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Oscilações amortecidas

Antônio Roque
Abril 2023

O modelo do sistema massa-mola visto nas aulas passadas, que resultou


nas equações do MHS, é apenas uma idealização das situações mais realistas
existentes na prática.
Sempre que um sistema físico é posto para oscilar livremente, as osci-
lações decaem com o tempo até desaparecer completamente. Todo sistema
real possui características dissipativas que levam a sua energia mecânica (ci-
nética mais potencial) a se converter em outras formas de energia (calor, por
exemplo).
Portanto, o modelo do MHS que leva à descrição matemática de um
sistema oscilante em termos de uma função senoidal de amplitude constante
e que perdura indefinidamente deve ser modificado para que possa descrever
de maneira mais precisa as oscilações que decaem com o tempo.
A força resistiva de um fluido (ar, água, etc) a um corpo em movimento
é função da velocidade do corpo. Ela se opõe ao sentido da velocidade e seu
módulo é dado por
R(v) = b1 v + b2 v 2 , (1)
onde v é o módulo da velocidade do corpo e b1 e b2 são constantes positivas.
Fazendo uma análise dimensional da equação (1), podemos determinar as
dimensões de b1 e b2 :
[F ] [M ][L][T ] [M ]
[b1 ] = = 2
= .
[V ] [T ] [L] [T ]
e
[F ] [M ][L][T ]2 [M ]
[b2 ] = 2
= 2 2
= .
[V ] [T ] [L] [L]
Portanto, no SI b1 é dada em kg/s e b2 em kg/m.

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Quando as velocidades são pequenas, como é o caso para pequenas oscila-


ções, o termo quadrático na equação (1) pode ser desprezado e fica-se apenas
com o termo linear:
R(v) = bv. (2)
Vamos novamente tomar o modelo de um corpo preso a uma mola como
o protótipo de um sistema oscilando. No presente caso, considerando que há
uma força resistiva se opondo ao movimento do corpo como a da equação (2),
a segunda lei de Newton para o corpo é

d2 x
m = −kx − bv. (3)
dt2
A equação (2) pode ser reescrita como

d2 x dx
m 2
+ b + kx = 0,
dt dt
ou
d2 x dx
2
+γ + ω02 x = 0, (4)
dt dt
onde
k
ω02 =
m
e
b
γ= .
m
As unidades da constante γ também podem ser determinadas por análise
dimensional:
[b] [M ] 1
[γ] = = = .
[M ] [T ][M ] [T ]
Portanto, no SI γ é dada em s−1 .
A constante γ é chamada de constante de amortecimento. Ela caracteriza
o amortecimento e, quando é nula, não há amortecimento e o corpo realiza
um MHS com frequência angular ω0 como visto nas aulas anteriores.
A equação (4) é uma equação diferencial linear homogênea de 2a ordem
com coeficientes constantes. Os métodos de solução dessa equação estão além
dos objetivos desta disciplina, de maneira que aqui apenas mostraremos os
tipos de solução possíveis e nos aprofundaremos somente em um deles.

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1 Soluções da equação (4)


A solução da equação (4) depende do seguinte termo:
r
γ2
ω = ω02 − . (5)
4
Existem então três casos possíveis:
γ2
1. ω02 > 4
⇒ ω é um número real diferente de zero;
γ2
2. ω02 = 4
⇒ ω = 0;
γ2
3. ω02 < 4
⇒ ω é um número imaginário puro.
O gráfico na Figura 1 sintetiza os comportamentos dos três casos possíveis
de amortecimento. Nos três casos, para facilitar a comparação, a posição
inicial do corpo é x(0) = A e a sua velocidade inicial é v(0) = 0.

Figura 1: Tipos de solução da equação (4).


2
O caso em que ω02 > γ4 (ω > 0) resulta em um comportamento oscilatório
com amortecimento. Este caso é chamado de amortecimento subcrítico.
2 2
Os casos em que ω02 = γ4 e ω02 < γ4 não produzem oscilações. O amorteci-
mento nesses casos é tão forte que o corpo sai de sua posição inicial e decai
para a posição de equilíbrio de maneira monotônica (sem oscilações). Es-
ses dois casos são chamados, respectivamente, de amortecimento crítico
(ω = 0) e amortecimento supercrítico (ω imaginário).

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A solução com amortecimento crítico é a que decai mais rapidamente em


direção ao equilíbrio. O nome “crítico” vem do fato de que é para o valor
do parâmetro γ deste caso (γ/2 = ω0 ) que o comportamento de decaimento
do corpo em direção ao equilíbrio deixa de ser oscilatório e passa a ser mo-
notônico. O valor da constante de amortecimento γ para este caso estebelece
uma “fronteira” que separa as duas classes de comportamento amortecido
possíveis: amortecimento com oscilações e amortecimento sem oscilações.
O caso de amortecimento crítico tem aplicação prática importante na
construção de balanças ou outros instrumentos de precisão baseados em sis-
temas mecânicos elásticos. A ideia é construir o aparelho de maneira que o
seu amortecimento seja crítico para que o movimento atinja o equilíbrio o
mais depressa possível e permita uma rápida leitura do resultado.
Amortecedores de automóveis também são ajustados para o caso crítico.
Isso faz com que eles retornem o mais rapidamente possível ao equilíbrio após
o carro passar por um buraco, ficando prontos para o próximo buraco.
Como dito acima, só vamos considerar nesta aula o caso de amortecimento
subcrítico.

