (x, t) é linear no campo de
velocidade e pressão e portanto o arrasto médio Cd,m depende só dos componentes
médios {u m (x, t); p m (x, t)} ; no entanto, a equação que define esses campos médios é
forçada por interações quadráticas de todas componentes, harmônicas e/ou aleatórias, da
solução completa e é essa “forçante” que é responsável pela parcela [rms(rot u)]2 em
(A1.4b), que é exatamente a expressão (1.22).
A equação da energia, na qual se apoia (A1.4b), merece algumas considerações
adicionais, como feitas a seguir.

102
1.8.1: Equação da Conservação da Energia

Seja a equação de Navier-Stokes em sua forma tradicional

u
    u   u   2u  p  f ;
t (A1.5)
 div u  0,

e consideremos a questão da conservação da energia em uma região  delimitada pela


superfície , como indicado na Fig.(A1.2).

FIG.(A1.2): Região espacial  e superfície de contorno .

Multiplicando escalarmente a equação dinâmica pela velocidade u e integrando


em  obtém-se

 u 
  t    u   u   u d     u  u d   p  u d   f  u d
2

   

e utilizando (A1.1c) em conjunto com o Teorema de Green, da identidade acima segue

d 
  ½u d   ½u  (u  n)d     u : ud   f  ud   σ o (x, t; n)  ud , (A1.6a)
2 2

 dt      

onde

 u : u  u u  v v  w w;


(A1.6b)
 σ o  pn    (u  n)i  (v  n) j  (w  n)k  .

A expressão (A1.6a) traduz a conservação de energia: ela mostra como a


potência fornecida à região fluida  pelas forças de campo f e de contato σ o se distribui
entre a variação da energia cinética e a dissipação de energia pela viscosidade do fluido.
Há dois pontos, no entanto, que necessitam ser esclarecidos: o primeiro diz respeito à

103
força de contato σ o , que não representa a totalidade do vetor de tensão σ em ; o
segundo, sobre o significado das parcelas da energia cinética entre colchetes.
Para o fluido incompressível, newtoniano e isotrópico aqui analisado, o vetor de
tensão σ é dado por

 σ (x, t; n)  σ o (x, t; n)  σ  (x, t; n);


 u   u   u   (A1.7a)
 σ  (x, t; n)     n  i    n  j    n  k  ,
 x   y   z  

e somando a integral de σ  (x, t; n) em  nos dois lados de (A1.6a) obtém-se

d 
   ½u 2 d   ½u 2  (u  n)d    (t)   f  ud   σ (x, t; n)  ud;
 dt      (A1.7b)
  (t)    u : ud   σ  (x, t; n)  ud,
 

com  (t) a representar a potência dissipada pela viscosidade do fluido: a integral de


σ   u em  pode ser transformada, com o auxílio do Teorema de Green, em uma
integral em  e a potência dissipada toma então a forma canônica

 
 (t)   xx   xx   yy   yy  zz   zz  2  xy   xy   yz   yz  zx   zx  d , (A1.7c)

onde {xx ;  yy ; zz } correspondem às parcelas em  nas expressões que definem


{ xx ;  yy ; zz } em (1.16a) e { xx ; ;  zx } estão definidos em (1.13d).
O segundo ponto a esclarecer é o termo entre colchetes em (A1.7b): a primeira
parcela é a variação no tempo da energia cinética em , a segunda é o fluxo dessa
energia através de  e a soma das duas é que fornece a variação total da energia cinética,
que é uma propriedade não dos “pontos do espaço”, mas sim das “partículas fluidas” que
ocupam essas posições no espaço em um certo tempo t. Temos assim duas visões de :
uma, da região fixa no espaço e designada por ; outra, da região do espaço   (t  t)
ocupada pelas partículas que ocupavam a posição espacial  no instante t; portanto
 (t)   e a energia cinética no tempo t é dada pela integral

   (t ) (t)   ½ u 2 (x, t) d   ½ u 2 (x, t) d;


  (t )

(A1.8a)
   (t t ) (t  t)  

½ u 2 (x, t  t) d  
 (t t )

½ u 2 (x, t  t) d,

104
e a variação no tempo da energia cinética das partículas fluidas deve incluir a variação da
região fluida     (t  t)  
 (t) , geometricamente identificada como uma casca de
espessura (un)t no entorno de : é a integral da energia cinética nessa casca que
origina a integral em  em (A1.7b) e por isso o termo entre colchetes é denominado
derivada material e designado por D/Dt; portanto

D  d
  ½u 2 d   ½u 2  (u  n)d , (A1.8b)
Dt dt  

um resultado que será rederivado no próximo Apêndice como uma aplicação do Teorema
do Transporte. A equação da energia toma assim a forma

D 
    f ;
Dt (A1.8c)
 f   f  u d   σ  u d,
 

a indicar que a potência fornecida à região  pelas forças de campo em  e de contato


em  é em parte dissipada pela viscosidade e em parte absorvida na variação da energia
cinética.

1.8.2: Dissipação e Vorticidade

Este sub-item completa a análise da íntima relação entre a vorticidade e a


dissipação de energia. Observando primeiro que u : u pode ser expresso pela soma
(div u)2 + (rot u)2 mais um resíduo e utilizando o Teorema de Green obtém-se, com o
auxílio de (A1.7b),

   u : u d     rot u  d   σ (x, t; n)  u d;


2

  
(1.9a)
  (t)     rot u  d  2  σ  (x, t; n)  u d.
2

 

Para uma região  limitada por uma superfície de contorno  segue trivialmente
do Teorema de Green que

  n d  0;


  σ

 (x, t; n) d  0,

105
e é assim imediato verificar, com o auxílio de (A1.9), as relações

 D  d
 ½ u 2  (u  n)d  0    ½ u 2 d;
 u(x, t) x 
 U  (t)   
Dt dt 
  σ (x, t; n)  u d  0   (t)    rot u  d,
2

  

e portanto, quando a velocidade u(x,t) for uniforme em , a equação da energia reduz-
se a

 F (t)  σ (x, t; n) d;


 
 u(x, t) 

x
 U  (t)   (1.9b)
d
  ½  u 2 d     rot u  d  F (t)  U(t),
2

 dt  

que é essencialmente a expressão derivada na primeira parte deste Apêndice.


Finalmente, a potência da força viscosa por unidade de volume é dada pela
expressão

(  )     2u  u d     rot u  d 
2

 

 u   u   u  
   x  n  u  n  u   y  n  v  n  v   z  n  w  n  w  d


e portanto

(  )     2u  u d     rot u  d    rot u    u  n  d ,


2
(1.9c)
  

a indicar, outra vez, que essa potência se anula em um escoamento irrotacional; o mesmo
resultado pode ser mais facilmente obtido a partir da identidade

 div u  0;
    u  0 ,
2
(1.9d)
 rot u  0; 

proposta como exercício na lista de exercícios.

106
1.9: APÊNDICE 2: TEOREMA DO TRANSPORTE

A regra de Leibnitz trata da derivada em relação ao tempo da integral


x f (t )

I(t)  
x o (t )
 (x, t)dx (A2.1a)

quando os extremos da integração {xo(t); xf(t)} variam no tempo. Por definição tem-se
x o (t ) x f (t ) x f (t t )

I(t  t)  
x o (t t )
 (x, t  t)dx  
x o (t )
 (x, t  t)dx  
x f (t )
 (x, t  t)dx

e observando as aproximações

x o (t )

   (x, t  t)dx  [ (x o (t), t)   ( t)]   x o (t  t)  x o (t)  ;


x o (t t )


x f (t ) x f (t )

 
x o (t )
(x, t  t)dx  
x o (t )
[ (x, t) 
t
(x, t)  t   (t) 2 ]dx;

x f (t t )

  (x, t  t)dx  [ (x f (t), t)   (t)]   x f (t  t)  x f (t)  ,


x f (t )

obtém-se a “regra de Leibnitz”

I(t  t)  I(t) 


f x (t )
dI
(t)  lim   x f (t)   (x f (t), t)  x o (t)   (x o (t), t)   
  dx , (A2.1b)
dt t  0 t x o (t )
t

que também pode ser escrita na forma

  
x (t )

f
dI
  u(x, t) 
x(t) (t)        u   dx . (A2.1c)
dt x o (t ) 
t x 

O Teorema do Transporte é a extensão desse resultado para duas e três dimensões


e utilizaremos, em sua demonstração, o mesmo procedimento proposto no exercício (1.1)
para demonstrar o Teorema de Green. Assim, dada uma região (t) que se desloca e se
deforma sob a ação de um campo de velocidade u(x,t) e uma função (x,t), dada a
integral,

I(t)  
 (t )
 (x, t)d , (A2.2)

107
pretende-se determinar sua derivada em relação ao tempo. Sem perda de generalidade,
analisaremos aqui o problema plano e consideraremos, para início de discussão, uma
região triangular (t) limitada pela linha (t), como indicado na Fig.(A2.1a).

FIG. (A2.1a): Região triangular (t) dividida em triângulos semelhantes {(e(t) ;


e(t)); e = 1,2,,ne} com lados s. Detalhe: triângulo e nos instantes t e t + t.

O triângulo de área  pode ser dividido em ne triângulos semelhantes e(t) de


áreas e e lados de comprimentos s, com nee = ; portanto

ne
 I(t)    (x, t)d    Ie (t);
  (t) e 1
(A2.3a)
 Ie (t)  
e (t)
 (x, t)de .

Se xe(t) for um ponto no interior de e(t) – o baricentro do triângulo, por exemplo


– expandindo a função (x,t) em série de Taylor no entorno de xe(t) obtém-se

Ie (t)  
e (t )
[(xe (t), t) e (t)   (s)]de   (x e (t), t) e (t)   (s e (t)) (A2.3b)

e assim

 dx e
  u(xe , t);
dt
 (A2.3c)
 dIe       (s 
 ),
  (x e , t)   (xe , t)  u(x e , t)  e (t)   (x e , t) 
 dt  t 
e e

com u(x,t) a definir o campo de velocidade que induz a “deformação” da região (t) e

108
 (t) 
 e  div u d
e
e  div u(x e,o , t) e   (s e ) ,

ver (1.4b). Da identidade   u    div u  div    u  segue

dIe   
   div    u   e    s | div u(xe , t) | e  ;
dt  t  x  xe
(A2.3d)
dI n e dIe n e      

     div    u   e    s  máx | div u(x, t) |  n ee  ,
dt e 1 dt e 1  t  x  xe  x 
 

e no limite s  0 o somatório tende à integral em (t) e o resíduo tende a zero: para o


triângulo fica demonstrado o Teorema do Transporte, definido pela identidade

dI    
    div    u   d   d     u  n  d . (A2.4)
dt  (t )  t   (t )
t  (t )

FIG.(A2.1b): Região regular (t) e união finita de


triângulos que a aproxima e se deforma com u(x,t).

Uma região é dita regular quando pode ser aproximada, com a precisão que se
queira, por uma união finita de triângulos (ou tetraedros). É trivial verificar que se (t)
for uma região regular então (t+t) também será. De fato, definido o campo u(x,t) com
gradiente quadrado integrável, seja uI(x,t) sua interpolada nodal na “malha triangular” da
Fig.(A2.1b), linear no interior de cada triângulo e satisfazendo também as condições
uI(xi,t) = u(xi,t) nos vértices (“nós”) {i = 1,2,  , n} da “malha”, ver exercício (1.1): se
s for a dimensão característica dos triângulos, uI(x,t)  u(x,t) no limite s  0 e como
uI(x,t) é linear nos triângulos {e(t); e = 1,2,  , ne}, suas imagens {e(t + t); e = 1,2,
 , ne} serão também triângulos, que unidos aproximam a região (t + t) com a
precisão herdada da aproximação (t)  e(t). Portanto, se (0) for uma região
regular (t) também será e o Teorema do Transporte (A2.4), provado para uma região
triangular, pode ser estendido para uma união finita de triângulos e portanto para uma
região regular.

109
1.9.1: Aplicações do Teorema do Transporte

Seja agora o escoamento de um fluido e u(x,t) o campo que define a velocidade


da partícula fluida34 que está no ponto x no instante t: a região (t) desloca-se então com
o deslocamento das partículas fluidas que a compõem e é, por isso, denominada “região
material”. Com o auxílio do Teorema do Transporte conservação de massa reduz-se a


 m v (t)   (x, t)d;




 div  u  
D
   div u  0
 (t)   t Dt
   (A2.5a)
 conservação  D 
   v (t)  0;
  m    u ,
 de massa  
  Dt t

com D/Dt sendo denominada a derivada material do campo (x,t); de forma análoga, a
lei da conservação da quantidade de movimento reduz-se, com o auxílio de (A2.5a), à
forma35


 p(t)   u d;

 (t )   u 
        u   u  d   σ (x, t; n)d   fd , (A2.5b)
Dp
   σd   fd;  (t)  t   (t)  (t )
Dt  (t )  (t ) 

com p(t) sendo a quantidade de movimento do volume material (t) e {σ(x, t; n); f (x, t)}
as forças, respectivamente por unidade de área e volume, aplicadas na superfície material
(t) e em (t): obviamente, σ (x, t) é o vetor de tensão que sintetiza a influência do
restante do meio fluido sobre (t) e f (x, t) uma força de campo externa.
Finalmente, seja  = ½ u2: utilizando a notação (t)    (t) para o volume
material e reservando o símbolo  para definir a região do espaço ocupada por esse
conjunto de partículas no instante t – portanto     (t)  se  for a energia cinética da
região  (t) , (A2.4) fornece (ver (A1.8b))

D  d d
  ½ u 2 d   ½ u 2 d   ½ u 2   u  n  d . (A2.5c)
Dt dt  (t ) dt  

34
Essa identificação entre o campo de velocidade de um fluido e o campo u(x,t) em (A2.4) é natural, mas
não obrigatória: no estudo de alguns problemas teóricos é às vezes conveniente que se considere o meio
constituído de “partículas fictícias” que se deslocam com uma velocidade diferente das partículas fluidas;
ver, por exemplo, Casseta & Pesce (2011): “On Seliger and Whitham’s variational principle for
hydrodynamic systems from the point of view of “fictitious particles””, Acta Mechanic, February 2011.
35
A expressão (A2.4) deve ser utilizada para cada uma das componentes (px, py, pz) de p; para a
componente px, por exemplo, ela fornece com o auxílio de (A2.5a), a identidade (u)/t + div (uu) =
u(/t + div (u)) + u/t + uu = [u/t + (u)u].

110
1.9.2: Sistemas Inercial e Não-Inercial

Quando um corpo definido por uma superfície c se desloca com uma
velocidade U(t) através de um fluido em repouso no infinito, dois sistemas coordenados
podem ser utilizados: um, fixo no corpo e em geral não-inercial, o outro, fixo no espaço.
No sistema fixo no corpo as coordenadas de um ponto do espaço são definidas pelo vetor
posição xc, conforme indicado na Fig.(A2.2a), e os campos {uc(xc,t); pc(xc,t)}
identificam, para um observador localizado nesse sistema de referência, a velocidade e
pressão da partícula fluida que se encontra em xc no instante t. No sistema fixo no espaço
as coordenadas de um ponto do espaço são definidas pelo vetor posição x e os campos
{u(x,t); p(x,t)} identificam, para um observador localizado nesse sistema de referência, a
velocidade e pressão da partícula fluida que se encontra em x no instante t.

FIG.(A2.2a): Corpo se deslocando com velocidade U(t) através de fluido em re-


pouso no infinito: sistema inercial x fixo no espaço e não-inercial fixo no corpo.

