Você está na página 1de 27

Breve panorama sobre equações diferenciais

Ronaldo B Assunção
Aula 00 de EDA — 05 de março de 2024

T Ó P I C O S : U M A V I S Ã O PA N O R Â M I C A S O B R E E Q UA Ç Õ E S D I F E R E N - ROTEIRO:
1. Introdução às ED’s e breve histórico
C I A I S . O objetivo destas notas é apresentar uma introdução e breve
2. Tipos de problemas que se resolvem
histórico das equações diferenciais; listar alguns tipos de problemas com ED’s e a grande divisão do
que conduzem às equações diferenciais; apresentar a divisão básica da assunto
teoria de equações diferenciais entre as equações ordinárias (EDO’s) 3. Tipos de soluções: analíticas e
e equações parciais (EDP’s); comentar sobre os tipos e as formas de numéricas
4. Existência e unicidade de soluções
soluções de equações diferenciais.

Equações diferenciais

Equações diferenciais são equações que relacionam uma função


incógnita e suas derivadas. Essas equações encontram aplicações
nas ciência e na tecnologia porque são usadas para expressar leis
naturais que descrevem o comportamento de grandezas variáveis
e suas relações. Por exemplo, a massa de uma amostra de material
radioativo diminui com o decurso do tempo; a lei que governa esse
fenômeno afirma que a rapidez com que varia a massa da amostra
é diretamente proporcional à quantidade de material presente na
amostra em determinado instante. Dessa forma, a taxa de variação da
massa em relação ao tempo é o negativo do produto de uma constante
de proporcionalidade positiva que depende do material radioativo
e a própria massa. Essa lei de decaimento radioativo proposta pelo
neozelandês Ernest Rutherford pode ser expressa matematicamente
na forma de uma equação diferencial

d[ x( t)]
= − kx( t),
dt
em que t representa o tempo, x( t) indica a massa de material radio-
ativo da amostra no instante t e k é a constante positiva de propor-
cionalidade que depende do material radioativo em questão; o sinal
negativo indica que a taxa de variação é negativa pois a massa da
amostra diminui com a passagem do tempo. A complicada verbaliza-
ção ilustra a economia e precisão da formulação matemática. Outro
exemplo trata da capitalização dos juros compostos em que a taxa de
variação do capital é diretamente proporcional ao capital em determi-
nado instante. Essa lei das finanças também pode ser expressa por
uma equação diferencial

d[ x( t)]
= + kx( t),
dt
em que t representa o tempo, x( t) indica o capital em determinado
instante t e k é a taxa de juros. A generalidade da formulação mate-
mática está presente nesses dois exemplos pois essas duas equações
diferenciais são essencialmente idênticas e podem ser resolvidas atra-
vés da mesma técnica; suas diferenças são apenas superficiais (no
caso presente, apenas o sinal adiante do termo do lado direito de cada
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 2

equação). Assim, uma vez resolvida uma ou outra equação diferencial,


que nesses casos significa determinar uma função x cuja derivada x′ ( t)
seja proporcional à própria função, a interpretação da solução é feita
de acordo com o contexto da aplicação, em química no primeiro caso ou
em finanças no segundo caso.
Um exemplo comum de equação diferencial que envolve a derivada
segunda é a equação que descreve o movimento de um pêndulo simples
sob a influência da gravidade. A derivada segunda do deslocamento
angular θ a partir da vertical é diretamente proporcional ao seno do
deslocamento angular. Matematicamente,

d2 [θ ( t)] g
2
= − sen(θ ),
dt l
em que t representa o tempo, θ indica o deslocamento angular do
pêndulo a partir da direção vertical, l é o comprimento do pêndulo
e g é a aceleração da gravidade. Mais uma vez, a expressão dessa
relação em palavras segue as linhas gerais já apontadas: a taxa de
variação em relação ao tempo da taxa de variação em relação ao tempo
do deslocamento angular (a aceleração angular) é direcionada para
a posição vertical e é inversamente proporcional ao comprimento do
pêndulo e diretamente proporcional à aceleração da gravidade e ao
seno do deslocamento angular.
Muitas situações são por demais complicadas para serem expressas
simplesmente por uma variável dependente apenas de outra variá-
vel. Por exemplo, a posição de uma partícula em um plano vertical é
dada por duas coordenadas, a abscissa x e a ordenada y que indicam
respectivamente as distâncias horizontal e vertical. Ambas as variá-
veis da posição da partícula podem variar com o tempo durante um
movimento nesse plano vertical. Esse movimento pode ser expresso
por uma equação que envolve as duas coordenadas ( x, y), cada uma
delas dependente do tempo t. No caso particular em que a resistência
do ar é negligenciável, uma partícula sob a influência da aceleração
da gravidade g descreve um movimento governado por um par de
equações diferenciais que envolvem a derivada segunda,

d2 [ x( t)] d2 [ y( t)]
=0 = − g.
d t2 d t2
Mais um exemplo de equação diferencial, agora proveniente da
geometria. Mostra-se no cálculo diferencial que a curvatura κ de uma
curva cuja equação cartesiana é y = y( x) é definida em termos da
derivada segunda pela fórmula
µ ³ d[ y( x)] ´2 ¶−3/2 d2 [ y( x)]
κ := 1 + .
dx d x2

Uma curva com a propriedade de que a taxa de variação da curvatura


em relação à variável x é uma determinada função prescrita ψ( x) tem
equação diferencial da forma

d[κ( x)]
= ψ( x )
dx
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 3

que é uma equação diferencial que envolve a derivada terceira; mais


detalhadamente,
µ ³ d[ y( x)] ´2 ¶ d3 [ y( x)] d[ y( x)] ³ d2 [ y( x)] ´2
µ ³ d[ y( x)] ´2 ¶5/2
1+ − 3 = 1 + ψ( x).
dx d x3 dx d x2 dx

Frequentemente as notações alternativas para as derivadas simplifi-


cam o visual das equações diferenciais; assim, com as simplificações

d[ y( x)] d y d2 [ y( x)] d2 y
= = y′ ( x) = y′ = 2 = y′′ ( x) = y′′ etc. . .
dx dx d x2 dx
a equação diferencial para prescrição da taxa de variação da curvatura
de uma curva torna-se
¢5/2
1 + ( y′ )2 y′′′ − 3 y′ ( y′′ )2 = 1 + ( y′ )2 ψ( x);
¡ ¢ ¡

Em particular, se ψ( x) ≡ 0, obtemos a equação diferencial

1 + ( y′ )2 y′′′ = 3 y′ ( y′′ )2 .
¡ ¢

Por um lado, essa equação representa a família das curvas do plano


cartesiano para as quais a taxa de variação da curvatura é nula,
isto é, a família de todas as curvas com a curvatura constante. Por
outro lado, a curvatura de uma circunferência qualquer é constante
e vale κ = 1/ r em que r é o raio de uma circunferência. Em resumo, a
equação diferencial de terceira ordem representa a família de todas
as circunferências do plano cartesiano. Em outros termos, todos as
circunferências são simbolizadas pela mesma equação diferencial
com o termo ψ( x) ≡ 0. Isso mostra também a estreita relação entre
equações diferenciais e famílias de curvas.
Os exemplos anteriores aão todos de equações diferenciais que en-
volvem funções de uma única variável independente. Derivadas dessas
funções são denominadas derivadas ordinárias, isto é, derivadas mais
simples. Assim, essas equações diferenciais são denominadas equações
diferenciais ordinárias. As equações do decaimento radioativo, das
finanças, do pêndulo simples, do movimento de uma partícula no plano
vertical (que envolve um par de variáveis dependentes) e da taxa de
variação da curvatura são todas equações diferenciais ordinárias, ou
simplesmente EDO’s.
Outra ampla variedade de fenômenos da ciência e da tecnologia
são descritos por equações diferenciais de natureza totalmente dis-
tinta. Por exemplo, o deslocamento transversal das vibrações de uma
corda uniforme, flexível, presa por suas extremidades e tensionada
representa o primeiro exemplo histórico dessa nova classe de equações
diferenciais. Suponhamos que a densidade linear da corda seja ρ , a
tensão seja T e que a corda, em sua posição de equilíbrio e não defor-
mada, tem uma extreminade em x = 0 e a outra extremidade em x = l .
Nesse caso, se a corda é posta a vibrar com pequenas oscilações, então
o deslocamento u de um ponto da corda que na posição de equilíbrio
tem abscissa x depende não apenas desse ponto mas também do ins-
tante t considerado, isto é, u = u( x, t) é uma função de duas variáveis.
As oscilações u = u( x, t) da corda são governadas pela segunda lei de
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 4

Newton e se pode demonstrar através do somatório das forças que


atuam em um pequeno segmento da corda que a segunda derivada
parcial do deslocamento transversal em relação à variável espacial x é
diretamente proporcional à segunda derivada parcial do deslocamento
da corda em relação à variável temporal t. Mais precisamente,

∂2 u ∂2 u
− c2 = 0,
∂ t2 ∂ x2

T /ρ tem unidades de velocidade e representa


p
em que a constante c =
a rapidez com que os impulsos viajam pela corda.
As correspondentes variações desse problema de oscilação no caso
de pequenas oscilações transversias u de uma membrana flexível e
uniforme bem como as pequenas oscilações de um objeto tridimensio-
nal conduzem respectivamente às equações diferenciais

∂2 u ∂2 u ∂2 y ∂2 u ∂2 u ∂2 y ∂2 u
µ ¶ µ ¶
2 2
−c + = 0; −c + + = 0.
∂ t2 ∂ x2 ∂ x2 ∂ t2 ∂ x2 ∂ x2 ∂ z2

Outros importantes exemplos de equações diferenciais que envol-


vem derivadas em relação a mais de uma variável independente são a
equação da difusão,

∂y ∂2 y
− α2 = 0,
∂t ∂ x2
e suas versões em dimensões superiores,

∂u ∂2 u ∂2 y ∂2 u ∂2 u ∂2 y ∂2 u
µ ¶ µ ¶
− α2 + = 0; − α2 + + = 0.
∂t ∂ x2 ∂ x2 ∂ t2 ∂ x2 ∂ x2 ∂ z2

Também listamos a equação do potencial em suas versões para


coordenadas cartesianas e polares,

∂2 u ∂2 u ∂2 v 1 ∂v 1 ∂2 v
+ = 0; + + 2 = 0.
∂ x2 ∂ y2 ∂ρ 2 ρ ∂ρ ρ ∂θ 2

A equação do potencial também tem suas versões tridimensionais nos


casos de coordenadas cartesianas e cilíndricas,

∂2 u ∂2 u ∂2 u ∂2 v 1 ∂v 1 ∂2 v ∂2 v
+ + = 0; + + 2 + = 0;
∂ x2 ∂ y2 ∂ z2 ∂ρ 2 ρ ∂ρ ρ ∂θ 2 ∂ z2

a mesma versão tridimensional dessa equação no caso de coordenadas


esféricas é

∂2 w 2 ∂w 1 ∂ ∂w 1 ∂2 w
µ ¶
+ + sen(θ ) + =0
∂ρ 2 ρ ∂ρ ρ 2 sen(θ ) ∂θ ∂θ ρ 2 sen2 (θ ) ∂φ2

