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Sistema massa-mola e o

movimento harmônico simples


Antônio Roque
Março 2023

1 O sistema massa-mola
Para estudar movimentos oscilatórios periódicos é conveniente ter algum mo-
delo físico simples em mente. Por exemplo, um corpo de massa m preso a
uma mola de massa desprezível.
Neste caso, as oscilações podem ser descritas por apenas uma coorde-
nada1 : o deslocamento x − x0 do corpo em relação à posição de equilíbrio x0
(que será tomada como zero sem perda de generalidade).
Quando o corpo está deslocado da posição de equilíbrio, ele está sob efeito
de uma força restauradora F (x) que pode ser escrita como

F (x) = −kx + ax2 + bx3 + . . . ,

onde k, a, b, etc são constantes. Veja a Figura 1.


Para pequenos valores do desvio |x| em relação à posição de equilíbrio,
pode-se desprezar os termos de ordem quadrática, cúbica, etc em x de ma-
neira que a força restauradora é aproximada por

F (x) − kx. (1)

A equação (1) é a chamada lei de Hooke, nome dado em homenagem ao físico


inglês Robert Hooke (1635-1703), que foi o primeiro a descobri-la.
A constante k é chamada de constante da mola e suas unidades são N/m.
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Dizemos que o sistema tem apenas um grau de liberdade.

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5910236 - Física II (Q) Aula 1 - Sistema massa-mola e MHS

Figura 1: Sistema massa-mola. F é a força restauradora feita pela mola


sobre o corpo de massa m.

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5910236 - Física II (Q) Aula 1 - Sistema massa-mola e MHS

Combinando a lei de Hooke com a segunda lei de Newton, temos a equação


do movimento para o corpo de massa m:
dv d2 x
F = ma = m =m 2 ⇒
dt dt
d2 x
m = −kx. (2)
dt2
Isolando a derivada segunda de x em relação a t do lado esquerdo, temos:
d2 x k
2
= − x.
dt m
Vemos que a constante k/m tem dimensões de (tempo)−2 . Por razões ficarão
mais claras adiante, vamos escrever esta constante como ω 2 , de maneira que
a equação dinâmica fica
d2 x
2
= −ω 2 x, (3)
dt
onde r
k
ω= (4)
m
A equação (3) descreve o que se chama de oscilador harmônico simples
unidimensional. O tipo de movimento que ele faz é chamado de movimento
harmônico simples, ou MHS (a razão do termo “harmônico” ficará clara a
seguir).
Qualquer sistema físico com um grau de liberdade que oscile com pequenos
deslocamentos em relação a uma posição de equilíbrio estável deve obedecer,
aproximadamente, a equação (3).
Quando os deslocamentos não são pequenos, os termos não-lineares (de
ordem superior a um em x) na força F (x) não são desprezíveis e o com-
portamento resultante é mais complicado. Não vamos considerar esses casos
não-lineares aqui.

2 Solução da equação do oscilador harmônico


simples
A equação do movimento (3) é uma equação diferencial ordinária linear de
2a ordem.

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• Ela é ordinária porque não envolve derivadas parciais em x;


• Ela é de 2a ordem porque a derivada de ordem mais elevada que aparece
é a de 2a ;
• Ela é linear porque não aparecem termos não lineares em x (como x2 ,
2
x3 , etc) e em dx/dt, d2 x/dt2 , etc (como (dx/dt)2 , (dx/dt)3 , (d2 x/dt2 ) ,
3
(d2 x/dt2 ) , etc).
Pode-se verificar por substituição que a equação (3) é satisfeita pelas
funções trigonométricas sen(ct) e cos (ct) com a constante c igual a ω. Mostre
isso como exercício.
Portanto, as seguintes funções são soluções da equação (3):
x1 (t) = sen(ωt)
x2 (t) = cos (ωt).
Temos o seguinte resultado da teoria das equações diferenciais: qualquer
equação diferencial linear de 2a ordem homogênea (como é o caso da equa-
ção (3)) satisfaz as seguintes propriedades:
1. Se x1 (t) e x2 (t) são soluções, então x1 (t) + x2 (t) também é;
2. Se x(t) é solução, então ax(t) (onde a = constante) também é.
Como consequência, a combinação linear
x(t) = ax1 (t) + bx2 (t)
também é solução. Este resultado (princípio da superposição) é uma con-
sequência da linearidade da equação diferencial.
Outro resultado da teoria das equações diferenciais é o de que a solução
geral de uma equação diferencial ordinária de 2a ordem depende de duas
constantes arbitrárias.
Uma consequência dos resultados acima é que se x1 (t) e x2 (t) são soluções
independentes, isto é, se x2 (t) não é um múltiplo de x1 (t), a combinação
linear acima é a solução geral da equação diferencial (pois depende de duas
constantes arbitrárias, a e b).
Aplicando o que foi visto acima ao caso do oscilador harmônico simples
unidimensional, temos que a solução geral da equação (3)) é
x(t) = a sen(ωt) + b cos (ωt).