Em geral estamos interessados no escoamento nas vizinhanças do corpo e, nesse


contexto, o sistema coordenado fixo no espaço é claramente inadequado: os pontos x
fixos no espaço são deixados para trás e outros à frente devem ser continuamente
incorporados à análise, a região de interesse crescendo sem limite com o tempo. De outro
lado, é algumas vezes conveniente que se utilize o sistema inercial fixo no espaço, onde a
velocidade tende a zero no infinito e permite, por exemplo, que entidades como a energia
cinética do escoamento possam ser definidas no domínio fluido: é usual que se considere
então os campos {u(xc,t); p(xc,t)} que descrevem, para um observador no sistema
inercial, a velocidade e pressão da partícula fluida que está no instante t no ponto xc,
identificado por suas coordenadas em relação ao sistema fixo no corpo. As relações
cinemática e dinâmica entre os campos {uc(xc,t); pc(xc,t)} e {u(xc,t); p(xc,t)} são
definidas pelas expressões

111
 (cinemática) : u(xc , t)  u c (x c , t)  U(t);
(A2.6)
 (dinâmica) : p(xc ,t)  p c (xc , t)    U
 (t)  x  ,
c

a primeira delas sendo a transformação usual de velocidade e a segunda a transformação


da “força” proporcional à aceleração relativa dos sistemas: a força de inércia por unidade
de volume U  (t) devida à aceleração relativa é absorvida pela correção no gradiente do
campo de pressão pc(xc,t) observado no sistema não-inercial.
Para o observador no sistema fixo no corpo o problema é descrito por (A2.5) ou

 
  div  u c   0; 
t
 com u c (xc , t) xc c  0 , (A2.7a)
u
  c    u c   u c   2u c  p c  f ;
t 

e o mesmo conjunto de equações (A2.7a) permanece válido nas coordenadas (x,t) do


referencial fixo no espaço. A mudança (x,t)  (xc,t) implica em uma mudança no cálculo
da derivada parcial em relação ao tempo; por exemplo, /t de (x,t) exige x = cte. ao
passo que /t de (xc,t) exige xc = cte.; portanto, seguindo o esquema abaixo

obtém-se

 (xc  U  t, t  t)  (xc , t) 


 (x, t)  lim  (xc , t)  U ;
t t  0 t t
 div (u)  div (u c )  U ,

que recupera, óbvio, a equação de conservação de massa (A2.7a). O mesmo


procedimento aplica-se à derivada u/t no translado (x,t)  (xc,t) e assim


  div  u c   0;
t  sistema inercial 
  (A2.7b)
u coordenadas (xc , t) 
     u c   u   2u  p  f , 
t

ou, com o auxílio da relação cinemática (A2.6),

112
 
  U(t)   div  u   0; 
t
 com u(xo , t) xo Vc  U(t) . (A2.7c)
u
     U(t)   u    u   u   u  p  f ;
2

t 

Observando que {   u c   u c    u c   u;  2u   2u c }, é imediato verificar que


as equações dinâmicas em (A2.7a) e (A2.7b) coincidem se as relações entre as pressões
(A2.6) forem satisfeitas; também, como os tensores de tensão nos dois sistemas diferem
apenas pelas parcelas da pressão, pode-se verificar com o auxílio do Teorema de Green
que as forças F(t) e Fc(t), que o fluido aplica no corpo, se relacionam pela expressão

F(t)  Fc (t)   c   U


 (t); c : volume do corpo . (A2.8)

FIG.(A2.2b): Força aplicada pelo fluido no corpo nos


sistemas inercial (F(t)) e não-inercial (Fc(t)).

As relações (A2.6) e a expressão (A2.7c) podem ser diretamente verificadas no


problema do escoamento oscilatório em torno de um duto circular de raio a. Conforme
discutido no item (1.5.3), sob certas condições esse escoamento pode ser descrito por um
modelo irrotacional, onde u = , e a Fig.( A2.3) apresenta de forma esquemática este
problema, assim como o seu complementar, onde o corpo se desloca com a velocidade
U(t); as equações do potencial estão definidas nessa figura.

FIG.( A2.3): Escoamento irrotacional (u = ) em torno do círculo Vc: r = a.


(a) Corpo deslocando-se com U(t)i; (b) Escoamento incidente  U(t)i.

113
Os potenciais de velocidade, soluções das equações definidas na Fig.(A2.3), são
expressos em termos de dipolos e as pressões são determinadas por (A2.7a,c); assim

cos 
 a (x, t)   U(t)  a 2 ;  b (x, t)   U(t)  x  a (x, t);
r
(A2.9a)
  
 pa (x, t)   a  U(t) a  ½  a  ;  p b (x, t)   b  ½  b   ½U 2 (t),
2 2

t x t

a parcela ½ U2(t) com gradiente nulo tendo sido adicionada por conveniência: é
imediato verificar que os campo de velocidade e pressão satisfazem (A2.6).
Em um escoamento com velocidade uniforme U  (t)  0 as parcelas {a/t;
b/t} são nulas: nesse caso os dois sistemas são inerciais, pois não existe aceleração
entre ambos, e como rot u = 0, uma vez que o escoamento é potencial, a força de arrasto
é nula, como visto no Apêndice 1; portanto

Fb    ½    n dc  0;
2
b
c
(A2.9b)
Fa    [½  a   U a ] n dc  0,
2

c

identidades que podem ser diretamente demonstrada, como indicado nos exercício (2.1)
do capítulo 2. Em um escoamento potencial a força de arrasto é não nula somente se o
movimento for acelerado e dessa forma

a
 Fa (t)   p n d    n dc    a 2  U(t)
 i;

a c
c c
t
b
 Fb (t)   p n d    n dc  2  a 2  U(t)
 i,

b c
c c
t

ou, relembrando que a velocidade do corpo é U(t) = U(t)i e  = a2,

Fa (t)  Fb (t)   c  U


 (t) , (A2.9c)

um resultado consistente com a fórmula geral (A2.8).

***

114
1.10: APÊNDICE 3: “VORTEX STRETCHING”

Se fm(x,t) for a força de campo por unidade de massa, aplicando o operador


rotacional à equação de Navier-Stokes,

u 1
  u   u   2u o  po  f m ,
t 

e sendo ω = rot u a vorticidade da partícula fluida, obtém-se

ω 1
  rot  (u )u    2ω  2   p  rot f m ;
t 

 
 rot  (u )u   (u )ω  (ω )u  div u  ω; (A3.1a)
 x    xx  xy  zx 
 u u u     
 (ω )u   ; ;   y   d  ω ; d    xy  yy  yz  ,
x y z   
      zx  yz  zz 
G ( x ,t )  z 

com d  ½(G  Gt ) sendo o tensor das deformações e ½(G  Gt )  ω  ω  ω  0 , ver


(1.7c). Em particular, se o campo de forças fm for irrotacional36 e a densidade  do fluido
uma constante, (A3.1a) reduz-se a

 rot f m  0; Dω  Dω ω 
  (ω )u    2ω  d  ω    2ω ,     u   ω  (A3.1b)
   cte.;  Dt  Dt t 

e é esse problema que será considerado a seguir.


No escoamento bi-dimensional no plano (x,y) a vorticidade é dada por ω = zk e
zz = xz = yz = 0: nesse caso d ω = 0 e a equação (A3.1b) toma a forma simplificada

Dz
  2 z , (A3.1c)
Dt

que coincide com a equação bi-dimensional do calor em um meio fluido que se desloca
com velocidade u(x,t); a influência da parcela extra ()u = d ω , associada ao
fenômeno de “vortex stretching” em um escoamento 3D, será analisada a seguir.
36
As forças de Coriolis em um sistema rotatório, como a Terra, e as forças de Lorentz em um fluido
ionizado, como um plasma, são dois exemplos importantes onde o campo de forças é rotacional. Para
facilitar a notação utilizaremos aqui  = rot u e não  = ½ rot u como no restante do texto.

115
1.10.1: Ralo em Bacia de Água e Tornado: “Vortex Stretching”

Há dois fenômenos assemelhados, um prosaico e outro devastador, causados pelo


“vortex stretching”: o primeiro é o movimento rotacional observado em uma bacia d´água
– em uma pia ou banheira, por exemplo – nas proximidades do ralo; o segundo é o
tornado, frequente no meio-oeste dos USA e que tem sido também observado, com uma
incomoda incidência, no sul do país. A Fig.(A3.1) apresenta fotos características desses
dois eventos e torna claro que um é o outro de cabeça para baixo, a menos da origem do
escoamento descendente (ou ascendente) “no ralo”: no caso do recipiente com água, a
origem é a gravidade; no tornado, a corrente ascendente é devida a um gradiente de
densidade que ocorre sob certas condições propícias de temperatura e umidade.

(a) (b)
FIG.(A3.1):(a) Ralo em Bacia:Água em recipiente cilíndrico previamente agitada por
uma barra fluindo pelo ralo no fundo; (b) Tornado: Ar com quantidade de movimento
angular fluindo para dentro da coluna ascendente formada sob certas condições de
umidade e temperatura(Fonte:“Illustrated Experiments in Fluid Mech.”,MIT Press,1972)

Um modelo simplificado, apropriado para uma primeira descrição desses


fenômenos, pode ser definido pela superposição de dois campos de velocidade (ver
Batchelor (1970), seção (5.2)): um, que toma conta do “vortex stretching”, é dado por um
campo irrotacional de velocidade, radial no plano, convergindo para a origem e com uma
componente vertical que garante a conservação de massa; o outro é rotacional, mas
definido somente no plano. As expressões analíticas desses campos de velocidade são
fornecidas abaixo e a Fig.(A3.2) oferece um esboço das respectivas linhas de fluxo.

 u(r, z, t)  u c (r, z)  uω (r, t);


 u c (r, z)  ½ zz  r er   zz  z k ; 
   u  u  (A3.2a)
 uω (r, t)  u  (r, t) eθ ;   ω  z (r, t)k com z   .
 r r

116
FIG.(A3.2): Campo irrotacional de velocidade uc(r,z) que define a
convecção e rotacional u(r,t) que define a vorticidade e circulação.

Os campos {uc(r,z); u(r,t)} têm divergência nula, qualquer que seja a função
u(r,t), e a dependência no tempo de u(r,t) permite estudar a transição entre um certo
estado inicial e o estado final; os operadores gradiente e de Laplace em coordenadas
cilíndricas são definidos pelas expressões

 F 1 F F
 F  r e r  r  e  z k ;
F  F(r, , z)   (A3.2b)
  2 F  1   r F   1  F   F ,
2 2

  
r r  r  r 2 2 z 2

e serão utilizados mais adiante. O sub-item (1.10.1.1) apresenta o problema da difusão


pura: essa análise permite mostrar, por contraste, a mudança substancial introduzida pelo
“vortex stretching” e também o efeito fundamental do “operador difusão”, qual seja, a de
uniformizar os campos no tempo e no espaço.

1.10.1.1: Difusão em Fluido

Há uma série de propriedades materiais que inicialmente concentradas em uma


região restrita do fluido lentamente se difundem por todo volume pela agitação
molecular. Por exemplo, um corante concentrado em certa região delimitada lentamente
se difunde até que sua densidade seja uniforme em todo meio; também, se por qualquer
razão o fluido estiver mais quente em uma região restrita, o calor – isso é, a energia
cinética média das moléculas do fluido, – lentamente se difunde até que a temperatura, a
medida do calor, seja uniforme em todo o domínio. Se q(x,t) representar a medida da
concentração dessa propriedade – a densidade do corante ou a temperatura do fluido, por

117
exemplo,  a difusão “flui” na direção contrária do gradiente de q(x,t), da região de
maior concentração de corante ou temperatura do fluido para a de menor: em primeira

aproximação, portanto, o fluxo  [q(x, t)] de q(x,t) deve ser proporcional a q ou

 [q(x, t)] =  q, onde  é a difusividade molecular da propriedade sob consideração,
quando se supõe um meio homogêneo e isotrópico.

FIG.(A3.3): Região material (t) definida pela superfície (t) e flu-


xo qn da concentração q(x,t) através da superfície material (t).

Se (t) for um volume material e n a normal a (t) apontando para fora de (t),
como indicado na Fig.(A3.3), a lei de conservação de q(x,t) estipula que

d 
dt (t)  [q(x, t)]  n d ,
q(x,t)d     (A3.3a)
 (t )

indicando que o aumento de concentração em (t) deve-se à entrada ( n) do fluxo


 
 [q(x, t)] em (t). Dessa equação de conservação e da relação constitutiva  [q(x, t)] =
 q obtém-se, com o auxílio do Teorema do Transporte com div u = 0, (ver (A2.4))

 Dq
    2 q;
d
q(x,t)d     q  n  d  
Dt
dt (t)
(A3.3b)
 Dq q q
 (t )
   u   q   u q.
 Dt t t

Supondo, para facilitar a análise, que a concentração dependa exclusivamente da


coordenada radial r na Fig.(A3.2) e que o campo de velocidade seja definido por (A3.2a),
a equação que determina q(r,t) fica dada por (ver (A3.2b))

 u(r, z, t)  u c (r, z)  uω (r, t); q   q   q


  r    r   zz r 2 . (A3.4a)
 q  q(r, t);  t r  r  2 r

118
O campo u(r,t) não afeta, no caso, a difusão de q(r,t) e multiplicando (A3.4a) por
q(r,t), integrando no intervalo 0  r <  e utilizando integração por partes, chega-se à
relação

 dIq 
 q 
2

 
Iq (t)  ½  q 2 (r, t)  r dr   dt
  zz  I q    0  r  rdr; (A3.4b)
0  I (t)  I (t)  Iq (0)  e  zz t ,
 q q  0

indicando que a “concentração” q(r,t) tende efetivamente a zero no limite t  .


Há dois mecanismos que contribuem para o decréscimo de Iq(t) com o tempo: o
primeiro é a difusão, proporcional a , o segundo é o dreno (“ralo”), representado pela
parcela radial do escoamento proporcional a  zz . Uma segunda integral elucida melhor o
papel desempenhado por cada um desses mecanismos; de fato, reescrevendo (A3.4a) na
forma

q    q   zz 2 
r    r   r q    zz r  q (A3.5a)
t r   r  2 

e integrando no intervalo 0  r <  obtém-se37



  (t)  2 q(r, t)  rdr; 
  t
0
   (t)   (0)  e zz . (A3.5b)
d (t) 
   zz  (t); 
dt 

Se h for a “espessura” em z da região onde o “corante” está diluido, h(t) é a


“massa total” do “corante” e nesse contexto a leitura de (A3.5b) é simples: na ausência do
dreno (  zz = 0) a massa total do corante permanece invariante e a ação da difusão é tão
somente uniformizar a distribuição de corante pelo meio fluido, levando q(r,t)  q =
cte. quando t  . Esse é o efeito da difusão em um “sistema fechado” (  zz = 0): a
temperatura e a densidade do corante ficam uniformemente distribuidas no domínio
quando t  , independente da condição inicial; aliás, o fato de infinitas condições
iniciais distintas levarem o sistema a uma mesma situação final explicita a
irreversibilidade no tempo (entropia) dos sistemas difusivos. A presença do ralo “abre o
sistema” e drena todo o corante para fora da bacia, esse é o sentido de (A3.5b).

37
A existência dessa integral exige que q(r,t)  (1/r2+),  > 0, quando r  .

119
1.10.2.1: Difusão de Vorticidade e “Vortex Stretching”

A vorticidade do campo de velocidade (A3.2a) é da forma ω  z (r, t)k e


utilizando essa expressão em (A3.1b) obtém-se, com o auxílio de (A3.2b),

z      zz 2 z 
r   r z  r   zz rz , (A3.6a)
t r  r  2 r

que introduz, além da difusão pura, proporcional a , e a convecção, proporcional a


 zz z/r, a parcela frisada correspondente ao “vortex strecthing”: é ela que diferencia
(A3.6a) da equação da difusão clássica (A3.4a). A razão para essa diferença é óbvia: a
“concentração” q(r,t) é uma variável passiva, ela não interfere no campo de velocidade,
ao passo que a vorticidade é uma propriedade desse campo. A equação (A3.6a) deve ser
completada por “condições de contorno”, mas é suficiente aqui que as condições de
regularidade nos extremos de integração,

  
 lim r  z (r, t); r  z (r, t)   0;
r 0
 r 
(A3.6b)
 1 
 z (r, t)    2  quando r  ,
 r 0

sejam impostas. Multiplicando (A3.6a) por z(r,t), integrando no intervalo 0  r <  e


utilizando integração por partes obtém-se, ao invés de (A3.4b), a equação

 dI 
 z 
2


I (t)  ½  2z (r, t)  r dr   dt
 
 zz  I    0  r  rdr; (A3.6c)
  zz t
 I (t) 0  I (0)  e ,
0

a influência do “vortex stretching” sendo aí evidente, pois ele muda o sinal da parcela
proporcional a  zz em (A3.4b) estabelecendo aqui uma oposição entre os dois termos:
enquanto a parcela difusiva tende a diminuir o valor de I a outra, proporcional a  zz ,
tende a aumentá-lo; em particular, para um fluido ideal ( = 0) I(t)   quando t  ,
um resultado que será comentado mais adiante. Reescrevendo (A3.6a) na forma

120
z    z   zz 2 
r    r  r z  (A3.7a)
t r   r  2 

é imediato verificar que

ro

 (ro , t)  2 z (r, t)  rdr;  
 d  
0
   2  z  rdr  0 , (A3.7b)

dt t
   (t)  lim (ro , t)  2  z (r, t)  rdr;
0
ro 
0 

pois (A3.6b) garante a integrabilidade no domínio infinito. Ao contrário de (t), que


tende a zero no problema difusivo, a circulação  é uma constante do escoamento,
indicando que a vorticidade global não é nem criada nem destruída, ela é somente re-
alocada.
A dinâmica da interação entre o “vortex stretching” (  zz ) e a difusão () pode ser
visualizada a partir da evolução de uma condição inicial onde a vorticidade esteja
distribuida quase uniformemente em todo domínio. Nesse caso, z/r  0 e z cresce
inicialmente de acordo com (A3.6c), enquanto se concentra nas vizinhanças da origem
pela convecção do fluxo radial, proporcional a  zz ; esse aumento da amplitude, associado
à concentração espacial de z em torno da origem, faz o gradiente z/r crescer
exponencialmente e a partir de um certo instante a difusão domina, homogeneizando o
campo de vorticidade e portanto diminuindo z/r; mas, se o gradiente da vorticidade
diminuir muito, voltamos à condição inicial que implica, como visto, no aumento de
z/r: a síntese dessas tendências antagônicas é a busca de um “ponto de equilíbrio”
onde difusão e “vortex-stretching” se compensem, a solução de (A3.7a) atingindo então
um estado estacionário com z/t = 0. Esse “ponto de equilíbrio” z,e(r) é a solução da
equação diferencial ordinária38 (ver (A3.7a)),

dz,e  zz 2
r  r z,e  0 , (A3.8a)
dr 2

definida univocamente pela circulação inicial , ver (A3.7b); assim

38
As condições de regularidade (1.78b) excluem as soluções estacionárias que satisfazem a equação mais
geral rdz,e/dr + (z/2)r2z,e = /, pois então lim [rdz,e/dr]  0 e/ou lim [r2z,e]  0 quando r  0.