2 Amortecimento subcrítico
2
Para o caso em que ω02 > γ4 , a solução x(t) da equação diferencial (4) é a
seguinte:
x(t) = Ae−γt/2 cos(ωt + φ), (6)
onde A e φ são constantes e
r
γ2
ω= ω02 − . (7)
4
A solução (6) foi escrita usando a função cosseno. Como visto nas aulas
sobre o MHS, poderíamos também tê-la escrito usando a função seno (apenas
a constante de fase seria diferente).
Como já vimos antes, esta solução é do tipo oscilatória com amorteci-
mento. A Figura 2 mostra o gráfico de (6) para o caso particular em que
φ = 0.
Tente, como exercício, reproduzir o gráfico da Figura 2 usando algum
programa que faz gráficos. Dica: o gráfico foi feito para um caso em que
γ ≪ ω0 .

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Figura 2: Solução subamortecida para o caso particular em que φ = 0.

A grandeza ω, definida por (7), é chamada de frequência do oscilador


amortecido. Estritamente falando, não se pode definir uma frequência para
o caso de um oscilador amortecido, pois o movimento não é periódico (o osci-
lador nunca passa duas vezes pela mesma posição com a mesma velocidade).
Para o caso de um amortecimento fraco, em que γ ≪ ω0 (que é o caso da
Figura 2), pode-se escrever
r
γ2
ω = ω02 − ≈ ω0 .
4
Em tal caso pode-se usar o termo “frequência” sem incorrer em um grande
erro, mas deve-se ter em mente que o termo só tem significado preciso quando
γ = 0. Apesar disso, é costume chamar ω de “frequência” angular do oscilador
amortecido e este costume será seguido aqui.
Assim como se define uma “frequência” para o oscilador amortecido, tam-
bém se define o “período”, dado por

T = .
ω
Note que a frequência do oscilador amortecido é sempre menor que a frequên-
cia do oscilador sem amortecimento. Por outro lado, o período do oscilador
amortecido é sempre maior que o período do oscilador não amortecido.

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Continuando com os abusos de linguagem, também é costume chamar


o fator Ae−γt/2 de “amplitude” da oscilação amortecida. Observe que essa
amplitude decai com o tempo de forma exponencial. As curvas

x±A (t) = ±Ae−γt/2

definem a envoltória (ou envelope) das oscilações. Essas duas curvas também
estão mostradas na Figura 2.
Define-se o tempo de decaimento τd (uma constante) como o tempo que
a amplitude acima leva para cair a um valor igual a 1/e do seu valor inicial.
Logo:
x±A (τd ) 1 Ae−γτd /2 1
= ⇒ = ⇒
x±A (0) e A e
γτd
e−γτd /2 = e−1 ⇒ =1⇒
2
2 2m
τd = = . (8)
γ b
Pode-se então reescrever a equação (6) como:

x(t) = Ae−γt/τd cos(ωt + φ). (9)

A forma acima é útil quando se estuda experimentalmente um movimento


oscilatório com amortecimento. Isto porque o tempo de decaimento τd pode
ser determinado experimentalmente e, a partir dele, o valor de b.
A determinação experimental de τd pode ser feita da seguinte maneira:
mede-se o valor da amplitude da oscilação x0 para um tempo t0 correspon-
dente a um dos picos mostrados na Figura 2. Depois, mede-se a amplitude
xN em um tempo tN que esteja N picos à frente (ou seja, em um tempo N T
depois de t0 ).
Da equação (9), temos que a razão entre as duas amplitudes é

x0 e−t0 /τd
= −t /τ = e(tN −t0 )/τd ,
xN e N d
de maneira que o tempo de decaimento é dado por:

(tN − t0 )
τd = . (10)
ln (x0 /xN )

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Apesar disso, no resto desta aula continuaremos a representar o movimento


oscilatório amortecido pela equação (6).
Ao contrário do caso do oscilador harmônico simples, visto nas aulas
passadas, a energia do oscilador amortecido não é constante ao longo do
tempo. Pelo contrário, ela é continuamente dissipada e transformada em
calor ou outras formas de energia.
A energia mecânica do oscilador amortecido num instante de tempo t é
dada por:
1 1
E(t) = mv 2 (t) + kx2 (t). (11)
2 2
A taxa de variação temporal da energia é, portanto,
 
dE dv dx dv dv
= mv + kx = mv + kxv = v m + kx .
dt dt dt dt dt
Agora, a equação (3) nos dá que
d2 x dv
m 2
= m = −kx − bv.
dt dt
Substituindo esta expressão na equação acima para dE/dt:
dE  − bv +  ⇒
= v(−
kx kx)
dt
dE
= −bv 2 = mγv 2 . (12)
dt
A taxa de perda de energia é proporcional ao quadrado da velocidade
instantânea do corpo. Logo, a diminuição da energia não é uniforme. A
taxa de perda de energia possui máximos nos pontos em que o corpo atinge
os máximos de velocidade e é instantaneamente nula nos pontos em que a
velocidade do corpo é zero.
Esses pontos podem ser obtidos calculando-se a expressão para a veloci-
dade do corpo. Derivando a equação (6) temos que,
dx γt
hγ i
= −Ae− 2 cos (ωt + φ) + ω sen(ωt + γ) ,
dt 2
de maneira que
 2  2 
dx 2 −γt γ 2 2 2 γω
=A e cos (ωt + φ) + ω sen (ωt + γ) + sen[2(ωt + φ)]
dt 4 2

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e, portanto:

dE
=
dt
γ2
 
2 −γt 2 2 2 γω
− mγA e cos (ωt + φ) + ω sen (ωt + γ) + sen[2(ωt + φ)]
4 2
(13)

Os gráficos de E(t) e dE/dt estão dados nas Figuras 3 e 4, respecti-


vamente. Os gráficos foram feitos para os mesmos parâmetros e condições
usadas para construir o gráfico da o gráfico da Figura 2.

Figura 3: Gráfico de E × t.

Figura 4: Gráfico de dE/dt × t.

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