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Licenciatura em Eng.

Fı́sica Tecnológica (LEFT)


Mecânica Analı́tica
2o semestre, 3o perı́odo 2022-23

Prof. João Paulo Silva (Responsável)


Rafael Boto

Série de Problemas 01
Equações de Euler-Lagrange
16 de Setembro de 2022

1. Praticar com tensores.


Considere o tensor totalmente anti-simétrico ijk , tal que 123 = 1 e o delta de Kronecker δij . Usando a
convenção de Einstein, os ı́ndices repetidos são somados, excepto indicação explı́cita em contrário.

a) Mostre que

iab icd = δac δbd − δad δbc . (1)

Pode usar um pequeno programa de matemática para ver todas as possibilidades, ou pensar . . .

b) Usando o resultado anterior calcule ija ijb e ijk ijk .

c) Mostre que as componentes do produto externo de dois vectores se podem escrever como
 
~×B
A ~ = ijk Aj Bk . (2)
i

d) Considere o vector operador diferencial


 
~ ∂ ∂ ∂
∇ = (∂x , ∂y , ∂z ) = , , , (3)
∂x ∂y ∂z
 
~ r, t).1 Mostre que ∇.
que actua num campo vectorial A(~ ~ ∇ ~ ×A
~ = 0.

~ r, t),
e) Mostre que, dados um vector ~v e um qualquer campo vectorial A(~
 

~ × A)
~
 ∂ ∂
~v × (∇ = vb Ab − Ai . (4)
i ∂xi ∂xb

f ) Como um exercı́cio trivial em derivadas parciais de um campo escalar Ax (~r(t), t), convença-se que

dAx ∂Ax ~ x.
= + ~v .∇A (5)
dt ∂t
Escreva ~v em termos das coordenadas dependentes do tempo ~r(t).
1
Doravante assume-se que os campos (escalares ou vectoriais) são suficientemente bem comportados. Isto quer dizer que
os campos e as suas derivadas, até à ordem que for necessário, têm propriedades de continuidade suficientes para justificar
as manipulações com derivadas, incluindo a troca da sua ordem.
2. Oscilador harmónico.
Considere o Lagrangiano
1 1
L = T − V = mẋ2 − kx2 . (6)
2 2
k
a) Definindo ω02 = m, mostre que a equação de E-L dá ẍ + ω02 x = 0.
b) Calcule a forma geral das soluções da equação do movimento anterior e mostre que E = T + V é
constante.
c) Porque é que este exemplo representa (quase) qualquer sistema próximo do equilı́brio estável?
Porquê “quase”?

3. Mudança de coordenadas.
Considere a mudança de coordenadas da fig. 1: (x, y) → (r, θ). [Note nesta figura a escolha pouco habitual

Figura 1:

de medir θ a partir do eixo dos yy.]

a) Escreva (x, y) em termos de (r, θ) e conclua que

ẋ = ṙsθ + θ̇ rcθ ,
ẏ = ṙcθ − θ̇ rsθ , (7)

onde doravante cθ = cos θ e sθ = sin θ.


b) Calcule ẋ2 + ẏ 2 em termos das novas coordenadas.
c) Explique fı́sica e (usando a figura) graficamente qual o significado de

aθ = cθ ẍ − sθ ÿ ,
ar = sθ ẍ + cθ ÿ . (8)

d) Calcule aθ e ar em termos das coordenadas (r, θ).

4. Pêndulo simples: Newton.


Pretende-se estudar o pêndulo simples “a la Newton” em dois sistemas de coordenadas diferentes.

a) Inspirado na fig. 2, mostre que o pêndulo simples pode ser descrito pelo seguinte sistema de três
equações:
x
mẍ = −T ,
`
y
mÿ = mg − T ,
`
2 2 2
x +y = ` . (9)
Figura 2:

Figura 3:

b) Inspirado na fig. 3, onde aN é a aceleração normal (ou centrı́peta) e aT é a aceleração tangencial,


mostre que o pêndulo simples pode ser descrito pelo sistema de duas equações:

T − mgcθ = m(θ̇)2 ` ,
−mgsθ = mθ̈` . (10)

Quais as vantagens desta alı́nea face à anterior?

c) Como é que as acelerações usadas na alı́nea anterior se relacionam com o Problema 3?