121
   zz  zz r 2 / 4 
 z,e (r)  e ;
2  2
(A3.8b)

 l  2 : comprimento de difusão.
 zz

É interessante, nesse ponto, analisarmos o que ocorre no limite   0 de um


fluido ideal. Observando que

e  /   0 se   0;  0 se r  0;
lim  tem-se lim z,e (r; )   (A3.8c)
0    se   0, 0
  se r  0,

a integral da vorticidade no plano sendo igual à circulação inicial , posto que
independente de : a vorticidade z,e comporta-se como uma “função -Dirac no plano”,
isso é, como uma “carga concentrada” na nomenclatura da Resitência dos Materiais; é
usual definir formalmente essa função (r) pelo valor g(0) da “integral” do seu produto
por uma função lisa arbitrária g(r) ou


2  (r)  g(r) rdr  g(0) , (A3.9a)
0

uma definição motivada pela seguinte argumentação: embora o limite de z,e(r;) quando
  0 não exista no sentido estrito das funções, como indicado em (A3.8c), o limite

  
[g(r)]  lim  2 z,e (r; )  g(r) rdr  (A3.9b)
0
 0 

existe e é finito: se g(r) for uma função lisa – e é suficiente aqui que esse atributo exija
somente que exista e seja contínua sua derivada g(r)  da identidade

d 
 zz r 2

2z,e (r; )  r       e 4

dr  

segue que

  d  
 zz r 2    
  zz r 2

[g(r)]  lim       e 4
  g(r)dr      g(0)     lim   e 4
 g(r)dr 
0   0
 0 
 0 dr   

e portanto [g(r)]     g(0) ou

122
 1
z,e (r; ) 0     (r)  u(r)  e , (A3.9c)
2 r

o campo irrotacional de velocidade na região r > 0 sendo definido pela função u(r) acima
indicada, a mesma expressão deduzida no item (1.5.2).
Relembrando que z(r,t)  z,e(r;) quando t  , a relação I(t)|=0  
quando t  , ver (A3.6c), é consistente com (A3.9c): a integral ao quadrado de
z,e(r;0) é infinita, o que pode ser formalmente verificado a partir de (A3.9a), com g(r) =
(r), ou tomando o limite da integral de (z,e(r;))2r quando   0.
A solução aproximada  = 0 descreve com precisão o campo de velocidade e
pressão “longe” do ponto de singularidade r = 0; nas “vizinhanças” desse ponto, no
entanto, uma análise mais detalhada é necessária para se entender o que ocorre no “olho
do tornado”. Das relações

 u u 
 z,ek  rot u       k ;
 r r 
   zz  zz r 2 / 4 
 Ω  ½ rot u   k com (r)  e ,
2 4

e da equação

du  u     zz  zz r 2 / 4  d   r
    r  u     zz e zz r / 4
2
e
dr r 2  2 dr 2  2

segue que

  1
 u  (r)  quando r  ;
 1
2 r

u  (r)   1  e  zz r / 4
2

   2 r
 u (r)    r   (r 3 ) quando r  0,
   ½ z,e (0)  (A3.10a)
 

que recupera (A3.9c) “longe” de r = 0 e mostra que as partículas fluidas descrevem um


movimento circular uniforme nas “vizinhanças” de r = 0. A expressão da velocidade u(r)
indica claramente que “longe” e “perto” são definidos em função do comprimento de
difusão l = 2(/z)1/2: a velocidade polar pode ser aproximada por (A3.9c) quando r  3l
com erro menor que 1% e, com uma precisão equivalente, pelo movimento circular
uniforme quando r  0.4l; em particular, o valor máximo de u(r) ocorre em uma posição
intermediária, pois

123
 z 
 u ,max  u  (rmax )  0.64     ;
 4    (A3.10b)
 rmax  1.12  l .

Observando que ar  1.5x105m2/s e supondo z  wmax/h  1.5x105 seg1


quando39 wmax  1.5cm/s e h  1000m tem-se l  2m como um valor de referência.

1.10.1.3: Pressão no Núcleo do Vórtice

Conforme indicado em (A3.10a), nas vizinhanças do núcleo do vórtice a


vorticidade das partículas fluidas é essencialmente uniforme e a partícula fluida descreve
um movimento circular uniforme com velocidade angular k = ½ rot u|r=0. Se p for a
massa da partícula, uma força centrípeda f =  p2r er =  p(u2/r) er é necessária
para manter esse movimento circular e a origem dessa força em um fluido é o campo de
pressão: o núcleo do vórtice é uma zona de pressão negativa que prende por sucção a
partícula em seu movimento circular uniforme, indicado na Fig.(A3.5).

FIG. (A3.5): Movimento circular uniforme da partícula fluida no en-


torno do núcleo do vórtice. A força centrípeta f é devida à pressão.

Dessa maneira,

u 2 
 f  p er ; 
r p  u 2
     , (A3.11a)
 f    p ndV    p dV  p p ; r r
Vp Vp 

as demais parcelas presentes nas equações de Navier-Stokes sendo desprezíveis40 nas


vizinhanças da origem; impondo que a pressão dinâmica seja nula no infinito – isso é,
39
A corrente térmica ascendente w é lenta, posto que causada pela diferença de densidade das camadas do
ar, e supusemos aqui que a nuvem esteja a 1km do solo (h = 1000m): essas estimativas são grosseiras mas
indicam que o comprimento de difusão é pequeno, da ordem de alguns poucos metros, e que o efeito
devastador do tornado fica assim restrito a uma pequena região em volta de seu centro.
40
Batchelor (1970) apresenta no Apêndice 2 as equações de Navier-Stokes em coordenadas cilíndricas e o
gradiente radial da pressão é dado pela parcela (A3.11a) somada a outras parcelas devidas à aceleração
convectiva e difusão. Se Re = /4 >> 1 for o número de Reynolds, pode-se verificar que nas
vizinhanças da origem (A3.11a) está correto a menos de termos da ordem 1/( Re) 2.

124
que a pressão total tenda à pressão atmosférica longe do “olho do tornado” – de (A3.11a)
segue que

u 2 

 p ()  p (0)    dr;  2
u
0
r   p  (0)   0 r dr . (A3.11b)

 p ()  0; 

Utilizando (A3.10a) em (A3.11b) e a transformação de coordenadas t = zr2/4, a


integral (A3.11b) pode ser transformada na diferença de duas funções exponenciais,
definidas como integrais de et/t, ver Abramowitz & Stegun (1965); o resultado final é
dado por

2
  
p (0)   ln 2     z   1.70  u 2,max ,   1.2kg / m3  (A3.11c)
 4  
ar

indicando que a pressão no núcleo, onde a velocidade é nula, é negativa e em módulo


cerca de quatro vezes maior que a pressão de Bernoulli calculada com a velocidade
máxima do vento. Em um tornado “forte” u,max  360km/h = 100m/s e portanto p(0)  
20000 Pa =  2tonf/m2, uma sucção muito intensa, que aplicada dinamicamente
“implode” as construções mais frágeis41.

1.10.2: Fluido Ideal: Teoremas de Helmholtz e Kelvin

Alguns resultados importantes e úteis, associados aos nomes de Kelvin e


Helmohtz, podem ser obtidos para um fluido ideal considerando um filamento de vórtice,
definido a seguir. Uma linha de vórtice x(s,t;xo) em um dado instante t é uma linha que
tem início em um certo ponto xo do meio fluido e se desenrola sempre tangente ao vetor
vorticidade (x,t); ela é assim definida pela equação

dx  ω(x, t)
  ;
ds ω(x, t) (A3.12)
 x  (0, t; x o )  x o .

41
A equação de Bernoulli não se aplica nessa região, uma vez que o escoamento é aí em parte controlado
pela viscosidade. Há controvérsias sobre se as construções “implodem” ou simplesmente se “disjuntam”
pela vibração das partes; mas certamente ela não “explodem”, pois a pressão no núcleo é negativa e o
gradiente de pressão é muito alto: o comprimento l, que define a escala no problema, é muito curto.

125
Seja agora o plano ortogonal ao vetor (xo,t) = ||(xo,t)|| k passando pelo ponto
xo e um círculo de centro em xo e raio r(0) traçado nesse plano; considerando o conjunto
de linhas de vórtice traçadas a partir de cada ponto do círculo obtém-se um tubo de
vórtice em torno da linha de vórtice x(s,t;xo), como representado na Fig.(3.5a): pelo
Teorema de Stokes, a circulação (z,t) é a integral de (z,t) na seção transversal Sc(z) e
como div  = 0, pois  = rot u, a circulação permanece constante ao longo do tubo ou
(z,t) = (t). Um filamento de vórtice é um tubo de vórtice que se estrangula em torno de
x(s,t;xo) no limite r(0)  0, mas mantendo uma área seccional que, embora
infinitesimal, varia ao longo da curva x(s,t;xo), mantendo a relação das áreas seccionais
do tubo de vórtice que o origina, de forma a manter invariante a circulação ao longo do
filamento.

FIG.(3.5a): Tubo de vórtice em torno da linha de vórtice x(z,t) tangente


em z = 0 à vorticidade (xo,t) = (0,t)k. (xo = 0; eixo z na direção de )

O filamento de vórtices x(s,t;xo) é composto por “partículas fluidas P” que


desenham, no instante t + t, um “filamento de partículas”, acompanhando o escoamento
do fluido: pretende-se mostrar que se o fluido for ideal ( = 0) esse “filamento de
partículas” é um “filamento de vórtice”. Ou, dito de outra forma, que todo “filamento de
vórtice” em um fluido ideal é um “filamento material”, que acompanha o deslocamento
das partículas fluidas ao longo do escoamento.

FIG.(A3.5b): Filamento de vórtices no instante (t) coincidente com filamento de


partículas fluidas e posição do filamento de partículas no instante (t + t).

126
A Fig.(A3.5b) apresenta um segmento infinitesimal de um filamento de vórtice
com origem em x(Po,t), isso é, na posição da partícula Po no instante t, e um segundo
ponto x(P1,t), indicando a posição de uma partícula fluida vizinha P1. Nessa escala
infinitesimal o filamento é um segmento de reta orientado, por conveniência, na direção
do eixo-z, e a transformação que leva as partículas fluidas do segmento do “filamento de
vórtice” no instante t no segmento do “filamento de partículas” no instante t + t é a
transformação linear T = I + G(xo,t) definida em (1.3b), (1.7c); portanto

  u u u  
x(P1 , t  t)  x(Po , t  t)  I  t   ; ;    x(P1 , t)  x(Po , t)
  x y z  (Po ,t ) 

e observando que  x(P1 , t)  x(Po , t)  = s(t) k obtém-se

 u v 
x(P1 , t  t)  x(Po , t  t)  s(t)   t i  t j  1   zz  t  k  (A3.13a)
 z z 

de onde segue, desprezando termo da ordem t2, que

s(t  t)   x(P1 , t  t)  x(Po , t  t)   s(t)  1   zz  t  , (A3.13b)

os comprimentos {s(t); s(t+t)} estando indicados na Fig.(A3.5b). De forma análoga,


de (A3.1b) segue também, quando  = 0, que (Dω / Dt)0  (ω )u e portanto de (A3.1a)

  u u u  
ω(Po , t  t)  I  t   ; ;    ω(Po , t) ,
  x y z  (Po ,t ) 

e como ω(Po , t)  ω(Po , t) k , da equação acima obtém-se (ver (A3.13a))

 u v 
 ω(Po , t  t)  || ω(Po , t) ||   t i  t j  1   zz  t  k  ;
 z z  (A3.14a)
 || ω(Po , t  t) ||  (1  t   zz ) || ω(Po , t) ||,

e assim

s(t) s(t  t)


 . (A3.14b)
|| ω(Po , t) || || ω(Po , t  t) ||

127
Dividindo (A3.13a) por s(t+t) e utilizando (A3.14a) conclui-se que o vetor
[x(P1 , t  t)  x(Po , t  t)] / s(t  t) , que é o vetor tangente ao “filamento material” no
tempo t+t, coincide com o vetor ω(Po , t  t) / || ω(Po , t  t) || ou seja: o “filamento de
vórtice” é convectado junto com o “filamento material” em um fluido ideal e com ele
coincide em todo tempo; a expressão (A3.14b) indica também que a intensidade da
vorticidade aumenta (diminui) pelo mesmo fator que o filamento se estica (contrai).
Este é, em essência, o Teorema de Helmholtz: em um fluido ideal uma “linha de
vórtice” é uma “linha material”. Se o “filamento de partículas”, que coincide com a
“linha de vórtice”, se esticar no translado t  t + t, sua área seccional Sc deve diminuir
na mesma proporção, pois o fluido é incompressível e o volume do filamento permanece
invariante, ou  = Sc(t)s(t) = Sc(t+t)s(t+t): do Teorema de Stokes segue que a
circulação ao longo do tubo é igual ao produto da vorticidade pela área e assim

|| ω(Po , t) || 
 (t)   Sc (t)  s(t); 
s(t) 
  (t)  (t  t) . (A3.15)
|| ω(Po , t  t) ||
 (t  t)   Sc (t  t)  s(t  t);
s(t  t) 

Esse é o Teorema de Kelvin e ele afirma a invariância ao longo do tempo da


circulação  em torno de um “tubo de vórtice” em um fluido ideal incompressível: esse
resultado explicita uma característica de um fluido ideal, onde não há mecanismo interno
para a geração de vorticidade, posto que a viscosidade é nula. O Teorema de Kelvin
difere, e é mais abrangente, do resultado derivado anteriormente sobre a invariância da
circulação ao longo das seções de um tubo de vórtice, que depende trivialmente da
relação div ω  0 (pois   rot u ).
Os resultados mais relevantes sobre “tubos de vórtice” são sintetizados a seguir:

i) Como div ω  0 , linhas de vórtice nunca terminam no fluido: elas formam ou


um circuito fechado ou terminam nas fronteiras da região fluida;
ii) Em um fluido ideal ( = 0) a linha de vórtice é uma linha material e é
convectada junto com o fluido;
iii) “Vortex stretching”: Em fluido ideal incompressível o quociente entre a
vorticidade e o comprimento da linha de vórtice permanece constante (/l =
cte.); se o fluido for compressível o que se mantem invariante é a massa, não o
volume, e por isso (/l = cte.).

128
1.10.3: Geração Rotacional e Convecção Irrotacional: “Princípio da Correspondência”

No primeiro item deste Apêndice o mecanismo essencial na formação de tubos


permanentes de vórtice foi analisado e verificou-se então que a permanência só é possível
pelo equilíbrio de dois fatores opostos: o “vortex stretching”  zz , que tende a concentrar a
vorticidade no entorno do “dreno”, e a difusividade  do fluido, que tende a difundi-la
pelo meio. A escala de comprimento que comanda o fenômeno é definida pelo quociente
entre esses dois fatores  l = 2(/  zz )1/2  e é muito curta face a escala de comprimento
que comanda a convecção, relacionada, por exemplo, às mudanças da topografia no leito
da convecção, como indicado na Fig.(A3.6). Os tubos permanentes de vórtice,
essencialmente rotacionais nas vizinhanças do dreno, são assintoticamente descritos,
quando r >> l, por um modelo mais simples, o do escoamento irrotacional de um fluido
ideal  como visto, esta descrição simplificada apresenta um erro da ordem de 1%
quando r > 3l  e um ponto merece ser enfatizado aqui: essa “emersão assintótica”
provocada por discrepâncias de “escalas”, no caso de comprimento, de uma descrição
mais complexa em outra mais simples é uma procura constante na Física. A própria teoria
da camada limite, intimamente relacionada ao problema em pauta, é um exemplo desse
procedimento clássico que busca simplificar as equações, visando não só uma melhor
compreensão do fenômeno como também uma melhor capacidade de predição da teoria.
Mas há uma versão mais radical dessa “emersão assintótica” crucial na arquitetura
da Física Teórica: a condição necessária, embora ainda não suficiente, para que qualquer
modificação nos fundamentos da Física seja aceita é que ela recupere assintoticamente,
nas escalas usuais da Física Clássica, as equações da Física Clássica. Essa restrição
imposta a priori às possíveis modificações nos fundamentos foi alçada por Bohr à
condição de um Princípio – o Princípio da Correspondência, ele assim o denominou – e
tornou-se um guia essencial na procura de uma teoria que explicasse fenômenos em
escalas não habituais da Física Clássica; em particular, a interação entre partículas é
descrita na escala microscópica (atômica) pela Mecânica Quântica e esse novo
formalismo tem, por obrigação, que emergir assintoticamente nas equações da Mecânica
Clássica no domínio macroscópico, onde a escala de comprimento é muito maior que a
escala das distâncias atômicas. Como será visto no capítulo 3, o Princípio da
Correspondência e uma aproximação assintótica clássica na teoria ondulatória – a Teoria
da Refração, a que explica a Lei de Snell da Ótica Geométrica – foram utilizadas por
Schrödinger na obtenção da equação das ondas de matéria que leva seu nome e
representa o climax do formalismo básico da Mecânica Quântica.