As derivadas presentes nessas equações são derivadas parciais;


por esse motivo, as equações precedentes são exemplos de equações
diferenciais parciais, ou simplesmente EDP’s. Essas três equações
estão entre as mais frequentemente citadas nas ciências puras e
aplicadas pois são os protótipos de (EDP’s que modelam fenômenos de
oscilação, fenômenos de difusão e fenômenos de estados estacionários
para diversos tipos de problemas. As teorias das EDO’s e das EDP’s são
marcadamente distintas.
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 5

Equações diferenciais ordinárias

UMA E Q UA Ç Ã O D I F E R E N C I A L O R D I N Á R I A é uma relação que conecta


uma função y = y( x) de uma variável independente x e suas derivadas
y′ ( x), y′′ ( x), . . . , y(n) . Em sua forma mais geral a equação diferencial
ordinária (EDO) escreve-se na forma

F x, y, y′ , . . . , y(n) = 0.
¡ ¢
(1)

Se a derivada de ordem mais elevada que ocorre na équação é y(n) =


dn y d x n , diz-se que se trata de uma EDO de ordem n. Por exemplo,
±

as equações do decaimento radioativo x′ = − kx, das finanças x′ = + kx


são EDO’s de primeira ordem; a equação do pêndulo simples θ ′′ =
−( g/ l ) sen(θ ) é uma EDO de segunda ordem; o sistema de equações
do movimento de uma partícula no plano vertical x′′ = 0 e y′′ = − g
é um sistema de EDO’s de segunda ordem; a equação da família de
circunferências do plano cartesiano 1 + ( y′ )2 y′′′ = 3 y′ ( y′′ )2 é uma EDO
¡ ¢

de terceira ordem. A potência presente na derivada de ordem mais


elevada da equação é o grau da EDO. Por exemplo, todas as EDO’s
anteriormente mencionadas são de primeiro grau. Como exemplo de
uma EDO de segundo grau apresenta-se ( y′′ )2 + ( y′ )3 + y4 = 0. Se a EDO
é da forma

a n ( x) y(n) + a n−1 ( x) y(n−1) + a 1 ( x) y′ + a 0 ( x) y = ψ( x) (2)

em que a função y = y( x) e suas derivadas ocorrem linearmente e na


qual os coeficientes a i ( x) para 0 É i É n dependem apenas da variável
independente x e não dependem da variável dependente y e de suas
derivadas sucessivas é denominada EDO linear de ordem n, em que
supomos a n ( x) ̸≡ 0. No caso particular em que ψ( x) ≡ 0, a equação é
denominada EDO linear homogênea (ou EDO linear incompleta ou
ainda EDO linear sem o segundo membro); no caso em que ψ( x) ̸≡ 0,
a equação é denominada EDO linear não homogênea (ou EDO linear
completa ou ainda EDO linear com o segundo membro). A equação
do decaimento radioadito, das finanças, do movimento da partícula
no plano vertical são EDO’s lineares; a equação do pêndulo simples,
da taxa de variação da curvatura e da família das circunferências do
plano são EDO’s não lineares.
Esse nível de generalizada não será utilizado nestas notas; consi-
deramos principalmente EDO’s de primeira ordem e de primeiro grau
bem como EDO’s de segunda ordem e de primeiro grau. Mais ainda,
consideramos principalmente EDO’s para as quais é possível resolver
para o termo com a derivada mais elevada; essas EDO’s têm a forma
genérica

y′ = f ( x, y); y′′ = f ( x, y, y′ ).
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 6

Breve histórico sobre EDO’s

O primeiro período

O estudo das equações diferenciais (ED’s) inicia-se quase simultane-


amente com o cálculo. O britânico Sir Isaac Newton desenvolveu o
método de séries infinitas e o cálculo em 1665–1666; em 1671 (mas
publicado somente em 1736) escreveu sobre o que modernamente
denominamos de equações diferenciais e dividiu o tema em três partes:
1. equações de primeira ordem em que y′ é função apenas de x ou de y,
isto é, y′ = f ( x) ou y′ = f ( y);
2. equações de primeira ordem em que y′ depende de x e de y, isto é,
y′ = f ( x, y);
3. equações de primeira ordem em que aparecem derivadas parciais;
nesse trabalho, Newton deduziu soluções para EDO’s através do
método de séries de potências com coeficientes indeterminados. A
publicação tardia do artigo teve pouca ou nenhuma influência no
desenvolvimento da teoria das equações diferenciais.
O trabalho do alemão Gottfried Wilhelm Leibniz, iniciado em 1673,
teve maior impacto e tornou-se conhecido pela publicação de seus
resultados em 1684 em um periódico científico estabelecido apenas
dois anos antes.
Entre os mais devotos seguidores de Leibniz figuram os irmãos
suíços Jakob e Johann Bernoulli. Juntamente com outros membros
da família, desempenharam um notável papel no desenvolvimento da
teoria de equações diferenciais e de seu uso na soluções de problemas.
Em 1690, Jakob Bernoulli mostrou que o problema de determinar a
isócrona — isto é, a curva em um plano vertical tal que uma partícula
que por ela desliza de um ponto qualquer até seu ponto mais baixo
o faz sempre no mesmo tempo, independentemente do ponto de par-
tida — é equivalente ao problema de resolver uma EDO não linear
de primeira ordem. Posteriormente, ele resolveu a equação através
do que atualmente denomina-se método de separação de variáveis; o
método geral foi enunciado por Leibniz no ano seguinte. Nesse artigo o
termo integral aparece pela primeira vez na literatura.
Em 1692 Leibniz descobriu o método de resolução de equações
homogêneas de primeira ordem; posteriormente, descobriu a fórmula
da solução das equações lineares de primeira ordem. O problema de
determinar a solução geral da equação proposta por Bernoulli e que
leva seu nome foi resolvido em 1695; esse problema foi resolvido por
Leibniz e por Johann Bernoulli por métodos diferentes. Assim, em um
intervalo de poucos anos do surgimento do cálculo, grande parte dos
métodos conhecidos para resolução de EDO’s de primeira ordem já
haviam sido criados.
Numerosas aplicações de equações diferenciais às soluções de
problemas geométricos já haviam sido feitas antes de 1720. Entre
outros, citamos o problema de determinar uma curva plana cuja
curvatura é uma função prescrita da posição; e também o problema de
determinar as trajetórias ortogonais de uma dada família de curvas
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 7

planas. Algumas das equações formuladas para esses problemas são


EDO’s de segunda ordem. Equações da forma F ( y, y′ , y′′ ) = 0 em que a
variável independente x não aparece explicitamente já haviam surgido
em 1712 no trabalho do italiano Jacopo Francesco Riccati. Outro
membro da família de suíços, Daniel Bernoulli, contribuiu com estudos
da equação de Riccati. E em 1730, o francês Alexis-Claude Clairaut
fez importante trabalho sobre equações de primeira ordem e de graus
mais elevados.

O segundo período

Uma nova etapa da história das equações diferenciais inicia-se com o


domínio do suíço Leonhard Euler que fez importantes contribuições à
teoria a partir de 1728. Euler introduziu vários métodos de redução
de ordem de uma EDO, o condeito de fatores integrantes, a teoria de
equações diferenciais lineares de ordem arbitrária, o desenvolvimento
do uso de soluções em séries e a descoberta de que uma EDO não
linear de primeira ordem com raízes de quárticas como coeficientes,
¢1/2 ′ ¡ ¢1/2
1 − x4 y + 1 − y4
¡
= 0 tem uma solução algébrica. Esse último
resultado, que é um caso especial do teorema de Abel, conduziu ao de-
senvolvimento em 1820 da teoria das funções elípticas pelo norueguês
Niels Henrik Abel e pelo alemão Karl Gustav Jacob Jacobi.
Grande parte do trabalho em equações diferenciais tratava de ques-
tões básicas sobre o conceito de “função” e de “solução” de uma equação
diferencial. Tais questões continuaram a ser formuladas porque as
respostas consideradas satisfatórias por uma geração de matemáti-
cos foram desafiadas por seus sucessores. A primeira tentativa de
estabelecer uma teoria de funções em base mais rigorosa foi realizada
em 1820 pelo francês Augustin-Louis Cauchy. Em seu trabalho sobre
análise real ele deu uma direção inteiramente nova à teoria das equa-
ções diferenciais ordinárias, mudando da investigação sobre técnicas
de resolução de EDO’s para a procura de resultados gerais sobre a
existência e a unicidade de soluções. Cauchy demonstrou o primeiro te-
orema de existência e apresentou métodos de deduzir soluções através
de processos de passagem ao limite.
Muitos resultados recentes sobre EDO’s são de natureza básica e
dizem respeito às condições que garantem a existência de solução, a
unicidade ou a multiplicidade de soluções para determinadas classes
de equações. A teoria versa mais sobre a questão de estabelecer a
existência de soluções do que em tentar deduzir fórmulas fechadas
para as soluções equações. Essa atitude é essencial quando a maior
parte dos problemas práticos que envolvem EDO’s não podem ser re-
solvidos analiticamente e só podem ser resolvidos numericamente por
computadores; assim, a validade dos métodos numéricos deve ser crite-
riosamente investigada. O estudo de EDO’s continua a contribuir para
a solução de problemas práticos em teoria do controle e automação, em
mecânica orbital e em muitos outros ramos da ciência e da tecnologia
como também em diversas questões desafiadoras para a mátemática
pura.
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 8

Tipos de problemas que se resolvem com EDO’s

Alguns exemplos de como as equações diferenciais podem surgir na


análise de problemas em física e geometria já foram apresentados. Em
tais problemas a função incógnita deve verificar não apenas uma EDO
mas também algumas outras condições suplementares. Por exemplo,
a quantidade x( t) de material radioativo na amostra deve verificar
a condição de que no instante inicial t = 0 tem um valor prescrito
x(0) = x0 , denominada condição inicial. Alguns outros problemas
que podem ser resolvidos com o auxílio de equações diferenciais são
listados a seguir.