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Esta solução também pode ser escrita como

x(t) = A sen(ωt + φ0 ), (5)

onde A e φ0 são duas constantes arbitrárias.


Para mostrar isto, vamos reescrever as constantes a e b como

a = A cos φ0
b = A senφ0 ,

onde A e φ0 são outras constantes2 . Então, em termos dessas duas novas


constantes, a solução geral é

x(t) = A sen(ωt) cos φ0 + A cos (ωt) senφ0 .

Lembrando agora da fórmula

sen(a + b) = sena cos b + senb cos a,

a solução geral acima fica escrita como:

x(t) = A sen(ωt) cos φ0 + A cos (ωt) senφ0 = A sen(ωt + φ0 ).

A solução geral do movimento harmônico simples, equação (5), é uma


oscilação senoidal (ou cossenoidal, como veremos mais adiante). Como as
funções seno e cosseno são chamadas de funções harmônicas (por sua relação
com a música), esta é a explicação para chamarmos o movimento oscilatório
associado a elas de harmônico.
2
Isto sempre pode ser feito. Dados valores numéricos para as constantes a e b, os valores
numéricos das constantes A e φ0 podem ser obtidos da seguinte forma: sendo a = A cos φ0
e b = A senφ0 , eleve ao quadrado as duas expressões,

a2 = A2 cos2 φ0 e b2 = A2 sen2 φ0 .

Somando os dois termos quadráticos, temos,


p
a2 + b2 = A2 ⇒ A = a2 + b2 .

Este é o valor de A. O valor de φ0 pode ser obtido de uma ou outra das equações para a
e b em termos de A e φ0 . Por exemplo,
a a a
cos φ0 = =√ ⇒ φ0 = arccos √ .
A a2 + b2 a2 + b2

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3 Análise do movimento harmônico simples


A representação gráfica da oscilação descrita pela equação (5) está mostrada
na Figura 2.

Figura 2: Representação gráfica da equação (5).

A oscilação senoidal tem as seguintes propriedades:

1. Ela está confinada dentro dos limites x = ±A, onde A é a amplitude


da oscilação;

2. Ela tem um período T dado pelo intervalo de tempo entre dois estados
de movimento iguais, por exemplo, dois máximos sucessivos.

O argumento da função senoidal,

θ = ωt + φ0

é chamado de fase do movimento e o seu valor para t = 0 é a constante de


fase ou a fase inicial do movimento (φ0 ).
A Figura 3 mostra o efeito de se variar a fase inicial φ0 mantendo-se
constantes todos os demais parâmetros. A curva oscilatória é deslocada rigi-
damente ao longo do eixo t.

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Figura 3: Solução oscilatória da equação (5) para diferentes fases iniciais φ0 .

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O valor do período T pode ser obtido notando que cada vez que a fase
(ωt + φ0 ) da função seno varia por 2π, a variável x realiza um ciclo completo
(um período se passa). Assim, podemos escrever
θ = ωt + φ0 ⇒
θ + 2π = ω(t + T ) + φ0 ,
de onde obtemos a expressão para T :
2π = ωT ⇒