129
FIG.(A3.6): Saliências e depressões no fundo de um rio
(“buraco puxa para baixo corpo flutuante”)

Voltando ao problema central desse Apêndice, o objetivo é compreender como se


comporta um tubo permanente de vórtice convectado por uma corrente uniforme em um
canal com leito irregular, como indicado na Fig.(A3.6). A permanência do tubo exige a
existência de um “dreno”, usualmente identificado com um “sumidouro” no caso de um
tubo que permanece estacionário no espaço, mas esse mecanismo de geração do tubo de
vórtice não só não é o único possível, como também não se aplica para um tubo que é
convectado pela corrente no canal. Um segundo mecanismo pode ser associado à própria
deformação ( x ) da superfície livre, que induz uma velocidade vertical definida pela
expressão (ver (1.27b))

 S(x, z)  z  (x)  0;


  u S  0  w(0)  U  (x) , (A3.16a)
 S  (x)i  k ; 

onde x é a coordenada no sistema que se desloca com a velocidade U da corrente; note-


se que a velocidade w(z) é não-uniforme, posto que se anula no leito do canal, mas
introduz um “vortex stretching”  zz  w / z que pode ser suposto constante ao menos
em uma primeira aproximação.
Uma vez formado o tubo ele é, junto com a deformação da superfície livre,
convectado pela corrente e encontra em seu percurso modificações topográficas, como
indicado na Fig.(A3.6), e a questão é compreender e quantificar como essas mudanças
alteram as principais características do tubo. É nesse ponto que a “emersão assintótica” se
apresenta como uma ajuda inestimável: para um “observador distante” (r >> l) o tubo é
percebido como se fosse uma linha e o escoamento como se fosse irrotacional e para ele
os teoremas de Helmholtz e Kelvin se aplicam. Para este observador o filamento de
vórtice é um “filamento material” (teorema de Helmholtz) e dada a incompressibilidade
do fluido ele conclui que o volume  (x)  l2  h(x) do tubo permanece invariante ao
longo da convecção, assim como a circulação  (teorema de Kelvin); ele é incapaz, no
entanto, de dizer o que se passa no núcleo do tubo, onde a influência da viscosidade é

130
fundamental: quem tem controle nessa região é o “observador próximo” localizado nas
vizinhanças do núcleo, mas que é incapaz de descrever propriedades gerais do tubo de
vórtice com a facilidade que o “observador distante” tem.
Os dois observadores não são estanques, no entanto, a relação assintótica entre
ambos permite uma troca de informação; em particular, permite que o “observador
próximo” postule as invariâncias no tempo de  (x) e de  e com elas retrabalhe a
estimativa da pressão no núcleo sintetizada na expressão (A3.11c) obtendo

  1 
2
 
 p  (0)   ln 2    ; l  2 ; 
 2 l   zz   ln 2  2 
  p  (0)      h(x), (A3.16b)
 volume do filamento    4   
  (x)  l  h(x)  cte. : 
2
 ;
 de vórtice 

a indicar que a sucção no núcleo do vórtice aumenta com a profundidade h(x) do canal.
Esse resultado fornece algum subsídio científico a uma advertência calcada na
experiência popular: os redemoinhos se reforçam nos buracos do fundo de um rio e
sugam um banhista nadando na superfície.

***

131
1.11: EXERCÍCIOS

(1.1): (Teorema de Green) Seja uma função f(x,y) linear e um triângulo retângulo, como
o representado na figura. Pede-se:

a) Verificar diretamente o Teorema de Green para essa função linear definida no


triângulo retângulo. Observando que qualquer triângulo pode ser decomposto na união de
dois triângulos retângulos com um lado comum, estender esse resultado para um
triângulo arbitrário;

b) Seja agora uma região St, com contorno St, formada por uma união finita de
triângulos, como indicado na figura abaixo, os vértices dos triângulos, identificados por
() na figura, definindo os n nós da malha triangular constituída por e triângulos
(elementos).

Se {xi = (xi,yi) ; i = 1,2,  , n} forem as coordenadas dos nós da malha, sejam as funções

 h i (x j )  ij ;
h i (x);i  1, 2, , n tais que 
 h i (x) é linear em cada triângulo,

onde ij, o “ de Kronecker”, é igual a 1 quando i = j e a 0 quando i  j. Mostrar que as


funções {hi(x); i = 1,2,  ,n} são contínuas;

c) Seja agora a função fe(x) definida por

n
f e ( x)   f i  h i ( x) .
i 1

132
Mostrar que fe(x) é contínua na região St definida no item (b), linear em cada elemento
(cada triângulo) com fe(xi) = fi;

d) Utilizar o resultado do item (a) para demonstrar a identidade (Teorema de Green)

 f (x) dS   f (x) n dS .


St
e
St
e

***

(1.2): (Teorema de Green – Regiões Regulares) Dado um domínio D, consideraremos


aqui uma função “arbitrária” f(x,y) definida em D possuindo, no entanto, segundas
derivadas em relação a (x,y) contínuas. Pede-se:

a) Seja um triângulo no interior do domínio de definição D; supondo que ele esteja


dividido em e triângulos semelhantes, com base s cada, seja n o número de vértices
(nós) dessa malha triangular com coordenadas {xi = (xi,yi) ; i = 1,2,  , n}.

A interpolada nodal de f(x,y) nessa malha é a função

n
f e ( x)   f ( x i )  h i ( x) ,
i 1

conforme definida no exercício (1.1). Seja {S;  = 1,2,  ,e} a região do -ésimo
elemento (triângulo) e A sua área. Expandindo em série de Taylor a função f(x,y) no
elemento S mostrar que


 f dS   f e dS    s  A   ;
 f (x) xS  f e (x) xS   (s 2 );   S S

 

 f (x) xS  f e (x) xS   (s); 


   fn  dS  f e n  dS    s  A   ,
 S S

onde S é o contorno de S e n é a normal a S apontando para fora de S;

133
b) Seja g(x,y) uma função contínua e com gradiente integrável; mostrar que

e

  g(x) dS    g(x) dS ; 
1 S 
 f dS   f n dS ,
S
e  
  g(x) n dS    g(x) n  dS ; S S

S 1 S 

a igualdade à direita sendo obtida tomando o limite s  0: o Teorema de Green está


assim demonstrado para uma f(x,y) “arbitrária”, conforme definida na introdução, e S um
triângulo. Estender esse resultado para uma região St formada pela união de um número
finito de triângulos, conforme definida no item (b) do exercício (1.1);

d) (Regiões Regulares) Seja S uma linha fechada no plano e a “repartição” = {xiS;


i = 1,2,  ,n*} que divide S em n* segmentos curvos entre os pontos [xi; xi+1]; os
pontos {xiS; i = 1,2,  ,n*} geram também a linha poligonal Sp formada pela união
dos segmentos retos [xi; xi+1] e definem os eixos locais (i,i), com i sendo a coordenada
ao longo do lado (i) de Sp, ver figura, e i a coordenada ortogonal a i. A linha fechada
S é dita “lisa por partes” se existir ao menos uma repartição  com duas propriedades: a
primeira, que exista uma relação bi-unívoca entre pontos i do segmento reto [xi; xi+1] em
Sp e pontos (i,i) no segmento curvo [xi; xi+1] em S, descrito então pela equação
f(i,i) = i  c(i) = 0; a segunda, que c(i) seja uma função “lisa” (com primeira
derivada contínua). Mostrar que a região S no interior de S (ou no exterior, mas
limitada por um círculo de raio r >> 1) é uma região regular, que pode ser aproximada
com a “precisão que se queira” por uma união finita de triângulos.

Nota: Defina a normal n(i) em função de c(i) e dividindo o segmento reto [xi; xi+1] em
elementos equi-espaçados s, mostrar que se ce(i) for a interpolada de c(i) nessa malha
então {ce (i )  c(i );ce (i )  c(i )} quando s  0. No contexto do Teorema de Green,
qual o sentido da frase “com a precisão que se queira”?
***

134
(1.3): (Variação de volume em transformações lineares) Dada a transformação linear
T(x), representada em uma base cartesiana bi-dimensional pela matriz T,

Tx (x)   a b   x 
    ,
Ty (x)   c d   y 
T
pede-se:
a) Sendo V a região do triângulo retângulo indicado na figura e T(V) a imagem de V
obtida pela transformação linear, mostrar que T(V) é um triângulo com área dada por

área T (V)  | det T |   área V  ;

b) O resultado acima pode ser igualmente verificado em três dimensões quando V for um
tetraedro, onde então

volume T(V)  | det T |   volume V  .

Mostrar que essa identidade é válida para toda região V regular.


***

(1.4): (Operador anti-simétrico e pseudo-vetores) Sejam (e1 ; e 2 ; e3 ) e (e1 ; e 2 ; e3 ) duas


bases ortonormais (ei  e j  ei  e j  ij ) definidas no espaço; um vetor x tem coordenadas
x = (x1, x2, x3) em relação à primeira base e x  (x1 , x 2 , x 3 ) em relação à segunda. A
transformação de coordenadas x  x pode ser expressa na forma matricial

 t11 t12 t13 


x  T  x com T   t1 ; t 2 ; t 3    t 21 t 22 t 23  ,
 t 31 t 32 t 33 

(t1; t2; t3) sendo os vetores colunas de T. Pede-se:


a) Mostrar que T é uma matriz ortogonal (TtT = I) e portanto det T =  1. Mostrar
também que titj = ij e que os vetores colunas (t1; t2; t3) representam as coordenadas dos
versores (e1 ; e 2 ; e3 ) na base (e1 ; e 2 ; e3 ) ;

135
b) Seja agora : x  u um operador linear anti-simétrico que leva o vetor x no vetor u;
esse operador é representado na base (e1 ; e 2 ; e3 ) pela matriz anti-simétrica ω ou

 0 3 2 
u = ω  x com ω   3 0 1  .
 2 1 0 

Mostrar que na base (e1 ; e 2 ; e3 ) o operador (x) é representado por uma matriz ω
definida pela transformação

 0 3 2 
u = ω  x com ω  T  ω  T   3 t
0 1 
 2 1 0 

e verificar, a partir da regra de transformação ω  ω e da anti-simetria de ω , que ω é


uma matriz anti-simétrica, como indicado na expressão à direita;

c) A matriz ω pode ser escrita na forma

 0 3 2  0 0 0   0 0 1  0 1 0 
ω   3 0 1   1   0 0 1  2   0 0 0   3  1 0 0 
    
 2 1 0  0 1 0   1 0 0  0 0 0 

e facilita a exposição considerarmos primeiro a situação quando 1 = 2 = 0. Mostrar


nesse caso que

 1  3   t 21  t 32  t 22  t 31  ;
 2  3   t12  t 31  t11  t 32  ;
 3  3   t11  t 22  t12  t 21  ;

d) Considerando as matrizes T   t1 ; t 2 ; t 3  ; S1   t1 ; t 2 ; t1  ; S2   t1 ; t 2 ; t 2  verificar as


relações

1  1  1 


  t    
t  2   3  det S1  0; t 2  2   3  det S2  0 e
t
1 t  2   3  det T  3
t
3
     
 3  3  3

136
e mostrar que

1  0 
   
2    det T  3 t 3   det T  T  0  ;
   
 2  3

e) Definindo pelos símbolos ω v   1 ; 2 ; 3  e ω v   1 ; 2 ; 3  a tripla de valores


não nulos das matrizes ω e ω , mostrar que

ω v   det T  T  ω v .

Nota: Como a transformação entre as componentes de um vetor segue a regra x  T  x , a


tripla de componentes ω v   1 ; 2 ; 3  , que define o operador anti-simétrico, só se
transforma como as componentes de um vetor se det T = + 1, ou seja, somente em uma
sub-classe da classe geral de transformações ortogonais; dada a base (e1 ; e 2 ; e3 ) a
condição det T = + 1 exige que a nova base (e1 ; e 2 ; e3 ) satisfaça algum tipo de restrição:
a “regra da mão direita” é o procedimento prático que garante a condição det T = + 1. De
outro lado, a tripla ω v   1 ; 2 ; 3  , identificada com o “vetor rotação”, não é de fato
um vetor, embora se comporte como tal quando “regra da mão direita” é obedecida: por
isso é denominada um “pseudo-vetor”.
***

(1.5): (Tensores) Dada uma base e  {e1 ; e 2 ;; e n } de Rn, seja o vetor v e a forma linear
(x), representados ambos pela mesma n-upla v = (v1, v2,  ,vn) na base e,

n

(a) v   vi ei ; 

  v   v1 , v 2 , , v n  ,
i 1
n n
(b) (x )   x i  (ei )   x i  vi ;
i 1 i 1


e também o operador linear : x  y e a forma quadrática (x),

(a) y  Q  x Q ij  Q ji  ; 

  Q   Qij  ,
(b)  (x )  x t  Q  x  Qij  Q ji  ;

ambos representados na base e pela mesma matriz Q.

137
A n-upla v = (v1, v2,  ,vn) e a matriz Q = [Qij] são arranjos numéricos amorfos,
eles só adquirem uma estrutura, só configuram uma “natureza” quando relacionados às
entidades que representam – vetor, forma linear, operador linear, forma quadrática, etc. –
e somente em uma mudança de base e  {e1 ;; e n }  e  {e1 ;; en } essa estrutura se
explicita: o tensor é a descrição algébrica da “natureza” dessas entidades, como discutido
a seguir. A mudança de base pode ser escrita na forma matricial

n
ei   t ji e j ; T  [t ij ] ,
j1

com det T  0, pois os vetores {e1 ;; en } são linearmente independentes. Pede-se:

a) Observando as invariâncias
n n
(a) v   vi ei   vi,a ei ;
i 1 i 1
n n
(b) (x )   vi  x i   vi,b  x i ou x t  v  x t  v b ,
i 1 i 1

mostrar que

(a) v a  T 1  v;
(b) v b  T t  v.

A n-upla v = (v1, v2,  ,vn) associada ao vetor v define um tensor de primeira ordem
contravariante: de primeira ordem porque é uma n-upla e contravariante porque varia de
uma forma contrária à da base e; essa mesma n-upla associada à forma linear (x) define
um tensor de primeira ordem covariante;

b) Observando as invariâncias

y  Q  x 
(a) y  (x )   ;
 y  Q  x 
 x t  Q  x 
(b)  (x )   t ,
 x  Q  x 

com {(x; x );(y; y )} sendo as coordenadas dos vetores {x;y} nas bases {e; e} , mostrar que

138
(a) Q a  T 1  Q  T;
(b) Q b  T t  Q  T.

A matriz Q associada à forma quadrática (x) define um tensor de segunda ordem duas
vezes covariante; essa mesma matriz associada ao operador linear y = (x) define um
tensor de segunda ordem uma vez covariante e uma vez contravariante.

c) Mostrar que as noções de “covariância” e “contravariância” se confundem se a


transformação T for ortogonal.

Nota: Ao dizermos que (x) é um “tensor de segunda ordem uma vez covariante e uma
vez contravariante” estamos impregnando o arranjo bi-dimensional (nxn) – a matriz Q –
com uma lei de transformação fiel à entidade que ela, matriz, representa em certa base . É
razoável, por isso, que a notação do tensor já explicite a lei de transformação:
observando que a base é usualmente denotada na forma e = {ei}, com i = 1,2,  ,n, as
componentes de um vetor x nessa base são denotadas na forma x = {xi}, o índice superior
significando que essa n-upla transforma-se de forma contrária à da base. Dessa maneira

 x  {x i } ; x  x i ei ;
 ()  {li } ; (x )  x ili ;  n n

 ()  [Q j ] ; y  Q j x ei ;
i i j    ( y )  Q i j
j x li  
i 1 j1
Qij x jli ,

  ()  [Qij ] ;  (x )  Qij x i x j ;

a repetição de índices cruzados representando, como indicado, o somatório no índice de 1


a n (convenção de Einstein). Observar que o invariante é sempre obtido pela repetição de
índices covariantes e contravariantes; por exemplo, o símbolo Qij define um invariante
quando multiplicado por xjei ou por xjli e é trivial verificar (verifique) que a lei de
transformação Qij  Qij é a mesma em qualquer uma das duas alternativas.
***

(1.6): (Isotropia - Teoria da Elasticidade) Seja uma barra de um material elástico


isotrópico com seção quadrada de lado b e comprimento l sujeita a uma tração xx em
suas extremidades, como indicado na figura.