Problemas em física, química e biologia

Catenária. Um cabo (ou uma corda ou uma corrente) flexível, de


densidade linear constante ρ e comprimento l é suspenso entre dois
pontos A e B. A curva formada pelo cabo é denominada catenária (do
latim catena, corrente). Se um sistema de coordenadas cartesianas
é escolhido com a origem das coordenadas no alinhamento da reta
vertical que passa pelo ponto mais baixo do cabo e com o eixo O y das
abscissas orientado positivamente para cima, a forma da catenária é
determinada por uma EDO não linear de segunda ordem da forma

d2 y 1
µ ³ d y ´2 ¶1/2
= 1 +
d x2 a dx

que envolve uma constante a é uma constante com dimensões de


comprimento. Essa constante é expressa em termos da densidade
linear e da tensão horizontal a que o cabo está submetido em seu
ponto mais baixo. A solução dessa EDO é da forma
³x´
y( x) = a cosh + b − a.
a

Movimento retilíneo sob ação de forças conhecidas. O movimento de


uma partícula de massa m projetada verticalmente para cima em uma
linha reta com velocidade v é descrito por uma EDO que relaciona a
derivada temporal da quantidade de movimento p = mv, a aceleração
devida à ação da gravidade g e a resistência do meio ao movimento
R (v) (suposta conhecida),

1 d[ mv]
= − g − R ( v)
m dt
Se a massa m é constante, o lado esquerdo dessa EDO reduz-se à
±
derivada temporal da velocidade, dv d t = − g − R (v).

Velocidade de escape. A menor velocidade com que um objeto deve


ser arremessado verticalmente para cima de modo a não retornar à
Terra é denominada velocidade de escape. Suponhamos que seja negli-
genciável a resistência do ar; seja M a massa da Terra e m a massa do
objeto a ser arremessado. Pela lei de Newton da gravitação universal,
a força de atração entre essas duas massas é f = G ( Mm)/ r 2 em que r
é a distância entre o centro da Terra e o centro de gravidade do corpo
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 9

e G é a constante de gravitação universal. A equação diferencial para


o movimento do objeto é m d2 [ r ( t)] d t2 = −G ( Mm)/ r 2 em que o sinal
±

negativo adiante dos termos do lado direito da EDO indica que a acele-
ração é negativa e que a velocidade do objeto diminui com a passagem
do tempo; após simplificação,

d2 [ r ( t)] GM
m =− 2
d t2 r

É possível demonstrar que a velocidade de escape na Terra é dada


p p
por v0 = 2GM /R ou, equivalentemente, v0 = 2 gR em que g é a
aceleração devida à gravidade na superfície da Terra.

Movimento planetário sob a lei do inverso do quadrado. Se um


planeta move-se em uma órbita plana sob a ação de uma força inver-
samente proporcional ao quadrado da distância a um sol, então seu
movimento pode ser descrito em coordenadas polares ρ = ρ ( t) e θ = θ ( t)
em que a origem localiza-se no ponto da força central.
A lei do inverso do quadrado relaciona a força radial no planeta ao
inverso do quadrado da distância do planeta até o sol. O movimento é
descrito por um par de EDO’s de segunda ordem deduzidas a partir da
segunda lei de Newton,
¶2
d2 [ρ ( t)] d[θ ( t)] d d[θ ( t)]
µ µ ¶
− ρ = − c[ρ ( t)]2 ; [ρ ( t)]2 = 0;
d t2 dt dt dt

em que c ∈ R é uma constante. As equações indicam respectivamente


as acelerações radial e transversal do planeta; deduz-se, portanto, que
a aceleração total do planeta é dirigida para o sol; não há aceleração
tangencial.

Circuitos elétricos. Considere-se um circuito elétrico simples que con-


tém: um resistor com resistêmcia R ; um indutor com auto-indutância
L; um capacitor com capacitância C ; uma fonte de força eletromotriz
E ( t). Suponha-se que esses três elementos estejam dispostos em sé-
rie no circuito. Denote-se por q( t) a carga elétrica entre as placas do
±
capacitor e por i ( t) = d[ q( t)] d t a corrente elétrica que no circuito. As
quedas da tensão entre as extremidades dos elementos do circuito são:
±
R i ( t) no resistor, L( d[ i ( t] d t ) no indutor e q( t)/C no capacitor. Pelas
leis de Kirchhoff, a força eletromotriz é igual à soma dessas diversas
±
parcelas, L( d[ i ( t] d t ) + R i ( t) + q( t)/C = E ( t). A derivação de ambos os
lados dessa igualdade em relação à variável temporal implica

d2 [ q( t)] d[ q( t)] 1
L +R + q( t) = E ( t).
d t2 dt C

Problemas de oscilações auto-sustentadas. Certos circuitos elétricos


têm a propriedade de que a energia é alimentada se as oscilações
forem pequenas e retidada se forem grandes. Em outros termos,
ocorrem as oscilações auto-sustentadas, em que a energia varia com
a amplitude das oscilações. Para exibir as principais características
do comportamento desses tipos de circuitos, o holandês Balthasar van
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 10

der Pol propôs um modelo matemático de EDO de segunda ordem na


forma
d2 x dx
2
− µ(1 − x2 ) + ω2 x = 0.
dt dt
Essa equação aparece no estudo de circuitos elétricos que contêm
tubos de vácuo. Em particular, se µ = 0, a equação de van der Pol
reduz-se à equação do movimento harmônico simples,
d2 x
+ ω2 x = 0.
d x2

Teoria do potencial. Em muitos ramos da física, tais como eletrostá-


tica, eletromagnetismo, hidrodinâmica, entre outros, uma equação de
interesse é a EDP estudada pelo francês Pierre-Simon Laplace,
d2 u d2 u d2 u
+ + =0 (3)
d x 2 d y2 d z 2
que relaciona derivadas parciais de segunda ordem, em relação às três
variáveis espaciais, de uma função u = u( x, y, z) denominada potencial.
Expressa em coordenadas cilíndricas ρ , θ e z, a equação de La-
place (3) com v(ρ , θ , z) = u( x, y, z) escreve-se na forma

d2 v 1 dv 1 d2 v d2 v
+ + + = 0. (4)
dρ 2 ρ dρ ρ 2 dθ 2 d z2
Se existem soluções da equação de Laplace (4) em coordenadas cilín-
dricas na forma de um produto de uma exponencial exp(−ξ z) por um
cosseno cos(νθ ) e por alguma função radial R (ρ ),

u( x, y, z) = v(ρ , θ , z) = exp(−ξ z) cos(νθ )R (ρ ),

então a função R = R (θ ) deve ser solução de uma EDO de segunda


ordem com coeficientes variáveis dependentes de ρ e, portanto, uma
EDO não linear,
d2 R 1 dR ν2
µ ¶
2
+ + ξ − R = 0.
d t2 ρ d t ρ2
Após nova mudança de variáveis, R (ρ ) = w(ξρ ), a função w( t) deve
ser solução de uma nova EDO de segunda ordem com coeficientes
variáveis dependentes de apenas de t e, portanto, uma EDO linear,
d2 w 1 dw ν2
µ ¶
+ + 1 − 2 w = 0. (5)
d t2 t dt t
A equação (5) está associada aos trabalhos do alemão Friedrich Wi-
lhelm Bessel.
Expressa em coordenadas esféricas ρ , θ e φ, a equação de La-
place (3) com w(ρ , θ , φ) = u( x, y, z) escreve-se na forma

d2 w 2 dw 1 d dw 1 d2 w
µ ¶
+ + sen( θ ) + = 0. (6)
dρ 2 ρ dρ ρ 2 sen(θ ) dθ dθ ρ 2 sen2 (θ ) dφ2
Se existem soluções da equação de Laplace (6) em coordenadas esféri-
cas na forma de um produto de uma potência ρ n por alguma função do
ângulo longitudinal Θ(θ ),

v(ρ , θ , φ) = ρ n Θ(θ ),
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 11

isto é, uma solução axo-simétrica independente do ângulo azimutal


φ, então a função Θ = Θ(θ ) deve ser solução de uma EDO de segunda
ordem com coeficientes variáveis dependentes de θ e, portanto, uma
EDO não linear,
1 d dΘ
µ µ ¶¶
sen(θ ) + n( n + 1) = 0.
sen(θ ) dθ dθ
Após nova mudança de variáveis, t = cos(θ ), a função Θ(θ ) = w(cos(θ )) =
w( t) deve ser solução de uma nova EDO de segunda ordem com coefi-
cientes variáveis dependentes de apenas de t e, portanto, uma EDO
linear,
d2 v dw
(1 − t2 ) − 2t + n( n + 1) = 0. (7)
d t2 dt
A equação (7) está associada aos trabalhos do francês Adrien-Marie
Legendre.

Estrutura estelar. Uma interessante EDO surge na discussão da


teoria da estrutura estelar. Se o equilíbrio gravitacional de uma
massa de gás é considerada, descobre-se que sua pressão p varia
com a distância r até o centro da massa de acordo com uma EDO de
segunda ordem que envolve a constante G de gravitação universal e a
densidade ρ ,
1 d r 2 dρ
µ ¶
+ 4πG ρ = 0.
r2 dr ρ dr
A densidade ρ está relacionada com a pressão p através da lei física
ln( p) = ln( k) + (1 + 1/µ) em que K , µ ∈ R são constantes. Se ln ρ =
¡ ¢

ln ρ 0 + µ ln(θ ) em que ρ 0 é a densidade no ponto central e se uma nova


¡ ¢

variável ξ = kr é introduzida, em que k é definida em termos de ρ 0 e


1−1/µ
demais constantes por k2 = 4πG ρ 0 /(K (1 + µ)), então obtém-se um
problema de valor inicial
d2 θ 2 dθ ¯ dθ ¯¯
PVI: EDO: + + θ µ = 0; CI: θ (ξ)¯ = 1; = 0.
¯
dξ2 ξ dξ ξ=0 dξ ξ=0
¯

Essa equação da astrofísica aparece nos trabalhos de Jonathan


Homer Lane e Robert Emden e representa uma forma adimensional
da equação de Poisson para o potencial gravitacional de um fluido
esfericamente simétrico.