T = . (6)
ω
Note que o período das oscilações é independente da amplitude. Este é um
resultado válido apenas para o movimento harmônico simples e deixa de valer
para oscilações não-lineares.
Escrevendo T em função de m e k, temos:
r
2π m
T = = 2π .
ω k
Este resultado indica que se a massa m do corpo que oscila aumenta, o
período aumenta, isto é, as oscilações ocorrerão mais lentamente; e se a
constante da mola k aumenta (a mola fica mais dura), o período diminui,
isto é, as oscilações ficam mais rápidas.
A frequência da oscilação f é definida como o inverso do período,
1 ω
f= = . (7)
T 2π
A unidade de frequência é o hertz (Hz), em homenagem ao físico alemão
Heinrich Hertz (1857-1894). Também se usa como unidade “ciclos por se-
gundo”.
As duas constantes arbitrárias A e φ0 da solução (5) podem ser deter-
minadas a partir das condições iniciais x(0) = x0 e v(0) = v0 = (dx/dt)|0 .
De (5), temos:
dx(t)
v(t) = = ωA cos (ωt + φ0 ). (8)
dt
Portanto, fazendo t = 0 em (5) e (8) temos:
x0 = A senφ0
v0 = ωA cos φ0 .

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Para obter os valores de A e φ0 , tomemos os quadrados dessas duas equações:


x20
x20 = A2 sen2 φ0 ⇒ sen2 φ0 =
A2
v02 = ω 2 A2 cos2 φ0 = ω 2 A2 1 − sen2 φ0 .


Substituindo o primeiro resultado no segundo,


x20
 
2 2 2
v0 = ω A 1 − 2 = ω 2 A2 − x20 ⇒

A

v02 v02
A2 − x20 = ⇒ A 2
= x 2
0 + ⇒
ω2 ω2
r
v2
A = x20 + 02 . (9)
ω
Para obter o valor de φ0 , vamos dividir x0 por v02 :
2

x20 A2 sen2 φ0 tg2 φ0


= = ⇒
v02 ω 2 A2 cos2 φ0 ω2

ω 2 x20 ωx0
tg2 φ0 = 2
⇒ tgφ0 = ⇒
v0 v0
ωx0
φ0 = arctan . (10)
v0
Até aqui, representamos o movimento harmônico simples por uma fun-
ção seno. Porém, tudo também poderia ter sido feito representando-se o
movimento harmônico simples por uma função cosseno:

x(t) = A cos (ωt + α0 ). (11)

As representações do movimento harmônico simples em termos de um


seno ou de um cosseno são equivalentes.
Para mostrar isto, basta lembrar que
π
cos θ = sen(θ + ).
2
Para que as equações (5) e (11) sejam idênticas devemos ter

sen(ωt + φ0 ) = cos (ωt + α0 ).

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Substituindo nesta expressão a identidade acima,


π
sen(ωt + φ0 ) = sen(ωt + α0 + ).
2
Portanto, para que a igualdade seja satisfeita, basta que as constantes de
fase sejam definidas de modo que
π
φ 0 = α0 + ,
2
ou com o lado direito da expressão acima acrescido de qualquer múltiplo de
2π.
Dependendo da circunstância, pode-se escolher representar o movimento
harmônico simples em termos do seno ou do cosseno.

4 Representação geométrica do MHS


Há uma relação básica entre o movimento harmônico simples e o movimento
em uma trajetória circular. Este fato nos leva a uma maneira particularmente
simples de exposição e visualização do MHS. Imaginemos que um disco hori-
zontal, de raio A, gira com velocidade angular constante ω em torno de um
eixo vertical que passa por seu centro. Suponhamos que um pino P está preso
à borda do disco tal como mostrado na Figura 4(a). Então, se olharmos o
disco de frente para sua borda (horizontalmente), veremos o pino movendo-se
para a direita e para a esquerda ao longo de uma linha reta horizontal (Fi-
gura 4(b)). O movimento do pino por esta linha corresponderá exatamente
ao que é descrito pela equação (5), se a posição angular do pino em t = 0
for escolhida corretamente, de forma que o ângulo SOP na Figura 4(c) seja
igual a ωt + φ0 .
Nesta representação, a quantidade ω é a velocidade angular de P ao se
mover pelo círculo. O pino tem uma velocidade v que muda constantemente
de direção, mas sempre tem módulo igual a ωA. A componente de v paralela
ao eixo Ox tem o mesmo valor da equação (8). Portanto, o movimento
do ponto B na Figura 4(c) corresponde, em todos os aspectos, ao de uma
partícula que descreve um MHS no eixo x.

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Figura 4: (a) Pino em um disco que gira uniformemente. (b) Deslocamento


do pino visto do plano que contém o disco. (c) Relação entre o movimento
circular e o movimento harmônico simples.

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