139
Observa-se que sob a ação de xx a barra se estica de um comprimento x = xxl
<< l na direção longitudinal e se contrai de um comprimento y =  yyb < x na direção
lateral. A força aplicada na barra é igual a Fx = xxS, com S = b2, e o deslocamento x é
uma função monotonicamente crescente de Fx no regime elástico ou x = [Fx] com
(/Fx)0 = 1/k > 0 e [0] = 0: portanto x = (1/k)Fx ou Fx = kx, que é a clássica lei de
Hooke. É uma constatação empírica que a rigidez k aumenta com a área da seção
transversal – a barra é tanto mais rígida quanto maior for sua seção transversal – e
diminui com o comprimento l – ela é tanto mais flexível quanto maior for l – e em
primeira aproximação verifica-se que kl/S é invariante: esse quociente é assim uma
propriedade do material denominada, por razões óbvias, de módulo de elasticidade: E =
kl/S. Observa-se também que a contração lateral y é uma fração de x, a razão entre elas
sendo também uma propriedade do material denominada coeficiente de Poisson:  =
y/x. Definidas as duas constantes materiais do sólido elástico isotrópico, mostrar que a
relação entre a “deformação longitudinal” ε e a “tensão normal” σ é dada por

 xx   1     xx 
  1   
 yy     1     yy 
  E    1   
 zz     zz 

e justificar42 porque 0 <   ½ . Verificar que (ver (1.15c), item (1.4.3))

  xx  a c c   xx 
       1   
  yy    c a c    yy  com a  E;c E
   c c a     1   1  2  1   1  2  
 zz     zz 

e portanto  xy  2G   xy ; zx  2G   zx ;  yz  2G   yz  com 2G   a  c  


E
(1  )
.

***

(1.7): (Equação de Bernoulli – Fluido Ideal Incompressível) Seja o escoamento


estacionário de um fluido ideal (as forças viscosas são nulas) incompressível entre os

42
Analise a variação de volume causada pelo campo hidrostático xx = yy = zz =  p.

140
pontos (1) e (2) na figura abaixo; em (1) a velocidade e pressão são, respectivamente, u1 e
p1 e em (2) u2 e p2.

Considerando uma pequena região fluida V de volume  no entorno da partícula


fluida, a massa  permanece invariante, pois o fluido é incompressível, e a variação da
energia cinética é igual ao trabalho realizado pela força de contacto Fp(s) ao longo do
percurso, s sendo a coordenada curvilínea da linha que une (1) a (2). Pede-se:
a) Observando que em um fluido ideal a única força de contacto é devida à pressão,
utilizar o Teorema de Green para mostrar que

Fp (s)    p n d (V)  p(s)      4 / 3  ,


  V 

onde n é a normal à superfície (V) apontando para fora de V;


b) Mostrar que o trabalho efetuado pela força Fp(s) no percurso (1)  (2) é dado por
s2 s2

ds    4 / 3  ,
dp
12   Fp (s)  ds   
s1 s1
ds

e, no limite   0, da conservação de energia segue

p(s)  ½u 2 (s)  C t , (Equação de Bernoulli)

com Ct uma constante ao longo da trajetória analisada.


Nota: Se o campo de velocidade for uniforme no infinito a constante Ct é a mesma para
todas trajetórias.
***

(1.8): (Curvatura da linha de corrente - Ligthill (1989)) Considere uma linha de corrente
definida pelo vetor tangente t(s) = u(s)/U(s). Observando que dt/ds = (s)n(s), onde (s)
é a curvatura da linha, pede-se:

141
a) Mostrar que

U( s )  ( s )   u ( s )i  v( s ) j  n( s ) ,

com f ( s)  df / ds ;

b) Para um fluido ideal em regime estacionário verificar a igualdade

p  n( s )    u  v  t   v  u  t       vu  uv 

e mostrar que

p  n( s )  U 2 ( s )  ( s ) ;

Nota: Seja uma partícula fluida realizando um “movimento circular uniforme” em um


círculo de raio R(s) = 1/(s) com velocidade angular (s) = U(s)/R(s) = (s)U(s). A força
centrífuga por unidade de volume, 2R = U2(s)(s), precisa ser compensada pela força
externa agente na partícula, que em um fluido ideal é dada pelo gradiente de pressão.

c) Verifique diretamente a expressão derivada no item (b) para o campo de velocidades u


= (/2r)e induzido por um ponto de vórtice na origem do sistema coordenado.

***

(1.9): (Onda Acústica) Em uma sub-região V do meio fluido observa-se, em um dado


instante, um acréscimo  na densidade do fluido. Esse aumento na densidade causa um
aumento p = 2 na pressão que provoca, por sua vez, um fluxo de fluido para fora

142
de V, tendendo a diminuir a densidade do fluido em V, ver esquema abaixo: esse é o
mecanismo restaurador da compressibilidade, isso é, que tende a restaurar o valor de
equilíbrio , análogo ao efeito-mola em um oscilador. Assim como o efeito restaurador
da mola contrabalançado pela inércia da massa origina a oscilação de um oscilador, o
mecanismo restaurador da compressibilidade, contrabalançado pela inércia do fluido,
origina as ondas formadas por pequenas variações na densidade do fluido (ondas
acústicas).

Supondo, para facilitar a análise, uma onda plana propagando-se em um duto com seção
transversal de área S, seja d(x,t) = acos(kx  t) o deslocamento oscilatório das
partículas fluida, u(x,t) = asin(kx  t) a velocidade e cs = /k a celeridade da onda
acústica (a velocidade do som) no meio, isso é, a velocidade com que pequenas
perturbações na densidade são propagadas no fluido: uma perturbação é dita pequena
quando a/cs << 1, ou seja, quando a velocidade por ela induzida no fluido for muito
menor que a da onda acústica. Pede-se:

a) Seja o um volume de uma região V no equilíbrio e (x,t) a perturbação causada em


o pela passagem da onda. Verificar a relação entre volumes indicada na figura abaixo.

Utilizando conservação de massa, mostrar que a densidade do fluido é expressa pela


função (: densidade no equilíbrio)

143

 (x, t)    (x, t) com  (ka )  sin  kx  t  ;
   
 cs  : velocidade da onda 
  k 
   (ka ); ka : declividade da onda;

b) O efeito restaurador da compressibilidade pode também ser visto em um exemplo


simples: seja o êmbolo com seção transversal de área S indicado na figura encerrando um
gás em um volume o com pressão p e densidade . Aplicando ao êmbolo uma força F o
êmbolo desce uma distância d, diminuindo o volume o por um valor  = dS.

Utilizando conservação de massa e a relação de compressibilidade p = 2, mostrar


que F = Rd, o “coeficiente de mola” R sendo dado por R = 2S2/o. Observando que a
energia de restauração da mola de um oscilador é igual o = ½ Rd2, mostrar a igualdade
2
    2 p 
o  ½ p    ½ o   2
   
     

e verificar que a energia de restauração por unidade de massa devida à compressibilidade


do gás é definida pela expressão
2
  
  ½ 2   ;
  

c) Se um movimento oscilatório for representado pela função d(t) = acos(t), onde  é a


freqüência natural do oscilador e a a amplitude, as energias cinética e de restauração são
definidas pelas expressões

  o  ½ md 2 (t)   o  ¼ m  a 
2

 o  ½ Rd 2 (t)  o  ¼ Ra 2 ,

{ o ; o } sendo os valores médios de { o ; o } em um ciclo. Em um sistema mecânico a


oscilação se dá pelo “equilíbrio dinâmico” entre inércia e restauração: portanto deve-se

144
ter  o   o , uma identidade que fornece a “impressão digital” do oscilador, sua
freqüência natural  = (R/m)2. Uma onda é uma oscilação que se propaga no espaço e a
“impressão digital” de um sistema ondulatório não é a freqüência, mas sua velocidade de
propagação: por exemplo, a luz se propaga com 300000km/s, o som no ar com 340m/s.
Utilizando a igualdade    entre as energias médias cinética e de restauração por
unidade de massa de uma onda acústica e os resultados dos itens (a) e (b), mostrar que a
velocidade da onda acústica cs = /k é igual à raiz quadrada do fator de restauração
p/, análogo ao “fator de restauração” R = F/d do oscilador: portanto cs = ;

d) Seja um duto contendo um gás e limitado à esquerda por um êmbolo que se desloca
com uma velocidade U a partir do tempo t = 0. A informação que o êmbolo começou a se
movimentar é propagada com a velocidade cs do som no gás. Utilizando o esquema
abaixo, mostrar que a densidade média na região perturbada difere da densidade de
equilíbrio  por uma parcela  dada por

 U
 .
 cs  U

A perturbação na densidade é pequena quando / << 1; observando que a velocidade


U do êmbolo corresponde à velocidade da partícula fluida (imagine a velocidade das
partículas em contacto com o êmbolo), verificar que / << 1 implica em M = U/cs <<
1. O que ocorre quando M  1?
Nota: A velocidade do som depende da densidade do meio, com cs()   quando  
: é isso que limita o valor de  quando M  1. Neste problema, onde a perturbação é
restrita lateralmente pelo duto, a influência da compressibilidade é muito mais intensa
que no problema analisado no item (1.4.1), onde ela é da ordem de M2.
***

(1.10): (Descrição Lagrangeana e Euleriana: Aceleração Convectiva) Seja um corpo


rígido girando em torno de um ponto O em seu interior e dois sistemas coordenados: um
fixo no espaço (coordenada xe(t)) e outro no corpo (coordenada xc). Pede-se:

145
a) (Descrição Lagrangeana) Mostrar que

 u e (t; xc )  T (t)  xc : velocidade;


xe (t)  T (t)  xc  
 (t)  x : aceleração;  T (t)  T(t)  I
t

 ae (t; xc )  T c

b) (Descrição Euleriana) Sejam {ue(xe,t); ae(xe,t)} os campos de velocidade e aceleração


do corpo rígido, isso é, a velocidade e aceleração da “partícula” do corpo rígido que no
tempo t encontra-se na posição espacial xe. Mostrar que

 
 u e (xe , t)  T (t)  T t (t)  xe ;

 a (x , t)   T
e e
 (t)  T (t)   x   T (t)  T (t)   x   T (t)  T (t)   u ,
t
e
t
e
t
e

e comparar essas expressões com as derivadas no item (a). Nota: Da relação entre xc e
xe(t) mostrar a identidade T t (t)  x e  T t (t)  ue  0 ;

c) Escrevendo

 
 
 T (t)  T t (t)   T (t)  T t (t)   T (t)  T (t)   T (t)  T (t)   ;
x
t
y
t
z

 xe  x e i  ye j  z ek ,


onde T (t)  T t (t)  x,y,z

são as colunas de T (t)  T t (t) , mostrar que 

u e (xe , t)  x e T (t)  T t (t)  x

 y e T (t)  T t (t)  y
 
 z e T (t)  T t (t) ;
z

d) A partir da expressão do item (c) mostrar, na notação matricial, que

u e  

t 
  
 T (t)  T t (t)  T (t)  T t (t)   x e ;
 

  u e   u e  T (t)  T t (t)  u e , 
e utilizar a expressão do item (a) para verificar a relação (ver (1.12b))

u e
ae (xe , t)    u e   u e .
t

146
(1.11): (Número de Froude) Supondo que a forçante em (1.18a) seja o campo
gravitacional, pede-se:
a) Mostrar que (1.18c) fica forçada no lado direito pela força adimensional

1 U
f g ( x)   2
k  Fr  : número de Froude .
Fr gl

Se Sm for a área da seção mestra de um navio de comprimento l, Fr2 é a relação entre a


força dinâmica U2Sm e o empuxo glSm e é muito menor que 1 mesmo para uma
embarcação rápida (nesse caso U  10m/s  20 nós; l  100m e portanto Fr2  0.1). Se b
for a largura (boca) da embaracação, mostrar que a relação entre a força de arrasto
viscosa e a força hidrostática é da ordem Cd (Re)  Fr(b)
2
com Fr(b)  U /(gb)1/ 2 ;

b) Um navio navegando na superfície do mar deixa ondas em seu rastro e as ondas


formadas, oriundas que são do movimento do navio, colaboram com a resistência R ao
avanço.

Observando que a gravidade é a responsável pela restauração no movimento oscilatório


das ondas do mar, justificar porque o coeficiente de resistência

R
CR  (S: superfície molhada)
½ U 2S

é uma função de Re e Fr: CR = CR(Re,Fr). Um modelo em escala reduzida do navio é


geometricamente semelhante ao navio, mas com um comprimento lm = l com  << 1 (
 0.1, tipicamente): mostrar que é impossível o modelo em escala reduzida reproduzir
simultaneamente o mesmo Re e Fr do navio em escala real. Qual é a escolha mais viável
na prática?

c) Normalmente Re >> 1 e Fr << 1 e a influência do número de Reynolds no arrasto


decresce com o aumento de Re e formalmente43 se anula no limite 1/Re  0, enquanto a

43
Na realidade, como visto no item (1.4.5), o problema é singular no limite Re  ; identificando o navio
com uma placa plana e observando que o coeficiente Cd de arrasto da placa é da forma Cd = (Re) no

147
influência do número de Froude tende a zero no limite Fr  0. Desenvolvendo CR(Re,Fr)
em série de Taylor no entorno dos pontos 1/Re = Fr = 0 e agrupando todos os termos que
dependem exclusivamente de cada um dos parâmetros Re e Fr em duas funções, mostrar
que em primeira aproximação

C R  Re; Fr   C R  Re;0   CR  ; Fr  ; (Hipótese de Froude)

d) Para facilitar a discussão física dos limites Re   e Fr  0 é conveniente que se


suponha U e l fixos; nesse caso o limite Fr  0 corresponde a g   e Re   a   0.
Observando que a força de restauração na interface água-ar é proporcional à “gravidade”
g, justificar porque a velocidade vertical w nessa interface deve se anular no limite Fr 
0 e portanto o coeficiente CR(Re,0) é o coeficiente de arrasto do “duplo corpo” imerso em
“fluido infinito”, isso é, sem “superfície de interface”, como indicado na figura.

Justificar também porque a hipótese de escoamento irrotacional (Teoria do Potencial)


pode ser utilizada para estimar numericamente CR(,Fr). Nota: É intuitivo que a
formação de ondas tende a zero quando U  0 (Fr  0): basta imaginar as ondas
formadas quando um corpo desloca-se lentamente na superfície da água. Recordar a
estimativa de /l no regime turbulento no limite Re  . Em que região do fluido se
espera uma presença mais intensa da vorticidade?

e) Supondo que o coeficiente de arrasto do “duplo corpo” CR(Re,0) tenha sido


determinado experimentalmente em um túnel de vento e o coeficiente de arrasto
CR(Rem,Fr) de um “modelo reduzido” com número de Reynolds Rem tenha sido
determinado experimentalmente em um “tanque de ondas”, mostrar como o coeficiente
de arrasto CR(Re,Fr) do navio pode ser estimado. Nota: Como o arrasto viscoso é
essencialmente de fricção, é usual estimá-lo não através do “duplo corpo”, mas sim
utilizando uma placa plana, simplificando o trabalho experimental.

regime turbulento, efetivamente CR(Re,0)  0 nesse limite. De outro lado, o comprimento  da onda
gerada pelo navio é da ordem /l  2Fr2, pois U  (g/2)1/2, e a espessura  da camada limite é da ordem
/l  (Re); portanto /  2Fr2Re >> 1 para valores “grandes” do Froude (Fr  0.3), quando a
resistência de onda CR(,Fr) é relevante: a vorticidade pouco influencia a onda gerada nesse caso.

148
(1.12): (Determinação experimental do coeficiente de viscosidade) Seja um duto circular
de diâmetro d e eixo longitudinal coincidente com o eixo x por onde escoa um fluido
Newtoniano isotrópico e incompressível. Seja também Q a vazão imposta e um = 4Q/d2
a velocidade média na seção transversal do duto: o número de Reynolds é usualmente
definido como Re = umd/. Se o duto for “suficientemente” longo parece razoável supor
que na região central do duto, distante das extremidades, tanto o campo de velocidade
como o gradiente de pressão não variam com x. Pede-se:

a) Mostrar que nesse caso o escoamento é não só estacionário como também a aceleração
convectiva é nula. Manômetros colocados ao longo do duto, como indicado no esquema
acima, indicam uma variação linear da pressão e se p12 for a diferença de pressão entre
os manômetros (1) e (2), mostrar que

p12 4 du h12 4 du
 ou  ;
x12 d dr r d / 2 x12 gd dr r d / 2

b) Mostrar a partir das equações de Navier-Stokes que a distribuição radial de velocidade


é parabólica e portanto

d   2r  
2
du
 u(r)   1     ;
dr   d  
r d / 2 4   du 8u m 
  
d 3 du  dr r d / 2 d 
 Q ;
32 dr r d / 2

c) Verificar então a relação

1 d 2 gd h12   
  gd 3 ,    m 2 / s  
128 Q x12   

onde h12 é a diferença de cotas entre os manômetros (1) e (2).