Oscilações harmônicas em mecânica ondulatória. Um importante


problema da mecânica ondulatória é o de determinar a função de onda
ψ de uma partícula de massa m que se move no eixo Ox das abscissas
sob a ação de uma força − kx em que x é a posição da partícula. A
função de onda ψ para uma partícula tem o significado físico de que
|ψ( x, y, z)|2 dτ representa o elemento diferencial de probabilidade de
se encontrar a partícula em um elemento diferencial de volume dτ
centrado em um ponto com coordenadas cartesianas ( x, y, z). Neste
problema a equação que descreve a partícula é um caso particular da
equação devida ao austríaco Erwin Schrödinger,
d2 ψ 8π2 m ¡ 1
E − kx2 ψ = 0,
¢
2
+ 2
(8)
dt h 2
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 12

que envolve a massa m e a energia total E da partícula e a constante h


do alemão Max Planck. O principal problema da teoria não é resolver
a EDO de segunda ordem mas determinar os possíveis valores da
energia E que garantam o comportamento assintótico |ψ| → 0 quando
| x| → +∞. Através da mudança de variáveis x = ( h2 /4π2 mk)1/4 z e
λ = (4πE / h)( m/ k)1/2 , uma equação que relaciona a derivada de segunda
ordem d2 ψ d z2 e o termo de energia potencial (λ − z2 )ψ é deduzida,
±

d2 ψ
+ (λ − z2 )ψ = 0.
d z2
O problema transforma-se em determinar o conjunto de valores ad-
missíveis para o parâmetro λ que garantam a existência de soluções
que verifiquem o comportamento assintótico |ψ| → 0 quando | z| → +∞.
Esse problema é um caso especial da teoria desenvolvida conjunta-
mente pelo suíço Jacques Charles François Sturm e do francês Joseph
Liouville.

Teoria de controle óptimo

Um tipo diferente e problema que envolve equações diferenciais surge


na teoria do controle óptimo. Nessa teoria a atenção é principalmente
focada em um processo; isto é, alguma ação que muda com a passagem
do tempo e que é usualmente descrita por uma EDO ou por um con-
junto de EDO’s. Paralelamente ao conceito de processo, os controles
são considerados para influenciar o processo em questão, e o objetovo
é o resultado atingido por um processo através de uma estratégia
de controle apropriadamente aplicada. Se, em relação a algum cri-
tério de desempenho, a melhor estratégia é procurada, o problema é
denominado problema de controle óptimo.
Um problema simples desse tipo é o da direção de uma locomotiva
de uma estação até outra com a suposição de que a mesma força
é disponível na origem e no destino; por exemplo, dois motores de
foguete que exercem propulsão em direções opostas e cada um deles
capaz de uma potência máxima P . Se a locomotiva é tratada como
d2 ∗
uma partícula de massa m e se a derivada segunda d x2
t da posição x
em relação ao tempo t é igual a uma função f = f ( x, t),

d2 [ x( t]
m = f ( x, t), (9)
d t2
em que x é a distância percorrida pela locomotiva ao longo da linha
férrea desde a origem e f é a resultante das forças aplicadas pelos dois
foguetes. O controle é definido pela desigualdade | f ( x, t)| É P . Como
objetivo, uma das seguintes condições pode ser analisada a respeito da
viagem da locomotiva: (1) viagem no mínimo tempo; (2) viagem com
mínimo desgaste dos componentes; (3) viagem com mínimo consumo
de combustível. Uma vez decidido sob qual critério o problema deve
ser analisado, o problema de controle óptimo consiste em projetar
um esquema para aplicar a função f = f ( x, t) de modo a atingir o
resultado desejado; isto é, o problema consiste em selecionar, no
conjunto de soluções da equação diferencial que consiste de todas as
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 13

formas admissíveis da função f , aquela que é óptima de acordo com o


critério selecionado.

Cinética das reações químicas. Reações químicas simples podem ser


descritas por EDO’s de primeira ordem. Se c = c( t) é a concentração
de uma substância no instante t, então a derivada de c em relação
a t é igual ao negativo do produto de uma constante positiva k ∈ R+ ,
denominada taxa de reação, pela concentração da substância naquele
instante,

d[ c( t)]
= − kc( t)
dt
em que o sinal negativo no lado direito da equação indica que a concen-
tração do reagente diminui com a passagem do tempo. Essa é a mesma
equação da desintegração radioativa e das finanças.
Analocamente, em uma reação química de segunda ordem do tipo
A + B → C + D em que a e b são respectivamente as concentrações
dos reagentes A e B e x = x( t) é a fração da concentração do reagente
que foi consumida no instante t, então a derivada de x em relação ao
tempo t é proporcional ao produto de (a − x) por ( b − x),

d[ x( t]
= k(a − x)( b − x).
dt
Reações químicas reversíveis também podem ser descritas por
EDO’s. Por exemplo, considere-se uma reação química simples do tipo
A ⇌ B; tal como a interconversão entre duas substâncias em que a e
b são as respectivas concentrações iniciais de A e B e, corresponden-
temente, (a − x) e (a + x) são seus valores no instante t. Diz-se que, se
±
d x d t = 0 então a reação está em equilíbrio. A derivada de x = x( t) é
proporcional à diferença entre k 1 (a − x) e k 2 (a + x), em que k 1 e k 2 ∈ R+
são constantes positivas,

d[ x( t)]
= k 1 ( x − a) − k 2 ( x + a). (10)
dt
Uma reação catalítica é uma reação química na qual uma das
substâncias, denominada calalisador, modifica a taxa de reação
sem sofrer qualquer modificação permanente. Em uma reação auto-
catalítica uma substância A é transformada em outra substância
B, que então age como um catalisador para a reação. Se x = x( t) é a
concentração do catalizador B no instante t e se N é seu valor final,
então esse processo pode ser descrito por uma EDO de primeira
±
ordem em que a derivada d x d t é proporcional ao produto de x( t) por
( N − x( t)),

d[ x( t)]
= kx( N − x).
dt

Distribuição de creatinina no corpo humano. Um exemplo de equa-


ções diferenciais em biologia surge na análise do modelo compartimen-
tal com dois componentes para a distribuição de creatinida no corpo
humano. O primeiro compartimento é o plasma sanguíneo; o segundo
compartimento não é claramente identificado mas há evidência de sua
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 14

existência. Se q 1 e q 2 denotam respectivamente as quantidades de


creatinina no primeiro e no segundo compartimentos, sua variação
é determinada por um par de EDO’s lineares de primeira ordem que
± ±
relacionam as derivadas d q 1 d t e d q 2 d t com as quantidades q 1 e
q2 ,
d[ q 1 ( t)] d[ q 2 ( t)]
= −( k 1 + k 3 ) q 1 + k 2 q 2 ; = +k1 q1 − k2 q2 .
dt dt

Tipos de soluções

Diz-se que uma relação y = φ( x) é uma solução ou uma curva integral


da equação diferencial ordinária f ( x, y, y′ , . . . , y(n) ) = 0 em um inter-
valo x ∈ (a, b) ⊂ R se, quando essa função é substituída na equação
diferencial, o resultado é uma identidade no referido intervalo, isto
é, f ( x, φ( x), φ′ ( x), . . . , φ(n) ) = 0 para todo x ∈ (a, b) ⊂ R. Por exemplo, a
função y( x) = cx exp( x) + x2 é solução da EDO x y′ − ( x + 1) y = x2 − x3 . Para verificar que y( x) = cx exp( x) + x2 é
solução da EDO x y′ − ( x + 1) y = x2 − x3
Frequentemente, é difícil ou até mesmo impossível expressar uma
basta calcular a derivada, y′ ( x) =
solução y = φ( x) explicitamente como função da variável independente c( x + 1) exp( x) + 2 x, e substituir y e y′
x. Nesse caso, pode ser mais conveniente ter uma relação implícita no lado esquerdo da EDO e deduzir o
lado direito. Em detalhes, x y′ − ( x + 1) y =
entre as duas variáveis escrita na forma ψ( x, y) = 0. Essa relação x( c( x + 1) exp( x) + 2 x) − ( x + 1)( cx exp( x) +
entre as variáveis x e y é solução se, através do cálculo da derivada de x2 ) = cx2 
exp( x) + 
cx exp(
 x) + 2 x2 −
cx 2exp(
 x ) − cx exp(
x ) − x 3 − x2 = x2 − x3 .
ambos os lados da relação por meio da fórmula de derivação implícita   
ou, alternativamente, por meio da regra da cadeia, obtém-se uma
identidade equivalente à EDO. Por exemplo, a função y definida
implicitamente pela fórmula 2 y2 ln | c y| − x2 = 0 é solução da EDO
( x2 + y2 ) y′ = x y. Nesse caso, é impossível escrever explicitamente a Para verificar que 2 y2 ln | c y| − x2 = 0 é
solução da EDO ( x2 + y2 ) y′ = x y basta
função y = φ( x) em termos elementares e, portanto, a única maneira de
calcular a derivada de ambos os lados da
apresentar a solução da EDO é na forma implícita. fórmula implícita em relação à variável
Como mais um caso particular dessa situação, se ambos os lados x. Em detalhes, de 2 y2 ln | c y| − x2 = 0
segue-se, da regra de derivada de
de uma equação polinomial em x e y são diferenciados em relação produto e da regra da cadeia ou (ou da
à variável x, então a função y = φ( x) determinada por essa relação fórmula de derivação implícita), que
implícita é uma solução da equação diferencial assim obtida. Por 2 2 yy′ ln | c y| + 2 y2 ( c y)−1 c y′ − 2 x = 0.
¡ ¢ ¡ ¢

exemplo, se a função polinomial é x3 + 3 x y + y3 − 1 = 0, então a derivada Com a simplicação, 2 yy′ ln | c y| + yy′ − x =


de ambos os lados em relação à variável x é, pela regra da cadeia 0 e, com a evidenciação da deri-
vada, y′ (2 y ln | c y| + y) − x = 0.
ou, equivalentemente, pela regra de derivação implícita, 3 x2 + 3 y +
Após multiplicação por y, segue-se
3 x( d y d x ) + 3 y2 ( d y d x ) = 0; manipulações algébricas elementares
± ±
y′ (2 y2 ln | c y| + y2 ) − x y = 0. Por fim, a
implicam (3 x + 3 y2 ) d y d x + 3 x2 + 3 y = 0; dessa forma, a função y = φ( x)
±
substituição, nessa fórmula, da rela-
ção implícita x2 = 2 y2 ln | c y|, segue-se
definida implicitamente por ψ( x, y) = x3 + 3 x y + y3 − 1 = 0 é solução da y′ ( x2 + y2 ) − x y = 0 e essa última
EDO ( x2 + y2 ) d y d x + x2 + y = 0.
±
identidade é equivalente à EDO.
A mais simples das equações diferenciais ordinárias tem a forma
±
d[ y( x)] d x = f ( x) em que f = f ( x) é uma função elementar que de- Em matemática, uma função elementar
é uma função real de uma variável real
pende apenas da variável independente x. Sua solução é dada por
definida por somas, produtos, quoci-
entes, raízes e composições de finitas
Z
y( x) = f ( x) d x + c funções polinômiais, racionais, trigono-
métricas, hiperbólicas, exponenciais e
que inclui uma constante arbitrária c ∈ R. Por exemplo, a solução logarítmicas; incluem também as suas
inversas.
da EDO d y d x = 2 x exp x2 é y( x) = exp x2 + c. Note-se que o pro-
± ¡ ¢ ¡ ¢

blema de resolver a EDO d[ y( x)] d x = 2 x exp x2 é equivalente ao


± ¡ ¢

problema de determinar uma função y = y( x) cuja derivada é igual


a 2 x exp x2 . Isso conduz ao problema de avaliar a antiderivada
¡ ¢
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 15