5. Pêndulo simples: Lagrange.


Pretende-se estudar o pêndulo simples usando o Lagrangiano.

a) Mostre que o Lagrangiano se pode escrever


1
L = m`2 θ̇2 + mg`cθ , (11)
2
explicando detalhadamente todos os passos.

b) Encontre a respectiva eq. de E-L e compare com a segunda eq. (10). O que aconteceu neste
formalismo à primeira eq. (10)?

6. Constrangimentos/ligações.
Consideremos novamente as coordenadas (r, θ) do Problema 3, aplicadas a uma partı́cula de massa m
que se move sob a acção da gravidade sem constrangimentos adicionais.

a) Mostre que o Lagrangiano se pode escrever


1
L = m(ṙ2 + r2 θ̇2 ) + mgrcθ , (12)
2
explicando detalhadamente todos os passos.

Claramente, o pêndulo simples corresponde ao caso anterior, sujeito à ligação f = 0, onde

f = f (r) = r − l . (13)
Considere o novo Lagrangiano
Lλ = L + λ f , (14)
onde λ é tratado como constante e conhecido como um multiplicador de Lagrange.2
b) Encontre as duas eqs. de E-L correspondentes a Lλ ; uma para q1 = r, a outra para q2 = θ. Substitua
nessas equações a restrição (e suas consequências):
r = `, ṙ = 0, r̈ = 0 . (15)
Compare com as duas eqs. (10). Como se relaciona λ com T ?
c)∗ Mostre que as mesmas equações podem ser obtidas de outra forma, através de
d ∂L ∂L X ∂fα
− = Qλk = λα . (16)
dt ∂ q̇k ∂qk α
∂qk

Neste caso, só há um constrangimento (só há α = 1) e λ1 = λ não depende do tempo.3

7. Igloo.
A fig. 4 mostra uma calote esférica de raio R, em cima da qual se desloca sem atrito uma partı́cula de

Figura 4:

massa m. O sistema modela uma criança que brinca escorregando em cima de um igloo. A dada altura
haverá perda de contacto.
a) Identifique os graus de liberdade e escreva o Lagrangiano do sistema explicando detalhadamente
todos os passos. Haverá limitações ao regime de validade deste Lagrangiano? Se sim, qual a sua
origem?
b) Escreva as equações do movimento. Compare com o pêndulo simples.
Para determinar a força de ligação, usamos a eq. (16), com
1
L = m(ṙ2 + r2 θ̇2 ) − mgr cos θ ,
2
f = f (r) = R − r . (17)
c) Encontre a expressão para a força que a calote exerce sobre a massa.
d) Determine a altura crı́tica hc a que a partı́cula abandona a calote, admitindo que parte do topo
(quase) sem velocidade inicial.

8.∗ [Tong] Partı́cula num aro que roda.


A fig. 5 mostra um aro circular de raio a, num plano vertical que roda (em torno da vertical) com
velocidade angular ω. A figura mostra também eixos (x, y, z) fixos no espaço e uma partı́cula de massa
m, que só se pode deslocar ao longo do aro, sem atrito.
2
Aprende-se em Matemática durante o estudo de extremos condicionados. Se domina mal essa matéria, reveja-a já.
3
A discussão do uso de multiplicadores de Lagrange na secção 2.4 da 3a edição do Goldstein (com os novos autores) está
errada. A clássica 2a edição está correcta. Se tiver muitı́ssimo tempo livre, pode ver The enigma of nonholonomic constraints,
M.R. Flannery, Am. J. Phys. 73, 265 (2005), disponı́vel em http://www.phys.ufl.edu/∼maslov/classmech/flannery.pdf.
Figura 5: Retirada de Classical Dynamics, David Tong (2005), disponı́vel online.

a) Mostre que as coordenadas da partı́cula se podem escrever como

x = a sin (ψ) cos (ωt) ,


y = a sin (ψ) sin (ωt) ,
z = a − a cos (ψ) . (18)

Estamos, portanto, na presença de ligações holómonas que dependem do tempo.

b) Defina novas coordenadas

xφ = cos (ωt) x + sin (ωt) y ,


yφ = − sin (ωt) x + cos (ωt) y . (19)

Qual o significado fı́sico destas coordenadas? Mostre que, em termos delas, as restrições ao movi-
mento da partı́cula se podem escrever como

x2φ + (a − z)2 = a2 , yφ = 0 . (20)

Interprete estas equações. Quantos graus de liberdade tem este problema? Confirme na eq. (18).