149
Nota: Dado o duto (diâmetro d) e o fluido (densidade ), as medidas {Q; x12; h12}
permitem determinar o coeficiente de viscosidade cinemática  do fluido. O modelo
utilizado, baseado não só nas equações de Navier-Stokes como também em algumas
hipóteses adicionais, pode em parte ser verificado observando o decréscimo linear da
pressão nos manômetros. É importante observar também que o erro experimental na
determinação de h12 será tanto menor quanto menor for o diâmetro d, preservado um
valor mínimo para garantir que efeitos capilares sejam desprezíveis.
***

(1.13): Mostrar que as condições de irrotacionalidade (rot u = 0) e de


incompressibilidade (div u = 0) implicam em 2u  0, ou seja: a parcela viscosa nas
equações de Navier-Stokes se anula quando essas duas condições são satisfeitas.
***

(1.14): (Hidrostática de Corpos Flutuantes) Seja um corpo prismático com eixo


longitudinal x e seção transversal retangular no plano (y,z) flutuando na superfície livre
da água, como esquematicamente indicado na figura. Supondo uma rotação  do prisma
em torno do eixo longitudinal e sendo (x, y, z) o sistema coordenado fixo no corpo que
coincide com o sistema espacial (x,y,z) quando  = 0, pede-se:

a) Mostrar que

 y  cos   sin    y 
      com k  sin  j  cos  k ;
z   sin  cos    z 

150
b) Se c (y, z) representar a distribuição de massa por unidade de volume no interior do
prisma Vc, mostrar que o potencial da força gravitacional é definido pela expressão

g ()   c (y, z)gz dVc   c (y, z)g  y  sin   z  cos  dVc .


Vc Vc

Se m for a massa do corpo e

 ycg  y
m      (y, z)    dVc ,  CG  (y cg ; zcg ) 
 zcg  Vc z 

mostrar que

g ()  mg  ycg  sin   zcg  cos   ;

c) Mostrar que o momento das forças gravitacionais em relação à origem O do sistema


coordenado fixo no corpo é definido pela expressão

 No,g ()   c (y, z)g   y j  z k    k  dVc  N o,g ()i com


Vc

dg
 N o,g ()    mg  zcg  sin   ycg  cos   .
d

Por que  = 0 só poderá ser uma posição de equilíbrio hidrostático do prisma retangular
se ycg  0 ? Qual a restrição que a função distribuição de massa c (y, z) deve então
satisfazer?

d) Suporemos a seguir que ycg  0 e que o retângulo submerso tracejado na figura tenha
um calado igual a T e uma boca igual a 2b, ou seja: b  y  b;  T  z  0 é a região
submersa quando  = 0. Suporemos também, para facilitar o tratamento geométrico, que
tan   T / b . Dado uma rotação , mostrar que a região submersa Vc() é definida pelo
trapézio Vc() formado pelos pontos A,B,C,D com coordenadas (y; z)

A :  b; b  tan   ; D :  b;  b  tan   ;


B :  b; T  ; C :  b; T  ,

151
e que c(), o volume da região submersa Vc(), é igual a c(0) = (2bT)l, l sendo o
comprimento do prisma. Mostrar que esse mesmo resultado – a invariância do volume
c() – mantém-se para todo corpo com “costado reto”, como indicado na figura abaixo,
se tan   T / b , onde T agora é o calado do costado reto.

Nota: A hipótese de “costado reto” é feita em geral para simplificar a descrição


geométrica pois, caso contrário, precisaríamos definir a geometria acima da linha d’água.
Se c()  c(0) a rotação  deve vir acompanhada, no caso de um corpo flutuante, por
um deslocamento vertical, uma vez que mg = c(0)g.

d) Observando que na linha AD do corpo flutuante a pressão hidrostática gz é nula,


mostrar que a força df e momento dno por unidade de área da superfície Vc() do corpo
são dadas pelas expressões

 df  gz n c  g  y  sin   z  cos   n c ;


 dn  gz  y j  z k   n c  g sin   y 2 n c,z  yzn c,y   cos   yzn c,z  z 2 n c,y   ,

com nc sendo a normal à superfície Vc(). Mostrar que

 Fh  gc ()k ;
   T b2 
 No,h ()  g    z  sin   y  cos   dVc ()  i  mg   1  ½ tan 2    sin i,
 Vc ( )   2 3T 

a expressão à direita sendo válida para o prisma retangular. O momento total Noi em
relação ao ponto O é definido pela soma No() = No,g() + No,h(); mostrar que

T 
   zcg  ;
2     
  N ( )   mg  1    ½ tan   sin  ;
2

  cr
2 o cr

  cr 
b   
3T 

152
e) As posições e de equilíbrio são tais que No(e) = 0. Supondo tan e  e, mostrar que

  /  cr  1: única posição de equilíbrio é e  0;



 
N o ( e )  0  
  /  cr  1: três posições de equilíbrio : e  0; e   2    /  cr   1 ;

f) Justificar o diagrama de equilíbrio esboçado na figura com os “ramos de estabilidade”


indicados. Discutir a influência da posição do CG na estabilidade da “configuração
trivial de equilíbrio” Vc(0) (observar que N o (e  )  No (e )     (2 ) ).

Nota: Supondo que Vc(0) seja uma configuração de equilíbrio hidrostático, define-se o
“centro de flutuação” (“center of buoyancy”) pela expressão

b ()  g 
Vc (0)
z dVc (0)   g   y  sin   z  cos 
Vc (0)
dVc  mg  y b  sin   zb  cos   .

Para a seção retangular (yb  0; zb  T / 2) e a expressão do item (e) é geral, vale para
qualquer geometria da seção transversal, se tomarmos   zcg  zb .
***

(1.15): (Flambagem de Vigas e Divergência em Asas) O estudo da estabilidade da


“posição trivial de equilíbrio” Vc(0), assim como o diagrama de “bifurcação do
equilíbrio” apresentado no item (f) do exercício (1.11), são clássicos na Mecânica. Neste
exercício estudaremos duas situações semelhantes em dois problemas distintos: o
primeiro da “flambagem de vigas”, o segundo da “divergência em asas”, como
esquematicamente indicados nas figuras abaixo.
Para emular a flambagem de uma viga engastada analisaremos aqui a estabilidade
de uma barra rígida de comprimento l, sob ação de uma força compressiva P, apoiada em
um “engaste elástico” (EE) em sua extremidade que resiste a um deslocamento angular 
com um momento k: o “engaste elástico” substitui, pobremente é verdade, a rigidez
flexional da viga, mas podemos imaginar também que o modelo representa a flambagem

153
de uma viga engastada em um “engaste elástico” muito mais flexível que a própria
rigidez flexional da viga.

No segundo exemplo consideraremos a divergência em asas, um problema que pode ser


assim colocado: seja uma asa de comprimento l e seção transversal dada por um fólio de
corda c, como indicado na figura; a mola torcional de rigidez k localizada no centro
elástico CE, aqui suposto no meio da asa, sintetiza a rigidez torcional. Um escoamento
incidente U com ângulo de ataque  origina, como será visto no próximo capítulo, uma
força de sustentação L = U2clsin  aplicada no centro aerodinâmico CA distante c/4
do bordo de ataque A: a força L tem um efeito desestabilizador, pois fornece um
momento em relação ao CE com a tendência de aumentar o valor de . Pede-se:

a) Utilizando as aproximações {sin     1/63; cos   1  1/22; 1/(1)  1 + },


mostrar que


  1: e  0 ponto de equilíbrio único e estável ;
 cr
 e  0 : instável ;
 
  1:    
 cr  e       1 : estáveis.
   cr 

com { = P; cr = k/l;  = 6} no caso da viga engastada e { = U2; cr = 4k/c2l;  =


3/2} no caso da asa;

b) (“Divergência”) Supondo, no problema da asa, que o seja o ângulo de ataque inicial,


mostrar que devido à flexibilidade torcional o ângulo de ataque passa a ser o + 1 + 2
+ , segundo o esquema abaixo,

154

o  o  1 com 1  o ;
 cr
2
   
o  o  1  2 com 2  1    o ;
 cr 
 cr 
,
e portanto
n

  
f  o     .
n  0   cr 

Verificar que essa série é divergente na faixa /cr  1. Quando /cr < 1, mostrar que

o c2
f   k   (f  o )  U 2 l  f
1   /  cr 4

e interpretar esse resultado.


***
(1.16): (Estabilidade Dinâmica) Nos três problemas de bifurcação do equilíbrio
considerados – estabilidade hidrostática, flambagem de viga e divergência de asa – a
equação dinâmica pode ser escrita na forma (Ixx: momento de inércia do corpo somado ao
momento de inércia adicional devido ao fluido)

I xx  
  N o ()  N o ( )
com

   1 2
 N o ()  k   1      ;
  cr     b2 
 no exercício (1.11) : k   mg cr  mg 
k  3T 
 n,o  ,
I xx
e
N o ( )  2I xx n,o    .

A parcela acima fornece um amortecimento linear para o sistema e tem diferentes


origens. No problema hidrostático ela é identificada com o “amortecimento por
radiação”, isso é, com a potência carregada pelas ondas geradas pelo corpo flutuante
oscilando na superfície livre; no problema da flambagem o amortecimento pode ser
associado com a dissipação de energia na articulação O e no problema da asa tanto à
dissipação de energia em CE como ao movimento de rotação  . Pede-se:

155
a) Definindo n,o = (k/Ixx)1/2, mostrar que no tempo adimensional t* = n,ot a equação
dinâmica não-linear reduz-se a

   1 2

  2  1      0 t *
 n,o  t  ;
  cr   

b) Sendo e as posições de equilíbrio do sistema e definindo (t) = e + (t), mostrar que


desprezando termos não-lineares em (t) – isso é, supondo (t) << 1 – a equação
dinâmica não-linear reduz-se a

   2  1       0;
   e  0 
   cr 
(t)  e  (t)  



  2  2    1    0;

  cr 
 e      /  cr  1 

c) Considerando as soluções analíticas dessas equações lineares em (t), discutir a


estabilidade das posições de equilíbrio e em função de /cr;

d) Supondo  = 2 (problema hidrostático), /cr = 1.08 e  = 0.05, simular a equação


dinâmica não-linear com valores iniciais {(0)  0.005;  (0)  0} . Desenhar a
configuração de uma seção transversal com T/b = ½ nos tempos t* = n,ot = 0; 10; 20; 
; 100.
***
(1.17): Seja (x,t) a solução do problema matemático44

 (x, t)  n  xV (t)  U  (t)  n  xV (t ) ;


  

   0 com 
2
1
 ||x||lim (x, t)  U  (t)    2  .
  r 
r 

Pretende-se demonstrar aqui que essa solução é única a menos de uma constante C e
portanto o campo de velocidade u(x,t) = (x,t) está univocamente definido pelas
condições de contorno acima definidas. Pede-se:

44
A condição (1/r2) foi adicionada à condição no infinito para evitar, em duas dimensões, a eventual
presença de circulações (t) em torno dos contornos V(t); sem essa condição no infinito, a solução
continua única se as circulações forem especificadas junto com as condições de contorno. Na linguagem
matemática esse problema em duas dimensões ocorre porque o domínio fluido é de “conexão múltipla”.

156
a) Supondo que existam duas soluções {1(x,t); 2(x,t)} satisfazendo o mesmo conjunto
de condições de contorno, mostrar que a função diferença (x,t) = 1(x,t)  2(x,t) é
solução do problema

 (x, t)  n  xV (t )  0;
 

   0 com 
2
1
 ||x||lim (x, t)    2  ;
  r 
r 

b) Se V for o domínio fluido, mostrar que

0     2  dV         dV      dV ;
2

V V V

c) Observando que no instante t o contorno do domínio fluido V é definido pelas


superfícies {V(t);  = 1,2,  , c} e por uma superfície ||x|| = r  , utilizar o
Teorema da Divergência para mostrar que

   dV        n  dV  lim     n  dV


2
    ;
r 
V 1 V (t ) V

d) Utilizando as condições de contorno, mostrar que as integrais sobre {V(t);  = 1,2,


 , c} são nulas e que a integral sobre V é convergente e tende a zero no infinito.
Portanto
   dV  0  (x,t)  C(t).
2

e) Utilizar a equação de Bernoulli e a condição p(x,t)  0 quando ||x||  para mostrar


que dC/dt = 0 e portanto duas possíveis soluções {1(x,t); 2(x,t)} podem diferir no
máximo por uma constante C.
***

(1.18): A superfície livre do mar é definida pela função S(x,t) = z  (x,y,t) = 0. Pede-se:

a) Sejam x e x + x dois pontos vizinhos na superfície S(x,t) = 0 no instante t. Mostrar


que

S  x   || x ||2   0 .

157
Observando que no limite ||x||  0 o vetor x coincide com um vetor tangente a S(x,t),
mostrar que a normal n(x,t) à superfície livre S(x,t) = 0 é definida pela expressão

S
n(x, t)  ;
|| S ||

b) Seja (x,y, z = (x,y,t)) um ponto arbitrário na superfície livre; mostrar que a


velocidade V() desse ponto é dada por V() = (/t)k e utilizar esse resultado na
condição cinemática (1.26) para recuperar (1.27a). Em que momento a condição “se a
partícula P estiver na superfície livre em um dado instante lá permanecerá para sempre”
foi utilizada? Nota: Reveja a condição cinemática (1.26) para responder essa pergunta.
***
(1.19): (Fonte e Função de Green) A função de Green do operador Laplaciano 2 é a
“função fonte” (1.30b) da equação de Laplace, considerando duas variáveis: uma, a
posição x da fonte e outra a posição x do ponto no espaço; ou seja

1 1
G(x; x)   com R(x; x)   x  x   y  y   z  z
2 2 2
.
4 R(x; x)

Pretende-se demonstrar aqui que

  2 G(x; x)  (x  x);


 
V( x )
(x  x)  f (x)dV(x)  f (x),

com (x  x) sendo a função -Dirac no espaço com pólo em x . Pede-se:

a) Se V(x) for uma esfera de raio 0 com centro em x, mostrar que

  2 G(x; x)  f ( x)dV(x)    2 G( x; x)  f (x)dV( x)   f (x)   ()    2 G(x; x)dV(x)
V( x ) V ( x ) V ( x )

e utilizar o Teorema da Divergência na última integral para demonstrar o resultado


proposto;

b) Determinar, com o auxílio da função de Green, a solução da equação de Poisson

 2   f ( x) .
***

158
(1.20): (Massa Adicional) Seja um corpo definido pela superfície Vc com volume c
deslocando-se com velocidade U(t) em um meio fluido em repouso no infinito. Seja V a
região fluida no interior de uma esfera Ve com raio r  ; na superfície da esfera o
elemento de área Ve e as componentes da normal n são dados por (ver figura)

 x1
 n1  r  sin  cos ;

 x
dVe  r sin  dd com  n 2  2  sin  cos ;
2

 r
 x3
 n 3  r  cos .

Considerando os potenciais {i(x,t); i = 1,2,3}, soluções dos problemas

 i  n xV  n i ;

 2 i  0 com 
c
 n i  n  ei 
 i (x)   1/ r  quando r  ,
2

pede-se:

a) Sendo U(t) = U1(t)e1 + U2(t)e2 + U3(t)e3, mostrar que o campo irrotacional de


velocidade u(x,t) induzido pelo deslocamento do corpo é dado por

3
u(x, t)   U i (t) i (x) ,
i 1

a energia cinética do escoamento sendo definida pela expressão

  (U )  ½   u 2 (x, t)dV  ½ U t (t)  M  U (t);


V

 M   M ij  com M ij    i  jdV.


V

159
Verificar que as integrais que definem Mij são convergentes e que esses coeficientes têm
dimensão de massa; verificar também que a matriz M é simétrica positiva definida;

b) (Eixos Principais) Sendo U(t) = U(t)e, com U(t) = ||U(t)|| e e o versor na direção de
U(t), a energia cinética do escoamento pode ser escrita na forma  (U)  ½ M(e)  U 2 (t)
com M(e)  e t  M  e sendo a massa adicional na direção e. A particular direção e para a
qual M(e) atinge o valor máximo é tal que o produto escalar et(Me) seja máximo, uma
condição que exige a colinearidade dos vetores e e (Me) ou

M  e  e .