2 x exp x2 d x + c = exp x2 + c em que c ∈ R é a constante


R ¡ ¢ ¡ ¢
y( x) =
de integração. A etapa de integração conduz à presença, na solução
da EDO, de uma constante arbirária. É possível intuir facilmente (e é
possível demonstrar rigorosamente) que determinar a solução de uma
EDO de ordem n é de alguma forma equivalente a realizar n integra-
ções e que a solução final y = φ( x) contém n constantes arbitrárias de
integração.
Qualquer solução de uma EDO de ordem n deve, portanto, ser da
forma y = φ( x; c 1 , c 2 , . . . , c n ) em que c 1 , c 2 , . . . , c n ∈ R são constantes
arbitrárias; essa solução da equação de ordem n é denominada solução
geral da EDO. Qualquer solução que pode ser obtida da solução geral
da EDO através da particularização dos valores das constantes de
integração é denominada solução particular da EDO. Por exemplo,
y( x) = exp x2 e y( x) = exp x2 + 1 e y( x) = exp x2 − 2, determinadas
¡ ¢ ¡ ¢ ¡ ¢

respectivamente pelos valores c = 0, c = 1 e c = −2, são soluções


particulares da EDO d[ y( x)] d x = 2 x exp x2 . Às vezes acontece que
± ¡ ¢

uma equação diferencial não linear tem uma solução que não pode
ser obtida atribuindo-se valores específicos às constantes arbitrárias
presentes na solução geral. Essas soluções da EDO não linear são
denominadas soluções singulares. Por exemplo, a EDO não linear
( y′ )2 + x y′ − y = 0 tem solução geral dada por y( x) = cx + c2 em que c ∈ R
é uma constante arbitrária. De fato, y( x) = cx + c2 implica y′ ( x) = c e
( y′ )2 + x y′ − y = ( c)2 + x( c) − ( cx + c2 ) = 0 para todo x ∈ R. Algumas soluções
particulares da EDO são y( x) = x + 1, y( x) = 2 x + 4 e y( x) = − x + 1,
determinadas respectivamente pelos valores c = 1, c = 2 e c = −1. Por
outro lado, a função y( x) = (−1/4) x2 também é solução dessa EDO não
linear. De fato, y( x) = (−1/4) x2 implica y′ ( x) = (−1/2) x e ( y′ )2 + x y′ − y =
((−1/2) x)2 + x((−1/2) x) − (−(1/4) x2 ) = (1/4) x2 − (1/2) x2 + (1/4) x2 = 0 para
todo x ∈ R. Como esta solução não pode ser obtida a partir da solução
geral pela atribuição de um valor particular da constante c ∈ R, esta
é uma solução singular da referida EDO. Nesse exemplo, a solução Veremos posteriormente que isso
2 somente pode acontecer com as EDO’s
geral y( x) = cx + c constitui uma família de funções cujos gráficos
não lineares. Em outros termos, as
formam linhas retas no plano cartesiano; o gráfico da solução singular EDO’s lineares não possuem soluções
é uma parábola com a concavidade voltada para baixo. Essa parábola singulares.

é conhecida como o envelope ou a envoltória da família de retas.


Uma outra EDO não linear em que o cubo da derivada de uma
função é proporcional à própria função, 2( d[ y( x)] d x )3 = 3 y tem
±

solução geral em que o quadrado da função é proporcional à potência


( x − c)2 , isto é, a família de parábolas semi-cúbicas 9 y2 = 4( x − c)3 .
Para essa EDO existe também uma solução singular y = 0, que é a
linha reta constituída pelas cúspides de cada membro da família. Essa
solução é denominada linha de cúspides.
Já se mencionou anteriormente que as soluções de muitos pro-
blemas na ciência e na tecnologia são equivalentes a determinar as
soluções de equações diferenciais que verificam certas condições suple-
mentares. A seguir ilustramos algumas dessas classes de problemas,
todos através da equação do movimento harmônico simples.
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 16

Problemas de valores iniciais. Considere-se a EDO em que a soma da


derivada segunda de uma função com o produto dessa função por uma
constante é igual a zero,

d2 [ y( x)]
+ ω2 y( x) = 0. (11)
d x2
Essa EDO modela as oscilações de um sistema massa-mola e tam-
bém as oscilações da corrente em circuitos elétricos, dentre outras
aplicações; por esse motivo, a equação (11) é denominada equação
do movimento harmônico simples. Comumente, nessas aplicações
procura-se uma solução que verifica algumas condições suplementares.
No caso do sistema massa-mola, por exemplo, são conhecidas a posição
e a velocidade iniciais da massa, denotadas por y(a) = y0 e y′ (a) = y0′ ,
respectivamente. Essas duas condições são denominadas condições
iniciais (CI’s) ou condições de fronteira de um ponto. Assim, uma
classe de problemas que surgem nas aplicações é constituído por uma
EDO juntamente com as CI’s; essa classe de problemas é denominada
problema de valor inicial (PVI) ou problema de Cauchy, escrito na
forma O problema de valor inicial ou problema
de Cauchy consiste de uma equação
2
d [ y( t)] diferencial ordinária suplementado por
PVI: EDO: + ω2 y( t) = 0; CI: y(a) = y0 ; y′ (a) = v0 .
d t2 condições iniciais: PVI = EDO + CI. A
estratégia geral para resolver o PVI
A seguir, descreve-se uma estratégia geral para resolver esse PVI. é determinar a solução geral da EDO
1. Determinar a solução geral da EDO de segunda ordem dependente e depois usar as CI’s para calcular as
constantes.
de duas constantes arbitrárias y = φ( x; c 1 , c 2 ).
2. Usar as condições iniciais para determinar os valores das constan-
tes arbitrárias.
A solução geral da equação do movimento harmônico simples é

y( x) = c 1 cos(ω x) + c 2 sen(ω x), (12)

isto é, o produto de uma constante por um cosseno adicionado ao


produto de outra constante por um seno. Isso conclui a primeira etapa
da resolução do PVI. A derivada da solução geral y( x) = c 1 cos(ω x) +
c 2 sen(ω x) é y′ ( x) = −ω c 1 sen(ω x) + ω c 2 cos(ω x). Logo, a partir das
duas condições iniciais resultam duas equações nas duas constantes
arbitrárias c 1 e c 2 , obtidas pela substituição de x = a na expressão de
y, ou seja y(a) = c 1 cos(ωa) + c 2 sen(ωa) = y0 ; e também pela substituição
de x = a na expressão de y′ , ou seja, y′ (a) = −ω c 1 sen(ωa) + ω c 2 cos(ωa) =
v0 . Esse sistema com duas equações em duas incógnitas c 1 e c 2 pode
ser resolvido por diversos métodos algébricos; note-se também que
os valores de a, ω, y0 e v0 são dados prescritos. Uma vez calculados
os valores das constantes arbitrárias conclui-se a segunda etapa da
resolução do PVI.

Problemas de valores de fronteira. Considere-se a mesma equação


do movimento harmônico simples EDO mas desta vez associada a
uma das etapas de resolução do problema das oscilações de uma corda
vibrante com as duas extremidades fixas. Comumente, também nessas
aplicações procura-se uma solução que verifica algumas condições
suplementares. No caso da corda vibrante cujas duas extremidades
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 17

localizam-se e são fixadas nos pontos de coordenadas (a, y1 ) e ( b, y2 )


por exemplo, essas duas condições são denominadas condições fron-
teira (CF’s) ou condições de fronteira de dois pontos. Assim, uma classe
de problemas que surgem nas aplicações é constituído por uma EDO
juntamente com as CF’s; essa classe de problemas é denominada pro-
blema de valor de fronteira (PVF) ou problema de Dirichlet, escrito na
forma O problema de valor de fronteira ou
problema de Dirichlet consiste de
d2 [ y( t)] uma equação diferencial ordinária
PVF: EDO: + ω2 y( t) = 0; CF: y(a) = y1 ; y( b) = y2 . suplementado por condições de fronteira:
d t2
PVF = EDO + CF. A estratégia geral para
A estratégia geral para resolver esse PVF é basicamente a mesma resolver o PVF é determinar a solução
geral da EDO e depois usar as CF’s para
estratégia para resolver o PVI. A solução geral da EDO é y( x) =
calcular as constantes.
c 1 cos(ω x) + c 2 sen(ω x). Logo, também nesse caso a partir das duas
condições de fronteira resultam duas equações nas duas constantes
arbitrárias c 1 e c 2 , obtidas pelas substituições de x = a e x = b na
expressão de y, ou seja y(a) = c 1 cos(ωa) + c 2 sen(ωa) = y1 ; e também
y( b) = c 1 cos(ω b) + c 2 sen(ω b) = y2 . Esse sistema com duas equações
em duas incógnitas c 1 e c 2 pode ser resolvido por diversos métodos
algébricos; note-se também que os valores de a, b, ω, y1 e y2 são dados
prescritos. Uma vez calculados os valores das constantes arbitrárias
conclui-se a segunda etapa da resolução do PVF.