c) Mostre que o Lagrangiano se pode escrever


1  
L = ma2 ψ̇ 2 + ω 2 sin2 ψ + mga cos ψ , (21)
2
explicando detalhadamente todos os passos.

O Lagrangiano anterior pode ser re-escrito como


 
L = ma2 21 ψ̇ 2 − Veff , (22)

que é o Lagrangiano para uma partı́cula de massa m que se move simplesmente sob a acção do potencial
Veff .

d) Escreva a expressão de Veff e explique qual a origem de cada um dos dois termos de Veff . Deduza a
respectiva eq. de E-L.
e) Mostre que as soluções “estacionárias”, nas quais a altura da partı́cula não se altera (ψ̈ = ψ̇ = 0),
são dadas por

g sin ψ = aω 2 sin ψ cos ψ . (23)

Quantos pontos estacionários existem, quais são e quais as condições para que existam?

f ) Esboce os gráficos de Veff versus ψ ∈ (0, π), para três casos: ω = 0; 0 < ω 2 < g/a; e ω 2 > g/a.
Indique nestes os pontos estacionários e a sua natureza: estável ou instável.

9. Bloco em plano inclinado fixo.


A fig. 6 mostra um bloco (tratado aqui como pontual) de massa m que pode mover-se sem atrito ao

Figura 6:

longo de um plano com inclinação θ. A figura mostra também dois possı́veis sistemas de coordenadas,
relacionados por
x = xp cos θ + yp sin θ ,
y = −xp sin θ + yp cos θ . (24)

a) Claramente, o movimento pode ser descrito só com a coordenada xp . Use-a para escrever o Lagran-
giano do sistema, explicando detalhadamente todos os passos.

b) Escreva a equação de E-L e relacione-a com o que obteria resolvendo o problema usando a segunda
lei de Newton. Obtém desta forma a força normal que o plano exerce sobre o bloco?

c) Considere agora o novo Lagrangiano


1
Lλ = m(ẋ2p + ẏp2 ) + mgxp sin θ − mgyp cos θ + λyp , (25)
2
explicando cuidadosamente a origem de todos os termos. Em particular, note os novos termos em
yp e ẏp .

d) Escreva as equações de E-L. Relacione uma com a alı́nea b) e a outra com a força de reacção do
plano que obteria resolvendo o problema usando a segunda lei de Newton.

10. Bloco em plano deslizante.


A fig. 7 mostra um plano de ângulo θ e massa M que pode deslocar-se sem atrito numa mesa horizontal.
Em cima deste pode deslocar-se também sem atrito um bloco de massa m. A figura mostra também
as coordenadas x1 e x2 , que indicam, respectivamente, a distância percorrida pelo plano em relação em
relação à mesa e a distância percorrida pelo bloco ao longo do plano, medida em relação ao plano.

a) Considere coordenadas x e y que descrevem o movimento do bloco em relação à mesa. Escreva-as


em termos de x1 , x2 e θ. O problema tem dois graus de liberdade ou três?

b) Usando a intuição de uma lei de conservação (qual?), explique a relação de sinal que, uma vez
encontradas as soluções do problema, confirmará existir entre x1 e x2 .
Figura 7:

c) Escreva o Lagrangiano do sistema, explicando detalhadamente todos os passos.

d) O Lagrangiano depende de x1 ? Qual a consequência desse facto?

e) Encontre as eqs. de E-L e confirme a previsão que fez na alı́nea d).

f ) Determine ẍ1 e ẍ2 . Confirme o resultado do Problema 9 no limite M → ∞.

Aceite como válida a seguinte informação: a força entre o plano inclinado e o bloco é perpendicular ao
plano que os separa e tem módulo dado por

N2 = m+M
Mg . (26)
m − c2θ

g) Confirme que no limite M → ∞ se obtém o resultado da alı́nea P9.d).

h) Mostre que, num deslocamento real x1 , x2 6= 0, a força N2 realiza trabalho sobre o bloco. Como
conciliar com a hipótese de que uma força interna não realiza trabalho sobre o bloco num deslo-
camento virtual? Por outro lado, será que as forças internas realizam trabalho sobre o sistema,
mesmo num deslocamento real?

i)∗∗ Use multiplicadores de Lagrange para demonstrar a fórmula (26).

11. Osciladores acoplados.


A figura mostra dois sistemas massa/mola, ambos com massa m e constante de mola k, ligados por uma
mola de constante k 0 .4 Assuma que na posição de equilı́brio as molas têm o seu comprimento natural.

a) Mostre que o Lagrangiano do sistema se pode escrever como


1  1 1
L = m ẋ21 + ẋ22 − k(x21 + x22 ) − k 0 (x1 − x2 )2 . (27)
2 2 2

b) Derive as eqs. de E-L e mostre que estão acopladas.