Mostrar que os valores característicos  i  M(ei );i  1, 2,3 , ordenados em ordem


crescente, satisfazem as condições 0  M(e1 )  M(e 2 )  M(e3 ) e os vetores caracte-
rísticos {ei ;i  1, 2,3} definem uma base ortonormal  eit  e j  ij  designada os “eixos
principais da inércia fluida”. Se M ii  M(ei ) , verificar que o tensor de inércia M é
representado pela matriz diagonal M11 ; M 22 ; M 33 no sistema cartesiano definido pelos
eixos principais;
Nota: Para facilitar a notação, os eixos principais serão identificados a seguir por {e1; e2;
e3} e o tensor de inércia por M  M11 ; M 22 ; M 33 ;

c) Dadas as funções {(x); (x)} suficientemente diferenciáveis, mostrar a identidade

 2             .

Integrando em V a identidade acima e utilizando o Teorema da Divergência, mostrar que


     dV       n  dV    r dV     dV ;
2
c e
V Vc Ve V

d) Fazendo (x) = (x) = i(x), com i(x) sendo a solução do problema potencial acima
definido, e tomando o limite r   mostrar que

M ij  ij   i  jdV   n i j dVc ;


V Vc

e) Se o corpo estiver se deslocando com velocidade U(t)e, a energia cinética total (U) do
sistema composto pelo corpo e fluido é dada por

160
 total  U   ½  m  M(e)   U 2 (t) ,

com m sendo a massa do corpo. Observando que total = dtotal/dt é a potência necessária
para deslocar esse sistema com velocidade U(t)e, mostrar que, na ausência de dissipação
(escoamento irrotacional), a força de arrasto que deve ser aplicada ao corpo é igual a (m
+ M(e)) U , onde M(e) é a inércia adicionada pela aceleração induzida no fluido;

f) Supondo que o corpo seja uma esfera de raio ro, verificar que

ro3 x1
1 (x)  
2 r3

e mostrar que (na esfera Vc a normal n aponta para dentro do corpo e sua componente n1
é igual a - sincos )

2
M11  ro3 .
3

Nota: Ao contrário do círculo, onde M11 é igual à massa deslocada, no caso da esfera esse
coeficiente de inércia é igual à metade desse valor.
***

(1.21): (Coeficiente do Dipolo) Utilizando a identidade do item (c) do exercício (1.20),


pede-se:

a) Fazendo {(x) = i(x); (x) = xj} e {(x) = xj; (x) = i(x)} verificar que

i i
  x
V j
dV  x
Vc
j  n i dVc  x
Ve
j 
r
dVe ;

i
  x
V j
dV     n dV     n dV ;
Vc
i j c
Ve
i j e

b) Utilizando o Teorema de Green no interior da região Vc ocupada pelo corpo e supondo


que (x1; x2; x3) sejam os eixos principais da inércia fluida, mostrar que

i (x)  
 c  Mii  x i quando r   .
4 r3
***

161
(1.22): (Multipolos) Dada a singularidade pólo p(x) = ln r, um quadrupolo 4p(x) é
definido pela combinação linear das derivadas de terceira ordem do pólo ou

 3 p  3 p  3 p  3 p
4p (x)  c1  c2  c3  c4 .
x 3 x 2 y xy 2 y3

Pede-se:

a) Definindo

 c(x )  ½  c1  c3  ;
 c(y )  ½  c 4  c2  ,

utilizar a equação 2p = 0 para mostrar que

   p  p  (  )    2 p  2 p 
2 2
()
4p (x)  c   2   c y   2 
x  x 2 y y  y 2 x
x
 
ou
cos 3 sin 3
4p (x)  C3 3
 S3 3 ;
r r

b) (Indução) Supondo que a enésima relação,

cos  n  1  sin  n  1 
n,p (x)  Cn 1 n 1
 Sn 1 ,
r r n 1

seja válida, mostrar que a relação (n+1),

n,p n,p cos n sin n


n 1,p (x)  c x  cy  Cn  Sn n ,
x y r n
r

é também correta.
***

(1.23): Considerando a condição de contorno (1.37a), pede-se:

a) Justificar porque a expressão

 m(t) e r  n  e  n 
    d   n    U  n x   ;
xVc
 2 r 2 r 
 d (t)  d n,

162
é consistente com a hipótese de impermeabilidade da superfície Vc;

  l , ver (1.36b), mostrar que


b) Com m(t)  d(t) c

     n  dV
Vc
c 0;

  lim    (1/ r 2 ) .
     t  dVc  0;  r 

Vc 

Nota: Na expressão acima n é o versor normal a Vc e t o versor tangente. A segunda


igualdade na chave acima vem do fato que a circulação  é imposta e o potencial total é
definido por (1.36a).
***
(1.24): Seja um corpo com volume c em duas situações distintas: na situação (a) o
corpo desloca-se com velocidade U(t) =  U(t)i através de um fluido em repouso no
infinito; na situação (b) um escoamento U(t) = U(t)i incide sobre o corpo agora fixo no
espaço. Se {Fa(t); Fb(t)} forem as forças que o fluido exerce sobre o corpo nos problema
(a) e (b), pede-se:

a) Supondo que o escoamento seja irrotacional, utilizar resultados derivados no exercício


(1.20) para mostrar que

 i  M U(t)
 Fa (t)  M11U(t)  j  M U(t)
 k;
12 13

 F (t)     U(t)
b c
 i  F (t);
a

b) No caso geral o escoamento é regido pelas equações de Navier-Stokes; mostrar que

Fb (t)   c  U(t)


 i  F (t)
a

e justificar essa relação (ver Apêndice 3).


***

163
(1.25): (Random Walk – Equação da Difusão) Um andarilho (bêbado?) caminhando em
uma reta dá passos aleatórios, para a frente e para trás, de tamanho xr a cada intervalo
de tempo tr. Seja pi(n+1) a probabilidade que o andarilho esteja no ponto ixr no instante
(n + 1)tr: o andarilho só estará neste ponto neste instante se ele estiver antes, no instante
ntr, ou no ponto (i + 1)xr ou no ponto (i  1)xr. Como o movimento é aleatório, a
probabilidade de ele ir para frente ou para trás é a mesma e igual a ½ ; portanto

pi(n 1)  ½ pi(n)


1  ½ p i 1 ,
(n)

de onde segue a igualdade


pi(n 1)  pi(n)
 

pi(n1)  2pi(n)  pi(n)
1  com  
½ x 2r
.
t r x r2
t r
Pede-se:

a) Fazendo {xr  0; tr  0}, mas mantendo o quociente  constante, mostrar que a
função densidade de probabilidade p(x,t) satisfaz a equação de difusão

p 2p
 2  0;
t x

b) Restringindo o percurso ao intervalo 0  x  l e observando que a integral da função


densidade de probabilidade é sempre unitária neste intervalo, mostrar que

p p
l
I(t)   p(x, t)dx  1  (l , t)  (0, t) ;
0
x x

c) Supondo que a função densidade de probabilidade satisfaça a condição de contorno do


item (b), seja p(x,0) o valor inicial de p(x,t), com I(0) = 1 e p(x,0)  0. Por construção I(t)
= 1 e justifique matematicamente porque p(x,t)  0 para todo tempo t. Nota: Suponha, por
exemplo, que p(x,0) seja positivo e que a primeira vez que p(x,t) se anule seja em um
ponto xo em um instante to. Utilizando a notação {px = p/x; pxx = 2p/x2}, como p(x,t)
é infinitamente diferenciável para t > 0, ver item (d) abaixo, mostrar então que {px(xo,to)
= 0; pxx(xo,to) > 0} e portanto p(xo, to+t) é positivo;

d) Para facilitar a discussão suporemos, a seguir, o problema de valor de contorno

164
p 2p
   2  0;
t x
p p
 (0, t)  (l , t)  0,
x x

que é caso particular da condição de contorno imposta no item (b). Supondo que o valor
inicial seja descrito pela função p(x,0) = (x  xo), com 0 < xo < l e () sendo a função -
Dirac – isso é, a função que é nula para x  xo, infinita em x = xo e com integral unitária
no intervalo 0  x  l, implicando a certeza da posição inicial x = xo do andarilho – e
desenvolvendo a solução na série de Fourier



p(x, t)  P0 (t)   P (t)  cos  k  x  com k   ;  = 1,2,,
1 l
determinar as funções {P(t);  = 0,1,2 ….} e mostrar que p(x,t) tende a uma constante
no limite t  : como se sabe, um andarilho bêbado sempre perde a memória do estado
inicial. Verificar que apesar de ser um -Dirac em t = 0, a função densidade de
probabilidade é infinitamente diferenciável em x em qualquer tempo t > 0.

Nota: Os coeficientes de Fourier de uma função g(x) são determinados pelas integrais

1
l

 G 0   g(x) dx;  
l0 
l   g(x)  G 0   G   cos k  x .
 G    g(x)  cos k  x dx;
2 1

l 0 

Utilizando essas expressões para os coeficientes de Fourier da “função” -Dirac, mostrar


que ela pode ser formalmente representada pela série (divergente) de Fourier
1 2 
(x  x o )    cos k  x o  cos k  x .
l l 1

A série divergente acima é, no entanto, a representação adequada da “função” -Dirac.


De fato, por definição tem-se
l

 (x  x
0
o )  g(x) dx  g(x o )

e, de outro lado, utilizando na integral à esquerda a representação por série de (x-xo)


obtemos

165
1 2  
l l

0  (x  x o )  g(x) dx  0  l  l 
1
cos k  x o  cos k  x   g(x) dx 

 l 
2
 G 0   cos k  x o   cos k  x  g(x) dx  G 0   G   cos k  x o  g(x o ).
1 l0 1

e) (Elementos Finitos – Discretização Espacial da Equação do Calor)

A partir da equação do calor e da integração por partes indicada na expressão

p 2p 
   2 ;
t x 
l l l l
p 2p   p  p 
p    t
 dx   x 2
 dx   x
    dx  
 x  x dx ,
x
  0;  0 0 0 0
x 0;l  

mostrar a equivalência entre as expressões

p  2p 
   2 ;  l p l
p 
t x     dx     dx
p    0 t 0
x x (e1)
  0;   para "todo" (x)
x  0;l   

a forma integral à direita denominada a “forma fraca” da equação do calor.


Toda função p(x) suficientemente lisa pode ser aproximada por uma interpolação
linear como indicada na figura, a interpolada nodal ph(x) sendo tanto mais próxima de
p(x) quanto menor for x.

Definindo as funções de influência {tj(x); j = 0,1,  ,ñ}, lineares em cada


segmento e tais que tj(xi) = ij, onde xi = ix é a coordenada do nó i, mostrar que as
interpoladas nodais {ph(x); h(x)} de {p(x); (x)} podem ser expressas na forma

166
ñ
  l p h  h
 p h (x, t)   p(x i , t)  t i (x)  P(t)  p(x i , t);     dx  φt  d  P;
i 0   0 x x
ñ    l (e2)
  h (x)   (x i )  t i (x)  φ  (x i );  
  h h
 p   dx  φ  m  P,
t

i 0  0

com {d; m} dadas por


 1 1  2 1 
 1 2 1  1 4 1 
1   x  
d       ; m        .
x   6  
 1 2 1  1 4 1
 1 1   1 2 

Utilizar a “forma fraca” (e1) da equação do calor para obter o sistema discreto
(ñ+1)-dimensional

 m  P (t)   d  P(t);  ñ

 P(0)  P0 .
p
 EF

(x, t)  
i 0
Pi (t)  t i (x) 

Nota: Determinada a solução P(t) = {Pi(t)} do sistema acima, a aproximação por


elementos finitos da solução da equação do calor é a função p EF (x, t) .
Mostrar que a aproximação por elementos finitos satisfaz a relação

l
I EF (t)   p EF (x, t)dx  I EF (t)  0
0

e interpretar esse resultado.


Nota: Considerar a representação matricial da integral do produto 1.ph(x,t) no intervalo
[0;l];

f) (Equação de Helmholtz – Modos Discretos de Fourier)

Os modos de Fourier utilizados na primeira parte do exercício são soluções do


problema de valor característico (equação de Helmholtz na reta)

   k 2    0;    
   k  ;  (x)  cos k  x  .
  (0)   (l )  0;   l 0,1,2,

167
Derivar a forma fraca dessa equação e verificar que a equação discreta
correspondente é o problema de valor característico da Álgebra Linear abaixo definido;
verificar também que a solução desse problema é exatamente a indicada à direita

 φ  c   cos k  x i i0,1,,ñ ;

d  φ  k m  φ 
2

  2 6 1  cos k  x    0,1, 2,, ñ 
 k   x 2 2  cos k x ;
 

e demonstrar as relações de ortogonalidade

 φt  m  φ   ;
 φt  d  φ  k 2   .
Mostrar que

k 2    
   2  1 para   1, 2, , ñ .  k  x  x  
k  l ñ 

Nota: Dada a função p(x) seja ph(x)  P sua “interpolada nodal” na malha de elementos
finitos; as interpoladas nodais {(,h (x)  φ );   0,1, , ñ} dos modos de Fourier
 (x) formam uma base ortogonal do espaço (ñ+1)-dimensional e assim

ñ ñ
p  φt  m  P  P   p  φ  p h (x)   p  ,h (x) .
0  0

É intuitivo – e não é difícil demonstrar via expansão em Taylor – que as interpoladas


lineares {ph(x); ,h(x)} convergem para {p(x); (x)} no limite ñ   (x  0); o que
não é intuitivo é que a série de Fourier de p(x) convirja para p(x) no limite ñ  , mas o
resultado acima indica uma rota possível, pois

 lim p h (x)  p(x); 


 ( ñ ) 
x 0
 ñ
 


   

 x 0  h
lim

p (x)   p     ,h (x) 

 0  p(x)   p   (x)
 x 0 ,h
lim (x)  (x);  ( ñ )  0  0
 ( ñ ) 

que demonstra formalmente a convergência da série de Fourier, embora uma


demonstração estrita necessite da elaboração de alguns detalhes técnicos na passagem do
limite quando ñ  ;

168
g) (Integração no Tempo - Condição de Courant)

Analisaremos aqui a integração no tempo da equação discreta do calor,

 m  P   d  P;
 t n  n  t 
 P (n)  P (t n ),

utilizando os esquemas de integração abaixo indicados:


 (explícito) : P(t n )  t  P  P (n )   m  P (n 1)   m  t  d   P (n) ;
 1 (n 1)


 (implícito) : P (t )  1  P (n)  P (n 1)    m  t  d   P (n)  m  P (n 1) .
 t
n

Nota: O esquema é dito “explícito” porque se m fosse a matriz identidade os valores de


P(n) seriam obtidos por sucessivas multiplicações pela matriz; de outro lado, o esquema
“implícito” envolve a solução de um sistema linear a cada passo do tempo. Para uma
matriz m não diagonal a facilidade introduzida pelo esquema “explícito” é perdida.
Utilizando a base discreta de Fourier mostrar que

 m  P   d  P; 
 ( explícito) : p   1  t  k    p ;
 (n+1) 2 (n)

  p   k   p  
2
ñ

 P(t)   p  (t)  φ ;   (implícito) : 1  t  k   p   p  ,
2 (n) (n 1)

0 

e verificar as relações:

x 2
 (explícito) : p(n)  1  t  k 2   p(0)
n 2
  t   ;
k ñ2 6
p(0)
 (implícito) : p(n)  
 t "qualquer".
1  t  k 2 
n

O t do esquema explícito é definido pela condição de estabilidade numérica da equação


recursiva: máx | 1  t  k 2 |  1; o do esquema implícito pela escala de comprimento
típica k-1 do valor inicial p0(x) = p(x,0). Justificar a estimativa

1/ 2
 P0t  d  P0 
k t  ,
 P0  md  P0 

169
e definir um valor “conveniente” de t. Nota: A dificuldade do esquema explícito é que o
valor de t é determinado pela condição de estabilidade: se | 1  t  k ñ2 | > 1 qualquer
perturbação no modo ñ é amplificada sem limite. A razão entre o passo de tempo texp. do
sistema explícito e o passo timp. do implícito é dado pela expressão texp./ timp.  k2/kñ2
e é, em geral, muito menor que 1.

h) ( Random Walk e Condição de Courant)

No problema do “random walk” temos  = x2/(2t): como t = x2/(6) para a


estabilidade do modelo discreto explícito esse modelo impõe um coeficiente de “difusão
numérica” dis = x2/(2t) = 3, o triplo do valor  do “random walk”. Esse paradoxo é
resolvido se observarmos que no sistema discreto do “random walk” a matriz de massa é
diagonal e é dada por

md  x  ½; 1;  1; ½ .