Problemas de autovalores. Outra importante classe de problemas é


exemplificada novamente pela EDO das oscilações harmônicas (11) em
que se procuram os valores admissíveis da frequência ω ∈ R para os
quais a EDO linear de segunda ordem (11) posui soluções não triviais
que verificam as condições de fronteira y(0) = y(a) = 0. Que existem
valores reais de ω ∈ R segue imetiatamente do fato de que, se n ∈ Z
é um número inteiro, então a sequência de funções y( x) = sen( nπ x/a)
verifica essas duas condições de fronteira e também verificam a EDO
com ω = nπ/a. Em outros termos, o problema de valor de fronteira
(PFV) constituído por uma EDO com condições de fronteira (CF)

d2 [ y( t)]
PVF: EDO: + ω2 y( t) = 0; CF: y(0) = y(a).
d t2
Esse problema possui soluções não triviais que são múltiplos da função
y( x) = sen(( nπ/a) x). Mais especificamente, Uma solução trivial é uma função
identicamente nula, y( x) ≡ 0, que
d2 [ y( t)] n2 π2 se anula em todos os pontos. Uma
PVF: EDO: + 2 y( t) = 0; CF: y(0) = y(a). solução não trivial é uma função não
d t2 a
identicamente nula, y( x) ̸≡ 0, isto é,
tem soluções da forma existe pelo menos um ponto no qual a
função não se anula.
³ nπ ´
yn( x) = b n sen x .
a
Logo, os valores admissíveis, denominados autovalores, são da forma
λn = ± nπ/a em que n ∈ N e as correspondentes soluções são senói-
des yn ( x) = b n sen(λn x), denominadas autofunções. A importante
teoria que trata de autovalores e das correspondentes autofunções
é denominada teoria de problemas de autovalores ou problema de
Sturm-Liouville.
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 18

Existência e unicidade de soluções

A interpretação geométrica da derivada primeira de uma função rm


um ponyo como a inclinação da reta tangente ao gráfico da função
nesse ponto permite também interpretar geometricamente o signi-
ficado de uma EDO de primeira ordem. A solução geral y = φ( x; c)
±
de uma EDO de primeira ordem d d[ y( x)] ( x) = f ( x, y) é a família de
curvas com a propriedade de que a inclinação da reta tangente em um
ponto ( x, y) qualquer de uma curva integral qualquer (o lado esquerdo
da EDO) é igual ao valor especificado pelo lado direito da EDO. Com
essa interpretação, parece intuitivo supor que o problema de valor
inicial que envolve uma equação de primeira ordem e uma condição
inicial,
d[ y( x)]
PVI: EDO: = f ( x, y); CI: y( x0 ) = y0 , (13)
dt
possui solução definida em um certo intervalo e que essa solução
é única, independentemente do ponto ( x0 , y0 ) da condição inicial.
Entretanto, é possível construir PVI’s que não possuem solução em um
ponto especificado; também é possível construir PVI’s que possuem
mais de uma solução e até mesmo com infinitas soluções em um
ponto. Por esse motivo é necessário estudar condições suficientes
para que exista e seja única a solução do PVI descrito em (13). A
demonstração do teorema clássico nessa área depende do fato de que
qualquer solução do problema de valor inicial (13) é solução também
da equação integral dada formalmente pela integração de ambos os
lados da EDO; a constante de integração dada pela condição inicial. Dizer que o processo de passagem da
±
EDO d[ y( x)] d x = f ( x, y) com a CI
Mais especificamente,
y( x0 ) = y0 para a equação integral y( x) =
y0 + xx f (ξ, y(ξ)) dξ é tratado apenas
Z x R
0
y( x) = y0 + f (ξ, y(ξ)) dξ . (14) formalmente significa que nenhuma
x0
consideração sobre a existência da
Reciprocamente, toda solução da equação integral é também solução integral é feita nesse momento; os
cálculos são realizados com a hipótese
do PVI. de que se podem calcular derivadas e
Existem diversos teoremas de existência e unicidade de soluções de integrais tantas vezes quantas forem
necessárias. Apenas posteriormente a
PVI’s. A seguir apresenta-se um teorema desse tipo. Para o enunciado validade dos cálculos é demonstrada.
desse resultado fundamental, apresenta-se o seguinte conceito a res-
peito da rapidez com que varia a derivada de uma função. Uma função
f : D ⊂ R2 → R definida em uma região D ⊂ R2 do plano cartesiano
verifica a condição de Lipschitz em relação à variável y se existe uma
constante L, denominada constante de Lipschitz,tal que a magnitude
da diferença entre f ( x, y1 ) e f ( x, y2 ) é menor do que ou igual à cons-
tante L multiplicada pela magnitude da diferença entre y1 e y2 , isto
é,

| f ( x, y1 ) − f ( x, y2 )| É L| y1 − y2 |

para qualquer para de pontos ( x, y1 ), ( x, y2 ) ∈ D . A condição foi identifi-


cada pelo alemão Rudolf Lipschitz.
O teorema pode ser assim enunciado.

Teorema 1 (Existência e unicidade de solução). Seja f : D ⊂ R2 → R


uma função contínua que verifica a condição de Lipschitz em relação à
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 19

variável dependente y em uma região D ⊂ R2 do plano cartesiano Ox y.


Seja ( x0 , y0 ) ∈ D um ponto qualquer dessa região. Então existe e é única
a solução do problema de valor inicial

d[ y( x)]
PVI: EDO: = f ( x, y); CI: y( x0 ) = y0 .
dx
Exemplos relativamente simples mostram que a continuidade da
função f é suficiente para garantir a existência de solução; a condição
de Lipschitz sobre f garante a unicidade da solução.
Pela generalização da condição de Lipschitz para o caso em que
tanto f quanto y são vetores em n dimensões e D ⊂ R × Rn é uma região
no espaço de n + 1 dimensões, a versão do Teorema 1 para essa situação
pode ser estabelecido para o PVI

d[⃗y( x)] ⃗
PVI: EDO: = f ( x,⃗y( x)); CI: ⃗y( x0 ) = ⃗y0 , (15)
dx

Qualquer EDO da forma F x, y, y′ , . . . , y(n) = 0 pode ser escrita na


¡ ¢

forma acima como uma equação diferencial vetorial de primeira ordem.


Por exemplo, o problema PVI: EDO: y′′ + ω2 y = 0; CI: y(a) = y0 ;

y (a) = v0 é equivalente ao problema

d[⃗z( x)]
PVI: EDO: = A⃗z( x); CI: ⃗z( x0 ) = ⃗z0 , (16)
dx
em que
" # " # " #
y 0 1 y0
⃗z = ′ ; A ; ⃗z0 = . (17)
y −ω2 0 v0

Essa equivalência entre os dois problemas permite concluir que o


teorema de existência e unicidade para uma EDO de ordem n pode ser
demonstrado para uma equação diferencial vetorial de primeira ordem
com n variáveis independentes.

Formas das soluções

Soluções em forma fechada.

Em muitos casos é possível expressar a solução de uma EDO por


uma fórmula simples que envolve apenas funções elementares. Por
exemplo, a solução da EDO de primeira ordem y′ + 3 y = exp(2 x) é
y( x) = c exp(−3 x) + (1/5) exp(2 x). E a solução da EDO de segunda ordem
y′′ − y = x é y( x) = c 1 exp( x) + c 2 exp(− x) − x.

Soluções na forma implícita

Em outros casos é muito difícil ou até mesmo impossível expressar


a solução de uma EDO por uma fórmula explícita e apresenta-se a
solução na forma implícita como uma relação entre as duas variáveis.
Por exempl, a solução da EDO ( x + y + 1) + ( x − y2 + 3) y′ = 0 é 3 x2 + 6 x y +
p
6 x − 2 y3 + 18 y = c em que c ∈ R. E a solução da EDO x + yy′ = x2 + y2 é
y2 = 2 c( x + c/2).
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 20

Soluções em séries

Frequentemente, quando não é possível determinar a solução de uma


EDO nas formas fechada ou implícita, procura-se solução na forma de
de uma série infinita. Essa forma de solução é particularmente apro-
priada para as soluções de EDO’s de segunda ordem com coeficientes.
Por exemplo, a equação (5) de Bessel possui solução na forma de série
de potências de t/2 que converge em toda a reta real,
¡ ¢2k+ν
X (−1)k 2t
+∞
; (ν + 1)k := (ν + 1)(ν + 2) · · · (ν + k).
k=0 k !(ν + 1) k

Analogamente, a equação (7) de Legendre possui solução na forma de


potências decrescentes de t que converge em | t| > 1,
X 12 n + 21 k 12 n + 1 k −2k−n−1
¡ ¢ ¡ ¢
+∞
t .
k ! n + 23
¡ ¢
k=0

Essa mesma equação (7) de Legendre possui solução em potências


decrescentes de t que converge em | t| < 1,
[ 12 n] 1
X 2 − 21 n k − 12 n k n−2k
¡ ¢ ¡ ¢
t
k ! 21 − n k
¡ ¢
k=0

e também uma solução em potências de (1 − t)/2 que converge em


−1 < x < 3,
+∞
X (− n)k ( n + 1)k ³ 1 − t ´k
.
k=0 k! k! 2
Note-se que se n ∈ N é um número inteiro positivo, então cada uma das
duas últimas séries reduz-se a um polinômio de grau n na variável t.

Soluções na forma integral.

De forma semelhante, a solução de uma EDO pode ser expressa


na forma de uma integral que não pode ser expressa em termos de
funções elementares. Por exemplo, a solução da EDO y′ ( x) = sen( x2
d2 θ
Por exemplo, a solução do problema do pêndulo simples d t2
+
( g/ l ) sen(θ ) = 0 com as condições iniciais θ (0) = θ0 e θ̇ 0 = 0 escreve-se na
forma de uma integral
Z α
1 2g
¢1/2 dφ = t.
θ cos φ − cos(α) l
¡ ¡ ¢

A integral no lado esquerdo da igualdade não pode ser expressa em


termos de funções elementares. Analogmente, a equação (5) de Bessel
de ordem zero tem uma solução na forma integral
Z +∞
exp(− zt)
p dt
1 t2 − 1
que também não se exprime em termos de funções elementares.

Aproximações

Em muitos casos não é possível escrever a solução de uma EDO em


nenhuma das formas anteriormente descritas e recurso deve ser usado
de se fazer aproximações.
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 21

Métodos iterativos. Ao estudar um PVI da forma (13) uma das formas


mais simples de se obter uma solução aproximada é resolver a corres-
pondente equação integral (14) por iterações. Esse método consiste
em construir uma sequência de aproximações y1 , y2 , . . . , yn através
do esquema de substituir uma solução aproximada por y na equação
integral e obter como o resultado desse processo uma aproximação
melhor; posteriormente, repete-se o processo. Em detalhes,
Z x Z x
y0 ( x) = y0 ; y1 ( x) = y0 + f (ξ, y0 (ξ) dξ ; yn ( x)= y0 + f (ξ, yn−1 (ξ) dξ ;
x0 x0

e assim sucessivamente. Pode-se demonstrar que, se as condições


de existência e unicidade do Teorema 1 são verificadas, então essa
sequência de funções converge para a solução do PVI e a n-ésima
iterada é uma solução aproximada do problema de valor inicial.
Por exemplo, considere-se o problema de valor inicial

d[ y( x)]
PVI: EDO: = 1 + x 2 y2 ; CI: y(0) = 0.
dx
pelo método de iteração as soluções aplicado com a função f ( x, ξ) =
1 + x2 ξ2 , as soluções aproximadas são
1 5 1 5 2 9
y0 ( x) = 0; y1 ( x) = x + x ; y2 ( x) = x + x + x ;
5 5 45
e assim sucessivamente.

Método de séries de Taylor. Em termos gerais o método de séries


de Taylor pode ser aplicado às EDO’s de quaisquer ordem. Como um
exemplo, o PVI constituído por uma EDO de segunda ordem na forma
reduzida e com duas condições iniciais,

PVI: EDO: y′′ ( x) = f ( x, y, y′ ); CI: y( x0 ) = y0 ; y′ ( x0 ) = y1 .