4
Este sistema e o pêndulo duplo discutido abaixo constituem exemplos de osciladores acoplados. Voltaremos a eles no
capı́tulo sobre Pequenas Oscilações, que fará a ponte com a disciplina de Oscilações e Ondas. Mais exemplos podem ser
encontrados em Vibrações e Ondas, João Paulo Silva, IST Press (2012).
Considere novas coordenadas generalizadas (a que mais tarde chamaremos modos normais)
1
η1 = √ (x1 + x2 ) ,
2
1
η2 = √ (x1 − x2 ) . (28)
2

c) Re-escreva o Lagrangiano em termos das novas coordenadas. Encontre as respectivas eqs. de E-L e
mostre que estão desacopladas. Encontre a solução geral das equações.

d) A que movimento de (x1 , x2 ) corresponde cada um dos modos normais?


Sugestão: Pense que o modo normal η1 corresponde à ausência do modo normal η2 ; o que aprende
de η2 = 0?

e) Regresse às coordenadas originais (x1 , x2 ). Considere que as molas são largadas sem velocidade
inicial das posições x10 = x1 (t = 0) e x20 = x2 (t = 0). Mostre que

x1 (t) = A1 cos (ω1 t) + A2 cos (ω2 t) ,


x2 (t) = A1 cos (ω1 t) − A2 cos (ω2 t) , (29)

identificando A1 e A2 em termos de x10 e x20 . Escreva ω12 e ω22 em termos de ω02 = k/m e ωP2 = k 0 /m.
Usando o que viu na alı́nea d), diga como poderia ter adivinhado as expressões de ω1 e ω2 .

f ) Estudemos a segunda das equações (29) em detalhe, usando A1 = A2 . Faça um gráfico de x2 (t),
usando ω1 = ω2 /7. Interprete. Faça um novo gráfico para o caso ω1 = 9ω2 /10, usando a relação
trigonométrica
   
β+α β−α
cos α − cos β = 2 sin sin , (30)
2 2

para interpretar o resultado em termos de batimentos. [Para se divertir, explique como este fenómeno
pode ser usado para afinar uma corda de uma guitarra tendo outra já afinada.]

g) Sabe-se que se a partı́cula 2 está fixa, a partı́cula 1 oscila com uma frequência νA = 1, 81Hz e que,
quando as duas partı́culas podem oscilar, o modo normal mais lento tem frequência ν1 = 1, 14Hz.
Determine a frequência ν2 do outro modo normal e o quociente k 0 /k.

~ podem ser usados para escrever os campos eléctrico e


12. O potencial escalar φ e o potencial vector A
magnético como
~
~ − ∂A ,
~ = −∇φ
E
∂t
~ ~ ~
B = ∇ × A, (31)

respectivamente.
Uma transformação de gauge é definida por
∂λ
φ → φ0 = φ + ,
∂t
A ~0 = A
~ → A ~ − ∇λ
~ , (32)

onde λ(~r, t) é uma qualquer função (bem comportada) do espaço e do tempo.


A força de Laplace-Lorentz pode escrever-se como
 
F~ = q E ~ + ~v × B
~ , (33)

ou

F~ ~
~ − ∂ A + ~v × ∇

~ ×A

~ .
= −∇φ (34)
q ∂t

a) Mostre que as eqs. (31) implicam imediatamente as equações de Maxwell homogéneas:

~
~ B
∇. ~ = 0, ~ = − ∂B .
~ ×E
∇ (35)
∂t
Qual o significado fı́sico da primeira equação? Como se chama a lei representada localmente pela
segunda equação?

b) Mostre que os campos eléctrico e magnético são invariantes para uma transformação de gauge.5

c) Considere o potencial dependente da velocidade ~v dado por


~,
U = qφ − q~v .A (36)

e o Lagrangiano L = mv 2 /2 − U . Mostre que as correspondentes eqs. de E-L são

dAk ∂φ ∂Aa
0 = mẍk + q +q −q va . (37)
dt ∂xk ∂xk

d) Use (37) e o Problema 1 para obter a força de Laplace-Lorentz em (33).

5
Esta propriedade é muito útil do ponto de vista clássico, pois ela permite escolher uma gauge nas quais as contas se
tornem mais simples. Mas historicamente ela foi fonte de uma série de dificuldades quando se começou a tentar quantizar
campos de gauge.

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