Determinar a condição de Courant utilizando essa matriz e verificar então que o


coeficiente de “difusão numérica” coincide exatamente com o valor de  do “random
walk”. A partir da definição (e2) da matriz m, identificar o esquema de integração que
leva à matriz md e a relação numérica entre essas duas matrizes;

i) (Erro Numérico) Voltando à equação do calor

p(n)

 ln (0)  n  ln 1  t  k 2 
   t  k  1
p 2
(n) 

  n  ln 1  t  k 
p 
 ln (0)
2

p 

mostrar que

 () : explícito; 
com  ( )     1  ½  . 
()
k    t n
  p  e
2
p(n ) (0)

 () : implícito. 

Impondo  ( ) = 1 + ½  e ignorando termos da ordem {( 1 2 ) 2  ( 1 6 (k  x) 2 ) 2 } ,


mostrar que

x 2
 ( )  1  t (óti.
)
 .
3

170
Nota: O t (  ) ótimo do esquema implícito é o dobro do t (  ) do esquema explícito com a
vantagem adicional que, a menos de termos da ordem ( 1 2 ) 2  ( 1 6 (k  x) 2 ) 2 , o sistema
discreto reproduz “exatamente” a solução correta. O sistema explícito apresenta uma
“difusividade numérica”, pois  ( )  1 e a solução numérica decai para zero mais
rapidamente que a analítica; o sistema implícito apresenta também uma “difusividade
numérica” para as componentes de Fourier mais altas, onde 1 3 (k   x)2   (1) , mas esse
“excesso” na difusão é aí desejável, pois elimina mais depressa o que não se deseja.
***

(1.26): (Equação de Difusão no Plano) Neste exercício analisaremos a equação da


difusão (equação do calor) em uma região  do plano e aí um método numérico como o
dos elementos finitos é obrigatório para regiões  arbitrárias. A equação do calor, com
fluxo de calor nulo através da fronteira  que delimita   a fronteira é “adiabática” ,
é dada por

p
   2 p em ;
t  p(x,0)  p0 (x )  ,
  p( x, t)  n( x )  x  0;

com p0(x) a representar a distribuição inicial de temperatura dentro de . Pede-se:

a) (Equação Fraca) Utilizando “integração por partes” e o teorema da divergência,


mostrar que

p
  t d    p  d :
 
"forma fraca" da equação do calor;
(a1)
 I(t)   p(x, t)d   p0 ( x )d  cte.
 

No problema do calor, qual o sentido físico da invariância de I(t)?

b) Seja p0 ( x ) uma função densidade de probabilidade, isso é, que I(0) = 1 e p0 ( x )  0


para todo x  . No item (a) demonstra-se que I(t) = 1; o que se pretende aqui é mostrar
que p(x,t)  0 para todo tempo t. Como p0 ( x )  0 , p(x,t) é positivo inicialmente e
suponhamos que essa função tenha uma parte negativa em um certo intervalo de tempo;
seja to o instante em que p(x,t) primeiro se anula em um certo ponto xo: como a função
p(x,t) é “lisa” para t > 0 – isso é, ela é contínua com derivadas em relação a (x,t)

171
contínuas – a condição p(xo,to) = 0 implica que xo é um ponto de mínimo de p(x,to) pois,
por hipótese, p(x,t) > 0 para todo x se t < to; portanto, nas vizinhanças de xo tem-se

 p xx,o p xy,o   x o 
 p( x  x o , t o )  ½ x o ; yo       0;
 p xy,o p yy,o   yo 
 x  x o  x o  (x o , yo ).

Mostrar que a condição de mínimo, explicitada na desigualdade p( x  x o , t o )  0 ,


implica em {pxx,o > 0; pyy,o > 0} e assim 2 p( x o , t o )  0 ; verificar então que p(xo,to+t) >
0 e portanto p(x,t)  0 para todo (x,t) se p0 (x)  0 para todo x  . Se p0(x)  0, basta
considerar a função p0(x; ) =  + p0(x) > 0 e tomar o limite 0. A conclusão é que a
evolução no tempo de uma função densidade de probabilidade inicial p0(x) continua
sendo uma função densidade de probabilidade – isso é, I(t) = 1 e p(x,t)  0 – se essa
evolução for guiada pela equação da difusão (do calor);

c) (Método dos Elementos Finitos)

ñ 1
 p h ( x, t)   p( x j , t)  t j ( x )d  P(t)  p( x j , t);
j1
ñ 1
  h ( x )   ( x i )  t i ( x )d  φ  ( x i , t);
i 1

p h
   h d  φt  M  P (t) com M   M ij  ; M ij   t i (x )  t j (x )d;

t 

  p h   h d  φ  D  P(t) com D   Dij  ; Dij   t i (x )  t j (x )d.


t

 

172
nota no final deste item indica como as matrizes D e M

 M  P   D  P; 
  I EF (t)   p EF ( x, t)d   p0,h ( x )d  cte.
 P(0)  P0 ;   

Nota: A montagem das matrizes D e M pode ser realizada a partir da topologia da malha,
sintetizada na tabela abaixo: nela definem-se as coordenadas xi dos nós da malha e os nós
{N1();N2();N3()} que definem o elemento-. Para cada elemento- as contribuições
{D; M} para as matrizes {D; M} são calculadas com alguma facilidade, como indicado,
e os valores de {D; M} devem ser armazenados nas posições {(Ni(),Nj());i,j = 1,2,3}
de {D; M}; o cálculo de {D; M} se completa quando  varre todos elementos da malha.

 N1 ( ) :  x1 (), y1 ( )  a1  y 2 ( )  y3 ( ) b1  x 3 ( )  x 2 ( )

 N 2 ( ) :  x 2 ( ), y 2 ( )  a 2  y3 ( )  y1 ( ) b2  x1 ( )  x 3 ( )    2S 
 N ( ) :  x ( ), y ( )  a  y ( )  y ( ) b  x ( )  x ( )
 3 3 3 3 1 2 3 2 1

  a12  b12 a1a 2  b1b2 a1a 3  b1b3    N1 ( )  


 2 1 1
1    1 2 1   S  M
D   a1a 2  b1b2 a 22  b22 a 2 a 3  b 2 b 3    N 2 ( )  
 4S    12 

  a1a 3  b1b3 a 2 a 3  b 2 b3 a 32  b32    N 3 ( )    1 1 2 

  N1 ()   N 2 ( )   N 3 ( ) 

d) (Problema Discreto de Helmholtz no Plano)

173
 2 +k 2   =0 em ;
   0,1, 2,
   ( x )  n( x )  x  0;

 D  φ  k 2  M  φ ;  φt  M  φ   ;

 k 0  0  k1    k ñ ,  φt  D  φ  k 2   .

 (φ)  φ t  M  φ   (φ)  (φ ñ )
   (φ )   max  (φ )  k 2
ñ 
  (φ)  φ t  D  φ  (φ) φ (φ ñ )

 (φ ñ  φ)  1  φ t  M  φ n  0; 
  D  φ n  c  M  φ n 
  (φ ñ  φ)   (φ ñ )  φ t  D  φ n     2  

 (φ ñ  φ)  k ñ2  2 δφ t  D  φ ñ  k ñ2 M  φ ñ   φ t  D  φ  k ñ2 φ t  M  φ   0

k ñ    1 sh 
6
kñ  
s h

Valor característico máximo

c) (Equação Discreta do Calor)

***

174
(1.27): (Convecção e difusão da vorticidade em 2D) O escoamento bi-dimensional de
um fluido viscoso incompressível é descrito pelas equações de Navier-Stokes

u 1 2
   u   u   u  p  0;  v u 
t Re    
 x y 
 div u  0.

Pede-se:
a) Derivando a primeira equação dinâmica em relação a y, a segunda em relação a x e
subtraindo uma da outra, mostrar que a vorticidade  satisfaz a equação

D 1 2 D 
   com    u    : derivada material ;
Dt Re Dt t

b) Seja f(x,t) um campo que descreve uma propriedade da partícula fluida; por exemplo,
o campo (x,t) descreve a vorticidade da partícula fluida. Mostrar que Df/dt = 0 implica
que a propriedade f da partícula fluida mantém-se invariante; ou, dito de outra forma, a
propriedade f é “convectada junto com a partícula”;

c) Supondo que u(x,t) = Ui e que o vórtice esteja concentrado em um ponto em t = 0,


descreva qualitativamente o comportamento do vórtice e jutifique o esquema abaixo.
Nota: Considerar o sistema de referências x  (x, y) com x  x  U  t e o exercício (1.22).

d) Em um fluido ideal  = 0 e Re = . Mostrar que em um fluido ideal a vorticidade é


convectada com o escoamento.
***

(1.28): (Esteira de Von Karman) Pretendemos estudar nesse exercício a estabilidade da


esteira de Von Karman que um corpo rombudo deixa em seu rastro no movimento
através do fluido, ver Fig.(1.31) e Fig.(1.32). Em particular, pretendemos verificar por

175
que a “esteira simétrica”, onde vórtices com sentidos opostos são simultaneamente
lançados das bordas superior e inferior do cilindro, é sempre instável, ao passo que a
“esteira anti-simétrica”, ver Fig.(1.33), onde vórtices são lançados alternadamente das
bordas superior e inferior, é estável para uma relação determinada entre h e a, onde h é a
distância vertical entre as duas carreiras horizontais de vórtices e a é a distância
horizontal entre os vórtices na mesma fila. Pede-se:

a) Mostrar que o campo de velocidades induzido por um vórtice  na origem em um


ponto com coordenada (x,y) é v(x,y) = u(x,y)i + w(x,y)j onde

b) Considerando um escoamento incidente Ui e analisando a vorticidade gerada na


camada limite, mostrar que os vórtices lançados na face superior do cilindro giram no
sentido horário enquanto os vórtices lançados na face inferior giram no sentido anti-
horário. Justificar por que as carreiras de vórtices deslocam-se com uma velocidade Uc
(ligeiramente) inferior à do escoamento incidente;

c) (Esteira Simétrica: Instabilidade) Uma perturbação simétrica nas camadas cisalhantes


produz uma esteira onde os vórtices são lançados simultaneamente das faces superior e
inferior;

Supondo uma pequena perturbação  << a na posição de um certo vórtice e considerando


somente a contribuição dos vórtices vizinhos, mostrar que a velocidade vertical nesse
vórtice (A) perturbado é dada por

176
  a  a   1 1 
wA          .
2    a    2  h 2  2  h 2  a    2  h 2   a   a    
  

Desprezando termos quadráticos no “pequeno deslocamento”  mostrar que


necessariamente wA > 0, qualquer que seja o valor de a e h. Explicar por que esse arranjo
simétrico deve ser instável;

d) (Esteira Anti-Simétrica: Condição de Estabilidade) Uma perturbação anti-simétrica


produz uma esteira onde os vórtices são lançados alternadamente das faces superior e
inferior, ver Fig.(1.31). Supondo uma pequena perturbação  << a na posição de um
certo vórtice e considerando somente a contribuição dos vórtices vizinhos, mostrar que a
velocidade vertical nesse vórtice (A) perturbado é dada por

  ½a   ½a     1 1 
wA    
2  
  .
2  (½a  )  h (½a  )  h   a   a    
2 2 2

Desprezando termos quadráticos em  verificar que

 2  a 2 ro2 
wA  1  ½  ;
2 ro2  ro2 a 2 
ro2  (½a) 2  h 2 ,

e mostrar que wA  0 (estabilidade) se e somente se h/a  0.34.

Nota: Esse exercício serve para indicar o mecanismo básico que justifica por que
somente a carreira anti-simétrica deve ser estável e assim mesmo para um valor bem
determinado da razão h/a. O problema é, na realidade, um pouco mais complexo, pois o
deslocamento de um vórtice afeta o campo de velocidades dos vórtices vizinhos e a

177
perturbação estática sugerida nesse exercício não se mantém. Considerando uma
perturbação arbitrária45 e a equação cinemática que determina as posições dos vórtices
conclui-se que o padrão anti-simétrico mantém-se estável se e somente se h/a  0.281.
***

(1.29): (Camada Limite Turbulenta e Escala de Kolmogorov) Como analisado no item


(1.7.4), argumentos teóricos sugerem que o escoamento turbulento possui uma escala
mínima de comprimento – a escala de Kolmogorov kol – da ordem kol/l  Re3/4, com l
sendo a escala macroscópica de comprimento no problema e Re = Ul/ o número de
Reynolds. Embora existam evidências experimentais que confirmam a existência dessa
escala mínima de comprimento46, é ilustrativo apresentarmos aqui como a escala /l 
Re3/4 aparece naturalmente em um problema fundamental – e pertinente no estudo de
asas – da turbulência: a teoria de Prandtl da camada limite turbulenta em uma placa
plana, onde se supõe o perfil 1/7 de velocidade e que prediz, na faixa 105  Re  107, um
coeficiente Cf de arrasto por fricção da (Re 1/5), com uma boa aderência com os dados
experimentais. O objetivo deste exercício é estabelecer essa conexão.

A figura à esquerda apresenta, de forma esquemática, o perfil 1/7 da velocidade média na


camada limite definido pela expressão u(y)/U = (y/)1/7, destacando aí duas escalas de
comprimento: a “macro-escala”47   (Re1/5) da espessura da camada limite e uma
“micro-escala” * <<  nas proximidades da placa, onde u(*)/U  (1)48. A figura à
direita mostra os perfis médios de velocidade medidos em diferentes seções de uma placa

45
Ver Lamb (1932), “Hydrodynamics”.
46
Essas evidências estão, em geral, relacionadas ao comportamento assintótico em alto número de onda dos
espectros de potência dos escoamentos turbulentos.
47
A “macro-escala”  na camada limite é uma “micro-escala” na escala macroscópica do comprimento l
da placa; a micro-escala * na camada limite é justamente a sub-camada laminar, ver (1.53d).
48
O perfil experimental do escoamento turbulento (Prandtl) mostra que u(y*)/U  0.4 para y*  0 na
escala do gráfico: é lícito afirmar portanto que y*  * ou u(*)/U  0.4.

178
plana: se l for a distância entre uma dada seção e o bordo de ataque, Re = Ul/ com {U
= 27m/s; ar  1.53x105 m2/s} nesse conjunto de experimentos. Na faixa Re  106 do
experimento o escoamento já é, em geral, turbulento, embora na seção l = 1.6m (Re =
2.8x106) ele ainda seja laminar (Blasius): como mostra a Fig.(1.35a), há uma certa faixa
nas vizinhanças de Re  106 onde o escoamento pode ser ou laminar ou turbulento, a
ocorrência de um ou outro modo dependendo da rugosidade da superfície, do perfil do
bordo de ataque (se pontudo ou não) e da turbulência do escoamento livre a montante. Os
perfis de velocidade acima apresentados são, como dito, os perfis médios de velocidade
definidos pela expressão

t T
u(y)  lim
T   u(l , y, )d ,
t

com u(x, y, t) sendo a velocidade horizontal instantânea no ponto (x,y) do fluido no


instante t, a origem do sistema coordenado sendo coincidente com o bordo de ataque. A
escala de Kolmogorov é a escala de comprimento mínima de u(x, y, t) , e não de u(y) ,
mas é razoável esperar que ela repercuta, de alguma forma, em uma micro-escala do
campo médio: se essa conjectura for consistente devemos ter */l  kol/l  (Re3/4),
posto que * é a micro-escala na camada limite turbulenta. Pede-se:

a) Definindo * pela condição que a tensão de cisalhamento na placa seja dada por  =
U/*, como sugerido no esquema apresentado na figura acima, e observando que

0.074
Cf (Re)  ;( Prandtl : 105  Re 107 )
Re1/ 5

mostrar que

* Re 1/ 20 3/ 4
 Re  6  Re 3/ 4 ,
l 0.074

quando se toma o valor médio de Re1/20 na faixa de validade 105  Re 107 ;

b) Analisando os dados experimentais da figura acima, verificar os resultados da Tabela

Re l(m) Teoria (inch) *(inch)


2.8x106 1.60 Blasius(lam) 0.19 
4.3x106 2.44 Prandtl(turb) 0.70 0.006
(1 inch = 1 polegada = 0.0254 m)

179
e indicar a dimensão da malha de Elementos Finitos capaz de descrever apropriadamente
o escoamento turbulento na placa plana;

c) Considerando a Fig.(1.44), sejam Re(1) << Re(2) os números de Reynolds “baixo” e


“alto” indicados na figura e kol(1) >> kol(2) as respectivas escalas de Kolmogorov.
Definir as dimensões características {s1; s2} das malhas de Elementos Finitos nesses
dois problemas. Supondo que estejamos interessados somente na “escala macroscópica”
do escoamento, que é muito similar nos dois casos, e observando que a malha-s1 já é
fina o suficiente para representar essa “macro-escala”, parece tentador utilizarmos malha-
s1 para determinar a solução quando Re = Re(2) com o intuito de diminuir os graus de
liberdade do problema discreto. Que problema numérico se espera nesse caso?
Nota: Considerar na malha-s1 a dissipação dos modos com comprimento de onda kol(2)
<  < kol(1) quando Re = Re(2).
***

180

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