Inicialmente, calcula-se y′′ ( x0 ) = f ( x0 , y0 , y1 ); em seguida, calcula-se


a derivada de ambos os lados da EDO em relação à variável indepen-
dente x através da regra da cadeia,

∂f ∂f ∂f
y′′′ ( x) = + y′ + y′′
∂x ∂y ∂ y′

e avalia-se y′′′ ( x0 ) a partir da fórmula acima e dos dados do PVI e dos


valores previamente calculados; repete-se o processo por derivações
sucessivas para calcular y(n) ( x0 ) para cada n = 3, 4, 5, . . . . Uma aproxi-
mação do valor y( x0 + h) pode então ser calculado através do polinômio
de Taylor,

y1 y2 ( x0 ) 2 y(n) ( x0 ) n
y( x0 + h) = y0 + h+ h +···+ h .
1! 2! n!
Essas mesmas etapas podem, posteriormente, ser repetidas no ponto
x = x0 + h e assim por diante.

Métodos de Runge-Kutta. Considere-se o problema de valor ini-


cial (13) para ilustrar os métodos devidos aos alemães Carl David
Tolmé Runge e William Martin Kutta. Nesses métodos, utiliza-se
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 22

indiretamente a expansão em série de Taylor; especificamente, o valor


y(a + h) é calculado por
kX
=p
y(a + h) = y(a) + a k f (a + b k h, y0 + c k h),
k=0

em que aparece o valor y(a) juntamente com a função f ( x, y) bem


como as constantes a 0 , . . . , a p , b 0 , . . . , b p , c 0 , . . . , c p ; os valores dessas
constantes são criteriosamente escolhidosde modo que, quando a
expresão é expandida para y(a + h) em potências crescentes de h, os
coeficientes coincidam com aqueles da expansão em série de Taylor
para y(a + h).
Por exemplo, no caso em que p = 1, a fórmula envolve apenas dois
valores de f ( x, y),
³ h k0 ´
y(a + h) = y(a) + (1 − c) h f (a, y0 ) + ch f a + , y0 + .
2c 2c
Nessa fórmula, k 0 = h f (a, y0 ) e c é qualquer número real não nulo.
A solução numérica do problema (13) pode ser gerada por repetidas
aplicações dessa relação. Se xr = a + rh, yr = y(a + rh), k r = h f ( xr , yr )
e m r = h f ( xr + h/(2 c), yr + k r /(2 c)) com c ∈ R\{0}, então yr+1 pode ser
calculado a partir de yr , k r , m r e c através da fórmula

yr+1 = yr + (1 − c) k r + cm r .

Esse método é conhecido como processo de Runge-Kutta de segunda


ordem. Evidentemente, outros esquemas mais elaborados podem ser
desenvolvidos através de valores mais elevados para p.

Exercícios

1. (Verificação de solução). Considere-se a EDO


µ ¶2
d2 y dy dy
xy 2 = y +x .
dx dx dx

Mostrar que a função y( x) = A exp Bx2 é solução da EDO para quais-


¡ ¢

quer constantes A , B ∈ R.

2. (Decaimento radioativo). Resolver o problema de valor inicial a


respeito da radioatividade,
d[ x( t)]
PVI: EDO: = − kx( t); CI: x(0) = x0 .
dt
3. (Problema da catenária). Determinar a solução do problema da
catenária
¶2 ¶1/2
d2 [ y( x)] 1 d[ y( x)]
µ µ
PVI: EDO: = 1+ ;
d x2 a dx
CI: y(0) = b, y′ (0) = 0.

4. (Velocidade de escape). Resolver o problema de valor inicial a


respeito da velocidade de escape na superfície da Terra.

d2 [ r ( t)] M
PVI: EDO: 2
= −k ¡ ¢2 ; CI: r (0) = R , r ′ (0) = v0 .
dt x( t)
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 23

5. (Mudanças de variáveis). Considere-se a EDO

d2 y dy ¡ 2
x2 + x − n2 = 0.
¢
2
+x
dx dx
p
Efetuar a mudanças de variáveis y = z/ x com x ∈ R\{0} para
transformá-la na nova EDO

d2 z 4 n2 − 1
µ ¶
+ 1 − z = 0.
d x2 4 x2

6. (Mudanças de variáveis). Considere-se a EDO

dy
= y2 + x .
dx
¶2/3
3
µ
Efetuar as mudanças de variáveis x = t e y = x1/2 w para
2
transformá-la na nova EDO
dw 1
+ w = w2 + 1.
dt 3t

Respostas, sugestões, soluções

1. Dada a função y( x) = A exp Bx2 , pelas regras de


¡ ¢
2. A EDO que modela o decaimento radioativo pode
derivação e regra da cadeia, ser deduzida da seguinte forma. Seja t o tempo
(medido em alguma unidade conveniente) e seja
y( x) = A exp Bx2 ;
¡ ¢
x( t) a massa da amostra de material radioativo no
dy
= A exp Bx2 (2Bx) instante t. No instante t + ∆ t a massa da amostra
¡ ¢
dx
é x( t + ∆ t) = x( t) + ∆ x pois o material radioativo
= 2 ABx exp Bx2 ;
¡ ¢
desintegra-se com a passagem do tempo. O quociente
d2 y de diferenças
= 2 AB exp Bx2 + 2 ABx exp Bx2 (2Bx)
¡ ¢ ¡ ¢
dx 2

= 2 AB exp Bx2 + 4 AB2 x2 exp Bx2 .


¡ ¢ ¡ ¢ x( t + ∆ t) − x( t)  t) + ∆ x − 
x( t) ∆ x
x(
= =
( t + ∆ t) − t t + ∆ t − t ∆t
A substituição dessas expressões na EDO implica
representa a taxa de variação média do decaimento.
d2 y ³ ¢´³ Após a passagem ao limite quando ∆ t → 0,
x y 2 = x A exp Bx2 2 AB exp Bx2
¡ ¡ ¢
dx
¢´ ∆ x d[ x( t)]
+ 4 AB2 x2 exp Bx2
¡
lim =
∆ t →0 ∆t dt
= 2 A 2 Bx exp Bx2 · exp Bx2
¡ ¢ ¡ ¢
é a taxa instantânea de decaimento ou simplesmente
+ 4 A 2 B2 x3 exp Bx2 · exp Bx2
¡ ¢ ¡ ¢
a derivada de x em relação a t.
= 2 ABx exp Bx2
¡ ¢
A hipótese básica do modelo de decaimento radioa-
tivo, formulada pelo neozelandês Ernest Rutherford,
³ ¢´
× A exp Bx2 + 2 ABx2 exp Bx2
¡ ¢ ¡

¢³ é que essa taxa de variação ou taxa de decaimento


= 2 ABx exp Bx2 A exp Bx2
¡ ¡ ¢
radioativo é diretamente proporcional à massa x( t)
¢¢´
+ x 2 ABx exp Bx2
¡ ¡
da amostra no instante t,

dy ³ dy ´ d[ x( t)]
= y+ x . = − kx( t)
dx dx dt
Logo, a função y( x) = A exp Bx2 é solução da EDO
¡ ¢
em que k ∈ R+ é a constante de proporcionalidade
que depende do material radioativo da amostra e o
d2 y d y ³ dy ´
xy 2
= y+ x . sinal negativo adiante da constante positiva indica
dx dx dx
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 24

que a massa da amostra diminui com a passagem do ⇒ (1 − α)


x x
0 =0 exp(− kt 0 )
tempo. ⇒ (1 − α) = exp(− kt 0 )
Para resolver essa EDO usamos o método de sepa-
⇒ ln(1 − α) = ln(exp(− kt 0 )) = − kt 0
ração de variáveis e reescrevemos a EDO na forma
1
separada ⇒ k=− ln(1 − α).
t0
1 d[ x( t)]
= − k. Por exemplo, a constante de radioatividade do radio-
x( t) d t
226 226 Ra é k = 0.000436 por ano e a massa de radio
Multiplicam-se ambos os lados da EDO pela diferen- em uma amostra é dada por
cial d t
1 d[ x( t)] x( t) = x0 exp(−0.000436 t).
d t = −k d t ;
x( t) d t
A meia-vida de um elemento radioativo, denotada
calculam-se as integrais em relação à variável tempo- por t , é definida como o tempo necessário para que
1/2
ral, metade do material da amostra desintegre-se radioa-
1 d[ x( t)] tivamente. Nesse caso, α = 0.5 e, com a suposição de
Z µ ¶ Z
d t = − k d t + c̃;
x( t) dt que a constante k é conhecida,
±
pela definição da diferencial d x = ( d[ x( t)] d t ) d t, x0 − 0.5 x0 = x0 exp(− kt 1/2 )
1
Z Z
⇒ (1 − 0.5) x0 =x
0 exp(− kt 1/2 )
d x = − k d t + c̃
x
⇒ 0.5 = exp(− kt 1/2 )
ln | x| = − kt + c̃;
⇒ ln(0.5) = ln(exp(− kt 1/2 )) = − kt 1/2
avaliam-se as exponenciais de ambos os lados da 1 ln(2)
⇒ t 1/2 = − ln(0.5) = .
igualdade, k k
Por exemplo, a meia-vida do radio-226 é
exp(ln | x|) = exp(− kt + c̃) = exp(− kt) exp( c̃)
ln(2) ln(2)
| x| = exp( c̃) exp(− kt) t 1/2 = = = 1590 anos.
k 0.000436
x = ± exp( c̃) exp(− kt)
Se uma amostra de Radio-226 atualmente contém
x = x( t) = c exp(− kt) ( c = ± exp( c̃)) x0 = 500mg, qual será a massa dessa amostra de-
e, após manipulações algébricas elementares, a so- corridos 2000 anos? Com a fórmula e as constantes
±
lução da EDO d[ x( t)] d t = − kx( t) é x( t) = c exp(− kt). deduzidas previamente,
De fato, essa função é derivável em toda a reta real x(2000) = 500 exp(−0.000436 · 2000)mg = 208mg.
±
e verifica a EDO pois d[ x( t)] d t = − kc exp(− kt) =
− kx( t).
3. Sejam M0 (0, b) e M ( x, y) respectivamente o ponto
Resta determinar a constante arbitrária c ∈ R
mais baixo e um ponto arbitrário à direita de M0 do
para que se verifique também a condição inicial.
cabo. Consideremos a seção do cabo entre esses dois
No instante inicial t = 0 a massa da amostra de
pontos. Esse arco da catenária está em equilíbrio;
material radioativo é x(0) = x0 ; por outro lado,
logo a resultante das forças que nele atuam é zero.
x(0) = c exp(− k · 0) = c; logo, c = x0 e a solução do
Essas forças são
PVI é
1. a tensão T , que atua ao longo da tangente no
x( t) = x0 exp(− kt). ponto M , já que o cabo é flexível e todas as forças
são tangenciais;
A constante de decaimento radioativo k é deter-
2. a tensão − H no ponto M0 , que é uma força hori-
minada a partir de observações experimentais.
zontal para a esquerda pois M0 é o ponto mais
Suponha-se que durante o intervalo t 0 a parcela α x0
baixo do cabo;
da massa original tenha-se desintegrado radioativa-
3. o peso do cabo, dado pelo produto da densidade
mente com α ∈ (0, 1). Portanto, através da fórmula da
linear ρ pelo comprimento do arco da catenária
solução,
medido a partir de M0 até M e denotado por s,
x0 − α x0 = x0 exp(− kt 0 ) esse peso é −ρ s.
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 25

A tensão T no ponto M tem a direção do ângulo θ Essa equação é uma EDO com variáveis separáveis e
e pode ser decomposta em duas componentes, uma reescreve-se na forma
horizontal T cos(θ ) que se equilibra com H (isto é, 1 dp 1
= ;
T cos(θ ) − H = 0) e outra vertical T sen(θ ) que se p
1 + p2 dx a
equilibra com ρ s (isto é, T sen(θ ) − ρ s = 0);. Logo,
multiplicam-se ambos os lados da EDO pela diferen-
T sen(θ ) ρ
tan(θ ) = = s. cial d x,
T cos(θ ) H
1 ³ dp ´ 1
Suponhamos que a equação da catenária seja escrita dx = dx ;
dx a
p
1 + p2
na forma y = y( x); nosso objetivo é determinar a fór-
mula para y. Devido à flexibilidade do cabo, segue-se integra-se em relação à variável independente x,
que Z
1 ³ dp ´ Z
1
dx = d x + c1 ;
d[ y( x)] d x a
p
1+ p 2
tan(θ ) = .
dx ±
com a definição da diferencial d p = ( d p d x ) d x,
Logo, essas duas expressões para a tangente do
ângulo θ implicam 1 1
Z Z
d p = d x + c1
a
p
1+ p 2
d[ y( x)] ρ 1
= s= s (18) ¯ q ¯ x
dx H a ln ¯ p + 1 + p2 ¯ = + c 1 .
¯ ¯
a
em que, por simplicidade denota-se a = H /ρ . A deri-
vação de ambos os lados dessa equação em relação a É possível resolver essa equação para p; os detalhes
x implica ficam aos cuidados do leitor,
³x
d2 [ y( x)] 1 d[ s( x)]
´
= p = a senh + c 1 .
d x2 a dx a
±
em que s = s( x) é o comprimento de arco da catenária E como p = d y d x , segue-se que uma integração adi-
medido a partir de M0 até M . Entretanto, sabe-se cional permite determinar y = y( x). Multiplicam-se
que a derivada do comprimento de arco em relação à ambos os lados dessa EDO pela diferencial d x,
variável x é d[ y( x)] ³x ´
d x = p d x = a senh + c 1 d x ;
d[ s( x)]
µ ³ d[ y( x)] ´2 ¶1/2 dx a
= 1+ .
dx dx integra-se em relação à variável independente x,
A substituição dessa expressão na EDO implica d[ y( x)] ³x
Z Z ´
d x = a senh + c 1 d x + c 2 ;
³ d[ y( x)] ´2 ¶1/2 dx a
d2 [ y( x)] 1
µ
= 1+ , ±
d x2 a dx pela definição da diferencial d y = ( d y d x ) d x,

que é a EDO da catenária. Essa equação expressa ³x


Z Z ´
d y = a senh + c 1 d x + c 2
uma relação entre as derivadas primeira e segunda a
³x ´
da variável dependente y = y( x) em relação a x e é y = y( x) = cosh + c1 + c2 .
a
uma EDO de segunda ordem. .
Para resolver essa EDO, notamos que a variável Resta usar as duas condições iniciais para deter-
dependente y = y( x) não aparece explicitamente na minar os valores particulares das constantes c 1 ,
equação; logo, podemos usar o método de redução de c 2 ∈ R. A partir da solução y = y( x) e de sua derivada
ordem. Esse método consiste em usar a substituição y′ = y′ ( x),
± ³x ³x
p = d y d x e, em seguida, substituir essa expressão e
´ ´
y( x) = a cosh + c1 + c2 ; y′ ( x) = senh + c 1 ;
sua derivada na EDO, a a

d[ y( x)] d2 [ y( x)] d p obtemos y (0) = senh(0/a + c 1 ) = 0, isto é, c 1 = 0; e
=p ⇒ = ; y(0) = a cosh(0/a + 0) + c 2 = a + c 2 = b, isto é, c 2 = b − a.
dx d x2 dx
portanto, a EDO transforma-se em Finalmente, a equação da catenária é
³x
dp 1 ¡ ¢1/2 y( x) = a cosh ) + b − a.
= 1 + p2 . a
dx a
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 26

4. Para resolver a EDO da Terra é M = 5.9722 × 1024 kg, o raio da Terra


é R = 6.3781 × 106 m; a constante de gravitação
d2 r GM
2
=− 2 universal é G = 6.6743 × 10−11 N · m−2 · k g−2 ; logo
dt r
v0 = 11.2 km/s. De outra forma, na superfície da
reescrevemos as derivadas primeira e segunda com a
Terra e a aceleração da gravidade é g = GM /R 2 ,
regra da cadeia nas formas
isto é, g = 9.8 m/s; logo, a velocidade de escape
d2 r
p
dr d ³ d r ´ dv dv d r dv escreve-se também na forma v0 = 2 gR e vale
= v, 2
= = = =v p
dt dt dt dt d t dr d t dr v0 = 2 gR = 11.2 km/s.
em que v é a velocidade do objeto; a substituição
dessas expressões na equação implica d2 y dy ¡ 2
5. Dada a EDO original: x2 + x − n2 = 0;
¢
2
+x
dx dpx
dv GM dada a mudança de variáveis y = z/ x com x ∈ R\{0},
v =− 2 ,
dr r pelas regras de derivação segue-se que
que é uma EDO com variáveis separáveis.
Multiplicam-se ambos os lados da EDO pela dife- y = x−1/2 z;
rencial d r , d y ³ 1 ´ −3/2 dz
⇒ = − x z + x−1/2 ;
dx 2 dx
dv GM
v dr = − 2 dr ; d2 y ³ 1 ´³ 3 ´ −5/2 ³ 1´ dz
dr r ⇒ 2
= − − x z + − x−3/2
dx 2 2 2 dx
calculam-se as integrais em relação à variavel r , 2
−3/2 d z −1/2 d z
³ 1´
+ − x +x
Z ³ ´
dv
Z
GM 2 dx d x2
v dr = − dr + c1 ; ³ 3´ d z d2 z
dr r2 = + x−5/2 z − x−3/2 + x−1/2 2 .
± 4 dx dx
pela definição da diferencial d r = ( dv d r ) d r ,
A substituição dessas expressões na EDO original
GM
Z Z
v dv = − dr + c1 implica
r2
v2 GM d2 y dy ¡ 2
= + c1 . 0 = x2 + x − n2 y
¢
+x
2 r dx 2 dx
3 ´ −5/2 dz d2 z
µ³ ¶
A partir da segunda condição inicial, na superfí- 2
=x + x z − x−3/2 + x−1/2 2
cie da Terra a velocidade de arremesso do objeto é 4 dx dx
1 dz
µ³ ¶
v ( R ) = v0 ,
´
+ x − x−3/2 z + x−1/2 + x2 − n2 x−1/2 z
¡ ¢
2 dx
v02 GM v02 GM
= + c1 ⇒ c1 = − ; d2 z dz z
d
2 R 2 R = x3/2 − x1/2
 + x1/2
d x2  d x  d x

³ 3 1´
a substituição dessa constante na fórmula da veloci-
+ + − x−1/2 z + x2 − n2 x−1/2 z
¡ ¢
dade implica 4 2
d2 z 1
= x3/2 2 + x−1/2 z + x2 − n2 x−1/2 z
¡ ¢
µ 2
v2 GM v0 GM

= + − . dx 4
2 r 2 R 2
d z 1
µ ¶
3/2 2 2 −1/2
=x + +x −n x z
O objeto deve mover-se sempre para cima e nunca d x2 4
µ 2
3/2 d z
³1 ´ ¶
retornar à Terra; logo, a velocidade deve ser positiva =x + 2
+x −n x z 2 −2

em todos os instantes, v2 /2 > 0. Como a quantidade d x2 4


µ 2
d z ³ 1 + 4 x2 − 4 n2 ´

GM / r torna-se arbitrariamente pequena para valo- = x3/2 + z
res grandes de r , a condição v2 /2 é verificada desde d x2 4 x2
µ 2
d z 1 − 4 n2 ´

que para qualquer r seja válida a desigualdade
³
0 = x3/2 + 1 + z .
d x2 4 x2
s p
v02 GM 2GM 2GM
− Ê 0 ⇒ v0 Ê = p E como x ∈ R\{0}, deduz-se a nova EDO
2 R R R
deve ser verificada; portanto, a velocidade de escape d2 z ³ 4 n2 − 1 ´
p + 1 − z = 0.
na superfície da Terra é v0 = 2GM /R . A massa d x2 4 x2
B R E V E PA N O R A M A S O B R E E D ’ S 27

dy 1 ³ 3 ´−4/3 ³ 3 1/3 ´
6. Dada a EDO original: = y2 + x; dadas as mudan- =− t t w
d
³ 3 ´2/3x 2 2 2
³ 3 ´−1/3 ³³ 3 ´2/3 ³ 3 ´2/3 ´³ 3 ´−1/3
ças de variáveis x = t e y = x1/2 w, segue-se + t t w2 + t t
2 2 2 2 2
1 ³ 3 ´−4/3 ³ 3 ´1/3 ³ 3 ´−1/3+2/3−1/3
w2
³ 3 ´2/3 2
x= t ; t = x3/2 ; =− t t w+ t
2 3 2 2 2 2
³ 3 ´−1/3 ³ 3 ´−1/3+2/3−1/3
1/2
y = x w; w= y t . + t
2 2
1 ³ 3 ´−1
Pela regra da cadeia, segue-se =− t w + w2 + 1
2 2
1 2
dw ∂w ∂w ∂ y ∂ x =− w + w2 + 1.
= + 2 3t
dt ∂t ∂ y ∂x ∂t
³ 1 ´³ 3 ´−4/3 ³ 1 ´
Logo, deduz-se a nova EDO
= − t y
3 2 3
³ 3 ´−1/3 ¡ ¢³ 2 ³ 3 ´−1/3 3 ´ dw 1
+ y2 + x t + w = w2 + 1.
2t 3 2 2 dt 3t

Você também pode gostar